11.04.2013 Views

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

MÍDIA FALIDA<br />

DEPENDENTE DE<br />

VERBAS PUBLICITÁRIAS<br />

E CHEIA DE DÍVIDAS,<br />

A IMPRENSA PÕE A<br />

VERDADE À VENDA<br />

DOR NO BOLSO<br />

EMPRESAS CAUSADORAS<br />

DE AFASTAMENTO POR<br />

DOENÇA TÊM DE PAGAR<br />

MAIS AO INSS<br />

DOM QUIXOTE<br />

CLÁSSICO DE CERVANTES<br />

TEM EXEMPLARES RAROS<br />

EM SÃO PAULO<br />

CONSUMA<br />

SEM SER<br />

CONSUMIDO<br />

Responsabili<strong>da</strong>de na hora de<br />

comprar faz bem para a saúde<br />

ambiental e social do planeta<br />

nº 104 | junho de 2005<br />

Eliana Tiezzi,<br />

do Projeto Papel<br />

de Gente


Publicação mensal do Sindicato dos<br />

Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e<br />

Região – Rua São Bento, 413, Centro, São Paulo,<br />

CEP 01011-100, ☎ (11) 3188-5200.<br />

www.spbancarios.com.br<br />

Telefones<br />

Sede: 3188-5200. Oeste: 3814-2583. Norte: 6979-7720.<br />

Leste: 6191-0494. Sul: 5641-6733. Paulista: 3284-7873.<br />

Osasco: 3682-3060. Centro: 3188-5295<br />

Presidente<br />

Luiz Cláudio Marcolino<br />

Diretor de Imprensa<br />

Walcir Previtale Bruno<br />

Diretoria<br />

Adriana Oliveira Magalhães, Aladim Takeyoshi Iastani,<br />

Ana Maria Érnica, Ana Paula <strong>da</strong> Silva, Ana Tércia<br />

Sanches, André Luis Rodrigues, Antônio Inácio Pereira<br />

Junior, Antonio Romano Ferrari, Antonio Saboia Barros<br />

Junior, Antonio Sérgio Ferreira Godinho, Camilo<br />

Fernandes dos Santos, Carlos Miguel Barreto<br />

Damarindo, Clarice Torquato Gomes <strong>da</strong> Silva, Cláudio<br />

Gerstner, Cleuza Rosa <strong>da</strong> Silva, Daniel Santos Reis,<br />

Deise Teixeira Lessa, Deyvid Leite, Dirceu Travesso,<br />

Edison José de Oliveira, Edria Neves Barbieri, Edson<br />

Carneiro <strong>da</strong> Silva, Edvaldo Rodrigues <strong>da</strong> Silva, Elaine<br />

Cutis Gonçalves, Elias Cardoso de Morais, Ezequiel<br />

Bigato, Flávio Monteiro Moraes, Genésio dos Santos<br />

Ferreira, Ivone Maria <strong>da</strong> Silva, Jackeline Machado,<br />

Jackson José Ramos de Lima, Jair Alves dos Santos,<br />

João de Oliveira, João Paulo <strong>da</strong> Silva, José Carlos<br />

Alonso Gonçalves, João Vaccari Neto, José Fernando<br />

Dias Parreira, José Osmar Boldo, José Ricardo<br />

Sasseron, Jozivaldo <strong>da</strong> Costa Ximenes, Juarez<br />

Aparecido <strong>da</strong> Silva, Juvandia Moreira Leite, Luiz<br />

Campestrin, Manoel Castaño Blanco, Marcelo Defani,<br />

Marcelo Gonçalves, Marcelo Peixoto de Araújo,<br />

Marcelo Pereira de Sá, Marcio Benedito Monzane,<br />

Marco Antonio dos Santos, Marcos Antonio do Amaral,<br />

Marcos Benedito <strong>da</strong> Silva, Marcos Roberto Leal Braga,<br />

Maria Apareci<strong>da</strong> Antero Correia, Maria Cristina Castro,<br />

Maria Cristina Corral, Maria do Carmo Ferreira Lellis,<br />

Maria Helena Francisco dos Santos, Neiva Maria<br />

Ribeiro dos Santos, Nelson Ezidio Bião <strong>da</strong> Silva,<br />

Nelson Luis <strong>da</strong> Silva Nascimento, Onísio Paulo<br />

Machado, Paulo Rogério Cavalcante Alves, Plínio<br />

José Pavão de Carvalho, Rafael Vieira de Matos,<br />

Raimundo Nonato Dantas de Oliveira, Reginaldo<br />

Batista <strong>da</strong> Silva, Reginaldo do Nascimento Filho,<br />

Ricardo Correa dos Santos, Rita de Cassia Berlofa,<br />

Rosana Rosa Pereira, Sandra Regina Vieira <strong>da</strong> Silva,<br />

Sérgio Francisco <strong>da</strong> Silva, Sérgio Koei Ikehara, Silvio<br />

Góis de Lima (in memorian), Tania Teixeira Balbino,<br />

Ubiratan Abon<strong>da</strong>nza Kuhlmann, Vagner Freitas de<br />

Moraes, Valdemar de Souza Pinheiro, Valdir Fernandes,<br />

Vera Lucia Marchioni, Washington Batista Farias,<br />

William Mendes de Oliveira, Wilson Aparecido Ribeiro.<br />

Honorários: Deli Soares Pereira, Maria <strong>da</strong> Glória Abdo,<br />

Sérgio Ricardo <strong>da</strong> Silva Rosa.<br />

Editores<br />

Maria Angélica Ferrasoli - MTb 17.299<br />

Vander Fornazieri - MTb 20.301<br />

Impressão<br />

Bangraf ☎ (11) 6947-0265<br />

Capa<br />

Foto de Paulo Pepe<br />

Tiragem<br />

100 mil exemplares. Distribuição domiciliar<br />

gratuita aos associados<br />

PAULO PEPE<br />

CARTAAOLEITOR<br />

NÃO HÁ<br />

PLANETA QUE<br />

AGÜENTE<br />

Mantidos os<br />

atuais níveis<br />

de consumo,<br />

a Terra terá<br />

seus recursos<br />

naturais<br />

exploráveis<br />

exauridos<br />

em 2050<br />

Há um novíssimo termo politicamente correto surgindo entre a turma<br />

que tem na ecologia sua principal bandeira de luta. Dessa vez,<br />

promete mexer com muita gente e interesses, já que o “consumo<br />

consciente” – ou responsável – pode fazer a diferença entre um<br />

planeta ain<strong>da</strong> cheio de vitali<strong>da</strong>de e recursos exploráveis a uma Terra sem<br />

chances de recuperação.<br />

Cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> Terra e de seus habitantes, em especial <strong>da</strong>queles mais desprovidos,<br />

também tem sido a missão de Dom Pedro Casaldáliga, por mais<br />

de três déca<strong>da</strong>s bispo de São Félix do Araguaia e que, se agora chega à<br />

aposentadoria, ain<strong>da</strong> parece ter muito a oferecer a seu povo. A rede de<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de sempre pode ir além: é o que mostram as Tricoteiras de Sampa,<br />

grupo plugado na internet que, embora tenha no lazer seu principal<br />

objetivo, move agulhas e lãs para tornar este inverno menos gelado a idosos<br />

carentes de São Paulo.<br />

A ci<strong>da</strong>de que tem o maior laboratório de criminalística do País, que produz<br />

na<strong>da</strong> menos que meio milhão de laudos por ano, também guar<strong>da</strong> relíquias<br />

como as edições ilustra<strong>da</strong>s de Dom Quixote, de Cervantes, clássico<br />

que <strong>completa</strong> 400 anos. Todos esses temas integram esta edição <strong>da</strong><br />

RdB, que traz ain<strong>da</strong> São Luiz do Paraitinga, a terra do Saci; as considerações<br />

<strong>da</strong> socióloga Maria Victoria Benevides e o alerta de profissionais <strong>da</strong><br />

mídia à socie<strong>da</strong>de, denunciando uma ver<strong>da</strong>de bem pouco conheci<strong>da</strong>: aquela<br />

que trata dos objetivos <strong>da</strong>queles que são donos dos canais de informação<br />

no País.<br />

A diretoria<br />

revista@spbancarios.com.br<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 3


DESTAQUE<br />

BANCOOP RESTAURA SALÃO VERDE DO MARTINELLI<br />

A Cooperativa Habitacional<br />

dos Bancários, Bancoop,<br />

em parceria com o Sindicato,trabalha<br />

na restauração de<br />

parte do edifício Martinelli,<br />

patrimônio histórico e cultural<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Dentro de<br />

poucos meses, todo o teto do<br />

novo Centro de Formação<br />

dos Bancários (veja mais sobre<br />

a inauguração nesta seção)<br />

estará exatamente igual<br />

ao que era quando o prédio<br />

foi inaugurado, na déca<strong>da</strong> de<br />

30. “A Bancoop acredita na<br />

importância <strong>da</strong> preservação<br />

<strong>da</strong> história do País. Com esta<br />

parceria para o restauro do<br />

Martinelli, está contribuindo<br />

com a preservação de um<br />

monumento que pertence a<br />

to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de de São Paulo<br />

e que faz parte <strong>da</strong> história<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, além de exercer<br />

sua função social”, avalia<br />

o presidente <strong>da</strong> cooperativa,<br />

João Vaccari Neto.<br />

CONQUISTA NO FGTS<br />

Foram doze anos de luta e persistência,<br />

mas valeu a pena. O<br />

Sindicato conquistou neste último<br />

mês de maio, na Justiça, o<br />

direito de os bancários reaverem<br />

integralmente suas per<strong>da</strong>s do<br />

FGTS ocasiona<strong>da</strong>s pelos planos<br />

Verão (47,72%) e Collor<br />

(44,8%), a primeira em janeiro<br />

de 1989 e a outra em abril do<br />

ano seguinte. A aplicação dos<br />

percentuais, para quem era bancário<br />

em 28 de janeiro de 1993<br />

e possuía contas ativas à época<br />

dos expurgos, foi conquista<strong>da</strong><br />

em 16 de maio, quando foram<br />

acertados os últimos detalhes<br />

junto à Caixa Federal, que administra<br />

o FGTS. Para o presidente<br />

do Sindicato, Luiz Cláudio<br />

Marcolino, a vitória mostra que<br />

quando os trabalhadores estão<br />

organizados e persistem sempre<br />

há possibili<strong>da</strong>de de sucesso, mesmo<br />

nas situações mais adversas.<br />

Ele lembra que em 2001 foi feito<br />

o “acordão” entre FHC e algumas<br />

centrais sindicais (a CUT<br />

não participou) em que o desá-<br />

4 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Artista trabalha na reconstituição <strong>da</strong>s pinturas do antigo Salão Verde, onde hoje está o Centro de Formação<br />

gio chegava a 15% e havia um<br />

parcelamento muito longo para<br />

pagamento. “Não concor<strong>da</strong>mos<br />

com o ‘acórdão’ e não desistimos<br />

<strong>da</strong> luta. Alertamos que manteríamos<br />

a nossa ação e deixamos<br />

os bancários livres para decidir<br />

se iriam ou não aderir. Paralelamente,<br />

mantivemos a pressão e,<br />

depois de várias reuniões na Justiça<br />

e na Caixa, finalmente conseguimos<br />

o repasse integral, sem<br />

deságio, e em uma única parcela.<br />

Foi um caminho escolhido<br />

não apenas por nós, mas também<br />

por outras enti<strong>da</strong>des sindicais<br />

e que, felizmente, obteve sucesso”,<br />

aponta.<br />

LUCRO X CONTRATAÇÃO<br />

Os bancos divulgaram no<br />

começo de maio seus balanços<br />

do primeiro trimestre do ano.<br />

Os lucros de empresas como<br />

Itaú e Bradesco, por exemplo,<br />

continuam estratosféricos. O<br />

do primeiro, de R$ 1,14 bilhão,<br />

representa crescimento de<br />

30% em relação a igual período<br />

de 2004. No Bradesco a ci-<br />

fra também ultrapassou o bilhão<br />

– mais precisamente R$<br />

1,2 bi, contra os R$ 608 milhões<br />

do primeiro trimestre do<br />

ano passado. Os resultados<br />

evidenciam a capaci<strong>da</strong>de e necessi<strong>da</strong>de<br />

de novas contratações,<br />

que o Sindicato já reivindica<br />

há vários meses dentro <strong>da</strong><br />

campanha Contratações Já.<br />

Várias ativi<strong>da</strong>des nesse sentido<br />

já foram e continuarão a<br />

ser realiza<strong>da</strong>s pela enti<strong>da</strong>de.<br />

Pelo menos um banco já atendeu<br />

à reivindicação, caso do<br />

Grupo Santander Banespa,<br />

que anunciou no final de maio<br />

que deverá abrir mil novos<br />

postos de trabalho nos próximos<br />

quatro meses. No Grupo<br />

Santander Banespa, uma <strong>da</strong>s<br />

ativi<strong>da</strong>des do Sindicato foi a<br />

carta-aberta que denunciou à<br />

população problemas como a<br />

terceirização e utilização indevi<strong>da</strong><br />

do trabalho dos estagiários,<br />

além <strong>da</strong> coleta de assinaturas<br />

em abaixo-assinado<br />

para protestar contra tal situação.<br />

JAILTON GARCIA<br />

CAIXA READMITE<br />

A Caixa Federal aprovou as<br />

regras para readmissão dos<br />

atingidos pelo RH008 que estão<br />

reintegrados por liminar<br />

ou sentença em primeiro grau<br />

e aqueles que vierem a ser beneficiados<br />

pelas ações ingressa<strong>da</strong>s<br />

até 1º de dezembro do<br />

ano passado. A conquista, no<br />

último 18 de maio, atinge 110<br />

empregados dos cerca de 270<br />

que ingressaram com ação judicial.<br />

Para ser beneficiado o<br />

empregado deverá assinar termo<br />

de acordo individual concor<strong>da</strong>ndo<br />

com o arquivamento<br />

<strong>da</strong> ação e terá garantidos os<br />

direitos trabalhistas retroativos<br />

à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> demissão, inclusive<br />

a contagem de tempo. A<br />

Caixa não vai pagar somente<br />

os valores relativos a salários<br />

do período não trabalhado. A<br />

RH 008 foi cria<strong>da</strong> no governo<br />

FHC para permitir a demissão<br />

de empregados sem justa causa.<br />

Acabou revoga<strong>da</strong> em 2003,<br />

atendendo reivindicação <strong>da</strong><br />

categoria.


REFORMA SINDICAL<br />

A 11ª Plenária <strong>da</strong> CUT, realiza<strong>da</strong><br />

entre os dias 11 e 13 de<br />

maio, aprovou a Proposta de<br />

Emen<strong>da</strong> Constitucional (PEC)<br />

<strong>da</strong> reforma sindical. Esta foi a<br />

principal deliberação do encontro,<br />

que reuniu 570 sindicalistas,<br />

de mais de 3.200 enti<strong>da</strong>des<br />

filia<strong>da</strong>s à Central.<br />

Os debates concluíram pela<br />

apresentação de medi<strong>da</strong>s à socie<strong>da</strong>de<br />

em um amplo processo<br />

de debate, para tentar aprofun<strong>da</strong>r<br />

a compreensão sobre<br />

ca<strong>da</strong> um dos pontos <strong>da</strong> reforma.<br />

O objetivo é unificar os trabalhadores<br />

para avanço <strong>da</strong>s lutas<br />

pelos seus direitos, norteando<br />

a tramitação <strong>da</strong> reforma sindical<br />

no Congresso Nacional.<br />

Entre estas medi<strong>da</strong>s está o reconhecimento<br />

<strong>da</strong>s centrais sindicais<br />

com liber<strong>da</strong>de na estrutura<br />

vertical (federações, confederações<br />

e centrais), a organização<br />

sindical por setores e<br />

ramos de ativi<strong>da</strong>de, o fim do<br />

imposto sindical, a organização<br />

nos locais de trabalho e outras.<br />

“A proposta de reforma sindical<br />

defini<strong>da</strong> na plenária <strong>da</strong> CUT<br />

resultou do esforço <strong>da</strong> maioria<br />

<strong>da</strong>s correntes de pensamento<br />

que a Central abriga, num processo<br />

democrático e maduro de<br />

negociação e discussão para<br />

viabilizar a reforma. Não é a<br />

proposta ideal, nem é aquela<br />

que foi <strong>original</strong>mente defendi<strong>da</strong><br />

pela CUT, mas representa<br />

um avanço significativo em relação<br />

à atual situação em que<br />

se encontra o sindicalismo no<br />

País”, pondera a secretária-geral<br />

do Sindicato, Juvandia Moreira.<br />

MEMÓRIA E LUTA<br />

Uma manifestação na Praça<br />

do Patriarca marcou os protestos<br />

e denúncias do Dia Internacional<br />

em Memória <strong>da</strong>s<br />

Vítimas de Acidente de Traba-<br />

82 ANOS BEM VIVIDOS<br />

O Sindicato comemorou<br />

seus 82 anos em grande estilo,<br />

com o lançamento de um<br />

novo site (www.spbancarios.com.br)<br />

e a inauguração<br />

de cibercafé com acesso gratuito<br />

aos associados. No novo<br />

endereço eletrônico, o bancário<br />

poderá se atualizar sobre<br />

as principais notícias relativas<br />

à categoria e também utilizar<br />

os diversos serviços oferecidos<br />

pela enti<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong> leitura<br />

DIA DO TRABALHADOR<br />

Luiz Cláudio Marcolino no 1º de Maio <strong>da</strong> CUT, na Aveni<strong>da</strong> Paulista<br />

O Sindicato participou de<br />

duas manifestações para comemorar<br />

o 1º de Maio, Dia<br />

do Trabalhador. Uma delas,<br />

em Osasco, ocorreu no dia 30<br />

de abril, sábado, com a presença<br />

de diretores <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de,<br />

parlamentares e shows<br />

com cantores populares. A outra,<br />

maior, que reuniu 1 milhão<br />

de pessoas, aconteceu na<br />

Aveni<strong>da</strong> Paulista, junto aos demais<br />

sindicatos filiados à Cen-<br />

de suas publicações, como Folha<br />

Bancária e Revista dos Bancários.<br />

A festa de parabéns<br />

aconteceu no dia 15 de abril<br />

(a <strong>da</strong>ta correta do aniversário<br />

é 16 de abril, mas a comemoração<br />

foi antecipa<strong>da</strong> por causa<br />

do final de semana) e contou<br />

ain<strong>da</strong> com show do Quinteto<br />

em Branco e Preto no Café<br />

dos Bancários, outro espaço<br />

recentemente remodelado<br />

pela enti<strong>da</strong>de.<br />

tral Única dos Trabalhadores<br />

(CUT) e também marca<strong>da</strong><br />

pela presença de sindicalistas,<br />

políticos e artistas. Entre as<br />

principais bandeiras de luta <strong>da</strong><br />

categoria neste 1º de Maio, estava<br />

o respeito à jorna<strong>da</strong> de<br />

trabalho de seis horas. O direito,<br />

garantido na legislação,<br />

é ameaçado pela maioria <strong>da</strong>s<br />

instituições financeiras, que<br />

pressionam sempre para que<br />

o bancário trabalhe mais.<br />

lho e Doença Ocupacional (28<br />

de abril). Só em 2004 foram<br />

computados 2.558 novos casos<br />

de LER/Dort nos bancos Santander,<br />

Banespa, Bradesco,<br />

Caixa, HSBC, Itaú e Unibanco.<br />

O número representa um<br />

aumento de 65% dos casos se<br />

comparado ao ano 2000. Também<br />

no período subiu em<br />

69,91% o registro de doenças<br />

relaciona<strong>da</strong>s a transtornos<br />

mentais, segundo <strong>da</strong>dos do<br />

INSS. O final de abril marcou<br />

também uma importante vitória<br />

do Sindicato nessa área: o<br />

cancelamento <strong>da</strong> demissão de<br />

uma funcionária do Bradesco<br />

Ci<strong>da</strong>de de Deus que, em tratamento<br />

de transtornos mentais,<br />

havia sido demiti<strong>da</strong> pelo<br />

banco.<br />

NOVO CENTRO DE<br />

FORMAÇÃO<br />

O Sindicato inaugurou, no<br />

último dia 25 de abril, as novas<br />

instalações do Centro de<br />

Formação Profissional (CFP).<br />

Agora, o endereço do Centro,<br />

que oferece dezenas de opções<br />

em cursos com descontos para<br />

os sindicalizados e seus dependentes,<br />

é o mesmo <strong>da</strong> sede, no<br />

edifício Martinelli. Para adequação<br />

<strong>da</strong>s instalações foi realiza<strong>da</strong><br />

reforma que exigiu inclusive<br />

restauro, a cargo <strong>da</strong><br />

Bancoop (veja mais sobre o assunto<br />

em nota nesta seção). O<br />

CFP teve origem na déca<strong>da</strong> de<br />

90. Á época, o Sindicato era<br />

presidido por Ricardo Berzoini,<br />

tendo na secretaria de Formação<br />

o atual presidente, Luiz<br />

Cláudio Marcolino. Desde sua<br />

inauguração, em 11 de julho<br />

de1996, o CFP recebeu 11.604<br />

alunos em 37 cursos. Informações<br />

sobre os cursos em an<strong>da</strong>mento<br />

e formação de novas<br />

turmas, bem como horários e<br />

preços podem ser obti<strong>da</strong>s pelo<br />

telefone 3188-5200. ❚<br />

Cibercafé funciona de segun<strong>da</strong> a sexta no térreo do Martinelli<br />

JAILTON GARCIA<br />

JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 5


COMUNICACÃO ,<br />

QUANDO VERDADE<br />

TEM DONO<br />

Com a imprensa nas mãos de poucos,<br />

interesses financeiros se sobrepõem aos <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de; saí<strong>da</strong> aponta<strong>da</strong> é viabilizar veículos<br />

alternativos Por Renato Rovai<br />

Ao menos em tese há uma diferença fun<strong>da</strong>mental<br />

entre o dito “Quarto Poder”, a<br />

imprensa, e os outros três (Executivo, Legislativo,<br />

Judiciário) consagrados pelo filósofo<br />

iluminista Montesquieu em O Espírito<br />

<strong>da</strong>s Leis, de 1748. A lógica do poder<br />

midiático e o seu funcionamento estão atrelados<br />

a interesses privados, mesmo no caso dos veículos<br />

eletrônicos, cuja concessão é pública. Os proprietários<br />

dos meios de comunicação visam obter lucro e<br />

controle e, para alcançá-los, não têm hesitado em<br />

abrir mão de parte <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong>de do seu produto.<br />

Exemplos dessa prática existem às pencas, e não são<br />

privilégios do Terceiro Mundo.<br />

No Brasil, o caso mais lembrado é o <strong>da</strong> edição feita<br />

pela Rede Globo do segundo debate entre os candi<strong>da</strong>tos<br />

à presidência Lula e Collor. Na Venezuela, recentemente<br />

os veículos de comunicação ignoraram o<br />

jornalismo para defender o golpe de Estado contra o<br />

presidente Hugo Chávez. E na terra que se auto-denomina<br />

como <strong>da</strong> “imprensa livre”, os Estados Unidos,<br />

um silêncio obsequioso <strong>da</strong> mídia sobre as falsas<br />

provas de armas químicas do Iraque garantiu a Bush<br />

apoio <strong>da</strong> opinião pública para atacar aquele país.<br />

Se o problema <strong>da</strong> promiscui<strong>da</strong>de midiática está no<br />

nascedouro, no fato de não se constituir em um espaço<br />

público, mas sim de defesa de interesses privados,<br />

qual seria então a solução para impedir que ela<br />

se fortaleça como instrumento autoritário? Atualmente<br />

é quase unanimi<strong>da</strong>de entre os estudiosos do<br />

tema (críticos ao atual modelo) que a saí<strong>da</strong> é a desconcentração<br />

de proprietários de veículos, garantindo<br />

parte desses canais comunicativos a enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de civil.<br />

Para que isso ocorra é importante <strong>da</strong>r concessões<br />

(no caso dos meios eletrônicos) a novos atores, mas<br />

não basta. É legítimo e necessário que o Estado apóie<br />

esses novos grupos, <strong>da</strong> mesma forma que faz com<br />

os grandes veículos comerciais. O raciocínio que vale<br />

é a mesmo que define a atual política do governo<br />

para a reforma agrária. Apenas assentar o semterra<br />

não garante sua sobrevivência. É preciso <strong>da</strong>r a<br />

ele condições para que possa produzir e sobreviver<br />

6 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

dela. Condições que os ruralistas têm, já que recebem<br />

diferentes linhas de crédito com juros subsidiados<br />

para financiar seus negócios.<br />

Na lógica <strong>da</strong> comunicação, entregar concessões a<br />

grupos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil ou a empresários de menor<br />

porte sem que lhes sejam <strong>da</strong><strong>da</strong>s condições de<br />

buscar recursos do Estado (que garantem boa parte<br />

<strong>da</strong> receita dos grandes veículos privados) é inviabilizá-los.<br />

Nem Rede Globo nem Editora Abril sobreviveriam<br />

sem qualquer publici<strong>da</strong>de do governo por<br />

mais de três meses, então como um veículo menor<br />

conseguiria? Para se ter idéia do que significa essa<br />

“forcinha” em cifras, é bom saber que os governos<br />

do Brasil são recordistas mundiais em investimentos<br />

de publici<strong>da</strong>de na mídia. Dos recursos obtidos pelos<br />

veículos para viabilizá-los, 7,13% do total vêm<br />

do setor público. Só do governo federal são 5,04%.<br />

E esses recursos são repassados, praticamente de forma<br />

integral, para os grandes veículos.<br />

Evidente que modificar essa situação encontra senões<br />

de diferentes segmentos e não só dos proprietários<br />

<strong>da</strong>s grandes mídias. João Cury, ex-diretor de<br />

conteúdo <strong>da</strong> América On Line no Brasil, sustenta<br />

que parte dos grupos alternativos “torcem os fatos<br />

porque são ideológicos demais”. E, de certa forma,<br />

por isso mesmo não têm credibili<strong>da</strong>de, não podendo<br />

ser considerados informativos. A editora <strong>da</strong> Agência<br />

Carta Maior (site de internet) e membro <strong>da</strong> coordenação<br />

executiva <strong>da</strong> associação civil Intervozes, Bia<br />

Barbosa, concor<strong>da</strong> em tese com a falta de quali<strong>da</strong>de<br />

de parte desses veículos, mas com ressalvas.<br />

Para Bia, a maioria deles tem “o papel de resistência<br />

ao que é oferecido na grande mídia” e, em muitos<br />

casos, são eles que garantem a divulgação de um<br />

conteúdo de maior quali<strong>da</strong>de do que o transmitido<br />

pelos veículos comerciais. Em sua análise, ela abor<strong>da</strong><br />

principalmente veículos impressos (jornais e revistas)<br />

e os sites de internet, mais consumidos pelos<br />

públicos A e B, minoria dentro do cenário nacional.<br />

Só a título de comparação do alcance dos veículos,<br />

se forem somados todos os jornais diários brasileiros<br />

não se chega a uma tiragem de 6 milhões de<br />

exemplares.


CUT INVESTE EM PROJETOS DE TV<br />

Desde 2003, quando Luiz Marinho<br />

assumiu a presidência <strong>da</strong> CUT, a central<br />

sindical colocou como uma de<br />

suas priori<strong>da</strong>des a comunicação. Foi<br />

esta priori<strong>da</strong>de que fez a Fun<strong>da</strong>ção<br />

Socie<strong>da</strong>de Comunicação Cultura e<br />

Trabalho retomar um pedido de concessão<br />

de canal de TV para a criação<br />

<strong>da</strong> TV CUT. Após aprovação do<br />

presidente Lula, a solicitação che-<br />

gou ao Ministério Público e depois<br />

ao <strong>da</strong>s Comunicações. Daí seguiu<br />

para o Senado. Porém, apesar de<br />

praticamente certa, a criação <strong>da</strong> TV<br />

CUT não é o principal objetivo <strong>da</strong><br />

central sindical em sua estratégia de<br />

comunicação. "A concessão do canal<br />

46 UHF de Mogi <strong>da</strong>s Cruzes é<br />

parte de nosso projeto. Mas temos<br />

priorizado a criação de programas<br />

Dos recursos obtidos pelos veículos<br />

para viabilizá-los, 7,13% do total vêm<br />

do setor público. Só do governo federal<br />

são 5,04%. E esses recursos são<br />

repassados, praticamente de forma<br />

integral, para os grandes veículos<br />

que possam ser exibidos tanto em<br />

nosso canal quanto em outros por<br />

todo o País, como já acontece com<br />

o Repercute, na TV Bandeirantes, e<br />

o TV CUT, na Rede TV", explica CelsoHorta,<br />

assessor de Luiz Marinho.<br />

Para viabilizar a produção deste conteúdo<br />

e sua comercialização, a CUT<br />

contratou a consultoria Canal Independente.<br />

"A empresa é responsá-<br />

vel pela formulação dos aspectos comerciais,<br />

administrativos e de conteúdo<br />

<strong>da</strong> CUT, que serão negociados<br />

com canais de TV paga e aberta em<br />

todo o Brasil. Trabalhamos com o<br />

conceito de que só atingiremos o<br />

grande público se tivermos nossos<br />

programas exibidos em rede nacional<br />

e não apenas pela TV CUT", afirma<br />

Horta.<br />

ILUSTRAÇÃO COM FOTOS DE PAULO PEPE E JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 7


Quanto mais<br />

espetacular<br />

melhor.<br />

Entre uma<br />

informação<br />

séria e<br />

importante<br />

para o<br />

ci<strong>da</strong>dão,<br />

sem imagem,<br />

e outra<br />

irrelevante<br />

socialmente,<br />

mas<br />

assustadora<br />

do ponto de<br />

vista visual<br />

e cultural,<br />

a TV escolhe<br />

a segun<strong>da</strong><br />

8 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Rainha absoluta<br />

“A televisão é a única janela para o mundo <strong>da</strong><br />

maioria absoluta <strong>da</strong> população brasileira e deveria<br />

por isso ser muito mais responsável, contribuindo<br />

para a elevação do grau de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia existente no<br />

País. Não é isso que ela tem feito”, lamenta o professor<br />

<strong>da</strong> USP, Laurindo Leal Filho. Quando fala de<br />

televisão, Laurindo se refere à TV aberta, que atinge<br />

90% dos domicílios brasileiros, já que as TVs por<br />

assinatura, que possibilitam maior varie<strong>da</strong>de informativa,<br />

têm apenas 3,6 milhões de assinantes. “A televisão<br />

brasileira tem uma responsabili<strong>da</strong>de social<br />

imensa e não se dá conta disso, ou finge que não<br />

percebe. É uma televisão de elevado nível técnico,<br />

comparado aos melhores do mundo – e, portanto,<br />

altamente sedutor – falando para uma população que<br />

só tem a ela como fonte de informação e entretenimento”,<br />

analisa o professor.<br />

Os interesses comerciais e ideológicos <strong>da</strong> televisão<br />

brasileira transformam a notícia em um produto a<br />

mais, sempre objetivando a audiência. Quanto mais<br />

espetacular melhor. Entre uma informação séria e<br />

importante para o ci<strong>da</strong>dão, sem imagem, e outra irrelevante<br />

socialmente, mas assustadora do ponto de<br />

vista visual e cultural, a TV escolhe a segun<strong>da</strong>, em<br />

uma confusão entre notícia e entretenimento. “Há<br />

alguns anos, causou repercussão o assassinato <strong>da</strong> atriz<br />

Daniella Perez. Naquele dia a última notícia do Jornal<br />

Nacional era sobre o caso e foi <strong>da</strong><strong>da</strong> direto do<br />

estúdio <strong>da</strong> novela, no momento mais simbólico <strong>da</strong><br />

fusão reali<strong>da</strong>de-fantasia perpetrado pela televisão<br />

brasileira. Trata<strong>da</strong> assim, a notícia se subordina à linguagem<br />

do veículo e aos seus interesses comerciais”,<br />

exemplifica o professor.<br />

Porém, se o índice baixo de leitura de jornais e revistas<br />

faz com que esses veículos tenham menor público<br />

que a televisão, este fato não diminui o poder<br />

dos donos de grandes editoras, que chegam a formar<br />

oligopólios, conforme define Antonio Martins,<br />

editor <strong>da</strong> <strong>versão</strong> brasileira do jornal Le Monde Diplomatique<br />

e do site Planeta Porto Alegre. “O governo<br />

Lula deveria enfrentar esse oligopólio <strong>da</strong>s comunicações,<br />

mas optou por manter uma relação clientelista<br />

com estas empresas por ora endivi<strong>da</strong><strong>da</strong>s, caso<br />

<strong>da</strong>s Organizações Globo e <strong>da</strong> Editora Abril.”<br />

Mas se a informação é a razão <strong>da</strong> existência do jornal<br />

impresso, como se costuma dizer (já que os outros<br />

veículos até podem trabalhar somente com entretenimento),<br />

quem garante sua existência não é a<br />

ven<strong>da</strong> em banca ou as assinaturas, mas, fun<strong>da</strong>mentalmente,<br />

a publici<strong>da</strong>de. Daniel Barbará, diretor comercial<br />

<strong>da</strong> agência de publici<strong>da</strong>de DPZ, sustenta, como<br />

quase todos aqueles que atuam no setor, que jornalismo<br />

e publici<strong>da</strong>de “são campos bem distintos <strong>da</strong><br />

comunicação”. Porém, apesar <strong>da</strong> distinção, até que<br />

ponto um anunciante pode influenciar a pauta de um<br />

jornal ou revista? “Indiretamente, linhas editoriais<br />

agra<strong>da</strong>m pessoas que compram, ouvem ou assistem<br />

os meios de comunicação e, portanto, a partir <strong>da</strong>í<br />

formam o seu estoque de consumidores que a área<br />

comercial oferece para que possamos comunicar os<br />

produtos de nossos clientes”, argumenta o publicitário,<br />

que entende que na relação de interdependência<br />

entre anunciante e veículos de comunicação,<br />

“ca<strong>da</strong> um exerce seu papel<br />

de forma complementar” e esta interdependência<br />

é “uma forma de<br />

sobrevivência, pois afinal é uma<br />

ativi<strong>da</strong>de comercial”.<br />

A interdependência entre veículos<br />

e empresa é maior do que<br />

Barbará aponta, já que muitas<br />

empresas de diferentes segmentos<br />

tornaram-se acionistas de<br />

grupos de comunicação. O editor<br />

Antonio Martins não tem dúvi<strong>da</strong>s<br />

de que a associação dos fatores<br />

publici<strong>da</strong>de paga e participação<br />

do capital de empresas priva<strong>da</strong>s<br />

influencia a linha editorial dos veículos.<br />

“Apenas para exemplificar, cito<br />

que nunca houve uma matéria profun<strong>da</strong><br />

sobre a quali<strong>da</strong>de dos serviços públicos,<br />

como o <strong>da</strong> Telefônica, após a privatização.<br />

E todos sabemos que os custos desses<br />

serviços aumentaram e a quali<strong>da</strong>de caiu”.<br />

A baixa quali<strong>da</strong>de do jornalismo brasileiro<br />

incomo<strong>da</strong>. Kjeld Jakobsen, presidente do Instituto<br />

Observatório Social, comenta que a cobertura realiza<strong>da</strong><br />

na mídia brasileira sobre o tema “trabalho”, por<br />

exemplo, deixa a desejar por falta de serie<strong>da</strong>de. “Noticiam<br />

apenas fatos mais sensacionalistas como greves,<br />

piquetes e repressão ou situações que coloquem<br />

sindicatos contra o governo. Pouco se vê em termos<br />

de notícias sobre o que é discutido em congressos e<br />

eventos.”<br />

Economia ruim, jornalismo pior<br />

A dependência dos veículos com os anunciantes<br />

não é nenhuma novi<strong>da</strong>de, mas ganhou maior dimensão<br />

no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90. No princípio <strong>da</strong> metade<br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, por acreditarem que o governo FHC<br />

tinha controle <strong>da</strong> situação econômica do País, muitos<br />

deles se endivi<strong>da</strong>ram em dólares. Logo após a<br />

reeleição <strong>da</strong>quele presidente, o Real sofreu brutal desvalorização<br />

e a dívi<strong>da</strong> dolariza<strong>da</strong> dessas empresas<br />

praticamente levou-as à bancarrota. Ao mesmo tempo,<br />

houve contração <strong>da</strong> economia como um todo e<br />

a fuga de anunciantes.<br />

A que<strong>da</strong> <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do jornalismo dessas empresas<br />

seguiu a linha <strong>da</strong> crise econômica. As re<strong>da</strong>ções<br />

tiveram enxugamentos brutais (leia-se demissões<br />

em massa) e profissionais com salários maiores<br />

foram substituídos por focas (termo usado para designar<br />

o recém-formado sem experiência), boa parte<br />

deles em condições bem piores do que determina<br />

a legislação. “Hoje a situação trabalhista do jornalista<br />

é de transformação, com a maioria dos profissionais<br />

passando de contratos CLT para pessoa jurídica”,<br />

reconhece João Cury.<br />

Mas o ex-diretor <strong>da</strong> AOL Brasil aponta outros fatores<br />

responsáveis pelo excesso de críticas negativas<br />

de profissionais, especialistas em comunicação e leitores,<br />

principalmente à chama<strong>da</strong> “grande imprensa”.<br />

“Temos praticado um jornalismo abaixo <strong>da</strong> média<br />

por pensarmos como o ci<strong>da</strong>dão médio. Isso não po-


de ocorrer, pois, se o contrário fosse ver<strong>da</strong>de, qualquer<br />

um poderia ser jornalista”. Para ele os profissionais<br />

<strong>da</strong> imprensa deveriam pensar a partir de pontos<br />

de vista diferentes e não focar em “uma visão de<br />

shopping center, de novela <strong>da</strong>s oito”.<br />

Bia Barbosa amplia a questão. Para ela os meios de<br />

comunicação são hoje o principal espaço de circulação<br />

de informação e cultura e um dos mais importantes<br />

para a referência de valores e formação <strong>da</strong> opinião pública.<br />

“Trata-se de uma arena de disputa e debate político<br />

e um espaço para que parte dos direitos humanos<br />

seja exerci<strong>da</strong>. Infelizmente, o jornalismo brasileiro<br />

(ou os donos desse jornalismo) se abstém dessa prerrogativa<br />

e segue informando a população de acordo<br />

com interesses privados e não públicos”, lamenta.<br />

O ponto fun<strong>da</strong>mental é esse: se a informação é um<br />

bem público, como prevê a Constituição, é necessário<br />

garantir recursos para que floresça o maior número<br />

possível de publicações, rádios, sites e TVs de<br />

grupos distintos. E ao mesmo tempo fazer com que<br />

haja instrumentos democráticos de regulamentação e<br />

acompanhamento <strong>da</strong> cobertura. A questão é que<br />

quando se fala em uma coisa ou outra, a reação dos<br />

que detêm esses meios é escan<strong>da</strong>losa. As acusações<br />

caminham para censura, estatização etc. E tudo fica<br />

no mesmo lugar, parecendo que está bom. ❚<br />

Com reportagem de Emerson Lopes Silva<br />

ILUSTRAÇÃO COM FOTOS DE PAULO PEPE E JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 9


E NTREVISTA MARIA VICTORIA BENEVIDES<br />

PAIXÃO<br />

MILITANTE<br />

Lula conhecia muito bem a pobreza, mas não sabia<br />

o que era efetivamente a riqueza. Observações como essa<br />

fazem <strong>da</strong> socióloga Maria Victoria Benevides, professora<br />

<strong>da</strong> USP, uma voz crítica dentro do seu partido, o PT<br />

Por Frédi Vasconcelos<br />

10 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Ainspiração vem <strong>da</strong>s escritoras Rosa Luxemburgo<br />

e <strong>da</strong> francesa Simone Weil, nas<br />

quais diz ter buscado o engajamento na<br />

política e na luta por um socialismo democrático,<br />

mas a professora <strong>da</strong> USP e socióloga<br />

Maria Victoria Benevides tem opiniões<br />

fortes sobre tudo: o governo Lula, a democracia<br />

no Brasil, a participação popular, a mídia, seu<br />

partido (o PT), os direitos humanos. São opiniões<br />

não conforma<strong>da</strong>s, às vezes duras, vin<strong>da</strong>s de uma mulher<br />

que se declara militante e apaixona<strong>da</strong> pelas idéias<br />

que defende. Ela cita uma frase de Rosa, que afirmava<br />

que, apesar de tudo, <strong>da</strong>s lutas políticas, <strong>da</strong>s lutas<br />

intelectuais, de suas limitações físicas, sua solidão,<br />

nunca passou dia na vi<strong>da</strong> sem amor. “Acho isso absolutamente<br />

maravilhoso”, diz. Veja, abaixo, os principais<br />

trechos <strong>da</strong> entrevista exclusiva concedi<strong>da</strong> por<br />

Maria Victoria à RdB no final do mês de maio.<br />

Revista dos Bancários – Em vários textos, a senhora<br />

escreve sobre democracia, não a democracia<br />

formal, mas aquela com participação popular<br />

e democracia social...<br />

Maria Victoria Benevides – É preciso lembrar o<br />

que entendemos por democracia. Sob qualquer aspecto,<br />

democracia é sempre soberania popular. Em<br />

última instância, o poder é do povo. É claro que isso<br />

não significa baderna, bagunça, ausência de instituições<br />

e mecanismos de representação, na<strong>da</strong> disso.<br />

É uma soberania popular regra<strong>da</strong>. O primeiro aspecto<br />

é a questão <strong>da</strong> soberania popular como elemento<br />

indissociável do que se entende por um regime<br />

democrático. Outro ponto é o respeito integral<br />

aos direitos humanos, o que não é apenas respeito.<br />

É respeito, defesa e promoção.<br />

RdB – Em tese somos um país democrático, temos<br />

eleições, respeitamos os direitos humanos,<br />

é isso?<br />

Maria Victoria – Não concordo. Em primeiro lugar<br />

temos eleições, pluriparti<strong>da</strong>rismo, garantias <strong>da</strong><br />

magistratura, imprensa razoavelmente livre. O que<br />

falta no campo <strong>da</strong> democracia política é justamente<br />

uma participação popular efetiva e há vários mecanismos<br />

e instituições para isso. Igualmente importantes,<br />

mecanismos efetivos de controle sobre a ação<br />

dos governantes. Os cientistas políticos costumam<br />

muito falar em accountability, que é a prestação de


JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 11


Acho que<br />

o grupo que<br />

chegou ao<br />

governo<br />

realmente<br />

não chegou<br />

ao poder.<br />

Nesse ponto<br />

acho que o<br />

Frei Betto<br />

tem to<strong>da</strong> a<br />

razão. O PT<br />

chegou ao<br />

governo, mas<br />

não chegou<br />

ao poder<br />

12 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

contas; digo mais, é uma prestação de contas de todos<br />

que exercem o poder e meios efetivos para eventuais<br />

sanções ou punições para aqueles que desvirtuaram<br />

ou abusaram do poder concedido pelo povo.<br />

Não podemos dizer que temos isso hoje, pois há<br />

enormes dificul<strong>da</strong>des de estabelecer mecanismos efetivos<br />

para tais prestações de contas e eventuais sanções<br />

e não temos mecanismos de participação popular<br />

efetiva.<br />

RdB – Há momentos de mais ou menos liber<strong>da</strong>de<br />

política na história do Brasil, mas parece<br />

que o País não consegue sair do fosso social. O<br />

que acontece?<br />

Maria Victoria – A liber<strong>da</strong>de sozinha não ameaça<br />

necessariamente interesses poderosos numa socie<strong>da</strong>de,<br />

a não ser em períodos ditatoriais. Em períodos<br />

de democracia formal (que é muito importante), em<br />

que todos somos livres, temos liber<strong>da</strong>de de expressão,<br />

de ir e vir, de associação, mas isso pode não<br />

ameaçar privilégios. O que ameaça é a idéia de igual<strong>da</strong>de,<br />

porque como os bens são escassos, as diferenças<br />

de origens socioeconômicas num país como o<br />

nosso são abissais, o Estado tem de prover a garantia<br />

desses direitos econômicos, sociais e culturais. Como<br />

o Estado não é criador de recursos, esses recursos<br />

têm de vir <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tem de haver desconcentração<br />

de ren<strong>da</strong>, repartição, distribuição para que<br />

esses direitos sejam minimamente garantidos. Isso é<br />

uma ver<strong>da</strong>deira revolução num país em que aqueles<br />

que estão no topo <strong>da</strong> pirâmide não querem abrir<br />

mão de privilégios.<br />

RdB – É mais fácil o Estado brasileiro conseguir<br />

enfrentar esses interesses ou esses interesses<br />

derrubarem o governo antes?<br />

Maria Victoria – Esse é o grande problema que se<br />

discute hoje quando pela primeira vez conseguimos<br />

eleger um candi<strong>da</strong>to que vem de um partido de esquer<strong>da</strong>,<br />

com história de lutas operárias, sindicais. E<br />

que a meu ver se revela tímido em relação a enfrentar<br />

justamente esses poderes do grande capital. Mas<br />

quando então vamos fazer isso? Como diz o aforismo<br />

do keynesianismo, a longo prazo estaremos todos<br />

mortos, então vamos sacrificar quantas gerações<br />

ain<strong>da</strong> para que possamos ter um sistema minimamente<br />

social-democrata? Não falo nem em socialismo,<br />

mas em algo que realmente enfrente a brutal<br />

concentração de ren<strong>da</strong>, a grande chaga de um país<br />

como o nosso.<br />

RdB – A que a senhora atribui essa “timidez”?<br />

Maria Victoria – Acho que o grupo que chegou ao<br />

governo realmente não chegou ao poder. Nesse ponto<br />

acho que o Frei Betto tem to<strong>da</strong> a razão. O PT<br />

chegou ao governo, mas não chegou ao poder. Havia<br />

uma expectativa muito diferente do que é o sistema<br />

de poder real no Brasil. Havia uma crença de<br />

que como o presidente eleito vinha legitimado com<br />

milhões de votos e apoio de importantes organizações<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil teria mais condições de enfrentar<br />

essa elite oligárquica e superpoderosa. Mas<br />

não foi o que ocorreu. O que eles encontraram foi<br />

muito maior e difícil que qualquer análise pessimista<br />

previa antes. E veja bem que o Lula sempre se<br />

vangloriou de conhecer muito bem o Brasil. Ele podia<br />

conhecer muito bem o lado <strong>da</strong> pobreza, o que é<br />

muito importante, mas ele não conhecia bem o que<br />

é efetivamente o lado <strong>da</strong> riqueza.<br />

RdB – A senhora consegue fazer alguma distinção<br />

entre o governo FHC e o de Lula?<br />

Maria Victoria – Sim. Acho que sem dúvi<strong>da</strong> alguma<br />

este governo (Lula) é superior em vários aspectos.<br />

Por exemplo, acho que as relações com o MST,<br />

na reforma agrária, a atuação do ministro Rosseto,<br />

são muito mais volta<strong>da</strong>s para nossas aspirações democráticas.<br />

O relacionamento, em geral, deste governo<br />

com os movimentos sociais, a mesma coisa.<br />

Vale lembrar que Fernando Henrique logo no começo<br />

quebrou a espinha dorsal do movimento sindical<br />

com a greve dos petroleiros. E outra coisa também,<br />

que acho muito difícil avaliar, porque o governo<br />

FHC foi muito protegido por to<strong>da</strong> a mídia. Então<br />

não sabemos nem metade <strong>da</strong> missa. Sobre o governo<br />

Lula, a mídia não dá um segundo de descanso,<br />

tudo está absolutamente escancarado. Então, sob<br />

certos aspectos, como a corrupção, aumenta a visibili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> corrupção, não necessariamente o tamanho<br />

<strong>da</strong> corrupção.<br />

Esse governo, sem dúvi<strong>da</strong> é melhor. E digo mais,<br />

ele é melhor mais pelo que promete <strong>da</strong>qui para frente<br />

do que pelo que foi feito até agora. Eu, pelo menos,<br />

quero me agarrar a essa esperança. O que temos<br />

ouvido é que até agora foi o momento de tomar<br />

conhecimento, de arrumação, de resolver problemas<br />

complicadíssimos na parte econômica, os<br />

contratos internacionais... Fico muito aflita quando<br />

dizem: “vocês não sabem o tipo de contrato que o<br />

Fernando Henrique nos deixou”... Pois é, mas dois<br />

anos se passaram, então quero acreditar que o acúmulo<br />

desses dois anos signifique uma melhora substancial<br />

do governo.<br />

RdB – Falando <strong>da</strong> imprensa, a senhora há pouco<br />

sofreu ataques de uma revista liga<strong>da</strong> ao PSDB<br />

(Primeira Leitura), porque como membro de uma<br />

comissão de ética do governo federal teria dito à<br />

época em que se denunciou a utilização do Palácio<br />

do Planalto por amigos do filho do presidente<br />

que isso não era atinente à comissão?<br />

Maria Victoria – Essa comissão tem um código de<br />

ética para a alta administração federal, isso abrange<br />

cerca de 800 pessoas, a começar pelos ministros. Todos<br />

os ministros, todos os presidentes de autarquias,<br />

direções que seriam considera<strong>da</strong>s de primeiro escalão<br />

em vários Estados. Nós não nos ocupamos do<br />

Legislativo, que tem sua comissão de ética própria,<br />

nem do Judiciário. Essa comissão é estritamente do<br />

Poder Executivo, de ministro para baixo. Essa matéria<br />

<strong>da</strong> Primeira Leitura, que não vi porque não leio<br />

essa revista, mas quem viu me mandou, ela saiu apenas<br />

on-line e era uma matéria muito desinforma<strong>da</strong><br />

e maldosa. Quanto a ser maldosa, estou pouco ligando,<br />

mas ser desinforma<strong>da</strong> é que acho grave. Porque<br />

interpretava o que eu falei sobre a instância própria


de julgamento do presidente como se eu estivesse dizendo<br />

que ele pairava acima <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong> ética. Não<br />

foi o que eu disse. Disse que tudo que envolve o<br />

comportamento do presidente <strong>da</strong> República não é<br />

objeto <strong>da</strong> Comissão de Ética. Porque o presidente<br />

tem foro próprio, que é o Supremo Tribunal Federal,<br />

ou a avaliação popular por meio de ação por crime<br />

de responsabili<strong>da</strong>de previsto na Constituição, mas<br />

isso não passa pela comissão, isso é dos estatutos <strong>da</strong><br />

comissão.<br />

RdB – Há uma posição leviana <strong>da</strong> grande imprensa<br />

em relação a diversos assuntos; como se<br />

faz para ela ser mais democrática?<br />

Maria Victoria – É bom lembrar que os leitores de<br />

jornal representam uma parcela muito pequena do<br />

nosso povo, e não só do povão. To<strong>da</strong>s as vezes que<br />

entro no primeiro dia de aula na USP pergunto quem<br />

tem hábito de ler jornal. Não chega a 5% dos alunos.<br />

Se nem os alunos <strong>da</strong> USP estão lendo, a situação<br />

é complica<strong>da</strong>. Mas os jornais atuam como pauta<br />

para a televisão e a TV, sim, atinge muita gente.<br />

Em relação à imprensa, propriamente, o que eu acho<br />

de pior é a dificul<strong>da</strong>de que temos para corrigir alguma<br />

coisa que sai equivoca<strong>da</strong>. A notícia sai com o<br />

maior destaque e depois a correção é um “erramos”<br />

pequenininho. Outro problema é uma quanti<strong>da</strong>de de<br />

jovens que no jornalismo tem reais possibili<strong>da</strong>des de<br />

ascensão social e em termos salariais, quali<strong>da</strong>de de<br />

vi<strong>da</strong>, o que os torna, muito jovens, muito arrogantes,<br />

muito prepotentes e bajuladores de quem tem<br />

poder, a começar pelos chefes dentro do veículo de<br />

imprensa.<br />

Mas meu principal ponto são os vínculos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong><br />

grande imprensa de hoje com o poder econômico.<br />

O que vemos é que os meios de comunicação<br />

estão em situação financeira difícil e se aliam a grupos<br />

internacionais ou de banqueiros e acabam servindo<br />

politicamente a esses interesses. Há jornais que<br />

defendem, por exemplo, o ministro Palocci, a política<br />

do Banco Central, a política do ministro Rodrigues<br />

para a Agricultura, o agronegócio, mas têm uma<br />

radicali<strong>da</strong>de tremen<strong>da</strong> com tudo que possa ser social<br />

e em defesa dos setores mais pobres. Aquela velha<br />

questão <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de de se implantar realmente<br />

um regime democrático com um mínimo de igual<strong>da</strong>de.<br />

Essa dependência <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> grande imprensa<br />

com os interesses do capital comprometem muito<br />

uma informação correta.<br />

RdB – Há pouco tempo li uma entrevista em que<br />

a senhora afirma que quer seu PT de volta, o que<br />

é isso?<br />

Maria Victoria – Essa foi uma entrevista que dei,<br />

muito cansativa, e chegou uma hora estava cansa<strong>da</strong><br />

e disse à jornalista “Sabe Laura (Greenhalg, repórter<br />

de O Estado de S.Paulo), o que eu queria mesmo era<br />

meu partido de volta”. Até falei brincando. Na hora<br />

me acendeu uma luzinha e disse: isso vai ser a manchete.<br />

Depois, brincando, meu filho (também jornalista)<br />

disse, “mas mãe, se ela não pusesse isso como<br />

manchete seria despedi<strong>da</strong> por péssimo jornalismo,<br />

porque qualquer jornalista poria isso como manche-<br />

te.” Mas eu quero meu partido de volta porque acho<br />

que o que tem aparecido, veja bem não é o que existe<br />

na reali<strong>da</strong>de, mas o que tem aparecido para a militância,<br />

para os simpatizantes, é algo muito diferente<br />

do partido antes dessa vitória. Em outros casos eu<br />

diria até que não só nessa vitória, mas também em<br />

outras, em estados e municípios.<br />

Acho que o partido precisa retomar seu papel pe<strong>da</strong>gógico,<br />

que é de formação política, seu papel de ser<br />

realmente interlocutor dos movimentos sociais, o partido<br />

não os substitui, mas é um interlocutor, porque<br />

o meu PT é o quê? É fruto <strong>da</strong> união de amplíssimos<br />

movimentos sociais, de uma esquer<strong>da</strong> que tinha uma<br />

longa história de luta, de intelectuais comprometidos<br />

com a mu<strong>da</strong>nça social, de setores <strong>da</strong> Igreja com compromisso<br />

de organização pela base e o movimento<br />

sindical. Acontece que o partido acabou tomando muitas<br />

vezes a fisionomia de um partido do ABC paulista,<br />

do movimento social paulista, e foi muito mais que<br />

isso na sua criação e na sua história.<br />

Eu, por exemplo, sou uma militante desde antes<br />

<strong>da</strong> formação do partido, e não venho de movimento<br />

sindical nem tenho história de luta operária. O<br />

partido é um conjunto de tudo isso. É natural que<br />

tenha grupos que pensem diferente, que tenha disputas,<br />

mas o que tem de ser preservado é essa característica<br />

ética do partido, que <strong>da</strong>va uma cara muito<br />

respeitável, em que se dizia que era o único partido<br />

do sistema partidário brasileiro, porque tinha<br />

programa, militância, vi<strong>da</strong> fora <strong>da</strong>s eleições, compromisso<br />

com uma determina<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

a maioria, os pobres, os movimentos populares.<br />

E que tinha fideli<strong>da</strong>de partidária. Acho que, infelizmente,<br />

a disputa pelo poder tem aspectos perversos,<br />

demoníacos e que comprometem muito a<br />

ética do partido. Já avisei aos meus amigos que gostaria<br />

que o PT vencesse as eleições para o governo<br />

de São Paulo, mas se houver baixaria, falta de ética<br />

na disputa entre os candi<strong>da</strong>tos, eu simplesmente<br />

não vou votar.<br />

RdB – Há alternativa se o projeto do PT for derrotado?<br />

Volta quem, a direita, o PSDB, o PFL?<br />

Maria Victoria – Não. Concordo muito com o<br />

que disse o Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES)<br />

numa entrevista à Caros Amigos, quando dizia: “estou<br />

insatisfeito com muita coisa, mas quero que o<br />

Lula ganhe porque se os tucanos voltarem eles voltarão<br />

com uma voraci<strong>da</strong>de tremen<strong>da</strong>.” Voraci<strong>da</strong>de<br />

para assumir tudo do poder e para avançar num<br />

projeto neoliberal, cujo eixo mais <strong>da</strong>noso é a alienação<br />

do patrimônio nacional. Não me conformo<br />

com as privatizações que foram feitas. E agora estou<br />

vendo que aqui em São Paulo (Estado) estamos<br />

indo pelo mesmo caminho, com as perspectivas de<br />

privatização, de capital aberto para o que ain<strong>da</strong> restava.<br />

Vejo que há possibili<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> de melhorarmos<br />

nossas perspectivas em relação ao governo porque<br />

não tivemos ain<strong>da</strong> a reforma tributária, a trabalhista,<br />

nem a sindical. ❚<br />

Veja íntegra <strong>da</strong> entrevista com a socióloga<br />

no www.spbancarios.com.br<br />

Quero o meu<br />

partido de<br />

volta. Acho<br />

que o PT<br />

precisa<br />

retomar<br />

seu papel<br />

pe<strong>da</strong>gógico,<br />

de formação<br />

política, seu<br />

papel de ser<br />

realmente<br />

interlocutor<br />

dos<br />

movimentos<br />

sociais<br />

FOTOS: JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 13


CAPA ,<br />

FORA DA ORDEM<br />

O consumo compulsivo e sem<br />

critério acelerou a exploração<br />

dos recursos naturais do planeta<br />

a níveis impraticáveis<br />

Um dos principais comportamentos<br />

que expressa a relação<br />

do homem moderno com o<br />

mundo é o consumo. Pouca<br />

gente, porém, tem a noção<br />

exata de que absolutamente<br />

tudo que se consome – dos tijolos para<br />

construção de casas às peças de carros e<br />

microchips dos computadores – é fabricado<br />

a partir de elementos vegetais, minerais<br />

14 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

ou animais extraídos do planeta. Até os<br />

anos 50, a Terra ain<strong>da</strong> conseguia repor razoavelmente<br />

os recursos que cedia gentilmente<br />

à humani<strong>da</strong>de. Mas, a partir de então,<br />

o desenvolvimento tecnológico, largamente<br />

confundido com progresso, levou<br />

países desenvolvidos e em desenvolvimento<br />

a uma expansão consumista generaliza<strong>da</strong>.<br />

E, alertam os defensores do consumo<br />

consciente – termo ain<strong>da</strong> novo para um<br />

problema nem tanto – passou <strong>da</strong> hora de<br />

botar o pé no freio.<br />

Dados <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />

denunciam que o mundo já utiliza 20%<br />

a mais do que o planeta pode produzir em<br />

recursos exploráveis para suprir as necessi<strong>da</strong>des<br />

de consumo de seus habitantes (e<br />

isso considerando que há mais de um bilhão<br />

deles excluídos desse processo). A<br />

mesma ONU calcula que se todos os paí-


CONSUMO<br />

CONSCIENTE:<br />

COMPRE ESSA IDÉIA<br />

Como consumir com<br />

responsabili<strong>da</strong>de pode gerar<br />

desenvolvimento e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong><br />

para o planeta Por Fábio Michel<br />

ses chegassem ao padrão de consumo dos<br />

Estados Unidos seriam necessárias quatro<br />

Terras para fornecer as matérias-primas.<br />

Mantendo-se o atual ritmo de crescimento,<br />

e principalmente a maneira como as<br />

pessoas adquirem produtos e serviços, no<br />

ano de 2050 teremos tirado do planeta,<br />

sem <strong>da</strong>rmos condição a que este se regenere,<br />

a metade de seus recursos naturais.<br />

Este panorama, afirmam especialistas, já<br />

tornará a vi<strong>da</strong> de nossos filhos e netos uma<br />

luta diária contra a morte por envenenamento.<br />

A questão <strong>da</strong> água é emblemática: a<br />

quanti<strong>da</strong>de do líquido disponível para consumo<br />

não se alterou desde os tempos bíblicos,<br />

porém o número de seres deman<strong>da</strong>ndo<br />

ca<strong>da</strong> vez mais água para se manterem<br />

vivos e consumindo sim, e muito. Ain<strong>da</strong><br />

segundo a ONU, em 1950, quando o<br />

PAULO PEPE<br />

mundo contabilizava uma população de<br />

2,5 bilhões de pessoas, o uso médio de água<br />

por habitante era de 20 litros/mês. Hoje,<br />

além de a população mundial ter praticamente<br />

triplicado (bateu nos 6 bilhões em<br />

1999), o consumo planetário médio subiu<br />

para 250 litros ao mês por habitante.<br />

O aumento deste número se explica pelas<br />

melhores tecnologias de distribuição do<br />

líquido, o que por outro lado ain<strong>da</strong> não<br />

resolveu o problema de grande parte <strong>da</strong><br />

população não ter acesso à água em condições<br />

de uso. E também porque, com o<br />

progresso, cresceram as ativi<strong>da</strong>des industrial<br />

e agropecuária, puxa<strong>da</strong>s justamente<br />

pelo consumo. Neste mesmo período de<br />

pouco mais de 50 anos, o mundo conheceu<br />

uma gama inimaginável de novos produtos,<br />

alguns realmente necessários, outros<br />

nem tanto. E do plantio de um pé de alface<br />

à produção dos componentes de um<br />

computador, tudo requer água.<br />

Um outro exemplo está na indústria<br />

plástica, que calcula a utilização média nas<br />

empresas de 10 copinhos descartáveis por<br />

dia por pessoa. Uma empresa com 500 funcionários,<br />

portanto, produz uma grande<br />

quanti<strong>da</strong>de de lixo representa<strong>da</strong> por 5 mil<br />

copinhos diários. Descartado em aterros e<br />

lixões, o plástico pode levar até 400 anos<br />

para se degra<strong>da</strong>r <strong>completa</strong>mente.<br />

Saí<strong>da</strong><br />

É por essas e outras que o ato de consumir,<br />

<strong>da</strong> maneira como vem sendo praticado<br />

pela maioria <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de em<br />

condições de fazê-lo, também é diretamente<br />

responsável pelos alarmantes níveis de<br />

poluição <strong>da</strong> atmosfera, do efeito estufa fazendo<br />

subir a temperatura global, do perigoso<br />

acúmulo de lixo que ameaça as pequenas,<br />

médias e grandes ci<strong>da</strong>des e, em última<br />

análise, de todos os problemas e desastres<br />

ambientais de que se tem notícia.<br />

A Agen<strong>da</strong> 21, um programa de ações para<br />

fazer do planeta um lugar ecologicamente<br />

aprazível a seus habitantes de forma<br />

permanente, elabora<strong>da</strong> durante a Conferência<br />

<strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s Sobre o Meio<br />

Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92),<br />

classifica como insustentáveis os atuais padrões<br />

de consumo e produção industrial.<br />

O programa estabelece, em mais de um capítulo,<br />

diretrizes para diminuir o impacto<br />

sobre o meio ambiente.<br />

Mas antes que se instale a descrença geral<br />

no futuro <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de é importante<br />

que se diga: há muita luz no fim do túnel.<br />

E ela já começa a brilhar por aqui.<br />

Apesar de o ímpeto consumista ter baixado<br />

sobre os brasileiros desde os árduos<br />

tempos de inflação galopante, o País fornece<br />

exemplos louváveis de formação e es-<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 15


LONGO CAMINHO Ricardo Venerito é dono de uma fábrica de embalagens: “Acredito que os empresários ain<strong>da</strong> têm um longo caminho a trilhar<br />

para entender que é preciso pensar em produtos mais harmoniosos com a natureza, mas tenho certeza de que esse processo já começou”<br />

clarecimento do que vem sendo chamado<br />

de prática de consumo consciente, ou responsável.<br />

“Consumo responsável é a capaci<strong>da</strong>de<br />

de ca<strong>da</strong> pessoa ou instituição, pública<br />

ou priva<strong>da</strong>, escolher e/ou produzir<br />

serviços e produtos que contribuam, de<br />

forma ética e de fato, para a melhoria de<br />

vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> um, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do ambiente”,<br />

define a advoga<strong>da</strong> Fabíola Zerbini,<br />

que preside o Instituto Kairós de Ética<br />

e Atuação Responsável, de São Paulo. O<br />

Kairós promove uma série de iniciativas<br />

para promover a idéia. Entre elas, projetos<br />

educacionais voltados a professores <strong>da</strong>s redes<br />

pública e priva<strong>da</strong> e cursos dirigidos a<br />

consumidores, empresários e prestadores<br />

de serviços.<br />

Helio Mattar, presidente do Instituto<br />

Akatu pelo Consumo Consciente, expande<br />

o conceito: “Consumir com consciência<br />

não tem a intenção de desestimular a<br />

produção. É promover ações efetivas que<br />

visem o desenvolvimento sem perder de<br />

vista que os recursos naturais são finitos.<br />

Repensar o modo como adquirimos produtos<br />

e serviços é imprescindível para a<br />

sobrevivência do planeta e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de”.<br />

Helio acaba de lançar, também em São<br />

16 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Paulo, um centro de referência, uma ampla<br />

biblioteca virtual com informações e<br />

serviços acerca do tema. “Foi uma <strong>da</strong>s formas<br />

que encontramos para divulgar a idéia,<br />

fun<strong>da</strong>mental a nosso ver, de transformar<br />

ci<strong>da</strong>dãos consumidores em consumidores<br />

ci<strong>da</strong>dãos. E todos são ci<strong>da</strong>dãos, independentemente<br />

de qualquer condição social ou<br />

econômica”, <strong>completa</strong>.<br />

Navegando-se pelo centro de referência<br />

do Akatu (www.akatu.org.br) é possível saber,<br />

por exemplo, que o Brasil começa a<br />

mostrar sinais de que, apesar do muito ain<strong>da</strong><br />

a ser feito, já há uma mu<strong>da</strong>nça em curso<br />

nas relações de consumo. Numa pesquisa<br />

em parceria com a IndicatorGfK Pesquisa<br />

de Mercado, o instituto lista uma série<br />

de comportamentos para concluir o<br />

grau de esclarecimento sobre o consumo<br />

responsável <strong>da</strong> população. Nos resultados,<br />

verifica-se que a maioria (54%) dos brasileiros<br />

ain<strong>da</strong> está se iniciando no assunto.<br />

No entanto, outros 37% já indicam uma<br />

evolução <strong>da</strong> consciência enquanto consumidores,<br />

adotando comportamentos simples<br />

porém eficazes, como planejar a compra<br />

de alimentos e de roupas, usar o verso<br />

de folhas de papel já utiliza<strong>da</strong>s, separar<br />

o lixo para reciclagem, fechar a torneira<br />

enquanto escova os dentes, ler rótulos e<br />

embalagens antes de decidir pela compra,<br />

comprar produtos orgânicos etc.<br />

Uma parcela ain<strong>da</strong> pequena, de 6% dos<br />

consumidores brasileiros, mostra-se plenamente<br />

esclareci<strong>da</strong> sobre o tema. Isso implica<br />

em escolher produtos e serviços cujas<br />

embalagens tenham alguma vi<strong>da</strong> útil<br />

após o seu uso (seja na forma <strong>original</strong> ou<br />

recicla<strong>da</strong>), que o fornecedor não se aproveite<br />

de mão-de-obra irregular (infantil,<br />

escrava, com direitos rebaixados etc), que<br />

o produto tenha sido fabricado com recursos<br />

de reservas naturais renováveis e tantos<br />

outros procedimentos, ain<strong>da</strong> longe de<br />

se tornarem regra, justamente o objetivo<br />

maior dos praticantes do consumo consciente.<br />

Futuro<br />

É o caso <strong>da</strong> psicóloga Eliana Tiezzi, que<br />

estendeu sua responsabili<strong>da</strong>de para além<br />

<strong>da</strong>s relações de consumo e montou o Projeto<br />

Papel de Gente, que alia a reciclagem<br />

de papel à terapia de pessoas com transtornos<br />

psíquicos. Ela se diz criteriosa na<br />

hora de escolher os alimentos que con-


GERAÇÃO FUTURA Eliana: “Tenho uma filha de 13 anos e percebo que ela e seus amigos têm<br />

posturas muito críticas em relação aos problemas ambientais gerados pelas nossas escolhas.<br />

Mas eles pertencem a um grupo muito privilegiado”<br />

some (“É tudo orgânico”) e os produtos<br />

que compra (“O menos possível, não sou<br />

compulsiva”). Na Papel de Gente, Eliana<br />

mantém ain<strong>da</strong> um centro de difusão cultural<br />

que elabora ativi<strong>da</strong>des volta<strong>da</strong>s ao<br />

público em geral – e às crianças em i<strong>da</strong>de<br />

escolar em especial – para ampliar e<br />

aprofun<strong>da</strong>r os conhecimentos sobre reciclagem<br />

e os demais temas desenvolvidos<br />

pelo projeto. É sobre as futuras gerações<br />

que repousa uma de suas maiores preocupações.<br />

“Tenho uma filha de 13 anos e percebo<br />

que ela e seus amigos têm posturas muito<br />

críticas em relação aos problemas ambientais<br />

gerados pelas nossas escolhas. Mas<br />

eles pertencem a um grupo muito privilegiado,<br />

que tem acesso às melhores escolas<br />

FOTOS: PAULO PEPE<br />

e, portanto, a uma boa formação. Temo<br />

pela imensa massa de crianças que nascem<br />

em condições muito precárias e não têm<br />

a mesma chance”, afirma. Os privilegiados,<br />

portanto, devem <strong>da</strong>r o exemplo. Da mesma<br />

forma pensa o empresário Ricardo Venerito,<br />

que tenta aliar as ativi<strong>da</strong>des de sua<br />

fábrica de embalagens plásticas – um dos<br />

grandes vilões ambientais, quando descartados<br />

sem os devidos cui<strong>da</strong>dos – com a<br />

atuação responsável que espera ver dissemina<strong>da</strong><br />

entre sua classe.<br />

“A ca<strong>da</strong> ano são despeja<strong>da</strong>s bilhões de<br />

tonela<strong>da</strong>s de todo tipo de plástico no meio<br />

ambiente, e sei que isso é extremamente<br />

prejudicial. Aqui na empresa estamos investindo<br />

grande parte dos recursos na pesquisa<br />

de embalagens menos agressivas, mas<br />

nem sempre conseguimos convencer nossos<br />

clientes a utilizar as alternativas que<br />

apresentamos. Acredito que os empresários<br />

ain<strong>da</strong> têm um longo caminho a trilhar para<br />

entender que é preciso pensar em produtos<br />

mais harmoniosos com a natureza,<br />

mas tenho certeza de que esse processo já<br />

começou”, acredita Ricardo. Ele afirma que,<br />

em muitos casos, as empresas não praticam<br />

a responsabili<strong>da</strong>de social como divulgam.<br />

“É um conceito ain<strong>da</strong> vago, mas os<br />

próprios consumidores saberão distinguir<br />

entre os que dizem fazer e os que realmente<br />

fazem”, <strong>completa</strong>.<br />

Aprender a escolher e aju<strong>da</strong>r as crianças<br />

de hoje a amadurecer uma atitude crítica<br />

e saudável em relação aos prazeres inerentes<br />

ao consumo parece ser o caminho para<br />

melhorar o comportamento <strong>da</strong>s pessoas<br />

nessa área e conseqüentemente ampliar o<br />

seu papel frente ao mundo. Ain<strong>da</strong> não se<br />

têm to<strong>da</strong>s as respostas, mas várias perguntas<br />

já estão sendo feitas e muita gente trabalha<br />

para eluci<strong>da</strong>r algumas delas. É um<br />

começo, já que o consumo é o grande propulsor<br />

do desenvolvimento e, portanto, do<br />

bem-estar que se quer desfrutar e proporcionar<br />

às gerações futuras.<br />

No entanto, muita coisa ruim tem sido<br />

feita para justificar o desenvolvimento em<br />

nome do consumo. Para citar alguns exemplos:<br />

devastação de terras e florestas, contaminação<br />

de rios e mananciais, desperdício<br />

de água, energia e alimentos, poluição<br />

do ar e do solo, extinção de animais. Como<br />

consumidoras, as pessoas têm enorme<br />

potencial para contribuir positivamente<br />

com o crescimento econômico de seu país<br />

e do mundo, fazendo valer o direito de escolher<br />

aqueles fornecedores que respeitem<br />

o meio ambiente e o ser humano. Ou, como<br />

reforça Helio Matar, é preciso entender<br />

que, “quando fazemos uma compra,<br />

estamos escolhendo também o mundo em<br />

que viveremos amanhã”. ❚<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 17


LITERATURA<br />

ADORÁVEL<br />

CAVALEIRO<br />

Dom Quixote, de Cervantes, chega aos<br />

400 anos seduzindo novas gerações de<br />

estudiosos e leitores; São Paulo tem<br />

acervo raro com edições ilustra<strong>da</strong>s<br />

Por Cássio Ventura<br />

TESOURO<br />

Edições raras, escritas<br />

em mais de 40 línguas<br />

diferentes e ilustra<strong>da</strong>s<br />

por mestres como<br />

Salvador Dali e Picasso,<br />

estão reuni<strong>da</strong>s numa<br />

biblioteca em<br />

São Paulo<br />

18 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Os dias corriam ligeiros naquele começo<br />

do século 17. A Europa entrava na I<strong>da</strong>de<br />

Moderna sacudi<strong>da</strong> por grandes<br />

transformações e efervescia com o desenho<br />

<strong>da</strong>s bases do Estado Moderno, a<br />

Reforma e a Contra-Reforma na Igreja<br />

e um intenso movimento artístico e intelectual. Nesse<br />

cenário, surge na Espanha aquele que viria a ser<br />

considerado o primeiro romance moderno: é Dom<br />

Quixote, o Engenhoso Fi<strong>da</strong>lgo de La Mancha que, quatro<br />

séculos depois, continua a cumprir seu destino<br />

de obra-prima ao influenciar não só outros autores<br />

como também pintores, cineastas, músicos... É, segundo<br />

estudiosos, o segundo livro mais lido em todo<br />

o mundo – perde apenas para a Bíblia.<br />

Escrito por Miguel de Cervantes, Dom Quixote veio<br />

à luz em janeiro de 1605 e alcançou êxito imediato,<br />

com seis edições logo no primeiro ano. Pouco depois,<br />

foi traduzido para o inglês e o francês. O maior<br />

responsável pelo livro ter caído nas graças do leitor<br />

é justamente o personagem que lhe dá nome, o venerado<br />

Dom Quixote. Ao longo dos séculos, ganhou<br />

tamanha notorie<strong>da</strong>de que se tornou mais conhecido<br />

que seu próprio criador. Alguns fatores contribuíram:<br />

a obra faz uma sátira <strong>da</strong>s novelas de cavalaria, em<br />

voga na I<strong>da</strong>de Média e ain<strong>da</strong> muito li<strong>da</strong>s na Espanha<br />

naquele início de século 17; há a figura burlesca do<br />

fiel escudeiro, Sancho Pança, e o amor idealizado do<br />

herói por Dulcinéia Del Toboso.<br />

Personali<strong>da</strong>de<br />

Mas é bom não esquecer que Dom Quixote sobreviveu<br />

incólume ao fim <strong>da</strong>s novelas de cavalaria e atravessou<br />

o tempo fascinando leitores de novas gerações.<br />

O segredo talvez esteja na personali<strong>da</strong>de do “Cavaleiro<br />

<strong>da</strong> Triste Figura”; ou seja, o próprio Quixote. Descobrir<br />

que perfil é esse não é tarefa fácil, principalmente<br />

neste aniversário de 400 anos, quando as considerações<br />

são as mais varia<strong>da</strong>s: seria ele um doido varrido,<br />

um idealista sonhador, um visionário, um pacifista,<br />

um rematado idiota, um ingênuo pobre coitado,<br />

um personagem com um profundo senso de justiça?<br />

“Dom Quixote é tudo isso e muito mais, pois ao<br />

criá-lo Cervantes contemplou to<strong>da</strong>s as facetas do ser<br />

humano”, avalia o bibliotecário do Unibero (Centro<br />

Universitário Ibero-Americano), Manuel Maria <strong>da</strong> Sil-<br />

va, leitor voraz do clássico de Cervantes e autor de<br />

estudo acadêmico tendo o cavaleiro como tema central.<br />

“É um personagem tão complexo que estudiosos<br />

vivem escarafunchando a obra à procura de novas<br />

facetas”, ressalta. Diante de um personagem com<br />

tamanha complexi<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> leitor tende a se identificar<br />

com determinados traços <strong>da</strong> multifaceta<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de<br />

do fi<strong>da</strong>lgo, que teria enlouquecido de tanto<br />

ler os famigerados romances de cavalaria.<br />

Ledor contumaz <strong>da</strong> obra cervantina, José Alexandre<br />

Tavares Guerreiro, professor <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito<br />

do Largo São Francisco <strong>da</strong> USP, enxerga em<br />

Dom Quixote “o personagem que faz a apologia <strong>da</strong><br />

Justiça e <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de”. Ele vê ain<strong>da</strong> no cavaleiro “o<br />

idealista que quis mu<strong>da</strong>r o mundo, inconformado<br />

que era com a baixeza e a mediocri<strong>da</strong>de humana”.<br />

“Cervantes construiu seu personagem com extrema<br />

habili<strong>da</strong>de e sutileza, <strong>da</strong>ndo a ele uma profun<strong>da</strong> di-


Quixote observa as<br />

brincadeiras com seu<br />

escudeiro, numa ilustração<br />

de Portinari<br />

mensão <strong>da</strong> alma humana”, aponta.<br />

A professora Mônica Derito Ramos, coordenadora<br />

do Setor de Publicações Acadêmicas do Unibero, acredita<br />

que Cervantes tenha criado seu famoso personagem<br />

tendo por base o binômio coragem/idealismo.<br />

Essas duas características, segundo ela, fizeram de<br />

Dom Quixote um ícone do objetivo humano de querer<br />

realizar o irrealizável. “Ele é corajoso, destemido,<br />

obstinado e, sem medo do ridículo, sai em busca de<br />

seus ideais. Para alcançá-los, enfrenta gigantes imaginários<br />

e investe contra moinhos de vento”.<br />

Na opinião <strong>da</strong> professora, a grandeza do protagonista<br />

reside justamente em sua capaci<strong>da</strong>de de acreditar<br />

em seus sonhos e batalhar para realizá-los. Para<br />

ela, a discussão sobre a insani<strong>da</strong>de de Quixote é<br />

secundária. “Afinal, ele é mesmo insano ou simplesmente<br />

ingênuo?” Em sua avaliação, o recado do cavaleiro<br />

an<strong>da</strong>nte é claro: “Devemos sonhar com o im-<br />

REPRODUÇÕES DE GERARDO LAZZARI<br />

possível e procurar atingir alturas inatingíveis”.<br />

Ao contrário <strong>da</strong> maioria dos leitores e mesmo de<br />

alguns estudiosos <strong>da</strong> obra-prima de Cervantes, que<br />

falam de Dom Quixote como quem se refere a um<br />

ser humano de carne e osso, e não como um simples<br />

personagem, Ana Lúcia Trevisan Pelegrino procura<br />

colocá-lo no devido lugar. “Vejo Dom Quixote<br />

apenas como um texto literário que sai viajando pelo<br />

mundo”, afirma a professora de Literatura Hispano-Americana<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Mackenzie.<br />

Para Ana, a obra coloca em primeiro plano a discussão<br />

do que é a construção do discurso e a representação<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. “O Quixote é uma figura que surge<br />

do próprio texto, se sustenta o tempo todo apenas como<br />

texto literário e que cai em profun<strong>da</strong> solidão to<strong>da</strong><br />

vez que se vê impossibilitado de expressar sua discursivi<strong>da</strong>de”.<br />

Daí, segundo a docente, a importância do fiel<br />

escudeiro no romance, Sancho Pança, que mantém o<br />

diálogo com o fi<strong>da</strong>lgo durante todo o tempo.<br />

Raros<br />

Ao contrário <strong>da</strong>s discussões acerca <strong>da</strong> importância<br />

do livro de Cervantes para a literatura universal e <strong>da</strong><br />

complexi<strong>da</strong>de de seu mais ilustre personagem, sempre<br />

presentes entre literatos e leitores e amplamente<br />

divulga<strong>da</strong>s, são poucos os que conhecem um rico e<br />

curioso acervo formado exclusivamente por edições<br />

ilustra<strong>da</strong>s do Dom Quixote. Fica em São Paulo e é<br />

composto por mais de 600 edições que integram a<br />

Biblioteca Cervantina Públio Dias, do Centro Hispano-Brasileiro<br />

de Cultura, enti<strong>da</strong>de mantenedora do<br />

Unibero.<br />

Entre as rari<strong>da</strong>des destacam-se edições vin<strong>da</strong>s de<br />

diversos países, escritos em mais de 40 línguas, livros<br />

impressos há séculos, exemplares com dedicatória<br />

de escritores renomados e ilustrados por grandes<br />

artistas. “É a maior coleção de ‘Quixotes’ ilustrados<br />

de que temos conhecimento em todo o mundo”,<br />

garante o bibliotecário Manuel Maria <strong>da</strong> Silva. “Há<br />

exemplares que não são encontrados sequer na Biblioteca<br />

Nacional <strong>da</strong> Espanha”, prossegue o responsável<br />

pela manutenção do valioso acervo.<br />

Um dos destaques <strong>da</strong> rara coleção é uma edição<br />

em espanhol, mas impressa em Bruxelas, na Bélgica,<br />

no distante ano de 1662. Também chama a atenção<br />

uma edição de 1863, ilustra<strong>da</strong> por Gustav Doré, artista<br />

francês que deu ao Quixote as feições que mais<br />

se aproximam <strong>da</strong>s descrições de Cervantes. Em meio<br />

aos diversos artistas renomados que retrataram o<br />

Quixote, figuram ícones <strong>da</strong> pintura como Salvador<br />

Dali, Francisco Goya e Pablo Picasso.<br />

Entre os brasileiros, sobressai-se um portifólio com<br />

21 lâminas com pinturas de Cândido Portinari. Os<br />

desenhos retratam cenas do Quixote e são acompanhados<br />

de poemas de Carlos Drummond de Andrade<br />

inspirados no livro de Cervantes. Há também volumes<br />

que levam a assinatura de autores nacionais<br />

que doaram livros ao colecionador Públio Dias – Mário<br />

de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Vinícius<br />

de Moraes, Jorge Amado e Manuel Bandeira. A Biblioteca<br />

Cervantina Públio Dias está aberta para visitas<br />

monitora<strong>da</strong>s. Os interessados devem entrar em<br />

contato com o Unibero pelo telefone 3188-6720. ❚<br />

Logo no primeiro ano,<br />

Cervantes emplacou 6<br />

edições de seu livro<br />

PARA CRIANÇAS<br />

Na coleção de “Quixotes”<br />

do Unibero há edições dedica<strong>da</strong>s<br />

ao público infantil,<br />

como uma a<strong>da</strong>ptação<br />

de Monteiro Lobato, na<br />

qual as peripécias do Cavaleiro<br />

<strong>da</strong> Triste Figura são<br />

conta<strong>da</strong>s por Dona Benta.<br />

Will Eisner, que revolucionou<br />

a linguagem <strong>da</strong>s HQ<br />

ao criar o Spirit, também<br />

dá o ar de sua graça, enriquecendo<br />

o acervo com<br />

sua <strong>versão</strong> do Quixote em<br />

quadrinhos.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 19


SAÚDE<br />

OLHO POR<br />

OLHO<br />

Resolução estabelece<br />

maior repasse à Previdência<br />

por parte de empresas nas<br />

quais funcionários adoecem<br />

mais; bancos produzem<br />

milhares de vítimas<br />

Por Marcelo Santos<br />

Todos os dias os jornais estampam<br />

notícias sobre o déficit previdenciário<br />

do País. O governo<br />

apresenta seu planejamento para<br />

reduzi-lo – em março passado,<br />

pacote de medi<strong>da</strong>s incluía até<br />

a restrição aos pedidos de auxílio-doença.<br />

Mas ao invés de penalizar o trabalhador<br />

ou o aposentado é possível ser mais justo<br />

e arreca<strong>da</strong>r mais, cobrando percentuais<br />

maiores <strong>da</strong>quelas empresas que mais adoecem<br />

seus funcionários. É dessa equivalência<br />

que trata, em linhas gerais, a resolução<br />

1236, elabora<strong>da</strong> pelo Conselho Nacional de<br />

Previdência Social junto com os ministérios<br />

<strong>da</strong> Saúde e do Trabalho. Considera<strong>da</strong><br />

um avanço por especialistas ligados à questão<br />

<strong>da</strong> saúde do trabalhador, a resolução<br />

<strong>da</strong>ta do ano passado, mas ain<strong>da</strong> não foi<br />

coloca<strong>da</strong> em vigor. Torná-la ativa é ponto<br />

fun<strong>da</strong>mental para o Sindicato.<br />

O princípio é muito simples, o mesmo<br />

de qualquer seguradora: quanto maior o<br />

risco, mais caro o valor. E risco de adoecer<br />

é o que não falta nas instituições bancárias.<br />

Quando Benedito Francisco dos<br />

Santos, 36 anos, chegou pela primeira vez<br />

à sede do Real, na Paulista, pensou: “Vou<br />

construir minha vi<strong>da</strong> aí”. Dedicado, trabalhava<br />

na digitação e desconhecia as recomen<strong>da</strong>ções<br />

de descanso de 10 minutos a<br />

ca<strong>da</strong> hora de trabalho e jorna<strong>da</strong> de no máximo<br />

6 horas diárias. “Cheguei a trabalhar<br />

até 18 horas segui<strong>da</strong>s”, conta. Enquanto ganhava<br />

prestígio com seus superiores, ele<br />

não levava em conta que sua saúde poderia<br />

ser prejudica<strong>da</strong>; afinal, seu trabalho não<br />

20 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

era li<strong>da</strong>r com pesa<strong>da</strong>s prensas. Era “apenas<br />

um computador e muitas coisas para digitar”.<br />

Após quatro anos de trabalho, os<br />

primeiros sintomas começaram a surgir e<br />

logo Benedito percebeu que tinha adquirido<br />

lesões por esforços repetitivos relacionados<br />

ao trabalho (LER/ Dort).<br />

Afastado, o bancário viu seus sonhos de<br />

carreira e projetos de vi<strong>da</strong> ruírem. Desvalorizado<br />

no emprego e incompreendido<br />

pela família e colegas, que não aceitavam<br />

um “jovem que fica o dia inteiro em casa”,<br />

hoje ele mal consegue pegar seu filho<br />

de apenas 5 anos. “Sinto fortes dores nos<br />

braços”. Dez anos passados de seu último<br />

afastamento, Benedito não depende mais<br />

de sua hábil digitação e nem dos seus conhecimentos<br />

bancários, mas dos recursos<br />

<strong>da</strong> desgasta<strong>da</strong> Previdência para poder viver.<br />

Embora nem apareçam nos jornais,<br />

histórias como a dele se repetem a ca<strong>da</strong><br />

dia no País. De acordo com levantamento<br />

<strong>da</strong> Previdência Social, no Brasil ocorrem<br />

três mortes a ca<strong>da</strong> duas horas de trabalho<br />

e três acidentes de trabalho a ca<strong>da</strong> minuto.<br />

Isso apenas entre os trabalhadores do<br />

mercado formal e que tiveram a notificação<br />

do acidente, por meio <strong>da</strong> Comunicação<br />

do Acidente de Trabalho – a CAT.<br />

Entre os bancários, segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Secretaria<br />

de Saúde do Sindicato, com números<br />

do Instituto Nacional de Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

(INSS), o número de novos afastamentos<br />

por esforço repetitivo ou distúrbios osteomusculares<br />

considerados como previdenciários,<br />

que não foram reconhecidos como<br />

tendo origem no trabalho, cresceu de


Com a<br />

aplicação <strong>da</strong><br />

resolução 1236,<br />

para pagar menos<br />

os empresários<br />

vão ter de investir<br />

na prevenção<br />

JAILTON GARCIA<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 21


765 em 2000 para 1.539 casos em 2004, enquanto<br />

o número oficial de doenças ocupacionais<br />

subiu de 787 em 2000 para 1019<br />

em 2004 em sete bancos analisados. Nos<br />

dois casos, o maior banco privado do País<br />

foi também o maior responsável pelo número<br />

de novos casos de LER/Dort. O Bradesco<br />

apresentou um total de 2.878 vítimas<br />

no período compreendido de 2000 a 2004.<br />

Além <strong>da</strong>s LER/Dort, os transtornos mentais<br />

também são bastante freqüentes entre<br />

os bancários. São casos de estresses e diversos<br />

tipos de síndromes, como as depressivas<br />

e as de pânico. Enquanto 1.152 profissionais<br />

foram afastados por esse tipo de<br />

doença, apenas 38 foram reconhecidos como<br />

sendo por conta do ambiente de trabalho.<br />

“É um fator de risco muito grande<br />

ser bancário hoje. O risco maior é que ele<br />

contraia LER/ Dort e transtornos mentais”,<br />

afirma Rita Berlofa, secretária de Saúde do<br />

Sindicato.<br />

Resolução 1.236<br />

Embora tenha forte caráter arreca<strong>da</strong>tório,<br />

a resolução 1.236, de 28 de abril de<br />

2004, publica<strong>da</strong> em 10 de maio do mesmo<br />

ano no Diário Oficial <strong>da</strong> União, pode<br />

aju<strong>da</strong>r a corrigir distorções como estas. A<br />

resolução cria o Fator Acidentário Previdenciário<br />

(FAP) e altera as normas de recolhimento<br />

do SAT (Seguro de Acidente<br />

de Trabalho), que hoje é dividido em empresas<br />

de risco leve (na qual estão enquadra<strong>da</strong>s<br />

as instituições bancárias), que recolhem<br />

1% sobre o total <strong>da</strong> folha de pagamento<br />

e empresas de risco médio e grande<br />

risco, que recolhem 2% e 3%, sucessivamente.<br />

Com a alteração, as empresas seriam<br />

enquadra<strong>da</strong>s por meio do Código Internacional<br />

de Doenças (CID),<br />

o que significa dizer que seriam<br />

taxa<strong>da</strong>s de acordo com a frequência<br />

de adoecimentos na base<br />

de <strong>da</strong>dos do INSS – tanto os<br />

caracterizados como por acidente<br />

de trabalho como os que<br />

não foram considerados como<br />

de origem no ambiente laboral<br />

– determinando assim seu real<br />

risco ocupacional.<br />

“Por que o banco paga um<br />

por cento enquanto a construção<br />

civil paga três? Não foi feito<br />

nenhum balizamento, não<br />

houve nenhum critério estatístico<br />

para avaliar se o banco causa<br />

mais doenças do que a construção civil”,<br />

explica o diretor do Departamento do<br />

Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social (-<br />

RGPS) do Ministério <strong>da</strong> Previdência, Geraldo<br />

Arru<strong>da</strong>. A mu<strong>da</strong>nça, de pronto, elevaria<br />

a alíquota dos bancos para 2%. E is-<br />

22 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Rita, do Sindicato:<br />

“É preciso tirar a<br />

culpa pelo déficit<br />

previdenciário<br />

<strong>da</strong>s costas do<br />

trabalhador”<br />

so já está causando mal estar entre os banqueiros.<br />

“O grau de risco para a categoria<br />

bancária é muito alto para ser de apenas<br />

1%”, afirma Rita. Segundo ela, a implementação<br />

<strong>da</strong> resolução possibilitaria à Previdência<br />

uma maior arreca<strong>da</strong>ção sem onerar<br />

o trabalhador. “É preciso tirar a culpa<br />

pelo déficit previdenciário <strong>da</strong>s costas do<br />

trabalhador”, defende.<br />

Mas a idéia principal é fomentar o investimento,<br />

por parte <strong>da</strong>s empresas, na prevenção<br />

de acidentes. Com o FAP, se uma<br />

empresa diminuir o número de adoecimentos<br />

entre seus funcionários, poderá ter reduzido<br />

o repasse à Previdência em até 50%.<br />

Do outro lado, quem não investir na segurança<br />

do trabalhador poderá ser onerado<br />

em 100% sobre o valor principal <strong>da</strong> alíquota.<br />

“O trabalhador não agüenta mais esperar.<br />

Nós precisamos de ações por parte<br />

do governo para pressionar as empresas em<br />

investir em prevenção”, afirma a secretária<br />

de saúde do Sindicato. De acordo com Geraldo<br />

Arru<strong>da</strong>, o objetivo é estabelecer um<br />

incentivo de natureza econômica para que<br />

as empresas possam investir em prevenção.<br />

“Dessa forma, a Previdência vai pagar menos<br />

benefícios por incapaci<strong>da</strong>de. Para o trabalhador<br />

o ganho é a preservação de sua<br />

saúde e sua integri<strong>da</strong>de física”, pondera.<br />

Ônus do empregador<br />

As mu<strong>da</strong>nças previstas na resolução<br />

1.236 do Conselho Nacional <strong>da</strong> Previdência<br />

Social também podem alterar a atual<br />

forma para notificação <strong>da</strong>s doenças ocupacionais<br />

e seu reconhecimento pela perícia<br />

do INSS, que hoje exige a emissão de<br />

CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)<br />

e avaliação do perito. Com a implantação<br />

do nexo epidemiológico,<br />

o trabalhador, ao apresentar<br />

doença de alta prevalência no<br />

seu ramo de ativi<strong>da</strong>de teria sua<br />

doença ocupacional reconheci<strong>da</strong>,<br />

ficando ao perito o estabelecimento<br />

<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de laboral<br />

ou não. Dessa forma, o ônus<br />

PAULO PEPE<br />

<strong>da</strong> prova <strong>da</strong> relação <strong>da</strong> doença<br />

com o trabalho passaria a ser<br />

do empregador, não mais do<br />

trabalhador. Com isso, se uma<br />

doença for mais freqüente do<br />

que a média em um determinado<br />

setor empresarial será caracteriza<strong>da</strong><br />

doença ocupacional.<br />

No atual modelo, os empre-<br />

gadores relutam em emitir a CAT, uma vez<br />

que, se o empregado obtiver o auxílio-previdenciário<br />

e não o acidentário, a empresa<br />

fica desobriga<strong>da</strong> de recolher o Fundo de<br />

Garantia por Tempo de Serviço e de <strong>da</strong>r<br />

estabili<strong>da</strong>de de 12 meses após o retorno do<br />

DEDICAÇÃO<br />

“RECOMPENSADA”<br />

Benedito:“Cheguei a<br />

trabalhar até 18 horas<br />

segui<strong>da</strong>s”<br />

trabalhador às suas ativi<strong>da</strong>des. “Foi constatado<br />

que um médico do trabalho demora<br />

dois anos para diagnosticar um doente<br />

nesses casos”, revela o médico Paulo Roberto<br />

Kaufmann; ou seja, este profissional<br />

emite uma CAT a ca<strong>da</strong> dois anos. Segundo<br />

ele, apenas uma pequena fração <strong>da</strong>s<br />

doenças ocupacionais é notifica<strong>da</strong> pelas<br />

empresas. Especialista em Medicina do Trabalho,<br />

o doutor Kaufmann relembra que<br />

testemunhou um perito do INSS, ao ministrar<br />

para médicos que estavam se credenciando<br />

no instituto, afirmar que as<br />

CATs emiti<strong>da</strong>s por Centros de Referência<br />

<strong>da</strong> Saúde e Sindicatos não deveriam ser<br />

considera<strong>da</strong>s.<br />

“O trabalhador é atendido internamente<br />

na empresa por determinado perito que<br />

nega a doença ocupacional e o respectivo<br />

nexo e, ao chegar ao INSS para pedir socorro,<br />

lá encontra o mesmo perito para<br />

chancelar o que já foi decidido antes, lá


na empresa”, comenta o advogado trabalhista<br />

Luiz Salvador, que também é articulista<br />

<strong>da</strong> revista Consultor Jurídico. Para<br />

ele, enquanto for possível continuar praticando<br />

as subnotificações acidentárias, jogando<br />

o ônus ao trabalhador infortunado,<br />

ao INSS e à socie<strong>da</strong>de, o governo não<br />

conseguirá controlar o déficit previdenciário.<br />

“Isso é uma vergonha e tem que acabar”,<br />

condena.<br />

No entanto, há quem pense diferente em<br />

relação às alterações <strong>da</strong> resolução. Na opinião<br />

do médico René Mendes, presidente<br />

<strong>da</strong> Associação Nacional de Medicina no<br />

Trabalho, a questão tem sido trata<strong>da</strong> de<br />

forma equivoca<strong>da</strong>. Para ele, utilizar o Ca<strong>da</strong>stro<br />

Internacional de Doenças como parâmetro<br />

para a tarifação individual do Seguro<br />

de Acidentes do Trabalho, coloca em<br />

vala comum as causas de benefícios por<br />

incapaci<strong>da</strong>de de natureza previdenciária –<br />

o que ele aponta como a maioria – e as<br />

causas de benefício por incapaci<strong>da</strong>de de<br />

natureza acidentária.“A adoção do FAP<br />

com a metodologia, do modo que está sendo<br />

anuncia<strong>da</strong>, poderá trazer, como subproduto<br />

indesejável, a utilização de mecanismos<br />

de seleção <strong>da</strong> força de trabalho hígi<strong>da</strong><br />

(“atletas”), predominantemente jovens,<br />

em detrimento dos não tão saudáveis,<br />

nem tão jovens, e eventuais portadores<br />

de doenças crônico-degenerativas que<br />

na<strong>da</strong> têm a ver com o trabalho”, escreveu<br />

em artigo publicado no site <strong>da</strong> associação.<br />

Já para o auditor fiscal <strong>da</strong> Previdência<br />

Social Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira,<br />

idealizador <strong>da</strong> resolução, o novo sistema<br />

não padeceria do vício <strong>da</strong> CAT, uma<br />

vez que independe <strong>da</strong> comunicação do empregador.<br />

“A questão que se coloca é saber<br />

se pertencer a um determinado segmento<br />

econômico constitui fator de risco para o<br />

trabalhador apresentar determina<strong>da</strong> doença”,<br />

sintetiza.<br />

JAILTON GARCIA<br />

Discriminação<br />

No meio do debate, o papel <strong>da</strong>s Comissões<br />

Internas de Prevenção de Acidentes<br />

(Cipas) ganha maior relevância. No entanto,<br />

o funcionário responsável pela Cipa<br />

nem sempre é bem visto pelos superiores.<br />

“Meu gerente chegou a me perguntar se<br />

era a Cipa quem pagava meu salário”, conta<br />

Mário Raia, 40 anos, funcionário do Banespa<br />

e ex-cipeiro. Outro problema é quanto<br />

à elaboração <strong>da</strong> Semana Interna de Prevenções<br />

de Acidente do Trabalho, a Sipat.<br />

“O banco sempre vinha com a Sipat pronta,<br />

sem espaço para que pudéssemos colaborar”,<br />

conta.<br />

Além dos transtornos ocasionados pelas<br />

doenças ocupacionais, o lesionado enfrenta<br />

outro problema grave, a discriminação.<br />

Basta uma pessoa que estava afasta<strong>da</strong><br />

por problemas de saúde relaciona<strong>da</strong><br />

ao trabalho retornar ao seu posto que<br />

logo é coloca<strong>da</strong> de lado e trata<strong>da</strong> como<br />

um fardo a ser carregado. “Quando voltei<br />

me colocaram em uma mesa sem computador<br />

nem na<strong>da</strong>. Disseram que era para<br />

eu ficar lá, já que não poderia fazer<br />

outra coisa”, conta M., que preferiu não<br />

ser identifica<strong>da</strong>. Segundo ela, é comum<br />

ser tratado com desdém pelos demais colegas,<br />

que não compreendem a serie<strong>da</strong>de<br />

do problema. “Só quem possui a doença<br />

sabe como é difícil”, conta ela, vítima<br />

de LER/Dort e funcionária do Banco<br />

ABN Real. Caso semelhante viveu Carolina<br />

de Freitas Mazoli, 27 anos. Ela trabalhava<br />

no Su<strong>da</strong>meris até sua incorporação<br />

ao ABN Real. “O banco sabia do<br />

meu problema (LER/Dort), mesmo assim<br />

optou por me demitir”, conta. Reincorpora<strong>da</strong><br />

devido à ação do Sindicato,<br />

Carolina, hoje afasta<strong>da</strong>, diz se sentir discrimina<strong>da</strong><br />

quando tem que ir ao banco.<br />

“Ninguém quer ser coitado. Quero apenas<br />

respeito por mim e pela minha doença”,<br />

reclama.<br />

São pacientes como elas que a doutora<br />

Maria Maeno, especialista em Saúde do<br />

Trabalhador, costuma atender diariamente<br />

há vários anos. “O ritmo muito intenso<br />

de trabalho, a pressão sofri<strong>da</strong> por metas<br />

impostas e pelos clientes, o enxugamento<br />

do quadro de funcionários e as<br />

ameaças de penalização levam os bancários<br />

a adoecer com muita freqüência”, comenta<br />

a médica, que atua no Sindicato.<br />

Para ela, a resolução 1.236 é imprescindível<br />

para a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ambiente<br />

de trabalho dentro <strong>da</strong>s instituições<br />

bancárias. “À medi<strong>da</strong> que houver, de fato,<br />

sua implementação, as empresas mais penaliza<strong>da</strong>s<br />

teriam de encontrar saí<strong>da</strong>s para<br />

diminuir o adoecimento e investir na prevenção”,<br />

aponta. ❚<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 23


PERFIL<br />

PEDRO<br />

MISSIONEIRO<br />

Em mais de três déca<strong>da</strong>s à frente <strong>da</strong><br />

Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro<br />

Casaldáliga construiu uma história de fé<br />

e coragem em defesa dos brasileiros<br />

pobres e perseguidos pela violência<br />

Por Maria Angélica Ferrasoli<br />

Há no município de Ribeirão Cascalheira, nordeste do<br />

Mato Grosso, um santuário diferente dos que existem<br />

por aí. Modesto, abriga fotos e gravuras de mártires<br />

do Brasil e outros países <strong>da</strong> América Latina.<br />

Gente que viveu e morreu lutando, reconheci<strong>da</strong> pela<br />

história ou anônimos guerreiros índios, negros,<br />

trabalhadores. Dessa mesma estirpe, a dos que gritam sem trégua<br />

por um mundo melhor, é o homem que presenciou ao assassinato<br />

que originou a construção do templo e que, com a<br />

população local, soube transformar em vi<strong>da</strong> esta e tantas outras<br />

tragédias. Na região há 37 anos, está Dom Pedro Casaldáliga,<br />

por mais de três déca<strong>da</strong>s bispo de São Félix do Araguaia<br />

(sua sucessão ocorreu oficialmente no último 1º de<br />

maio) e um dos principais expoentes <strong>da</strong> Igreja que faz a opção<br />

pelos mais pobres.<br />

“O Deus de Jesus quer libertar os pobres <strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> exclusão,<br />

e quer libertar os ricos do egoísmo e <strong>da</strong> prepotência.<br />

O Evangelho é: nem ricos, nem pobres; irmãos e irmãs mais<br />

ou menos iguais, que todos somos filhos de Deus”, ensina. Aos<br />

77 anos, esse missioneiro catalão <strong>da</strong> Ordem Claretiana desembarcou<br />

no Brasil em pleno recrudescimento <strong>da</strong> ditadura militar.<br />

Era 1968 e ele tinha pela frente uma missão tão dura quanto a<br />

reali<strong>da</strong>de que acabara de encontrar. Nas terras que formam a Prelazia<br />

de São Félix do Araguaia, hoje com mais de uma dezena de<br />

municípios, havia conflitos de todos os tipos, com a violência<br />

atingindo principalmente índios e trabalhadores rurais. As grandes<br />

fazen<strong>da</strong>s, os latifundiários, banqueiros e até o governo militar,<br />

por intermédio <strong>da</strong> Su<strong>da</strong>m (Superintendência do Desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> Amazônia), não queriam conversa com índios, peões<br />

e posseiros, que acabavam explorados, enxotados e assassinados<br />

em nome do “desenvolvimento” <strong>da</strong> região.<br />

A Pedro – como gosta de ser chamado –, o solo era fértil para<br />

plantar justiça e esperança. Mas para isso não bastava clamar pelos<br />

céus: era preciso agir, organizar, denunciar. Ao ser ordenado<br />

bispo, em 1971, lançou um documento que, mais que denúncia e<br />

24 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

AGÊNCIA ESTADO


protesto, era um retrato do Brasil pisoteado pelas grandes<br />

fortunas e por seu próprio governo. “Não podemos<br />

aceitar a dicotomia entre evangelização e promoção<br />

humana”, escreveu. As pressões sobre os padres <strong>da</strong><br />

Prelazia, que já eram muitas – Dom Pedro e seus companheiros<br />

eram chamados de “subversivos”, “comunistas”<br />

e “estrangeiros” – aumentaram. Além <strong>da</strong>s ameaças<br />

de morte, vieram as de expulsão do País. Não<br />

conseguiram, porém, mu<strong>da</strong>r a rota do trabalho.<br />

Em 1975, Dom Pedro liderou o movimento pela<br />

criação <strong>da</strong> Comissão Pastoral <strong>da</strong> Terra (CPT), hoje um<br />

dos principais instrumentos <strong>da</strong> Igreja no Brasil para<br />

defesa <strong>da</strong> terra e seus trabalhadores. Três anos antes,<br />

participara <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do Conselho Indigenista Missionário<br />

(CIMI), em resposta à intenção do Estado de<br />

tentar integrar indígenas à socie<strong>da</strong>de majoritária como<br />

única alternativa: na região vivem os Karajás, a nação<br />

Tapirapé e os Xavantes, compreendendo metade<br />

do Parque Indígena do Xingu. Em to<strong>da</strong>s essas déca<strong>da</strong>s,<br />

a região <strong>da</strong> Prelazia construiu uma história de coragem<br />

e obstinação. Além de denunciar desmandos locais<br />

e <strong>da</strong> ditadura no País, leigos e religiosos arregaçaram<br />

as mangas para criar uma infra-estrutura<br />

que simplesmente não existia para<br />

aqueles brasileiros. Foram feitas escolas,<br />

promovidos mutirões para construção<br />

de casas e propiciado o acesso à assistência<br />

médica.<br />

Poesia libertadora<br />

“Tenho menos paz que ira, tenho<br />

mais amor que paz”, diz um dos<br />

versos de Dom Pedro no poema<br />

Me chamaram Subversivo. É na<br />

poesia que o religioso encontra<br />

também caminho para cantar a esperança<br />

ou decantar sua santa ira<br />

em prol <strong>da</strong> justiça. Um dos mais<br />

belos trabalhos com sua participação<br />

é Missa dos Quilombos,<br />

disco gravado por Milton Nascimento<br />

em que Dom Pedro,<br />

Pedro Tierra e Dom Helder<br />

Câmara resgatam a cultura<br />

negra e seus líderes, culminando<br />

no belo Invocação à<br />

Mariama, deste último:<br />

“Basta de alguns tendo que<br />

vomitar para comer mais e<br />

50 milhões morrendo de fome<br />

num só ano/Basta de uns com<br />

empresas se derramando pelo mundo<br />

todo e milhões sem um canto onde<br />

ganhar o pão de ca<strong>da</strong> dia”, prega um dos<br />

trechos, lembrando ain<strong>da</strong> que não é suficiente à<br />

Igreja pedir perdão pelos erros passados: é preciso<br />

acertar o passo no presente.<br />

Por essas e outras, Dom Pedro Casaldáliga estava<br />

no time dos religiosos <strong>da</strong> Teologia <strong>da</strong> Libertação que<br />

acabou criticado e até punido pela Igreja: um de seus<br />

interrogadores foi o atual papa, então cardeal Joseph<br />

Ratzinger, que o inquiriu sobre sua atuação, a própria<br />

Missa dos Quilombos, suas visitas à Nicarágua....<br />

“Eu me negava a fazer a visita a Roma que os bispos<br />

devem fazer a ca<strong>da</strong> cinco anos (...). Não ia porque<br />

não concor<strong>da</strong>va com o modo como os bispos<br />

eram recebidos. Não havia diálogo. Nós escutávamos,<br />

fazíamos uma foto e ficava por isso. O que a<br />

gente pede é a comunicação. Eles reclamaram. Eu escrevi<br />

uma carta ao papa, explicando, e com muitas<br />

reivindicações, a respeito do sacerdócio, <strong>da</strong> participação<br />

<strong>da</strong> mulher... Passei por longo interrogatório”,<br />

relatou. Recentemente, ao ser questionado sobre suas<br />

esperanças com a escolha de Ratzinger como Papa,<br />

Dom Pedro não se abalou: lembrou que passa bispo,<br />

passa papa, passa príncipe, passa rei e a luta pelos<br />

mais humildes prossegue. “Devemos continuar<br />

com muita esperança, relativizando o que é relativo.<br />

E não desanimar por na<strong>da</strong>”.<br />

Na última missa de Finados que celebrou, ano passado,<br />

Dom Pedro disse que quer ser enterrado no<br />

velho cemitério de São Félix do Araguaia, ao lado do<br />

rio, na terra de tantos conflitos que o recebeu (ain<strong>da</strong><br />

hoje a CPT denuncia ali casos de trabalho escravo)<br />

e cujo povo soube conquistar. Quando anunciou<br />

a aposentadoria, aos 75 anos, sonhava seguir para a<br />

África, mas a saúde é frágil: Dom Pedro já pegou<br />

malária oito vezes, tem pressão alta e doença de Parkinson.<br />

Além disso, sua sucessão deixou apreensiva<br />

a população local – ele só ficaria se o novo bispo seguisse<br />

apoiando posseiros, peões e índios, e as informações<br />

que chegaram à Prelazia era de que Roma<br />

queria que ele se afastasse para não criar constrangimentos.<br />

Frei Leonardo Ulrich Steiner, que assumiu<br />

no último 1º de maio, pôs fim ao impasse ao declarar<br />

que Dom Pedro é bem-vindo.<br />

O novo bispo de São Félix é primo-irmão do cardeal<br />

emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns<br />

que, para ordená-lo, em abril passado, obteve licença<br />

especial de seu médico para viajar (está se recuperando<br />

de um infarto). Na avaliação de Dom Paulo,<br />

“Dom Pedro Casaldáliga, muito admirado pelo<br />

povo pobre e pelos indígenas, foi muitas vezes mal<br />

compreendido pela imprensa e até por alguns bispos,<br />

seus colegas. Admiro-o como homem corajoso<br />

e defensor dos oprimidos, atitudes que sempre desenvolveu<br />

de forma ao mesmo tempo muito humana,<br />

eficiente e até por vezes poética”, afirmou o cardeal<br />

à RdB. Essas mesmas quali<strong>da</strong>des são exalta<strong>da</strong>s<br />

por Frei Betto. “Há no Brasil um santo e herói: Pedro<br />

María Casaldáliga. Santo por sua fideli<strong>da</strong>de radical<br />

(no sentido etimológico de ir às raízes) ao Evangelho,<br />

e herói pelos riscos de vi<strong>da</strong> enfrentados e as<br />

adversi<strong>da</strong>des sofri<strong>da</strong>s”, aponta.<br />

O que Pedro deve fazer agora que a sucessão se<br />

consumou talvez seja incógnita também para ele.<br />

Procurado pela RdB, declinou <strong>da</strong> entrevista alegando<br />

os vários compromissos do período, não sem antes<br />

man<strong>da</strong>r seu “abraço a todos os bancários/as” e<br />

celebrar a categoria: “Vocês são a profecia no meio<br />

<strong>da</strong> estrutura econômica do pecado...”, destacou, via<br />

e-mail. Duvi<strong>da</strong>-se, porém, que Dom Pedro tenha em<br />

mente a possibili<strong>da</strong>de de enfim, mereci<strong>da</strong>mente, descansar:<br />

“Me chamaram subversivo, e lhes direi: eu<br />

sou. Por meu povo em luta, vivo; Com meu povo,<br />

em marcha, vou”, atesta em seu belo poema. ❚<br />

REAÇÃO<br />

POPULAR<br />

ORIGINOU<br />

TEMPLO<br />

Foi nos anos 70 que<br />

Dom Pedro presenciou<br />

o assassinato do padre<br />

João Bosco Penido Burnier,<br />

que com ele fora à<br />

delegacia socorrer duas<br />

sertanejas que estavam<br />

sendo tortura<strong>da</strong>s. Quatro<br />

policiais militares interpelaram<br />

os religiosos,<br />

o padre acabou<br />

agredido e levou um tiro<br />

na cabeça. Após a<br />

missa de sétimo dia, a<br />

população caminhou<br />

até a cadeia e destruiu<br />

o prédio. No lugar fincaram<br />

uma cruz, que<br />

mais tarde deu origem<br />

ao belo santuário dos<br />

mártires. “Era a cruz <strong>da</strong><br />

libertação no lugar <strong>da</strong><br />

cadeia do cativeiro”,<br />

afirmou Dom Pedro na<br />

celebração <strong>da</strong> Romaria<br />

dos Mártires <strong>da</strong> Caminha<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> América Latina,<br />

em 2001, ao lembrar<br />

os 25 anos <strong>da</strong> morte do<br />

amigo.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 25


CIÊNCIA<br />

ELEMENTAR,<br />

MEU CARO<br />

WATSON<br />

A partir de pistas deixa<strong>da</strong>s pelos criminosos,<br />

o Instituto de Criminalística de São Paulo aju<strong>da</strong><br />

a eluci<strong>da</strong>r casos que dependem de testes<br />

e análises precisas, produzindo meio<br />

milhão de laudos por ano<br />

Por Plínio Lima. Fotos de Jailton Garcia<br />

Não há vestígio de crime em São<br />

Paulo que não tenha passado<br />

pelas mãos ou olhar atento<br />

dessa turma. Como Sherlock<br />

Holmes, os 991 peritos, 177<br />

desenhistas e 630 fotógrafos<br />

que compõem o quadro do Instituto de<br />

Criminalística (IC) paulista fazem dele uma<br />

<strong>da</strong>s principais referências de análise forense<br />

do País e <strong>da</strong> América Latina. O IC aten-<br />

26 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

de a casos de outros estados e até de países<br />

como Uruguai e Paraguai. Mas, embora<br />

tenha <strong>completa</strong>do 80 anos em 2004 e<br />

atuado em todos os crimes famosos destas<br />

déca<strong>da</strong>s (e também acidentes de grande repercussão,<br />

como a que<strong>da</strong> do avião <strong>da</strong> TAM<br />

ou o incêndio no edifício Joelma), o instituto<br />

ain<strong>da</strong> é desconhecido pela maioria <strong>da</strong><br />

população, que ignora sua assombrosa produção<br />

de aproxima<strong>da</strong>mente 500.000 lau-<br />

LABORATÓRIO DE DNA<br />

São 40 a 50 análises mensais.<br />

Identificação de cadáveres corresponde<br />

a 40% dos casos


NA MOSCA<br />

Do Núcleo de Balística do<br />

IC saem laudos que sustentam<br />

inquéritos. Por lá já passaram<br />

inúmeras armas, inclusive uma<br />

feita com caixas de fósforos<br />

dos/ano. O número equivale a 30% <strong>da</strong>s perícias<br />

feitas em todo o Brasil, e revela que<br />

ca<strong>da</strong> perito criminal <strong>da</strong>li elabora na<strong>da</strong> menos<br />

que quinhentos laudos por ano.<br />

“Um criminoso sempre deixa pista. E são<br />

essas pistas o nosso material de trabalho.<br />

Conseguimos produzir cerca de 75% de<br />

laudos conclusivos; ou seja, <strong>da</strong>mos respostas<br />

exatas às perguntas formula<strong>da</strong>s por delegados<br />

que investigam os crimes do Estado”,<br />

explica o físico Osvaldo Negrini Neto,<br />

diretor do Centro de Análises e Pesquisas<br />

(Ceap) e professor de Criminalística <strong>da</strong><br />

Academia de Polícia de São Paulo. Para<br />

chegar a estes laudos, o IC trabalha com<br />

profissionais de várias áreas, que vão rastrear<br />

desde a trajetória de um projétil até<br />

a composição de um papel para checar se<br />

há falsificação. Entre estes exames estão o<br />

de munições, drogas e documentos, feitos<br />

em núcleos como os de Física, Química,<br />

Balística, Bioquímica e Análise Toxicológica<br />

e Documentoscopia. Os 25% de laudos<br />

inconclusivos devem-se em geral à insuficiência<br />

de material para análise, ocasiona<strong>da</strong><br />

principalmente pela não preservação<br />

dos locais de crime.<br />

Foi fazendo uma análise de estojo de munição,<br />

por exemplo, que o IC conseguiu<br />

estabelecer a relação entre o promotor Igor<br />

Ferreira <strong>da</strong> Silva – acusado de assassinar,<br />

em 1998, a própria mulher, grávi<strong>da</strong> de oito<br />

meses – com o crime. Segundo os peritos,<br />

estojos recolhidos no local do assassinato<br />

foram confrontados com outros, encontrados<br />

no sítio onde o acusado treinava<br />

tiro. O resultado <strong>da</strong> análise ratificou a<br />

suspeita: eram munições <strong>da</strong> mesma arma.<br />

A prova ajudou a condenar o promotor a<br />

16 anos e quatro meses de cadeia, embora<br />

ele permaneça foragido desde 2001. Chefe<br />

do Núcleo de Balística, a dentista Sônia<br />

Viebig, 52 anos, afirma que 75% dos laudos<br />

produzidos ali são conclusivos.<br />

Tiro certo<br />

Em 25 anos de carreira, Sônia relata que<br />

já teve em mãos todos os tipos de armas<br />

imagináveis. “As mais comuns são pistolas<br />

e revólveres. Mas já vi uma feita com caixa<br />

de fósforos que era uma réplica de <strong>da</strong>r inveja<br />

a artesãos, fabrica<strong>da</strong> na cadeia. Mente<br />

vazia, oficina do diabo”, acredita. Segundo<br />

ela, to<strong>da</strong>s as armas são guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s até o final<br />

do processo criminal e depois envia<strong>da</strong>s<br />

ao Exército para destruição. Para atuar ali,<br />

explica, não se exige formação específica:<br />

basta ter concluído um curso universitário.<br />

Mas, pondera, desenvolve melhor a ativi<strong>da</strong>de<br />

o profissional que tem mais afini<strong>da</strong>de<br />

com análises em microscópios e perfil de<br />

observador, de tato apurado e detalhista.<br />

“Dos 15 peritos que temos, 10 são mulheres.<br />

E atiram bem, viu?!”, brinca Sônia.<br />

Ao chegar ao núcleo, as armas recebem um<br />

número de controle interno. Por segurança,<br />

os peritos não sabem a que caso o material<br />

analisado está relacionado. São avalia<strong>da</strong>s<br />

as condições <strong>da</strong> arma, se funciona,<br />

se tem numeração. Em alguns casos é aplicado<br />

nitrito para saber se foi dispara<strong>da</strong> recentemente.<br />

Terminado este procedimento,<br />

inicia-se a segun<strong>da</strong> etapa: atirar. Há dois<br />

espaços para isso. Um é a sala com o tanque<br />

d´água para recolhimento de projétil.<br />

Em uma <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des deste tanque há<br />

um orifício no qual o perito coloca a arma<br />

e dispara. Depois, usa uma varinha com<br />

massa de vidraceiro na extremi<strong>da</strong>de para<br />

literalmente pescar as balas.<br />

O outro local é o túnel de revestimento<br />

acústico. O perito atira contra um monte<br />

de entulho ou usa caixas de madeira<br />

cheias de algodão para disparar. Em segui-<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 27


<strong>da</strong> a munição é recolhi<strong>da</strong>. A arma produz<br />

na munição o que os peritos chamam de<br />

“estriamento fino”, uma espécie de ranhura<br />

peculiar a ca<strong>da</strong> armamento, como se<br />

fosse uma impressão digital, única. É esse<br />

estriamento que será comparado à munição<br />

encontra<strong>da</strong> em um local de crime ou<br />

retira<strong>da</strong> do corpo de uma vítima. “É quase<br />

uma sentença”, explica Sônia. Em casos<br />

de confrontos positivos, a ranhura em uma<br />

mostra tem exata continuação na outra. O<br />

núcleo analisa 1.500 casos por mês.<br />

Originalmente falso<br />

Poucos sabem, mas há algum tempo estelionatários<br />

chegaram a falsificar a rubrica<br />

do ex-governador Mário Covas. Copiaram<br />

pela internet, segundo peritos. Com isso,<br />

uma empresa de Ribeirão Preto montou<br />

documento em que dizia ter prestado<br />

serviços ao Palácio do Governo e, com o<br />

endosso <strong>da</strong> falsa assinatura, exigia o pagamento.<br />

Quase recebeu mesmo o dinheiro,<br />

não fosse a Secretaria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> ter desconfiado<br />

que o valor era muito alto pelo tipo<br />

de serviço. O documento foi enviado ao<br />

Núcleo de Documentoscopia do IC, que garantiu:<br />

era falso.<br />

Na avaliação <strong>da</strong> chefe interina deste núcleo,<br />

a advoga<strong>da</strong> Virgínia Nardi, os estelionatários<br />

produzem falsificações ca<strong>da</strong> vez<br />

mais perfeitas. “Qual é o seu documento<br />

mais importante?”, questiona ela ao repórter.<br />

“Minha certidão de nascimento”. Satisfeita,<br />

esclarece: “Pois é. O documento mais<br />

importante de nossas vi<strong>da</strong>s, que dá origem<br />

a outros como o RG, não é feito em papel<br />

de segurança. Ou seja, falsifica-se facilmente”,<br />

alerta. Virgínia explica que o papel de<br />

segurança geralmente é produzido com algodão.<br />

Já no falso é comum eucalipto na<br />

composição. O núcleo faz análises de to<strong>da</strong>s<br />

as fraudes que envolvem papel. São cerca<br />

de 1.000 casos mensalmente. “Antigamente,<br />

esses criminosos alteravam apenas alguns<br />

<strong>da</strong>dos na folha de cheque. Hoje fabricam<br />

todo um talão”, compara Virgínia. O núcleo<br />

também recebe bilhetes de metrô, ingressos<br />

para entra<strong>da</strong> em estádios de futebol e carteiras<br />

de motorista de ônibus falsos.<br />

As análises são feitas em equipamentos<br />

que têm uma grande varie<strong>da</strong>de de luzes,<br />

desde infravermelho, ultravioleta, até luz<br />

branca e comum. Documentos como RG<br />

ou qualquer outro que tenha papel de segurança<br />

ficam em evidência contra os feixes<br />

de luz. Já os selos de cigarro têm em<br />

sua composição <strong>original</strong> fibras, calcografia<br />

(relevo) e fibras fluorescentes. Os bancos<br />

também têm se empenhado em dificultar<br />

o trabalho dos falsificadores, aumentando<br />

o numero de identificadores de segurança<br />

nos cheques, como linhas sinuosas e códi-<br />

28 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

Bilhete<br />

do Metrô:<br />

um dos campões<br />

de falsificações<br />

FALSO OU VERDADEIRO No Núcleo de Documentoscopia não há margem para dúvi<strong>da</strong>.<br />

Nele se analisam cédulas, bilhetes do Metrô e, num caso curioso, a rubrica de Mário Covas<br />

go numérico magnético, entre outros.<br />

“Nesse departamento podemos ver o quanto<br />

o brasileiro é criativo e muitos bandidos<br />

extremamente caprichosos. Se não gastassem<br />

o tempo enganando poderiam ser<br />

bons profissionais”, observa Virgínia.<br />

Toxicologia e DNA<br />

É também sob a direção de mulheres que<br />

atuam os núcleos de Análise Toxicológica<br />

e o de DNA. No primeiro está Gisela Bernete<br />

Sztulman, 54 anos. Seu núcleo produz<br />

de 900 a 1.000 laudos/mês. Em 90%<br />

dos casos a droga analisa<strong>da</strong> é maconha ou<br />

cocaína. Gisela confirma a nova tendência:<br />

“Ca<strong>da</strong> vez mais nos chega ecstasy para análise.<br />

As drogas sintéticas estão proliferando”,<br />

conta. Ela confessa que tem medo de<br />

perguntar ao filho de 24 anos se ele já usou<br />

drogas. “Me surpreendi quando perguntei


Notas sob luz infravermelha: diferenças na hora<br />

sobre cigarro e esperava que a resposta fosse<br />

negativa. Não quero ouvi-lo falar que<br />

experimentou drogas”, diz, ressalvando, porém,<br />

que o filho tem “cabeça boa”. “Conversamos<br />

bastante. Passo minha experiência<br />

de ver jovens jogando a vi<strong>da</strong> fora e estragando<br />

famílias com o consumo de drogas”,<br />

afirma.<br />

O núcleo é isolado por uma única porta,<br />

de ferro. Para transpô-la é necessário<br />

digitar senha em um teclado numérico. O<br />

entorpecente apreendido em delegacias é<br />

depositado em um gavetão. Junto ao material<br />

vem o pedido de análise, descrição<br />

de quanti<strong>da</strong>de e tipo de embalagem. Se o<br />

material não corresponder à descrição <strong>da</strong><br />

requisição é devolvido. A suposta droga é<br />

pesa<strong>da</strong> e passa pelo processo de constatação,<br />

ou seja, os peritos, através do uso de<br />

reagentes químicos que produzem coloração<br />

específica para ca<strong>da</strong> tipo de entorpe-<br />

cente, vão dizer se é ou não droga. Uma<br />

pequena parte é guar<strong>da</strong><strong>da</strong> para a contraprova.<br />

“Em 98 de 100 casos se constata que<br />

é droga realmente”, ressalta Gisela. O laudo<br />

definitivo é elaborado com a utilização<br />

de técnicas mais apura<strong>da</strong>s, com uso de solventes<br />

ou gases. O perito Marcelo Henrique<br />

Voloch, farmacêutico, 30 anos, explica<br />

que é muito comum a cocaína ter várias<br />

outras substâncias em sua composição,<br />

tão ou mais perigosas. “A sílica pode<br />

causar a Doença do Carvoeiro, em que se<br />

desenvolvem cistos no pulmão. A lidocaína,<br />

choque anafilático em pessoas que têm<br />

alergia a anestésicos”, ensina.<br />

Já o núcleo de análises de DNA é dirigido<br />

pela bióloga, professora e advoga<strong>da</strong><br />

Norma Bonaccorso, 45 anos, que se confessa<br />

apaixona<strong>da</strong> pela profissão. É um dos<br />

mais bem equipados, mas, ao contrário do<br />

que se imagina, não faz testes de paterni<strong>da</strong>de<br />

e nem tem a atribuição de fazer prova<br />

em casos de litígio, por exemplo. “Nós<br />

trabalhamos para a tentativa de eluci<strong>da</strong>ção<br />

de crimes. Portanto, geralmente analisamos<br />

amostras de sangue de uma vítima de homicídio,<br />

de esperma em calcinhas de vítimas<br />

de estupro e, muitas vezes, esse material<br />

é bem escasso, o que dificulta, e muito,<br />

nosso trabalho”, explica Norma.<br />

De acordo com a especialista, o tipo<br />

de análise é obrigatoriamente comparativo.<br />

“Temos que ter uma mostra biológica<br />

de um suspeito ou de prováveis parentes<br />

de uma pessoa morta, sem identificação.<br />

A outra mostra é aquela <strong>da</strong> qual<br />

não se sabe a origem, colhi<strong>da</strong> geralmente<br />

em um local de crime”, afirma. Ela<br />

aponta que sua equipe trabalha, em média,<br />

em 40 ou até 50 casos mensalmente.<br />

Cerca de 49% são <strong>da</strong> capital, outros<br />

51% do interior paulista. Grande parte é<br />

volta<strong>da</strong> para tentar eluci<strong>da</strong>r crimes sexuais:<br />

45% dos casos. O êxito nesse tipo<br />

de análise é de 61%. A identificação de<br />

cadáveres corresponde a 40% <strong>da</strong>s análises,<br />

<strong>da</strong>s quais 70% têm resultado conclusivo.<br />

Os 15% restantes são dedicados a<br />

confrontos genéricos de DNA.<br />

A rotina do núcleo consiste basicamente<br />

em oito procedimentos: a coleta do material<br />

(sangue, esperma, ossos), a extração<br />

do DNA, a quantificação, amplificação, eletroforese<br />

(que individualiza características<br />

<strong>da</strong> amostra), a interpretação dos resultados,<br />

cálculos de probabili<strong>da</strong>des e laudo.<br />

“Para se ter uma idéia <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> em nosso<br />

Estado comparo com um <strong>da</strong>do que o<br />

chefe <strong>da</strong> polícia científica de Tokio, Japão,<br />

me passou em visita que fez ao núcleo. Em<br />

sete anos, eles trabalharam em 80 casos, o<br />

que é quase a nossa produção mensal”,<br />

aponta Norma. ❚<br />

PROJETO VISA<br />

ESTUDAR FAUNA<br />

CADAVÉRICA<br />

Objetivo é criar laboratório<br />

especializado em analisar insetos,<br />

para identificar, por exemplo,<br />

o período do óbito<br />

Negrini: como nos seriados de TV<br />

Subdividido em 19 núcleos na Capital e 11 no Interior<br />

– com 40 equipes desmembra<strong>da</strong>s em 102 uni<strong>da</strong>des<br />

– o IC tem sede no Butantã. Ali funcionam seis<br />

núcleos ligados ao Ceap, nos quais são feitas as análises<br />

de laboratórios, que correspondem a cerca de<br />

70% dos laudos. Ain<strong>da</strong> no prédio, que o IC divide<br />

com o Departamento de Investigações Sobre Narcóticos<br />

(Denarc), funciona o Centro de Perícias de Campo,<br />

com 10 núcleos, entre eles os de Acidente de<br />

Trânsito, de Crimes Contábeis, Crimes contra o Patrimônio,<br />

Contra a Pessoa, Documentoscopia e o Núcleo<br />

de Perícias Criminais <strong>da</strong> Capital e Grande São<br />

Paulo.<br />

Atualmente, além dos vários testes já existentes<br />

no IC, há projetos para a instalação de um laboratório<br />

de Entomologia Forense, especializado<br />

em estudos de insetos que compõem a fauna ca<strong>da</strong>vérica.<br />

“Através <strong>da</strong> análise desses insetos poderemos<br />

descobrir pistas no corpo de uma vítima de<br />

homicídio, como, por exemplo, há quanto tempo<br />

estava morta”, explica o diretor Negrini, adiantando<br />

que o instituto também planeja a montagem de<br />

um laboratório de Botânica. De acordo com o advogado<br />

e professor Celso Perioli, 53 anos, coordenador<br />

<strong>da</strong> Superintendência <strong>da</strong> Polícia Técnico-Científica,<br />

o instituto deve se modernizar em breve,<br />

construindo outras 10 uni<strong>da</strong>des no interior e mais<br />

duas na capital.<br />

“Ain<strong>da</strong> neste ano vamos entregar 250 maletas novas<br />

aos peritos, com todo o aparato importado para<br />

a coleta, observação e análise de material”, afirma.<br />

O IC também abriu inscrições para concurso e<br />

preenchimento de 159 vagas. “É pouco, pois temos<br />

que admitir que o número de profissionais ain<strong>da</strong> é a<br />

metade do satisfatório. Mas é um avanço”, observa<br />

Negrini. Em sua avaliação, o IC está bem dotado<br />

de equipamentos, muitos importados do Japão, Israel,<br />

EUA e Alemanha. “Podemos quase nos comparar<br />

aos laboratórios <strong>da</strong> série de TV norte-americana<br />

CSI, que mostra a rotina de peritos criminais<br />

aju<strong>da</strong>ndo a desven<strong>da</strong>r crimes. E se precisarmos temos<br />

convênio com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas)<br />

e outros <strong>da</strong> USP”, afirma, lembrando que,<br />

já na déca<strong>da</strong> de 30, um diretor do FBI reconheceu<br />

o IC internacionalmente.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 29


COMPORTAMENTO<br />

TRAMAS<br />

URBANAS<br />

Entre agulhas, lãs,<br />

linhas e o fio condutor<br />

<strong>da</strong> internet, Tricoteiras<br />

de Sampa ressuscitam<br />

o prazer <strong>da</strong> produção<br />

artesanal em grupo e<br />

encontram tempo até<br />

para o voluntariado<br />

Por Clara Quintela<br />

Quem ouve falar num bando<br />

de mulheres que se reúne para<br />

tricotar enquanto joga conversa<br />

fora pensa logo que a<br />

cena se passa em alguma ci<strong>da</strong>dezinha<br />

do interior, onde<br />

senhoras de i<strong>da</strong>de sentam com as vizinhas<br />

na calça<strong>da</strong> ao final <strong>da</strong> tarde. Embora o pensamento<br />

não esteja totalmente desprovido<br />

de razão, essa é (mais) uma ver<strong>da</strong>de que<br />

está mu<strong>da</strong>ndo. Na cosmopolita São Paulo,<br />

com seus tantos milhões de habitantes, um<br />

grupo de 25 mulheres se encontra pelo menos<br />

uma vez por mês em cafés espalhados<br />

pela ci<strong>da</strong>de com o objetivo de tricotar, trocar<br />

receitas e ter uma tarde de agradáveis<br />

conversas. São as Tricoteiras de Sampa.<br />

O grupo foi fun<strong>da</strong>do em setembro de<br />

2004 pela designer gráfica paulistana Alessandra<br />

Carignani, 33, e o primeiro encontro<br />

aconteceu no mês seguinte. “O objetivo<br />

inicial foi resgatar o prazer de fazer um<br />

trabalho manual em grupo. Através de<br />

blogs, soube de encontros similares que<br />

aconteciam em Portugal e nos Estados Unidos.<br />

Motiva<strong>da</strong> por eles, criei o grupo na<br />

internet”, conta. É bom esquecer também<br />

a idéia de que tricô é coisa para as vovós.<br />

A i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s participantes varia de 20 até<br />

50 e poucos anos. “Quando disse no meu<br />

trabalho que ia para um encontro de tricoteiras,<br />

meu chefe falou que só ia ter sexagenária.<br />

Mas aqui tem muita gente mais<br />

nova que eu”, diz a analista de sistemas Solange<br />

Ricioli, 37, que tricota desde os oitos<br />

anos e participou, até agora, de apenas<br />

um encontro.<br />

Um exemplo dessa novíssima geração é<br />

a pequena Larissa, de 9 anos (“mas tricoto<br />

desde o ano passado”), que já foi a três<br />

30 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

AQUI NÃO TEM AGULHADA As tricoteiras se encontram para trocar experiências na arte<br />

do tricô <strong>da</strong>s lãs. Ao contrário do que se imagina, no grupo não tem nenhuma vovozinha<br />

FOTOS: PAULO PEPE


euniões acompanhando a mãe, a secretária<br />

Roseli Ribeiro, 39. Além de crochê e<br />

tricô, Larissa aprendeu com as outras participantes<br />

a usar o tear de pregos, e conta<br />

que já tem até encomen<strong>da</strong>s. Para as integrantes<br />

dessa turma, tricotar é um hobby,<br />

embora algumas ven<strong>da</strong>m parte <strong>da</strong> produção.<br />

“É gostoso conhecer pessoas que gostam<br />

<strong>da</strong> mesma coisa que você”, aponta a<br />

arte-educadora Laura Sardinha, 34, que já<br />

foi a dois encontros. “Além <strong>da</strong>s tardes de<br />

humor, você fica mais estimula<strong>da</strong> a pesquisar,<br />

olhar sites. Sou autodi<strong>da</strong>ta, e no<br />

grupo ficou mais fácil tirar dúvi<strong>da</strong>s”. A artesã<br />

Márcia Kazumi, 37, é <strong>da</strong> mesma opi-<br />

nião. “Comecei a tricotar aos 15 anos e parei.<br />

Voltei ano passado para ocupar a cabeça.<br />

É muito bom encontrar pessoas com<br />

a mesma paixão”, avalia.<br />

As tricoteiras chegam às reuniões com<br />

sacolas cheias de lã, agulhas de diversas espessuras,<br />

revistas, fitas métricas e tesouras.<br />

Há quem também use acessórios menos<br />

comuns, como contador de carreiras, ponteiras<br />

(para não deixar os pontos caírem),<br />

agulhas circulares, entre outras bugigangas.<br />

O que não falta é assunto: “Muitas levam<br />

trabalhos prontos para mostrar ao resto<br />

do grupo. Tricotamos, tiramos dúvi<strong>da</strong>s,<br />

aprendemos umas com as outras. Conversamos<br />

a respeito dos lançamentos de lãs e<br />

acessórios. E é claro que, além dos assuntos<br />

‘tricotais’, também falamos sobre outros<br />

temas de nosso interesse, como livros,<br />

filmes, viagens...”, explica Alessandra. A<br />

maioria delas se diz “compulsiva” por lãs<br />

e produtos afins.<br />

Um ponto em comum entre as participantes<br />

é que, muito ou pouco, to<strong>da</strong>s usam<br />

a internet como fonte de pesquisa, informação<br />

e como meio de comunicação. Muitas<br />

possuem ou freqüentam blogs,a maior janela<br />

de divulgação do grupo. Tal fato justificou<br />

a criação do site As Tricoteiras de Sampa<br />

(www.tricoteiras.com.br), no qual são divulga<strong>da</strong>s<br />

receitas e dicas testa<strong>da</strong>s e aprova<strong>da</strong>s<br />

por elas; as últimas notícias dos fabricantes<br />

e a criação de novos grupos, assim como os<br />

projetos em an<strong>da</strong>mento (leia abaixo).<br />

A empatia entre as primeiras pessoas que<br />

aderiram ao grupo terminou estimulando<br />

a criação de uma “diretoria executiva” forma<strong>da</strong><br />

por sete membros: uma designer, uma<br />

fotógrafa, uma tradutora, uma economista,<br />

uma secretária, uma bióloga e uma jornalista.<br />

O “núcleo duro” é encarregado de organizar<br />

regras para gerenciar o grupo, decidir<br />

onde será a próxima reunião, definir<br />

os projetos e cui<strong>da</strong>r do site oficial. A organização<br />

dos encontros é feita exclusivamente<br />

via e-mail, desde a definição do local<br />

(normalmente escolhido em votação) até a<br />

divulgação do dia, horário e endereço.<br />

Para participar do Tricoteiras de Sampa<br />

é necessário morar na Grande São Paulo.<br />

Embora batizado no feminino, com uma<br />

diretoria idem, o sexo oposto também é<br />

GRUPO CONFECCIONA MANTAS PARA ASILOS COM MATERIAL DOADO<br />

Com a receptivi<strong>da</strong>de do público à<br />

idéia do grupo, as Tricoteiras de Sampa<br />

decidiram colaborar com ações sociais,<br />

organizando o Projeto Aconchegar.<br />

Trata-se de uma campanha que<br />

visa arreca<strong>da</strong>r quadrados feitos de<br />

tricô ou crochê em lã, na metragem<br />

de 20cmx20cm, para a confecção de<br />

mantas que serão doa<strong>da</strong>s a instituições<br />

que cuidem de idosos (até ago-<br />

ra não foram defini<strong>da</strong>s quais). “Foi<br />

uma maneira que encontramos para<br />

aju<strong>da</strong>r um pouco quem precisa, fazendo<br />

algo que gostamos muito. Somos<br />

mulheres, gostamos de tricotar<br />

e queremos aju<strong>da</strong>r”, explica Patrícia<br />

Ballarin, 33, economista e uma <strong>da</strong>s<br />

organizadoras.<br />

Para o futuro, garantem as integrantes<br />

do Tricoteiras de Sampa, são<br />

muitos os planos, mas ain<strong>da</strong> secretos.<br />

“Por enquanto, estamos curtindo<br />

o fato de ter colocado o site e o<br />

projeto Aconchegar no ar e o de estarmos<br />

uni<strong>da</strong>s por algo que gostamos<br />

muito. Conforme formos nos estruturando,<br />

acredito que novos planos<br />

irão surgindo naturalmente”,<br />

despista Alessandra. O contato com<br />

o grupo pode ser feito via internet<br />

aceito. Como o grupo prefere manter convívio<br />

mais pessoal entre os integrantes, as<br />

inscrições são limita<strong>da</strong>s e os candi<strong>da</strong>tos<br />

têm de fazer uma carta de apresentação<br />

que será submeti<strong>da</strong> à moderadora do grupo.<br />

Do Tricoteiras também surgiu uma lista<br />

de discussão na web (http://br.<br />

groups.yahoo.com/group/tricoteiras/), <strong>da</strong><br />

qual participam atualmente 128 pessoas de<br />

diversos países, trocando experiências, receitas,<br />

dicas de links e acessórios. Cerca de<br />

25 e-mails são trocados diariamente. O<br />

acesso à lista é livre. “A lista ‘Tricoteiras’<br />

segue as regras básicas <strong>da</strong> ‘netqueta’: os participantes<br />

devem estar cientes de que aquele<br />

é um espaço de troca de informações<br />

voluntárias e amistosas, portanto a cortesia<br />

e o bom senso devem prevalecer”, adverte<br />

Alessandra.<br />

No mundo inteiro<br />

Ain<strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de no Brasil, o hobby de<br />

tricotar em locais públicos é mania internacional,<br />

impulsionado depois que as estrelas<br />

hollywoodianas Julia Roberts e o bad<br />

boy Russel Crowell foram flagrados tricotando<br />

nos intervalos de filmagem. Só no<br />

site organizador de grupos Meetup existem<br />

hoje 712 grupos no mundo inteiro apenas<br />

destinados ao tricô. Nos Estados Unidos<br />

está a maior concentração. Algumas ci<strong>da</strong>des<br />

chegam a ter vários grupos. Em Nova<br />

York,o maior deles abriga na<strong>da</strong> menos que<br />

998 tricoteiras.<br />

Aqui a idéia deu tão certo que em pouco<br />

tempo mais e mais fãs do tricô foram<br />

se juntando à lista e ao grupo, por meio<br />

do boca a boca e de blogs <strong>da</strong>s participantes.<br />

O sucesso terminou gerando um contratempo:<br />

na falta de espaço para colocar<br />

as cadeiras na calça<strong>da</strong>, o jeito foi procurar<br />

cafés. No começo deu certo, mas à medi<strong>da</strong><br />

que o grupo foi ganhando novas adeptas<br />

ficou mais complicado. “Alguns cafés<br />

começaram a ter má vontade em nos receber<br />

pela segun<strong>da</strong> vez”, conta Alessandra.<br />

Com isso, uma <strong>da</strong>s últimas reuniões acabou<br />

sendo realiza<strong>da</strong> debaixo <strong>da</strong>s árvores<br />

do Parque do Ibirapuera. Agora, com o inverno<br />

se anunciando, as tricoteiras pensam<br />

em se reunir em salões de festas nos prédios<br />

<strong>da</strong>s participantes. ❚<br />

(mail@tricoteiras.com.br) ou, para<br />

envio dos quadradinhos, pela Caixa<br />

Postal 33728-5, CEP 05787-970, São<br />

Paulo-SP, Brasil, destinado às Tricoteiras<br />

de Sampa-Projeto Aconchegar.<br />

Com a peça, mande também uma breve<br />

apresentação (sobre você, seu trabalho<br />

e o interesse na participação),<br />

ci<strong>da</strong>de e país de origem e e-mail para<br />

contato.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 31


VIAGEM<br />

Éem meio às montanhas do Vale<br />

do Paraíba, a 171 quilômetros de<br />

São Paulo, que está localiza<strong>da</strong> a<br />

encantadora São Luiz de Paraitinga.<br />

Bastam duas horas de viagem<br />

para se surpreender com esta<br />

pequena ci<strong>da</strong>de onde folclore, tradição<br />

e música dão o tom <strong>da</strong> rotina. Ali vivem<br />

cerca de dez mil habitantes, metade na zona<br />

rural, mas a simplici<strong>da</strong>de e simpatia caipiras<br />

são características generaliza<strong>da</strong>s. Logo<br />

nos primeiros momentos em São Luiz<br />

dá para senti-las na voz do povo, que ain<strong>da</strong><br />

mantém o hábito de cumprimentar as<br />

pessoas nas ruas com um singelo Tarrrde....–<br />

assim mesmo, arrastado e com aquela<br />

deliciosa puxadinha no r.<br />

To<strong>da</strong> cerca<strong>da</strong> de verde, com casarões coloridos<br />

que compõem um dos maiores<br />

acervos de arquitetura colonial do Estado,<br />

São Luiz guar<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> o mérito de ter<br />

como filho <strong>da</strong> terra o médico e sanitarista<br />

Oswaldo Cruz, descobridor <strong>da</strong> vacina<br />

contra varíola. A casa em que nasceu está<br />

preserva<strong>da</strong>, assim como os 91 casarões<br />

e igrejas dos séculos 18 e 19 tombados<br />

como patrimônio histórico. Como acontece<br />

na maioria <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des históricas do<br />

País, em São Luiz algumas ruas são calça<strong>da</strong>s<br />

de pedra.<br />

Como antigamente<br />

Mas não é só a arquitetura que ganha<br />

cui<strong>da</strong>dos especiais de preservação. Da mesma<br />

forma, a população de São Luiz não<br />

abre mão de suas tradições. Durante o Carnaval,<br />

por exemplo, na<strong>da</strong> de músicas baianas<br />

como axé ou samba e pagode. Ali sobrevivem<br />

as marchinhas, com blocos nas<br />

32 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

À MODA<br />

CAIPIRA<br />

São Luiz do Paraitinga fica<br />

a apenas duas horas de<br />

São Paulo, mas é como<br />

se estivesse<br />

noutro tempo<br />

Por Luciana<br />

Mendes.<br />

Fotos<br />

de Paulo<br />

Pepe


ACERVO COLONIAL<br />

As ruas de pedra e o casario colorido<br />

formam a paisagem urbana de São Luiz.<br />

Em volta, o Parque Estadual <strong>da</strong> Serra do Mar<br />

faz a moldura verde. A ci<strong>da</strong>de se orgulha de<br />

ser terra natal do sanitarista Oswaldo Cruz,<br />

conhecido internacionalmente<br />

ruas acompanhados de figuras típicas <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de, caso dos bonecões, e o pastel de farinha<br />

de milho. Tão anima<strong>da</strong> quanto o<br />

Carnaval e os festejos do Divino é a festança<br />

do Saci, mais recente.<br />

Além de festeiro, não por acaso o município<br />

também leva o adjetivo musical.<br />

Mesmo sem uma programação fixa, é possível<br />

ao turista pegar uma “canja” de algumas<br />

<strong>da</strong>s ban<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de nas noites de sábado,<br />

sempre no coreto <strong>da</strong> praça. Neste<br />

mês de junho (dias 17 e 18) a praça será<br />

anima<strong>da</strong> também pelas eliminatórias do<br />

festival de música junina, do qual participam<br />

músicos <strong>da</strong> região. A final está programa<strong>da</strong><br />

para 2 de julho. Outra atração <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de são os contadores de causos Geraldo<br />

Tartaruga e Ditão. São Luiz também<br />

A TERRA DO SACI<br />

Se folclore e tradição são marcas de São Luiz,<br />

na<strong>da</strong> mais natural que aconteça ali, a ca<strong>da</strong> 31 de<br />

outubro, a Festa do Saci. Como neste ano a <strong>da</strong>ta<br />

cairá em uma segun<strong>da</strong>-feira, a programação foi antecipa<strong>da</strong><br />

para o final de semana dos dias 28 e 29.<br />

O evento é manifestação de resistência cultural às<br />

festas americaniza<strong>da</strong>s de Halloween, o Dia <strong>da</strong>s<br />

Bruxas. Foi esse mesmo desejo de defender a cultura<br />

popular brasileira que originou a Sosaci - Socie<strong>da</strong>de<br />

dos Observadores de Saci. Cansado de ver<br />

o imperialismo cultural norte-americano engolir mitos<br />

brasileiros, um grupo de 12 pessoas participou<br />

<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção, em julho de 2003, fazendo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />

reduto <strong>da</strong> saciza<strong>da</strong>.<br />

Atualmente são quase 600 associados, chamados<br />

de saciólogos e saciólogas. O jornalista Mouzar<br />

Benedito <strong>da</strong> Silva, 58 anos, um dos fun<strong>da</strong>dores,<br />

conta que a Sosaci não é uma enti<strong>da</strong>de xenófoba<br />

nem pretende trafegar na contramão do mundo globalizado,<br />

mas sim uma tentativa de preservar a cultura<br />

brasileira. “Acredito que aqueles que comemoram<br />

o “aloins” já estão meio americanizados e até<br />

pensam que Saci é uma bobagem. Preservando nos-<br />

oferece um estilo diferente de artesanato,<br />

com máscaras, fantoches de cabaça com<br />

cabelos de estopa e espelhos que envolvem<br />

o interruptor de luz, pintados à mão.<br />

Passeios e belos visuais<br />

São Luiz do Paraitinga está encrava<strong>da</strong> na<br />

região do Parque Estadual <strong>da</strong> Serra do Mar,<br />

no Núcleo Santa Virgínia, uma reserva ambiental<br />

que compreende parte <strong>da</strong> Mata<br />

Atlântica. Ali há cinco opções de trilhas<br />

com diferentes graus de dificul<strong>da</strong>de, mas<br />

to<strong>da</strong>s com visuais belíssimos. O visitante<br />

encontra corredeiras, cachoeiras e piscinas<br />

naturais forma<strong>da</strong>s pelo Rio Paraibuna e<br />

também caminha às margens do Rio Ipiranga<br />

Parahitinga, por sinal, vem do tupiguarani,<br />

e significa “águas claras”.<br />

To<strong>da</strong>s as trilhas só podem ser feitas com<br />

o acompanhamento de um monitor e é<br />

imprescindível agen<strong>da</strong>r as visitas. Quem<br />

gosta de fortes emoções também tem opções<br />

como rafting, bóia-cross ou rapel. E<br />

há ain<strong>da</strong> cavalga<strong>da</strong>s e visitas às fazen<strong>da</strong>s<br />

próximas, como a <strong>da</strong> Fábrica, onde funcionou<br />

a primeira indústria de tecidos do<br />

Estado. ❚<br />

SERVIÇO<br />

Como chegar : Rodovia Presidente Dutra até Taubaté<br />

e SP-125 (rod. Oswaldo Cruz) ou SP-070 (sist.<br />

Ayrton Senna-Carvalho Pinto). Para agen<strong>da</strong>r visitas<br />

ao Parque <strong>da</strong> Serra do Mar: (12) 3671-9159/3671-<br />

9266. Onde ficar: São Luiz tem hotel e pousa<strong>da</strong>s<br />

simples e confortáveis. Entre as opções estão o<br />

Hotel Fazen<strong>da</strong> Dunas de Pamonã (12) 9118-6184 e<br />

a Pousa<strong>da</strong> Caravelas (12) 3671-1179. Quem tem<br />

acesso à internet também pode saber um pouco<br />

mais sobre a ci<strong>da</strong>de nos sites www.saoluizdoparaitinga.sp.gov.br<br />

(oficial) ou em www.paraitinga.com.br<br />

sa cultura estamos batalhando para não entregar os<br />

pontos às propostas imperialistas, já que há uma<br />

descrença nos partidos políticos”, afirma.<br />

Ele lembra que o Saci é um dos mitos mais brasileiros,<br />

reunindo em um único personagem o negro,<br />

o índio e o branco. Apesar de desejar algo<br />

mais anárquico, Mouzar conta que a idéia de lançar<br />

o “Dia do Saci” já foi oficializa<strong>da</strong> em São Luiz<br />

do Paraitinga, na ci<strong>da</strong>de de São Paulo (em projeto<br />

<strong>da</strong> então vereadora Tita Dias) e no Estado. Ain<strong>da</strong><br />

há projetos tramitando em Juiz de Fora, Curitiba<br />

e São José do Rio Preto. No Congresso Nacional<br />

há duas propostas aguar<strong>da</strong>ndo votação para<br />

lançamento do Dia Nacional do Saci.<br />

Durante os festejos em São Luiz há palestras,<br />

debates e a “saciata”, um passeio pelas ruas nos<br />

quais os últimos 500 metros são percorridos com<br />

uma perna só. A programação inclui ain<strong>da</strong> o passeio<br />

“saciclístico”, feito de bicicleta entre as trilhas<br />

povoa<strong>da</strong>s de histórias narra<strong>da</strong>s por Ditão, um dos<br />

contadores oficiais de “causos” do município. Nos<br />

últimos 800 metros deste passeio só vale pe<strong>da</strong>lar<br />

com um pé só.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 33


ARTIGO<br />

O QUE FALTA É<br />

GENTE<br />

Lei que estabelece prazo para fila em banco tem<br />

de apontar para mais contratações nestas empresas e<br />

fiscalização freqüente, ou não funcionará de forma eficaz<br />

Por Juvandia Leite Moreira<br />

Juvandia Moreira Leite<br />

é secretária-geral do<br />

Sindicato e funcionária<br />

do Bradesco<br />

34 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />

PAULO PEPE<br />

Éfato notório que as empresas que integram<br />

o sistema financeiro representam o<br />

setor que mais lucra no País. Apenas<br />

no primeiro trimestre desse ano os bancos<br />

Bradesco, Banco do Brasil, Itaú e Unibanco<br />

tiveram um lucro em média 56%<br />

superior ao mesmo período do ano passado. Em<br />

2004, só os 10 maiores bancos que operam no Brasil<br />

lucraram em torno de R$ 15 bilhões.<br />

Se pelo lado dos banqueiros tudo an<strong>da</strong> muito<br />

bem, o mesmo não se pode dizer de seus funcionários<br />

e clientes. Esse mesmo sistema financeiro sofreu<br />

uma série de transformações desde 1994. Entre<br />

elas estão uma forte concentração bancária e<br />

mu<strong>da</strong>nças tecnológicas acompanha<strong>da</strong>s de alterações<br />

na regulamentação pelo Bacen, como as liberações<br />

de cobrança de tarifas indiscrimina<strong>da</strong>mente, do correspondente<br />

bancário, terceirizações etc. Porém, essas<br />

mu<strong>da</strong>nças nem sempre se refletiram em melhorias<br />

para os clientes e para a socie<strong>da</strong>de: os clientes<br />

sofrem com a cobrança de tarifas (basta observar o<br />

crescimento <strong>da</strong>s receitas de prestação de serviços divulga<strong>da</strong>s<br />

nos balanços dos próprios bancos) e com<br />

as filas nas agências bancárias. E a socie<strong>da</strong>de pagou<br />

com o alto índice de desemprego agravado pelas<br />

demissões dos bancários.<br />

As filas nos bancos afetam diretamente clientes e<br />

bancários. Os clientes, pelo tempo desperdiçado e<br />

os empregados, por suportarem a insatisfação dos<br />

clientes e a conseqüente sobrecarga de trabalho pela<br />

falta de funcionários. Muitos municípios, inclusive<br />

São Paulo, aprovaram leis controlando o tempo<br />

de espera nas filas dos bancos, porém essas leis<br />

não prevêem mecanismos eficazes de controle e fiscalização,<br />

nem dialogam com um número de funcionários<br />

suficientes para o bom atendimento nos<br />

bancos. Em São Paulo, a lei passou a valer desde<br />

maio deste ano, mas não prevê as formas de fiscalização<br />

nem a contratação de mais funcionários pa-<br />

ra melhor atender aos clientes e à população em<br />

geral.<br />

Não há estrutura na Prefeitura para efetivar o<br />

controle e aplicação <strong>da</strong> lei. A idéia é que funcione<br />

a partir <strong>da</strong>s denúncias dos clientes, que poderão ser<br />

feitas pelo telefone 156. Se os clientes conseguirem<br />

efetivar sua denúncia, os bancos que não cumprirem<br />

a legislação estão sujeitos a uma multa irrisória<br />

de R$ 564. Em caso de reincidência, o valor dobra,<br />

porém a agência não pode ser interdita<strong>da</strong>.<br />

Em Porto Alegre essa lei já foi aprova<strong>da</strong> há mais<br />

tempo, mas se mostrou omissa nos mesmos pontos.<br />

Lá, os clientes têm que preencher um formulário,<br />

que nunca está disponível nas agências bancárias,<br />

e levar até a Prefeitura, juntamente com testemunhas.<br />

Com tantas dificul<strong>da</strong>des, é fácil imaginar<br />

quantas pessoas conseguem efetivar sua denúncia!<br />

Mas essa lei pode, sim, beneficiar a população,<br />

desde que preveja formas eficazes de fiscalização do<br />

seu cumprimento e não penalize ain<strong>da</strong> mais os funcionários,<br />

que já estão tão sobrecarregados de trabalho<br />

e sofrendo pressão para vender produtos, autenticar<br />

e atender rapi<strong>da</strong>mente aos clientes. Para isso,<br />

é imprescindível que a lei preveja a contratação<br />

de mais bancários, o controle do tempo de permanência<br />

com fiscalizações rigorosas e multas eficientes.<br />

Só assim será possível acabar com as filas e atender<br />

melhor à população.<br />

O Sindicato tem cobrado dos banqueiros cotidianamente<br />

a geração de mais empregos, como na última<br />

campanha que fez esse ano e culminou num<br />

saldo de mil contratações no Grupo Santander Banespa:<br />

Banqueiros no Big Lucro... Fim <strong>da</strong>s Demissões.<br />

Contratações Já! Bancários e clientes podem<br />

aju<strong>da</strong>r muito denunciando e cobrando a responsabili<strong>da</strong>de<br />

social dos bancos, e cobrando também <strong>da</strong><br />

Prefeitura que torne essa lei mais <strong>completa</strong> e realmente<br />

eficiente. ❚

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!