Chimalpahin Cuauhtlehuanitzin e Guamán Poma de Ayala
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COLÓQUIO INTERNACIONAL: CONTEXTOS MISSIONÁRIOS 16/02/2012<br />
produzir histórias que fossem, ao mesmo tempo, inteligíveis às autorida<strong>de</strong>s civis e religiosas<br />
castelhanas e tidas como representativas da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> grupal pelas próprias elites nativas.<br />
Entre as várias “soluções historiográficas” construídas por esses dois escritores para dar conta<br />
<strong>de</strong>ssa tarefa – e que po<strong>de</strong>riam ser comparadas –, iremos nos <strong>de</strong>dicar apenas ao tratamento que<br />
<strong>de</strong>ram ao passado nativo pré-conquista, especialmente ao modo como o relataram – ou o<br />
reconstruíram – em face <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>safios surgidos com a vitória política do <strong>de</strong>us cristão e <strong>de</strong><br />
sua cosmogonia e história. Os dois <strong>de</strong>safios são: 1. Como conciliar as explicações nativas sobre a<br />
origem dos homens com a unida<strong>de</strong> genesíaca proposta pelos relatos bíblicos? 2. Como explicar<br />
a origem e presença na época pré-hispânica do que passara a ser consi<strong>de</strong>rado idolatria?<br />
1. As explicações nativas sobre a origem dos homens em face da<br />
unida<strong>de</strong> genesíaca proposta pelos relatos bíblicos<br />
À época da chegada dos castelhanos, as socieda<strong>de</strong>s mesoamericanas e andinas contavam com<br />
tradições <strong>de</strong> pensamento institucionalizadas e que, em geral, eram formadas por membros <strong>de</strong><br />
suas elites dirigentes. Estamos falando <strong>de</strong> organizações, grupos, instituições ou indivíduos<br />
que se <strong>de</strong>dicavam <strong>de</strong> modo sistemático, mas não necessariamente exclusivo, à construção,<br />
manutenção, transformação e veiculação <strong>de</strong> explicações socialmente aceitas acerca das<br />
origens e funcionamento do mundo natural e humano. 16<br />
Para as explicações mesoamericanas, <strong>de</strong> modo geral, a ida<strong>de</strong> e a humanida<strong>de</strong> atuais não eram a<br />
primeira ou a única, mas a quarta ou quinta. Dessa maneira, o mundo e o homem atual eram<br />
vistos como o resultado <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> criações, transformações e <strong>de</strong>struições anteriores. Cada<br />
uma <strong>de</strong>ssas ida<strong>de</strong>s e humanida<strong>de</strong>s anteriores teria tido sua duração <strong>de</strong>terminada por certos ciclos<br />
calendariais e o início <strong>de</strong>sse processo estaria situado há <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> anos. 17 Esses<br />
conceitos e concepções eram, grosso modo, inconciliáveis com as explicações judaico-cristãs<br />
sobre a origem do mundo e do homem, tidas pelos castelhanos como verda<strong>de</strong>s inquestionáveis.<br />
Ao longo do século XVI, conforme as instituições castelhanas consolidavam-se no altiplano<br />
central mexicano e um gran<strong>de</strong> colapso <strong>de</strong>mográfico ceifava a numerosa população nativa, 18<br />
as elites nahuas, formalmente convertidas ao cristianismo nas primeiras décadas <strong>de</strong>sse século<br />
– em alguns casos, antes da própria <strong>de</strong>rrota mexica <strong>de</strong> 1521 –, foram reconsi<strong>de</strong>rando sua<br />
cosmogonia, levando em conta as i<strong>de</strong>ias dos vencedores ou aliados cristãos. <strong>Chimalpahin</strong>,<br />
que proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> um altepetl participante da gran<strong>de</strong> coalizão que terminou por <strong>de</strong>rrotar os<br />
mexicas, foi um dos que realizou essa tarefa. 19<br />
Sua “solução historiográfica” para o problema da incompatibilida<strong>de</strong> entre as cosmogonias<br />
nahua e cristã consiste, aparentemente, em abrir mão da primeira e adotar a segunda.<br />
Afirma reiteradamente em suas Relaciones, especialmente na Primera, que os habitantes<br />
da Nova Espanha também são <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Adão e Eva e <strong>de</strong> Noé e macehuales – isto é,<br />
servidores ou merecedores <strong>de</strong> favores, termo que <strong>de</strong>signava todos os que não eram pipiltin<br />
14_EDUARDO_NATALINO_DOS_SANTOS_VERSAO_1_REV_2 - CORREÇÕES DO AUTOR 222 NÚC