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Antropologia e sexualidade - Miguel Vale de Almeida.pdf

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4.Desconstruções Sexuais.<br />

Nas socieda<strong>de</strong>s cosmopolitas do Oci<strong>de</strong>nte, sobretudo no mundo<br />

anglo-saxónico, o século XXI começou marcado pela i<strong>de</strong>ia “queer”,<br />

num propósito explícito <strong>de</strong> recusar o alinhamento segundo categorias<br />

específicas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Esta posição é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo colocada como<br />

antagónica <strong>de</strong> categorias mais estáveis e reconhecíveis, como ‘lésbica’<br />

ou ‘gay’. Os estudos gay e lésbicos – uma área surgida na esteira dos<br />

women’s studies - seriam alvo <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> queering, processo<br />

esse que nos é apresentado como constituindo um violento <strong>de</strong>bate,<br />

entre os que dizem que esse processo preten<strong>de</strong> acabar com os últimos<br />

traços <strong>de</strong> uma coerência <strong>de</strong> género opressiva, e os que criticam o<br />

queer como reaccionário e mesmo não-feminista.<br />

Propondo uma <strong>de</strong>finição, Jagose 23 diz que «queer <strong>de</strong>screve os<br />

gestos ou mo<strong>de</strong>los analíticos que dramatizam as incoerências nas<br />

relações supostamente estáveis entre sexo cromossomático, género e<br />

<strong>de</strong>sejo sexual» (1996:3). No entanto, esta <strong>de</strong>finição é indissociável <strong>de</strong><br />

uma tomada <strong>de</strong> posição epistemológica: «A teoria queer...<strong>de</strong>senvolvese<br />

a partir <strong>de</strong> um reor<strong>de</strong>namento gay e lésbico das representações pósestruturalistas<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como constelação <strong>de</strong> posições múltiplas e<br />

instáveis” (1996:3). O problema está pois colocado – a meu ver -<br />

como uma tensão: como é possível subscrever a maleabilida<strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntitária a partir <strong>de</strong> movimentos e teorias que tentaram validar a<br />

existência (e <strong>de</strong>finição) <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s minoritárias? Sobretudo,<br />

quando esse carácter minoritário (relacionado com a marginalização, a<br />

falta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, etc.) parece necessitar quer do paradigma “étnico”,<br />

quer <strong>de</strong> um certo grau <strong>de</strong> “essencialismo estratégico”?<br />

De facto, os <strong>de</strong>bates sobre o que constitui a homos<strong>sexualida<strong>de</strong></strong><br />

(à semelhança daqueles sobre o género) po<strong>de</strong>m ser vistos em termos<br />

<strong>de</strong> uma negociação entre posições essencialistas e posições<br />

construcionistas. Enquanto as primeiras encaram a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como<br />

natural, fixa e inata, as segundas enten<strong>de</strong>m-na como fluida e como<br />

efeito do condicionamento social e dos mo<strong>de</strong>los culturais disponíveis.<br />

A posição da autora – e a minha – é que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não é<br />

uma categoria empírica <strong>de</strong>monstrável, mas sim o produto <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação em ambiente <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sigual.<br />

23 Jagose, A., 1996, Queer Theory. An Introduction, Nova Iorque: New York University Press.<br />

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