07.04.2013 Views

As Ironias da Fortuna - UC Digitalis - Universidade de Coimbra

As Ironias da Fortuna - UC Digitalis - Universidade de Coimbra

As Ironias da Fortuna - UC Digitalis - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>As</strong> ironias <strong>da</strong> <strong>Fortuna</strong> 55<br />

Crotona - nam aut captantur aut captant - não será um espelho fiel<br />

<strong>da</strong>s relações que se estabelecem ao longo do romance?<br />

Consi<strong>de</strong>rem-se mais alguns exemplos. Nos vv. 14-18 refere-se a<br />

procura <strong>de</strong> animais para os jogos <strong>de</strong> circo; a fome <strong>da</strong>s feras é, frequentemente,<br />

sacia<strong>da</strong> com sangue humano. Mais à frente (vv. 39-42),<br />

recor<strong>da</strong>-se que o apoio e o voto dos ci<strong>da</strong>dãos estão com quem melhor<br />

recompensa <strong>de</strong>r. Não são essas i<strong>de</strong>ias as que se encontram expressas<br />

na fala <strong>de</strong> alguns dos libertos, sobretudo nas intervenções <strong>de</strong> Ganime<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong> Equíon (44.1-45.13)? E que dizer <strong>de</strong> Habinas, a quem parece<br />

bem esta reflexão (66.6): Et si [ .... ] ursus homuncionem comest,<br />

quanto magis homuncio <strong>de</strong>bet ursum comesse ?52 Mais pungente ain<strong>da</strong><br />

será a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> trazi<strong>da</strong> no final <strong>da</strong> parte conserva<strong>da</strong> do romance.<br />

Nos vv. 20-23 censura-se a castração, mas é Gíton quem, na luta<br />

a bordo do barco, mima esta drástica solução (l08.1O). Quaerit se<br />

natura nec inuenit:53 não são o mesmo Gíton e Encólpio amantes, ora<br />

<strong>de</strong> mulheres, ora <strong>de</strong> homens?54 Os requintes que se vituperam nos<br />

vv. 24-26 (omnibus ergo / scorta placent fractique enerui corpore<br />

gressus / et laxi crines)55 não são os mesmos que fazem com que<br />

Encólpio/Polieno caia nas boas graças <strong>de</strong> Circe (126.1-2)? Estes paralelos<br />

favorecem a hipótese <strong>de</strong> que a diatribe é mais contra os costumes<br />

<strong>da</strong> Roma imperial que <strong>da</strong> Roma republicana.<br />

Na sequência <strong>da</strong>s informações colhi<strong>da</strong>s pelos anti-heróis, o uilicus<br />

acrescenta (116.9):<br />

Adibitis [ .... ] oppidum tamquam in pestilentia campos, in quibus<br />

nihil aliud est nisi ca<strong>da</strong>uera quae lacerantur aut corui qui lacerant.<br />

Vocês dirigem-se [ .... ] a uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> semelhante aos campos<br />

assolados pela peste, on<strong>de</strong> na<strong>da</strong> mais há além <strong>de</strong> cadáveres que estão a<br />

ser dilacerados ou corvos que os dilaceram.<br />

Crotona é um mundo estéril on<strong>de</strong> se não cura <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas simplesmente<br />

se espera que as pessoas morram, para lhes po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vorar<br />

os haveres. No poema <strong>de</strong> Eumolpo, a <strong>de</strong>scrição do mundo infernal<br />

(vv. 71 -75) abre um paralelo com este cenário <strong>de</strong> morte. Depois do<br />

discurso <strong>de</strong> César, começam os presságios <strong>de</strong> bom augúrio. Entre eles<br />

52 'Ora [ .... ] se o urso <strong>de</strong>vora o pobre do homem, com mais razão não <strong>de</strong>ve o pobre do<br />

homem <strong>de</strong>vorar o urso?' Isto é: homens que <strong>de</strong>voram ursos que <strong>de</strong>voram homens.<br />

Antropofagia em segundo grau.<br />

53 V. 24: 'An<strong>da</strong> à procura <strong>de</strong> si a natureza e não se encontra.'<br />

54 Cf. os <strong>de</strong>sabafos <strong>de</strong> Encólpio (81 .5) e a paixão que, em Crotona, nutre por Circe.<br />

55 'A todos, portanto, agra<strong>da</strong>m as meretrizes e os passos on<strong>de</strong>antes <strong>de</strong> um corpo<br />

efeminado e os cabelos soltos.'<br />

Obra protegi<strong>da</strong> por direitos <strong>de</strong> autor

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!