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Le Corbusier e livro do congresso 1948 O seminário «Repensar Le ...

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<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> e <strong>livro</strong> <strong>do</strong> <strong>congresso</strong> <strong>1948</strong><br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

O <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>», a comemoração <strong>do</strong>s 60 anos <strong>do</strong> primeiro<br />

<strong>congresso</strong> <strong>do</strong>s arquitectos portugueses e a recordação da Carta de Atenas (texto de<br />

1933 publica<strong>do</strong> dez anos mais tarde) são os temas de um <strong>do</strong>ssiê que a Secção<br />

Regional Sul preparou. Textos de António Henriques*<br />

* Jornalista<br />

Auto-retrato: « [<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>]<br />

usou tu<strong>do</strong> o que tinha ao<br />

alcance para comunicar: jornais,<br />

artigos, <strong>livro</strong>s, conferências,<br />

exposições, rádio, filmes e TV.<br />

Foi o primeiro arquitecto a<br />

compreender na perfeição os<br />

meios de comunicação de<br />

massa», segun<strong>do</strong> a<br />

investiga<strong>do</strong>ra Beatriz Colomina<br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst,<br />

Bonn, 2007


Congresso de <strong>1948</strong><br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

A Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos organizou o <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>» em Maio<br />

passa<strong>do</strong> e vai editar uma edição fac-similada <strong>do</strong> <strong>livro</strong> que reuniu as teses<br />

apresentadas no primeiro Congresso Nacional de Arquitectura em <strong>1948</strong> – o<br />

lançamento decorre no salão nobre <strong>do</strong> Instituto Superior Técnico a 3 de Julho<br />

(18h30).<br />

A data, 3 de Julho, marca o décimo aniversário da existência da Ordem <strong>do</strong>s<br />

Arquitectos (até aí Associação <strong>do</strong>s Arquitectos Portugueses) com a publicação <strong>do</strong><br />

seu estatuto, concretizan<strong>do</strong> uma vontade já manifestada nos anos 30 <strong>do</strong> século XX.<br />

E assinala-se 60 anos sobre a primeira grande reunião <strong>do</strong>s arquitectos portugueses.<br />

A edição fac-similada, que reúne as teses, conclusões e votos <strong>do</strong> primeiro<br />

<strong>congresso</strong>, tem a novidade da inclusão da tese apresentada por Artur Andrade, que<br />

não foi incluída na publicação original.<br />

À edição fac-similada acrescenta-se, ainda, um caderno com imagens e textos (uma<br />

introdução de Ana Tostões e <strong>do</strong>is textos de enquadramento de Nuno Teotónio<br />

Pereira e Francisco Silva Dias) e um DVD com depoimentos de arquitectos sobre o<br />

significa<strong>do</strong> da participação no <strong>congresso</strong> de <strong>1948</strong>.<br />

Com edição de Ana Tostões e Ana Silva Dias, o <strong>livro</strong> fac-simila<strong>do</strong> «constitui um<br />

valioso <strong>do</strong>cumento de surpreendente actualidade» que pretende «não só fixar a<br />

memória mas sobretu<strong>do</strong> oferecer às novas gerações o testemunho dessa<br />

vitalidade», de acor<strong>do</strong> com a Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos.<br />

A 4 de Julho, na Casa <strong>do</strong>s Açores em Lisboa, é feito o lançamento de uma outra<br />

publicação da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – a segunda edição da «Arquitectura Popular<br />

em Portugal», uma obra coordenada por João Vieira Caldas. A obra é apresentada<br />

por Nuno Teotónio Pereira.<br />

Noutro plano, o arquitecto Michel Toussaint organiza os materiais de uma exposição<br />

a decorrer de 4 a 31 de Julho na biblioteca da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos (10-19h)<br />

centrada na evocação <strong>do</strong> primeiro <strong>congresso</strong> nacional de arquitectura e na<br />

comemoração <strong>do</strong>s 10 anos de existência da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos.<br />

Do espólio representativo da história centenária da vida associativa <strong>do</strong>s arquitectos<br />

portugueses vão destacar-se algumas obras publicadas e fotografias da época<br />

(alusivas ao <strong>congresso</strong> e a outros acontecimentos desse passa<strong>do</strong> associativo).


3 Julho<br />

18h30<br />

Salão nobre <strong>do</strong> Instituto Superior Técnico<br />

Avenida Rovisco Pais, Lisboa<br />

Tel. 218 417 000<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Programa<br />

- Carlos Matos Ferreira, presidente <strong>do</strong> Instituto Superior Técnico<br />

– João Belo Rodeia, presidente da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos/«A aventura associativa <strong>do</strong>s<br />

arquitectos portugueses»<br />

– Lançamento <strong>do</strong> concurso para a nova imagem da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos<br />

– Lançamento <strong>do</strong> concurso para a selecção da equipa editorial <strong>do</strong> orna Arquitectos 2009-2011<br />

– Tomada de posse da comissão instala<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Colégio da Especialidade de Urbanismo (Nuno<br />

Portas, João Cabral e Jorge Bonito)<br />

– Lançamento da edição fac-similada das teses <strong>do</strong> primeiro <strong>congresso</strong> nacional de arquitectura<br />

(Edição Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos, Junho 2008)<br />

– Ana Tostões, vice-presidente da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos<br />

Conferências:<br />

- José António Bandeirinha, Centro de Estu<strong>do</strong>s Sociais da Universidade de Coimbra<br />

– Ana Isabel Ribeiro, mestre em história/«Relembran<strong>do</strong> o <strong>congresso</strong> de <strong>1948</strong>»<br />

– Francisco Silva Dias, prove<strong>do</strong>r da arquitectura e presidente da Associação <strong>do</strong>s Arquitectos<br />

Portugueses (1990-92) /«Notas sobre o primeiro <strong>congresso</strong>»<br />

– Nuno Teotónio Pereira, presidente da Associação <strong>do</strong>s Arquitectos Portugueses (1984-1989)<br />

– Encerramento/«cocktail»<br />

4 Julho<br />

19h<br />

Casa <strong>do</strong>s Açores em Lisboa<br />

Rua <strong>do</strong>s Navegantes, 21<br />

Tel. 213 907 427<br />

Programa<br />

– Abertura sessão solene: Duarte Brás, Casa <strong>do</strong>s Açores em Lisboa; Ana Tostões, vice-


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

presidente da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos<br />

– Apresentação da obra por Nuno Teotónio Pereira com os autores Ana Tostões, Filipe Jorge<br />

Silva, João Vieira Caldas, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro, Nuno Barcelos e<br />

Victor Mestre<br />

«Cocktail»<br />

Porto organiza eventos a 4 e 11 Julho<br />

A Secção Regional Norte (SRN) organizou uma programação própria, que decorre a<br />

4 e 11 de Julho. No dia 4 (22h, na Rua Álvares Cabral, 142) é feita a apresentação<br />

<strong>do</strong> projecto da sede futura da SRN pelos NPS Arquitectos (Ateliê de arquitectura,<br />

forma<strong>do</strong> em 2001 por Rui Neto, Odete Pereira e Sérgio Silva, com especialização<br />

em reabilitação urbana).<br />

Pode ser vista, também, uma exposição de 27 fotografias de Luís Ferreira Alves,<br />

comissariada pelo arquitecto Pedro Bandeira e organizada pela SRN e<br />

departamento de arquitectura da Universidade <strong>do</strong> Minho.<br />

«Em Obra», nome da exposição, reflecte «a arquitectura em construção ou<br />

reabilitação», como é caso de um grupo de imagens sobre o Palácio <strong>do</strong> Freixo (uma<br />

recuperação de Fernan<strong>do</strong> Távora) e apresenta uma dualidade entre uma<br />

arquitectura que parece decadente e sem dignidade e, por outro la<strong>do</strong>, um olhar<br />

esteticamente relevante e de promessa «capaz de exaltar uma beleza oculta mas<br />

pronta a emergir». Nasci<strong>do</strong> em Valadares (1938), Luís Ferreira Alves é fotógrafo<br />

profissional desde 1984. A progamação completa desta noite está em<br />

www.oasrn.org.<br />

A 11 de Julho, no Cinema Batalha (Praça da Batalha) é apresentada por Ana<br />

Tostões a edição fac-similada <strong>do</strong> <strong>livro</strong> <strong>do</strong> primeiro <strong>congresso</strong> <strong>do</strong>s arquitectos<br />

portugueses, seguida de uma conferência, de Edite Rosa, sobre o manifesto <strong>do</strong><br />

grupo Organização <strong>do</strong>s Arquitectos Modernos (ODAM), funda<strong>do</strong> em 1947 no Porto.<br />

A ODAM, juntamente com como o grupo Iniciativas Culturais Arte e Técnica em<br />

Lisboa, ICAT (1946), tinha si<strong>do</strong> criada «pela «geração mais nova e reivindicativa»,<br />

diz o investiga<strong>do</strong>r José António Bandeirinha, para intervir no <strong>congresso</strong>.<br />

A ODAM levou à reunião magna várias das 31 teses discutidas. ODAM e ICAT<br />

procuraram levar «uma coerência de princípios em defesa da profissão no plano


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

programático e em realizações», diz a investiga<strong>do</strong>ra Ana Isabel Ribeiro.<br />

Carta de Atenas: quan<strong>do</strong> nasceu era para to<strong>do</strong>s<br />

Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza<br />

<strong>do</strong> calor <strong>do</strong> sol e o lirismo <strong>do</strong> luar. É preciso ter espírito vagabun<strong>do</strong>, cheio de<br />

curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é<br />

preciso ser aquele que chamamos flaneur e praticar o mais interessante <strong>do</strong>s<br />

esportes – a arte de flanar.<br />

João <strong>do</strong> Rio, A Alma Encanta<strong>do</strong>ra das Ruas<br />

O manifesto de 95 pontos que saiu da assembleia <strong>do</strong> Congresso Internacional de<br />

Arquitectura Moderna (CIAM) de 1933 (que viria a constituir a Carta de Atenas<br />

publicada em 1943) tem o ar grave de uma Constituição e a poesia requintada de<br />

uma peça literária.<br />

Solidarizou-se, angustiada, com a «solidão», as «fadigas» e «os perigos» que<br />

corroíam os seres humanos.<br />

Proclamou que «a geografia e a topografia desempenham um papel considerável no<br />

destino <strong>do</strong>s homens» ao mesmo tempo que os seus autores se mostravam<br />

espanta<strong>do</strong>s como «a era <strong>do</strong> maquinismo», em que «tu<strong>do</strong> é movimento», «o caos<br />

entrou nas cidades», há «um ritmo furioso associa<strong>do</strong> a uma precariedade<br />

desencorajante» e é consequência de «um <strong>do</strong>s grandes males <strong>do</strong> século, o<br />

subúrbio».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Com o arquitecto Karl Moser e com o crítico de arquitectura Siegfried Giedion, o<br />

arquitecto, escultor, pintor, escritor e viajante de origem suíça, <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, foi um<br />

<strong>do</strong>s grandes impulsiona<strong>do</strong>res da criação <strong>do</strong>s CIAM, inaugura<strong>do</strong>s em 1928 e que<br />

pretendiam elaborar um quadro de crítica teórica da arquitectura moderna assente<br />

em assembleias colectivas de trabalho.<br />

E teve um papel decisivo na redacção das conclusões <strong>do</strong> quarto <strong>congresso</strong> CIAM,<br />

realiza<strong>do</strong> em 1933, que «chegou ao seguinte postula<strong>do</strong>: o Sol, a vegetação, o<br />

espaço são as três matérias-primas <strong>do</strong> urbanismo». A concentração urbana, a «total<br />

falta de espaços verdes cria<strong>do</strong>res de oxigénio» que a cidade devora ao crescer para<br />

lá <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida pré-industriais, tu<strong>do</strong> isso, «aumenta<br />

proporcionalmente a desordem higiénica».<br />

<strong>Corbusier</strong> contempla parte da «Cidade Radiosa»:<br />

a felicidade <strong>do</strong>s homens antecipada na maqueta<br />

Imagem: home.worl<strong>do</strong>nline.dk<br />

O texto da Carta de Atenas é a sua própria «irradiação» – palavra de tal mo<strong>do</strong> ligada<br />

ao corpo <strong>do</strong> léxico de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, que ele lhe dedicou um projecto, a Cidade<br />

Radiosa (1930), muito justamente sem lugar (uma utopia).<br />

E o texto é a sua própria irradiação no senti<strong>do</strong> mais literal: «Introduzir o Sol é o novo<br />

e o mais imperioso dever <strong>do</strong> arquitecto», «o Sol é o senhor da vida», «o primeiro<br />

dever <strong>do</strong> urbanismo é pôr-se de acor<strong>do</strong> com as necessidades fundamentais <strong>do</strong>s<br />

homens (…) o Sol, que comanda to<strong>do</strong> o crescimento, deveria penetrar no interior de<br />

cada moradia», são algumas frases que exacerbam a ambição deste manifesto<br />

ilumina<strong>do</strong>.<br />

«A palavra 'radioso' não estava lá [na obra 'A Cidade Radiosa', 1935] por acaso;


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

excede o funcional e vem situar-se perto da consciência. Com efeito, a consciência<br />

está em jogo em tu<strong>do</strong> isto (nos acontecimentos prodigiosos que vivemos)<br />

sobrepon<strong>do</strong>-se aos aspectos económicos e técnicos e, no fim de contas, só ela é<br />

capaz de constituir através de justas reivindicações o próprio programa das nossas<br />

produções», explica, por palavras próprias, <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>.<br />

Imagem: Fundação <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong><br />

O subúrbio, diz o texto numa das suas belas inumeráveis passagens de fulgor<br />

literário, «é o símbolo, ao mesmo tempo, <strong>do</strong> fracasso e da tentativa. É uma espécie<br />

de onda baten<strong>do</strong> nos muros da cidade».<br />

Erro urbanístico, descendente degenera<strong>do</strong> <strong>do</strong>s arrabaldes, resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

desenvolvimento sem controlo, freio e autoridade, o subúrbio é uma apropriação <strong>do</strong><br />

solo «sem disciplina», que não serve a felicidade <strong>do</strong>s homens.<br />

A arquitectura não foi, de longe, a primeira actividade a legitimar-se (também), de<br />

forma mais ou menos genuína, heróica ou ingénua, pela tentativa de encontrar um<br />

meio de tornar as populações «felizes».<br />

Pensar na felicidade <strong>do</strong>s outros não seria já subordiná-los às nossas ideias? Mas<br />

como pôr reticências a um texto, escrito entre duas devasta<strong>do</strong>ras guerras mundiais,<br />

um texto culto, inteligente, ético, deliciosamente excessivo, que afirma que «é<br />

preciso tornar acessível para to<strong>do</strong>s (…) uma certa qualidade de bem-estar,<br />

independentemente de qualquer questão de dinheiro» e que repetidamente diz «É<br />

preciso exigir»?<br />

«É preciso exigir». Tão só que os homens retomem o contacto com a natureza, para<br />

que não paguem «caro, com a <strong>do</strong>ença e a decadência, uma ruptura que enfraquece<br />

o seu corpo e arruína a sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias da<br />

cidade».<br />

Urbaniza<strong>do</strong>res da alma, os artesãos da Carta de Atenas acreditam no<br />

«aperfeiçoamento crescente» <strong>do</strong>s seres humanos, se o solo urbano for planea<strong>do</strong> de


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

mo<strong>do</strong> a garantir a to<strong>do</strong>s um pouco de ar, silêncio e paz, se os serviços essenciais<br />

(saúde, escolas) estiverem tão perto quanto as organizações desportivas e<br />

intelectuais, se erguermos construções elevadas controladas pelo estu<strong>do</strong> estatístico<br />

preciso e virmos na sua densidade a validação das organizações colectivas, se<br />

pudermos descansar os olhos em «amplas superfícies verdes», se destruirmos a<br />

insalubridade, se planearmos até as novas «mil oportunidades de actividades<br />

saudáveis» que podemos oferecer ao fim-de-semana, se cultivarmos hortas, se<br />

repensarmos as redes de ligação porque a «circulação se tornou hoje uma função<br />

primordial da vida urbana».<br />

E como <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, se soubermos História: «A vida de uma cidade é uma<br />

acontecimento contínuo, que se manifesta ao longo <strong>do</strong>s séculos por obras materiais,<br />

traça<strong>do</strong>s ou construções que lhe conferem a sua personalidade própria e <strong>do</strong>s quais<br />

emana pouco a pouco a sua alma».<br />

São Paulo, Brasil: é preciso imaginação para encontrar a liberdade individual no meio da<br />

«desordem indizível» imagem: Lalo de Almeida<br />

Daqui decorre que «os valores arquitectónicos devem ser salvaguarda<strong>do</strong>s». Mas só<br />

desde que a «sua conservação não acarrete o sacrifício de populações mantidas em<br />

condições insalubres» ou que «em nenhum caso o culto <strong>do</strong> pitoresco [tenha]<br />

primazia sobre a salubridade da moradia». Em tu<strong>do</strong> o mais, primeiro as pessoas,<br />

depois o que elas construíram.<br />

A Carta de Atenas é uma afirmação de cidadania: «o crescimento incessante <strong>do</strong>s


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

interesses priva<strong>do</strong>s» não esconde os sentimentos que devem controlar esses<br />

interesses: «responsabilidade administrativa e solidariedade social».<br />

Os subscritores escrevem a palavra «violência» para se referir à «construção de<br />

habitações ou de fábricas, a organização de ro<strong>do</strong>vias, hidrovias ou ferrovias, tu<strong>do</strong> se<br />

multiplicou numa pressa (…) da qual estavam excluí<strong>do</strong>s qualquer plano<br />

preconcebi<strong>do</strong> e qualquer reflexão prévia».<br />

Ao mesmo tempo que o urbanismo deveria assegurar a moradia saudável, devia<br />

imiscuir-se na «boa utilização das horas livres» – a retórica <strong>do</strong>s dispositivos de<br />

controlo sobre as pessoas, dizen<strong>do</strong>-lhes o que devem fazer quan<strong>do</strong> estão a<br />

trabalhar e o que devem fazer quan<strong>do</strong> não estão a trabalhar espalhou-se de tal<br />

mo<strong>do</strong> que o tempo livre é classifica<strong>do</strong> como deven<strong>do</strong> ser «benéfico e fecun<strong>do</strong>».<br />

Contundente é que isso fosse feito para «romper a opressão esmaga<strong>do</strong>ra de usos»<br />

que as cidades ostentavam e que o novo urbanismo poderia redimir – não<br />

encontran<strong>do</strong> os autores <strong>do</strong> texto um mo<strong>do</strong> de pensar, desde logo, que um tal<br />

programa podia criar uma opressão pelo menos tão grande quanto a que queria<br />

esmagar.<br />

«A circulação tornou-se hoje uma função primordial da vida urbana. Ela pede um programa<br />

cuida<strong>do</strong>samente estuda<strong>do</strong>, que saiba prever tu<strong>do</strong> o que é preciso para regularizar os fluxos», dizia a<br />

Carta de Atenas. Imagem: Nelson Kon<br />

«A cidade deve assegurar, nos planos espiritual e material, a liberdade individual e o<br />

benefício da acção colectiva», sublinha o <strong>do</strong>cumento.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Trazer ordem, classificar, organizar, determinar, exigir: a Carta de Atenas reivindica<br />

um papel regenera<strong>do</strong>r para tentar dar um senti<strong>do</strong> à «desordem higiénica», à<br />

«decadência», «perigos da rua», «vida sem disciplina», «desordem indizível» que a<br />

ruptura da antiga organização <strong>do</strong> trabalho provocou, «vícios», «anarquia»,<br />

«irracionalidade, falta de precisão, falta de flexibilidade, de diversidade e de<br />

adequação» da malha das ruas.<br />

«Não nos esqueçamos de que a sensação de espaço é de ordem psico-fisiológica»,<br />

lembrava o manifesto, convocan<strong>do</strong> as ciências da mente para justificar a grande<br />

história jamais terminada sobre ‘o que sentimos sobre nós mesmos’.<br />

Um país com vista para <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong><br />

«Era preciso rejeitar tu<strong>do</strong> o que se considerava caduco, convencional ou<br />

simplesmente académico».<br />

«As mais altas aspirações de ser útil ao país podem ser expressas» – começa<br />

assim, num tom de leveza grandiloquente, o regulamento <strong>do</strong> primeiro <strong>congresso</strong><br />

nacional de arquitectura (que decorreu entre 28 de Maio e 4 de Junho de <strong>1948</strong>) e<br />

que anuncia as duas grandes questões em discussão no primeiro grande fórum <strong>do</strong>s<br />

arquitectos portugueses: A arquitectura no plano nacional; e o problema português<br />

da habitação.<br />

Mas «as mais altas aspirações» eram contraditórias em muitos senti<strong>do</strong>s. José<br />

António Bandeirinha (JAB), investiga<strong>do</strong>r e professor na Faculdade de Ciências e<br />

Tecnologia da Universidade de Coimbra, um <strong>do</strong>s ora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong><br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>», descreve um ambiente necessariamente tenso nos basti<strong>do</strong>res desta<br />

reunião magna.<br />

«Do la<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder, Cottineli Telmo e Pardal Monteiro (…) sentiam perigar a sua<br />

situação profissional e estatutária» desde a morte <strong>do</strong> ministro Duarte Pacheco e<br />

viam crescer as influências <strong>do</strong>s industrialistas ( «a prioridade ao fomento das infraestruturas<br />

industriais vai-se sobrepon<strong>do</strong>»).


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Plano para uma «cidade contemporânea de três milhões de habitantes», apresenta<strong>do</strong><br />

por <strong>Corbusier</strong> em Novembro de 1922 no Salão de Paris. É um <strong>do</strong>s destaques da exposição<br />

<strong>do</strong> Museu Colecção Berar<strong>do</strong>, em Lisboa, que pode ser vista até 17 de Agosto.<br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst, Bonn 2007<br />

«Para uma parte bastante representativa <strong>do</strong>s quase 200 participantes (…) porém, as<br />

motivações eram bem outras (…) a impossibilidade de fazer qualquer coisa que não<br />

o moderno», mesmo levan<strong>do</strong> em conta «as ridículas imposições estilísticas que as<br />

instituições estatais cada vez mais faziam».<br />

«Era preciso rejeitar tu<strong>do</strong> o que se considerava caduco, convencional ou<br />

simplesmente académico», recorda o arquitecto Nuno Teotónio Pereira num texto<br />

escrito para assinalar os 50 anos <strong>do</strong> primeiro <strong>congresso</strong> – o qual, refere ainda,<br />

representou um «terramoto» por duas razões: foi garanti<strong>do</strong> que as comunicações<br />

não seriam censuradas pelo Governo e que os estudantes finalistas poderiam<br />

participar.<br />

Nas mais altas aspirações de ser útil ao país podia incluir-se não ignorar, entre o<br />

meio «intelectual urbano e sua tertúlia» um «surto de greves e motins espoleta<strong>do</strong><br />

durante os anos da guerra pelo campesinato pobre <strong>do</strong> norte e centro <strong>do</strong> país, pelos<br />

assalaria<strong>do</strong>s rurais <strong>do</strong> sul e pelo operaria<strong>do</strong> industrial», defende JAB.


Crítica à orto<strong>do</strong>xia <strong>do</strong> <strong>congresso</strong><br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

«Foi neste contexto [reconstrução <strong>do</strong> pós-guerra] que os arquitectos foram<br />

chama<strong>do</strong>s a um papel de primeiro plano. E estavam bem prepara<strong>do</strong>s para isso com<br />

a <strong>do</strong>utrina messiânica da Carta de Atenas e as propostas redentoras de <strong>Le</strong><br />

<strong>Corbusier</strong>, fazen<strong>do</strong> apelo a um ‘Espírito Novo’», diz Teotónio Pereira, que já se tinha<br />

encarrega<strong>do</strong> de traduzir os principais artigos da Carta de Atenas para a revista <strong>do</strong><br />

Instituto Superior Técnico.<br />

É por isso que JAB afirma que, para os arquitectos mais jovens, «começa a ser<br />

impossível dissociar a reivindicação da utilização das linguagens <strong>do</strong> estilo<br />

internacional <strong>do</strong>utras reivindicações de carácter socioeconómico mais vasto».<br />

Conta JAB que a geração mais jovem e reivindicativa tinha cria<strong>do</strong> organizações para<br />

intervir no <strong>congresso</strong> – Iniciativas Culturais Arte e Técnica em Lisboa (ICAT, 1946),<br />

Organização <strong>do</strong>s Arquitectos Modernos no Porto (ODAM, 1947) – essa intervenção<br />

podia vestir a roupa da «divulgação da arquitectura moderna», mas pressentia «uma<br />

contestação mais activa e sistemática ao regime» – um verdadeiro «Cavalo de<br />

Tróia», na expressão célebre de Nuno Portas.<br />

Analisan<strong>do</strong> a prestação de Teotónio Pereira e de Costa Martins, JAB assinala que<br />

propõem «soluções diversas para cada caso»: classes médias ou proletárias. Fazem<br />

um estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s espaços interiores para cada classe social e afirmam que «as<br />

‘unidades habitacionais’ só têm razão de ser quan<strong>do</strong> incorporadas em ‘unidades de<br />

vizinhança’» com a presença de vários grupos sociais. Foi uma «crítica à orto<strong>do</strong>xia<br />

moderna que <strong>do</strong>minou o <strong>congresso</strong>».<br />

Nuno Teotónio Pereira: primeiro <strong>congresso</strong> <strong>do</strong>s<br />

arquitectos foi «um terramoto».<br />

O arquitecto já tinha traduzi<strong>do</strong> os principais artigos<br />

da Carta de Atenas<br />

Imagem: Núcleo de arquitectura e urbanismo <strong>do</strong> LNEC


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Nos <strong>do</strong>is problemas postos à discussão no <strong>congresso</strong> (A arquitectura no plano<br />

nacional; o problema português da habitação), Teotónio Pereira diz que foi<br />

aproveitada ao máximo «a liberdade de expressar ideias que iam contra a retórica<br />

oficial».<br />

JAB refere-se ao «posicionamento profundamente crítico da maioria das<br />

comunicações, o seu contundente tom de desagravo em relação à situação da<br />

profissão e <strong>do</strong> ensino, a consciência política que revela, por vezes numa frontalidade<br />

e num radicalismo surpreendentes».<br />

A arquitecta e crítica de arquitectura Ana Vaz Milheiro nota que «a tónica <strong>do</strong><br />

<strong>congresso</strong> centra-se no papel social da arquitectura e na abertura às teses<br />

internacionais, numa fixação que se prenderá à obra de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> (cuja faceta<br />

meridional encontra eco nas afectividades nacionais) e, <strong>do</strong> ponto de vista<br />

urbanístico, à Carta de Atenas».<br />

Segun<strong>do</strong> Teotónio Pereira, «no <strong>congresso</strong> a Carta de Atenas e a construção em<br />

altura foram erigi<strong>do</strong>s em modelos a a<strong>do</strong>ptar mas também se falou de «reajustamento<br />

social, em habitação proletária, em unidades de vizinhança, num novo humanismo e<br />

nas catedrais <strong>do</strong>s Tempos Modernos citan<strong>do</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>».<br />

«Em vez de se preocuparem com os <strong>Corbusier</strong>s…»<br />

De um la<strong>do</strong>, o arquitecto Mário Bonito, referi<strong>do</strong> no <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong><br />

<strong>Corbusier</strong>» por JAB, podia simbolizar esse desejo: «Em tu<strong>do</strong> o útil, o humano e o<br />

novo estão implícitos (…) os homens estão incondicionalmente uni<strong>do</strong>s pela<br />

constituição da espécie a despeito da diversidade <strong>do</strong>s climas, posições geográficas,<br />

éticas, etc. (…) Este ponto de vista impõe um problema de consciência, uma<br />

linguagem arquitectónica internacional».<br />

Do outro la<strong>do</strong> da trincheira podia encontrar-se, como exemplo, o arquitecto Mário de<br />

Oliveira, afirman<strong>do</strong> que os arquitectos «em vez de se preocuparem a imitar os<br />

Wrights, os <strong>Corbusier</strong>s, etc. deveriam antes tentar estudar uma arquitectura<br />

portuguesa».<br />

Estas intervenções estavam no primeiro tema de discussão, «Arquitectura no plano<br />

nacional». Diz Ana Vaz Milheiro que «os cinco princípios corbusianos fixa<strong>do</strong>s na<br />

Villa Savoye (1929) – planta e fachada livre, edifício assente sobre pilotis [pilares],<br />

janelas em comprimento e cobertura em terraço – encontram-se nos trabalhos<br />

iniciais de Viana de Lima ou de Celestino de Castro, ambos intervenientes no<br />

Congresso».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

A Villa Savoye expõe os famosos cinco pontos da nova arquitectura: planta livre da<br />

configuração estrutural, possibilitan<strong>do</strong> diversidade no espaço interno; casa assente<br />

em pilares, elevan<strong>do</strong> a habitação acima <strong>do</strong> solo; cobertura da edificação com jardins;<br />

disposição da fachada independente da configuração estrutural, com possibilidade de<br />

máxima abertura para paredes externas em vidro; janelas que cortam toda a<br />

extensão <strong>do</strong> edifício, permitin<strong>do</strong> grande iluminação e vistas panorâmicas para o<br />

exterior.<br />

Imagem: www.bluffton.edu/.../savoye/corbuindex.html<br />

«Apesar das questões políticas que a realização <strong>do</strong> Congresso subentende, ou <strong>do</strong><br />

conflito geracional a que foi associa<strong>do</strong>, o que se opõe verdadeiramente é um<br />

entendimento das linguagens e <strong>do</strong> papel da arquitectura perante a sociedade<br />

portuguesa».<br />

Nuno Teotónio Pereira diz que o regime se desembaraçou <strong>do</strong> que considerava<br />

secundário («o controlo da expressão arquitectónica, cujas normas apertadas<br />

começaram a ser suavizadas») e manteve o essencial: «censura à imprensa, polícia<br />

política, restrições ao direito de associação, eleições fraudulentas».<br />

«Com o impulso <strong>do</strong> <strong>congresso</strong> e os novos ventos que sopravam <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, os<br />

arquitectos portugueses forjaram uma consciência profissional que inspirou a prática<br />

associativa e a sua própria intervenção cívica e cultural ao longo <strong>do</strong>s anos que se<br />

seguiram», sublinha.<br />

Nova consciência<br />

JAB refere que, com excepção de duas ou três comunicações, «a toada de forte de<br />

descontentamento (…) apoiada numa avaliação realista da situação cultural <strong>do</strong><br />

país» passou a ser o prato <strong>do</strong> dia <strong>do</strong> <strong>congresso</strong>.<br />

Arménio Losa defendeu a «construção em altura (…) e o ‘apetrechamento industrial<br />

<strong>do</strong> país», Francisco Keil <strong>do</strong> Amaral, eleito presidente <strong>do</strong> Sindicato nas vésperas <strong>do</strong><br />

<strong>congresso</strong>, e nas palavras de JAB, «deixa transparecer o seu irónico e lúci<strong>do</strong><br />

desespero face à situação <strong>do</strong> ensino da arquitectura».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

JAB relembra ainda Matos Veloso, «que cita obsessivamente <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>»: «Os<br />

problemas actuais da arquitectura e urbanismo só podem ser examina<strong>do</strong>s, daqui<br />

para diante, sob o ponto de vista de uma nova consciência (…) certos da nossa<br />

missão, construtores das novas cidades, das casas para homens, ponhamos como<br />

fim a atingir (…) os interesses da comunidade, <strong>do</strong> homem em geral».<br />

Diz JAB que, face ao tom de reivindicação e de admiração por <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> e pela<br />

citação da Carta de Atenas, os <strong>do</strong>is temas <strong>do</strong> <strong>congresso</strong> foram «um mero pretexto<br />

para se falar da arquitectura moderna».<br />

O investiga<strong>do</strong>r da Universidade de Coimbra afirma que é no segun<strong>do</strong> tema (O<br />

problema português da habitação) «que os congressistas encontram uma motivação<br />

mais forte para dissertar sobre a prática possível dessa arquitectura e sobre a<br />

obsolescência <strong>do</strong>s obstáculos que lhe eram coloca<strong>do</strong>s» – em face das «condições<br />

da habitação urbana e suburbana que tinham atingi<strong>do</strong> (…) um esta<strong>do</strong> extremo de<br />

degradação».<br />

As várias intervenções colocam em causa a «contradição cidade-campo» (Matos<br />

Veloso), as vantagens da habitação colectiva (Lobão Vital) e a criação de espaços<br />

verdes, jardins infantis, escolas (Viana de Lima), entre outros aspectos muito liga<strong>do</strong>s<br />

ao belo texto da Carta de Atenas, publicada então há cinco anos.<br />

Sem prática urbanística inova<strong>do</strong>ra<br />

JAB diz que o <strong>congresso</strong> consagrou «as <strong>do</strong>utrinas que emolduravam a prática da<br />

arquitectura moderna e <strong>do</strong> Estilo Internacional» mas que tais ideias «não<br />

pressentiam o assomo da utopia urbana e social, subjacente à prática que<br />

reivindicavam».<br />

«A grande contradição deste <strong>congresso</strong> [foi] a a<strong>do</strong>pção das teorias <strong>do</strong>s Congressos<br />

Internacionais de Arquitectura Moderna face à gritante inexistência de uma prática<br />

urbanística inova<strong>do</strong>ra e continuada».<br />

Diz Ana Tostões que «no quadro político então vigente, o equívoco residiu no facto<br />

de a nova geração ter queri<strong>do</strong> acreditar, mesmo por momentos, no poder<br />

transforma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s programas e da expressão internacional. Apesar da sua<br />

qualificada produção, foi veículo de divulgação de um ‘estilo internacional’ facilmente<br />

apreensível e repetível desprovi<strong>do</strong> da razão social que o enformava e justificava.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Restou a arquitectura de autor: teimosamente qualificada, marginalizada entre a<br />

fidelidade crítica à arquitectura <strong>do</strong> movimento moderno e o fluí<strong>do</strong> compromissos com<br />

a natureza <strong>do</strong> real e <strong>do</strong> tempo histórico».<br />

Keil <strong>do</strong> Amaral disse, muito tempo depois da realização <strong>do</strong> <strong>congresso</strong>, que «nunca<br />

tínhamos ti<strong>do</strong> oportunidade de falar em arquitectura, de maneira que dissemos tu<strong>do</strong><br />

o que considerávamos importante, de uma maneira caótica, mas cheia de vida e de<br />

intenções generosas… acreditávamos que havia um mun<strong>do</strong> novo em gestão, mais<br />

belo e equitativo e que tínhamos um papel importante a desempenhar nele: uma<br />

função social».<br />

Após o <strong>congresso</strong>, Francisco Keil <strong>do</strong> Amaral ce<strong>do</strong> seria demiti<strong>do</strong> pelo governo da<br />

primeira direcção eleita <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Arquitectos.<br />

Textos consulta<strong>do</strong>s:<br />

Bandeirinha, José António, «<strong>1948</strong>-2008. 60 anos <strong>do</strong> 1º Congresso Nacional de<br />

Arquitectura. A fragilidade <strong>do</strong> possível e a solidez <strong>do</strong> impossível»,<br />

comunicação apresentada no <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>», 27 Maio<br />

2008. (O site da OASRS agradece a gentil cedência <strong>do</strong> texto)<br />

Milheiro, Ana Vaz, «Entre o ‘português suave’ e o modernismo», Jornal<br />

Arquitectos 186, Setembro de 1998<br />

Pereira, Nuno Teotónio, «Que fazer com estes 50 anos?», ibidem<br />

Tostões, Ana, «Congresso de 48 e ruptura moderna», ibidem<br />

Foi um ‘<strong>livro</strong> <strong>do</strong> destino’<br />

Francisco Silva Dias, hoje prove<strong>do</strong>r da arquitectura da Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos, diz<br />

que o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>livro</strong> (relatório da comissão executiva, teses, conclusões e votos)<br />

«foi uma espécie de Livro <strong>do</strong> Destino porque to<strong>do</strong>s os problemas que viriam a<br />

enfrentar estavam lá aponta<strong>do</strong>s».<br />

Silva Dias defende que o contexto político e social <strong>do</strong> país <strong>do</strong> final da Segunda<br />

Guerra «encontra no microcosmos da arquitectura, <strong>do</strong>s arquitectos e <strong>do</strong> <strong>congresso</strong>,<br />

com a nitidez das imagens reduzidas, um reflexo fiável».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Capa da versão original <strong>do</strong> <strong>livro</strong> <strong>do</strong> primeiro<br />

<strong>congresso</strong> nacional de arquitectura .<br />

O arquitecto Francisco Silva Dias, hoje prove<strong>do</strong>r da<br />

arquitectura, afirma que a reunião de <strong>1948</strong> fun<strong>do</strong>u a<br />

investigação na prática profissional e lançou os<br />

estu<strong>do</strong>s da construção racional da habitação<br />

Imagem: Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos<br />

Francisco Silva Dias é da opinião que, nos últimos 50 anos, houve duas vezes em<br />

que «a classe assumiu atitudes colectivas e demonstrou capacidade de<br />

concretização de tarefas de grande complexidade»: no primeiro <strong>congresso</strong> (<strong>1948</strong>) e<br />

no Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa (1955).<br />

Mesmo os temas escolhi<strong>do</strong>s para o <strong>congresso</strong> de <strong>1948</strong> («A arquitectura no plano<br />

nacional» e «O problema português da habitação») demonstram uma «sabe<strong>do</strong>ria»,<br />

porque as conclusões e votos «apontaram certeiras linhas de rumo que permitem<br />

hoje passar, num empolgante exercício, da futurologia de então à visão histórica de<br />

hoje».<br />

Mais: o <strong>congresso</strong> pode ser visto «como introdução da investigação na prática<br />

profissional: com a proposta de realização de um estu<strong>do</strong> estendi<strong>do</strong> a to<strong>do</strong> o país<br />

envolven<strong>do</strong> os conceitos de tradição e regionalismo, foram lança<strong>do</strong>s os germes <strong>do</strong><br />

Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa». E começaram os estu<strong>do</strong>s da<br />

«construção racional da habitação».<br />

Mais de meio século depois, «a democratização <strong>do</strong> ensino levou às escolas de<br />

arquitectura <strong>do</strong> país um grande número <strong>do</strong>s mais aptos (…) e o Programa Erasmus<br />

vence fronteiras e estabelece igualdades». A população «sente como adquiri<strong>do</strong> o<br />

direito à arquitectura».<br />

Dois objectivos por atingir: a criação de um museu da arquitectura moderna<br />

portuguesa e a criação de um instituto que defina as bases <strong>do</strong> problemas <strong>do</strong><br />

urbanismo e da habitação.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Francisco Silva Dias fala, ainda, na questão de «uma maleita que percorre este mais<br />

de meio século desde o <strong>congresso</strong>» – a «ditadura <strong>do</strong> parecer’, quantas vezes<br />

censório e arbitrário», quan<strong>do</strong> em <strong>1948</strong> já se reclamava que os arquitectos tivessem<br />

«o direito de defender as suas concepções antes de um indeferimento definitivo».<br />

Para justificar este ponto, Silva Dias socorre-se da sua experiência como prove<strong>do</strong>r:<br />

«mais de metade das queixas (…) são <strong>do</strong> âmbito das relações populaçãoadministração<br />

autárquica ou da interpretação subjectiva e prepotente <strong>do</strong>s agentes<br />

licencia<strong>do</strong>res».<br />

Importante é, também, a reflexão que Silva Dias faz sobre como se exerceria a<br />

«censura» sobre a arquitectura: «São escassos os discursos da ditadura [de<br />

Salazar] sobre a arquitectura, mal deixan<strong>do</strong> vislumbrar linhas de rumo que<br />

conduzissem ao exclusivo da expressão nacionalista. E conhecem-se atitudes de<br />

tolerância ou talvez de indiferença em relação à modernidade». Diz Francisco Silva<br />

Dias que é provável que «a censura viesse <strong>do</strong>s escalões intermédios da governação<br />

e fosse alimenta<strong>do</strong> por ‘académicos’ cujo estatuto social próximo <strong>do</strong> poder<br />

influenciasse os decisores».<br />

E «os conserva<strong>do</strong>res mais notáveis apresentaram-se discretos e não terão sequer<br />

confronta<strong>do</strong> por comunicações ou diálogo o pensamento moderno que <strong>do</strong>minou o<br />

evento. A defesa de uma arquitectura nacional de cariz político apresentou-se<br />

esporádica e foi ostensivamente olvidada».<br />

Silva Dias recorda que «até o discurso de abertura <strong>do</strong> presidente da comissão<br />

executiva <strong>do</strong> <strong>congresso</strong>, Cottinelli Telmo, não é panegírico» para os governantes<br />

presentes. Foca-se no «esforço caloroso e honesto <strong>do</strong>s arquitectos para o bem<br />

comum, ideia que reforça no discurso de encerramento».<br />

Um homem <strong>do</strong>s media<br />

Usou tu<strong>do</strong> o que tinha à mão para comunicar. A certa altura, começou a sentir-se<br />

mal na televisão<br />

Para a investiga<strong>do</strong>ra e professora de arquitectura Beatriz Colomina, uma das<br />

conferencistas <strong>do</strong> <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>», não há dúvida de que «<strong>Le</strong><br />

<strong>Corbusier</strong> foi o mais influente arquitecto <strong>do</strong> século XX. Os seus edifícios estão entre<br />

as mais belas obras da arquitectura moderna».<br />

Mas foi igualmente um grande comunica<strong>do</strong>r. «Usou tu<strong>do</strong> o que tinha ao alcance para<br />

comunicar: jornais, artigos, <strong>livro</strong>s, conferências, exposições, rádio, filmes e TV. Foi o


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

primeiro arquitecto a compreender na perfeição os meios de comunicação de<br />

massa».<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> escreveu mais <strong>livro</strong>s <strong>do</strong> que desenhou edifícios. Colomina enumera 79<br />

<strong>livro</strong>s, catálogos e panfletos; 511 artigos, 51 artigos científicos edita<strong>do</strong>s, inúmeras<br />

fotos, 29 anúncios, participação em 13 filmes mais 16 filmes ama<strong>do</strong>res, 20<br />

programas de rádio, 25 programas de TV e um arquivo.<br />

O quadro negro que usava nas suas conferências,<br />

onde desenhava, começou a ficar mal na TV.<br />

Beatriz Colomina afirma que «<strong>Corbusier</strong> deixou de<br />

entender o mo<strong>do</strong> de funcionamento da televisão»<br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst, Bonn, 2007<br />

Nenhum exagero em dizer que a escrita está à altura da sua arquitectura. Tal como<br />

o historia<strong>do</strong>r de arquitectura William J.R. Curtis chamou a atenção durante o<br />

<strong>seminário</strong> - um esboço, uma ideia remota podia muitos anos mais tarde percorrer o<br />

seu caminho até se transformar numa obra arquitectónica - <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> reciclou<br />

vezes sem conta os seus pensamentos escritos, voltan<strong>do</strong> atrás, acrescentan<strong>do</strong>,<br />

cortan<strong>do</strong>, aperfeiçoan<strong>do</strong> e, por vezes, fazen<strong>do</strong>-o como se recuperasse no tempo<br />

presente um remoto pensamento interrompi<strong>do</strong>.<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> olhava para os <strong>livro</strong>s e artigos como séries, compilan<strong>do</strong>-os para chegar<br />

às obras completas – da mesma forma que o fez com projectos e edifícios. «Livros e<br />

artigos foram uma parte íntima da sua prática arquitectónica», afirma Beatriz<br />

Colomina.<br />

Antes <strong>do</strong> desenho, a palavra. Criou com Amadée Ozenfant e o poeta Paul Dermée a<br />

revista «L´Esprit nouveau - revista internacional de estética» (1919, com o primeiro<br />

número a ser publica<strong>do</strong> em Outubro de 1920 e o último em 1925), pela qual não<br />

passava só o prazer de escrever. Colomina diz que «a revista foi um instrumento<br />

fundamental para construir uma clientela para as suas obras».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

«A escrita abre a possibilidade de uma encomenda que, depois, legitima a escrita».<br />

Ele publicava artigos e desenhava projectos, projectos que eram solicita<strong>do</strong>s pelos<br />

escritos. «Esta espiral de eterno retorno conduzia os escritos às encomendas, mas<br />

também aos edifícios <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> movimentava-se, ao mesmo tempo,<br />

entre a revisitação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> presente. As mais recentes inovações são,<br />

para<strong>do</strong>xalmente, legitimadas por estarem ligadas às já realizadas», afirma a<br />

investiga<strong>do</strong>ra espanhola.<br />

É o caso da Villa Savoye, em Poissy (1928), França, pensada como uma residência<br />

de veraneio, expon<strong>do</strong> a sua reflexão sobre a questão da habitação de mo<strong>do</strong> tão<br />

eloquente quanto ele a escreveu: «Quan<strong>do</strong> criámos ‘L´Esprit nouveau’ eu tinha da<strong>do</strong><br />

à casa a sua importância fundamental, qualifican<strong>do</strong>-a de ‘máquina de habitar’ e<br />

exigin<strong>do</strong> assim dela uma resposta total e impecável a uma questão bem posta.<br />

Programa exclusivamente humano, que repunha o homem no centro da<br />

preocupação arquitectónica».<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> vociferava contra o ensino escolar que não incluía preocupações com<br />

a habitação. «Nenhuma atenção dada àquilo que faz a vida de to<strong>do</strong>s os seres: o<br />

quotidiano, esses momentos e essas horas passa<strong>do</strong>s dia após dia, desde a infância<br />

até à morte, em salas, em espaços quadrangulares e simples que podem ser<br />

emocionantes e que constituem, de facto, o teatro primordial em que a nossa<br />

sensibilidade evolui».<br />

A bela Villa Savoye é essa máquina que expõe os famosos cinco pontos da nova<br />

arquitectura: planta livre da configuração estrutural, possibilitan<strong>do</strong> diversidade no<br />

espaço interno; casa assente em pilares, elevan<strong>do</strong> a habitação acima <strong>do</strong> solo;<br />

cobertura da edificação com jardins; disposição da fachada independente da<br />

configuração estrutural, com possibilidade de máxima abertura para paredes<br />

externas em vidro; janelas que cortam toda a extensão <strong>do</strong> edifício, permitin<strong>do</strong><br />

grande iluminação e vistas panorâmicas para o exterior.<br />

Foram inovações que tiveram tanto impacto, que ainda hoje são estudadas<br />

aprofundadamente. Mas «a modernidade da Villa Savoye é antiga», diz Colomina,<br />

remeten<strong>do</strong> para o próprio <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>: «A arquitectura árabe dá-nos uma preciosa<br />

lição (…) é porque andamos, porque nos movemos que podemos ver a arquitectura<br />

a desenvolver-se. Trata-se de um princípio contrário à arquitectura barroca,<br />

concebida sobre o papel em re<strong>do</strong>r de um ponto teórico fixo. Eu prefiro o que nos<br />

ensina a arquitectura árabe».<br />

A frase explica uma das ideias fortes das suas vida e obra, a ideia de passeio e de<br />

fruição <strong>do</strong>s espaços.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Escola Secundária Padre António Vieira, em Lisboa. Ruy Jervis Athouguia<br />

desenhou-a de forma a que os alunos e professores tivessem, em permanência, uma panorâmica da<br />

cidade dentro da sala de aula. «É um momento em que a arquitectura moderna se monumentaliza e<br />

uma obra maior <strong>do</strong> século XX», disse o arquitecto Ricar<strong>do</strong> Carvalho, numa visita guiada ao local<br />

Imagem: Direitos reserva<strong>do</strong>s<br />

Dentro de um ‘travelling’<br />

Foi com «a ideia de passeio» que o arquitecto Ricar<strong>do</strong> Carvalho propôs que se<br />

sentisse a arquitectura da Escola Secundária Padre António Vieira – caso da<br />

cenográfica rampa que o autor Ruy Jervis Athouguia desenhou para ligar os andares<br />

da escola, que podemos percorrer como se viajássemos dentro de um ‘travelling’ e<br />

fôssemos, simultaneamente, a câmara de filmar e o especta<strong>do</strong>r das imagens<br />

captadas.<br />

Esta foi uma das duas visitas guiadas organizadas pela Secção Regional Sul a<br />

Lisboa a propósito <strong>do</strong> <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>», realizada a 7 de Junho.<br />

Ricar<strong>do</strong> Carvalho lembrou como «todas as salas de aula têm uma panorâmica sobre<br />

a cidade», permitin<strong>do</strong> continuar esse mesmo passeio até na aula, «embora hoje<br />

sobre uma cidade que Jervis Athouguia não imaginava que fôssemos capazes de<br />

construir».<br />

Uma panorâmica limitada às vicissitudes da disciplina escolar, visto que um aviso à<br />

entrada diz que só os professores podem mexer nos estores – só eles poden<strong>do</strong>,<br />

aparentemente, autorizar que os alunos se ausentem para uma viagem à volta <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> sem sair da sala. Ricar<strong>do</strong> Carvalho, para quem Ruy Athouguia é uma «figura<br />

de primeira grandeza» <strong>do</strong>s que seguiram os princípios universais da linguagem<br />

arquitectónica moderna, destacou as escolas construídas nas décadas de 50 e 60<br />

<strong>do</strong> século XX em Alvalade (escolas primárias Teixeira de Pascoaes e <strong>do</strong> bairro de<br />

São Miguel e a Escola Padre António Vieira), além, claro, da grande obra de<br />

referência de Lisboa nos anos 50 (Bairro das Estacas, de parceria com Sebastião<br />

Formosinho Sanchez) «com os seus edifícios a pairar sobre um jardim contínuo que<br />

corre sob eles», como descreve num texto.


’Silêncio aristocrático’<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Todas as formas de escrita a que <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> deitou mão – cartas, manifestos,<br />

ensaios, panfletos, <strong>livro</strong>s, catálogos e outros – culminaram na monumental obra<br />

completa de sete volumes, concebida pelo próprio quan<strong>do</strong> andava pelos trinta anos<br />

de idade. O primeiro volume foi publica<strong>do</strong> em 1929, quan<strong>do</strong> tinha 42 anos e o último<br />

em 1969, cinco anos após a sua morte, já publica<strong>do</strong> pelos seus colegas.<br />

Beatriz Colomina diz que escrever sobre arquitectura histórica cria a possibilidade da<br />

nova arquitectura e de um quadro para a ler. «Não é que <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> escrevesse<br />

sobre a sua arquitectura, ele escrevia a arquitectura».<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> rodea<strong>do</strong> da sua colecção particular em 1931.<br />

O arquitecto, conhece<strong>do</strong>r da história, preparou cuida<strong>do</strong>samente a publicação <strong>do</strong> seu lega<strong>do</strong>. Mas não<br />

evitou que o meio de comunicação mais volátil e superficial, a televisão, tivesse perdi<strong>do</strong> grande parte<br />

<strong>do</strong> seu património. Para quê guardar coisas que superam a espuma <strong>do</strong>s dias?<br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst Bonn, 2007<br />

Neste senti<strong>do</strong>, enquanto <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> escreveu a sua história, legan<strong>do</strong> aos<br />

estudiosos a forma como queria que encontrassem os elementos da sua própria<br />

investigação, Athouguia, «é o arquitecto em que se encontram os grandes temas da<br />

arquitectura moderna, mas sem grande elaboração teórica».<br />

«Isso terá contribuí<strong>do</strong> para ter si<strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> por longo tempo», disse Ricar<strong>do</strong><br />

Carvalho. «No seu silêncio aristocrático, terá si<strong>do</strong> prejudica<strong>do</strong>» até investiga<strong>do</strong>res<br />

mais recentes recolocarem o seu trabalho de grande sensibilidade num lugar de<br />

destaque mereci<strong>do</strong>.<br />

A Escola Padre António Vieira não é só «o momento em que a arquitectura moderna<br />

se monumentaliza» em Portugal, nas palavras de Ricar<strong>do</strong> Carvalho, é como «Ruy<br />

Athouguia, consideran<strong>do</strong>, de algum mo<strong>do</strong>, a escola uma cidade, desenha uma<br />

arquitectura de olhar lírico e sensibilidade poética, com ambientes completamente<br />

diferentes» que coexistem insuspeitamente uns ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s outros.<br />

Por exemplo, junto ao refeitório da escola há um pequeno jardim onde se pode<br />

comer e conviver ao ar livre; as actividades exteriores (campos de jogos, recreios)<br />

são hierarquizadas pela proporção <strong>do</strong>s espaços e pela sua colocação precisa no<br />

desenho geral; há dezenas de vistas de profunda beleza, estan<strong>do</strong> no exterior <strong>do</strong>


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

edifício; ou no interior a olhar cá para fora, onde nunca parecemos estar dentro de<br />

Lisboa, mas num recanto em que a fruição da luz e da natureza nos é proporcionada<br />

sem esforço aparente.<br />

Desenhar após fotografar<br />

Beatriz Colomina afirma como é claro que «para <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> o mun<strong>do</strong> da<br />

comunicação não é secundário em relação ao da arquitectura construída. O mun<strong>do</strong><br />

da escrita não é secundário em relação ao mun<strong>do</strong> da arte (…) é precisamente na<br />

forma de comunicar as suas ideias que ele vestiu a identidade de artista moderno».<br />

O desenho teve um papel fundamental na apropriação por <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

exterior [usar auto-retrato dele para imagem]. Mas muitos <strong>do</strong>s desenhos, nota a<br />

investiga<strong>do</strong>ra, são feitos depois de fazer fotografias ou de usar reproduções de<br />

obras de arte e postais ilustra<strong>do</strong>s – e , na verdade, quer os desenhos quer as<br />

experiências arquitectónicas são concebidas de um mo<strong>do</strong> fotográfico<br />

A fotografia (conservou meio milhar de fotos tirada apenas entre 1907 e 1912) foi<br />

parte de um íntimo processo de produção da arquitectura. Inúmeras fotos são<br />

encontradas quer no início, quer no fim <strong>do</strong> trabalho. «Este processo começa, muitas<br />

vezes, com fotos como as que tirou nas suas viagens, que depois se tornaram em<br />

esboços e estes esboços em projectos».<br />

Se andar «cria uma diversidade no espectáculo que se abre perante os nossos<br />

olhos», como disse <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> na obra «Vers une architecture», e a visão é um<br />

instrumento de gravação [<strong>do</strong>s quadros que vamos apanhan<strong>do</strong>] «a janela é,<br />

sobretu<strong>do</strong>, comunicação. Ele, repetidamente, impõe a ideia de uma janela<br />

‘moderna’, a janela horizontal, a janela panorâmica» ligada à realidade <strong>do</strong>s novos<br />

media, «máquinas que permitem abolir o tempo e o espaço».<br />

O habitante é o coreógrafo da casa<br />

Como não interessar-se pelos filmes? «Os olhos modernos movem-se. Nos textos<br />

de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, a visão está sempre ligada ao movimento, ao ‘passeio<br />

arquitectónico’. O ponto de vista da arquitectura moderna nunca é fixa<strong>do</strong> (…) mas<br />

está sempre em movimento».<br />

O corre<strong>do</strong>r da Escola Padre António Vieira desenha<strong>do</strong> por Ruy Jervis Athouguia<br />

podia estar fixo se o conseguíssemos ver transversalmente, mas para quem o


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

percorre, é como se o corre<strong>do</strong>r andasse connosco. «São imagens como estruturas<br />

construídas» diz Colomina.<br />

São, como ele diz, «paredes de luz», quer dizer, «as paredes que definem o espaço<br />

já não são estruturas sólidas pontuadas por pequenas janelas mas foram<br />

desmaterializadas, reduzidas com as novas tecnologias construtivas e substituídas<br />

por extensas janelas, superfícies de vidro que definem o espaço», diz Colomina. «As<br />

janelas tomam conta das paredes como se fossem ecrãs de cinema». Na casa,<br />

máquina de habitar, desenrola-se um espectáculo que a deslocação <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r<br />

proporciona sempre na ânsia de descobrir o próximo pormenor.<br />

No caso da Villa Savoye, <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> descreveu-a como uma «caixa no ar»,<br />

dizen<strong>do</strong> Colomina que ela «pode estar em qualquer lugar. Num certo senti<strong>do</strong>, a casa<br />

é imaterial. A casa não é simplesmente construída como um objecto material a partir<br />

<strong>do</strong> qual é possível obter um conjunto de vistas. A casa é uma série de vistas<br />

coreografadas pelo visitante, tal como um realiza<strong>do</strong>r faz uma montagem de um filme<br />

ou um cura<strong>do</strong>r organiza pinturas numa galeria (…) A casa é um museu <strong>do</strong> século<br />

XX».<br />

«Peço desculpa, não estou de acor<strong>do</strong>»<br />

«Para um homem que sempre tentou atrair o máximo de audiência, a televisão nos<br />

inícios da década de 50 estava para lá <strong>do</strong> irresistível». Mas este fascínio «começou<br />

a esmorecer até se transformar em desinteresse e mesmo desprezo», à medida que<br />

lhe escapava das mãos a mínima possibilidade de controlar o mo<strong>do</strong> como podia<br />

comunicar.<br />

«Nos anos 60», diz Beatriz Colomina, «ele sentia-se completamente abusa<strong>do</strong> pela<br />

televisão, rejeitan<strong>do</strong> a maior parte das ofertas para aparecer», passan<strong>do</strong> a aceitar os<br />

convites que não exigiam a sua presença, apenas a da sua arquitectura.<br />

Colomina diz que <strong>Corbusier</strong> deixou de entender o mo<strong>do</strong> de funcionamento da<br />

televisão, invocan<strong>do</strong> que «nos programas ele usava a mesma técnica que<br />

desenvolveu para as suas conferências, muitas vezes desenhan<strong>do</strong> as suas ideias<br />

num quadro negro».<br />

Acrescenta a investiga<strong>do</strong>ra que lhe faltava o à vontade de arquitectos que lhe<br />

sucederam como Philip Johnson que, «tal como J.F. Kennedy e Andy Warhol era<br />

feito para [aparecer] na televisão» e que <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> «parecia rígi<strong>do</strong> [stiff]» no ecrã.<br />

Beatriz Colomina conta que, em 1953, numa carta à BBC, <strong>Corbusier</strong> escreve: «Peço<br />

imensa desculpa, mas não estou de acor<strong>do</strong> com a televisão. Não quero fazer uma<br />

conferência de arquitectura ou de urbanismo em cinco segun<strong>do</strong>s, é uma coisa<br />

fatigante e aborrecida (…) é melhor abster-me se é para pregar diante de quatro<br />

milhões de incompetentes. Já não tenho idade para esse tipo de cruzadas».<br />

«Rígi<strong>do</strong>», que também podemos entrever como severo, resoluto, firme, resistente,<br />

pouco fluí<strong>do</strong> e desconfortável, não remeteria para o conflito insanável <strong>do</strong><br />

espectáculo que a televisão promete da forma mais ‘natural’ mas feito através de<br />

mecanismos tão invisíveis quanto rígi<strong>do</strong>s, como o de que é preciso ‘falar simples’?<br />

Colomina diz que ele já não controla o meio, da mesma forma que o fazia em filmes,<br />

revistas ou <strong>livro</strong>s. Entre 1950 e a data da morte, recebeu pelo menos 56 convites<br />

para participar em programas de televisão, haven<strong>do</strong> evidência de ter apareci<strong>do</strong> em


mais de 25 programas.<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Colomina acrescenta, no seu trabalho de investigação, que «para<strong>do</strong>xalmente, é na<br />

televisão [que está] o mais frágil <strong>do</strong>s registos» <strong>do</strong> seu trabalho. Há na Fundação <strong>Le</strong><br />

<strong>Corbusier</strong> objectos tão anódinos como conchas que ele apanhou na praia mas não<br />

há gravações <strong>do</strong>s seus programas de televisão <strong>do</strong>s anos 50 e 60, tal como nos<br />

registos das próprias empresas emissoras» – um esplen<strong>do</strong>r exemplar da fragilidade<br />

autofágica da televisão.<br />

Pelo contrário, <strong>Corbusier</strong> armazenava tu<strong>do</strong>, «ten<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong> muito ce<strong>do</strong> cada traço<br />

de si e <strong>do</strong> seu trabalho que devia ser guarda<strong>do</strong>»: correspondência, contas de<br />

electricidade, postais, <strong>do</strong>cumentos legais, fotos, inúmeros objectos, revistas, <strong>livro</strong>s,<br />

recortes de jornais e uma infinidade de materiais pertencentes à Fundação com o<br />

seu nome – onde há 32 volumes <strong>do</strong> seu arquivo com 32 mil desenhos de<br />

arquitectura, urbanismo e mobiliário ou 73 cadernos de apontamentos com esboços<br />

feitos entre 1914 e 1964 entre os 450 mil <strong>do</strong>cumentos existentes.<br />

Textos consulta<strong>do</strong>s:<br />

Colomina, Beatriz, «Vers une architecture médiatique», <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>. The Art of<br />

Architecture, Vitra Design Museum (em colaboração com The Netherlands<br />

Architecture Institute e Royal Institute of British Architects), 2007<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, Conversa com os estudantes das escolas de arquitectura, Edições<br />

Cotovia, 2003<br />

«O que interessa são os edifícios»<br />

O historia<strong>do</strong>r William J.R. Curtis participou no lançamento de uma edição brasileira<br />

da sua monumental «Arquitectura moderna desde 1900».<br />

home<br />

is the house you build with your bones<br />

yes home is the house you build with your bones<br />

Simone White, I am the Man<br />

No segun<strong>do</strong> dia <strong>do</strong> <strong>seminário</strong> <strong>«Repensar</strong> <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>» (28 de Maio), o historia<strong>do</strong>r,<br />

pintor, fotógrafo, crítico e escritor inglês William J. R. Curtis participou no lançamento<br />

de uma versão brasileira (Bookman, uma chancela da Artmed editora) <strong>do</strong> seu <strong>livro</strong><br />

«Arquitectura moderna desde 1900», no Museu da Electricidade em Lisboa.<br />

Parecen<strong>do</strong> marginal relativamente à importância, por exemplo, da sua própria<br />

comunicação no <strong>seminário</strong>, a existência <strong>do</strong> <strong>livro</strong> em língua portuguesa é um acesso<br />

directo ao ponto de vista deste bem-humora<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r sobre o que significa a


arquitectura.<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Classifica-se como «autor itinerante que trabalha em muitos países», num texto de<br />

2007 de apresentação <strong>do</strong> seu <strong>livro</strong> em língua castelhana. «Arquitectura moderna<br />

desde 1900» ocupou-o mais de 25 anos e teve três edições (1982, 1987 e 1996),<br />

sen<strong>do</strong> a última «uma grande transformação» da obra, «fruto de uma rigorosa<br />

autocrítica e de uma revisão completa» que levaram ao acrescento de sete novos<br />

capítulos e ao redesenho editorial que incluiu mais de 800 ilustrações. Uma nova<br />

secção incluía a arquitectura até mea<strong>do</strong>s da década de 90 <strong>do</strong> século XX.<br />

Entre os aspectos da autocrítica «dei-me conta da simplificação excessiva da<br />

contribuição de Mies van der Rohe, de que não havia dito nada sobre a<br />

extraordinária qualidade de Erich Mendelsohn e praticamente nada sobre o papel de<br />

países como Portugal e Espanha».<br />

Capela de Notre Dame du Haut,<br />

Ronchamp, uma das inspirações<br />

primordiais de Frank Gehry,<br />

sem a qual o Museu Guggenheim<br />

não teria si<strong>do</strong> desenha<strong>do</strong><br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst, Bonn,<br />

2007<br />

Quan<strong>do</strong> o <strong>livro</strong> surgiu em 1982, «assombrava-me ver com que facilidade uma<br />

tendência sem substância [arquitectura pós-moderna] podia colonizar as mentes <strong>do</strong>s<br />

professores e estudantes».<br />

O <strong>livro</strong> foi concebi<strong>do</strong> como uma forma de «desmistificar a arquitectura moderna, de<br />

salvá-la <strong>do</strong>s seus próprios mitos e defensores, de evitar as caricaturas criadas pelos<br />

seus inimigos e pelos seus partidários e, afinal, de expor as coisas em toda a sua<br />

complexidade».<br />

No início da sua conferência no Museu da Electricidade, William J.R. Curtis disse<br />

que estava sempre a pensar em <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> mas que «é um pouco especulativo<br />

imaginar sobre como ele pode ser repensa<strong>do</strong>. Podemos fazê-lo através de textos,<br />

fotos, lembran<strong>do</strong>-o fisicamente ou lembran<strong>do</strong>-nos de nada – afirman<strong>do</strong> a sua<br />

presença na nossa mente».


A arte da história<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Um <strong>do</strong>s charmes de William J.R. Curtis é a boa disposição com que fala de coisas<br />

complexas com um tom de simplicidade sorridente. Outra, talvez mais substancial, é<br />

a forma como quer distanciar-se das ideias feitas. «[O <strong>livro</strong>] chegou a ser parte de<br />

uma identidade [minha] que respondia à necessidade de guardar uma certa<br />

distância em relação ao mun<strong>do</strong> académico, facilmente presa de modas intelectuais».<br />

Diz ele que «o <strong>livro</strong> procura desocultar a complexidade <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e torná-la<br />

inteligível. Não há lugar para o obscurantismo, as falsas teorias e o jargão».<br />

Catedral de Chartres, França.<br />

Os «maestros modernos [<strong>Corbusier</strong>, Wright,<br />

Mies, Aalto, Kahn] transformaram «as ideias<br />

básicas num novo sistema simbólico e formal,<br />

uma nova linguagem e uma expressão<br />

moderna»<br />

Imagem:<br />

http://www.sunrisemusics.com/paris.htm<br />

«Escrever história implica tanto usar a razão quanto a imaginação e to<strong>do</strong>s os<br />

pressupostos têm de submeter-se a um certo cepticismo. As teorias têm o seu papel<br />

mas um bom <strong>livro</strong>, como um bom edifício, nunca é a simples manifestação de uma<br />

posição previamente a<strong>do</strong>ptada», sublinha William J.R. Curtis.<br />

«O meu trabalho não se vincula a nenhuma escola de pensamento em particular e,<br />

ainda que as teorias tenham um papel, ficam em segun<strong>do</strong> plano. Afinal de contas, a<br />

escrita da história é uma arte em si e quan<strong>do</strong> um autor nos diz no prefácio de um<br />

<strong>livro</strong> que pertence a uma certa ‘escola’ intelectual, já sabemos que estamos a lidar<br />

com alguém que joga na segunda divisão».<br />

A sua obra foi também «um passaporte internacional que abriu muitas portas» e lhe<br />

permitiu ter acesso a tantas geografias diferentes (Harvard, Queensland, na<br />

Austrália, Beirute, onde «quase perdi a vida num ataque com ‘rockets’», Ardèche, no<br />

sul de França) quantas as que ele procura mapear diligentemente no seu <strong>livro</strong>.<br />

Frank Gehry disse-me<br />

No <strong>seminário</strong>, William J.R. Curtis contou uma conversa com Frank Gehry, numa<br />

ocasião de apresentação <strong>do</strong> Museu Guggenheim. «Ele disse-me que duas das suas<br />

inspirações primordiais eram a Catedral de Chartres [século XII] e a Capela de<br />

Ronchamp [Capela de Notre Dame du Haut, 1950] de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>. E acrescentou<br />

que nunca teria consegui<strong>do</strong> obter os espaços complexos e as geometrias curvas <strong>do</strong><br />

museu de Bilbau sem o exemplo de Ronchamp.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Também [o arquitecto japonês] Tadao An<strong>do</strong> falou a William J.R. Curtis <strong>do</strong> «impacto<br />

fundamental que sobre ele tiveram <strong>do</strong>is edifícios: o Panteão de Roma [originalmente<br />

<strong>do</strong> século I a.C.] e a Capela de Ronchamp, ambos descritos como ‘vazios de luz’.<br />

Que arquitectos mais opostos [poderíamos pressupor] atraí<strong>do</strong>s pelo mesmo? Cada<br />

um foi capaz de encontrar algo distinto no mesmo exemplo histórico. Ronchamp tem<br />

mais de 50 anos mas isso não é nada no desenvolvimento da história das formas».<br />

Foi por Ronchamp que William J.R. Curtis guiou por momentos a assistência – um<br />

momento de grande significa<strong>do</strong> da história da arquitectura que consegue fazer com<br />

que «as pessoas encontrem coisas diferentes para (re)pensar a arquitectura a partir<br />

<strong>do</strong> mesmo objecto».<br />

No referi<strong>do</strong> texto de 2007, William J.R. Curtis afirma que «os ‘maestros modernos’<br />

tinham uma extraordinária capacidade para transformar e metamorfosear o<br />

passa<strong>do</strong>», como é o caso de <strong>Corbusier</strong>, «profundamente em dívida com a história» –<br />

tal como Frank Gehry e Tadao An<strong>do</strong> se sentem inspira<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> examinam<br />

Ronchamp.<br />

Esses maestros modernos [<strong>Corbusier</strong>, Wright, Mies, Aalto, Kahn] transformaram «as<br />

ideias básicas num novo sistema simbólico e formal, uma nova linguagem e uma<br />

expressão moderna».<br />

«Eu diria que as melhores obras de arquitectura de qualquer tempo conseguem<br />

‘viver’ em diferentes níveis; cristalizam uma realidade com todas as suas<br />

contradições culturais; a<strong>do</strong>ptam uma posição em relação às obsessões <strong>do</strong> momento<br />

e apresentam-nos visões inova<strong>do</strong>ras de futuros possíveis. Mas também transformam<br />

os ensinamentos da arquitectura moderna anterior: ideias espaciais, conceitos<br />

estruturais e imagens (…) e talvez questionem a própria natureza da arquitectura se<br />

tiverem qualidades que transcendem o espaço e o tempo», diz o historia<strong>do</strong>r.<br />

Respigar o passa<strong>do</strong> para ser moderno<br />

«Ao longo da história da arquitectura moderna, os arquitectos convocaram com<br />

frequência ideias vanguardistas para criar o mun<strong>do</strong> de novo mas quan<strong>do</strong> se tratou<br />

de dar forma real às ideias inevitavelmente remeteram-se às obras <strong>do</strong>s seus<br />

antecessores».<br />

Para William J.R. Curtis, a «transformação inventiva de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>» é «uma vasta<br />

obra de observações e imaginação, que resulta num encantamento mágico. Ele é<br />

obceca<strong>do</strong> por história, por toda a cultura antiga. Ele dizia: só tenho um mestre, o<br />

passa<strong>do</strong>».


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

Pavilhão Philips na Exposição Mundial<br />

de Bruxelas em 1958, já destruí<strong>do</strong>.<br />

No seu trabalho, <strong>Corbusier</strong> não fez uma<br />

ruptura com a história como aparentam<br />

as suas maravilhosas propostas<br />

arquitectónicas. Recriou antes «os<br />

lugares de representação e glorificação<br />

<strong>do</strong> colectivo que estiveram na origem da<br />

nossa cultura»<br />

Imagem: FLC/VG Bild-Kunst, Bonn, 2007<br />

A arquitecta Marta Sequeira, que se prepara para defender, na Universidade da<br />

Catalunha, uma tese de <strong>do</strong>utoramento sobre a cobertura da Unidade de Habitação<br />

de Marselha (1945), afirma «que é comum a ideia de que existe uma ‘ruptura em<br />

relação à história’ na génese <strong>do</strong>s lugares públicos das cidade de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> e de<br />

que os seus espaços preconizam uma separação entre o seu tempo e a experiência<br />

precedente».<br />

Mas, na verdade, o arquitecto franco-suíço «não faz mais que recriar a<br />

espacialidade grandiosa e pitoresca <strong>do</strong>s lugares públicos da Antiguidade, os lugares<br />

de representação e glorificação <strong>do</strong> colectivo que estiveram na origem da nossa<br />

cultura e que constituem o âmago da nossa tradição: a praça pública grega e o<br />

fórum romano».<br />

Marta Sequeira escreve que, «através de um apura<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> histórico mas também<br />

de abstracção (…)», e contrarian<strong>do</strong> «um enreda<strong>do</strong> de ideias preconcebidas,<br />

demonstra-se que o lugar público de congregação de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />

imediatamente a seguir à Segunda Guerra não só não estabelece uma cisão com o<br />

passa<strong>do</strong> histórico como constitui o testemunho da inabalável continuidade da<br />

criação humana ao longo de to<strong>do</strong>s os tempos».<br />

<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> passava longo tempo coleccionan<strong>do</strong> fragmentos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />

respigan<strong>do</strong> imagens aqui e objectos ali, procuran<strong>do</strong> o que o rodeava. «Na verdade»,<br />

diz William J.R. Curtis, descubro nos seus desenhos esquemáticos as ideias que irá<br />

desenvolver mais tarde. É claro que para descodificar esses esquissos preciso saber<br />

o que significam as linhas que ele desenhou».<br />

Outro respiga<strong>do</strong>r, Curtis vai buscar desenhos e apontamentos e tentar saber em que<br />

circunstância os fez <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, poden<strong>do</strong> demonstrar que um desenho veio a<br />

tornar-se numa ideia para um projecto mais tarde.<br />

Um <strong>do</strong>s lega<strong>do</strong>s de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> fala-nos de como as nossas influências podem<br />

tornar-se vivas e actuantes a qualquer momento mesmo depois de terem si<strong>do</strong><br />

soterradas com camadas de tempo, história e ilusão.


O que interessa são os edifícios<br />

Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

William J.R. Curtis: «O que conta são os edifícios<br />

e não as declarações teóricas, confusas e<br />

frequentemente pretensiosas de arquitectos e <strong>do</strong>s<br />

respectivos adula<strong>do</strong>res e críticos»<br />

Imagem:http://blog<strong>do</strong>alencastro.blogspot.com/<br />

2008/04/hiperinflao.html<br />

’Arquitectura moderna desde 1900’ «examina uma transição e um ponto de inflexão<br />

importantes na história da arquitectura: o aparecimento da chamada ‘arquitectura<br />

moderna’. Este fenómeno é inseparável da modernização tecnológica e <strong>do</strong> processo<br />

de urbanização. Mas a arquitectura moderna nunca foi monolítica e não pode ficar<br />

enredada em termos simplistas como o ‘funcionalismo’ e o chama<strong>do</strong> ‘estilo<br />

internacional’».<br />

Uma parte <strong>do</strong> <strong>livro</strong> contém capítulos sobre o passa<strong>do</strong> mais recente (1980-1995).<br />

«Poderia dizer que atribuo muito mais importância ao que os arquitectos constroem<br />

<strong>do</strong> que ao que dizem. A arquitectura comunica em silêncio mas muitos arquitectos<br />

contemporâneos a<strong>do</strong>ram fazer ruí<strong>do</strong>».<br />

«O que conta são os edifícios e não as declarações teóricas, confusas e<br />

frequentemente pretensiosas de arquitectos e <strong>do</strong>s respectivos adula<strong>do</strong>res e<br />

críticos», diz William J.R. Curtis.<br />

A obra [«Arquitectura moderna desde 1900»] ocupa-se da «reconstrução <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> mas também insiste na presença <strong>do</strong>s edifícios (…) o que sugere que são<br />

os próprios edifícios que constituem a matéria primordial para o historia<strong>do</strong>r de<br />

arquitectura».<br />

«Os edifícios conferem materialidade aos mitos em formas e em espaços<br />

expressivos».<br />

«Pensar e escrever a história implica uma oscilação constante entre os da<strong>do</strong>s e a<br />

opinião, entre análises detalhadas e interpretações amplas, entre indução [raciocínio<br />

de que se retira uma conclusão genérica] e dedução», diz William J.R. Curtis.


Ordem <strong>do</strong>s Arquitectos – Secção Regional Sul<br />

«Vivemos em tensão crítica com o que foi o passa<strong>do</strong> e tentamos manter à distância<br />

as ilusões e as decepções <strong>do</strong> nosso tempo. Não há nada mais restritivo e<br />

provinciano <strong>do</strong> que o presente».<br />

Textos consulta<strong>do</strong>s:<br />

- Carneiro, Marta Sequeira, «A cobertura da Unité d’ Habitation de Marselha e a<br />

pergunta de <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> pelo lugar público. Resumo da Tese de<br />

Doutoramento», 4 Abril 2008<br />

- Curtis, William J.R., «La perspectiva de um historia<strong>do</strong>r sobre la arquitectura<br />

moderna», tradução de Jorge Sainz, Janeiro de 2007<br />

‘<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong>, Arte da Arquitectura’ até 17 Agosto<br />

A exposição <strong>do</strong> Museu Colecção Berar<strong>do</strong> para descobrir e duas visitas guiadas a 12<br />

e 26 de Julho<br />

A exposição no Museu Colecção Berar<strong>do</strong>, «<strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> – Arte da Arquitectura», no<br />

CCB em Lisboa, é uma grande retrospectiva organizada em três módulos<br />

(Contextos; Privacidade e Publicidade; Arte Construída), que pretende oferecer um<br />

conhecimento alarga<strong>do</strong> sobre as ligações entre <strong>Le</strong> <strong>Corbusier</strong> e arquitectura,<br />

urbanismo, pintura, design, cinema e outras disciplinas.<br />

É uma exposição <strong>do</strong> Vitra Design Museum Weil Am Rhein (Alemanha) organizada<br />

em colaboração com o RIBA (Royal Institute of British Architects) e o NAI Rotterdam<br />

(Netherlands Architecture Institute) que vai estar no Museu Colecção Berar<strong>do</strong> até 17<br />

de Agosto (abriu a 19 de Maio). Começou por ser apresentada na cidade holandesa<br />

de Roterdão em Maio de 2007 transitan<strong>do</strong> para o Vitra Museum de Setembro de<br />

2007 até Fevereiro deste ano. Depois da presença em Lisboa, ruma a Liverpool e<br />

encerra em Londres.<br />

O núcleo mais expressivo da exposição inclui 20 pinturas originais, oito esculturas,<br />

peças de mobiliário, cerca de 80 desenhos originais e 70 objectos da colecção<br />

particular <strong>do</strong> arquitecto. As obras arquitectónicas mais relevantes estão<br />

representadas com maquetas originais. Algumas são propositadamente feitas para<br />

esta exposição.<br />

O programa <strong>do</strong> serviço educativo <strong>do</strong> Museu Colecção Berar<strong>do</strong> organiza visitas à<br />

exposição para o público escolar.<br />

O Museu Colecção Berar<strong>do</strong> tem em curso um ciclo de visitas guiadas à exposição,<br />

inicia<strong>do</strong> a 31 de Maio. Sempre às 16h, as últimas visitas são guiadas Michel<br />

Toussaint (12 Julho) e Fernan<strong>do</strong> Sanchez Salva<strong>do</strong>r (26 Julho).

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