Antropologia e sexualidade - Miguel Vale de Almeida.pdf
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ANTROPOLOGIA E SEXUALIDADE<br />
Consensos e Conflitos Teóricos em Perspectiva Histórica<br />
<strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong><br />
A maior parte dos antropólogos sociais e culturais concordarão com a<br />
dúvida <strong>de</strong> que a <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> possa, em si mesma, constituir um<br />
objecto <strong>de</strong> estudo 1 . “Em si mesma” significa isolada <strong>de</strong> instituições e<br />
práticas sobre as quais a <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> “fala” e que são “faladas”<br />
através do idioma da <strong>sexualida<strong>de</strong></strong>. Assim, e para lá do postulado<br />
central da antropologia que leva à abordagem dos discursos e práticas<br />
humanas em socieda<strong>de</strong> como formas <strong>de</strong> significação cultural – don<strong>de</strong>,<br />
variável e relativa consoante as formações sociais – a disciplina tem<br />
abordado o que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar como “<strong>sexualida<strong>de</strong></strong>” no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong><br />
investigações sobre instituições e práticas outras, a saber, o<br />
parentesco, a família e, mais tar<strong>de</strong>, o género.<br />
Mais recentemente, a <strong>sexualida<strong>de</strong></strong> conquistou alguma<br />
autonomia como campo <strong>de</strong> inquérito <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>finição do sexual<br />
como facto social atravessado por tensões e conflitos i<strong>de</strong>ntitários,<br />
sobretudo nas socieda<strong>de</strong>s chamadas mo<strong>de</strong>rnas e oci<strong>de</strong>ntais (ainda que<br />
a globalização permita o atenuar <strong>de</strong>ssas supostas fronteiras<br />
tipológicas). Quer as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> género, quer as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s com<br />
base na orientação sexual têm vindo a ser abordadas pela antropologia<br />
contemporânea como arenas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, correlacionadas<br />
e correlacionáveis com outros níveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, diferenciação e<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, como a “raça”/etnicida<strong>de</strong>, a classe social, a ida<strong>de</strong> ou o<br />
estatuto. Esta tendência vai no sentido <strong>de</strong> realçar a permeabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stes campos uns pelos outros. Assim, é comum fazer análises das<br />
metáforas e analogias sexuais nos discursos do nacionalismo ou do<br />
colonialismo, por exemplo.<br />
Seja como for, as abordagens contemporâneas da <strong>sexualida<strong>de</strong></strong><br />
em antropologia mantêm os pressupostos da disciplina relativos à<br />
1 Parte substancial dos materiais utilizados para este texto provêm do meu livro Senhores <strong>de</strong> Si:<br />
Uma Interpretação Antropológica da Masculinida<strong>de</strong>, Lisboa: Fim <strong>de</strong> Século, 2000 (segunda<br />
edição).<br />
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