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As Ironias da Fortuna - UC Digitalis - Universidade de Coimbra

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<strong>As</strong> ironias <strong>da</strong> <strong>Fortuna</strong> 57<br />

caçadores <strong>de</strong> heranças que sobre eles caem <strong>de</strong> todos os lados (124.2).<br />

A <strong>de</strong>ban<strong>da</strong><strong>da</strong> referi<strong>da</strong> no poema não se dá apenas no plano humano.<br />

Os próprios <strong>de</strong>uses se <strong>de</strong>ixam contagiar: Pax (v. 249), Fi<strong>de</strong>s (v. 252),<br />

lustitia e Coneordia (v. 253) abandonam a terra. O seu lugar é ocupado<br />

por Erinys (v. 255), Bellona e Megaera (v. 256), Letum, lnsidiae e<br />

a luri<strong>da</strong> Mortis imago (v. 257), Furor (v. 258).60<br />

Não são estas as presenças e as ausências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> do Satyrieon?<br />

É certo que personificações do bem e do mal são frequentes na<br />

tradição épica, mas ain<strong>da</strong> assim não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser significativas. Os<br />

<strong>de</strong>mais <strong>de</strong>uses encontram-se no poema para preencherem a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma maquinaria divina, como aconselha Eumolpo (118.6).<br />

Todos, à excepção <strong>de</strong> um, que é o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro móbil <strong>da</strong> acção do<br />

Bellum ciuile, bem como <strong>de</strong> todo o romance: a <strong>Fortuna</strong>. Da sua<br />

importância se falará no cap. VI.<br />

Um facto que po<strong>de</strong>rá ter certo interesse é o curioso número <strong>de</strong><br />

versos <strong>de</strong>ste poema: 295. Ao apresentar um poema <strong>de</strong> 295 versos, em<br />

vez <strong>de</strong> lhe acrescentar (seria fácil) mais cinco para obter um número<br />

redondo,61 talvez Petrónio tenha querido sugerir que a composição<br />

estava inacaba<strong>da</strong>. Esta conjectura encontra apoio no texto. Recor<strong>de</strong>m­<br />

-se as últimas palavras <strong>de</strong> Eumolpo, antes <strong>de</strong> iniciar a <strong>de</strong>clamação que<br />

preten<strong>de</strong> ser um exemplo <strong>da</strong> melhor forma <strong>de</strong> compor um poema sobre<br />

a guerra civil (118.6):<br />

tamquam, si placet, hic impetus, etiam si nondum recepit ultimam<br />

manum.<br />

Algo, se quiserem, à maneira <strong>de</strong>ste improviso, se bem que ain<strong>da</strong><br />

não tenha recebido a última <strong>de</strong>mão.<br />

A interpretação imediata é a <strong>de</strong> que o poema foi escrito <strong>de</strong> um<br />

fôlego e ain<strong>da</strong> não sofreu a necessária acção do labor limae. Mas<br />

outra po<strong>de</strong> ser aponta<strong>da</strong>: esta composição está por se cumprir, o <strong>de</strong>sfecho<br />

ain<strong>da</strong> não foi <strong>da</strong>do. E não convém esquecer que quem entra em<br />

Crotona/Roma quando a <strong>de</strong>clamação termina é o grupo <strong>de</strong> Eumolpo<br />

(124.2): Cum haee Eumolpos ingenti uolubilitate uerborum effudisset,<br />

tan<strong>de</strong>m Crotona intrauimus. 62 Como o combate a travar nesta Roma<br />

60 Quadro semelhante se po<strong>de</strong> ver no mito <strong>da</strong>s cinco i<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Hesíodo: na pior <strong>de</strong>las,<br />

a quinta. Cf. Trabalhos e Dias, 190-20l.<br />

61 Além do mais, é um múltiplo <strong>de</strong> três, número mágico, que talvez tenha alguma<br />

importância no romance, como no cap. V se salientará. Por outro lado, o esquema<br />

<strong>da</strong> triplicação é um recurso frequente em Petrónio. Cf. e.g. Rosalba Dimundo, "II<br />

per<strong>de</strong>rsi e iI ritrovarsi <strong>de</strong>i percorsi narrativi (Petronio, 140. l-II)", Aufidus 2<br />

(1987) 47-62, p. 57. Ain<strong>da</strong> assim, a regra não se aplica à Troiae halosis, que tem<br />

65 versos.<br />

62 'Quando, com notável tlui<strong>de</strong>z <strong>de</strong> discurso, Eumolpo <strong>de</strong>u vazante a estes versos,<br />

entrámos finalmente em Crotona.'<br />

Obra protegi<strong>da</strong> por direitos <strong>de</strong> autor

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