Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa
Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa
Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Medida</strong> e Integração<br />
Manuel Ricou<br />
Departamento <strong>de</strong> Matemática<br />
Instituto Superior Técnico<br />
Abril 2009
Prefácio<br />
Mas antes do mais: o que enten<strong>de</strong>mos por b<br />
a f(x)dx?<br />
Bernhard Riemann, 1854<br />
A pergunta acima foi formulada por Bernhard Riemann no trabalho em<br />
que <strong>de</strong>finiu o que hoje chamamos o “integral <strong>de</strong> Riemann”. O objectivo<br />
do presente texto é, sobretudo, o <strong>de</strong> expor respostas que esta pergunta tem<br />
tido no <strong>de</strong>curso dos últimos 150 anos, e sugerir, mesmo que parcialmente, o<br />
enorme impacto que as correspon<strong>de</strong>ntes investigações tiveram na evolução<br />
da Matemática, durante este mesmo período.<br />
A compreensão <strong>de</strong> qualquer área da Matemática é facilitada pelo reconhecimento<br />
prévio do contexto que a viu nascer. No caso da Teoria da Integração,<br />
esse contexto abrange um período temporal particularmente longo.<br />
Na realida<strong>de</strong>, diversos problemas <strong>de</strong> Geometria e Estática, resolvidos na<br />
Antiguida<strong>de</strong> Clássica com recurso ao chamado “método <strong>de</strong> exaustão”, e<br />
envolvendo o cálculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas áreas, volumes, e centros <strong>de</strong> massa,<br />
correspon<strong>de</strong>m, na terminologia mo<strong>de</strong>rna, ao cálculo <strong>de</strong> integrais. Por esta<br />
razão, a Teoria da Integração é certamente uma das mais antigas áreas da<br />
Matemática, e beneficia <strong>de</strong> raízes heurísticas muito sugestivas, que ajudam<br />
ao seu entendimento.<br />
A Teoria da Integração começou a tomar a sua forma mo<strong>de</strong>rna no século<br />
XVII, com os trabalhos <strong>de</strong> Newton e Leibnitz, e <strong>de</strong> percursores como Fermat<br />
e Barrow. Data <strong>de</strong>ste período a surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>scoberta que, mais do que<br />
qualquer outra, marca o nascimento do Cálculo Infinitesimal: a integração e<br />
a diferenciação são operações inversas uma da outra, o que ainda hoje <strong>de</strong>screvemos<br />
no que dizemos serem os “Teoremas Fundamentais do Cálculo”.<br />
Datam também <strong>de</strong>ste período as primeiras aplicações do Cálculo a questões<br />
científicas fundamentais, muito em especial a Teoria da Gravitação Universal,<br />
do próprio Newton, um marco ímpar na história do pensamento humano.<br />
Foi apenas nos finais do século XVIII que a sofisticação dos problemas<br />
a estudar se começou a revelar incompatível com a informalida<strong>de</strong> e falta <strong>de</strong><br />
rigor com que até aí tinham sido tratadas as noções mais básicas do Cálculo<br />
Infinitesimal. Nos primeiros anos do século XIX, o gran<strong>de</strong> matemático<br />
Cauchy iniciou um cuidadoso exame das i<strong>de</strong>ias mais centrais do Cálculo,<br />
como as <strong>de</strong> limite, <strong>de</strong>rivada, integral, e continuida<strong>de</strong>, efectivamente lançando<br />
i
ii Prefácio<br />
as bases da nossa práctica actual. Neste processo, apresentou a primeira<br />
<strong>de</strong>finição satisfatória <strong>de</strong> integral, se bem que restringindo a sua aplicação a<br />
funções contínuas. O <strong>de</strong>senvolvimento da Teoria da Integração acelerou-se<br />
novamente a partir dos meados do século XIX, em especial a partir da publicação<br />
do trabalho <strong>de</strong> Riemann que mencionámos, <strong>de</strong>sta vez sob a pressão<br />
<strong>de</strong> difíceis problemas <strong>de</strong> natureza teórica, suscitados pelas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Fourier<br />
sobre as séries que hoje têm o seu nome. Muito naturalmente, a questão <strong>de</strong><br />
saber quais as funções que po<strong>de</strong>m ser representadas por séries <strong>de</strong> Fourier,<br />
originada por sua vez por questões mais “práticas” relativas à resolução das<br />
principais equações diferenciais parciais da Física Matemática, levava inevitavelmente<br />
a uma reapreciação da própria noção <strong>de</strong> “função”. Requeria<br />
também a integração <strong>de</strong> funções sobre as quais não parecia razoável impôr<br />
condições <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> se <strong>de</strong>svirtuarem alguns dos principais<br />
objectivos das investigações em curso. A pergunta <strong>de</strong> Riemann que<br />
citámos acima é um reflexo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> preocupações.<br />
A Teoria da Integração tornou-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então um motor importante na<br />
crescente axiomatização e abstracção da Matemática, estas últimas particularmente<br />
evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os finais do século XIX. A título <strong>de</strong> ilustração,<br />
o clássico Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer, <strong>de</strong>monstrado sob diversas formas no<br />
período 1907-1910, revelou uma profunda analogia entre, por um lado, sofisticadas<br />
construções matemáticas formadas por (classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>)<br />
funções somáveis e, por outro, objectos tão “simples” como a recta real,<br />
estudados há mais <strong>de</strong> 25 séculos. Em certo sentido, este teorema mostra<br />
que as funções somáveis “no sentido <strong>de</strong> Lebesgue” completam as funções<br />
integráveis “no sentido <strong>de</strong> Riemann”, precisamente como os números reais<br />
completam os números racionais. Resultados <strong>de</strong>sta natureza foram, e são,<br />
convites abertos à criação e estudo <strong>de</strong> novas entida<strong>de</strong>s abstractas, que permitem<br />
a exploração <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> analogia <strong>de</strong> forma sistemática, rigorosa, e<br />
muito eficiente do ponto <strong>de</strong> vista intelectual.<br />
Hoje, a Teoria da Integração é certamente um dos blocos fundamentais<br />
da Matemática, e é especialmente relevante para múltiplas das suas áreas<br />
fundamentais e aplicadas, como a Análise Funcional, o Cálculo <strong>de</strong> Variações,<br />
as Equações Diferenciais, e a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. As suas i<strong>de</strong>ias<br />
repercutem-se em algumas das teorias mais centrais da Física Mo<strong>de</strong>rna, e são<br />
prevalentes no esclarecimento <strong>de</strong> questões oriundas da Engenharia. Afinal<br />
<strong>de</strong> contas, o “espaço <strong>de</strong> estados” do átomo <strong>de</strong> hidrogénio, o mais simples<br />
átomo da natureza, é um espaço <strong>de</strong> (classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>) funções<br />
<strong>de</strong> quadrado somável no sentido <strong>de</strong> Lebesgue, e o exemplo mais clássico<br />
na literatura actual <strong>de</strong> um problema variacional <strong>de</strong> “<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> livre”<br />
resulta <strong>de</strong> trabalhos sobre reconhecimento <strong>de</strong> imagens por computador.( 1 )<br />
Pelas razões acima, a Teoria da Integração é naturalmente uma parte<br />
1 D.Mumford e J.Shaw, Boundary Detection by Minimizing Functionals, IEEE Conference<br />
on Computer Vision and Pattern Recognition, San Francisco 1985.
Prefácio iii<br />
importante da formação dos alunos da Licenciatura em Matemática Aplicada<br />
e Computação (LMAC) do IST, e foi sobretudo para estes alunos que o<br />
presente texto foi escrito. O ensino da Teoria da Integração no contexto do<br />
3 o ano da LMAC sempre representou para o autor um <strong>de</strong>safio e uma oportunida<strong>de</strong><br />
muito interessantes, que se po<strong>de</strong> resumir nas seguintes questões:<br />
• Como conciliar a necessida<strong>de</strong> prática <strong>de</strong> apresentar uma área difícil e<br />
extensa, indispensável à formação dos alunos, sem a <strong>de</strong>sligar da sua<br />
base intuitiva, e sem a tornar <strong>de</strong>masiado difícil para a maioria dos<br />
estudantes?<br />
• Como transformar o nível <strong>de</strong> abstracção da teoria, <strong>de</strong> um obstáculo<br />
à sua compreensão, em uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r melhor o crescente<br />
papel da abstracção na Matemática contemporânea?<br />
• Como aproveitar o estudo <strong>de</strong>sta teoria para apresentar a Matemática<br />
não como um saber estático, mas como um processo dinâmico e apaixonante<br />
<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas metáforas da realida<strong>de</strong> física, <strong>de</strong><br />
crescente sofisticação e subtileza?<br />
Na sua mo<strong>de</strong>sta tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a estas questões, o autor socorreuse<br />
com frequência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e comentários dos principais criadores da teoria,<br />
em especial Henri Lebesgue e Emile Borel. Em particular, o texto está<br />
escrito, mesmo nas secções mais abstractas, no respeito rigoroso pelo que<br />
Lebesgue chamava a “<strong>de</strong>finição geométrica” do integral, que não é outra<br />
senão a i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre muito satisfatória do ponto <strong>de</strong> vista intuitivo,<br />
que, para qualquer função não-negativa f,<br />
Integral da função f = <strong>Medida</strong> da região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f.<br />
Enten<strong>de</strong>mos aqui a palavra “medida” como significando “área”, “volume”,<br />
ou o análogo apropriado <strong>de</strong>stas noções em espaços <strong>de</strong> dimensão mais elevada.<br />
A apresentação da teoria não segue assim o percurso que é hoje mais<br />
tradicional, e é importante enten<strong>de</strong>r que alguns resultados básicos assumem<br />
por vezes um papel diferente, menos convencional, no seu <strong>de</strong>senvolvimento:<br />
veja-se como ilustração o Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, tal como é enunciado<br />
e <strong>de</strong>monstrado no Capítulo 3, para a medida <strong>de</strong> Lebesgue em R N .<br />
É apenas<br />
após a sua apresentação que encontramos neste texto, pela primeira vez, o<br />
resultado, aqui um teorema, que é usualmente tomado como a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
“função Lebesgue-mensurável”. A técnica que seguimos permite ainda uma<br />
<strong>de</strong>monstração muito simples dos resultados clássicos sobre “limites e integrais”,<br />
o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, ou da Convergência Monótona, o lema <strong>de</strong><br />
Fatou, e o teorema <strong>de</strong> Lebesgue, ou da Convergência Dominada, e evi<strong>de</strong>ncia<br />
a sua relação directa com as i<strong>de</strong>ias mais básicas da Teoria da <strong>Medida</strong>. Por<br />
outras palavras, revela que estas proprieda<strong>de</strong>s são essencialmente a chamada
iv Prefácio<br />
“σ-aditivida<strong>de</strong>”, esta uma proprieda<strong>de</strong> comum a qualquer medida, e observada<br />
e registada com muita clareza por Borel.<br />
A exposição inspira-se em múltiplos aspectos no <strong>de</strong>senvolvimento histórico<br />
da Teoria, e esforça-se por <strong>de</strong>ixar clara a continuida<strong>de</strong> entre as teorias <strong>de</strong><br />
integração <strong>de</strong> Riemann e <strong>de</strong> Lebesgue. Em especial, e repetindo fielmente o<br />
próprio Lebesgue, a sua teoria é apresentada como uma evolução “natural”<br />
da <strong>de</strong> Riemann, sobretudo enquanto adaptação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Peano e Jordan,<br />
entretanto melhoradas por Borel. Discutimos algumas das principais dificulda<strong>de</strong>s<br />
técnicas da teoria <strong>de</strong> Riemann, e a respectiva resolução pela teoria<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, em especial as relacionados com os Teoremas Fundamentais do<br />
Cálculo. Estes são aqui tratados com amplo recurso a técnicas e resultados<br />
da Teoria da <strong>Medida</strong>, i.e., com base no “mo<strong>de</strong>lo geométrico” da integração.<br />
Neste contexto, o gran<strong>de</strong> teorema <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue é provado<br />
por uma adaptação simples do belo argumento <strong>de</strong> Riesz (o seu “Lema do<br />
Sol Nascente”), mas a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretski afastase<br />
bastante das técnicas usadas por Banach. As múltiplas referências a<br />
Cantor feitas neste texto <strong>de</strong>vem ainda recordar-nos que a sua genial Teoria<br />
dos Conjuntos é mais um exemplo <strong>de</strong> abstracções fundamentais entradas na<br />
Matemática em gran<strong>de</strong> parte pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enunciar e estudar com<br />
clareza questões suscitadas pela Teoria da Integração.<br />
A apresentação dos resultados principais da Teoria, incluindo o Teorema<br />
<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue, o Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, e os Teoremas<br />
<strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz, não faz qualquer concessão à tentação <strong>de</strong> tornar<br />
estas magníficas construções intelectuais mais simples do que efectivamente<br />
o são.<br />
Naturalmente apenas a leitura atenta do texto po<strong>de</strong>rá revelar se este<br />
respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma satisfatória às preocupações acima manifestadas, e se<br />
representa um equilíbrio razoável entre os diversos objectivos que preten<strong>de</strong><br />
atingir. Ao autor resta somente <strong>de</strong>sejar que outros encontrem na sua leitura<br />
um prazer comparável à satisfação que a sua escrita lhe trouxe.<br />
<strong>Lisboa</strong>, Fevereiro <strong>de</strong> 2008<br />
Manuel Ricou<br />
Departamento <strong>de</strong> Matemática<br />
Instituto Superior Técnico<br />
1096 <strong>Lisboa</strong> Co<strong>de</strong>x<br />
PORTUGAL<br />
Manuel.Ricou@math.ist.utl.pt
Conteúdo<br />
1 Integrais <strong>de</strong> Riemann 7<br />
1.1 Rectângulos e Conjuntos Elementares em RN . . . . . . . . . 8<br />
1.2 Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas . . . . . . . . . . 19<br />
1.3 Conjuntos Jordan-Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . 25<br />
1.4 O Integral <strong>de</strong> Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35<br />
1.4.1 O Espaço das Funções Integráveis . . . . . . . . . . . 44<br />
1.4.2 Integrais In<strong>de</strong>finidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48<br />
1.4.3 Continuida<strong>de</strong> e Integrabilida<strong>de</strong> . . . . . . . . . . . . . 52<br />
1.5 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo . . . . . . . . . . . . . 60<br />
1.6 O Problema <strong>de</strong> Borel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71<br />
2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 89<br />
2.1 Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s . . . . . . . . . . . . . . . . . 90<br />
2.2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97<br />
2.3 Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . 114<br />
2.4 Conjuntos Não-Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129<br />
2.5 <strong>Medida</strong>s Exteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139<br />
3 Integrais <strong>de</strong> Lebesgue 149<br />
3.1 O Integral <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150<br />
3.2 Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais . . . . . . . . . . . . . . 162<br />
3.3 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . 171<br />
3.4 Funções Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186<br />
3.5 Funções Somáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200<br />
3.6 Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> . . . . . . . . . . . . . . . . 209<br />
4 Outras <strong>Medida</strong>s 217<br />
4.1 A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan . . . . . . . . . . . . . . . . 218<br />
4.2 A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> . . . . . . . . . . . . . . . . 228<br />
4.3 <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas . . . . . . . . . . . . . . . 234<br />
4.4 <strong>Medida</strong>s Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236<br />
4.5 <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R . . . . . . . . . . . . . . 245<br />
4.6 Funções <strong>de</strong> Variação Limitada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255<br />
v
vi Prefácio<br />
4.6.1 Funções Absolutamente Contínuas . . . . . . . . . . . 263<br />
4.7 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R . . . . . . . . . 268<br />
4.7.1 O Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . 268<br />
4.7.2 A Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . 277<br />
4.7.3 Diferenciação <strong>de</strong> Funções <strong>de</strong> Variação Limitada . . . . 285<br />
5 Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue 295<br />
5.1 A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 296<br />
5.2 Funções Mensuráveis e Integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . 309<br />
5.3 O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue . . . . . . . . . . . 319<br />
5.4 Os Espaços L p . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327<br />
5.5 Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz . . . . . . . . . . . . . . 338<br />
5.6 Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz . . . . . . . . . . . . . 352<br />
5.7 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . 358<br />
Índice Remissivo 368
Capítulo 1<br />
Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
A teoria da integração evoluiu rapidamente na segunda meta<strong>de</strong> do século<br />
XIX. Por um lado, e sobretudo como resultado das <strong>de</strong>scobertas fundamentais<br />
<strong>de</strong> Fourier sobre séries trigonométricas, hoje ditas séries <strong>de</strong> Fourier, a<br />
dificulda<strong>de</strong> dos problemas a esclarecer com esta teoria ultrapassou, <strong>de</strong>finitivamente,<br />
os recursos pouco sofisticados da teoria existente, até então assente,<br />
essencialmente, numa base informal e intuitiva. Em 1854, quando<br />
Riemann quis caracterizar as funções que po<strong>de</strong>m ser representadas por séries<br />
<strong>de</strong> Fourier, foi-lhe necessário analisar a noção <strong>de</strong> “função integrável” à luz<br />
<strong>de</strong> mais exigentes critérios <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, exactidão e rigor. A <strong>de</strong>finição<br />
que apresentou ainda hoje <strong>de</strong>ve ser conhecida por quem quer que <strong>de</strong>seje<br />
compreen<strong>de</strong>r os conceitos mais centrais da Análise Matemática.<br />
Por outro lado, em paralelo com estes estudos <strong>de</strong> Riemann, mas ainda no<br />
contexto da escola Alemã, o genial Cantor <strong>de</strong>scobriu a Teoria dos Conjuntos<br />
e, simultaneamente, atingiu-se um novo patamar <strong>de</strong> precisão na forma como<br />
são <strong>de</strong>finidos os próprios números reais. Ao procurar respostas a questões<br />
suscitadas tanto pela nova teoria <strong>de</strong> Riemann, como pela teoria <strong>de</strong> Fourier,<br />
retomaram-se problemas tão antigos como a própria Matemática, conhecidos<br />
da Geometria elementar, mas que podiam agora ser estudados à luz<br />
<strong>de</strong>stas novas i<strong>de</strong>ias. O que é a área <strong>de</strong> uma figura plana? O que é o volume<br />
<strong>de</strong> um sólido? Qualquer figura plana limitada tem área? Qualquer subcon-<br />
junto <strong>de</strong> uma recta tem comprimento?<br />
É possível calcular, por exemplo,<br />
o comprimento do conjunto dos números racionais? Uma primeira solução<br />
para este tipo <strong>de</strong> problemas foi <strong>de</strong>scoberta pelo matemático italiano Peano,<br />
já perto do final do século XIX. O próprio Peano compreen<strong>de</strong>u a relação directa<br />
entre a sua teoria, que <strong>de</strong>finia a medida <strong>de</strong> conjuntos, e a <strong>de</strong> Riemann,<br />
que <strong>de</strong>finia o integral <strong>de</strong> funções, e sabia que as duas teorias são, em certo<br />
sentido, completamente equivalentes.<br />
Neste primeiro capítulo, estudamos sobretudo as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Riemann e <strong>de</strong><br />
Peano, mas não seguimos a cronologia da sua <strong>de</strong>scoberta, nem usamos sempre<br />
os conceitos exactamente como originalmente <strong>de</strong>finidos. Procuramos,<br />
7
8 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
em vez disso, evi<strong>de</strong>nciar o mais directamente possível a sua equivalência.<br />
Apontaremos também algumas das <strong>de</strong>ficiências técnicas que apresentam e<br />
que estão na origem da sua substituição, já no século XX, pela teoria <strong>de</strong>scoberta<br />
por Henri Lebesgue.<br />
Uma observação simples sobre terminologia: é comum usar as palavras<br />
“medida” ou “conteúdo”, em vez <strong>de</strong> “comprimento”, “área” ou “volume”,<br />
porque estas últimas estão irremediavelmente associadas à dimensão dos<br />
conjuntos em causa (respectivamente, um, dois ou três), e a teoria que aqui<br />
estudamos é basicamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa dimensão e aplicável mesmo<br />
quando essa dimensão é superior a três. Neste capítulo, usaremos sobretudo<br />
o termo “conteúdo”, normalmente na forma “conteúdo-N”, on<strong>de</strong> N é a<br />
dimensão do espaço subjacente, reservando a palavra “medida”, que como<br />
veremos tem um sentido técnico muito preciso, para utilização posterior.<br />
1.1 Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N<br />
A <strong>de</strong>terminação do conteúdo-N <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> R N é muito simples<br />
para os conjuntos que são rectângulos ou uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos. O<br />
principal objectivo <strong>de</strong>sta secção é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o conteúdo dos conjuntos <strong>de</strong>ste<br />
tipo e i<strong>de</strong>ntificar e <strong>de</strong>monstrar as suas proprieda<strong>de</strong>s mais básicas.<br />
Figura 1.1.1: União finita <strong>de</strong> rectângulos.<br />
O cálculo da área <strong>de</strong> um rectângulo no plano é imediato, porque sabemos<br />
da geometria elementar que essa área é o produto dos comprimentos dos seus<br />
lados. Em particular, e como ilustrado na figura seguinte, um rectângulo<br />
bidimensional (em R 2 ) da forma R = I ×J, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em R,<br />
tem área igual ao produto dos comprimentos <strong>de</strong> I e <strong>de</strong> J.<br />
Claro que usaremos o termo “rectângulo” com um sentido mais geral,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da dimensão N do espaço R N em causa: qualquer produto<br />
cartesiano (finito) <strong>de</strong> intervalos na recta R é um rectângulo:
1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 9<br />
Figura 1.1.2:<br />
J<br />
I<br />
Área <strong>de</strong> R = (comprimento <strong>de</strong> I)×(comprimento <strong>de</strong> J).<br />
Definição 1.1.1 (Rectângulos em R N ). R ⊆ R N é um rectângulo se e<br />
só se R = I1 × I2 × · · · × IN, on<strong>de</strong> I1, I2, · · · , IN são intervalos em R.<br />
Sempre que nos referirmos a um rectângulo e for conveniente indicar<br />
explicitamente a dimensão N do respectivo espaço R N , usamos a expressão<br />
“rectângulo-N”. Em particular, um rectângulo-1 é um intervalo, um “rectângulo”<br />
no sentido mais usual do termo é, nesta terminologia, um rectângulo-2,<br />
e um rectângulo-3 é um prisma rectangular. Reservamos o termo<br />
“intervalo” apenas para rectângulos-1.<br />
Notamos que o conjunto vazio ∅ é um rectângulo-N para qualquer N.<br />
Na verda<strong>de</strong>, se R = I1 × I2 × · · · × IN, então um ou mais dos intervalos<br />
Ik po<strong>de</strong> conter apenas um ponto ou ser vazio, caso em que o rectângulo<br />
se diz <strong>de</strong>generado. Por exemplo, um rectângulo-2 <strong>de</strong>generado po<strong>de</strong> ser um<br />
segmento <strong>de</strong> recta, um ponto ou vazio.<br />
O comprimento ou conteúdo-1 do intervalo I ⊆ R <strong>de</strong>signa-se por<br />
c1(I). Se I é limitado com extremos a ≤ b, do tipo [a,b],[a,b[,]a,b] ou ]a,b[,<br />
então c1(I) = b − a. Se I é ilimitado, i.e., se a = −∞ e/ou b = +∞,<br />
então c1(I) = +∞. Se J é também um intervalo, então R = I × J é<br />
um rectângulo-2 e a sua área ou conteúdo-2 <strong>de</strong>signa-se por c2(R), on<strong>de</strong><br />
c2(R) = c1(I) × c1(J).<br />
Analogamente, o produto cartesiano <strong>de</strong> três intervalos I, J e K é um<br />
prisma rectangular P em R 3 e o seu volume ou conteúdo-3 é dado por<br />
R<br />
c3(P) = c1(I) × c1(J) × c1(K).<br />
Nestes como noutros produtos envolvendo factores que po<strong>de</strong>m ser infinitos,<br />
usaremos as seguintes convenções, salvo menção em contrário:<br />
• Qualquer produto que inclua pelo menos um factor nulo é nulo,<br />
mesmo que todos os outros factores sejam infinitos.
10 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
• Qualquer produto <strong>de</strong> factores não nulos que inclua pelo menos um<br />
factor infinito é infinito.<br />
• O sinal do produto é calculado pelas habituais “regras dos sinais”.<br />
A título <strong>de</strong> exemplo, o eixo dos yy em R 2 é um rectângulo-2 com conteúdo-2<br />
igual a 0, já que este eixo é o produto cartesiano R = [0,0]×] − ∞,+∞[, e<br />
portanto c2(R) = 0 × ∞ = 0.<br />
É imediato generalizar as observações anteriores para o caso <strong>de</strong> R N :<br />
Definição 1.1.2 (Conteúdo <strong>de</strong> Rectângulos em R N ). Se R = I1×I2×· · ·×IN<br />
é um rectângulo em R N , o conteúdo-N <strong>de</strong> R <strong>de</strong>signa-se por cN(R), ou<br />
apenas c(R), e é dado por<br />
cN(R) = c1(I1) × c1(I2) × · · · × c1(IN).<br />
O conteúdo-N é portanto uma função <strong>de</strong>finida numa classe <strong>de</strong> conjuntos,<br />
ou seja, é um exemplo do que chamamos uma função <strong>de</strong> conjuntos.<br />
Neste caso, é uma função com valores no intervalo [0,+∞] <strong>de</strong>finida, para já,<br />
na classe <strong>de</strong> todos os rectângulos-N.<br />
Uma das proprieda<strong>de</strong>s mais fundamentais da noção <strong>de</strong> conteúdo é a sua<br />
aditivida<strong>de</strong>. Especializada para rectângulos, esta proprieda<strong>de</strong> significa<br />
simplesmente que, quando um rectângulo R é dividido em dois rectângulos<br />
disjuntos A e B, a soma dos conteúdos <strong>de</strong> A e <strong>de</strong> B é o conteúdo <strong>de</strong> R, i.e.,<br />
c(R) = c(A) + c(B).<br />
Esta proprieda<strong>de</strong> é intuitivamente evi<strong>de</strong>nte para as noções usuais <strong>de</strong><br />
comprimento, área e volume, mas <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>monstrada como válida para<br />
o conteúdo-N, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> N. A proposição seguinte generalizaa<br />
para uma família finita <strong>de</strong> rectângulos e a respectiva <strong>de</strong>monstração está<br />
esboçada nos exercícios 13 a 16 <strong>de</strong>sta secção.<br />
Proposição 1.1.3 (Aditivida<strong>de</strong> do Conteúdo). Se R1, · · · ,Rm são rectângulos-N<br />
disjuntos e R = ∪ m i=1 Ri é também um rectângulo-N, temos<br />
cN(R) =<br />
m<br />
cN(Ri).<br />
i=1<br />
No cálculo <strong>de</strong> somas que po<strong>de</strong>m incluir parcelas infinitas, usamos as<br />
seguintes convenções:<br />
• Se a soma inclui parcelas infinitas todas com o mesmo sinal, então o<br />
seu resultado é infinito, com o sinal das parcelas em causa.
1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 11<br />
• Se a soma inclui parcelas infinitas com sinais diferentes, então o seu<br />
resultado não está <strong>de</strong>finido, ou seja, a soma é uma in<strong>de</strong>terminação.<br />
Quando R é um conjunto e P é uma família <strong>de</strong> conjuntos disjuntos cuja<br />
união é R, dizemos que P é uma partição <strong>de</strong> R. Se R é um rectângulo e P é<br />
uma partição finita <strong>de</strong> R em subrectângulos, po<strong>de</strong>mos escrever a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
em 1.1.3 na forma<br />
cN(R) = <br />
cN(r).<br />
r∈P<br />
O diâmetro <strong>de</strong> R ⊆ R N é <strong>de</strong>finido por<br />
diam(R) = sup {x − y : x,y ∈ R}.<br />
O diâmetro da partição P do conjunto R é <strong>de</strong>finido por<br />
diam(P) = sup {diam(r) : r ∈ P} .<br />
O diâmetro <strong>de</strong> uma partição é um indicador simples da sua granularida<strong>de</strong>.<br />
Exemplos 1.1.4.<br />
1. A família {[0, 1[, [1, 1], ]1, 2]} é uma partição <strong>de</strong> I = [0, 2].<br />
2. A família P = P1 = [0, 1] × [0, 1<br />
2 ], P2 = [0, 1]×] 1<br />
2 , 1], P3 =]1, 2] × [0, 1] é uma<br />
partição <strong>de</strong> R = [0, 2] ×[0, 1], com diam(P) = diam(P3) = √ 2, e está ilustrada<br />
na figura abaixo. É óbvio que<br />
c2(R) = c2(P1) + c2(P2) + c2(P3).<br />
P2<br />
P1<br />
P3<br />
diam = √ 2<br />
Figura 1.1.3: Partição P do rectângulo R = [0,2] × [0,1].<br />
refinar uma partição é, simplesmente, subdividir cada um dos conjuntos<br />
que a constituem. Mais formalmente, se P e R são partições <strong>de</strong> R, dizemos<br />
que R é um refinamento <strong>de</strong> P, ou que R é mais fina do que P, se e
12 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
R1 R2<br />
R3<br />
Figura 1.1.4: Refinamento R da partição P da figura 1.1.3.<br />
só se cada conjunto r ∈ R está contido em algum conjunto p ∈ P. Neste<br />
caso, Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} é uma partição <strong>de</strong> p. É claro que se R é um<br />
refinamento <strong>de</strong> P então diam(R) ≤ diam(P). Se P e Q são duas quaisquer<br />
partições do mesmo conjunto R, qualquer partição R <strong>de</strong> R simultaneamente<br />
mais fina do que P e do que Q diz-se um refinamento comum das partições<br />
P e Q. É fácil obter um refinamento comum <strong>de</strong> quaisquer duas partições do<br />
mesmo conjunto:<br />
Proposição 1.1.5. Se P e Q são partições <strong>de</strong> R, então<br />
é um refinamento comum <strong>de</strong> P e Q.<br />
R4<br />
R6<br />
R7<br />
R = {p ∩ q : p ∈ P,q ∈ Q}<br />
Se P e Q são partições <strong>de</strong> R em rectângulos, então o refinamento comum<br />
mencionado em 1.1.5 é também uma partição em rectângulos, porque a intersecção<br />
<strong>de</strong> dois rectângulos é sempre um rectângulo. Esta observação é<br />
aliás aplicável a qualquer família finita <strong>de</strong> partições <strong>de</strong> R em rectângulos.<br />
R5<br />
P Q R<br />
Figura 1.1.5: Partições P e Q, e um refinamento comum R.<br />
Se S ⊆ R é um subrectângulo <strong>de</strong> R, existem partições P <strong>de</strong> R em rectângulos<br />
que incluem o rectângulo S. A figura 1.1.6 ilustra esta i<strong>de</strong>ia, que<br />
implica em particular:
1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 13<br />
R<br />
S<br />
R1 R2<br />
R3 = S<br />
Figura 1.1.6: Rectângulos S ⊆ R e uma partição P <strong>de</strong> R com S ∈ P.<br />
Proposição 1.1.6. Se S e R são rectângulos, então R\S ( 1 ) é uma união<br />
finita <strong>de</strong> rectângulos.<br />
No que se segue, referimo-nos com frequência a conjuntos que são uniões<br />
finitas <strong>de</strong> rectângulos (é muito fácil mostrar, com base na proposição<br />
1.1.6, que estes rectângulos po<strong>de</strong>m sempre ser supostos disjuntos, como é<br />
referido no exercício 4).<br />
Definição 1.1.7 (As classes U(R N ) e E(R N )).<br />
a) U(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong><br />
rectângulos-N,<br />
b) E(R N ) é a classe formada pelos conjuntos limitados em U(R N ), ou<br />
seja, pelos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos limitados.<br />
Os conjuntos em E(R N ) dizem-se elementares,<br />
c) Mais geralmente, se S ⊆ R N então U(S) = E ∈ U(R N ) : E ⊆ S e<br />
analogamente E(S) = E ∈ E(R N ) : E ⊆ S .<br />
A proposição seguinte regista que as classes U(R N ) e E(R N ) são fechadas<br />
em relação às operações <strong>de</strong> união, intersecção e diferença <strong>de</strong> conjuntos. A<br />
respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 9.<br />
Proposição 1.1.8. Se C = U(R N ) ou C = E(R N ) então<br />
R4<br />
A,B ∈ C =⇒ A ∪ B,A ∩ B,A\B ∈ C.<br />
É fácil <strong>de</strong>finir o conteúdo <strong>de</strong> qualquer conjunto em U(R N ). Basta <strong>de</strong>compor<br />
o conjunto em causa numa união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos, i.e.,<br />
escolher uma sua partição em rectângulos, e adicionar os conteúdos <strong>de</strong>sses<br />
rectângulos. Por exemplo,<br />
• Se A = [0,1]∪]3,+∞[ então c1(A) = 1 + ∞ = ∞, e<br />
1 Se X e Y são conjuntos, X\Y = {x ∈ X : x ∈ Y } é a diferença <strong>de</strong> X e Y .<br />
R5
14 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
• Se B = [0,1]∪]2,5[, então c1(B) = 1 + 3 = 4.<br />
É no entanto evi<strong>de</strong>nte que a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> um dado conjunto S numa<br />
união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos po<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong> múltiplas maneiras,<br />
como ilustrado na figura 1.1.7. Portanto, a i<strong>de</strong>ia referida só po<strong>de</strong> ser a base<br />
<strong>de</strong> uma correcta <strong>de</strong>finição se a soma obtida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r apenas do próprio<br />
conjunto S, e não da partição utilizada para <strong>de</strong>compor S em subrectângulos.<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste facto assenta somente na aditivida<strong>de</strong> do conteúdo para<br />
rectângulos, expressa em 1.1.3, e está feita imediatamente a seguir.<br />
Figura 1.1.7: Partições distintas do conjunto S, e um refinamento comum.<br />
Proposição 1.1.9. Se P e Q são partições <strong>de</strong> S ∈ U(RN ) em rectângulos,<br />
então<br />
<br />
cN(p) = <br />
cN(q).<br />
p∈P<br />
Demonstração. A família R = {p ∩ q : p ∈ P,q ∈ Q} é um refinamento comum<br />
das partições P e Q (ver figura 1.1.7). Observamos que<br />
• Fixado p ∈ P, a família Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} é uma partição <strong>de</strong> p e<br />
q∈Q<br />
• Fixado q ∈ Q, a família Rq = {r ∈ R : r ⊆ q} é uma partição <strong>de</strong> q.<br />
Segue-se <strong>de</strong> 1.1.3 que cN(p) = <br />
r∈Rp<br />
cN(r) e cN(q) = <br />
cN(r).<br />
r∈Rq<br />
Por agrupamento das parcelas das somas finitas em causa, temos<br />
<br />
cN(p) = <br />
cN(r) = <br />
cN(r) = <br />
cN(r) = <br />
cN(q).<br />
p∈P<br />
p∈P r∈Rp<br />
r∈R<br />
q∈Q r∈Rq<br />
Concluímos que a <strong>de</strong>finição seguinte não é ambígua e generaliza 1.1.2.<br />
q∈Q
1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 15<br />
Definição 1.1.10. Se U ∈ U(R N ) o conteúdo-N <strong>de</strong> U é dado por<br />
cN(U) = <br />
cN(r),<br />
r∈R<br />
on<strong>de</strong> R é uma qualquer partição finita <strong>de</strong> U em rectângulos-N.<br />
A proposição seguinte regista proprieda<strong>de</strong>s do conteúdo em U(R N ).<br />
Proposição 1.1.11. Se A,B e C são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos-N então:<br />
a) Aditivida<strong>de</strong>: A ∩ B = ∅ =⇒ cN(A ∪ B) = cN(A) + cN(B),<br />
b) Positivida<strong>de</strong>: cN(A) ≥ 0,<br />
c) Monotonia: A ⊆ B =⇒ cN(A) ≤ cN(B),<br />
d) Subaditivida<strong>de</strong>: A ⊆ B ∪ C =⇒ cN(A) ≤ cN(B) + cN(C).<br />
Demonstração. a) Se P e Q são partições finitas dos conjuntos A e B em<br />
rectângulos, então R = P ∪ Q é uma partição <strong>de</strong> A ∪ B e temos<br />
cN(A ∪ B) = <br />
cN(r) = <br />
cN(r) + <br />
cN(q) = cN(A) + cN(B).<br />
r∈R<br />
p∈P<br />
b) É evi<strong>de</strong>nte que cN(A) ≥ 0.<br />
As proprieda<strong>de</strong>s c) e d) nesta proposição po<strong>de</strong>m obter-se <strong>de</strong> a) e b) e das<br />
proprieda<strong>de</strong>s indicadas em 1.1.8. Temos assim:<br />
c) Se A ⊆ B então B = A ∪ (B\A), on<strong>de</strong> B\A é disjunto <strong>de</strong> A e B\A é<br />
uma união finita <strong>de</strong> rectângulos-N. Segue-se <strong>de</strong> a) e b) que<br />
q∈Q<br />
cN(B) = cN(A) + cN(B\A) ≥ cN(A).<br />
d) B ∪ C e C\B são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos e B ∪ C = B ∪ (C\B),<br />
on<strong>de</strong> B e C\B são disjuntos. Segue-se <strong>de</strong> a), b) e c) que<br />
cN(A) ≤ cN(B ∪ C) = cN(B) + cN(C\B) ≤ cN(B) + cN(C).<br />
A afirmação seguinte po<strong>de</strong> ser encarada como uma outra generalização<br />
da <strong>de</strong>finição 1.1.2, ou como uma generalização da regra elementar “o volume<br />
<strong>de</strong> um prisma é o produto da área da base pela altura”. Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um<br />
ponto <strong>de</strong> vista intuitivo, <strong>de</strong>ve ser tão natural e “óbvia” como a proprieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong>, mesmo quando N + M > 3. De um ponto <strong>de</strong> vista mais<br />
formal, é na verda<strong>de</strong> uma versão muito preliminar do Teorema <strong>de</strong> Fubini,<br />
que discutiremos repetidas vezes no que se segue.
16 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Proposição 1.1.12 (Conteúdo do Produto Cartesiano). Se A ∈ U(R N ) e<br />
B ∈ U(R M ), então A × B ∈ U(R N+M ) e cN+M(A × B) = cN(A) × cM(B).<br />
Além disso, se A e B são elementares então A × B é também elementar.<br />
Demonstração. O resultado é evi<strong>de</strong>nte quando A e B são rectângulos. Basta<br />
notar que se A = I1 × · · · × IN e B = J1 × · · · × JM, on<strong>de</strong> os conjuntos Ii e<br />
Jj são intervalos em R, então<br />
A × B = I1 × · · · × IN × J1 × · · · × JM é um rectângulo-(N + M), e<br />
cN+M(A × B) = c(I1) × · · · × c(IN) × c(J1) × · · · × c(JM) = cN(A) × cM(B).<br />
Se P e Q são partições finitas dos conjuntos A e B em rectângulos, é fácil<br />
verificar que R = {p × q : p ∈ P,q ∈ Q} é uma partição finita <strong>de</strong> A × B em<br />
rectângulos, e em particular A × B ∈ U(RN+M ). Temos assim<br />
⎛<br />
cN(A)cM(B) = ⎝ <br />
⎞ ⎛<br />
cN(p) ⎠ ⎝ <br />
⎞<br />
cM(q) ⎠ = <br />
cN (p)cM(q) =<br />
p∈P<br />
q∈Q<br />
p∈P q∈Q<br />
= <br />
cN+M (p × q) = <br />
cN+M(r) = cN+M(A × B)<br />
p∈P q∈Q<br />
S<br />
r∈R<br />
S + x<br />
x Translação <strong>de</strong> S<br />
Reflexão <strong>de</strong> S<br />
Figura 1.1.8: Translação e reflexão (em x2 = 0) do conjunto elementar S.<br />
Convencionamos aqui que, se S ⊆ R N e x ∈ R N , então S + x <strong>de</strong>signa<br />
a translação {y + x : y ∈ S}. Notamos que qualquer translação <strong>de</strong> um<br />
rectângulo é um rectângulo com o conteúdo do rectângulo original. A mesma<br />
observação é verda<strong>de</strong>ira para qualquer reflexão <strong>de</strong> um rectângulo num<br />
qualquer dos hiperplanos <strong>de</strong> equação xk = 0. A próxima proposição formaliza<br />
esta i<strong>de</strong>ia, ilustrada na figura 1.1.8 para conjuntos elementares. A sua<br />
<strong>de</strong>monstração é o exercício 17.
1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 17<br />
Proposição 1.1.13 (Invariância sob Translações e Reflexões). Se E ∈<br />
U(R N ) e T é uma translação <strong>de</strong> E ou a reflexão <strong>de</strong> E num dos hiperplanos<br />
xk = 0, então T ∈ U(R N ) e cN(T) = cN(E). Se E é elementar então T é<br />
igualmente elementar.<br />
Se I é um intervalo limitado <strong>de</strong> extremos a < b e b − a > 2ε > 0, os<br />
intervalos F = [a+ε,b−ε] e U =]a−ε,b+ε[ são, respectivamente, fechado e<br />
aberto, F ⊆ I ⊆ U e c(U\F) = 4ε. Dizemos por isso que qualquer intervalo<br />
po<strong>de</strong> ser aproximado, por <strong>de</strong>feito, por um intervalo fechado, e por excesso,<br />
por um intervalo aberto, com “erro arbitrariamente pequeno”. A generalização<br />
<strong>de</strong>sta afirmação para conjuntos elementares fica igualmente como<br />
exercício (18):<br />
cN(U) − ε<br />
cN(S)<br />
cN(F) + ε<br />
cN(F) cN(U)<br />
cN(S) − ε cN(S) + ε<br />
Proposição 1.1.14. Se S ⊆ R N é elementar e ε > 0, existem conjuntos<br />
elementares F (fechado) e U (aberto) tais que F ⊆ S ⊆ U e cN(U\F) < ε,<br />
don<strong>de</strong> cN(S) − ε < cN(F) ≤ cN(S) ≤ cN(U) < cN(S) + ε.<br />
Exercícios.<br />
1. Quantos vértices, arestas e faces tem um rectângulo-N?<br />
2. Existem 4 intervalos limitados com extremos a e b, que são [a, b], ]a, b], [a, b[,<br />
e ]a, b[. Quantos rectângulos-N limitados existem com os mesmos vértices?<br />
3. Existem conjuntos ilimitados E ⊂ R N com conteúdo finito arbitrário?<br />
4. Demonstre a proposição 1.1.6 e mostre que qualquer conjunto que seja uma<br />
união finita <strong>de</strong> rectângulos é uma união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos.<br />
5. Calcule c4(U), on<strong>de</strong> U = R1 ∪ R2 ∪ R3, R1 = [0, 6] × [0, 5] × [0, 6] × [0, 10],<br />
R2 = [−1, 4] × [2, 6] × [3, 8] × [4, 12] e R3 = [−2, 3] × [−1, 4] × [−1, 4] × [−2, 7].<br />
6. Mostre que se E ∈ U(R N ) então cN(∂E) = 0. Conclua que cN(E) =<br />
cN(int(E)) e portanto int(E) = ∅ ⇔ cN(E) = 0.( 2 )<br />
2 Se X ⊆ R N , <strong>de</strong>signamos a fronteira <strong>de</strong> X por ∂X e o fecho <strong>de</strong> X por X. O<br />
interior e o exterior <strong>de</strong> X <strong>de</strong>signam-se, respectivamente, por int(X) e ext(X). Temos,<br />
em particular, que ∂X = X\int(X).
18 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
7. Mostre que se E ∈ U(R) então c(E) = 0 se e só se E é finito.<br />
8. Mostre que se E ⊂ R N é infinito numerável( 3 ) então E ∈ U(R N ).<br />
9. Demonstre a proposição 1.1.8.<br />
10. Generalize as alíneas 1.1.11 a) e 1.1.11 d) para famílias finitas <strong>de</strong> conjuntos.<br />
11. Sejam A e B rectângulos e consi<strong>de</strong>re R = A × B. Mostre que<br />
a) Se RA e RB são partições <strong>de</strong> A e <strong>de</strong> B, então R = {a × b : a ∈ RA, b ∈ RB}<br />
é uma partição <strong>de</strong> R.<br />
b) Se P é uma partição qualquer <strong>de</strong> R em rectângulos, existe um refinamento<br />
R para a partição P do tipo referido em a).<br />
12. Mostre que, se C ∈ U(R N+M ), então existem rectângulos-N R1, · · · , Rn,<br />
disjuntos e conjuntos Bi ∈ U(R M ) tais que<br />
C =<br />
n<br />
Ri × Bi.<br />
i=1<br />
13. Seja I ⊆ R um intervalo e I = {I1, I2, · · · , In} uma partição finita <strong>de</strong> I em<br />
intervalos. Prove que<br />
c(I) = <br />
c(i) =<br />
i∈I<br />
n<br />
c(Ik).<br />
14. Seja R = I × J ⊆ R 2 um rectângulo-2, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em<br />
R. Dadas partições P = {I1, I2, · · · , In} <strong>de</strong> I e Q = {J1, J2, · · · , Jm} <strong>de</strong><br />
J, on<strong>de</strong> os Ik e Jj são intervalos, <strong>de</strong>finimos ∆xk = c(Ik) e ∆yj = c(Jj) e<br />
R = {i × j : i ∈ P, j ∈ Q}. Prove que<br />
c2(R) =<br />
n<br />
k=1 j=1<br />
k=1<br />
m<br />
∆xk∆yj = <br />
c2(r).<br />
15. Sendo R = I × J ⊆ R2 um rectângulo, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em R, e P<br />
uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos, prove que<br />
c2(R) = <br />
c2(p).<br />
p∈P<br />
Sugestão: Mostre que P tem um refinamento R do tipo referido no exercício<br />
anterior e no exercício 11. Aplique em seguida o resultado anterior ao<br />
rectângulo R e a cada rectângulo p ∈ P.<br />
3 O conjunto X é numerável se e só se existe uma função sobrejectiva φ : N → X,<br />
sendo que X po<strong>de</strong> ser finito ou infinito. X é infinito numerável se e só existe uma bijecção<br />
φ : N → X, e dizemos neste caso que φ é uma enumeração dos elementos <strong>de</strong> X.<br />
r∈R
1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 19<br />
16. Demonstre 1.1.3. sugestão: Proceda por indução em N, generalizando as<br />
i<strong>de</strong>ias nos exercícios 14 e 15 e aproveitando os exercícios 11 e 13.<br />
17. Demonstre a proposição 1.1.13.<br />
18. Demonstre a proposição 1.1.14.<br />
1.2 Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas<br />
Introduzimos nesta secção um conjunto <strong>de</strong> noções abstractas, mas relativamente<br />
elementares, que são úteis no estudo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> conjuntos e são<br />
extensivamente utilizadas na teoria da medida. Estas i<strong>de</strong>ias serão ainda<br />
enriquecidas e completadas nas secções 1.6 e 2.1. Começamos por uma classificação<br />
para classes <strong>de</strong> conjuntos, parcialmente inspirada em proprieda<strong>de</strong>s<br />
das classes E(R N ) e U(R N ).<br />
Definição 1.2.1 ( Álgebras e Semi-álgebras <strong>de</strong> Conjuntos). Seja X um conjunto<br />
arbitrário e S uma família não-vazia <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X. S diz-se<br />
uma semi-álgebra (em X) se e só se:<br />
a) Fecho em relação à união: A,B ∈ S ⇒ A ∪ B ∈ S, e<br />
b) Fecho em relação à diferença: A,B ∈ S ⇒ A\B ∈ S.<br />
A semi-álgebra S diz-se uma álgebra (em X) se, além disso,<br />
c) X ∈ S.<br />
Exemplos 1.2.2.<br />
1. As classes U(R N ) e E(R N ) são semi-álgebras, <strong>de</strong> acordo com 1.1.8.<br />
2. A classe E(R N ) não é uma álgebra, porque R N não é elementar.<br />
3. A classe U(R N ) é uma álgebra, porque R N é um rectângulo.<br />
4. Se S ⊆ R N , a classe E(S) é uma semi-álgebra. Se S é um conjunto elementar,<br />
então E(S) é uma álgebra em S.<br />
5. A classe dos rectângulos em R N não é uma semi-álgebra em R N , porque não<br />
é fechada nem para a união nem para a diferença.<br />
6. A classe dos conjuntos abertos em R N não é uma semi-álgebra em R N , porque<br />
não é fechada para a diferença (apesar <strong>de</strong> ser fechada para a união e a intersecção).<br />
O mesmo se passa com a classe dos conjuntos fechados em R N .<br />
7. Sendo X um qualquer conjunto, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong> X, que<br />
<strong>de</strong>signamos P(X), é a maior álgebra <strong>de</strong> conjuntos em X.<br />
8. A classe {∅, X} é a menor álgebra <strong>de</strong> conjuntos em X.
20 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
O próximo teorema indica proprieda<strong>de</strong>s algébricas que são comuns a<br />
qualquer semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos.<br />
Teorema 1.2.3. Seja S uma semi-álgebra no conjunto X. Temos, então:<br />
a) ∅ ∈ S.<br />
b) Fecho em relação à intersecção: A,B ∈ S ⇒ A ∩ B ∈ S.<br />
c) Fecho em relação a uniões e intersecções finitas:<br />
A1,A2, · · · ,An ∈ S ⇒<br />
n<br />
Ak,<br />
k=1<br />
Se S é uma álgebra em X, temos ainda:<br />
n<br />
Ak ∈ S.<br />
k=1<br />
d) Fecho em relação à complementação: A ∈ S ⇒ A c ∈ S.( 4 )<br />
Demonstração. a) A classe S é por <strong>de</strong>finição não-vazia. Sendo A ∈ S, temos<br />
∅ = A\A ∈ S.<br />
b) A ∩ B = A\(A\B) ∈ S.<br />
c) É facilmente <strong>de</strong>monstrável por indução.<br />
d) Como por hipótese X ∈ S, concluímos que Ac = X\A ∈ S.<br />
Alguma da terminologia <strong>de</strong>finida a seguir já foi informalmente utilizada<br />
na secção anterior. Note-se que nos referimos a funções <strong>de</strong> conjuntos com valores<br />
em [0,+∞], como por exemplo o conteúdo-N na classe dos rectângulos,<br />
ou com valores reais.<br />
Definição 1.2.4 (Proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> conjuntos). Seja λ : S → Y<br />
uma função, on<strong>de</strong> S é uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo X<br />
e Y = R ou Y = [0,+∞]. Supondo que as afirmações seguintes são válidas<br />
para quaisquer conjuntos A,B,C ∈ S, a função <strong>de</strong> conjuntos λ diz-se:<br />
a) Aditiva: Se A ∪B ∈ S e A e B disjuntos ⇒ λ(A ∪B) = λ(A)+λ(B).<br />
b) Subaditiva: Se C ⊆ A ∪ B ⇒ λ(C) ≤ λ(A) + λ(B).<br />
c) Monótona: Se A ⊆ B ⇒ λ(A) ≤ λ(B).<br />
d) Não-negativa: Se λ(A) ≥ 0.<br />
Exemplos 1.2.5.<br />
1. Conteúdo-N: O conteúdo-N, tal como o <strong>de</strong>finimos em E(R N ), é uma função<br />
aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa.<br />
4 Quando o conjunto “universal” X é evi<strong>de</strong>nte do contexto da discussão, usamos a<br />
notação A c = X\A.
1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 21<br />
2. Cardinal: Dado um conjunto Y , o cardinal <strong>de</strong> Y <strong>de</strong>signa-se por #(Y ) e<br />
é igual ao número <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> Y , se Y é finito, ou igual a +∞ , se Y é<br />
infinito. Qualquer que seja o conjunto X, o cardinal é uma função <strong>de</strong> conjuntos<br />
aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa <strong>de</strong>finida na classe P(X).<br />
3. Probabilida<strong>de</strong>s: Na Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s, associamos uma probabilida<strong>de</strong>,<br />
que é um número entre 0 e 1, a acontecimentos. Os acontecimentos são<br />
subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo X e formam uma álgebra A (porquê?). A<br />
probabilida<strong>de</strong> p : A → [0, 1] é portanto uma função <strong>de</strong> conjuntos, que é sempre<br />
aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa. Por exemplo, o conjunto X, que<br />
é um acontecimento certo, tem probabilida<strong>de</strong> 1, ou seja, p(X) = 1.<br />
4. Muitas gran<strong>de</strong>zas físicas, ditas extensivas, como a massa, carga eléctrica,<br />
energia, entropia, momento linear, etc., po<strong>de</strong>m ser representadas por funções<br />
aditivas <strong>de</strong> conjuntos. Os conjuntos em causa são normalmente regiões do<br />
espaço ou partes <strong>de</strong> um dado corpo material.<br />
5. Introduzimos aqui uma família <strong>de</strong> exemplos que referiremos com frequência<br />
nos Capítulos seguintes. Consi<strong>de</strong>ramos:<br />
• A classe C formada pelos intervalos do tipo ]a, b] com −∞ < a ≤ b < ∞,<br />
• Uma qualquer função real f : R → R, e<br />
• A função <strong>de</strong> conjuntos λ : C → R dada por λ(]a, b]) = f(b) − f(a).<br />
A classe F(R) formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> intervalos em C é uma semiálgebra,<br />
como é fácil verificar. Para alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ a toda a classe<br />
F(R), basta observar que qualquer conjunto A ∈ F(R) é uma união finita <strong>de</strong><br />
intervalos disjuntos I1, I2, · · · , In em C e tomar<br />
λ(A) =<br />
n<br />
λ(Ik).<br />
k=1<br />
(Para mostrar que esta <strong>de</strong>finição não é ambígua, observe que λ é obviamente<br />
aditiva em C e adapte o argumento que utilizámos em 1.1.9.). É ainda imediato<br />
que<br />
• λ é aditiva em F(R) e<br />
• λ é não-negativa, monótona e subaditiva se e só se f é crescente.<br />
Casos típicos <strong>de</strong>sta família <strong>de</strong> exemplos são as distribuições <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> na<br />
recta real, on<strong>de</strong> é comum escolher para f a chamada distribuição (comulativa)<br />
<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Neste caso, o valor f(x) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />
E = {X ∈ R : X ≤ x}, e por isso f é uma função crescente em R tal que<br />
0 ≤ f ≤ 1. É também claro que f(b)−f(a) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />
A = {X ∈ R : a < X ≤ b}, que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>signar por λ(]a, b]).<br />
O próprio conteúdo <strong>de</strong> Jordan (restrito à classe F(R)) resulta <strong>de</strong> escolher<br />
f(x) = x.<br />
6. Os seguintes casos específicos do exemplo anterior são muito simples mas<br />
interessantes:
22 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
• Se f é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>( 5 ) (a função característica do intervalo<br />
[0, +∞[), então λ é o impulso, medida ou distribuição <strong>de</strong> dirac( 6 ).<br />
O cálculo <strong>de</strong> λ é imediato:<br />
λ(A) =<br />
1, se 0 ∈ A<br />
0, se 0 ∈ A<br />
• Se f(x) = int(x), on<strong>de</strong> int(x) = max{k ∈ Z : k ≤ x} é a parte inteira<br />
<strong>de</strong> x, então λ(A) conta os inteiros que pertencem a A, i.e., λ(A) =<br />
#(A ∩ Z) e λ tem o pitoresco nome <strong>de</strong> pente <strong>de</strong> dirac.<br />
Estes exemplos são frequentemente utilizados na Física para representar distribuições<br />
<strong>de</strong> massas (ou cargas) pontuais unitárias numa recta. Repare-se <strong>de</strong><br />
passagem que em qualquer <strong>de</strong>stes exemplos é fácil alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ<br />
à classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong> R, como é igualmente simples adaptar<br />
as respectivas <strong>de</strong>finições a contextos mais gerais (e.g., referindo outros pontos<br />
que não 0 e outros conjuntos que não Z, substituindo R por outro qualquer<br />
conjunto X, etc.).<br />
7. Continuando o exemplo 5, note-se que não só é verda<strong>de</strong> que qualquer função<br />
f : R → R <strong>de</strong>termina uma função <strong>de</strong> conjuntos λ aditiva na semi-álgebra<br />
F(R), como é igualmente verda<strong>de</strong> que qualquer função aditiva λ <strong>de</strong>finida e<br />
finita em F(R) <strong>de</strong>termina uma correspon<strong>de</strong>nte função f, que na realida<strong>de</strong> é<br />
única a menos <strong>de</strong> uma constante aditiva arbitrária. Para obter f, po<strong>de</strong>mos<br />
sempre tomar<br />
f(x) =<br />
B<br />
+λ(]0, x], se x ≥ 0<br />
−λ(]x, 0]), se x < 0<br />
A ∩ B<br />
A\B<br />
Figura 1.2.1: λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B)<br />
Indicamos abaixo proprieda<strong>de</strong>s comuns a quaisquer funções aditivas <strong>de</strong>finidas<br />
em semi-álgebras, <strong>de</strong> que a figura 1.2.1 ilustra um exemplo.<br />
Teorema 1.2.6. Se λ : S → Y é uma função aditiva <strong>de</strong>finida na semiálgebra<br />
S e Y = R ou Y = [0, ∞], então:<br />
5 De Oliver Heavisi<strong>de</strong> (1850 - 1925), engenheiro, físico e matemático inglês.<br />
6 Do célebre físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902 - 1984), prémio Nobel em<br />
1933. Foi um dos distintos ocupantes da Cátedra Lucasiana da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Cambridge<br />
(1932-1969), hoje ocupada pelo famoso físico Stephen Hawking. Terminou a sua vida nos<br />
Estados Unidos, on<strong>de</strong> ensinou nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Miami e do Estado da Flórida.<br />
A
1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 23<br />
a) λ(∅) = 0, ou λ(A) = +∞ para qualquer A ∈ S.( 7 )<br />
b) Se A,B ∈ S então ( 8 )<br />
λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) e λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B).<br />
c) λ é não-negativa ⇐⇒ λ é monótona ⇐⇒ λ é subaditiva.<br />
d) Se A1,A2, · · · ,An ∈ S e A1,A2, · · · ,An são disjuntos então<br />
λ(<br />
n<br />
Ak) =<br />
k=1<br />
n<br />
λ(Ak).<br />
k=1<br />
Demonstração. a) Se A ∈ S, segue-se, por aditivida<strong>de</strong>, que<br />
λ(A) = λ(A) + λ(∅).<br />
Se existe algum conjunto A tal que λ(A) = +∞, é claro que λ(∅) = 0.<br />
b) A\B e B são disjuntos e A ∪ B = (A\B) ∪ B, don<strong>de</strong><br />
(1) λ(A ∪ B) = λ(A\B) + λ(B).<br />
Analogamente, A ∩ B e A\B são disjuntos e A = (A ∩ B) ∪ (A\B), don<strong>de</strong><br />
Concluímos <strong>de</strong> (1) e (2) que<br />
(2) λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B).<br />
λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) + λ(B) = λ(A) + λ(B).<br />
c) Se λ é não-negativa e A ⊇ B, então λ(A\B) ≥ 0 e<br />
λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) = λ(B) + λ(A\B) ≥ λ(B),<br />
i.e., λ é monótona. Se λ é monótona e C ⊆ A ∪ B então<br />
λ(C) ≤ λ(A ∪ B) = λ(A ∪ (B\A)) = λ(A) + λ(B\A) ≤ λ(A) + λ(B),<br />
ou seja, λ é subaditiva. Finalmente, se λ é subaditiva e como ∅ ⊆ A ∪ A<br />
então λ(∅) ≤ 2λ(A) e λ é não-negativa.<br />
d) A <strong>de</strong>monstração fica como exercício.<br />
No caso das funções subaditivas, <strong>de</strong>ixamos como exercício obter:<br />
7 Em geral, consi<strong>de</strong>ramos apenas funções λ que não são constantes e iguais a +∞.<br />
8 Estas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser manipuladas com cuidado quando λ toma valores infinitos.<br />
Note que só po<strong>de</strong>mos escrevê-las na forma λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) − λ(A ∩ B) e<br />
λ(A\B) = λ(A) − λ(A ∩ B) quando não conduzem a in<strong>de</strong>terminações do tipo (∞ − ∞).
24 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Teorema 1.2.7. Se λ : S → Y é uma função subaditiva <strong>de</strong>finida na semiálgebra<br />
S e Y = R ou Y = [0, ∞], então:<br />
a) λ é não-negativa,<br />
b) A1,A2, · · · ,An ∈ S ⇒ λ(<br />
n<br />
Ak) ≤<br />
k=1<br />
c) Se λ(∅) = 0 então λ é monótona.<br />
Exercícios.<br />
n<br />
λ(Ak), e<br />
1. Sendo A uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X, prove que A é uma álgebra em<br />
X se e só se A é não-vazia, fechada em relação à união (ou intersecção), e à<br />
complementação.<br />
k=1<br />
2. Po<strong>de</strong> substituir-se a união pela intersecção na <strong>de</strong>finição 1.2.1?<br />
3. Mostre que a classe S dos conjuntos limitados é uma semi-álgebra em R N .<br />
Consi<strong>de</strong>re a função λ : S → R, dada por<br />
λ(A) = diam(A) = sup {x − y : x, y ∈ A} , para A ∈ S.<br />
Quais das proprieda<strong>de</strong>s referidas em 1.2.4 são satisfeitas por λ?<br />
4. Os subconjuntos finitos do conjunto X formam uma semi-álgebra? Uma<br />
álgebra?<br />
5. Sendo R um rectângulo-N limitado, mostre que E(R) é a menor álgebra em<br />
R que contém os subrectângulos <strong>de</strong> R.<br />
6. Demonstre as afirmações feitas no texto a respeito do exemplo 1.2.5.5.<br />
7. Generalize o exemplo 1.2.5.5 para o plano R 2 , sendo agora f uma função <strong>de</strong><br />
duas variáveis.<br />
8. Consi<strong>de</strong>re a seguinte experiência aleatória, para selecção <strong>de</strong> um número no<br />
intervalo [0, 6]. Primeiro, usamos uma moeda para <strong>de</strong>cidir um <strong>de</strong> dois métodos:<br />
no caso “caras”, escolhemos ao acaso um número no intervalo [0, 6] (com uma<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> constante); no caso “coroas”, rolamos um dado<br />
para escolher um número do conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Descreva a distribuição<br />
<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> λ associada a esta experiência, calculando a correspon<strong>de</strong>nte<br />
função <strong>de</strong> distribuição cumulativa f.<br />
9. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.2.6 e prove 1.2.7.
1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 25<br />
1.3 Conjuntos Jordan-Mensuráveis<br />
A teoria <strong>de</strong>senvolvida no início <strong>de</strong>ste Capítulo é manifestamente <strong>de</strong>masiado<br />
pobre para esclarecer <strong>de</strong> modo satisfatório a noção <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong> um conjunto.<br />
Afinal <strong>de</strong> contas, uma região tão simples como um triângulo não é<br />
elementar e portanto por enquanto ainda não <strong>de</strong>finimos a sua área! Nesta<br />
secção, <strong>de</strong>finimos o conteúdo-N para os conjuntos Jordan-mensuráveis( 9 ),<br />
que formam uma classe bastante mais extensa do que a classe dos conjuntos<br />
elementares. Veremos em particular que muitas figuras geométricas comuns<br />
(triângulos, círculos, elipses, etc.) são conjuntos Jordan-mensuráveis. Exploramos<br />
aqui a aproximação <strong>de</strong> conjuntos não-elementares por conjuntos<br />
elementares, tal como ilustrado na figura 1.3.1 para um círculo. Note-se<br />
Figura 1.3.1: 2 < π < 4<br />
que esta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aproximação, se bem que formalizada por Jordan e Peano<br />
apenas no final do século XIX, é na realida<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scoberta fundamental<br />
muito antiga, usualmente atribuída a Arquime<strong>de</strong>s( 10 ).<br />
Observe-se a este respeito que, se J ⊆ R N é um conjunto limitado, então<br />
existem conjuntos elementares K e U tais que K ⊆ J ⊆ U. Os conjuntos K e<br />
U aproximam J, respectivamente, por <strong>de</strong>feito e por excesso. Por esta razão,<br />
qualquer <strong>de</strong>finição “razoável” <strong>de</strong> cN(J) <strong>de</strong>ve conduzir às <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
1.3.1. cN(K) ≤ cN(J) ≤ cN(U).<br />
Como K e U são elementares, sabemos <strong>de</strong> 1.1.11 c) que<br />
K ⊆ J ⊆ U =⇒ K ⊆ U =⇒ cN(K) ≤ cN(U).<br />
Tomando nesta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> o conjunto K como fixo, concluímos que, se<br />
K ∈ E(J), então<br />
cN(K) é minorante do conjunto cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />
9 De Camille M.E. Jordan (1838 - 1922), matemático francês, professor da Escola<br />
Politécnica <strong>de</strong> Paris. As i<strong>de</strong>ias apresentadas nesta secção foram, no entanto, introduzidas<br />
pelo matemático italiano Giuseppe Peano, 1858-1932, professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Turim.<br />
10 Arquime<strong>de</strong>s, matemático e engenheiro, viveu em Siracusa (Sicília) em 287-212 A.C.,<br />
no tempo em que esta cida<strong>de</strong> era uma colónia grega. Foi, certamente, um dos mais geniais<br />
cientistas <strong>de</strong> todos os tempos.
26 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
U<br />
K J<br />
Figura 1.3.2: K e U são aproximações <strong>de</strong> J.<br />
Como o ínfimo <strong>de</strong> um conjunto é o maior dos seus minorantes, temos<br />
cN(K) ≤ inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> anterior é válida para qualquer K ∈ E(J), ou seja,<br />
inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U é majorante <strong>de</strong> {cN(K) : K ∈ E(J)} .<br />
O supremo <strong>de</strong> um conjunto é o menor dos seus majorantes, e portanto<br />
sup {cN(K) : K ∈ E(J)} ≤ inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />
O supremo e o ínfimo mencionados acima merecem <strong>de</strong>signação especial:<br />
Definição 1.3.2 (Conteúdo Interior e Exterior). Se J ⊆ R N é um conjunto<br />
limitado, o seu conteúdo interior, <strong>de</strong>signado c N (J), e o seu conteúdo<br />
exterior, <strong>de</strong>signado cN(J), são dados por<br />
c N(J) = sup {cN(K) : K ∈ E(J)} e<br />
cN(J) = inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />
Notamos agora que se cN(J) satisfaz 1.3.1 então temos igualmente<br />
c N (J) ≤ cN(J) ≤ cN(J).<br />
O ponto <strong>de</strong> partida para a teoria <strong>de</strong> Jordan é a seguinte observação, genial<br />
pela sua simplicida<strong>de</strong>:<br />
Se os conteúdos interior e exterior <strong>de</strong> J são iguais, então o<br />
conteúdo do conjunto J só po<strong>de</strong> ser igual a esse valor comum.<br />
Esta é a i<strong>de</strong>ia formalizada na próxima <strong>de</strong>finição.<br />
Definição 1.3.3 (Conteúdo <strong>de</strong> Jordan). ( 11 ) Se J ⊆ R N é limitado,<br />
11 Esta <strong>de</strong>finição foi primeiro apresentada por Peano em 1887 num trabalho muito original<br />
que inclui, igualmente pela primeira vez, as noções <strong>de</strong> interior, exterior e fronteira <strong>de</strong><br />
um subconjunto <strong>de</strong> R N e uma <strong>de</strong>finição abstracta <strong>de</strong> “função aditiva <strong>de</strong> conjuntos”, que<br />
Peano chamava “função distributiva”. O correspon<strong>de</strong>nte artigo <strong>de</strong> Jordan é <strong>de</strong> 1892.
1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 27<br />
a) Dizemos que J é jordan-mensurável se e só se c N(J) = cN(J).<br />
b) Neste caso, o conteúdo <strong>de</strong> jordan <strong>de</strong> J, <strong>de</strong>signado cN(J), é dado<br />
por cN(J) = c N(J) = cN(J).<br />
c) A classe dos conjuntos Jordan-mensuráveis <strong>de</strong> R N <strong>de</strong>signa-se por J (R N ).<br />
Mais geralmente, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos Jordan-mensuráveis<br />
<strong>de</strong> R ⊆ R N <strong>de</strong>signa-se por J (R).<br />
Se o próprio conjunto J referido em 1.3.3 é elementar, é indispensável<br />
verificar que esta <strong>de</strong>finição é compatível com a que apresentámos em 1.1.10<br />
para estes conjuntos. Por outras palavras, é necessário provar que:<br />
• Os conjuntos elementares são Jordan-mensuráveis e<br />
• O respectivo conteúdo po<strong>de</strong> ser indistintamente <strong>de</strong>terminado usando<br />
1.1.10 ou 1.3.3.<br />
Para isso, supomos J elementar e tomamos K = J = U, para observar que<br />
cN(K) ≤ c N(J) ≤ cN(J) ≤ cN(U) = cN(K).<br />
Quando J não é elementar, a <strong>de</strong>finição 1.3.3 po<strong>de</strong> ser difícil <strong>de</strong> aplicar directamente,<br />
porque exige o cálculo explícito dos conteúdos interior e exterior<br />
<strong>de</strong> J. É frequentemente mais prático utilizar a proposição seguinte:<br />
Teorema 1.3.4. J ∈ J (R N ) se e só se existem para cada ε > 0 conjuntos<br />
K,U ∈ E(R N ) tais que K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) < ε.<br />
K e U po<strong>de</strong>m ser supostos fechados ou abertos e temos ainda que<br />
cN(U) − ε < cN(K) ≤ cN(J) ≤ cN(U) < cN(K) + ε.<br />
Demonstração. Supomos que ε > 0 e os conjuntos elementares K e U são<br />
tais que<br />
K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) = cN(U) − cN(K) < ε.<br />
Como cN(K) ≤ c N(J) ≤ cN(J) ≤ cN(U), temos<br />
cN(J) − c N (J) ≤ cN(U) − cN(K) < ε, don<strong>de</strong><br />
0 ≤ cN(J) − c N (J) < ε<br />
Sendo esta última <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> válida para qualquer ε > 0, é claro que<br />
cN(J) = c N(J), i.e., J ∈ J (R N ). Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração<br />
para o exercício 4.
28 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
cN(J) − ε<br />
U<br />
cN(U) − ε<br />
K<br />
cN(K)<br />
cN(J)<br />
cN(U)<br />
J<br />
cN(K) + ε<br />
cN(J) + ε<br />
Figura 1.3.3: Aproximação <strong>de</strong> um conjunto Jordan-mensurável por conjuntos<br />
elementares.<br />
Concluímos que os conjuntos Jordan-mensuráveis são os conjuntos que<br />
po<strong>de</strong>m ser aproximados por <strong>de</strong>feito e por excesso por conjuntos elementares,<br />
“com erro arbitrariamente pequeno”. Po<strong>de</strong> também ser útil a seguinte alternativa<br />
a 1.3.4, cuja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ixamos para o exercício 5:<br />
Teorema 1.3.5. J ∈ J (R N ) se e só se existem sucessões <strong>de</strong> conjuntos<br />
elementares Kn e Un tais que Kn ⊆ J ⊆ Un e cN(Un\Kn) → 0 don<strong>de</strong><br />
Exemplo 1.3.6.<br />
lim<br />
n→+∞ cN(Kn) = lim<br />
n→+∞ cN(Un) = cN(J).<br />
Um dos problemas originalmente resolvidos por Arquime<strong>de</strong>s foi o do cálculo<br />
da área da região entre um arco da parábola y = x 2 e o eixo dos xx. Mostramos<br />
aqui que esta região é Jordan-mensurável, <strong>de</strong>ixando o cálculo da sua área para<br />
o exercício 2. Na verda<strong>de</strong>, provamos a seguir que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />
qualquer função monótona é sempre Jordan-mensurável, se bem que o cálculo<br />
da respectiva área possa ser um problema <strong>de</strong> mais difícil resolução.<br />
Consi<strong>de</strong>re-se a figura 1.3.4. A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função não-negativa f<br />
no intervalo [a, b] é o conjunto<br />
Ω = {(x, y) : a ≤ x ≤ b, 0 < y < f(x)} .<br />
Supomos que f é crescente, mas o argumento é aplicável com modificações<br />
evi<strong>de</strong>ntes a funções <strong>de</strong>crescentes. Fixado n ∈ N, dividimos o intervalo [a, b]<br />
em n subintervalos <strong>de</strong> comprimento ∆x = (b−a)<br />
n , utilizando pontos igualmente<br />
espaçados a = x0 < x1 < · · · < xn = b. Definimos intervalos Ik e rectângulos<br />
auxiliares Ak e Bk para 1 ≤ k ≤ n, tomando<br />
Ik = [xk−1, xk], Ak = Ik×]0, f(xk−1)[ e Bk = Ik×]0, f(xk)[.<br />
Sejam Kn e Un os conjuntos elementares dados por<br />
n<br />
n<br />
Kn = Ak e Un = Bk don<strong>de</strong> Kn ⊆ Ω ⊆ Un.<br />
k=1<br />
k=1
1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 29<br />
f(b)<br />
f(a)<br />
Bk<br />
Ak<br />
a b<br />
f(b) − f(a)<br />
∆x = b−a<br />
n<br />
Figura 1.3.4: A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f é Jordan-mensurável.<br />
Como a figura 1.3.4 sugere, é fácil verificar que<br />
(b − a)<br />
c2(Un\Kn) = (f(b) − f(a))∆x = (f(b) − f(a)) → 0.<br />
n<br />
Segue-se <strong>de</strong> 1.3.5 que Ω é Jordan-mensurável.<br />
O argumento anterior po<strong>de</strong> ser adaptado para provar que triângulos,<br />
círculos e, em geral, regiões limitadas por cónicas e/ou segmentos <strong>de</strong> recta<br />
são Jordan-mensuráveis. O próximo exemplo ilustra o cálculo do comprimento<br />
<strong>de</strong> subconjuntos da recta real R.<br />
Exemplo 1.3.7.<br />
∞<br />
Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto A = An, on<strong>de</strong> An = [<br />
n=1<br />
1<br />
2n ,<br />
1<br />
]. A não é<br />
2n − 1<br />
elementar, mas é natural aproximá-lo pelos conjuntos elementares<br />
KN =<br />
N<br />
An, on<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte que KN ⊂ A.<br />
n=1<br />
Por outro lado, temos ainda<br />
∞ 1<br />
An ⊆ [0, ] =⇒<br />
2n − 1<br />
n=N+1<br />
An ⊆ [0,<br />
1<br />
2N + 1 ] =⇒ A ⊆ KN<br />
1<br />
∪ [0,<br />
2N + 1 ].<br />
O conjunto UN = KN ∪[0, 1<br />
2N+1 ] é também elementar e temos KN ⊆ A ⊆ UN.<br />
Além disso,<br />
c(UN \KN) = c([0,<br />
1 1<br />
]) = → 0, quando N → ∞.<br />
2N + 1 2N + 1<br />
Concluímos <strong>de</strong> 1.3.5 que A é Jordan-mensurável, com comprimento dado por<br />
c(A) = lim<br />
N→∞ c(KN) = lim<br />
N→∞<br />
n=1<br />
N<br />
∞<br />
∞ 1<br />
c(An) = c(An) =<br />
2n(2n − 1) .<br />
n=1<br />
n=1
30 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Figura 1.3.5: Aproximação do conjunto A por conjuntos elementares.<br />
O seguinte corolário <strong>de</strong> 1.3.4 é útil para i<strong>de</strong>ntificar conjuntos Jordanmensuráveis<br />
<strong>de</strong> conteúdo nulo. A respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 8.<br />
Corolário 1.3.8. Sendo J ⊆ R N , então J é Jordan-mensurável e cN(J) = 0<br />
se e só se para qualquer ε > 0 existe um conjunto elementar U tal que<br />
Exemplo 1.3.9.<br />
J ⊆ U e cN(U) < ε.<br />
Introduzimos aqui o conjunto <strong>de</strong> Cantor( 12 ), um exemplo clássico que<br />
utilizaremos com frequência neste texto. Este conjunto obtém-se por um engenhoso<br />
processo iterativo <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> intervalos em três subintervalos iguais,<br />
seguido da remoção do subintervalo médio, como sugerido na figura 1.3.6.<br />
U4 U3 U4<br />
U2<br />
U4 U3 U4<br />
U1<br />
U4 U3 U4<br />
Figura 1.3.6: A construção <strong>de</strong> Cantor.<br />
U2<br />
U3<br />
K3<br />
U6<br />
K6<br />
U4 U3 U4<br />
Seja I um qualquer intervalo limitado fechado e ψ(I) o intervalo aberto <strong>de</strong> com-<br />
primento c(I)<br />
3 centrado no ponto médio <strong>de</strong> I. Definimos T(I) = I\ψ(I), e notamos<br />
que T(I) é a união <strong>de</strong> dois intervalos limitados fechados e c(T(I)) = 2<br />
3c(I). De forma análoga, se E = ∪n k=1Ik é uma união finita <strong>de</strong> intervalos limitados<br />
fechados disjuntos Ik, <strong>de</strong>finimos T(E) = ∪n k=1T(Ik), don<strong>de</strong> c(T(E)) = 2<br />
3c(E). 12 De Georg F.L. Cantor (1845 - 1918), matemático alemão nascido na Rússia, criador<br />
da Teoria dos Conjuntos. Este conjunto foi introduzido num trabalho <strong>de</strong> Cantor publicado<br />
em 1883. Note-se que a primeira referência à noção <strong>de</strong> conteúdo exterior, e mesmo o termo<br />
“conteúdo”, são igualmente <strong>de</strong> Cantor, e aparecem numa sua publicação <strong>de</strong> 1884.<br />
F0<br />
F1<br />
F2<br />
F3<br />
F4
1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 31<br />
O conjunto <strong>de</strong> Cantor, que <strong>de</strong>signamos C(I), é dado por<br />
C(I) =<br />
∞<br />
Fn, on<strong>de</strong> Fn =<br />
n=0<br />
[a, b], se n = 0,<br />
T(Fn−1) se n > 0.<br />
Fn é a união <strong>de</strong> 2 n intervalos disjuntos limitados e fechados, cada um com<br />
comprimento c(I)/3 n . Fn é portanto um conjunto elementar com c(Fn) =<br />
(2/3) n c(I) e temos por razões evi<strong>de</strong>ntes que<br />
C(I) =<br />
∞<br />
n=0<br />
Fn ⊂ Fn e c(Fn) = (2/3) n c(I) → 0.<br />
Segue-se assim do corolário anterior que C(I) é um conjunto Jordan-mensurável<br />
<strong>de</strong> conteúdo nulo. Deixamos para o exercício 16 verificar que C(I) é um<br />
conjunto fechado e infinito não-numerável. Note-se igualmente que se Un =<br />
Fn−1\Fn para n ≥ 1 então Un é um conjunto elementar aberto formado por 2n intervalos, cada um com comprimento 1<br />
3nc(I). Temos ainda que U = I\C(I) =<br />
∪∞ n=0Un é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos.<br />
Exemplo 1.3.10.<br />
É relativamente simples indicar conjuntos que não são Jordan-mensuráveis, e<br />
apresentamos a seguir o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet ( 13 ). Trata-se do conjunto<br />
formado pelos racionais num dado intervalo [a, b] que, para simplificar, supomos<br />
ser o intervalo [0, 1], ou seja, consi<strong>de</strong>ramos o conjunto D = Q ∩ [0, 1].<br />
Qualquer intervalo não <strong>de</strong>generado (i.e., com interior não-vazio) contém racionais<br />
e irracionais ( 14 ). Portanto, se um conjunto elementar E contém apenas<br />
racionais ou apenas irracionais, então E é formado por intervalos que se reduzem<br />
cada um a um só ponto. Neste caso, E é um conjunto finito e tem<br />
conteúdo nulo. Se D é o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet e K e U são quaisquer conjuntos<br />
elementares tais que K ⊆ D ⊆ U, então:<br />
• Como K é elementar e só contém racionais, temos c(K) = 0.<br />
• Como V = [0, 1]\U é elementar e só contém irracionais, temos c(V ) = 0<br />
e segue-se facilmente que c(U) ≥ 1.<br />
Concluímos que c(U) − c(K) ≥ 1 e portanto D não é Jordan-mensurável.<br />
Indicámos em 1.1.8 e 1.1.11 algumas proprieda<strong>de</strong>s elementares básicas da<br />
classe U(RN ) e do conteúdo-N, tal como <strong>de</strong>finido nesta classe. É importante<br />
verificar que essas proprieda<strong>de</strong>s se mantêm válidas na classe J (RN ).<br />
13 Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859), matemático alemão. O exemplo <strong>de</strong><br />
Dirichlet original é a função característica dos racionais, e foi publicado em 1829.<br />
14 Dizemos que o conjunto S ⊆ R N é <strong>de</strong>nso em R N se e só se qualquer conjunto aberto<br />
não-vazio U ⊆ R N contém pontos <strong>de</strong> S, i.e., se e só se S = R N . Nesta terminologia, os<br />
conjuntos Q e R\Q são <strong>de</strong>nsos em R.
32 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Proposição 1.3.11. A classe J (R N ) é uma semi-álgebra e o conteúdo <strong>de</strong><br />
Jordan é aditivo e não-negativo em J (R N ). Em particular, cN é monótono<br />
e subaditivo em J (R N ).<br />
Demonstração. a) Provamos apenas o fecho da classe J (R N ) em relação<br />
à união, <strong>de</strong>ixando o caso da diferença para os exercícios. Dados A,B ∈<br />
J (R N ), sabemos <strong>de</strong> 1.3.5 que existem sucessões <strong>de</strong> conjuntos elementares<br />
Kn,K ′ n,Un e U ′ n tais que<br />
Kn ⊆ A ⊆ Un, K ′ n ⊆ B ⊆ U ′ n,cN(Un\Kn) → 0,cN(U ′ n\K ′ n) → 0.<br />
Os conjuntos K ′′<br />
n = Kn ∪ K ′ n<br />
observamos que<br />
e U ′′<br />
n = Un ∪ U ′ n<br />
K ′′<br />
n ⊆ A ∪ B ⊆ U ′′<br />
n e<br />
são elementares, <strong>de</strong> 1.1.8, e<br />
U ′′<br />
n\K ′′<br />
n = [Un\(Kn ∪ K ′ n)] ∪ [U ′ n\(Kn ∪ K ′ n)] ⊆ (Un\Kn) ∪ (U ′ n\K ′ n).<br />
Temos <strong>de</strong> 1.1.11 que<br />
0 ≤ cN(U ′′<br />
n \K′′ n ) ≤ cN(Un\Kn) + cN(U ′ n \K′ n ) → 0,<br />
e concluímos <strong>de</strong> 1.3.5 que A ∪ B é Jordan-mensurável.<br />
b) Se A e B são disjuntos, os conjuntos Kn e K ′ n mencionados acima são<br />
igualmente disjuntos e portanto, <strong>de</strong> acordo com 1.3.5 e 1.1.11, temos<br />
cN(K ′′<br />
n ) → cN(A ∪ B) e cN(K ′′<br />
n ) = cN(Kn) + cN(K ′ n ) → cN(A) + cN(B),<br />
ou seja, cN(A ∪ B) = cN(A) + cN(B). É evi<strong>de</strong>nte que o conteúdo <strong>de</strong> Jordan<br />
é não-negativo, e as restantes afirmações seguem-se <strong>de</strong> 1.2.6.<br />
Deixamos para o exercício 9 a adaptação das proposições 1.1.12 e 1.1.13<br />
aos conjuntos Jordan-mensuráveis, que enunciamos da seguinte forma:<br />
Teorema 1.3.12. Se A ∈ J (R N ) e B ∈ J (R M ), então<br />
a) A × B ∈ J(R N+M ) e cN+M(A × B) = cN(A) × cM(B).<br />
b) Se x ∈ R N então A + x ∈ J (R N ) e cN(A + x) = cN(A).<br />
c) Se C é uma reflexão <strong>de</strong> A num dos hiperplanos xk = 0, então C ∈<br />
J (R N ) e cN(A) = cN(C).<br />
Os conjuntos Jordan-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser também caracterizados pelo<br />
conteúdo das respectivas fronteiras. Veremos mais adiante que esta condição<br />
é um caso particular do resultado que relaciona a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
função com o conjunto <strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> essa função é <strong>de</strong>scontínua.
1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 33<br />
Teorema 1.3.13. Se J ⊂ R N é limitado, então<br />
J ∈ J (R N ) ⇐⇒ cN(∂J) = 0.<br />
Em particular, se J é Jordan-mensurável temos cN(J) = cN(int(J)), e<br />
temos ainda cN(J) = 0 se e só se int(J) = ∅.<br />
Demonstração. Supomos que J ⊂ R N é Jordan-mensurável. Dado ε > 0,<br />
existem conjuntos elementares K e U tais que<br />
K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) < ε.<br />
Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que K é aberto e U é fechado. Neste<br />
caso, é fácil verificar que<br />
K ⊆ int(J) ⊆ J ⊆ U, don<strong>de</strong> ∂J ⊆ U\K.<br />
O conjunto U\K é elementar e cN(U\K) < ε, on<strong>de</strong> ε é arbitrário. Temos<br />
portanto, <strong>de</strong> acordo com 1.3.8, que cN(∂J) = 0. Deixamos para o exercício<br />
10 a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração.<br />
Exemplos 1.3.14.<br />
1. Note-se do anterior que os conjuntos Jordan-mensuráveis, tal como os conjuntos<br />
elementares, não po<strong>de</strong>m ter simultaneamente interior vazio e conteúdo<br />
positivo.<br />
2. Vimos já que o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet não é Jordan-mensurável, mas este facto<br />
é também consequência do resultado anterior, porque se D = Q ∩ [0, 1] então<br />
∂D = [0, 1], don<strong>de</strong> c(∂D) = 1 e D não é Jordan-mensurável.<br />
Exercícios.<br />
1. Generalize a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> 2 < π < 4 (ver figura 1.3.1) <strong>de</strong> R 2 para R N .<br />
2. Prove que a área da região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f(x) = x 2 no intervalo [0, 1] é 1<br />
3 .<br />
sugestão: Use a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>:<br />
n<br />
k=1<br />
k 2 = n3<br />
3<br />
+ n2<br />
2<br />
+ n<br />
6 .<br />
3. Mostre que J = 1<br />
n : n ∈ N é Jordan-mensurável e tem conteúdo nulo.<br />
4. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 1.3.4. Porque razão os conjuntos K e<br />
U po<strong>de</strong>m ser supostos abertos ou fechados?<br />
5. Demonstre o teorema 1.3.5.
34 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
6. Seja f : R N → R N dada por f(x) = rx. Prove que se K ∈ J (R N ) então<br />
f(K) ∈ J (R N ) e cN(f(K)) = r N cN(K).<br />
7. Prove que a área <strong>de</strong> um círculo <strong>de</strong> raio r é πr 2 e a área da região limitada<br />
por uma elipse <strong>de</strong> semi-eixos a e b é πab.( 15 )<br />
8. Prove o corolário 1.3.8.<br />
9. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.3.11 e prove o teorema 1.3.12.<br />
10. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.3.13. sugestão: Prove que se o rectângulo<br />
R intersecta tanto int(A) como ext(A) então R intersecta também ∂(A).<br />
11. Sendo A ⊆ R N limitado, prove que cN(A) − c N (A) = cN(∂A).<br />
12. Mostre que se A ⊂ R N , tanto A como A c são <strong>de</strong>nsos em R N e R é um<br />
rectângulo-N limitado com cN(R) > 0 então A ∩ R e R\A não são Jordanmensuráveis<br />
( 16 ).<br />
13. Mostre que se J ∈ J (R N ), cN(J) = 0 e K ⊆ J, então K ∈ J (R N ) e<br />
cN(K) = 0.<br />
14. Mostre que, se A ⊆ R N , B ⊆ R M , cN(A) = 0 e A e B são limitados, então<br />
A × B é Jordan-mensurável e cN+M(A × B) = 0.<br />
15. Suponha que K ∈ J (R 2 ) e seja V o sólido <strong>de</strong> revolução obtido rodando K<br />
em torno do eixo dos xx. Mostre que V ∈ J (R 3 ).<br />
16. Seja C(I) o conjunto <strong>de</strong> Cantor, tal como <strong>de</strong>finido no exemplo 1.3.9.<br />
a) Prove que C(I) é um conjunto limitado e fechado com interior vazio e<br />
conclua que C(I) é a fronteira do seu complementar.<br />
b) Verifique que C(I) é Jordan-mensurável, com conteúdo nulo.<br />
c) Mostre que os pontos <strong>de</strong> C(I) são os pontos <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> C(I),<br />
razão pela qual C(I) se diz um conjunto perfeito( 17 ).<br />
d) Prove que C(I) é infinito não-numerável e não é elementar. sugestão:<br />
Determine uma bijecção entre C(I) e o conjunto das sucessões binárias.<br />
e) Mostre que {x + y : x, y ∈ C(I)} = [0, 2].<br />
17. Dados vectores a1,a2, · · · ,aN em RN <br />
, consi<strong>de</strong>re o “paralelepípedo” P =<br />
. Prove que P é Jordan-mensurável, com cN(P) =<br />
N<br />
k=1 tkak : 0 ≤ tk ≤ 1<br />
| <strong>de</strong>t(a1,a2, · · · ,aN)| (o valor absoluto do <strong>de</strong>terminante da matriz formada<br />
pelos vectores a1, · · · ,aN). sugestão: Mostre que:<br />
15 π é naturalmente <strong>de</strong>finido como a área do círculo <strong>de</strong> raio 1.<br />
16 O exemplo <strong>de</strong> Dirichlet resulta <strong>de</strong> tomar A = Q e N = 1.<br />
17 O ponto x ∈ R N é ponto <strong>de</strong> acumulação do conjunto A ⊆ R N se e só se qualquer<br />
vizinhança <strong>de</strong> x contém pontos <strong>de</strong> A distintos <strong>de</strong> x. As noções <strong>de</strong> “ponto <strong>de</strong> acumulação”<br />
e <strong>de</strong> “conjunto perfeito” <strong>de</strong>vem-se igualmente a Cantor.
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 35<br />
a) Se a1, · · · ,aN são linearmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, então cN(P) = 0.<br />
sugestão: Consi<strong>de</strong>re equações cartesianas para P.<br />
b) P é Jordan-mensurável porque a sua fronteira tem conteúdo nulo.<br />
c) Se Q resulta <strong>de</strong> P substituindo ai por a ′ i = ai + λaj, com i = j, então<br />
cN(Q) = cN(P). sugestão: Suponha primeiro que 0 ≤ λ ≤ 1. Note que<br />
neste caso Q\P é uma translação <strong>de</strong> P \Q. Consi<strong>de</strong>re em seguida λ ∈ N.<br />
d) O conteúdo <strong>de</strong> P é o valor absoluto do <strong>de</strong>terminante indicado. sugestão:<br />
Reduza a matriz cujas linhas são os vectores ai à forma diagonal, pelo<br />
processo <strong>de</strong> eliminação <strong>de</strong> Gauss-Jordan.<br />
18. Seja T : R N → R N uma transformação linear, e K ∈ J (R N ). Mostre que<br />
T(K) ∈ J (R N ), e cN(T(K)) = |J|cN(K), on<strong>de</strong> J é o <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> T.<br />
1.4 O Integral <strong>de</strong> Riemann<br />
Como dissémos, o problema da <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> funções está directamente<br />
relacionado com o problema da <strong>de</strong>finição do conteúdo <strong>de</strong> conjuntos.<br />
Dada uma função f : I → R, on<strong>de</strong> para simplificar supomos que I = [a,b]<br />
é um intervalo, <strong>de</strong>signamos aqui por Ω + e Ω − os conjuntos ilustrados na<br />
figura 1.4.1, que são dados por<br />
Ω + = (x,y) ∈ R 2 : x ∈ I e 0 < y < f(x) e<br />
Ω − = (x,y) ∈ R 2 : x ∈ I e 0 > y > f(x) .<br />
O integral <strong>de</strong> f, dito unidimensional ou simples, porque f é função<br />
<strong>de</strong> uma variável real, e <strong>de</strong>signado usualmente por<br />
b b<br />
f(x)dx,<br />
a<br />
a<br />
<br />
f, f(x)dx ou<br />
I<br />
é a diferença das áreas ou conteúdos-2 dos conjuntos Ω + e Ω − . Estas<br />
i<strong>de</strong>ias generalizam-se facilmente a funções <strong>de</strong> N variáveis:<br />
Definição 1.4.1 (Região <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>nadas). Se R ⊆ S ⊆ R N e f : S → R,<br />
<strong>de</strong>finimos os conjuntos:<br />
• Ω + R (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ R,0 < y < f(x) , e<br />
• Ω − R (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ R,0 > y > f(x) .<br />
A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f no conjunto R é o conjunto<br />
ΩR(f) = Ω +<br />
R (f) ∪ Ω−<br />
R (f) ⊆ RN+1 .<br />
<br />
I<br />
f,
36 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
R<br />
a<br />
Figura 1.4.1:<br />
Ω +<br />
f R 2<br />
Ω −<br />
b<br />
f(x)dx = c2(Ω + ) − c2(Ω − ).<br />
Neste caso mais geral, <strong>de</strong>vemos ainda ter<br />
1.4.2.<br />
<br />
R<br />
a<br />
f(x)dx = cN+1(Ω +<br />
−<br />
R (f)) − cN+1(ΩR (f)).<br />
O integral é agora a diferença dos conteúdos-(N+1) dos conjuntos Ω +<br />
R (f)<br />
e Ω −<br />
R (f) e diz-se um integral-N. Por exemplo, um integral-2, ou duplo, é a<br />
diferença dos volumes, ou conteúdos-3, dos conjuntos Ω +<br />
R (f) e Ω−<br />
R (f). De<br />
acordo com 1.4.2, po<strong>de</strong>mos concluir que:<br />
1.4.3. As funções <strong>de</strong> N variáveis para as quais po<strong>de</strong>mos calcular<br />
o respectivo integral-N são <strong>de</strong>terminadas pelos conjuntos em R N+1<br />
cujo conteúdo-(N + 1) está <strong>de</strong>finido.<br />
Na secção anterior, <strong>de</strong>finimos o conteúdo <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis.<br />
Po<strong>de</strong>mos agora <strong>de</strong>finir o integral <strong>de</strong> funções para as quais os conjuntos<br />
Ω + R (f) e Ω− R (f) são Jordan-mensuráveis, i.e., para as quais o conjunto ΩR(f)<br />
é Jordan-mensurável( 18 ). São estas as funções Riemann-integráveis.<br />
Definição 1.4.4 (Integral <strong>de</strong> Riemann). Seja R ⊆ S ⊆ R N e f : S → R.<br />
a) f é riemann-integrável (em R) se e só se ΩR(f) é Jordan-mensurável.<br />
b) Neste caso, o integral <strong>de</strong> riemann <strong>de</strong> f em R é dado por<br />
<br />
f = cN+1(Ω<br />
R<br />
+ R (f)) − cN+1(Ω − R (f)).<br />
18 Deve verificar no exercício 1 <strong>de</strong>sta secção que ΩR(f) é Jordan-mensurável se e só se<br />
Ω +<br />
R (f) e Ω−<br />
R (f) são Jordan-mensuráveis.<br />
b
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 37<br />
c) O conjunto das funções <strong>de</strong>finidas em R e Riemann-integráveis em R é<br />
<strong>de</strong>signado por I(R).<br />
Se f é Riemann-integrável em R então, em particular, o conjunto ΩR(f)<br />
é necessariamente limitado, ou seja, f é limitada em R e o subconjunto <strong>de</strong><br />
R on<strong>de</strong> f é diferente <strong>de</strong> zero é também limitado.<br />
Não é fácil indicar critérios <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> razoavelmente gerais mas,<br />
recordando as observações feitas na secção anterior a propósito do exemplo<br />
1.3.6, quando mencionámos a parábola y = x 2 , é simples mostrar que<br />
Proposição 1.4.5. Se f é limitada e monótona no intervalo limitado I,<br />
então f é Riemann-integrável em I.<br />
Exemplos 1.4.6.<br />
1. A função f(x) = e x é integrável em qualquer intervalo limitado porque f é<br />
crescente em R.<br />
2. A função <strong>de</strong> Dirichlet dir é a função característica ( 19 ) do conjunto<br />
dos racionais, isto é,<br />
<br />
1, quando x ∈ Q,<br />
dir(x) =<br />
0, quando x ∈ Q.<br />
Deixamos como exercício verificar que esta função não é integrável em nenhum<br />
intervalo I com c(I) > 0.<br />
3. A função <strong>de</strong> Riemann( 20 ) r é <strong>de</strong>finida como se segue:<br />
⎧<br />
⎨ 0, quando x ∈ Q,<br />
r(x) = 1, quando x = 0,<br />
⎩<br />
, on<strong>de</strong> p e q são inteiros primos entre si e q > 0.<br />
1<br />
p<br />
q , quando x = q<br />
Deixamos também como exercício verificar que r é Riemann-integrável em<br />
qualquer intervalo limitado e o respectivo integral é nulo, apesar <strong>de</strong> r ser <strong>de</strong>scontínua<br />
em todos os pontos racionais.<br />
Sendo f : X → R uma função, <strong>de</strong>finimos as suas partes positiva e<br />
negativa, respectivamente f + e f − , por<br />
• f + (x) = max {f(x),0} e f − (x) = max {−f(x),0}, don<strong>de</strong><br />
• f = f + − f − e |f| = f + + f − .<br />
19 Se X é um conjunto arbitrário e A ⊆ X, a função característica <strong>de</strong> A é a função<br />
χA : X → R, que é constante e igual a 1 para x ∈ A, sendo igual a 0 para x ∈ A.<br />
20 Este exemplo foi <strong>de</strong>scoberto em 1875 pelo matemático alemão Johannes Karl Thomae,<br />
1840-1921, professor em Göttingen. Riemann foi no entanto o primeiro matemático a<br />
mostrar que existem funções integráveis <strong>de</strong>scontínuas em conjuntos <strong>de</strong>nsos, como é o caso<br />
da função r.
38 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
As proprieda<strong>de</strong>s do integral <strong>de</strong> Riemann que se seguem reflectem proprieda<strong>de</strong>s<br />
geométricas elementares do conteúdo.<br />
Teorema 1.4.7. Supondo R ⊆ S ⊆ R N e f,g : S → R, então<br />
a) f é Riemann-integrável em R se e só se f + e f − são Riemann-<br />
integráveis em R e neste caso<br />
<br />
f =<br />
R<br />
R<br />
f + <br />
− f<br />
R<br />
− ,<br />
b) Desigualda<strong>de</strong> triangular: Se f é Riemann-integrável em R, então |f|<br />
é Riemann-integrável em R e<br />
<br />
| f| ≤ |f| =<br />
R<br />
R<br />
R<br />
f + <br />
+ f<br />
R<br />
− ,<br />
c) Monotonia: Se f e g são Riemann-integráveis em R e f ≤ g então<br />
<br />
f ≤ g,<br />
R<br />
d) Homogeneida<strong>de</strong>: Se f é Riemann-integrável em R e c ∈ R, então cf<br />
é Riemann-integrável em R e<br />
<br />
(cf) = c f.<br />
R<br />
f |f|<br />
f + f −<br />
Figura 1.4.2: Regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f, f + , f − , e |f|.<br />
R<br />
R
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 39<br />
Demonstração. Provamos apenas, a título <strong>de</strong> exemplo, a afirmação a). Para<br />
isso, observe-se a figura 1.4.2. É evi<strong>de</strong>nte que:<br />
• Os conjuntos Ω +<br />
R (f) e Ω+<br />
R (f+ ) são iguais, e<br />
• O conjunto Ω +<br />
R (f − ) é a reflexão <strong>de</strong> Ω −<br />
R (f) no hiperplano xN+1 = 0.<br />
Deve ser claro que f é Riemann-integrável se e só se f + e f − são Riemannintegráveis<br />
e<br />
<br />
R<br />
f = cN+1(Ω +<br />
−<br />
R (f)) − cN+1(ΩR (f))<br />
= cN+1(Ω + R (f+ )) − cN+1(Ω + R (f − )) =<br />
<br />
R<br />
f + <br />
− f<br />
R<br />
− .<br />
Registe-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann apresentada<br />
em 1.4.4 é (essencialmente) equivalente à <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong><br />
1854, mas é distinta <strong>de</strong>sta. Actualmente, é aliás mais comum <strong>de</strong>finir o<br />
integral <strong>de</strong> Riemann usando uma terceira alternativa, com recurso às noções<br />
<strong>de</strong> integral superior e integral inferior, e que passamos a <strong>de</strong>screver.<br />
Para introduzir estas noções auxiliares, seja f : R → R uma função<br />
limitada no rectângulo-N limitado R. Se r ⊆ R, escrevemos<br />
mr = inf {f(x) : x ∈ r} e Mr = sup {f(x) : x ∈ r}.<br />
Quando P é uma partição finita <strong>de</strong> R em rectângulos não-vazios, <strong>de</strong>finimos<br />
as somas superior e inferior <strong>de</strong> Darboux( 21 ) da função f para a partição<br />
P, <strong>de</strong>signadas respectivamente por Sd(f, P) e Sd(f, P), por<br />
Sd(f, P) = <br />
MrcN(r) e Sd (f, P) = <br />
mrcN(r).<br />
r∈P<br />
Volterra( 22 ) introduziu as noções <strong>de</strong> integral superior e <strong>de</strong> integral<br />
inferior em 1881. São <strong>de</strong>finidas como se segue:<br />
Definição 1.4.8 (Integral Superior, Integral Inferior). Seja f limitada em R<br />
e <strong>de</strong>signe-se por PR a classe <strong>de</strong> todas as partições finitas <strong>de</strong> R em rectângulos.<br />
Os integrais superior <br />
<br />
f e inferior f são dados por:<br />
<br />
f = inf<br />
R<br />
<br />
Sd(f, P) : P ∈ PR e<br />
R<br />
<br />
R<br />
r∈P<br />
f = sup {Sd(f, P) : P ∈ PR}<br />
R<br />
21 Jean Gaston Darboux (1842 - 1917), matemático francês, professor na Escola Normal<br />
e na Sorbonne, e um dos principais divulgadores das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Riemann em França. Estas<br />
somas aparecem referidas em trabalhos <strong>de</strong> vários autores, todos publicados em 1875.<br />
22 Vito Volterra, 1860-1940, matemático italiano. Volterra criou a noção <strong>de</strong> “funcional”,<br />
e ensinou nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Pisa, Turim e Roma. Foi forçado a exilar-se (com 71<br />
anos!), por se recusar a prestar juramento <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao regime fascista <strong>de</strong> Mussolini.
40 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Estas noções reduzem-se facilmente aos conceitos que introduzimos na<br />
secção anterior. Em particular, o cálculo <strong>de</strong> somas <strong>de</strong> Darboux reduz-se ao<br />
cálculo do conteúdo <strong>de</strong> conjuntos elementares que aproximam a região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f. Para precisar esta última observação é apenas necessário<br />
interpretar as parcelas on<strong>de</strong> mr < 0 ou Mr < 0 como fazemos no próximo<br />
lema.<br />
Note que, sendo A ⊆ R N+1 , seguimos a convenção natural <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar<br />
por A + (e A − ), respectivamente, as partes <strong>de</strong> A acima (e abaixo) do<br />
hiperplano xN+1 = 0, ou seja, escrevendo x = (x1,x2, · · · ,xN+1), tomamos<br />
A + = {x ∈ A : xN+1 > 0} e A − = {x ∈ A : xN+1 < 0}<br />
K +<br />
U +<br />
U −<br />
K −<br />
Figura 1.4.3: Conjuntos K e U <strong>de</strong>terminados por uma partição R.<br />
Lema 1.4.9. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R, R é<br />
uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos e Ω = ΩR(f), então existem conjuntos<br />
elementares K ⊆ Ω ⊆ U tais que<br />
S d(f, R) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) e Sd(f, R) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ).<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos as seguintes subpartições <strong>de</strong> R:<br />
S + = {r ∈ R : Mr > 0}, S − = {r ∈ R : Mr < 0} e<br />
I + = {r ∈ P : mr > 0}, I − = {r ∈ P : mr < 0}.<br />
Os conjuntos elementares U + e K − são dados por (ver figura 1.4.3)<br />
U + = <br />
r∈S +<br />
r×]0,Mr[ e K − = <br />
r∈S −<br />
r×]Mr,0[
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 41<br />
Analogamente, os conjuntos elementares K + e U − são dados por<br />
K + = <br />
r∈I +<br />
r×]0,mr[ e U − = <br />
r∈I −<br />
r×]mr,0[<br />
É fácil constatar que K + ⊆ Ω + ⊆ U + , K − ⊆ Ω − ⊆ U − , e um cálculo<br />
imediato mostra que<br />
S d (f, R) = S d (f, I + ) + S d (f, I − ) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) e<br />
Sd(f, R) = Sd(f, S + ) + Sd(f, S − ) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ).<br />
O lema anterior conduz directamente a:<br />
Lema 1.4.10 (<strong>de</strong> Peano). Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado<br />
R e Ω = ΩR(f) então<br />
<br />
f = cN+1(Ω<br />
R<br />
+ ) − cN+1 (Ω − <br />
) e<br />
f = cN+1 (Ω<br />
R<br />
+ ) − cN+1(Ω − ).<br />
Demonstração. Se P é uma partição <strong>de</strong> R, segue-se do lema anterior e das<br />
<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> cN e c N que<br />
S d(f, P) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ≤ cN(Ω + ) − c N(Ω − ) e<br />
Sd(f, P) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ) ≥ c N(Ω + ) − cN(Ω − ).<br />
Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />
<br />
(1)<br />
f ≤ cN+1 (Ω<br />
R<br />
+ ) − cN+1(Ω − ) ≤ cN+1(Ω + ) − cN+1 (Ω − <br />
) ≤<br />
Suponha-se agora que K − ,K + e V,W são conjuntos elementares tais que<br />
K + ⊆ Ω + ⊆ V e K − ⊆ Ω − ⊆ W. Po<strong>de</strong>mos sempre tomar V = U + e<br />
W = U − , on<strong>de</strong> U é elementar (porquê?), e recordamos do exercício 12 da<br />
secção 1.1 que existe uma partição P tal que<br />
K = <br />
r × Ir e U = <br />
r × Jr,<br />
r∈R<br />
on<strong>de</strong> os Ir e Jr são conjuntos elementares em R. Um momento <strong>de</strong> reflexão<br />
revela que, para qualquer r ∈ P, temos necessariamente<br />
r∈R<br />
f.<br />
R<br />
Ir ⊆]mr,Mr[⊆ Jr, don<strong>de</strong> Mr − mr ≤ c(Jr) − c(Ir) e portanto<br />
Sd(f, P) − Sd(f, P) = <br />
(Mr − mr)cN(r) ≤ <br />
[c(Jr) − c(Ir)] cN(r) =<br />
r∈P<br />
r∈P
42 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
<br />
c(Jr)cN(r) − <br />
c(Ir)cN(r) = cN+1(U) − cN+1(K).<br />
r∈P<br />
Segue-se facilmente que<br />
r∈P<br />
Sd(f, P)−S d(f, P) ≤ cN+1(U + ) − cN+1(K − ) − cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ,<br />
don<strong>de</strong> obtemos ainda<br />
<br />
f −<br />
R<br />
e finalmente<br />
<br />
(2) f −<br />
R<br />
f ≤<br />
R<br />
cN+1(U + ) − cN+1(K − ) − cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ,<br />
f ≤<br />
R<br />
cN+1(Ω + ) − cN+1 (Ω − ) − cN+1 (Ω + ) − cN+1(Ω − ) .<br />
As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em (1) e (2) estabelecem a igualda<strong>de</strong> a provar.<br />
O próximo resultado é um corolário directo <strong>de</strong>ste lema. É o seu conteúdo<br />
que é actualmente a mais tradicional <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann.<br />
Corolário 1.4.11. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R<br />
então f é Riemann-integrável em R se e só se<br />
<br />
<br />
f = f, e neste caso f = f = f<br />
R R<br />
R R R<br />
Demonstração. De acordo com 1.4.10, temos <br />
Rf = f se e só se<br />
R<br />
cN+1(Ω + ) − c N+1(Ω − ) = c N+1(Ω + ) − cN+1(Ω − ) ⇐⇒<br />
⇐⇒ cN+1(Ω + ) − c N+1(Ω + ) = c N+1(Ω − ) − cN+1(Ω − ) = 0<br />
É portanto claro que <br />
Rf =<br />
Jordan-mensuráveis, e neste caso temos<br />
<br />
f =<br />
R<br />
R f se e só se os conjuntos Ω+ e Ω − são<br />
f = cN+1(Ω<br />
R<br />
+ ) − cN+1(Ω − ) =<br />
É também possível verificar a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f sem calcular explicitamente<br />
os seus integrais superior e inferior. Po<strong>de</strong>mos em vez disso recorrer<br />
à i<strong>de</strong>ia subjacente a 1.3.4, que referimos a propósito do problema análogo <strong>de</strong><br />
caracterização dos conjuntos Jordan-mensuráveis. Deixamos como exercício<br />
a <strong>de</strong>monstração da proposição seguinte.<br />
Proposição 1.4.12. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R<br />
então f é Riemann-integrável em R se e só se existe para cada ε > 0 uma<br />
partição P <strong>de</strong> R tal que Sd(f, P) − S d(f, P) < ε.<br />
<br />
R<br />
f.
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 43<br />
Em abono da verda<strong>de</strong> histórica, sublinhe-se a terminar que as i<strong>de</strong>ias<br />
sobre integrais <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> Riemann (1854), Darboux (1875) e Volterra<br />
(1881), obviamente prece<strong>de</strong>ram os trabalhos sobre o conteúdo <strong>de</strong> conjuntos<br />
<strong>de</strong> Cantor (1884), Peano (1887) e Jordan (1892). Quase certamente, os<br />
trabalhos <strong>de</strong> Darboux e Volterra foram inspiração <strong>de</strong>cisiva em especial para<br />
Cantor e Peano. Em qualquer caso, as i<strong>de</strong>ias abordadas nesta secção eram<br />
seguramente familiares a Peano, que conhecia, por exemplo, o lema 1.4.10,<br />
aqui i<strong>de</strong>ntificado com o seu nome. Mostrámos que a <strong>de</strong>finição 1.4.4 é equivalente<br />
à afirmação no corolário 1.4.11, mas a sua equivalência à <strong>de</strong>finição<br />
original <strong>de</strong> Riemann, que aliás ainda não apresentámos, só será estabelecida<br />
mais adiante.<br />
Exercícios.<br />
1. Prove que ΩR(f) é Jordan-mensurável se e só se os conjuntos Ω +<br />
R (f) e Ω−<br />
R (f)<br />
são ambos Jordan-mensuráveis.<br />
2. Mostre que se f = 0 apenas num subconjunto finito <strong>de</strong> R então f é Riemannintegrável<br />
em R e <br />
f = 0.<br />
R<br />
3. Suponha que o conjunto on<strong>de</strong> f = 0 é uma união <strong>de</strong> conjuntos Jordanmensuráveis<br />
disjuntos A1, A2, · · · , Am em R N , e que f(x) = ak, quando x ∈<br />
Ak. Mostre que<br />
<br />
R N<br />
f =<br />
m<br />
akcN(Ak).<br />
k=1<br />
4. Mostre que a função f(x) = sen( 1<br />
x ) é integrável em ]0, 1].<br />
5. Suponha que f está <strong>de</strong>finida em R, R ⊇ S, g é a restrição <strong>de</strong> f a S e f(x) = 0<br />
quando x ∈ S. Mostre que f é integrável em R se e só se g é integrável em S<br />
e que, neste caso, <br />
f = g.<br />
R S<br />
6. Prove que se f e g são funções Riemann-integráveis em R, então as funções<br />
m e M <strong>de</strong>finidas por m(x) = min {f(x), g(x)} e M(x) = max {f(x), g(x)} são<br />
igualmente integráveis em R.<br />
7. Suponha que f é Riemann-integrável no conjunto limitado R. Prove que<br />
o gráfico <strong>de</strong> f em R, i.e., o conjunto G = {(x, y) : x ∈ R, y = f(x)}, tem<br />
conteúdo nulo. Se o gráfico da função f tem conteúdo nulo, po<strong>de</strong>mos concluir<br />
que f é integrável?<br />
8. Seja f Riemann-integrável em R N , a ∈ R N e b ∈ R. O que po<strong>de</strong> dizer sobre<br />
a integrabilida<strong>de</strong> e o valor dos integrais das funções dadas por<br />
g(x) = f(x − a), h(x) = bf(x) e u(x) = f(bx)?
44 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
9. Calcule os integrais superior e inferior da função <strong>de</strong> Dirichlet num qualquer<br />
intervalo limitado I ⊂ R.<br />
10. Demonstre a proposição 1.4.12. Como se po<strong>de</strong> adaptar 1.4.12 para contemplar<br />
regiões <strong>de</strong> integração “arbitrárias”?<br />
11. Demonstre as seguintes proprieda<strong>de</strong>s da função <strong>de</strong> Riemann (exemplo 1.4.6.3):<br />
a) Se ε > 0, então o conjunto {x ∈ I : r(x) ≥ ε} é finito.<br />
b) A função <strong>de</strong> Riemann r é integrável em qualquer intervalo limitado I.<br />
sugestão: Dado ε > 0, e sendo Rε = I × [0, ε], mostre que Rε ∪ ΩI(r)<br />
é um conjunto elementar.<br />
c) A função r é contínua em x se e só se x é irracional.<br />
12. Se a função f é Riemann-integrável em R, os respectivos conjuntos <strong>de</strong> nível,<br />
i.e., os conjuntos {x ∈ R : f(x) = a} são sempre Jordan-mensuráveis? E os<br />
conjuntos {x ∈ R : f(x) > a}?<br />
13. Mostre que o produto <strong>de</strong> funções Riemann-integráveis é Riemann-integrável.<br />
sugestão: Comece por supor que as funções em causa não tomam valores<br />
negativos.<br />
14. Verifique que a composição <strong>de</strong> funções Riemann-integráveis po<strong>de</strong> não ser<br />
Riemann-integrável. sugestão: Determine uma função Riemann-integrável f<br />
tal que dir = f ◦ r.<br />
15. Sendo f Riemann-integrável em [0, R] e C = {(x, y) : x 2 +y 2 < R}, consi<strong>de</strong>re<br />
a função g <strong>de</strong>finida em C por g(x, y) = f( x 2 + y 2 ). Mostre que g é integrável<br />
em C e ( 23 )<br />
<br />
C<br />
R<br />
g(x, y)dxdy = 2π f(r)rdr.<br />
1.4.1 O Espaço das Funções Integráveis<br />
A aditivida<strong>de</strong> do integral em relação à função integranda é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
<br />
(f + g) = f + g,<br />
R<br />
R<br />
que, como veremos, é válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que f e g sejam ambas Riemann-integráveis<br />
em R. A aditivida<strong>de</strong> do integral tem ainda um significado geométrico<br />
claro, mas já não é tão simples <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a partir <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s do<br />
conteúdo <strong>de</strong> Jordan. Provamo-la a seguir usando somas <strong>de</strong> Darboux para as<br />
23 Este cálculo é um exemplo simples <strong>de</strong> “mudança <strong>de</strong> variáveis” para coor<strong>de</strong>nadas po-<br />
lares, dadas por x = r cos θ, y = r sen θ.<br />
R<br />
0
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 45<br />
diversas funções integrandas. No que se segue, o integral <strong>de</strong>finido (<strong>de</strong><br />
Riemann, em R) é o funcional φ : I(R) → R, dado por ( 24 )<br />
<br />
φ(f) = f.<br />
Teorema 1.4.13. Sendo R ⊆ RN e f,g : R → R funções Riemannintegráveis<br />
em R, então f + g é Riemann-integrável em R e:<br />
<br />
(f + g) = f + g.<br />
R<br />
Temos ainda que I(R) é um espaço vectorial e o integral <strong>de</strong>finido φ : I(R) →<br />
R é um funcional linear.<br />
Demonstração. Supomos para simplificar que R é um rectângulo limitado.<br />
Designando aqui por Mr(h) o supremo da função h no conjunto r, e por<br />
mr(h) o ínfimo <strong>de</strong> h em r, <strong>de</strong>ve ser claro que, para qualquer r ⊆ R, temos<br />
mr(f) + mr(g) ≤ mr(f + g) ≤ Mr(f + g) ≤ Mr(f) + Mr(g).<br />
Resulta <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que se R é uma partição <strong>de</strong> R então<br />
S d(f, R) + S d(g, R) ≤ S d(f + g, R) ≤ Sd(f + g, R) ≤ Sd(f, R) + Sd(g, R)<br />
Concluímos que<br />
<br />
Sd(f, R) + Sd(g, R) ≤<br />
R<br />
<br />
(f + g) ≤<br />
R<br />
R<br />
R<br />
(f + g) ≤ Sd(f, R) + Sd(g, R)<br />
R<br />
Como R é uma partição arbitrária <strong>de</strong> R obtemos igualmente<br />
<br />
f + g ≤ (f + g) ≤ (f + g) ≤ f +<br />
R R R<br />
R<br />
R<br />
É portanto claro que se f e g são integráveis em R então f + g é também<br />
integrável em R e <br />
(f + g) = f + g.<br />
R<br />
R R<br />
Combinando este resultado com a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> estabelecida<br />
em 1.4.7, resulta finalmente que I(R) é um espaço vectorial( 25 ) e φ<br />
é um funcional linear.<br />
24 A função φ diz-se um funcional, precisamente porque o seu domínio é uma classe <strong>de</strong><br />
funções. Um funcional é linear se é uma transformação linear <strong>de</strong> espaços vectoriais.<br />
25 O conjunto <strong>de</strong> todas as funções f : X → R, por vezes <strong>de</strong>signado R X , é sempre um<br />
espaço vectorial real, com as operações usuais <strong>de</strong> soma <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> produto <strong>de</strong> funções<br />
por números reais, qualquer que seja o conjunto X. Portanto, qualquer subconjunto não<br />
vazio <strong>de</strong> R X que seja fechado em relação a estas operações é um seu subespaço vectorial.<br />
g<br />
R
46 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
f<br />
g<br />
Figura 1.4.4: f − g1 é o conteúdo da região entre os gráficos <strong>de</strong> f e g.<br />
O funcional ν : I(R) → R dado por ν(f) = f1 = <br />
R |f| tem também<br />
um papel importante na Análise, porque é frequentemente utilizado como<br />
medida da distância entre funções integráveis f e g, tomando essa distância<br />
como sendo f − g1. Este funcional diz-se a norma L1 <strong>de</strong> f, por razões<br />
que esclareceremos mais adiante( 26 ).<br />
A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> indicada em 1.4.13 a) po<strong>de</strong> ser generalizada<br />
para quaisquer somas finitas por um argumento elementar <strong>de</strong> indução.<br />
É no entanto fundamental reconhecer que não é facilmente generalizável a<br />
séries <strong>de</strong> funções, porque em geral as operações <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> passagem<br />
ao limite (implícita no cálculo da soma <strong>de</strong> uma série) não comutam, i.e.,<br />
<br />
<br />
fn(x)dx é distinto <strong>de</strong> lim<br />
n→+∞ fn(x)dx.<br />
lim<br />
n→+∞<br />
Exemplos 1.4.14.<br />
I<br />
1. Consi<strong>de</strong>rem-se as funções fn dadas por:<br />
<br />
n, se x ∈]0, 1/n[ e<br />
fn(x) =<br />
0, se x ∈]0, 1/n[.<br />
Como fn(x) → 0 para qualquer x ∈ R e 1<br />
0 fn(x)dx = 1 para qualquer n ∈ N,<br />
temos que<br />
1<br />
lim fn(x)dx = 1 é obviamente distinto <strong>de</strong><br />
n→+∞<br />
0<br />
Para obter funções Riemann-integráveis g e gn tais que<br />
∞<br />
1<br />
∞<br />
1<br />
g(x) = gn(x) e g(x)dx = gn(x)dx,<br />
n=1<br />
po<strong>de</strong>mos por exemplo tomar<br />
0<br />
I<br />
n=1<br />
1<br />
gn(x) = fn(x) − fn−1(x) com f0 = 0, e g(x) =<br />
0<br />
0<br />
lim<br />
n→+∞ fn(x)dx = 0.<br />
∞<br />
gn(x).<br />
26 Este funcional é na realida<strong>de</strong> uma semi-norma no espaço I(R). Veja a este respeito<br />
o exercício 6.<br />
n=1
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 47<br />
Note-se que a dificulda<strong>de</strong> ilustrada neste exemplo nada tem a ver com eventuais<br />
<strong>de</strong>ficiências técnicas da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann, porque os cálculos em causa são<br />
inteiramente elementares.<br />
2. A passagem ao limite sob o sinal <strong>de</strong> integral po<strong>de</strong> também ser impossível<br />
porque o limite f não é Riemann-integrável. Para ilustrar esta possibilida<strong>de</strong>,<br />
seja I = [0, 1] e D = {q1, · · · , qn, · · · } = Q∩I o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet. Tomamos<br />
Qn = {qk : k ≤ n} e <strong>de</strong>finimos fn : [0, 1] → R por<br />
Deve ser quase óbvio que<br />
fn(x) =<br />
1, se x ∈ Qn e<br />
0, se x ∈ Qn.<br />
• fn é Riemann-integrável em qualquer intervalo e tem integral nulo, porque<br />
é diferente <strong>de</strong> zero apenas num conjunto finito, mas<br />
• fn(x) → f(x) = dir(x) para qualquer x ∈ R, e esta função não é Riemann-integrável<br />
em nenhum intervalo com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />
A dificulda<strong>de</strong> exibida neste exemplo está directamente ligada com insuficiências<br />
da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann, e veremos adiante como é minimizada pela introdução<br />
da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lebesgue. O exemplo po<strong>de</strong> ser igualmente adaptado para<br />
ilustrar dificulda<strong>de</strong>s do mesmo tipo com a integração <strong>de</strong> séries, ou seja, para<br />
<strong>de</strong>terminar funções Riemann-integráveis gn tais que<br />
∞ ∞<br />
1<br />
1<br />
g(x) = gn(x), gn(x)dx converge e g(x)dx não existe,<br />
n=1<br />
n=1<br />
porque g não é Riemann-integrável.<br />
Exercícios.<br />
0<br />
1. Sendo R = [0, 1], <strong>de</strong>termine funções fn, gn ∈ I(R), tais que:<br />
a) g(x) =<br />
<br />
b) lim<br />
n→∞<br />
<br />
c) lim<br />
n→∞<br />
∞<br />
gn(x) ∈ I(R), mas<br />
n=1<br />
∞<br />
1<br />
gn(x)dx converge.<br />
n=1<br />
0<br />
fn = 0, mas lim<br />
R<br />
n→∞ fn(x) não existe, para nenhum x ∈ R.<br />
fn não existe, mas lim<br />
R<br />
n→∞ fn(x) existe, para qualquer x ∈ R.<br />
2. Mostre que a função <strong>de</strong> Dirichlet dir é dada por:<br />
dir(x) = lim<br />
m→∞ lim<br />
n→∞ (cosm!πx)2n .<br />
3. Suponha que a série <strong>de</strong> potências ∞<br />
n=1 anx n converge para |x| < r, e mostre<br />
que esta série po<strong>de</strong> ser integrada termo-a-termo em qualquer intervalo [a, b] ⊂<br />
] − r, r[. sugestão: Prove que a série converge uniformemente em [a, b].<br />
0
48 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
4. A função f(x) = ∞ n=0<br />
o conjunto <strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> f é contínua?<br />
(−1) n<br />
2 n int(nx) é Riemann-integrável em [0, 1]? Qual é<br />
5. Sendo H a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> (a função característica do intervalo [0, ∞[),<br />
e Q ∩ [0, 1] = {qn : n ∈ N}, consi<strong>de</strong>re-se:<br />
f(x) =<br />
∞ (−1) n<br />
H(x − qn).<br />
2n n=1<br />
A função f é Riemann-integrável em [0, 1]? Qual é o seu conjunto <strong>de</strong> pontos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>?<br />
Recor<strong>de</strong> que se V é um espaço vectorial real, ou complexo, então uma função<br />
ν : V → R diz-se uma norma se e só se ν tem as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />
a) Desigualda<strong>de</strong> triangular: ν(u+v) ≤ ν(u)+ν(v), para quaisquer vectores<br />
u,v ∈ V,<br />
b) Homogeneida<strong>de</strong>: ν(αu) = |α|ν(u), para qualquer vector u e escalar α,<br />
c) Positivida<strong>de</strong>: ν(u) ≥ 0, e ν(u) = 0 se e só se u = 0.<br />
Sendo ν uma norma no espaço vectorial V, que se diz neste caso um espaço<br />
vectorial normado, a distância entre vectores u e v em V é <strong>de</strong>finida por<br />
d(u,v) = ν(u − v). Se o funcional ν goza das proprieda<strong>de</strong>s acima indicadas,<br />
com a única excepção que po<strong>de</strong>m existir vectores não-nulos u para os quais<br />
ν(u) = 0, então ν diz-se uma semi-norma.<br />
6. Mostre que o funcional ν(f) = f1 é uma semi-norma em I(R).<br />
1.4.2 Integrais In<strong>de</strong>finidos<br />
É usual dizer que a função real <strong>de</strong> variável real f é um “integral in<strong>de</strong>finido”<br />
quando f é da forma<br />
x<br />
f(x) = g(t)dt,<br />
a<br />
on<strong>de</strong> g é uma função Riemann-integrável num dado intervalo I, a variável<br />
x ∈ I e a ∈ I está fixo. Respeitamos aqui a usual convenção <strong>de</strong> tomar<br />
x a<br />
g(t)dt = − g(t)dt quando x < a.<br />
a<br />
x<br />
A mesma terminologia aplica-se a funções <strong>de</strong> várias variáveis, usando agora<br />
integrais em rectângulos, e.g., quando<br />
x y<br />
F(x,y) = G(s,t)dsdt.<br />
a<br />
Introduzimos aqui uma i<strong>de</strong>ia ligeiramente mais geral, que correspon<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar<br />
o integral in<strong>de</strong>finido como uma função <strong>de</strong> conjuntos, cuja variável<br />
b
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 49<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é uma região <strong>de</strong> integração “arbitrária”, que em particular não<br />
é necessariamente um intervalo ou um rectângulo. Mais especificamente, e<br />
dada uma qualquer função f : R → R, consi<strong>de</strong>ramos a classe dos subconjuntos<br />
<strong>de</strong> R on<strong>de</strong> f é Riemann-integrável, que <strong>de</strong>signamos por Jf(R), notamos<br />
que Jf(R) nunca é uma classe vazia (porquê?), e introduzimos<br />
Definição 1.4.15 (Integral In<strong>de</strong>finido). O integral in<strong>de</strong>finido (<strong>de</strong> Riemann)<br />
<strong>de</strong> f em R é a função <strong>de</strong> conjuntos λ : Jf(R) → R dada por:<br />
<br />
λ(E) = f.<br />
Se a função f é Riemann-integrável em R, é fácil verificar que f é igualmente<br />
integrável pelo menos em qualquer subconjunto Jordan-mensurável<br />
<strong>de</strong> R, i.e., temos neste caso que J (R) ⊆ Jf(R).<br />
Teorema 1.4.16. Seja f : R → R uma função Riemann-integrável em<br />
R ⊆ RN . Se E ⊆ R é Jordan-mensurável, então f é Riemann-integrável<br />
em E, e <br />
f = fχE.<br />
E<br />
ΩR(f)<br />
E<br />
E × J<br />
Figura 1.4.5: ΩE(f) = ΩR(f) ∩ (E × J) = ΩR(fχE).<br />
R<br />
E<br />
J<br />
ΩE(f)<br />
Demonstração. A função f é limitada em R, i.e., existe m ∈ R tal que<br />
−m < f(x) < m. Se J = [−m,m], então E×J é Jordan-mensurável, porque<br />
é um produto <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis (veja-se 1.3.12). Deve ser<br />
evi<strong>de</strong>nte que<br />
ΩE(f) = ΩR(f) ∩ (E × J) = ΩR(fχE).<br />
O conjunto ΩR(f) ∩ (E × J) é portanto Jordan-mensurável, porque é a<br />
intersecção <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis (1.3.11). Por outras palavras,<br />
f é Riemann-integrável em E e é óbvio que<br />
<br />
f = fχE.<br />
E<br />
R
50 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Po<strong>de</strong>mos generalizar a qualquer integral in<strong>de</strong>finido os resultados indicados<br />
para o conteúdo <strong>de</strong> Jordan em 1.3.11.<br />
Teorema 1.4.17. Jf(R) é uma semi-álgebra e λ é aditivo em Jf(R).<br />
Temos ainda que:<br />
a) Se f ≥ 0 em R então λ é não-negativo, monótono e subaditivo,<br />
b) Se f é integrável em R então Jf(R) ⊇ J (R) é uma álgebra.<br />
Demonstração. Tal como fizémos em 1.3.11, verificamos apenas a título <strong>de</strong><br />
exemplo que a classe Jf(R) é fechada em relação à união e provamos a<br />
aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> λ. Simplificamos a notação, escrevendo abreviadamente, e.g.,<br />
ΩA em vez <strong>de</strong> ΩA(f). Sendo C = A ∪ B, on<strong>de</strong> A,B ∈ Jf(R), temos então<br />
que (ver Figura 1.4.6):<br />
• f é Riemann-integrável em A e em B, i.e., os conjuntos ΩA e ΩB são<br />
Jordan-mensuráveis.<br />
• O conjunto ΩC = ΩA ∪ ΩB é igualmente Jordan-mensurável.<br />
• Portanto, f é Riemann-integrável em C, i.e., C ∈ Jf(R).<br />
Se A e B são disjuntos, então Ω +<br />
A e Ω+<br />
B são igualmente disjuntos, assim<br />
. Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é aditivo, temos<br />
como Ω −<br />
A<br />
e Ω−<br />
B<br />
cN+1(Ω +<br />
+<br />
C ) = cN+1(Ω<br />
A<br />
cN+1(Ω −<br />
C<br />
−<br />
) = cN+1(ΩA ∪ Ω+<br />
B<br />
∪ Ω−<br />
B<br />
), e<br />
+ +<br />
) = cN+1(Ω<br />
A ) + cN+1(Ω<br />
B<br />
−<br />
−<br />
) = cN+1(ΩA ) + cN+1(ΩB ).<br />
Subtraindo estas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, concluímos que λ(C) = λ(A) + λ(B).<br />
A B A ∪ B<br />
Figura 1.4.6: Regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas em A, B e A ∪ B.<br />
A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> uma função característica χE é o produto<br />
cartesiano E×]0,1[. Se E ⊆ R ⊆ RN é Jordan-mensurável, temos portanto:<br />
<br />
χE = cN+1(E×]0,1[) = cN(E) × 1 = cN(E).<br />
R<br />
Não é difícil mostrar que se χE é integrável em R N então E é Jordanmensurável,<br />
pelo que temos na verda<strong>de</strong>:
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 51<br />
Teorema 1.4.18. O conteúdo-N é o integral in<strong>de</strong>finido da função f i<strong>de</strong>nticamente<br />
igual a 1 no conjunto R N .<br />
O teorema acima é <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> quase trivial, mas encerra uma<br />
i<strong>de</strong>ia que complementa <strong>de</strong> forma muito interessante o que dissémos em 1.4.3.<br />
De um ponto <strong>de</strong> vista intuitivo, e como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cN+1(ΩR ) = cN(E)×1 =<br />
cN(E) <strong>de</strong>ve ser sempre válida, é também natural esperar que a seguinte<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> seja sempre válida:<br />
<br />
cN(E) = χE.<br />
Por outras palavras, <strong>de</strong>terminar o conteúdo-N do conjunto E <strong>de</strong>ve ser equivalente<br />
a <strong>de</strong>terminar o integral-N da respectiva função característica χE e,<br />
portanto, também é verda<strong>de</strong> que<br />
1.4.19. Os conjuntos em R N para os quais po<strong>de</strong>mos calcular o respectivo<br />
conteúdo-N são <strong>de</strong>terminados pelas funções (<strong>de</strong> N variáveis)<br />
cujo integral-N está <strong>de</strong>finido.<br />
Exemplos 1.4.20.<br />
1. A teoria <strong>de</strong>senvolvida até aqui não atribui um integral à função <strong>de</strong> Dirichlet,<br />
por exemplo, quando a região <strong>de</strong> integração é o intervalo [0, 1]. De forma<br />
equivalente, não atribui um comprimento ao conjunto Q ∩[0, 1], formado pelos<br />
racionais do mesmo intervalo.<br />
2. Recor<strong>de</strong>-se do exemplo 1.3.7 que se<br />
A =<br />
∞<br />
[ 1<br />
2n ,<br />
1<br />
2n − 1 ], então A ∈ J (RN ) e c(A) =<br />
n=1<br />
R<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
2n(2n − 1) .<br />
Portanto, se f é a função característica do conjunto A, temos igualmente<br />
∞ 1<br />
f =<br />
2n(2n − 1) .<br />
Exercícios.<br />
R<br />
n=1<br />
1. Complete a <strong>de</strong>monstração da proposição 1.4.17.<br />
2. Suponha que f é Riemann-integrável no conjunto R e que g é limitada em<br />
R. Mostre que, se o conjunto {x ∈ R : f(x) = g(x)} tem conteúdo nulo, então<br />
g é integrável em R e <br />
f = R g.<br />
R<br />
3. Demonstração a proposição 1.4.18. sugestão: Mostre que S(χE, P) ≤<br />
c N (E) ≤ cN(E) ≤ S(χE, P).
52 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
1.4.3 Continuida<strong>de</strong> e Integrabilida<strong>de</strong><br />
Des<strong>de</strong> cedo se suspeitou que a integrabilida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> uma<br />
função limitada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fortemente da “extensão” do conjunto <strong>de</strong> pontos<br />
on<strong>de</strong> a função é <strong>de</strong>scontínua. Por outras palavras, se f : R → R é limitada<br />
num rectângulo compacto R e <strong>de</strong>scontínua apenas em S ⊂ R, on<strong>de</strong> S é<br />
“pequeno”, esperava-se que f fosse integrável em R. O exemplo <strong>de</strong> Riemann<br />
1.4.6.3 mostra no entanto que não é fácil tornar rigorosa esta i<strong>de</strong>ia. Afinal <strong>de</strong><br />
contas, a função <strong>de</strong> Riemann é <strong>de</strong>scontínua no conjunto dos racionais, que<br />
não é Jordan-mensurável. Por outro lado, o conjunto dos racionais é <strong>de</strong>nso<br />
em R e era também opinião corrente entre muitos matemáticos que qualquer<br />
teoria razoável sobre a “extensão” <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong>via consi<strong>de</strong>rar os conjuntos<br />
<strong>de</strong>nsos como “gran<strong>de</strong>s”. Não é por isso surpreen<strong>de</strong>nte que o esclarecimento<br />
da relação entre continuida<strong>de</strong> e integrabilida<strong>de</strong> tenha sido uma fonte <strong>de</strong> trabalhos<br />
inovadores, que revelaram muitas das pistas conduzindo à mo<strong>de</strong>rna<br />
teoria da medida.<br />
Supomos aqui conhecida a seguinte famosa caracterização dos conjuntos<br />
compactos em R N :<br />
Teorema 1.4.21 (Heine-Borel). ( 27 )O conjunto K ⊆ R N é compacto se e<br />
só se é limitado e fechado. Em particular, os rectângulos compactos são os<br />
rectângulos limitados e fechados.<br />
É conveniente introduzir a noção <strong>de</strong> oscilação <strong>de</strong> uma função f : R → R.<br />
Se s ⊆ R ⊆ R N é não-vazio, <strong>de</strong>signamos por Ms e ms, como usualmente,<br />
respectivamente o supremo e ínfimo <strong>de</strong> f em s, e <strong>de</strong>finimos a função (<strong>de</strong><br />
conjuntos) Oscf por:<br />
1.4.22. Oscf(s) = Ms − ms.<br />
Dado x ∈ R N e r > 0, <strong>de</strong>signamos por B(x,r) ou Br(x) a Bola Aberta<br />
<strong>de</strong> raio r e centro em x, ou seja,<br />
B(x,r) = Br(x) = {y ∈ R N : x − y < r}.<br />
Se x ∈ R, a função φ(x,r) = Oscf(Br(x) ∩ R) ≥ 0 está <strong>de</strong>finida para r > 0<br />
e é crescente em r. Em particular, com x fixo existe sempre o limite <strong>de</strong><br />
φ(x,r) quando r → 0:<br />
27<br />
Heinrich Eduard Heine, matemático alemão, 1821-1881, referiu pela primeira vez a<br />
i<strong>de</strong>ia subjacente a este teorema, ao provar que uma função contínua num intervalo limitado<br />
e fechado é uniformemente contínua. Félix Edouard Justine Émile Borel, matemático<br />
e político francês, 1871-1956, <strong>de</strong>ixou uma obra muita extensa, e foi um dos principais<br />
criadores da Teoria da <strong>Medida</strong>. Borel introduziu este teorema na sua tese, publicada como<br />
Sur quelques points <strong>de</strong> la théorie <strong>de</strong>s fonctions, em Annales Scientifiques <strong>de</strong> l’E.N.S., 3 e<br />
série, tome 12 (1895), pp. 9-55. O teorema <strong>de</strong> Heine-Borel, na sua forma actual, em R N ,<br />
foi apresentado por Vitali em 1905, num dos principais artigos sobre a mo<strong>de</strong>rna teoria da<br />
integração.
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 53<br />
Definição 1.4.23 (Oscilação <strong>de</strong> uma função limitada). Se f : R → R é uma<br />
função limitada, a sua oscilação é a função ωf : R → R dada por:<br />
ωf(x) = lim<br />
r→0 φ(x,r) = lim<br />
r→0 Oscf(Br(x) ∩ R).<br />
Note-se para posterior referência que <strong>de</strong>finimos igualmente:<br />
lim supf(y)<br />
= lim sup {f(z) : z ∈ Br(x) ∩ R}, e<br />
y→x r→0<br />
lim inf<br />
y→x<br />
Exemplos 1.4.24.<br />
1. Se f(x) = x, então Oscf(Br(x)) = 2r, e<br />
f(y) = lim<br />
r→0 inf {f(z) : z ∈ Br(x) ∩ R}.<br />
ωf(x) = lim<br />
r→0 Oscf(Br(x)) = 0.<br />
2. Se f é a função <strong>de</strong> Dirichlet e I é um conjunto aberto não-vazio, temos<br />
sup {f(x) : x ∈ I} = 1 e inf {f(x) : x ∈ I} = 0. Concluímos que Oscf(I) = 1 e<br />
ωf(x) = 1, para qualquer x ∈ R.<br />
3. Se f é uma função limitada, então:<br />
ωf(x) = limsup f(y) − liminf<br />
y→x y→x f(y).<br />
A <strong>de</strong>monstração das seguintes proprieda<strong>de</strong>s fica como exercício.<br />
Lema 1.4.25. Se R ⊆ R N e f : R → R é limitada em R então:<br />
a) Para qualquer x ∈ R, f é contínua em x se e só se ωf(x) = 0, e nesse<br />
caso lim supf(y)<br />
= lim inf f(y) = f(x).<br />
y→x y→x<br />
b) Se U é aberto e x ∈ U ∩ R, então ωf(x) ≤ Oscf(U ∩ R),<br />
c) Para qualquer x ∈ R, se ωf(x) < ε então existe um aberto U tal que<br />
x ∈ U e ωf(y) < ε para qualquer y ∈ U ∩ R, e<br />
d) O conjunto {x ∈ R : ωf(x) ≥ ε} é fechado.<br />
Demonstração. Deixamos a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) e b) para o exercício 3.<br />
• Para provar c), notamos que existe ρ > 0 tal que Oscf(Bρ(x)∩R) < ε,<br />
e tomamos U = Bρ(x).<br />
• Para provar d), seja Uε = {x ∈ R : ωf(x) < ε}. Temos <strong>de</strong> c) que,<br />
se ωf(x) < ε, então existe ρx > 0 tal que Oscf(B(x,ρx) ∩ R) < ε.<br />
Notamos que<br />
V = <br />
B(x,ρx) é aberto e {x ∈ R : ωf(x) < ε} = V ∩ R.<br />
x∈Uε<br />
F = V c é fechado e {x ∈ R : ωf(x) ≥ ε} = F ∩ R é também fechado.
54 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Convencionamos que se R é uma partição <strong>de</strong> R e T ⊆ R então RT =<br />
{r ∈ R : r ∩T = ∅}, e notamos que T ⊆ K = <br />
r. O seguinte resultado<br />
r∈RT<br />
auxiliar será muito útil no que se segue.<br />
Lema 1.4.26. Se ωf < ε em T ⊆ R e T é compacto, então existe δ > 0 tal<br />
que, para qualquer partição R <strong>de</strong> R em subrectângulos,<br />
diam(R) < δ =⇒ Sd(f, RT) − Sd(f, RT) ≤ εcN(K), on<strong>de</strong> K = <br />
r.<br />
Demonstração. De acordo com a <strong>de</strong>finição 1.4.23,<br />
∀x∈T ∃ρx>0 0 < ρ < ρx ⇒ Oscf(Bρ(x) ∩ R) < ε.<br />
r∈RT<br />
A família <strong>de</strong> bolas abertas B(x, ρx<br />
2 ) é uma cobertura <strong>de</strong> T. Como T é<br />
compacto, existe uma subfamília finita <strong>de</strong> bolas centradas em x1,x2, · · · ,xn,<br />
que é, ainda, uma cobertura <strong>de</strong> T. Tomamos δ = 1<br />
2 min {ρx1 ,ρx2 , · · · ,ρxn}<br />
e supomos que R é uma partição <strong>de</strong> T com diam(R) < δ.<br />
Fixado r ∈ RT, existe x ∈ r ∩ T, e portanto existe xi tal que x ∈<br />
). Para qualquer y ∈ r (mesmo que y ∈ T), temos então<br />
B(xi, ρx i<br />
2<br />
y − xi ≤ y − x + x − xi < δ + ρxi<br />
2<br />
Concluímos que Oscf(r) < ε, ou Mr − mr < ε, e portanto<br />
r∈RT<br />
< ρxi , i.e., r ⊆ B(xi,ρxi ).<br />
Sd(f, RT) − Sd(f, RT) = <br />
(Mr − mr)cN(r) ≤ ε <br />
cN(r) = εcN(K).<br />
r∈RT<br />
Se f : R → R é uma função limitada num rectângulo-N compacto e D é<br />
o seu conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, então segue-se <strong>de</strong> 1.4.25 que<br />
D =<br />
∞<br />
Dn, on<strong>de</strong> Dn =<br />
n=1<br />
<br />
x ∈ R : ωf(x) ≥ 1<br />
<br />
.<br />
n<br />
A condição <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> indicada abaixo está enunciada em termos<br />
dos conjuntos Dn. Mostra que o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma função Riemann-integrável não é necessariamente Jordan-mensurável,<br />
mas é sempre uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />
Teorema 1.4.27 (Integrabilida<strong>de</strong> e Continuida<strong>de</strong>). Se f : R → R é limitada<br />
no rectângulo-N compacto R, as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) f é Riemann-integrável em R, e
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 55<br />
b) Os conjuntos Dn são Jordan-mensuráveis e têm conteúdo nulo.<br />
Demonstração. a) =⇒ b): Como f é integrável, para quaisquer n ∈ N e<br />
ε > 0 existe uma partição P <strong>de</strong> R em rectângulos tal que<br />
(1) Sd(f, P) − S d (f, P) < ε<br />
n .<br />
Dado qualquer rectângulo r ∈ P, segue-se <strong>de</strong> 1.4.25 b) que<br />
x ∈ int(r) =⇒ ωf(x) ≤ Oscf(int(r)) ≤ Oscf(r) = Mr − mr.<br />
Definimos agora A = {r ∈ P : Mr − mr < 1<br />
n }, B = {r ∈ P : Mr − mr ≥ 1<br />
n },<br />
A = <br />
int(r),B = <br />
r e ˜ B = R\A.<br />
r∈A<br />
Observamos que ωf(x) < 1<br />
n para qualquer x ∈ A, e portanto Dn ⊆ ˜ B. Por<br />
outro lado, é claro que ˜ B\B ⊆ ∂A e cN(∂A) = 0, don<strong>de</strong><br />
r∈B<br />
(2) cN(Dn) ≤ cN( ˜ B) = cN(B).<br />
Para estimar cN(B), notamos primeiro que<br />
(3) Sd(f, B) − Sd(f, B) = <br />
(Mr − mr)cN(r) ≥ 1<br />
n cN(r) = 1<br />
n cN(B).<br />
r∈B<br />
Temos por outro lado <strong>de</strong> (1) que<br />
r∈B<br />
(4) Sd(f, B) − S d(f, B) ≤ Sd(f, P) − S d(f, P) < ε<br />
n .<br />
Segue-se <strong>de</strong> (3) e (4) que cN(B) < ε, e <strong>de</strong> (2) que cN(Dn) < ε. Como ε é<br />
arbitrário, concluímos que cN(Dn) = 0.<br />
Para provar a implicação b) =⇒ a), supomos que todos os conjuntos Dn<br />
têm conteúdo nulo. Observamos que:<br />
• Fixado n e dado ε > 0, existe um conjunto elementar aberto U tal que<br />
Dn ⊆ U e cN(U) < ε.<br />
• T = R\U é compacto (e elementar) e ωf(x) < 1<br />
n<br />
para x ∈ T.<br />
• Pelo lema 1.4.26, existe δ > 0 tal que se R é uma partição <strong>de</strong> R em<br />
rectângulos com diam(R) < δ então<br />
Sd(f, RT) − S d(f, RT) ≤ 1<br />
n cN(K), on<strong>de</strong> K = <br />
r∈RT<br />
r ⊇ T.<br />
• Como f é limitada, existe M tal que |f(x)| ≤ M para x ∈ R.
56 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
• Sendo ˜ R = R\RT e Ũ = R\K, é claro que Ũ ⊆ U, don<strong>de</strong> cN( Ũ) ≤<br />
cN(U) < ε, e ˜ R é uma partição <strong>de</strong> Ũ. Temos portanto<br />
Sd(f, R) − Sd(f, R) =Sd(f, RT) − Sd(f, RT) + Sd(f, ˜ R) − Sd(f, ˜ R)<br />
≤ 1<br />
n cN(K)<br />
1<br />
+ 2McN( Ũ) ≤<br />
n cN(R) + 2Mε.<br />
Como ε e n são arbitrários, concluímos que f é Riemann-integrável.<br />
É fácil adaptar a <strong>de</strong>monstração do resultado anterior para obter um<br />
resultado intimamente relacionado com a <strong>de</strong>finição original do integral <strong>de</strong><br />
Riemann. Deixamos a sua verificação para o exercício 11.<br />
Corolário 1.4.28. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N compacto R,<br />
então f é Riemann-integrável em R se e só se<br />
Sd(f, P) − S d(f, P) → 0 quando diam(P) → 0<br />
Vimos que se f é Riemann-integrável em R então os conjuntos Dn são<br />
Jordan-mensuráveis e têm conteúdo nulo. Se ε > 0, existem conjuntos elementares<br />
En ⊇ Dn tais que cN(En) < ε<br />
2n. Po<strong>de</strong>mos supor sem perda <strong>de</strong><br />
generalida<strong>de</strong> que os conjuntos En são abertos e temos:<br />
D ⊆<br />
∞<br />
n=1<br />
En e<br />
∞<br />
cN(En) <<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
ε<br />
= ε.<br />
2n Foi a propósito <strong>de</strong> conjuntos com esta proprieda<strong>de</strong> que Borel introduziu( 28 )<br />
a noção <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula, ou conjunto nulo:<br />
Definição 1.4.29 (Conjunto Nulo). E ⊆ R N é um conjunto nulo se e<br />
só se para qualquer ε > 0 existem rectângulos abertos Rn tais que:<br />
Exemplos 1.4.30.<br />
E ⊆<br />
∞<br />
n=1<br />
Rn e<br />
∞<br />
cN(Rn) < ε.<br />
n=1<br />
1. Se f é Riemann-integrável em R, então o conjunto D dos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> f é evi<strong>de</strong>ntemente um conjunto nulo.<br />
2. Qualquer conjunto numerável E é nulo, e em particular Q é nulo. Sendo<br />
x1, x2, · · · , xn, · · · os elementos <strong>de</strong> E, e dado ε > 0, tomamos 0 < ε ′ < ε e,<br />
supondo para simplificar que E ⊂ R,<br />
Un =]xn − ε′<br />
2n+1 , xn + ε′<br />
2<br />
n+1[, don<strong>de</strong> E ⊆<br />
∞<br />
Un, e<br />
n=1<br />
∞<br />
c(Un) = ε ′ < ε.<br />
28 Em 1895, no artigo que já referimos a propósito do teorema <strong>de</strong> Heine-Borel.<br />
n=1
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 57<br />
3. Deve notar-se (exercício 8) que a <strong>de</strong>finição 1.4.29 não se altera, se nela referirmos<br />
rectângulos quaisquer, em lugar <strong>de</strong> rectângulos abertos. Por esta razão, é<br />
inteiramente óbvio que qualquer conjunto numerável é <strong>de</strong> medida nula, já que<br />
cada um dos rectângulos Rn se po<strong>de</strong> reduzir a um ponto.<br />
É claro que qualquer conjunto Jordan-mensurável <strong>de</strong> conteúdo nulo é<br />
nulo no sentido <strong>de</strong> Borel, mas o exemplo do conjunto dos racionais mostra<br />
que existem conjuntos nulos no sentido <strong>de</strong> Borel que não são Jordan-mensuráveis.<br />
A este respeito, registamos que<br />
Proposição 1.4.31. Se K ⊂ R N é compacto, então K é nulo no sentido<br />
<strong>de</strong> Borel se e só se K é Jordan-mensurável e cN(K) = 0.<br />
Demonstração. Suponha-se que K é compacto e nulo no sentido <strong>de</strong> Borel e<br />
seja ε > 0. Existem rectângulos abertos Rn tais que<br />
∞ ∞<br />
K ⊆ Rn e cN(Rn) < ε.<br />
n=1<br />
Como K é compacto e os Rn’s são abertos, existe um natural m tal que<br />
m m<br />
∞<br />
K ⊆ Rn e cN(Rn) ≤ cN(Rn) < ε.<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
É evi<strong>de</strong>nte que ∪ m n=1 Rn é elementar e segue-se imediatamente que K é<br />
Jordan-mensurável e tem conteúdo nulo.<br />
Lebesgue introduziu a sugestiva convenção <strong>de</strong> usar a expressão “quase em<br />
toda a parte”, abreviada “qtp”, como sinónimo <strong>de</strong> “excepto num conjunto<br />
nulo”( 29 ). Nesta terminologia, o teorema 1.4.27 enuncia-se <strong>de</strong> forma sucinta:<br />
Teorema 1.4.32 (Integrabilida<strong>de</strong> e Continuida<strong>de</strong>). Se f : R → R é limitada<br />
no rectângulo-N compacto R, então<br />
n=1<br />
f é Riemann-integrável em R ⇐⇒ f é contínua qtp em R.<br />
Demonstração. Resta-nos provar que se o conjunto D dos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong><br />
é nulo, então f é Riemann-integrável. Recor<strong>de</strong>-se que<br />
∞<br />
<br />
D = Dn, on<strong>de</strong> Dn = x ∈ R : ωf(x) ≥ 1<br />
<br />
.<br />
n<br />
n=1<br />
Os conjuntos Dn são nulos no sentido <strong>de</strong> Borel, porque D é nulo, e são<br />
compactos, pelo lema 1.4.25. Concluímos <strong>de</strong> 1.4.31 que os conjuntos Dn<br />
têm conteúdo nulo, e <strong>de</strong> 1.4.27 que f é Riemann-integrável.<br />
29 No francês original, diz-se “presque partout”, abreviado “pp”, e em inglês usa-se a<br />
expressão “almost everywhere”, que se abrevia para “ae”.
58 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Terminamos esta secção com uma breve referência à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> integral<br />
introduzida por Riemann em 1854, que recorre ao que chamamos “somas <strong>de</strong><br />
Riemann”. Dada uma partição P do rectângulo R, para calcular uma soma<br />
<strong>de</strong> Riemann é necessário seleccionar em cada rectângulo r um ponto xr ∈ r,<br />
ou seja, fixar uma função “<strong>de</strong> escolha” φ : P → R tal que xr = φ(r) ∈ r<br />
para qualquer r ∈ P. A soma <strong>de</strong> riemann <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> P e <strong>de</strong> φ e é dada<br />
por<br />
SR(f, P,φ) = <br />
f(φ(r))cN(r) = <br />
f(xr)cN(r).<br />
r∈P<br />
r∈P<br />
A <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> 1854 é a seguinte( 30 ):<br />
Definição 1.4.33 (Integral <strong>de</strong> Riemann). Supondo que R é um rectângulo<br />
limitado e f : R → R, então f é integrável (em R) se e só se existe α ∈ R<br />
tal que SR(f, P,φ) → α quando diam(P) → 0( 31 ). Neste caso,<br />
<br />
f = α.<br />
R<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann é na realida<strong>de</strong> uma generalização <strong>de</strong> uma prévia<br />
<strong>de</strong>finição, formulada por Cauchy( 32 ) em 1821, apenas para funções contínuas<br />
f : [a,b] → R. Cauchy <strong>de</strong>monstrou que, dada uma partição P <strong>de</strong> [a,b]<br />
<strong>de</strong>terminada por pontos a = x0 < x1 < · · · < xn = b, se xk−1 ≤ x ∗ k<br />
então existe α ∈ R tal que<br />
n<br />
k=1<br />
f(x ∗ k )(xk − xk−1) → α, quando diam(P) → 0.<br />
≤ xk<br />
O valor <strong>de</strong> α <strong>de</strong>fine assim o integral <strong>de</strong> f. Na terminologia <strong>de</strong> Riemann,<br />
po<strong>de</strong>mos dizer que Cauchy <strong>de</strong>monstrou que as funções contínuas em intervalos<br />
limitados e fechados são Riemann-integráveis. Em certo sentido, também<br />
é verda<strong>de</strong> que Riemann se limitou a consi<strong>de</strong>rar a classe <strong>de</strong> todas as funções<br />
às quais a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Cauchy po<strong>de</strong>ria ser aplicável, uma generalização que<br />
hoje nos po<strong>de</strong> parecer pouco significativa. Mas, ao fazê-lo, levou a discussão<br />
sobre as noções básicas da Análise, incluindo a própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “função”,<br />
a níveis superiores <strong>de</strong> abstracção e rigor. Pelo menos por esta razão, foi<br />
certamente um importante factor <strong>de</strong> progresso e renovação na Matemática<br />
da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX.<br />
30 Neste como em muitos outros casos que temos referido, os trabalhos originais contemplam<br />
apenas funções reais <strong>de</strong>finidas em intervalos. Os integrais múltiplos só foram<br />
estudados com rigor bastante mais tar<strong>de</strong>, em particular por Jordan.<br />
31 Ou seja, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que para qualquer partição P e qualquer<br />
função <strong>de</strong> escolha φ : P → R, temos |SR(f, P, φ) − α| < ε quando diam(P) < δ.<br />
32 Augustin Louis Cauchy, 1789-1857, francês, foi um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos <strong>de</strong> sempre,<br />
como o atesta o facto do seu nome aparecer ligado a i<strong>de</strong>ias fundamentais, em tantos<br />
domínios distintos. O matemático Abel, que Cauchy tratou <strong>de</strong> forma particularmente<br />
injusta, disse <strong>de</strong>le que “é louco, mas é o único que sabe como se <strong>de</strong>ve fazer a Matemática”.
1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 59<br />
A equivalência entre as <strong>de</strong>finições 1.4.33 e 1.4.4 resulta facilmente do<br />
corolário 1.4.28, mas <strong>de</strong>ixamos o esclarecimento <strong>de</strong>sta observação para o<br />
exercício 11.<br />
Exercícios.<br />
1. Calcule a oscilação da função <strong>de</strong> Riemann.<br />
2. Consi<strong>de</strong>re a função f, dada por:<br />
<br />
1 sen(<br />
f(x) = sen( 1<br />
1<br />
x )), quando x = 0, e sen( x ) = 0,<br />
.<br />
0, em todos os outros casos<br />
Calcule a oscilação ωf. A função f é integrável em [0, 1]?<br />
3. Demonstre as alíneas a) e b) do lema 1.4.25.<br />
4. Mostre que o teorema 1.3.13 é um caso particular do teorema 1.4.27.<br />
5. Prove que se J ∈ J (R N ) é fechado, então as funções contínuas em J são<br />
integráveis em J.<br />
6. Prove que se f é limitada no rectângulo compacto R, então<br />
<br />
<br />
f − f = ωf.<br />
R R R<br />
7. Prove que se os conjuntos An ⊂ R N são nulos no sentido <strong>de</strong> Borel, então<br />
A = ∪ ∞ n=1 An é igualmente nulo no mesmo sentido.<br />
8. Mostre que a <strong>de</strong>finição 1.4.29 não se altera se consi<strong>de</strong>rarmos rectângulos<br />
quaisquer, em lugar <strong>de</strong> rectângulos abertos.<br />
9. Mostre que se E ∈ J (R N ), então E é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel se e só se<br />
cN(E) = 0.<br />
10. Seja D o conjunto on<strong>de</strong> f : R → R é <strong>de</strong>scontínua. Prove que<br />
a) Se U ⊆ R é aberto, então f −1 (U) = (R ∩ V ) ∪ N, on<strong>de</strong> V é aberto e<br />
N ⊆ D.<br />
b) Se f ≥ 0 e <br />
R f = 0, então f(x) = 0 qtp em R. sugestão: Mostre que<br />
{x ∈ R : f(x) > 0} ⊆ D.<br />
c) Se f(x) = 0 qtp em R e f é integrável em R então <br />
R f = 0. A hipótese<br />
“f é integrável em R” é mesmo necessária?<br />
11. Prove o corolário 1.4.28, e conclua que as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> integral em 1.4.33 e<br />
1.4.4 são equivalentes.
60 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
1.5 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo<br />
As operações <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> diferenciação são inversas uma da outra.<br />
Esta i<strong>de</strong>ia central da Análise, vislumbrada já por alguns dos precursores <strong>de</strong><br />
Newton e Leibnitz, é tradicionalmente <strong>de</strong>scrita em dois resultados, ditos os<br />
Teoremas Fundamentais do Cálculo. De forma por enquanto pouco precisa,<br />
estes teoremas reduzem-se aos seguintes enunciados, que <strong>de</strong>screvem respectivamente<br />
a diferenciação <strong>de</strong> um integral e a integração <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>rivada.<br />
1.5.1 (1 o Teorema Fundamental do Cálculo).<br />
d<br />
dx<br />
x<br />
f(t)dt = f(x)<br />
a<br />
1.5.2 (2 o Teorema Fundamental do Cálculo, ou Regra <strong>de</strong> Barrow( 33 )).<br />
x<br />
F ′ (t)dt = F(x) − F(a)<br />
a<br />
Diferenciação<br />
Integrais in<strong>de</strong>finidos Funções integráveis<br />
Integração<br />
Figura 1.5.1: Os Teoremas Fundamentais do Cálculo.<br />
Nenhum <strong>de</strong>stes resultados é particularmente surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um ponto<br />
<strong>de</strong> vista intuitivo. Supondo<br />
x<br />
F(x) = f(t)dt e h > 0,<br />
então <strong>de</strong>vemos ter<br />
x+h<br />
F(x + h) − F(x) = f(t)dt ≃ f(x)h,<br />
a<br />
33 De Isaac Barrow, 1630-1677, o primeiro professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Cambridge<br />
nomeado para a Cátedra Lucasiana. Barrow tomou a extraordinária iniciativa <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir,<br />
para dar o lugar ao seu aluno Newton, em quem justamente reconhecia qualida<strong>de</strong>s<br />
excepcionais.<br />
x
1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 61<br />
= f(x). Analogamente, se F ′ (t) = f(t)<br />
e a = x0 < x1 < · · · < xn = x é uma partição do intervalo [a,x], então<br />
don<strong>de</strong> F ′ (x) = limh→0 F(x+h)−F(x)<br />
h<br />
F(x) − F(a) =<br />
n<br />
[F(xk) − F(xk−1)] ≃<br />
k=0<br />
n<br />
x<br />
f(xk−1)∆xk ≃ f(t)dt.<br />
Não é difícil <strong>de</strong>monstrar resultados <strong>de</strong>ste tipo usando a teoria <strong>de</strong> Riemann,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se coloquem suficientes hipóteses sobre a regularida<strong>de</strong> das funções<br />
f e F. Começamos por provar:<br />
Lema 1.5.3. Se f é Riemann-integrável em I, a ∈ I e F é dada em I por<br />
x<br />
F(x) = f(t)dt + F(a), temos então que:<br />
a) F é uniformemente contínua em I, e<br />
a<br />
k=0<br />
b) Se f é contínua em c ∈ I então F ′ (c) = f(c).<br />
Demonstração. A função F está bem <strong>de</strong>finida, porque f é integrável em<br />
qualquer subintervalo <strong>de</strong> I, e temos para quaisquer x,y ∈ I que<br />
y<br />
(1) F(y) − F(x) = f(t)dt.<br />
a) f é limitada em I, ou seja, existe M tal que |f(x)| ≤ M para x ∈ I.<br />
Supondo sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que y > x, temos<br />
<br />
<br />
y <br />
|F(y) − F(x)| = <br />
f(t)dt<br />
≤<br />
y<br />
|f(t)|dt ≤ M|y − x|.<br />
x<br />
Concluímos que F é (uniformemente) contínua em I.<br />
b) Sendo ρ > 0, <strong>de</strong>signamos por Mρ e mρ respectivamente o supremo e o<br />
ínfimo <strong>de</strong> f em Bρ(c) ∩ I. Se x ∈ Bρ(x) ∩ I é imediato verificar que<br />
mρ ≤<br />
F(x) − F(c)<br />
x − c<br />
x<br />
= 1<br />
x − c<br />
x<br />
x<br />
f(t)dt ≤ Mρ<br />
Se f é contínua em c temos <strong>de</strong> 1.4.25 que Mρ → f(c) e mρ → f(c) quando<br />
ρ → 0, e é portanto óbvio que<br />
F(x) − F(c)<br />
lim = f(c), ou seja, F<br />
x→c x − c<br />
′ (c) = f(c).<br />
Combinando este lema com o teorema 1.4.32, obtemos imediatamente:<br />
c<br />
a
62 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Teorema 1.5.4 (1o Teorema Fundamental do Cálculo (I)). Se f é Riemannintegrável<br />
em I = [a,b] e F é dada em I por<br />
x<br />
F(x) = f(t)dt + F(a),<br />
então F é contínua em I e F ′ (x) = f(x) qtp em I.<br />
a<br />
É mais difícil i<strong>de</strong>ntificar hipóteses igualmente “naturais” para o 2 o Teorema<br />
Fundamental, uma questão que tem sido fonte <strong>de</strong> problemas sofisticados<br />
muito interessantes. Demonstramos a seguir uma versão do 2 o Teorema,<br />
por enquanto longe <strong>de</strong> ser o recíproco <strong>de</strong> 1.5.4, porque não contempla a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> F não ser diferenciável num conjunto “excepcional”.<br />
Teorema 1.5.5 (2o Teorema Fundamental do Cálculo (I)). Se F é contínua<br />
em I = [a,b], diferenciável em ]a,b[, F ′ = f é Riemann-integrável em I e<br />
c,d ∈ I então( 34 )<br />
d<br />
F(d) − F(c) = f(x)dx.<br />
Demonstração. Dada uma qualquer partição <strong>de</strong> [c,d] em intervalos Ik, on<strong>de</strong><br />
supomos que Ik tem extremos xk−1 < xk e c = x0 < x1 < · · · < xn = d,<br />
observamos que<br />
n<br />
F(d) − F(c) = [F(xk) − F(xk−1)],<br />
k=0<br />
porque a soma à direita é telescópica. Do Teorema <strong>de</strong> Lagrange ( 35 ), temos<br />
F(xk) − F(xk−1) = F ′ (x ∗ k )(xk − xk−1), on<strong>de</strong> xk−1 < x ∗ k < xk, e portanto<br />
F(d) − F(c) =<br />
n<br />
k=0<br />
c<br />
f(x ∗ k )(xk − xk−1).<br />
F(d) − F(c) é assim uma soma <strong>de</strong> Riemann da função f, e é claro que<br />
S d(f, P) ≤ F(d) − F(c) ≤ Sd(f, P).<br />
Como a partição P é arbitrária, po<strong>de</strong>mos também concluir que<br />
d<br />
d<br />
f ≤ F(d) − F(c) ≤ f.<br />
c<br />
d<br />
Como f é integrável, segue-se que F(d) − F(c) = f(x)dx.<br />
34 Note que a existência <strong>de</strong> F ′ (x) nos pontos x = a e x = b é irrelevante.<br />
35 Se F é contínua em [a, b] e diferenciável em ]a, b[, existe θ tal que a < θ < b e<br />
F(b) − F(a) = F ′ (θ)(b − a). Este teorema tem o nome <strong>de</strong> Joseph-Louis Lagrange, (1736-<br />
1813), matemático francês <strong>de</strong> origem italiana, um dos primeiros professores das Escolas<br />
Politécnica e Normal <strong>de</strong> Paris.<br />
c<br />
c
1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 63<br />
A respeito <strong>de</strong>ste teorema, o próximo exemplo exibe uma função f que<br />
não é integrável, apesar <strong>de</strong> ter uma primitiva contínua. É evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ste<br />
exemplo que a hipótese <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f é indispensável no resultado<br />
que acabámos <strong>de</strong> provar. Entenda-se também do mesmo exemplo que a operação<br />
<strong>de</strong> integração é distinta da operação <strong>de</strong> primitivação e, em particular,<br />
a integração e a diferenciação não são exactamente operações inversas uma<br />
da outra.<br />
Exemplo 1.5.6.<br />
Definimos g : R → R por<br />
g(x) =<br />
x 2 sen( 1<br />
x 2), quando x = 0, e<br />
0, quando x = 0<br />
A função g é diferenciável em R e a sua <strong>de</strong>rivada é dada por<br />
g ′ <br />
1 2xsen(<br />
(x) =<br />
x2) − 2 1<br />
x cos( x2), quando x = 0, e<br />
.<br />
0, quando x = 0<br />
A função g é diferenciável em R, mas o integral da sua <strong>de</strong>rivada g ′ em qualquer<br />
intervalo I que contenha a origem não existe, porque g ′ é ilimitada em I.<br />
De um ponto <strong>de</strong> vista “prático”, <strong>de</strong>ve ser em qualquer caso claro que o 2 o<br />
Teorema Fundamental é, antes do mais, um processo <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> integrais<br />
pela <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> primitivas cuja importância é difícil <strong>de</strong> sobrestimar.<br />
Desta perspectiva, o enunciado em 1.5.5 é evi<strong>de</strong>ntemente pouco satisfatório,<br />
porque é <strong>de</strong>masiado restritivo e portanto difícil <strong>de</strong> aplicar directamente,<br />
excepto em casos muito simples. Em geral, é simplesmente impossível <strong>de</strong>terminar<br />
uma “primitiva” F que seja diferenciável e igual à integranda em<br />
todo o intervalo <strong>de</strong> integração, aliás como o 1 o Teorema fortemente sugere.<br />
No entanto, tal não impe<strong>de</strong> que a regra <strong>de</strong> Barrow se mantenha aplicável.<br />
Exemplos 1.5.7.<br />
1. Seja f(x) = sgn(x) a função sinal <strong>de</strong> x, dada por<br />
<br />
+1 para x ≥ 0, e<br />
sgn(x) =<br />
−1 para x < 0.<br />
A função sgn não é contínua na origem, mas é integrável em qualquer intervalo<br />
[a, b]. Se F(x) = |x|, então F ′ (x) = sgn(x) para x = 0 e F(x) = x<br />
a f(t)dt +<br />
F(a) para qualquer x.<br />
2. Se f é a função <strong>de</strong> Riemann e F = 0, então F é diferenciável em R, mas<br />
F ′ (x) = f(x) apenas se x ∈ Q. Apesar disso, temos novamente F(x) =<br />
x<br />
f(t)dt+F(a), para qualquer x. Este exemplo evi<strong>de</strong>ncia também que a con-<br />
a<br />
tinuida<strong>de</strong> da integranda é uma condição suficiente, mas não necessária, para a<br />
diferenciabilida<strong>de</strong> do integral in<strong>de</strong>finido.<br />
.
64 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
É simples generalizar o teorema 1.5.5 para o caso em que a igualda<strong>de</strong><br />
F ′ (x) = f(x) falha apenas num conjunto finito <strong>de</strong> pontos, o que bem entendido<br />
é suficiente para justificar cálculos elementares como os referidos no<br />
exemplo 1.5.7.1. Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração da seguinte<br />
versão do 2 o Teorema.<br />
Teorema 1.5.8 (2 o Teorema Fundamental do Cálculo (II)). Se F é contínua<br />
em I = [a,b], f é Riemann-integrável em I e F ′ (t) = f(t) excepto num<br />
conjunto finito D, então<br />
x<br />
F(x) − F(a) = f(t)dt.<br />
Claro que mesmo nesta forma o 2o Teorema Fundamental é ainda insatisfatório.<br />
É inteiramente evi<strong>de</strong>nte que, se a função f é Riemann-integrável<br />
no intervalo I, então existem “primitivas” <strong>de</strong> f apropriadas ao cálculo do<br />
integral <strong>de</strong> f por aplicação da regra <strong>de</strong> Barrow, ou seja, existem sempre<br />
funções contínuas F tais que F ′ = f qtp em I e que satisfazem<br />
d<br />
F(d) − F(c) = f(x)dx, para quaisquer c,d ∈ I,<br />
c<br />
porque basta para isso tomar, e.g., F(x) = x<br />
f(t)dt. Seria aqui especial-<br />
a<br />
mente conveniente substituir em 1.5.8 a expressão “excepto num conjunto<br />
finito D” por “qtp em I”, o que aliás teria a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o 2o Teorema num perfeito e elegante recíproco do 1o Teorema. No entanto, e surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />
o exemplo seguinte revela que esta alteração <strong>de</strong> hipóteses<br />
conduz a uma afirmação incorrecta.<br />
Exemplo 1.5.9.<br />
A função aqui <strong>de</strong>finida, a chamada “escada do diabo”, função <strong>de</strong> Cantor<br />
ou <strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, é outro exemplo clássico( 36 ). Recor<strong>de</strong>-se que<br />
o conjunto <strong>de</strong> Cantor foi <strong>de</strong>finido como C(I) = ∩ ∞ n=0Fn, on<strong>de</strong> os conjuntos<br />
Fn formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente obtida pelo processo <strong>de</strong> “remoção do<br />
intervalo médio” <strong>de</strong>scrito em 1.3.3. Tomando I = F0 = [0, 1], então o comprimento<br />
<strong>de</strong> Fn é c(Fn) = <br />
2 n.<br />
3 Sendo fn a função característica do conjunto<br />
Fn, <strong>de</strong>finimos as funções gn por<br />
gn(x) =<br />
n x<br />
3<br />
fn(t)dt, don<strong>de</strong> gn(1) =<br />
2 0<br />
a<br />
n 1<br />
3<br />
fn(t)dt = 1.<br />
2 0<br />
As funções gn são contínuas e crescentes, satisfazendo ainda gn(1) = 1. A<br />
figura 1.5.2 ilustra os gráficos das funções gn, para 0 ≤ n ≤ 5. É simples<br />
mostrar que a sucessão gn converge uniformemente para uma função F, que é<br />
contínua e crescente, com F(0) = 0 e F(1) = 1, e F é a “escada do Diabo”.
1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 65<br />
g0 g1 g2<br />
g3 g4 g5<br />
Figura 1.5.2: |gn(x) − gn−1(x)| < 1<br />
2n e |gn(x) − F(x)| < 1<br />
2n. Os segmentos<br />
horizontais pertencem ao gráfico <strong>de</strong> F.<br />
Deixamos para o exercício 8 a verificação <strong>de</strong>talhada do seguinte resultado:<br />
Proposição 1.5.10. A “escada do Diabo” F satisfaz F ′ (x) = 0 quando<br />
x ∈ C, on<strong>de</strong> C é o conjunto <strong>de</strong> Cantor.<br />
Se F é a “escada do Diabo” e f é uma qualquer função limitada em R<br />
tal que f(x) = 0 quando x ∈ C, é evi<strong>de</strong>nte que f é Riemann-integrável e<br />
F ′ (x) = f(x) quando x ∈ C, ou seja, F ′ (x) = f(x) excepto num conjunto<br />
<strong>de</strong> conteúdo nulo. Apesar disso, é também evi<strong>de</strong>nte que<br />
1<br />
1 = F(1) − F(0) = f(t)dt = 0.<br />
A <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> “primitivas” F apropriadas ao cálculo do integral <strong>de</strong><br />
uma função integrável f por aplicação da regra <strong>de</strong> Barrow revela-se, assim,<br />
um problema bem mais difícil do que uma leitura rápida do 1 o Teorema<br />
Fundamental na forma 1.5.4 nos po<strong>de</strong> fazer supor. Resumimos a questão<br />
com que nos <strong>de</strong>paramos na seguinte forma:<br />
36 Para uma aplicação talvez surpreen<strong>de</strong>nte, mas “prática”, <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> funções, veja-se<br />
por exemplo o artigo Devil’s Staircase-Type Faceting of a Cubic Lyotropic Liquid Crystal,<br />
<strong>de</strong> Pawel Pieranski, Paul Sotta, Daniel Rohe, e Marianne Imperor-Clerc, em Phys. Rev.<br />
Lett. 84, 2409, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2000.<br />
0
66 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Quando f é integrável em [a,b], existem funções F tais que F ′ = f<br />
qtp em [a,b]. Quais <strong>de</strong>ssas funções satisfazem a regra <strong>de</strong> Barrow<br />
b<br />
F(b) − F(a) = f(x)dx?<br />
Mais geralmente, que funções F são integrais in<strong>de</strong>finidos?<br />
Concluímos para já, do exemplo da “escada do Diabo”, que<br />
• Existem funções contínuas em toda a parte e diferenciáveis qtp (aliás,<br />
diferenciáveis excepto num conjunto <strong>de</strong> conteúdo nulo), como a função<br />
<strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, que não são o integral da respectiva <strong>de</strong>rivada.<br />
• Dadas funções F e G contínuas em toda a parte e diferenciáveis qtp,<br />
é falso que<br />
•<br />
F ′ (x) = G ′ (x) qtp =⇒ F(x) = G(x) + C,<br />
porque F − G po<strong>de</strong> ser, em particular, a função <strong>de</strong> Cantor-Lebesgue.<br />
É portanto evi<strong>de</strong>nte que a expressão “excepto num conjunto finito D”<br />
em 1.5.8 não po<strong>de</strong> ser substituída por “qtp em I”.<br />
Estudaremos adiante as soluções encontradas pela teoria <strong>de</strong> Lebesgue<br />
para estas questões, que envolvem <strong>de</strong> forma crucial a noção <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />
absoluta e o gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação do próprio Lebesgue, <strong>de</strong>scoberto<br />
em 1904.<br />
É também muito interessante reconhecer que o cálculo do comprimento<br />
do gráfico <strong>de</strong> uma função F está intimamente relacionado com a questão<br />
<strong>de</strong> saber se F é ou não o integral da sua <strong>de</strong>rivada. Para <strong>de</strong>finir o comprimento<br />
do gráfico <strong>de</strong> F, observamos que, se F é uma função real <strong>de</strong>finida<br />
pelo menos no intervalo J ⊆ R, a selecção <strong>de</strong> um qualquer conjunto finito<br />
P = {x0,x1, · · · ,xn} ⊆ J <strong>de</strong>termina uma linha poligonal L(F, P) inscrita<br />
no gráfico <strong>de</strong> F, formada pelos segmentos <strong>de</strong> recta que unem pontos Pk =<br />
(xk,F(xk)) consecutivos (ver a figura 1.5.3)( 37 ). Supondo que x0 ≤ x1 ≤<br />
· · · ≤ xn, esta linha poligonal tem comprimento<br />
n <br />
s(L(F, P)) = (xk − xk−1) 2 + (F(xk) − F(xk−1)) 2<br />
k=1<br />
O comprimento da linha poligonal L(F, P) é uma aproximação por <strong>de</strong>feito<br />
do comprimento do gráfico <strong>de</strong> F, sendo por isso o erro menor quando<br />
s(L(F, P)) é maior. Segue-se que a melhor aproximação do comprimento do<br />
gráfico <strong>de</strong> F que po<strong>de</strong>mos obter a partir <strong>de</strong>stas linhas poligonais é o supremo<br />
dos seus comprimentos, o que formalizamos na próxima <strong>de</strong>finição:<br />
37 Note-se a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> que os gráficos na figura 1.5.2 são linhas poligonais<br />
inscritas no gráfico da “escada do diabo”.<br />
a
1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 67<br />
P1<br />
P2<br />
P3<br />
P4<br />
P5<br />
P6<br />
P7<br />
P8<br />
P9 P10<br />
Figura 1.5.3: Aproximação do gráfico <strong>de</strong> F pela linha poligonal L(F, P).<br />
Definição 1.5.11 (Comprimento do gráfico <strong>de</strong> F). Se F : I → R e o<br />
intervalo J ⊆ I então o comprimento do gráfico <strong>de</strong> F em J é dado por( 38 )<br />
ΛJ(F) = sup{s(L(F, P)) : P ⊆ J, P finito }.<br />
Se ΛJ(F) < ∞ dizemos que o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em J.<br />
Mostramos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já como calcular o comprimento do gráfico <strong>de</strong> uma<br />
função que satisfaz as condições do 2 o Teorema Fundamental na forma 1.5.5.<br />
É também possível mostrar que a fórmula em causa é válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que F<br />
seja o integral da sua <strong>de</strong>rivada F ′ , mas <strong>de</strong>ixamos o completo esclarecimento<br />
<strong>de</strong>sta questão para <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvermos a teoria <strong>de</strong> Lebesgue, dada a<br />
especial elegância dos resultados que são apenas possíveis nesse contexto.<br />
Teorema 1.5.12. Se F é contínua em I = [a,b], diferenciável em ]a,b[ e<br />
F ′ é integrável em I então<br />
k=1<br />
b<br />
ΛI(F) =<br />
a<br />
1 + F ′ (x) 2 dx.<br />
Demonstração. Dada uma qualquer partição P = {x0,x1, · · · ,xn} do intervalo<br />
I = [a,b], on<strong>de</strong> a = x0 < x1 < · · · < xn = b, escrevemos ∆xk =<br />
xk − xk−1, yk = F(xk) e ∆yk = yk − yk−1, don<strong>de</strong><br />
n <br />
s(L(F, P)) = (∆xk) 2 + (∆yk) 2 <br />
n<br />
2 ∆yk<br />
= 1 + ∆xk.<br />
∆xk<br />
38 Esta <strong>de</strong>finição adapta-se sem dificulda<strong>de</strong>s a curvas em R N , on<strong>de</strong> uma “curva” é a<br />
imagem <strong>de</strong> uma função F : I → R N e I ⊆ R é um intervalo.<br />
k=1
68 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Pelo Teorema <strong>de</strong> Lagrange, existe x ∗ k ∈]xk−1,xk[ tal que<br />
s(L(F, P)) =<br />
e temos<br />
∆yk<br />
∆xk<br />
n<br />
k=1<br />
= F(xk) − F(xk−1)<br />
xk − xk−1<br />
= F ′ (x ∗ k ) e portanto<br />
<br />
1 + F ′ (x ∗ k )2 ∆xk é uma soma <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> g = √ 1 + F ′2 ,<br />
(1) S d( 1 + F ′2 , P) ≤ s(L(F, P)) ≤ Sd( 1 + F ′2 , P)<br />
Deixamos a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração para o exercício 7.<br />
Exemplos 1.5.13.<br />
1. É fácil mostrar que o teorema anterior é igualmente válido quando F satisfaz<br />
apenas as hipóteses <strong>de</strong> 1.5.8. Como dissémos, o resultado mantém-se mesmo no<br />
contexto da teoria <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a função F seja o integral in<strong>de</strong>finido<br />
da sua <strong>de</strong>rivada, mas a verificação <strong>de</strong>ste facto já não é tão simples.<br />
2. O gráfico <strong>de</strong> qualquer integral in<strong>de</strong>finido é rectificável em intervalos limitados<br />
(exercício 3).<br />
3. O gráfico <strong>de</strong> qualquer função monótona é rectificável em intervalos limitados<br />
(exercício 6). Em particular, a “escada do Diabo” é uma função contínua com<br />
gráfico rectificável à qual a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do teorema 1.5.12 não se aplica (exercício<br />
8), tal como não se aplica o 2 o Teorema Fundamental.<br />
Descrevemos aqui mais um exemplo clássico, <strong>de</strong>vido a van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n(<br />
39 ), <strong>de</strong> uma função contínua em toda a parte que não é diferenciável<br />
em ponto nenhum. Este exemplo sugere fortemente que a usual noção <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> é pouco útil para i<strong>de</strong>ntificar as funções que são “integrais<br />
in<strong>de</strong>finidos” mas, como veremos, ilustra também a existência <strong>de</strong> funções<br />
contínuas com outras proprieda<strong>de</strong>s apenas aparentemente paradoxais:<br />
• O gráfico <strong>de</strong>sta função não é rectificável em nenhum intervalo com<br />
mais <strong>de</strong> um ponto (exercício 9), e em particular<br />
• A função não é monótona em nenhum intervalo com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />
Exemplo 1.5.14.<br />
a<br />
função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n: A função f0 : R → R dada por f0(x) =<br />
x − int(x + 1<br />
2 ) , on<strong>de</strong> int(x) é a parte inteira <strong>de</strong> x, exprime a distância <strong>de</strong> x<br />
ao inteiro mais próximo. Observamos que<br />
39 De Bartel Leen<strong>de</strong>rt van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 1903-1996, matemático holandês, gran<strong>de</strong> algebrista<br />
contemporâneo, que estudou e ensinou na Alemanha até à 2 a Guerra Mundial.<br />
Era <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1951 professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Zurique. O exemplo aqui referido foi publicado<br />
em 1930. Na literatura em língua inglesa, é comum i<strong>de</strong>ntificar funções como a <strong>de</strong>ste<br />
exemplo pela sigla ecnd, <strong>de</strong> “everywhere continuous nowhere differentiable”.
1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 69<br />
• f0 é uma função contínua, com período 1.<br />
• 0 ≤ f0(x) ≤ 1<br />
2 e f0(k) = 0 para qualquer inteiro k ∈ Z.<br />
Tomando fn(x) = 1<br />
2 n f0(2 n x) para n ≥ 0, temos igualmente<br />
• fn é uma função contínua, com período 1<br />
2n ,<br />
• 0 ≤ fn(x) ≤ 1<br />
2n+1, e fn( k<br />
2n ) = 0, para qualquer k ∈ Z e n ∈ N.<br />
A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é <strong>de</strong>finida por<br />
∞<br />
∞ 1<br />
f(x) = fn(x) don<strong>de</strong> 0 ≤ f(x) ≤ = 1.<br />
2n+1 n=0<br />
A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é contínua em R, porque as funções fn são<br />
contínuas e a respectiva série é uniformemente convergente. A figura 1.5.4<br />
ilustra os gráficos das funções fn para 0 ≤ n ≤ 3 e sugere o gráfico <strong>de</strong> f( 40 ).<br />
10<br />
fn<br />
n=0<br />
f0<br />
f1<br />
n=0<br />
Figura 1.5.4: As funções fn(0 ≤ n ≤ 3) e<br />
O gráfico <strong>de</strong> cada função fn é “em <strong>de</strong>nte <strong>de</strong> serra”, formado por segmentos <strong>de</strong><br />
recta <strong>de</strong> <strong>de</strong>clive ±1, e <strong>de</strong>ste facto resulta que:<br />
Proposição 1.5.15. A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n não é diferenciável em<br />
ponto nenhum.<br />
f2<br />
f3<br />
10<br />
n=0<br />
Demonstração. Fixado x ∈ R, se in = int(2 n x) para n ∈ N então:<br />
fn.<br />
an = in<br />
2 n ≤ x < in + 1<br />
2 n = bn = an + 1<br />
2 n e an → x, bn → x.<br />
Se a função f é diferenciável em x teremos portanto:<br />
f(bn) − f(an)<br />
lim<br />
= f<br />
n→∞ bn − an<br />
′ (x).<br />
40 10 1<br />
Note que |f(x)− n=0 fn| ≤ , diferença que na escala <strong>de</strong>sta figura é imperceptível.<br />
2048
70 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é fácil <strong>de</strong> calcular nos pontos da forma i<br />
2n com<br />
i ∈ Z, porque para k ≥ n temos fk( i<br />
2n ) = 0. Dito doutra forma, a série que<br />
<strong>de</strong>fine a função f reduz-se nestes pontos a uma soma finita com n termos:<br />
f( i<br />
n−1 <br />
) = fk(<br />
2n k=0<br />
i<br />
2n ) e f(bn)<br />
n−1<br />
− f(an) <br />
n−1<br />
fk(bn) − fk(an) <br />
=<br />
= ck,n.<br />
bn − an bn − an<br />
k=0<br />
k=0<br />
Fixado k, os <strong>de</strong>clives ck,n são constantes para n > k, ou seja, ck,n = dk, on<strong>de</strong><br />
dk = ±1, porque o gráfico <strong>de</strong> fk (um “<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> serra”, como referimos) é linear<br />
i i+1<br />
em qualquer intervalo da forma [ 2k+1, 2k+1 ] com <strong>de</strong>clive ±1. Temos assim<br />
n−1<br />
f(bn) − f(an) <br />
= dk.<br />
bn − an<br />
k=0<br />
Como dk = ±1 não ten<strong>de</strong> para zero quando k → ∞, o limite<br />
f(bn) − f(an)<br />
lim<br />
=<br />
n→∞ bn − an<br />
∞<br />
dk,<br />
não po<strong>de</strong> existir e ser finito. Portanto, f não é diferenciável em x.<br />
Exercícios.<br />
f(t)dt é convergente. A função<br />
f(t)dt para x ∈ R é uniformemente contínua em R?<br />
1. Suponha que o integral impróprio( 41 ) ∞<br />
−∞<br />
F(x) = x<br />
a<br />
2. Demonstre a versão do 2 o Teorema Fundamental indicada em 1.5.8.<br />
3. Suponha que f é integrável no intervalo I, a ∈ I e F(x) = x<br />
f(t)dt para<br />
a<br />
x ∈ I. Mostre que o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em qualquer intervalo limitado<br />
em I.<br />
4. Mostre que o gráfico da função <strong>de</strong>finida no exemplo 1.5.6 não é rectificável<br />
no intervalo [0, 1], e portanto a função em causa não é um integral in<strong>de</strong>finido.<br />
5. Suponha que F é uma função crescente no intervalo I, e F(x) = x<br />
a f(t)dt +<br />
F(a), on<strong>de</strong> f é Riemann-integrável em I. Mostre que se A ⊆ I e c(A) = 0,<br />
então c(F(A)) = 0. Prove igualmente que se A é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel,<br />
então F(A) é também nulo.<br />
6. Suponha que f está <strong>de</strong>finida num intervalo compacto I. Mostre que<br />
k=0<br />
a) Se f é monótona em I então o seu gráfico é rectificável em I.<br />
b) Se x < y < z são pontos <strong>de</strong> I então Λ [x,z](f) = Λ [x,y](f) + Λ [y,z](f).<br />
41 ∞<br />
O integral impróprio <strong>de</strong> Riemann −∞<br />
Riemann F(x, y) = y<br />
x<br />
f(t)dt diz-se convergente se o integral <strong>de</strong><br />
f(t)dt existe para quaisquer −∞ < x ≤ y < ∞ e a função F tem<br />
limite finito quando x → −∞ e y → +∞.
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 71<br />
7. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.5.12 (verifique as afirmações feitas no final<br />
do argumento apresentado, que envolvem somas <strong>de</strong> Darboux da integranda em<br />
causa).<br />
8. Consi<strong>de</strong>re a <strong>de</strong>finição da “escada do Diabo” F apresentada em 1.5.9.<br />
a) Calcule o máximo <strong>de</strong> |gn(x)−gn−1(x)|. Conclua que a sucessão <strong>de</strong> funções<br />
gn converge uniformemente para uma função contínua e crescente F.<br />
b) Demonstre a proposição 1.5.10.<br />
c) Calcule o integral <strong>de</strong> F sobre o intervalo [0, 1].<br />
d) Calcule o comprimento do gráfico <strong>de</strong> F no intervalo [0, 1].<br />
e) Sendo C(I) o conjunto <strong>de</strong> Cantor, mostre que F(C(I)) = I. Conclua<br />
directamente do exercício 5 que F não é um integral in<strong>de</strong>finido.<br />
f) Prove que F não é diferenciável em nenhum ponto <strong>de</strong> C(I).<br />
9. Prove que o gráfico da função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) não é<br />
rectificável em qualquer intervalo I não trivial, i.e., com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />
Conclua em particular que esta função não é monótona em nenhum intervalo<br />
não trivial. sugestão: Na notação do exemplo 1.5.14, seja<br />
m<br />
gm(x) = fn(x).<br />
n=0<br />
Note que o gráfico <strong>de</strong> gm é uma linha poligonal inscrita no gráfico <strong>de</strong> f. Sendo<br />
Γm o comprimento <strong>de</strong>ssa linha no intervalo I = [0, 1], note que<br />
1<br />
Γm ≥ λm = |g ′ m |.<br />
Mostre que λm → ∞. Po<strong>de</strong> aqui ser conveniente usar a aproximação <strong>de</strong> Stirling<br />
para o factorial <strong>de</strong> n, na forma:<br />
lim<br />
n→∞<br />
0<br />
n!en nn√ = 1<br />
2πn<br />
10. Sendo f a função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) mostre que o conjunto<br />
on<strong>de</strong> f tem extremos locais é <strong>de</strong>nso.<br />
11. Suponha que f : I → R é diferenciável em I e ε > 0. Mostre que existem<br />
funções contínuas g : I → R que não são diferenciáveis em ponto nenhum <strong>de</strong> I<br />
e satisfazem |f(x) − g(x)| < ε, para qualquer x ∈ I.<br />
1.6 O Problema <strong>de</strong> Borel<br />
É justo sublinhar que a noção <strong>de</strong> “aditivida<strong>de</strong>”, reconhecidamente na forma<br />
algo vaga <strong>de</strong> princípios como “o todo é a soma das partes”, é uma questão<br />
já intensamente <strong>de</strong>batida por filósofos gregos da Antiguida<strong>de</strong> Clássica, e.g.,<br />
em torno dos famosos paradoxos <strong>de</strong> Zenão. O chamado paradoxo da seta( 42 )<br />
42 “Imagine-se uma seta em voo. Em cada instante <strong>de</strong> tempo, que não tem duração, a<br />
seta não se move. Como o tempo é uma sucessão <strong>de</strong> instantes, a seta nunca se move!”
72 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
observa essencialmente que um segmento <strong>de</strong> recta <strong>de</strong> comprimento positivo<br />
é formado por pontos <strong>de</strong> comprimento zero. Portanto, neste caso não é<br />
razoável sustentar que “o comprimento do todo é a soma dos comprimentos<br />
das partes”. O paradoxo do corredor( 43 ) envolve por sua vez a partição <strong>de</strong><br />
um segmento <strong>de</strong> recta numa família numerável <strong>de</strong> subintervalos. A título<br />
<strong>de</strong> ilustração, consi<strong>de</strong>re-se a partição <strong>de</strong> I =]0,1] dada por<br />
P = {Ik =] 1 1<br />
,<br />
2k 2k−1] : k ∈ N}, on<strong>de</strong> c(I) = 1 =<br />
∞<br />
k=1<br />
1<br />
=<br />
2k ∞<br />
c(Ik).<br />
Pelo menos neste caso, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> é aplicável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
se consi<strong>de</strong>rem séries em lugar das usuais somas com um número finito <strong>de</strong><br />
parcelas, ou seja, continua a ser verda<strong>de</strong> que “o comprimento do todo é a<br />
soma (da série) dos comprimentos das partes”. Muito naturalmente, este<br />
facto não parece ter sido entendido pelos Antigos, que nunca dominaram a<br />
noção <strong>de</strong> limite, sem a qual é impossível o correcto tratamento <strong>de</strong> séries,<br />
e não terão suspeitado da subtil diferença entre o infinito numerável e o<br />
infinito não-numerável( 44 ), que é a verda<strong>de</strong>ira justificação para a diferença<br />
<strong>de</strong> conclusões nos dois paradoxos referidos.<br />
Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, o paradoxo do corredor é especialmente notável<br />
porque a sua solução sugere como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o “conteúdo” <strong>de</strong> alguns<br />
conjuntos que não são Jordan-mensuráveis. A i<strong>de</strong>ia em causa é a base<br />
conceptual da mo<strong>de</strong>rna Teoria da <strong>Medida</strong> e aparece explicitamente na tese <strong>de</strong><br />
doutoramento <strong>de</strong> Borel. Consiste em observar que a aditivida<strong>de</strong> do conteúdo<br />
se aplica igualmente a partições infinitas numeráveis( 45 ), um resultado que<br />
po<strong>de</strong> ser enunciado como se segue:<br />
43<br />
O corredor <strong>de</strong>ve correr uma distância fixa. Demora um tempo finito a percorrer a<br />
primeira meta<strong>de</strong>, um tempo finito a percorrer meta<strong>de</strong> do restante, e assim sucessivamente.<br />
O tempo da corrida é uma soma infinita <strong>de</strong> termos positivos, à qual se julgava <strong>de</strong>ver atribuir<br />
um valor infinito. Ambos os paradoxos, entre muitos outros, são atribuídos ao filósofo<br />
Zenão (<strong>de</strong> Eleia, no sul <strong>de</strong> Itália), que viveu no século V AC. Os paradoxos parecem<br />
ter sido criados para exibir dificulda<strong>de</strong>s lógicas da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “contínuo”, hoje ubíqua na<br />
Matemática, através <strong>de</strong> exemplos como a recta real R.<br />
44<br />
Foi apenas em 1873 que Cantor esclareceu esta diferença, provando em particular que<br />
Q é numerável e R é não-numerável.<br />
45<br />
A tese <strong>de</strong> Borel, <strong>de</strong> 1895, que curiosamente não faz qualquer referência à teoria da<br />
integração, introduz pelo menos três i<strong>de</strong>ias relacionadas entre si e fundamentais para essa<br />
teoria: a aditivida<strong>de</strong> do conteúdo para partições numeráveis (na realida<strong>de</strong>, o lema 1.6.2<br />
para intervalos), o teorema <strong>de</strong> Heine-Borel, e a noção <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula. O<br />
teorema <strong>de</strong> Heine-Borel é indispensável para provar a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> referida<br />
e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula usa partições numeráveis para atribuir uma<br />
“medida” a conjuntos que po<strong>de</strong>m não ser Jordan-mensuráveis. Esta última <strong>de</strong>finição tem<br />
aliás um domínio <strong>de</strong> aplicação tão geral que cedo conduziu Borel a <strong>de</strong>licadas reflexões<br />
sobre a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “conjunto”. Registe-se a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> que o orientador <strong>de</strong> tese <strong>de</strong><br />
Borel foi o já referido Darboux.<br />
k=1
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 73<br />
Teorema 1.6.1. Se os conjuntos An ∈ J (R N ) são disjuntos, então<br />
A =<br />
∞<br />
An ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) =<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An).<br />
Este teorema é uma consequência imediata dos dois lemas que passamos<br />
a enunciar e <strong>de</strong>monstrar (1.6.2 e 1.6.3):<br />
Lema 1.6.2. Dados conjuntos An ∈ J (R N ), então<br />
A ⊆<br />
n=1<br />
∞<br />
An e A ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An).<br />
Demonstração. Seja ε > 0. De acordo com 1.3.4, existem conjuntos elementares<br />
K (compacto) e U (aberto) tais que<br />
n=1<br />
(i) K ⊆ A ⊆ U e cN(U\K) < ε don<strong>de</strong> cN(A) − ε < cN(K).<br />
Pela mesma razão, existem conjuntos elementares Kn (compactos) e Un<br />
(abertos), tais que Kn ⊆ An ⊆ Un e<br />
cN(Un\Kn) < ε<br />
2n e cN(Un) < cN(An) + ε<br />
don<strong>de</strong><br />
2n ∞<br />
∞ <br />
(ii) cN(Un) < cN(An) + ε<br />
2n ∞<br />
= cN(An) + ε.<br />
n=1<br />
n=1<br />
Como K é compacto, segue-se do teorema <strong>de</strong> Heine-Borel que existe m ∈ N<br />
tal que<br />
∞ ∞<br />
m<br />
(iii) K ⊆ A ⊆ An ⊆ Un =⇒ K ⊆ Un.<br />
n=1<br />
Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é subaditivo, concluímos <strong>de</strong> (i), (ii) e (iii) que<br />
cN(A) − ε < cN(K) ≤<br />
Temos assim que<br />
cN(A) − ε <<br />
n=1<br />
m<br />
cN(Un) ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(Un) <<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An) + ε, ou cN(A) <<br />
n=1<br />
on<strong>de</strong> finalmente fazemos ε → 0.<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An) + ε.<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An) + 2ε,<br />
n=1<br />
Lema 1.6.3. Se os conjuntos An ∈ J (R N ) são disjuntos, então<br />
A ⊇<br />
∞<br />
An e A ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) ≥<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An).<br />
n=1
74 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Demonstração. Notamos que, como cN é aditivo,<br />
Bk =<br />
k<br />
An =⇒ cN(Bk) =<br />
n=1<br />
k<br />
cN(An).<br />
Como cN é monótono e Bk ⊆ A, temos também cN(Bk) ≤ cN(A), don<strong>de</strong><br />
n=1<br />
k<br />
cN(An) ≤ cN(A) para qualquer k ∈ N e portanto<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An) ≤ cN(A).<br />
Conforme dissémos, é evi<strong>de</strong>nte que os lemas 1.6.2 e 1.6.3 estabelecem o<br />
teorema 1.6.1. Este último resultado permite <strong>de</strong>finir o “conteúdo” <strong>de</strong> alguns<br />
conjuntos que não são Jordan-mensuráveis por razões fáceis <strong>de</strong> explicar.<br />
Observamos que, <strong>de</strong> acordo com 1.6.1, se os conjuntos An ∈ J (RN ) são<br />
disjuntos e A = ∞ n=1 An, então uma das seguintes alternativas é sempre<br />
válida:<br />
∞<br />
1) A é Jordan-mensurável e neste caso cN(A) = cN(An), ou<br />
n=1<br />
n=1<br />
2) A não é Jordan-mensurável e neste caso não po<strong>de</strong>mos ter<br />
cN(A) =<br />
∞<br />
cN(An),<br />
n=1<br />
apenas porque o lado esquerdo <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não está <strong>de</strong>finido.<br />
(Fazemos aqui a convenção natural <strong>de</strong> atribuir à série a soma +∞,<br />
se esta divergir no sentido usual do termo.)<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel é muito simples: No caso 2),<br />
a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cN(A) =<br />
Exemplo 1.6.4.<br />
∞<br />
cN(An) <strong>de</strong>ve ser a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cN(A).<br />
n=1<br />
Seja A = Q = {q1, q2, · · · , qn, · · · } e An = {qn}. É óbvio que os conjuntos An<br />
são Jordan-mensuráveis e c(An) = 0. O conjunto Q não é Jordan-mensurável,<br />
mas a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel sugere que se <strong>de</strong>fina c(Q) = 0.<br />
É naturalmente necessário verificar que esta i<strong>de</strong>ia não conduz a ambiguida<strong>de</strong>s,<br />
mas isso resulta <strong>de</strong> uma adaptação simples do argumento que<br />
utilizámos a propósito dos conjuntos elementares, já na proposição 1.1.9.
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 75<br />
Lema 1.6.5. Se P = {An : n ∈ N} e P ′ = {Bm : m ∈ N} são partições do<br />
conjunto A ⊆ R N em conjuntos Jordan-mensuráveis, então<br />
∞<br />
cN(An) =<br />
n=1<br />
Demonstração. Observamos que<br />
A =<br />
∞<br />
n=1<br />
An =<br />
∞<br />
m=1<br />
Bm =⇒ An =<br />
∞<br />
cN(Bm).<br />
m=1<br />
∞<br />
m=1<br />
An ∩ Bm e Bm =<br />
∞<br />
An ∩ Bm.<br />
Como os conjuntos An ∩ Bm são Jordan-mensuráveis e disjuntos e os conjuntos<br />
An e Bm são Jordan-mensuráveis, obtemos <strong>de</strong> 1.6.1 que:<br />
cN(An) =<br />
∞<br />
cN(An ∩ Bm) e cN(Bm) =<br />
m=1<br />
Segue-se imediatamente que<br />
∞<br />
cN(An) =<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
∞<br />
cN(An ∩ Bm) =<br />
∞<br />
m=1 n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An ∩ Bm).<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(An ∩ Bm) =<br />
∞<br />
cN(Bm).<br />
m=1<br />
A seguinte terminologia complementa a introduzida na secção 1.2.<br />
Definição 1.6.6 (Funções σ-Aditivas e σ-Subaditivas). Seja S uma classe<br />
<strong>de</strong> subconjuntos do conjunto X e λ : S → [0,+∞] uma função. Então λ é<br />
a) σ-aditiva se e só se, para quaisquer conjuntos An ∈ S disjuntos,<br />
∞<br />
∞<br />
An ∈ S =⇒ λ( An) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
λ(An).<br />
b) σ-subaditiva ( 46 ) se e só se para quaisquer conjuntos C,An ∈ S,<br />
C ⊆<br />
∞<br />
An =⇒ λ(C) ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
λ(An).<br />
46 Recor<strong>de</strong>-se que a soma da série ∞<br />
n=1 λ(An) está sempre <strong>de</strong>finida, po<strong>de</strong>ndo, claro, ser<br />
+∞. A noção <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong> também se aplica a funções com valores reais ou complexos,<br />
mas, nestes casos, é necessário supôr que as séries em causa são sempre convergentes no<br />
sentido usual do termo. É fácil verificar que a noção <strong>de</strong> σ-subaditivida<strong>de</strong> requer λ ≥ 0<br />
(porquê?), e mais uma vez a questão da convergência da série em questão é irrelevante.<br />
n=1
76 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Nesta terminologia, o teorema 1.6.1 afirma que o conteúdo <strong>de</strong> Jordan cN<br />
é σ-aditivo na classe J (R N ), e o lema 1.6.2 diz que cN é σ-subaditivo na<br />
mesma classe J (R N ). Deixamos como exercício a <strong>de</strong>monstração do resultado<br />
seguinte, que po<strong>de</strong> ser usado para exibir muitos outros exemplos <strong>de</strong> funções<br />
σ-aditivas e σ-subaditivas em classes <strong>de</strong> conjuntos apropriadas.<br />
Teorema 1.6.7. Se R ⊆ R N e f : R → R, então o integral in<strong>de</strong>finido λ <strong>de</strong><br />
f é σ-aditivo em Jf(R). Se f ≥ 0 em R, então λ é σ-subaditivo.<br />
Exemplo 1.6.8.<br />
Apresentamos aqui um conjunto aberto limitado que não é Jordan-mensurável.<br />
Seja D = {q1, q2, · · · , qn, · · · } = Q ∩ [0, 1] o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet, ε > 0, e<br />
consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos abertos<br />
Un =]qn − ε<br />
2n , qn + ε<br />
∞<br />
[ e U = Un.<br />
2n Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é σ-subaditivo, se U é Jordan-mensurável então:<br />
∞<br />
∞ ε<br />
c(U) ≤ c(Un) = = 2ε.<br />
2n−1 n=1<br />
É evi<strong>de</strong>nte que D ⊆ U e sabemos que c(D) = 1. Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />
c(U) ≥ 1. Segue-se que, se ε < 1<br />
2 , então U não é Jordan-mensurável. Note-se<br />
<strong>de</strong> passagem que U não contém o intervalo [0, 1], contrariamente ao que a nossa<br />
intuição nos po<strong>de</strong> fazer supor.<br />
Qualquer união numerável <strong>de</strong> conjuntos em E(R N ) ou J (R N ) é uma<br />
união <strong>de</strong> conjuntos disjuntos na classe em questão, porque estas classes são<br />
semi-álgebras. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel permite por isso atribuir um “conteúdo”, ou<br />
“extensão”, que <strong>de</strong>signamos temporariamente por ˜cN, pelo menos aos conjuntos<br />
que são uniões numeráveis <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis, conforme<br />
registamos na próxima <strong>de</strong>finição:<br />
Definição 1.6.9 (As classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) e a função ˜cN).<br />
a) Jσ(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões numeráveis<br />
<strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis em R N ,<br />
b) Eσ(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões numeráveis<br />
<strong>de</strong> conjuntos elementares em R N . Os conjuntos E ∈ Eσ(R N ) dizem-se<br />
σ-elementares.<br />
c) Se A ∈ Jσ(RN ) então existem conjuntos An ∈ J (RN ) disjuntos tais<br />
que A = ∞ n=1 An, e <strong>de</strong>finimos<br />
∞<br />
˜cN(A) = cN(An).<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 77<br />
Exemplos 1.6.10.<br />
1. Qualquer conjunto numerável é σ-elementar. Se E = {x1, x2, · · · , xn, · · · },<br />
então E = ∪ ∞ n=1En, on<strong>de</strong> os conjuntos En = {xn} são elementares. Dado que<br />
cN(En) = 0, temos ˜cN(E) = 0. Em particular, Q é σ-elementar.<br />
2. Mais geralmente, E ⊆ R N é σ-elementar se e só se E é uma união numerável<br />
<strong>de</strong> rectângulos limitados.<br />
3. É fácil verificar que RN é um conjunto σ-elementar, e ˜cN(R N ) = ∞.<br />
4. O conjunto (aberto) do exemplo 1.6.8 é σ-elementar, mas não é Jordan-mensurável.<br />
5. A função ˜cN é uma extensão( 47 ) do conteúdo <strong>de</strong> Jordan, i.e., se A ⊆ R N é<br />
Jordan-mensurável, então ˜cN(A) = cN(A).<br />
6. Seja f : R → R limitada e contínua qtp no rectângulo compacto R, e D o<br />
conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f. Recor<strong>de</strong>-se que D é uma união<br />
numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo, don<strong>de</strong> D ∈ Jσ(R N ) e ˜cN(D) = 0.<br />
As observações seguintes são úteis no que se segue.<br />
Proposição 1.6.11. Seja E ∈ Jσ(R N ). Temos então:<br />
a) Se E ∈ Eσ(R), então ˜c(E) = 0 ⇐⇒ E é numerável.<br />
b) ˜cN(E) = 0 ⇐⇒ int(E) = ∅.<br />
c) ˜cN é σ-subaditiva em Jσ(R N ), ou seja, se E,Fn ∈ Jσ(R N ) então<br />
E ⊆<br />
∞<br />
Fn =⇒ ˜cN(E) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
˜cN(Fn).<br />
Demonstração. Deixamos a verificação <strong>de</strong> a) e b) para o exercício 9. Relativamente<br />
a c), consi<strong>de</strong>ramos partições <strong>de</strong> E e dos conjuntos Fn em conjuntos<br />
Jordan-mensuráveis Ei e Fnk, don<strong>de</strong><br />
E =<br />
∞<br />
Ei,Fn =<br />
i=1<br />
∞<br />
k=1<br />
n=1<br />
Fnk.<br />
Como os conjuntos E ′ m = ∪m i=1 Ei ⊆ E são Jordan-mensuráveis, segue-se do<br />
lema 1.6.2 que<br />
E ′ m ⊆<br />
∞<br />
n=1<br />
Fn =<br />
∞<br />
n=1 k=1<br />
∞<br />
Fnk =⇒ cN(E ′ m) ≤<br />
∞<br />
∞<br />
n=1 n=1<br />
cN(Fnk) =<br />
∞<br />
˜cN(Fn)<br />
É imediato que cN(E ′ m) → ˜cN(E), e portanto ˜cN(E) ≤ ∞<br />
n=1 ˜cN(Fn).<br />
47 A função g : B → Y diz-se uma extensão <strong>de</strong> f : A → X se e só se A ⊆ B, X ⊆ Y e<br />
g(x) = f(x) para qualquer x ∈ A.<br />
n=1
78 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Exemplos 1.6.12.<br />
1. O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) não é σ-elementar porque tem conteúdo nulo e<br />
não é numerável.<br />
2. O conjunto U = [0, 1] \C(I) é σ-elementar, porque U = ∪ ∞ n=1En, on<strong>de</strong> En é<br />
um conjunto elementar formado por 2 n−1 subintervalos, cada um <strong>de</strong> comprimento<br />
1<br />
3 n . Repare-se por isso que Eσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />
O próximo teorema indica mais algumas proprieda<strong>de</strong>s das classes Eσ(R N )<br />
e Jσ(R N ) e da função ˜cN:<br />
Teorema 1.6.13. As classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) são fechadas em relação a<br />
uniões finitas ou numeráveis e intersecções finitas, e a função ˜cN é aditiva<br />
e σ-aditiva em Jσ(R N ).<br />
Demonstração. Para mostrar que a classe Jσ(R N ) é fechada relativamente<br />
a uniões numeráveis, consi<strong>de</strong>ramos conjuntos En ∈ Jσ(R N ) e notamos que<br />
existem conjuntos Enm ∈ J (R N ) tais que En = ∪ ∞ m=1 Enm. Segue-se que<br />
E =<br />
∞<br />
n=1<br />
En =<br />
∞<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
Enm<br />
é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos Enm ∈ J (R N ), i.e., E ∈ Jσ(R N ).<br />
(Note que este argumento se aplica sem alterações à classe Eσ(R N ).)<br />
Para verificar a σ-aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ˜cN, supomos que os conjuntos En são<br />
disjuntos e que para cada n os conjuntos Enm são igualmente disjuntos. É<br />
imediato da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ˜cN(E) e <strong>de</strong> ˜cN(En) que<br />
∞<br />
˜cN(E) = ˜cN(<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
Enm) =<br />
∞<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
cN(Enm) =<br />
∞<br />
˜cN(En).<br />
É muito simples verificar a aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cN e o fecho das classes Eσ(R N )<br />
e Jσ(R N ) relativamente a intersecções finitas.<br />
De acordo com a observação feita no exemplo 1.6.10.5 acima, e para<br />
evitar sobrecarregar a notação utilizada, passamos a escrever “cN(E)” em<br />
lugar <strong>de</strong> “˜cN(E)” mesmo quando E ∈ Jσ(R N ).<br />
Exemplo 1.6.14.<br />
Seja D o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet e I = [0, 1] \D o conjunto dos irracionais em<br />
[0, 1]. Sabemos que D é σ-elementar, c(D) = 0 e c([0, 1]) = 1. Se I ∈ Jσ(R),<br />
segue-se pela proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> referida no teorema anterior que<br />
1 = c([0, 1]) = c(I) + c(D) ⇒ c(I) = 1.<br />
Sabemos que int(I) = ∅ e, como referimos acima, se I ∈ Jσ(R) então c(I) = 0.<br />
Concluímos que I ∈ Jσ(R). Em particular, Jσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />
n=1
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 79<br />
Eσ(R N )<br />
Jσ(R N )<br />
E(R N ) J (R N )<br />
Figura 1.6.1: As classes E(R N ), Eσ(R N ), J (R N ) e Jσ(R N ).<br />
O próximo exemplo é um conjunto perfeito muito semelhante ao <strong>de</strong> Cantor,<br />
mas uma aparentemente ligeira modificação na sua construção faz com<br />
que não pertença a Jσ(R). Este conjunto revela que Jσ(R) não contém<br />
todos os conjuntos compactos, e po<strong>de</strong> ser usado, tal como o exemplo <strong>de</strong><br />
Dirichlet, para mostrar que Jσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />
Exemplo 1.6.15.<br />
o conjunto <strong>de</strong> volterra( 48 ) - O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) (exemplo 1.3.9)<br />
é C(I) = ∩∞ n=0Fn, on<strong>de</strong> Fn é uma união <strong>de</strong> 2n intervalos fechados disjuntos<br />
Ik,n, e F0 = I = [a, b] é o “intervalo inicial”. A sucessão <strong>de</strong> conjuntos Fn<br />
foi <strong>de</strong>finida recursivamente: dividimos cada subintervalo Ik,n <strong>de</strong> Fn em três<br />
intervalos <strong>de</strong> igual comprimento 1<br />
3c(Ik,n), e <strong>de</strong>signamos por Jk,n o subintervalo<br />
médio (aberto) Jk,n ⊂ Ik,n. O conjunto Fn+1 resulta <strong>de</strong> extrair <strong>de</strong> Fn os<br />
subintervalos Jk,n, i.e.,<br />
Fn+1 = Fn\Un, on<strong>de</strong> Un =<br />
2 n<br />
<br />
k=1<br />
Jk,n.<br />
É claro que nada nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> extrair, em cada passo e <strong>de</strong> cada subintervalo<br />
Ik,n, um intervalo aberto Jk,n, ainda centrado no ponto médio <strong>de</strong> Ik,n, mas<br />
agora com comprimento c(Jk,n) = 1<br />
3 c(Ik,n). Exactamente como no procedimento<br />
original <strong>de</strong> Cantor, é fácil verificar que (exercício 14)<br />
V =<br />
∞<br />
Fn é um conjunto perfeito não-numerável com interior vazio.<br />
n=o<br />
Sendo I = F0 o intervalo inicial, temos igualmente que<br />
∞<br />
U = I\V = Un é σ-elementar e aberto.<br />
n=0<br />
48 Vito Volterra <strong>de</strong>scobriu exemplos análogos a este e à “função <strong>de</strong> Volterra” <strong>de</strong>scrita<br />
mais adiante em 1881, quando era ainda estudante. Actualmente é comum dizer que<br />
conjuntos <strong>de</strong>ste tipo são “<strong>de</strong> Cantor”.
80 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Para simplificar a notação, escrevemos an = c(Jk,n). A escolha da sucessão an<br />
é em larga medida arbitrária, mas para efeitos do presente exemplo é suficiente<br />
seleccionar primeiro um qualquer 0 ≤ ε < 1 e <strong>de</strong>finir:<br />
<br />
1−εc(I),<br />
se n = 0,<br />
an =<br />
3<br />
1<br />
3an−1, se n > 0.<br />
Dizemos que V é um conjunto <strong>de</strong> volterra, que passamos a <strong>de</strong>signar por<br />
Cε(I) (nesta notação, o conjunto <strong>de</strong> Cantor do exemplo 1.3.9 é C0(I)). O<br />
conjunto U é σ-elementar e por isso é fácil calcular o seu conteúdo. Cada<br />
conjunto Un é formado por 2n subintervalos <strong>de</strong> comprimento an = 1−ε<br />
3n+1c(I), don<strong>de</strong> c(Un) = (1 − ε) 2n<br />
3n+1c(I) e<br />
c(U) =<br />
∞<br />
n=0<br />
1 − ε<br />
c(Un) = (<br />
3 )c(I)<br />
∞<br />
n=0<br />
n 2<br />
= (1 − ε)c(I).<br />
3<br />
Designando o conjunto U por Uε(I) para maior clareza, observamos que, se<br />
Cε(I) ∈ Jσ(R N ), então<br />
• c(I) = c(Cε(I)) + c(Uε(I)) ⇒ c(Cε(I)) = c(I) − (1 − ε)c(I) = εc(I), e<br />
• Como Cε(I) tem interior vazio, temos c(Cε(I)) = 0.<br />
Concluímos assim que Cε(I) ∈ Jσ(R N ) quando ε > 0.<br />
U4<br />
U3<br />
U4<br />
U2<br />
U4<br />
U3<br />
U4<br />
U1<br />
Figura 1.6.2: A construção <strong>de</strong> Volterra com ε = 1<br />
4 .<br />
A função cN : Jσ(R N ) → [0, ∞] é claramente uma extensão não-trivial<br />
do conteúdo <strong>de</strong> Jordan, mas os exemplos 1.6.14 e 1.6.15 revelam que não é<br />
ainda uma base satisfatória para o <strong>de</strong>senvolvimento da teoria. Na verda<strong>de</strong>,<br />
quando A ⊆ B ⊆ R N e cN(A) e cN(B) estão <strong>de</strong>finidos, então <strong>de</strong>vemos ter, tal<br />
como observámos acima, cN(B\A) = cN(B)−cN(A). No entanto, vimos em<br />
ambos os exemplos referidos que po<strong>de</strong>mos ter B\A ∈ Jσ(R N ), mesmo que<br />
A,B ∈ Jσ(R N ). Em particular, estes exemplos sugerem que uma extensão<br />
apropriada da função cN <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong>finida numa classe <strong>de</strong> conjuntos que<br />
seja uma semi-álgebra, além <strong>de</strong> ser fechada em relação a uniões numeráveis.<br />
U4<br />
U3<br />
U4<br />
U2<br />
U4<br />
U3<br />
U4<br />
F0<br />
F1<br />
F2<br />
F3<br />
F4
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 81<br />
Borel teve o enorme mérito <strong>de</strong> analisar e i<strong>de</strong>ntificar com total clareza<br />
estas dificulda<strong>de</strong>s e enunciar com muita precisão o problema que entendia<br />
<strong>de</strong>ver ser resolvido, listando o que referia como “proprieda<strong>de</strong>s essenciais”( 49 )<br />
a satisfazer. Borel foi assim um notável pioneiro do tipo <strong>de</strong> procedimento<br />
que hoje chamamos <strong>de</strong> “axiomático”.<br />
1.6.16 (Problema <strong>de</strong> Borel). Determinar uma classe MN <strong>de</strong> subconjuntos<br />
<strong>de</strong> R N e uma função κN : MN → [0, ∞] tais que:<br />
a) A classe MN contém os conjuntos elementares.<br />
b) Se E ⊂ R N é elementar então κN(E) = cN(E).<br />
c) MN é uma álgebra fechada em relação a uniões numeráveis.<br />
d) κN é uma função σ-aditiva.<br />
Repare-se que a referência neste enunciado a uma álgebra em vez <strong>de</strong> semiálgebra<br />
é fácil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r: como R N é σ-elementar, qualquer semi-álgebra<br />
em R N fechada relativamente a uniões numeráveis e que contenha os conjuntos<br />
elementares contém R N , ou seja, é uma álgebra.<br />
Eσ(R N )<br />
E(R N )<br />
MN = ?<br />
Figura 1.6.3: O Problema <strong>de</strong> Borel<br />
κN = ?<br />
Não vamos <strong>de</strong>screver imediatamente a solução que Borel <strong>de</strong>scobriu para<br />
este problema( 50 ). Estudamos para já alguns resultados auxiliares importantes,<br />
em especial o seguinte, <strong>de</strong>scoberto por Cantor em 1883:<br />
49 As suas palavras, em Leçons sur la théorie <strong>de</strong>s fonctions, são muito claras: “... <strong>de</strong>finir<br />
os elementos novos que são introduzidos a partir das suas proprieda<strong>de</strong>s essenciais, ou seja,<br />
daquelas que são estritamente indispensáveis aos raciocínios que se seguem”.<br />
50 Veremos adiante que a classe MN = B(R N ) <strong>de</strong>scoberta por Borel, formada pelos conjuntos<br />
que hoje se dizem Borel-mensuráveis, é a menor solução <strong>de</strong>ste problema. Esta<br />
classe é uma extensão <strong>de</strong> Eσ(R N ), mas não contém todos os conjuntos Jordan-mensuráveis,<br />
facto que Borel conhecia e sublinhava com cuidado, porventura em sinal <strong>de</strong> pru<strong>de</strong>nte respeito<br />
por Jordan, que gozava <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência.<br />
cN
82 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Teorema 1.6.17 (<strong>de</strong> Cantor). Qualquer aberto é uma união numerável <strong>de</strong><br />
rectângulos abertos limitados e por isso é um conjunto σ-elementar.<br />
Demonstração. Seja Q(R) = {]q,r[: q,r ∈ Q} a classe formada pelos intervalos<br />
abertos <strong>de</strong> extremos racionais e, mais geralmente, consi<strong>de</strong>rem-se as<br />
classes Q(R N ), formadas pelos rectângulos-N com vértices <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas<br />
racionais, i.e., os rectângulos da forma I1 × I2 × · · · × IN, com Ik ∈ Q(R).<br />
Como Q é numerável, as classes Q(R N ) são igualmente numeráveis.<br />
Se U ⊆ R N é um aberto e x ∈ U, existe um rectângulo aberto limitado<br />
Rx, tal que x ∈ Rx ⊆ U. Suponha-se que<br />
Rx = I1 × I2 × · · · × IN, on<strong>de</strong> Ik =]ak,bk[ e x = (x1,x2, · · · ,xN).<br />
É claro que existem racionais qk e rk tais que<br />
É também evi<strong>de</strong>nte que<br />
ak < qk < xk < rk < bk e Jk =]qk,rk[∈ Q(R).<br />
J1 × J2 × · · · × JN = Qx ∈ Q(R N ) e x ∈ Qx ⊆ Rx ⊆ U.<br />
Concluímos assim que U = <br />
Qx.<br />
b2<br />
r2<br />
x2<br />
q2<br />
a2<br />
a1<br />
x∈U<br />
q1<br />
(x1, x2)<br />
x1<br />
Qx<br />
r1<br />
Rx<br />
Figura 1.6.4: Os rectângulos Qx e Rx.<br />
Os rectângulos Qx são limitados e abertos e a classe U = {Qx : x ∈ U} ⊆<br />
Q(R N ). Como Q(R N ) é numerável, a classe U só po<strong>de</strong> ser numerável.<br />
Do nosso ponto <strong>de</strong> vista nesta secção e nos termos da <strong>de</strong>finição 1.6.9, concluímos<br />
que cN(U) está <strong>de</strong>finida para qualquer conjunto aberto U ⊆ R N .<br />
b1
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 83<br />
Além disso, e <strong>de</strong> acordo com as condições a) e c) no enunciado do “Problema<br />
<strong>de</strong> Borel”, resulta que qualquer solução MN <strong>de</strong>ste problema contém<br />
necessariamente todos os conjuntos abertos e todos os conjuntos fechados.<br />
É muito interessante notar que o argumento usado para <strong>de</strong>monstrar<br />
1.6.17 é igualmente válido se substituirmos os intervalos abertos <strong>de</strong> extremos<br />
racionais ]q,r[ pelos correspon<strong>de</strong>ntes intervalos fechados, e portanto compactos,<br />
[q,r]. O próximo teorema indica esta e outras proprieda<strong>de</strong>s análogas,<br />
a <strong>de</strong>monstrar nos exercícios <strong>de</strong>sta secção.<br />
Teorema 1.6.18. Seja U ⊆ R N um aberto. Então,<br />
a) U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos compactos( 51 ).<br />
b) U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos limitados disjuntos.<br />
c) Se N = 1, então U é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos<br />
disjuntos( 52 ).<br />
O próximo exemplo, que chamamos <strong>de</strong> função <strong>de</strong> Volterra, é análogo ao<br />
que vimos em 1.5.6, porque é uma função diferenciável em toda a parte cuja<br />
<strong>de</strong>rivada não é Riemann-integrável. Mais uma vez, a regra <strong>de</strong> Barrow não é<br />
aplicável a f = F ′ porque o integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f não existe, apesar <strong>de</strong><br />
f ter uma primitiva. A função <strong>de</strong> Volterra é particularmente interessante<br />
porque F ′ é limitada, o que sugere que o facto <strong>de</strong> F ′ não ser integrável não<br />
reflecte uma dificulda<strong>de</strong> “natural” como a do exemplo 1.5.6, mas reflecte em<br />
vez disso uma <strong>de</strong>ficiência da própria <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann( 53 ).<br />
Exemplo 1.6.19.<br />
a função <strong>de</strong> volterra - Consi<strong>de</strong>ramos primeiro a função f <strong>de</strong>finida por<br />
f(x) =<br />
<br />
2 1 x sen( x<br />
), se x = 0,<br />
0, se x = 0.<br />
A função f é diferenciável em R e a sua <strong>de</strong>rivada é<br />
f ′ <br />
1 1<br />
2xsen(<br />
(x) =<br />
x ) − cos( x ), se x = 0,<br />
0, se x = 0.<br />
Por razões evi<strong>de</strong>ntes, f ′ não é contínua em 0, on<strong>de</strong> a respectiva oscilação é 2.<br />
No entanto, f ′ é limitada em qualquer intervalo limitado.<br />
51 As uniões numeráveis <strong>de</strong> conjuntos compactos dizem-se conjuntos σ-compactos.<br />
52 Este é o resultado <strong>de</strong>scoberto por Cantor em 1883. Note (exercício 7) que esta <strong>de</strong>composição<br />
em intervalos abertos disjuntos é única.<br />
53 O próprio Henri Lebesgue consi<strong>de</strong>rava este exemplo como uma das suas mais importantes<br />
motivações na busca <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> integração mais geral do que a <strong>de</strong> Riemann.<br />
Como veremos mais adiante, a regra <strong>de</strong> Barrow é válida para a função <strong>de</strong> Volterra na<br />
teoria da integração <strong>de</strong> Lebesgue. Veja-se aliás no exercício 15 <strong>de</strong>sta secção que a região<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> F ′ é σ-elementar e o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável.
84 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Dado a > 0, po<strong>de</strong>mos facilmente adaptar esta <strong>de</strong>finição para obter uma função<br />
g : R → R, nula fora do intervalo ]0, a[, diferenciável em R, com <strong>de</strong>rivada<br />
limitada, mas <strong>de</strong>scontínua nos pontos x = 0 e x = a, on<strong>de</strong> ωg ′(0) = ωg ′(a) = 2.<br />
Para isso, escolhemos um ponto 0 < b < a/2 tal que f ′ (b) = 0 e tomamos<br />
⎧<br />
⎪⎨<br />
f(x), se 0 < x < b,<br />
f(b), se b ≤ x ≤ c = a − b,<br />
g(x) =<br />
⎪⎩<br />
f(a − x), se c < x < a,<br />
0, se x ∈ ]0, a[.<br />
g é diferenciável em R mas g ′ é <strong>de</strong>scontínua tanto em x = 0 como x = a, on<strong>de</strong><br />
tem oscilação igual a 2.<br />
f(b)<br />
b<br />
c<br />
a<br />
Figura 1.6.5: Os gráfico <strong>de</strong> g e g ′ .<br />
Designamos por U = I\Cε(I) o complementar do conjunto <strong>de</strong> Volterra no inter-<br />
valo I e recordamos que U = ∞<br />
n=1 ]an, bn[ é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos<br />
abertos disjuntos, obviamente limitados. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> g po<strong>de</strong> ser modificada<br />
para obter uma função gn nula fora do intervalo ]an, bn[, diferenciável em R,<br />
com <strong>de</strong>rivada limitada, mas <strong>de</strong>scontínua nos pontos x = an e x = bn, on<strong>de</strong> a<br />
oscilação é 2. A função <strong>de</strong> volterra F é então dada por:<br />
F(x) =<br />
∞<br />
gn(x).<br />
n=1<br />
Deixamos para o exercício 15 mostrar que<br />
• F é diferenciável em R, com F ′ (x) = 0 quando x ∈ U, e<br />
• F ′ é <strong>de</strong>scontínua em todos os pontos <strong>de</strong> Cε(I) e por isso não é Riemannintegrável<br />
em I quando ε > 0.<br />
No entanto, e em última análise, este exemplo apenas ilustra novamente<br />
a fragilida<strong>de</strong> da integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Riemann em relação a operações <strong>de</strong> passagem<br />
ao limite. Afinal <strong>de</strong> contas, F ′ é o limite pontual <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong><br />
b<br />
c<br />
a
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 85<br />
funções Riemann-integráveis, porque<br />
F ′ F(x + h) − F(x)<br />
(x) = lim<br />
= lim<br />
h→0 h n→∞<br />
F(x + 1)<br />
− F(x)<br />
n<br />
1<br />
n<br />
= lim<br />
n→∞ gn(x), on<strong>de</strong> gn(x) = n(F(x + 1<br />
) − F(x)).<br />
n<br />
As funções gn são Riemann-integráveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que F o seja, mas daqui não<br />
po<strong>de</strong>mos concluir a integrabilida<strong>de</strong> da função limite F ′ , como bem sabemos.<br />
Observamos ainda, para posterior referência, que a proposição 1.3.12 se<br />
generaliza sem dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior às classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ):<br />
Lema 1.6.20. Se U ∈ Jσ(R N ) e V ∈ Jσ(R M ), então<br />
a) Fecho em relação ao produto: U × V ∈ Jσ(R N+M ) e<br />
cN+M(U × V ) = cN(U)cM(V ).<br />
b) Invariância sob translacções: Se x ∈ R N então U + x ∈ Jσ(R N ) e<br />
cN(U + x) = cN(U),<br />
c) Invariância sob reflexões: Se W é uma reflexão <strong>de</strong> U num dos hiperplanos<br />
xk = 0, então W ∈ Jσ(R N ) e cN(W) = cN(U).<br />
Estas afirmações são igualmente verda<strong>de</strong>iras substituindo Jσ(R N ), Jσ(R M )<br />
e Jσ(R N+M ) respectivamente por Eσ(R N ), Eσ(R M ) e Eσ(R N+M ).<br />
Demonstração. As afirmações b) e c) são consequências imediatas <strong>de</strong> 1.3.12.<br />
Para provar a), supomos que<br />
U =<br />
∞<br />
Un e V =<br />
n=1<br />
∞<br />
m=1<br />
on<strong>de</strong> os conjuntos Un ∈ J (RN ) e Vm ∈ J (RM ) formam partições, respectivamente,<br />
<strong>de</strong> U e <strong>de</strong> V . É evi<strong>de</strong>nte que<br />
U × V =<br />
∞<br />
e segue-se <strong>de</strong> 1.3.12 que<br />
n=1<br />
Un<br />
<br />
×<br />
∞<br />
m=1<br />
Vm<br />
<br />
=<br />
Vm,<br />
∞<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
Un × Vm,<br />
Un × Vm ∈ J (R N+M ) e cN+M(Un × Vm) = cN(Un)cM(Vm).
86 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />
Concluímos que U × V ∈ Jσ(R N+M ). Como os conjuntos Un × Vm formam<br />
uma partição <strong>de</strong> U × V , temos<br />
cN+M(U × V ) =<br />
=<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
∞<br />
cN+M(Un × Vm) =<br />
∞<br />
cN(Un)<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
∞<br />
cM(Vm) = cN(U)cM(V ).<br />
m=1<br />
∞<br />
cN(Un)cM(Vm) =<br />
A adaptação <strong>de</strong>stes argumentos a conjuntos σ-elementares é muito simples.<br />
Exercícios.<br />
1. Seja C uma classe <strong>de</strong> conjuntos tal que ∅ ∈ C e λ : C → [0, +∞] uma função<br />
σ-aditiva em C.<br />
a) Mostre que λ(∅) = 0, ou λ é i<strong>de</strong>nticamente +∞.<br />
b) Prove que λ é aditiva.<br />
2. Seja S uma semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos e λ : S → [0, +∞] uma função aditiva.<br />
Mostre que λ é σ-aditiva se e só se λ é σ-subaditiva.<br />
3. Prove que qualquer conjunto numerável tem conteúdo nulo.<br />
4. Mostre que E ∈ Jσ(R N ) é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel se e só se cN(E) = 0.<br />
5. Suponha que 0 ≤ anm ≤ ∞ para quaisquer n, m ∈ N e prove que<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
=<br />
<br />
.<br />
n=1<br />
m=1<br />
anm<br />
m=1<br />
n=1<br />
anm<br />
6. Sendo R ⊆ R N e f : R → R Riemann-integrável em R, mostre que o integral<br />
in<strong>de</strong>finido λ <strong>de</strong> f é σ-aditivo em Jf(R). (teorema 1.6.7).<br />
7. Demonstre o teorema 1.6.18. sugestão: No caso <strong>de</strong> c) e dado x ∈ U, seja Ix<br />
a união <strong>de</strong> todos os intervalos abertos abertos V tais que x ∈ V ⊆ U. Mostre<br />
que os conjuntos Ix formam uma família <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos, que<br />
só po<strong>de</strong> ser numerável. Mostre em particular que a <strong>de</strong>composição referida em<br />
c) é única.<br />
8. Prove que, se E ∈ J (R), então E tem subconjuntos que não são Jordanmensuráveis<br />
se e só se c(E) > 0. sugestão: Mostre que qualquer intervalo<br />
aberto não-vazio contém subconjuntos que não são Jordan-mensuráveis.<br />
9. Prove que se E ∈ Jσ(R N ) então cN(E) = 0 se e só se int(E) = ∅. Mostre<br />
igualmente que se E ∈ Eσ(R), então cN(E) = 0 se e só se E é numerável.
1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 87<br />
10. Mostre que as classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) são fechadas em relação a intersecções<br />
finitas. Estas classes são fechadas em relação a intersecções numeráveis?<br />
11. Verifique que cN é monótona, aditiva e subaditiva em Jσ(R N ).<br />
12. Suponha que E ∈ Jσ(R N ) é limitado e prove que c N (E) ≤ cN(E) ≤ cN(E).<br />
13. Determine o cardinal da classe dos abertos em R N . ( 54 )<br />
14. Consi<strong>de</strong>re o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) (exemplo 1.6.15).<br />
a) O conjunto Fn é elementar e é formado por 2 n intervalos. Sendo J um<br />
<strong>de</strong>sses 2 n subintervalos, mostre que J ∩ Cε(I) = Cδ(J), on<strong>de</strong> δ é um<br />
parâmetro que <strong>de</strong>ve calcular. Conclua em particular que J\Cε(I) é σelementar<br />
e calcule o seu conteúdo.<br />
b) Mostre que Cε(I) é perfeito não-numerável e tem interior vazio.<br />
c) Calcule c(Cε(I)), c(Cε(I)), c(Uε(I)) e c(Uε(I)).<br />
15. Verifique as afirmações feitas no texto a propósito da função <strong>de</strong> Volterra.<br />
Em particular, mostre que<br />
a) g é diferenciável em R e g ′ é limitada em R, com oscilação 2 em 0 e a.<br />
b) F é diferenciável em R, com F ′ limitada em R e F ′ (x) = 0 para x ∈ U.<br />
sugestão: Suponha que x ∈ U e estabeleça a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> seguinte:<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
F(x + h) − F(x) <br />
<br />
h ≤ |h|.<br />
c) O gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em [0, 1].<br />
d) F ′ é <strong>de</strong>scontínua em Cε(I). sugestão: Recor<strong>de</strong> que qualquer ponto <strong>de</strong><br />
Cε(I) é limite <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> pontos fronteira dos Fn.<br />
e) F ′ não é Riemann-integrável, i.e., a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas não é Jordanmensurável,<br />
mas é um conjunto σ-elementar limitado. Como <strong>de</strong>finiria e<br />
calcularia o integral <strong>de</strong> F ′ em I?<br />
16. Consi<strong>de</strong>re a função f <strong>de</strong>finida tal como a “escada do diabo”, mas utilizando<br />
o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) com ε > 0 em vez do conjunto <strong>de</strong> Cantor C0(I).<br />
Calcule o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no intervalo I = [0, 1]. Po<strong>de</strong> existir<br />
alguma função Riemann-integrável g que satisfaça f ′ (x) = g(x) qtp em I?<br />
Quais são os possíveis valores <strong>de</strong> f ′ (x) nos pontos on<strong>de</strong> esta <strong>de</strong>rivada exista?<br />
17. O conjunto U do exemplo 1.6.8 é Jordan-mensurável quando ε = 1<br />
2 ?<br />
18. Seja U ainda o aberto referido no exemplo 1.6.8 e F a função <strong>de</strong> Volterra<br />
nula fora <strong>de</strong> U. O que po<strong>de</strong> concluir sobre a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> F ′ ?<br />
54 Usamos as seguintes <strong>de</strong>signações para cardinais infinitos: ℵ0 é o cardinal <strong>de</strong> N, ℵ1 é o<br />
cardinal <strong>de</strong> R, ℵ2 é o cardinal <strong>de</strong> P(R), ℵ3 é o cardinal <strong>de</strong> P(P(R)), etc.
88 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann
Capítulo 2<br />
A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
As dificulda<strong>de</strong>s técnicas associadas ao integral <strong>de</strong> Riemann, algumas das<br />
quais temos vindo a apontar, eram bem conhecidas no final do século XIX,<br />
mas certamente prevalecia a opinião que eram inevitáveis, e inultrapassáveis.<br />
Apenas um grupo restrito <strong>de</strong> jovens matemáticos( 1 ) parece ter-se apercebido,<br />
por volta <strong>de</strong> 1900, que era possível e <strong>de</strong>sejável alargar a classe das funções<br />
às quais atribuímos um integral, e que <strong>de</strong>ssa forma se podiam ultrapassar<br />
algumas das limitações do integral <strong>de</strong> Riemann. Por um lado, os trabalhos<br />
<strong>de</strong> Jordan e Peano tinham revelado que este problema se reduz ao<br />
<strong>de</strong> alargar a classe <strong>de</strong> conjuntos aos quais atribuímos um conteúdo. Por<br />
outro lado, e como vimos, Borel tinha <strong>de</strong>scoberto que certos conjuntos que<br />
não são Jordan-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser “medidos” usando partições infinitas<br />
numeráveis em rectângulos, e tinha igualmente i<strong>de</strong>ntificado com muito rigor<br />
e clareza o que ele próprio consi<strong>de</strong>rava como as “proprieda<strong>de</strong>s essenciais” a<br />
satisfazer por qualquer possível extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />
Em 1902, o então jovem professor <strong>de</strong> liceu Henri Léon Lebesgue apresentou<br />
a sua própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis e <strong>de</strong> medida, numa<br />
excepcional tese <strong>de</strong> doutoramento, com o título “Integral, área, volume”,<br />
que submeteu à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Nancy. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lebesgue combinava<br />
<strong>de</strong> forma muito natural o trabalho <strong>de</strong> Jordan com o <strong>de</strong> Borel, retomando<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aproximação usada por Jordan, mas substituindo os conjuntos<br />
elementares pelos conjuntos σ-elementares, cuja medida Lebesgue calculava<br />
pela técnica <strong>de</strong> Borel. Os conjuntos mensuráveis “no sentido <strong>de</strong> Lebesgue”<br />
dizem-se conjuntos <strong>de</strong> Lebesgue, ou conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />
e formam a classe L(R N ), que inclui a classe J (R N ). A medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
<strong>de</strong>signa-se “mN”, ou apenas “m”, é uma função mN : L(R N ) → [0, ∞],<br />
e é uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan cN.<br />
1 Além <strong>de</strong> Henri Leon Lebesgue, 1875-1941, formado em 1897 pela École Normale<br />
Supérieure, don<strong>de</strong> conhecia Borel, pelo menos o matemático italiano Giuseppe Vitali,<br />
1875-1941, na altura assistente na Scuola Normale <strong>de</strong> Pisa, e o matemático inglês William<br />
Henry Young, 1863-1942, então em Göttingen.<br />
89
90 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Em 1913, Radon( 2 ) <strong>de</strong>u um passo <strong>de</strong>cisivo no caminho da generalização<br />
crescente, ao aperceber-se que a medida <strong>de</strong> Lebesgue é apenas um exemplo<br />
<strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> objecto matemático que hoje tem o nome genérico <strong>de</strong> medida,<br />
e que qualquer medida po<strong>de</strong> ser utilizada para <strong>de</strong>finir integrais <strong>de</strong> funções.<br />
Na realida<strong>de</strong>, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Borel, Lebesgue e Radon, acompanharam, e frequentemente<br />
prece<strong>de</strong>ram, a vaga <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> abstracção que começou a<br />
varrer os mais diversos domínios da Matemática no início do século XX, e<br />
rapidamente conduziram à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma base axiomática apropriada<br />
para a chamada Teoria da <strong>Medida</strong>.<br />
Na teoria axiomática da medida, os conjuntos mensuráveis são, simplesmente,<br />
elementos <strong>de</strong> álgebras <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> um tipo especial, ditas<br />
σ-álgebras, das quais a classe L(R N ), <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue, é apenas<br />
um exemplo, se bem que <strong>de</strong> importância capital. As medidas são funções<br />
aditivas <strong>de</strong>finidas em σ-álgebras, mas para as quais a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong><br />
é ainda válida para partições numeráveis.<br />
O principal objectivo <strong>de</strong>ste Capítulo é a <strong>de</strong>finição da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
propriamente dita, e a i<strong>de</strong>ntificação das suas proprieda<strong>de</strong>s mais relevantes.<br />
Aqui introduzimos também a base axiomática da Teoria da <strong>Medida</strong>, uma<br />
das mais importantes ferramentas <strong>de</strong> trabalho em todo este texto, e que em<br />
muitos aspectos simplifica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o nosso estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
2.1 Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s<br />
Esta secção apresenta algumas das i<strong>de</strong>ias mais básicas da Teoria da <strong>Medida</strong>,<br />
todas relacionadas com a noção <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>, e em gran<strong>de</strong> parte sugeridas<br />
pelo enunciado do “Problema <strong>de</strong> Borel”. A primeira <strong>de</strong>finição que<br />
apresentamos resume-se aliás a abstrair a condição (c) <strong>de</strong>sse problema:<br />
Definição 2.1.1 (σ-Álgebra). Seja M uma classe <strong>de</strong> subconjuntos em X.<br />
Dizemos que M é uma σ-álgebra (em X) se e só se M é uma álgebra <strong>de</strong><br />
conjuntos fechada em relação a uniões numeráveis, i.e.,<br />
Exemplos 2.1.2.<br />
E1,E2, · · · ,En, · · · ∈ M =⇒ E =<br />
∞<br />
En ∈ M.<br />
1. Nesta terminologia, a condição c) do Problema <strong>de</strong> Borel po<strong>de</strong> enunciar-se:<br />
“MN é uma σ-álgebra em R N ”.<br />
2. Sendo I = [0, 1], a classe J (I) é uma álgebra, mas o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet<br />
D = Q ∩ I mostra que J (I) não é fechada em relação a uniões numeráveis, e<br />
portanto não é uma σ-álgebra.<br />
2 Johann Radon (1887-1956), matemático austríaco. Foi professor em diversas universida<strong>de</strong>s<br />
alemãs, e terminou a sua carreira na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Viena, on<strong>de</strong> se tinha<br />
doutorado em 1910.<br />
n=1
2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 91<br />
3. A classe Jσ(R N ) é fechada em relação a uniões numeráveis, mas não é uma<br />
σ-álgebra, porque não é uma semi-álgebra.<br />
4. Qualquer semi-álgebra em RN que contenha os rectângulos limitadas e seja<br />
fechada em relação a uniões numeráveis contém necessariamente o próprio<br />
conjunto RN . É por isso uma álgebra e uma σ-álgebra.<br />
5. De acordo com o teorema <strong>de</strong> Cantor (1.6.17), qualquer σ-álgebra em R N<br />
que contenha os rectângulos limitadas contém todos os conjuntos abertos e<br />
portanto todos os conjuntos fechados.<br />
6. Sendo X um qualquer conjunto, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong><br />
X, <strong>de</strong>signada P(X), é, por razões óbvias, a maior σ-álgebra em X. A classe<br />
{∅, X} é a menor σ-álgebra em X.<br />
A <strong>de</strong>finição 2.1.1 é complementada pela seguinte:<br />
Definição 2.1.3 (Espaço Mensurável, Conjuntos Mensuráveis). Um espaço<br />
mensurável é um par (X, M), on<strong>de</strong> M é uma σ-álgebra no conjunto X.<br />
Se E ⊆ X, dizemos que E é M-mensurável se e só se E ∈ M.<br />
Quando a σ-álgebra M é óbvia do contexto da discussão, dizemos apenas<br />
que o conjunto E é “mensurável”, em vez <strong>de</strong> “M-mensurável”. Das<br />
proprieda<strong>de</strong>s seguintes, apenas o fecho em relação a intersecções numeráveis<br />
requer ainda <strong>de</strong>monstração, o que fica como exercício.<br />
Teorema 2.1.4 (Proprieda<strong>de</strong>s Algébricas <strong>de</strong> σ-Álgebras). Se M é uma<br />
σ-álgebra em X, i.e., se (X, M) é um espaço mensurável, temos:<br />
a) ∅, X ∈ M.<br />
b) Fecho em relação à diferença: E, F ∈ M =⇒ E\F ∈ M.<br />
c) Fecho em relação a uniões e intersecções, finitas e numeráveis:<br />
m m ∞ ∞<br />
En ∈ M, ∀n∈N =⇒ En, En, En, En ∈ M.<br />
n=1<br />
O objectivo da teoria da medida é o estudo <strong>de</strong> funções σ-aditivas, <strong>de</strong>finidas<br />
em σ-álgebras, e são estas as funções que chamamos medidas.<br />
Definição 2.1.5 (<strong>Medida</strong>s: Reais, Complexas e Positivas). Supondo que<br />
Y = R, Y = C ou Y = [0,+∞] e (X, M)) é um espaço mensurável, dizemos<br />
que µ é uma medida se e só se µ : M → Y é uma função σ-aditiva com<br />
µ(∅) = 0( 3 ). A medida µ diz-se, respectivamente, real, complexa ou<br />
positiva se Y = R, Y = C ou Y = [0,+∞]. A medida positiva µ é finita<br />
se e só se µ(E) = ∞ para todos os E ∈ M.<br />
3 Esta condição só não se segue automaticamente da σ-aditivida<strong>de</strong> quando Y = [0, +∞],<br />
e nesse caso é equivalente à condição <strong>de</strong> µ não ser constante e igual a +∞.<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1
92 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Observações 2.1.6.<br />
1. As medidas reais não-negativas são as medidas positivas finitas.<br />
2. Se π e ν são medidas positivas finitas, então µ = π − ν é uma medida real.<br />
3. Qualquer medida complexa α é da forma α = µ+iλ, on<strong>de</strong> µ e λ são medidas<br />
reais.<br />
4. Só as medidas positivas po<strong>de</strong>m tomar valores infinitos, e mesmo neste caso<br />
apenas o valor +∞.<br />
As relações entre estes tipos <strong>de</strong> medidas ilustram-se na figura 2.1.1.<br />
Positivas<br />
finitas<br />
Positivas<br />
Reais Complexas<br />
Figura 2.1.1: Tipos <strong>de</strong> medidas.<br />
Demonstraremos mais adiante o chamado Teorema da Decomposição <strong>de</strong><br />
Hahn-Jordan. Este resultado mostra que qualquer medida real µ é da forma<br />
µ = µ + − µ − , on<strong>de</strong> µ + e µ − são medidas positivas finitas. De acordo com<br />
as observações acima e o teorema <strong>de</strong> Hahn-Jordan, as medidas positivas são<br />
naturalmente elementos base da teoria da <strong>Medida</strong>.<br />
Exemplos 2.1.7.<br />
1. A distribuição <strong>de</strong> dirac δ, <strong>de</strong>finida em P(R) por<br />
<br />
1, se 0 ∈ A, e<br />
δ(A) =<br />
0, se 0 ∈ A,<br />
é uma medida em P(R), e diz-se, também, a medida <strong>de</strong> dirac. Conforme referimos<br />
no exemplo 1, é frequentemente utilizada para representar a distribuição<br />
<strong>de</strong> massa associada a um único ponto material, <strong>de</strong> massa unitária, colocado<br />
na origem. Mais geralmente, se X é um conjunto e x0 ∈ X, a distribuição <strong>de</strong><br />
Dirac (em x0) <strong>de</strong>fine-se por<br />
e é uma medida em P(X).<br />
δx0(A) =<br />
1, se x0 ∈ A, e<br />
0, se x0 ∈ A,
2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 93<br />
2. Sendo X um conjunto, o cardinal é uma medida em P(X). O cardinal<br />
é uma medida positiva, que é finita se e só se o conjunto X é finito. Diz-se,<br />
frequentemente, a medida <strong>de</strong> contagem, e é aqui <strong>de</strong>signada por “#”.<br />
3. Uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> π no conjunto X = ∅ é, simplesmente,<br />
uma medida positiva satisfazendo a condição π(X) = 1. Em certo sentido, é<br />
legítimo dizer que a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s não passa <strong>de</strong> um subcapítulo da<br />
Teoria da <strong>Medida</strong>! Um dos exemplos mais simples <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />
resulta <strong>de</strong> tomar π(E) = #(E)/#(X), para qualquer E ∈ P(X), on<strong>de</strong> X é<br />
um conjunto finito. Neste caso, os diversos elementos <strong>de</strong> X correspon<strong>de</strong>m a<br />
acontecimentos igualmente prováveis, o que é o mo<strong>de</strong>lo mais comum no estudo<br />
<strong>de</strong> muitas questões elementares sobre, por exemplo, jogos <strong>de</strong> azar com cartas<br />
e dados. A própria medida <strong>de</strong> Dirac é um exemplo trivial <strong>de</strong> medida <strong>de</strong><br />
probabilida<strong>de</strong>.<br />
4. O usual pente <strong>de</strong> Dirac em R é a medida positiva π(E) = #(E ∩ Z).<br />
Definição 2.1.8 (Espaço <strong>de</strong> <strong>Medida</strong>). Um espaço <strong>de</strong> medida é um terno<br />
(X, M,µ), on<strong>de</strong> (X, M) é um espaço mensurável e µ é uma medida positiva<br />
<strong>de</strong>finida em M.<br />
Exemplos 2.1.9.<br />
1. (R, P(R), δ) é um espaço <strong>de</strong> medida.<br />
2. O espaço da medida <strong>de</strong> contagem em N é (N, P(N), #).<br />
3. Um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> é um espaço <strong>de</strong> medida (X, M, µ) em que<br />
µ(X) = 1, ou seja, em que µ é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Neste caso, é<br />
tradicional dizer que os conjuntos mensuráveis, i.e., os conjuntos E ∈ M, são<br />
os acontecimentos.<br />
Utilizaremos, no que se segue, a seguinte terminologia:<br />
Definição 2.1.10 (Espaço <strong>de</strong> <strong>Medida</strong> Finito, σ-Finito). O espaço <strong>de</strong> medida<br />
(X, M,µ) diz-se finito se e só se µ é finita. Diz-se σ-finito, se e só se<br />
existem conjuntos Xn ∈ M, tais que<br />
µ(Xn) < ∞ e X =<br />
∞<br />
Xn.<br />
n=1<br />
Dizemos também neste último caso que a medida µ é σ-finita.<br />
Exemplos 2.1.11.<br />
1. Qualquer espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s é um espaço <strong>de</strong> medida finito, porque,<br />
neste caso, µ(X) = 1.<br />
2. O espaço (N, P(N), #) da medida <strong>de</strong> contagem em N é σ-finito mas não é<br />
finito. Sendo Xn = {1, 2, · · · , n}, é claro que #(N) = +∞, #(Xn) < +∞ e<br />
N = ∞<br />
n=1 Xn.
94 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
3. O pente <strong>de</strong> Dirac (exemplo 2.1.7.4) é uma medida σ-finita que não é finita.<br />
4. O espaço da medida <strong>de</strong> contagem (X, P(X), #), em qualquer conjunto X<br />
infinito não-numerável, não é σ-finito. Basta notar que, se os conjuntos Xn ⊆<br />
X têm medida finita, i.e., se são conjuntos finitos, então o conjunto ∪ ∞ n=1 Xn é<br />
finito, ou infinito numerável, e portanto X = ∪ ∞ n=1 Xn.<br />
Os próximos teoremas indicam proprieda<strong>de</strong>s válidas para qualquer medida,<br />
que utilizaremos quase constantemente no que se segue. Começamos<br />
por resumir alguns dos resultados elementares que já apresentámos até aqui.<br />
Teorema 2.1.12. Seja µ uma medida <strong>de</strong>finida na σ-álgebra M em X. Se<br />
os conjuntos E,F,E1,E2, · · · ,En, · · · são M-mensuráveis, temos:<br />
a) µ(∅) = 0.<br />
b) Aditivida<strong>de</strong> e σ-aditivida<strong>de</strong>: Se os conjuntos En são disjuntos,<br />
m<br />
µ( En) =<br />
n=1<br />
m<br />
∞<br />
µ(En) e µ( En) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(En).<br />
Se µ é não-negativa, i.e., se µ é uma medida positiva, temos ainda:<br />
c) Monotonia: E ⊆ F =⇒ µ(E) ≤ µ(F).<br />
d) Subaditivida<strong>de</strong> e σ-subaditivida<strong>de</strong>:<br />
m<br />
µ( En) ≤<br />
n=1<br />
m<br />
∞<br />
µ(En) e µ( En) ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(En).<br />
Recordamos que o conjunto R = [−∞,+∞] se diz a “recta acabada”,<br />
e escrevemos analogamente R + = [0,+∞]. Qualquer sucessão monótona em<br />
R converge para algum α ∈ R, e introduzimos aqui as seguintes convenções:<br />
• Se a sucessão <strong>de</strong> termo geral xn é crescente, então α = supxn, e<br />
escrevemos “xn ր α”.<br />
• Quando a sucessão é <strong>de</strong>crescente, α = inf xn, e escrevemos “xn ց α”.<br />
n=1<br />
Se os conjuntos En formam uma sucessão crescente, escrevemos<br />
En ր E, on<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> que E =<br />
∞<br />
En.<br />
n=1<br />
Se os conjuntos En formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, escrevemos<br />
En ց E, on<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> que E =<br />
∞<br />
En.<br />
n=1
2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 95<br />
Se os conjuntos En são M-mensuráveis e formam uma sucessão crescente,<br />
é possível usar indirectamente a σ-aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> µ para calcular a medida<br />
do conjunto ∪ ∞ n=1 En.<br />
Teorema 2.1.13 (da Convergência Monótona <strong>de</strong> Lebesgue). Se os conjuntos<br />
En ∈ M e En ր E, então E ∈ M e µ(En) → µ(E).<br />
Demonstração. Sendo Fk+1 = Ek+1\Ek e F1 = E1, notamos que os conjuntos<br />
Fk são disjuntos e verificam<br />
En =<br />
n<br />
Fk e E =<br />
k=1<br />
∞<br />
n=1<br />
En =<br />
∞<br />
Fk.<br />
Como os conjuntos Fk são disjuntos e µ é aditiva e σ-aditiva, temos<br />
µ(En) = µ(<br />
n<br />
Fk) =<br />
k=1<br />
k=1<br />
n<br />
∞<br />
µ(Fk) e µ(E) = µ( Fk) =<br />
k=1<br />
É portanto óbvio que µ(En) → µ(E).<br />
k=1<br />
∞<br />
µ(Fk).<br />
k=1<br />
Se os conjuntos En formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, temos<br />
Teorema 2.1.14. Se os conjuntos En ∈ M e En ց E, então E ∈ M. Se,<br />
além disso, µ(E1) = +∞, então µ(En) → µ(E).<br />
Demonstração. Os conjuntos Fn = E1\En são M-mensuráveis e formam<br />
uma sucessão crescente. Portanto,<br />
Por outro lado,<br />
∞<br />
∞<br />
µ(Fn) → µ( Fn), ou seja, µ(E1\En) → µ( (E1\En)).<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
∞<br />
∞<br />
(E1\En) = E1\ En =⇒ µ(E1\En) → µ(E1\ En).<br />
Dado que En ⊆ E1 e ∩ ∞ n=1 En ⊆ E1, se todos os conjuntos em causa têm<br />
medida finita, é claro que<br />
∞<br />
∞<br />
µ(En) = µ(E1) − µ(E1\En) e µ( En) = µ(E1) − µ(E1\ En).<br />
n=1<br />
∞<br />
Obtemos imediatamente que µ(En) → µ( En).<br />
A hipótese adicional µ(E1) = +∞, referida no teorema anterior, só não<br />
é automaticamente satisfeita quando µ é uma medida positiva. O exemplo<br />
seguinte mostra que, neste caso, a hipótese é indispensável.<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1
96 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exemplo 2.1.15.<br />
Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos En = {k ∈ N : k ≥ n} no espaço <strong>de</strong> medida (<strong>de</strong><br />
contagem) (N, P(N), #). É claro que<br />
En ց<br />
Exercícios.<br />
∞<br />
En = ∅ mas #(En) = +∞ não converge para #(∅) = 0.<br />
n=1<br />
1. Seja X um conjunto infinito. Diga, para cada um dos exemplos seguintes,<br />
se a função <strong>de</strong> conjuntos em causa µ : P(X) → [0, +∞] é aditiva, subaditiva,<br />
σ-aditiva, σ-subaditiva.<br />
a) µ(E) = 0, se E é finito, com µ(E) = 1, se E é infinito,<br />
b) µ(E) = 0, se E é finito, com µ(E) = +∞, se E é infinito.<br />
2. Suponha que M é uma σ-álgebra em X e E1, E2, · · · , En, · · · são conjuntos<br />
em M. Prove que E = ∩ ∞ n=1 En pertence igualmente a M (Teorema 2.1.4).<br />
3. Suponha que µ é uma medida <strong>de</strong>finida na σ-álgebra M e E é M-mensurável.<br />
Prove que a função λ <strong>de</strong>finida por λ(F) = µ(F ∩E) é igualmente uma medida.<br />
4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a função µ : P(X) → [0, +∞]<br />
dada é uma medida na σ-álgebra P(X).<br />
a) A medida <strong>de</strong> contagem #.<br />
b) a medida <strong>de</strong> Dirac δx0, on<strong>de</strong> x0 ∈ X.<br />
5. Suponha que (X, M) é um espaço mensurável e µ é uma medida complexa<br />
<strong>de</strong>finida em M. Prove que<br />
a) Existem medidas reais α e β tais que µ = α + iβ.<br />
b) µ(∅) = 0.<br />
c) µ é aditiva.<br />
6. Suponha que, para cada n ∈ N, µn : Mn → [0, +∞] é uma medida positiva<br />
na σ-álgebra Mn em X. Consi<strong>de</strong>re<br />
∞<br />
∞<br />
M = Mn e µ : M → [0, +∞] dada por µ(E) = µn(E), para E ∈ M.<br />
n=1<br />
Prove que M é uma σ-álgebra em X e µ é uma medida positiva em M.<br />
7. (O Lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli)( 4 ): Seja (X, M, µ) um espaço <strong>de</strong> medida.<br />
Suponha que os conjuntos En são M-mensuráveis e ∞<br />
n=1 µ(En) < ∞. Sendo<br />
4 De Borel, e Francesco Paolo Cantelli, 1875-1966, matemático italiano, professor na<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Roma.<br />
n=1
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 97<br />
E o conjunto dos x ∈ X que pertencem a um número infinito <strong>de</strong> conjuntos<br />
En’s, prove que E ∈ M e µ(E) = 0. Sugestão: Prove primeiro que<br />
E =<br />
∞<br />
n=1 k=n<br />
∞<br />
Ek.<br />
8. Existe alguma σ-álgebra infinita numerável? Sugestão: Comece por provar<br />
que qualquer σ-álgebra infinita contém uma família infinita <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />
disjuntos.<br />
2.2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Passamos a <strong>de</strong>screver a solução do Problema <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue,<br />
que envolve:<br />
• A classe L(R N ), dos conjuntos ditos Lebesgue-mensuráveis, e<br />
• A medida <strong>de</strong> Lebesgue mN, que é uma função mN : L(R N ) → [0,+∞].<br />
Notamos primeiro que qualquer solução (MN,κN) do Problema <strong>de</strong> Borel é<br />
uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan tal como o <strong>de</strong>finimos em 1.6.9 para<br />
a classe dos conjuntos σ-elementares:<br />
• Por um lado, como MN é uma σ-álgebra que contém os conjuntos<br />
elementares, temos necessariamente Eσ(R N ) ⊂ MN.<br />
• Por outro lado, se E ∈ Eσ(R N ), existem conjuntos elementares disjuntos<br />
En tais que E = ∞<br />
n=1 En, don<strong>de</strong><br />
κN(E) =<br />
∞<br />
κN(En) =<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(En) = cN(E).<br />
Como R N é σ-elementar, é também claro que qualquer subconjunto <strong>de</strong> R N<br />
po<strong>de</strong> ser aproximado por excesso por conjuntos σ-elementares, i.e.,<br />
n=1<br />
Se E ⊆ R N , existe U ∈ Eσ(R N ) tal que E ⊆ U.<br />
Se κN(E) é uma qualquer solução do Problema <strong>de</strong> Borel, temos então, por<br />
monotonia,<br />
κN(E) ≤ κN(U) = cN(U).<br />
Concluímos que cN(U) é uma aproximação por excesso <strong>de</strong> κN(E), i.e.,<br />
κN(E) é minorante do conjunto cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .
98 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Como já mencionámos, a próxima <strong>de</strong>finição (<strong>de</strong> Lebesgue) para o que<br />
hoje chamamos <strong>de</strong> medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue resulta da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Jordan<br />
e Peano para o conteúdo exterior pela simples substituição dos conjuntos<br />
elementares pelos conjuntos σ-elementares. Resume-se a observar que a<br />
melhor aproximação por excesso que po<strong>de</strong>mos calcular para κN(E) usando<br />
apenas conjuntos σ-elementares é<br />
inf cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .<br />
Definição 2.2.1 (<strong>Medida</strong> Exterior <strong>de</strong> Lebesgue ). A medida exterior <strong>de</strong><br />
Lebesgue em R N é a função m ∗ N : P(RN ) → [0,+∞], dada por<br />
m ∗ N(E) = inf cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .<br />
A próxima proposição compara a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue com o<br />
conteúdo interior, exterior, e com a função cN.<br />
Proposição 2.2.2. Se E ⊆ R N , então<br />
a) Se E é limitado, cN(E) ≤ m∗ N (E) ≤ cN(E),<br />
b) Se E ∈ J (RN ), m∗ N (E) = cN(E).<br />
Demonstração. Sendo E limitado, consi<strong>de</strong>ramos os conjuntos<br />
A = {cN(K) : K ⊆ E,K ∈ E(R N )},B = {cN(U) : U ⊇ E,U ∈ E(R N )} e<br />
C = {cN(U) : U ⊇ E,U ∈ Eσ(R N )}.<br />
a) É evi<strong>de</strong>nte que B ⊆ C, e portanto m∗ N (E) = inf C ≤ inf B = cN(E).<br />
Para provar que cN (E) ≤ m∗ N (E), supomos que K ⊆ E ⊆ U, on<strong>de</strong> K é<br />
elementar e U é σ-elementar. Existem conjuntos elementares disjuntos Un<br />
tais que U = ∞ n=1 Un, e segue-se da σ-subaditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cN que<br />
cN(K) ≤<br />
∞<br />
cN(Un) = cN(U), ou seja,<br />
n=1<br />
cN(K) é minorante <strong>de</strong> C, don<strong>de</strong> cN(K) ≤ inf C = m∗ N (E). Temos assim<br />
que m∗ N (E) é majorante <strong>de</strong> A, e concluímos que m∗ N (E) ≥ supA = cN(E). b) É uma consequência evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> a).<br />
Exemplos 2.2.3.<br />
1. O conjunto Q é σ-elementar, e portanto 0 ≤ m ∗ (Q) ≤ c1(Q) = 0, ou seja,<br />
m ∗ (Q) = 0. Note-se que escrevemos m ∗ em vez <strong>de</strong> m ∗ 1.
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 99<br />
2. Sendo D = Q ∩ [0, 1] o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet, temos<br />
0 = c(D) = c1(D) = m ∗ (D) < c(D) = 1.<br />
As proprieda<strong>de</strong>s mais essenciais da medida exterior da Lebesgue são as<br />
seguintes, que veremos mais adiante serem a base da <strong>de</strong>finição axiomática<br />
<strong>de</strong> “medida exterior”.<br />
Proposição 2.2.4. Dados E,En,F ⊆ R N , temos:<br />
a) Monotonia: Se E ⊆ F então m ∗ N (E) ≤ m∗ N (F),<br />
b) m∗ N (∅) = 0,<br />
c) σ-subaditivida<strong>de</strong>: E ⊆<br />
∞<br />
En =⇒ m ∗ N(E) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
m ∗ N(En).<br />
Demonstração. As afirmações em a) e b) são muito fáceis <strong>de</strong> verificar. Relativamente<br />
a c), dados conjuntos σ-elementares Un tais que En ⊆ Un, temos<br />
E ⊆<br />
∞<br />
n=1<br />
En ⊆<br />
∞<br />
Un = U.<br />
O conjunto U é σ-elementar, e segue-se <strong>de</strong> 1.6.11 c) (σ-subaditivida<strong>de</strong>) que:<br />
n=1<br />
m ∗ N(E) ≤ cN(U) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
cN(Un).<br />
Como os conjuntos Un são arbitrários, po<strong>de</strong>mos agora concluir que:<br />
Observação 2.2.5.<br />
m ∗ N(E) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
m ∗ N(En).<br />
n=1<br />
A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue coinci<strong>de</strong> com o conteúdo <strong>de</strong> Jordan em Jσ(R N ):<br />
Se E ∈ Jσ(R N ), existem conjuntos disjuntos En ∈ J (R N ) tais que<br />
E =<br />
∞<br />
n=1<br />
Segue-se <strong>de</strong> 2.2.2 que<br />
(1)<br />
∞<br />
n=1<br />
m ∗ N (En) =<br />
En, don<strong>de</strong> m ∗ N (E) ≤<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
m ∗ N (En), <strong>de</strong> 2.2.4.<br />
cN(En) = cN(E), e por isso m ∗ N (E) ≤ cN(E).
100 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Por outro lado, como Fm = m<br />
n=1 En é Jordan-mensurável e Fm ⊆ E, temos<br />
(2) m ∗ N (E) ≥ m∗ N (Fm) = cN(Fm) =<br />
m<br />
∞<br />
cN(En) → cN(En) = cN(E).<br />
n=1<br />
Concluímos <strong>de</strong> (1) e (2) que cN(E) = m ∗ (E).<br />
É por vezes conveniente calcular a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue usando<br />
procedimentos distintos do que optámos por referir em 2.2.1.<br />
Proposição 2.2.6. Dado E ⊆ RN , temos:<br />
m ∗ <br />
∞<br />
∞<br />
<br />
N(E) = inf cN(Rn) : E ⊆ Rn, Rn rectângulo limitado ,<br />
n=1<br />
n=1<br />
inf cN(U) : E ⊆ U ⊆ R N ,U aberto .<br />
Demonstração. Escrevemos para simplificar<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
R = cN(Rn) : E ⊆ Rn, Rn rectângulo limitado ,<br />
n=1<br />
n=1<br />
A = cN(U) : E ⊆ U ⊆ R N , U aberto .<br />
Dados rectângulos limitados Rn tais que E ⊆ ∞ n=1 Rn, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />
existem rectângulos limitados disjuntos ˜ Rn tais que<br />
(1) E ⊆<br />
∞<br />
n=1<br />
Rn =<br />
Ũ =<br />
∞<br />
n=1<br />
˜Rn on<strong>de</strong><br />
∞<br />
n=1<br />
O conjunto Ũ é σ-elementar, e temos assim que<br />
∞<br />
(2) m ∗ N (E) ≤ cN( Ũ) ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
cN( ˜ Rn) = cN( Ũ) ≤<br />
∞<br />
cN(Rn).<br />
n=1<br />
cN(Rn) don<strong>de</strong> m ∗ N (E) ≤ inf R.<br />
Qualquer conjunto σ-elementar U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos Rn<br />
disjuntos, e como cN(U) = ∞<br />
n=1 cN(Rn) ≥ inf R, segue-se também que<br />
m ∗ N(E) ≥ inf R, ou seja, m ∗ N(E) = inf R.<br />
É fácil verificar que, dado ε > 0, existem rectângulos abertos R ′ n ⊇ Rn tais<br />
que cN(R ′ n\Rn) < ε/2 n . O conjunto V = ∞<br />
n=1 R′ n é aberto e portanto<br />
inf A ≤ cN(V ) ≤<br />
∞<br />
cN(R ′ n) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
<br />
cN(Rn) + ε<br />
2n <br />
Como inf A ≤ cN(U)+ε, concluímos que inf A ≤ m∗ N<br />
para obter inf A ≤ m∗ N<br />
don<strong>de</strong> é óbvio que m∗ N (E) ≤ inf A, e portanto m∗ N<br />
= cN(U) + ε.<br />
(E)+ε, e fazemos ε → 0<br />
(E). Por outro lado, qualquer aberto é σ-elementar,<br />
(E) = inf A.
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 101<br />
Observação 2.2.7.<br />
Segue-se do resultado anterior que E é um conjunto nulo no sentido <strong>de</strong> Borel<br />
se e só se m∗ N (E) = 0.<br />
A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue provi<strong>de</strong>ncia apenas uma aproximação por<br />
excesso da medida <strong>de</strong> Lebesgue. Lebesgue <strong>de</strong>scobriu, igualmente, uma aproximação<br />
por <strong>de</strong>feito apropriada, dita hoje a medida interior <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
e <strong>de</strong>finiu os conjuntos Lebesgue-mensuráveis, imitando Jordan e Peano,<br />
como os conjuntos cujas medidas interior e exterior <strong>de</strong> Lebesgue são iguais.<br />
No entanto, não se <strong>de</strong>ve inferir da relativa facilida<strong>de</strong> com que introduzimos<br />
a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue que a <strong>de</strong>finição da correspon<strong>de</strong>nte medida<br />
interior é imediata, e <strong>de</strong>ixamos para os exercícios 8 e 10 <strong>de</strong>sta secção verificar<br />
que esta questão não é trivial, e a sua solução está longe das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Jordan<br />
e Peano. Preferimos aqui não seguir exactamente o procedimento original<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, e observar que:<br />
Seja qual for a “correcta” <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> medida interior <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
<strong>de</strong>vemos ter, para os conjuntos Lebesgue-mensuráveis, que<br />
mN(E) = m ∗ N (E),<br />
exactamente como temos, para os conjuntos Jordan-mensuráveis, que<br />
cN(E) = cN(E).<br />
De acordo com esta observação, a medida exterior m∗ N <strong>de</strong>ve coincidir<br />
com a medida positiva mN na classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />
L(RN ) e será portanto σ-aditiva em L(RN ). Por outras palavras, a medida<br />
exterior <strong>de</strong> Lebesgue é aditiva na classe L(RN ). Por esta razão, e em vez <strong>de</strong><br />
nos ocuparmos da <strong>de</strong>finição da medida interior <strong>de</strong> Lebesgue, propomo-nos<br />
resolver o seguinte problema:( 5 )<br />
2.2.8 (O Problema “Fácil” <strong>de</strong> Lebesgue). Determinar uma σ-álgebra<br />
MN ⊇ E(R N ) on<strong>de</strong> a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue seja aditiva.<br />
Começamos o nosso estudo <strong>de</strong>talhado do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue<br />
2.2.8 por uma observação muito simples, sugerida pela figura 2.2.1.<br />
5 Recor<strong>de</strong> aliás do exercício 2 da secção 1.6 que a medida exterior, que é σ-subaditiva,<br />
é também σ-aditiva em qualquer semi-álgebra on<strong>de</strong> seja aditiva.
102 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
E<br />
R ∩ E<br />
R\E<br />
Figura 2.2.1: Decomposição do rectângulo R.<br />
Proposição 2.2.9. Se MN é solução do problema 2.2.8 então, para qualquer<br />
E ∈ MN e qualquer rectângulo-N limitado R, temos:<br />
R<br />
cN(R) = m ∗ N(R ∩ E) + m ∗ N(R\E).<br />
Demonstração. Seja MN uma solução do problema 2.2.8. Temos então:<br />
(1) R ∩ E,R\E ∈ MN, porque MN é uma semi-álgebra que contém o<br />
conjunto E e o rectângulo limitado R.<br />
(2) m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ E) + m∗ N (R\E), porque m∗ N é aditiva em MN, os<br />
conjuntos R ∩ E e R\E são disjuntos e R = (R ∩ E) ∪ (R\E).<br />
(3) cN(R) = m∗ N (R) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E), <strong>de</strong> acordo com 2.2.2.<br />
A condição referida em 2.2.9 po<strong>de</strong> ser reformulada <strong>de</strong> diversas maneiras,<br />
e é especialmente útil reconhecer que o rectângulo R po<strong>de</strong> ser substituído<br />
por um qualquer subconjunto arbitrário <strong>de</strong> R N . Neste caso, esta reformulação<br />
é uma consequência directa e quase trivial da <strong>de</strong>finição da medida<br />
exterior <strong>de</strong> Lebesgue. No entanto, a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é, como<br />
já mencionámos, apenas um exemplo concreto <strong>de</strong> uma noção mais abstracta<br />
<strong>de</strong> medida exterior e, nesse contexto mais geral, o resultado abaixo sugere<br />
i<strong>de</strong>ias muito úteis para a <strong>de</strong>finição e estudo <strong>de</strong> outras medidas <strong>de</strong> interesse.<br />
Proposição 2.2.10. Se E ⊆ R N as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) cN(R) = m∗ N (R∩E)+m∗ N (R\E), para qualquer rectângulo-N limitado<br />
R.<br />
b) m ∗ N (F) = m∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E), para qualquer F ⊆ RN .
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 103<br />
Demonstração.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que b) ⇒ a) e portanto limitamo-nos a provar<br />
é subaditiva, don<strong>de</strong><br />
que a) ⇒ b). Recordamos que m ∗ N<br />
m ∗ N(F) ≤ m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E).<br />
Por esta razão, temos a provar apenas a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
m ∗ N(F) ≥ m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E).<br />
Consi<strong>de</strong>rem-se rectângulos limitados Rn tais que F ⊆ ∪∞ n=1Rn. É claro que<br />
Como m ∗ N<br />
F ∩ E ⊆<br />
∞<br />
(Rn ∩ E) e F \E ⊆<br />
n=1<br />
é σ-subaditiva, sabemos que<br />
m ∗ N(F ∩ E) ≤<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
(Rn\E).<br />
n=1<br />
m ∗ N(Rn ∩ E) e m ∗ N(F \E) ≤<br />
Adicionando as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s prece<strong>de</strong>ntes, obtemos<br />
m ∗ N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
m ∗ N(Rn\E).<br />
n=1<br />
[m ∗ N (Rn ∩ E) + m ∗ N (Rn\E)].<br />
Por hipótese, temos m ∗ N (Rn ∩ E) + m ∗ N (Rn\E) = cN(Rn). Concluímos que<br />
m ∗ N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤<br />
∞<br />
cN(Rn).<br />
Segue-se da proposição 2.2.6 que m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) ≤ m∗ N (F).<br />
n=1<br />
As <strong>de</strong>finições fundamentais da teoria <strong>de</strong> Lebesgue são as seguintes:<br />
Definição 2.2.11 (Conjuntos <strong>de</strong> Lebesgue, <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />
E ⊆ R N ,<br />
a) E diz-se Lebesgue-mensurável (em R N ) se e só se( 6 )<br />
m ∗ N(F) = m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E), para qualquer F ⊆ R N .<br />
b) L(R N ) é a classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis em R N .<br />
6 O trabalho original <strong>de</strong> Lebesgue contemplava conjuntos E ⊆ I, on<strong>de</strong> I é um intervalo<br />
limitado. A medida interior <strong>de</strong> E é neste caso c(I)−m ∗ (I\E), e a igualda<strong>de</strong> entre medida<br />
interior e medida exterior é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> c(I) = m ∗ (E) + m ∗ (I\E), que é claramente um<br />
caso especial da aqui referida. Por outras palavras, a i<strong>de</strong>ia original <strong>de</strong> Lebesgue estava<br />
certamente muito próxima da que aqui optámos por seguir.
104 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
c) A medida <strong>de</strong> Lebesgue mN : L(R N ) → [0, ∞] é a restrição <strong>de</strong> m ∗ N<br />
a L(R N ).<br />
Exemplos 2.2.12.<br />
1. R N é Lebesgue-mensurável: Tomando E = R N na <strong>de</strong>finição 2.2.11, é claro<br />
que F ∩ E = F e F \E = ∅, don<strong>de</strong><br />
m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) = m∗ N (F) + m∗ N (∅) = m∗ N (F).<br />
2. Qualquer conjunto com medida exterior nula é Lebesgue-mensurável: Se F ⊆<br />
RN e m∗ N (E) = 0 e então m∗N (F ∩E) = 0, porque F ∩E ⊆ E e m∗N é monótona.<br />
Temos assim que<br />
Por outro lado, e como m ∗ N<br />
m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) = m∗ N (F \E) ≤ m∗ N (F).<br />
é subaditiva, temos<br />
m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) ≥ m∗ N (F).<br />
3. O conjunto Q dos racionais é Lebesgue-mensurável: porque tem medida exterior<br />
nula, como vimos no exemplo 2.2.3.<br />
4. Qualquer conjunto Jordan-mensurável é Lebesgue-mensurável: se E ∈ J (R N )<br />
e R é um rectângulo-N limitado então<br />
cN(R) = cN(R ∩ E) + cN(R\E) = m ∗ N(R ∩ E) + m ∗ N(R\E).<br />
5. A classe L(R N ) é fechada relativamente a complementações: porque a condição<br />
em 2.2.11 a) é evi<strong>de</strong>ntemente simétrica em E e E c .<br />
Passamos a mostrar que L(R N ) é solução do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
começando por alguns resultados parciais mais fáceis <strong>de</strong> estabelecer:<br />
Proposição 2.2.13. Sejam A,B ⊆ R N :<br />
a) L(R N ) é uma álgebra.<br />
b) Aditivida<strong>de</strong>:<br />
A ∩ B = ∅ e A ∈ L(R N ) =⇒ m ∗ N (A ∪ B) = m∗ N (A) + m∗ N (B).<br />
c) Em particular, se A1, · · · ,An ∈ L(R N ) são disjuntos então<br />
n<br />
Ak ∈ L(R N ) e m ∗ N (<br />
n<br />
Ak) =<br />
k=1<br />
k=1<br />
n<br />
k=1<br />
m ∗ N (Ak).<br />
Demonstração. Vimos nos exemplos 2.2.12 que R N ∈ L(R N ) e que L(R N )<br />
é fechada relativamente a complementações. Basta-nos por isso provar que<br />
L(R N ) é fechada em relação à intersecção (ver figura 2.2.2).
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 105<br />
A B<br />
R ∩ A\B<br />
A ∩ B<br />
R\A<br />
Figura 2.2.2: R\(A ∩ B) = (R ∩ A\B) ∪ (R\A).<br />
a) Usamos 2.2.11 a) <strong>de</strong> duas formas:<br />
(1) E = A e F = R ⇒ m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ A) + m∗ N (R\A).<br />
(2) E = B e F = R∩A ⇒ m ∗ N (R∩A) = m∗ N (R∩A∩B)+m∗ N (R∩A\B).<br />
Usamos (2) em (1), para obter:<br />
(3) m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ A ∩ B) + m∗ N (R ∩ A\B) + m∗ N (R\A).<br />
Como sugerido na figura 2.2.2, temos R\(A∩B) = (R\A)∪(R∩A\B),<br />
e portanto, como a medida exterior é subaditiva,<br />
(4) m ∗ N (R\(A ∩ B)) ≤ m∗ N (R ∩ A\B) + m∗ N (R\A).<br />
Segue-se agora <strong>de</strong> (3) e (4) que<br />
m ∗ N (R) ≥ m∗N (R ∩ A ∩ B) + m∗N (R\(A ∩ B)),<br />
e concluímos que A ∩ B ∈ L(R N ).<br />
b) Tomamos E = A e F = A ∪ B em 2.2.11 a), e obtemos<br />
m ∗ N (A ∪ B) = m∗ N ((A ∪ B) ∩ A) + m∗N ((A ∪ B)\A).<br />
É claro que (A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B, ou seja,<br />
R<br />
m ∗ N(A ∪ B) = m ∗ N(A) + m ∗ N(B).<br />
c) Segue-se <strong>de</strong> uma indução evi<strong>de</strong>nte que se os conjuntos A1, · · · ,An ∈<br />
L(R N ) são disjuntos, então<br />
n<br />
k=1<br />
Ak ∈ L(R N ) e m ∗ N (<br />
n<br />
Ak) =<br />
k=1<br />
n<br />
k=1<br />
m ∗ N (Ak).
106 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
O próximo teorema mostra que L(R N ) é efectivamente uma solução do<br />
problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue, dita a σ-álgebra <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Teorema 2.2.14. m ∗ N é σ-aditiva em L(RN ) e L(R N ) é uma σ-álgebra.<br />
Demonstração. Dados conjuntos En ∈ L(R N ), <strong>de</strong>finimos<br />
E =<br />
∞<br />
En e Fn =<br />
n=1<br />
n<br />
Ek.<br />
Os conjuntos Fn são Lebesgue-mensuráveis, porque L(R N ) é uma álgebra<br />
(2.2.13 c)), e po<strong>de</strong>mos supor que os conjuntos En são disjuntos sem per<strong>de</strong>r<br />
generalida<strong>de</strong> (porquê?). Para provar que m ∗ N é σ-aditiva em L(RN ), bastanos<br />
notar que<br />
∞<br />
n=1<br />
m ∗ N(En) ≥ m ∗ N(E) ≥ m ∗ N(Fn) =<br />
k=1<br />
n<br />
m ∗ N(Ek) →<br />
k=1<br />
∞<br />
m ∗ N(En).<br />
Para verificar que E ∈ L(R N ), seja R um rectângulo limitado. Observamos<br />
primeiro que, como Fn ∈ L(R N ) e E ⊇ Fn, temos<br />
(i) cN(R) = m ∗ N (R ∩ Fn) + m ∗ N (R\Fn) ≥ m ∗ N (R ∩ Fn) + m ∗ N (R\E).<br />
Como os conjuntos R∩Ek são mensuráveis e disjuntos, usamos a σ-aditivida<strong>de</strong><br />
que acabámos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar para obter<br />
(ii) m ∗ N(R ∩ Fn) =<br />
n<br />
m ∗ N(R ∩ Ek) →<br />
k=1<br />
∞<br />
n=1<br />
n=1<br />
m ∗ N(R ∩ En) = m ∗ N(R ∩ E).<br />
Concluímos <strong>de</strong> (i) e (ii) que cN(R) ≥ m∗ N (R ∩ E) + m∗ N (R\E), o que, como<br />
já observámos, garante que E é Lebesgue-mensurável.<br />
Usando o resultado anterior, registamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que:<br />
Observações 2.2.15.<br />
1. A classe L(R N ) contém as classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ): Qualquer conjunto Jordan-mensurável<br />
é Lebesgue-mensurável, como vimos no exemplo 2.2.12.4. Como<br />
L(R N ) é uma σ-álgebra, é claro que Eσ(R N ) ⊆ Jσ(R N ) ⊆ L(R N ).<br />
2. Os conjuntos abertos são Lebesgue-mensuráveis, porque são σ-elementares.<br />
Os conjuntos fechados, que são os respectivos complementares, são igualmente<br />
Lebesgue-mensuráveis, porque L(R N ) é uma álgebra.
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 107<br />
3. O conjunto do exemplo 1.6.8 é Lebesgue-mensurável: O conjunto é da forma<br />
Uε =<br />
∞<br />
]qn − ε<br />
n=1<br />
2 n , qn + ε<br />
2 n[,<br />
on<strong>de</strong> q1, q2, · · · , qn, · · · são os racionais <strong>de</strong> [0, 1]. Uε é Lebesgue-mensurável,<br />
porque é aberto, mas não é Jordan-mensurável, pelo menos quando ε < 1/2,<br />
4. O conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) é Lebesgue-mensurável, porque é fechado. Sendo<br />
Uε(I) = I\Cε(I), temos m(Uε(I)) = (1−ε)c(I), e como m(I) = m(Cε(I))+<br />
m(Uε(I)) é claro que m(Cε(I)) = εc(I). Recor<strong>de</strong> que Cε(I) ∈ Jσ(R N ) quando<br />
ε > 0.<br />
5. (L(RN ), mN) é uma solução do problema <strong>de</strong> Borel. Po<strong>de</strong>rão existir outras<br />
soluções (MN, κN) do problema <strong>de</strong> Borel com κN = m∗ N , mas teremos sempre<br />
(E) para qualquer E ∈ MN.<br />
κn(E) ≤ m ∗ N<br />
6. L(R N ) é a maior solução do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue, como verificámos<br />
na proposição 2.2.9.<br />
O próximo resultado revela uma relação essencial entre os conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />
e os conjuntos abertos: os conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />
são os que po<strong>de</strong>m ser aproximados por excesso por conjuntos abertos<br />
com erro arbitrariamente pequeno, sendo este erro quantificado pela medida<br />
exterior do conjunto diferença.<br />
Teorema 2.2.16. E ∈ L(RN ) se e só se para qualquer ε > 0 existe um<br />
conjunto aberto U ⊆ RN tal que E ⊆ U e m∗ N (U\E) < ε.<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos as afirmações<br />
(1) ∀ε>0 ∃U⊆RN tal que U é aberto, E ⊆ U e m∗ N (U\E) < ε, e<br />
(2) E ∈ L(R N ).<br />
• (1) ⇒ (2): Existem neste caso abertos Un ⊇ E tais que m ∗ N (Un\E) <<br />
1/n, e <strong>de</strong>finimos B = ∞<br />
n=1 Un. Note-se que (figura 2.2.3)<br />
B ∈ L(R N ),B ⊇ E e B\E ⊆ Un\E.<br />
Como m∗ N (B\E) ≤ m∗ N (Un\E) < 1/n → 0, temos m∗ N (B\E) = 0, e<br />
portanto B\E ∈ L(RN ), don<strong>de</strong> E = B\(B\E) ∈ L(RN ).<br />
• (2) ⇒ (1):<br />
É conveniente separar o argumento em dois subcasos,<br />
a) mN(E) < +∞: <strong>de</strong> acordo com 2.2.6, existe para qualquer ε > 0<br />
um aberto U tal que E ⊆ U, e<br />
m ∗ N(E) = mN(E) ≤ cN(U) = mN(U) ≤ mN(E) + ε.<br />
Temos <strong>de</strong> 2.2.13 b) que mN(U) = mN(E)+mN(U\E), e portanto<br />
m ∗ N(U\E) = mN(U\E) = mN(U) − mN(E) < ε.
108 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) mN(E) = +∞: tomamos En = E∩Rn, on<strong>de</strong> Rn é, por exemplo, o<br />
rectângulo formado pelos x = (x1, · · · ,xN) com |xk| ≤ n. Como<br />
En ∈ L(RN ) e tem medida finita, temos <strong>de</strong> a) que existe um<br />
aberto Un ⊇ En tal que mN(Un\En) < ε/2n . É claro que<br />
E =<br />
∞<br />
n=1<br />
En ⊆<br />
∞<br />
Un = U, e U\E =<br />
n=1<br />
∞<br />
(Un\E) ⊆<br />
n=1<br />
∞<br />
(Un\En).<br />
n=1<br />
U é aberto, e como a medida exterior é σ-subaditiva, temos<br />
m ∗ N<br />
∞<br />
(U\E) ≤ mN( Un\En) ≤<br />
n=1<br />
Un<br />
E B<br />
∞<br />
mN(Un\En) <<br />
n=1<br />
Um<br />
Figura 2.2.3: Os conjuntos E, B, e os abertos Un.<br />
O teorema anterior é muitas vezes utilizado na forma<br />
∞<br />
n=1<br />
ε<br />
< ε.<br />
2n Corolário 2.2.17. E ∈ L(R N ) se e só se existem conjuntos abertos Un ⊆<br />
R N tais que E ⊆ Un e m ∗ N (Un\E) → 0, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E). Os<br />
conjuntos Un po<strong>de</strong>m sempre ser supostos formar uma sucessão <strong>de</strong>crescente.<br />
Demonstração. De acordo com o teorema anterior, E ∈ L(R N ) se e só se<br />
existe uma sucessão <strong>de</strong> abertos Un ⊇ E tais que m ∗ N (Un\E) → 0. A sucessão<br />
po<strong>de</strong> ser suposta <strong>de</strong>crescente, porque po<strong>de</strong>mos substituir os conjuntos Un<br />
pelos conjuntos Vn = ∩ n k=1 Uk. Temos ainda que<br />
mN(E) ≤ mN(Un) = mN(E) + mN(Un\E) =⇒ mN(Un) → mN(E).
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 109<br />
Este corolário permite-nos obter facilmente um resultado <strong>de</strong> unicida<strong>de</strong><br />
parcial para as soluções do Problema <strong>de</strong> Borel.<br />
Corolário 2.2.18. Se (MN,κN) é solução do Problema <strong>de</strong> Borel, então<br />
κN(E) = m ∗ N (E) para qualquer E ∈ MN ∩ L(R N ).<br />
Demonstração. Qualquer solução κN do Problema <strong>de</strong> Borel coinci<strong>de</strong> com cN<br />
nos rectângulos limitados, e portanto, por σ-subaditivida<strong>de</strong>, κN(U) = cN(U)<br />
para qualquer aberto U ⊆ R N . Como κN é monótona, temos ainda, para<br />
qualquer E ∈ MN,( 7 )<br />
κN(E) ≤ inf{mN(U) : E ⊆ U, U aberto } = m ∗ N(E)<br />
De acordo com 2.2.17, se E ∈ MN ∩ L(R N ) existem conjuntos abertos<br />
Un ⊇ E tais que mN(Un\E) → 0, e notamos que<br />
κN(E) + κN(Un\E) = κN(Un) = mN(Un) = mN(E) + mN(Un\E).<br />
Dado que κN(Un\E) ≤ m ∗ N (Un\E) = mN(Un\E), é claro que κN(Un\E) →<br />
0, e concluímos que κN(E) = mN(E).<br />
Antes <strong>de</strong> generalizar a proposição 1.3.12, sobre produtos cartesianos, e<br />
a invariância do conteúdo sob translações e reflexões, aos conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />
investigamos as correspon<strong>de</strong>ntes proprieda<strong>de</strong>s da medida<br />
exterior <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Proposição 2.2.19. Sejam E ⊆ R N , F ⊆ R M e x ∈ R N . Seja ainda R a<br />
reflexão <strong>de</strong> E no hiperplano xk = 0. Temos então:<br />
a) Invariância sob translações: m ∗ N (E + x) = m∗ N (E).<br />
b) Invariância sob reflexões: m ∗ N (R) = m∗ N (E).<br />
c) <strong>Medida</strong> exterior do produto: m ∗ N+M (E × F) ≤ m∗ N (E) × m∗ M (F).(8 )<br />
Demonstração. A verificação <strong>de</strong> a) e <strong>de</strong> b) é um exercício muito simples.<br />
Por exemplo, é muito fácil mostrar que<br />
cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) = cN(V ) : E + x ⊆ V,V ∈ Eσ(R N ) ,<br />
porque os conjuntos V são da forma V = (U + x), e cN(U + x) = cN(U).<br />
Para provar c), sejam Un ⊆ R N e Vn ⊆ R M conjuntos abertos tais que<br />
Un ⊇ E,Vn ⊇ F,cN(Un) → m ∗ N(E) e cM(Vn) → m ∗ M(F).<br />
7 Existem soluções do problema <strong>de</strong> Borel que não são soluções do problema “fácil” <strong>de</strong><br />
Lebesgue, i.e., para as quais existem conjuntos E ∈ MN tais que κN(E) < m ∗ N(E).<br />
Veremos adiante que as soluções do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue se dizem as soluções<br />
regulares do problema <strong>de</strong> Borel.<br />
8 Temos na realida<strong>de</strong> que m ∗ N+M(E × F) = m ∗ N(E) × m ∗ M(F), mas só estabeleceremos<br />
esta afirmação no próximo Capítulo.
110 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
É claro que E × F ⊆ Un × Vn, e portanto, usando o lema 1.6.20, temos<br />
(i) m ∗ N+M (E × F) ≤ cN+M(Un × Vn) = cN(Un)cM(Vn) → m ∗ N (E)m∗ M (F),<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o produto m∗ N (E)m∗ M (F) não corresponda a uma in<strong>de</strong>terminação<br />
do tipo (0)(∞).<br />
Suponha-se agora que o produto m∗ N (E) × m∗ M<br />
que m∗ N (E) = 0 e m∗ M (F) = ∞ (o argumento para o caso m∗ N<br />
m∗ M<br />
(F) é da forma 0 × ∞, e<br />
(E) = ∞ e<br />
(F) = 0 é inteiramente análogo). Definimos os conjuntos auxiliares<br />
Fn = {y ∈ F : y ≤ n}, don<strong>de</strong> F =<br />
∞<br />
Fn e E × F =<br />
n=1<br />
∞<br />
E × Fn.<br />
Os conjuntos Fn têm medida exterior finita, porque são limitados. Segue-se<br />
<strong>de</strong> (i) que m ∗ N+M (E × Fn) = 0 × m ∗ M (Fn) = 0 e portanto<br />
Exemplo 2.2.20.<br />
m ∗ N+M(E × F) ≤<br />
∞<br />
n=1<br />
m ∗ N+M(E × Fn) = 0.<br />
Se E ⊂ R N tem medida exterior nula e F ⊆ R M é arbitrário, então E × F<br />
é Lebesgue-mensurável, porque tem medida exterior nula, como acabámos <strong>de</strong><br />
verificar.<br />
Po<strong>de</strong>mos agora generalizar a proposição 1.3.12 aos conjuntos Lebesguemensuráveis.<br />
Teorema 2.2.21. Sejam A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ).<br />
n=1<br />
a) Invariância sob translacções: Se x ∈ R N , A + x ∈ L(R N ) e<br />
mN(A + x) = mN(A),<br />
b) Invariância sob reflexões: Se C é a reflexão <strong>de</strong> A no hiperplano xk =<br />
0, então C ∈ L(R N ), e mN(A) = mN(C), e<br />
c) Fecho em relação ao produto: A × B ∈ L(R N+M ) e<br />
mN+M(A × B) = mN(A) × mM(B).
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 111<br />
Demonstração. As afirmações a) e b) são consequências muito simples das<br />
correspon<strong>de</strong>ntes afirmações em 2.2.19 e a sua verificação fica para o exercício<br />
12. Passamos a provar apenas a afirmação c).<br />
De acordo com 2.2.17, existem conjuntos abertos Un ⊇ A e Vn ⊇ B, tais<br />
que mN(Un\A) → 0 e mM(Vn\B) → 0. Notamos que<br />
Un × Vn é aberto, A × B ⊆ Un × Vn e<br />
(Un × Vn)\(A × B) = [Un × (Vn\B)] ∪ [(Un\A) × Vn].<br />
Se os conjuntos A e B têm ambos medida finita, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />
m ∗ N+M (Un × (Vn\B)) → 0 e m ∗ N+M ((Un\A) × Vn) → 0, e portanto<br />
m ∗ N+M ((Un × Vn)\(A × B)) → 0.<br />
Segue-se do corolário 2.2.17 que A × B é Lebesgue-mensurável e<br />
mN+M(Un × Vn) → mN+M(A × B).<br />
É também claro que mN+M(Un × Vn) = cN(Un)cM(Vn) → mN(A)mM(B) e<br />
temos assim que<br />
mN+M(A × B) = mN(A)mM(B).<br />
Se A ou B têm medida infinita, basta-nos consi<strong>de</strong>rar os conjuntos An =<br />
{x ∈ A : ||x|| < n} e Bn = {x ∈ B : ||x|| < n}, e notar que An ր A,<br />
Bn ր B e An × Bn ր A × B. Aplicando o teorema da convergência<br />
monótona 2.1.13 e o resultado que <strong>de</strong>monstrámos para conjuntos <strong>de</strong> medida<br />
finita, concluímos que A × B é mensurável e( 9 )<br />
mN+M(An × Bn) = mN(An)mM(Bn) ր mN(A)mM(B) = mN+M(A × B).<br />
Relativamente a produtos <strong>de</strong> conjuntos, a seguinte proposição é também<br />
útil. É aliás válida para qualquer B ∈ L(RM ) (ver o exercício 14), e como<br />
já dissémos é mesmo válida para quaisquer conjuntos, observação que será<br />
verificada no próximo Capítulo.<br />
Proposição 2.2.22. Se A ⊆ R N e B ⊆ R M é um rectângulo-M então<br />
m ∗ N+M (A × B) = m∗ N (A)mM(B).<br />
9 Neste caso não há qualquer in<strong>de</strong>terminação, porque se mN(A)mM(B) = (0)(∞) então<br />
mN(An)mM(Bn) = 0 para qualquer n.
112 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Temos a provar que m∗ N+M (A × B) ≥ m∗ N (A) × mM(B).<br />
Supomos primeiro que B é um rectângulo compacto. Dado um aberto U ⊇<br />
A × B, sabemos que<br />
U =<br />
∞<br />
Rn × Tn, on<strong>de</strong> Rn ⊂ R N e Tn ⊂ R M são rectângulos abertos.<br />
n=1<br />
Fixado x ∈ A, notamos que a classe T = {Tn : x ∈ Rn} é, por razões óbvias,<br />
uma cobertura aberta do compacto B. Existe por isso uma subcobertura<br />
finita T ′ = {Tn1 ,Tn2 , · · · ,Tnk } ⊆ T <strong>de</strong> B. Observamos que<br />
Qx =<br />
k<br />
i=1<br />
Rni =⇒ Qx × B ⊆<br />
k<br />
i=1<br />
Rni<br />
× Tni ⊆ U.<br />
O conjunto V = <br />
Qx é aberto, e A × B ⊆ V × B ⊆ U. É evi<strong>de</strong>nte que<br />
x∈A<br />
m∗ N (A) ≤ mN(V ) e portanto<br />
m ∗ N(A)mM(B) ≤ mN(V )mM(B) = mN+M(V × B) ≤ mN+M(U).<br />
Por outras palavras, m∗ N (A)mM(B) ≤ mN+M(U) para qualquer aberto U ⊇<br />
A × B, don<strong>de</strong> m∗ N (A)mM(B) ≤ m∗ N+M (A × B). Deixamos como exercício<br />
a generalização <strong>de</strong>ste resultado para qualquer conjunto mensurável B.<br />
Exercícios.<br />
B<br />
x<br />
Qx<br />
A<br />
Qx × B<br />
A × B U<br />
Figura 2.2.4: Qx × B ⊆ U.
2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 113<br />
1. Prove que a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob translacções, e conclua<br />
que a classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis é igualmente invariante<br />
sob translacções.<br />
2. Prove que qualquer conjunto numerável E ⊆ RN verifica m∗ N (E) = 0.<br />
3. Determine conjuntos E ⊆ R tais que<br />
c(E) < m ∗ (E) = c(E) e c(E) < m ∗ (E) < c(E).<br />
4. Prove que se m∗ N (E) = 0 então qualquer subconjunto <strong>de</strong> E é Lebesguemensurável.<br />
5. Prove que se I ⊆ R é um intervalo ilimitado então I ∈ L(R) e m(I) = +∞.<br />
6. Prove que R\Q é Lebesgue-mensurável, com m(R\Q) = ∞.<br />
7. Prove que se K é compacto, então m∗ N (K) = cN(K).<br />
8. Mostre que po<strong>de</strong>mos ter mN(E) > 0 e intE = ∅.<br />
9. Determine o cardinal das classes J (R N ) e L(R N ). sugestão: Consi<strong>de</strong>re o<br />
conjunto <strong>de</strong> Cantor.<br />
10. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir a medida interior <strong>de</strong> Lebesgue do conjunto E ⊆ R N usando<br />
sup{cN(K) : K ∈ Eσ(E)}?<br />
11. Suponha que E ⊆ R ⊂ R N , e R é um rectângulo limitado. Mostre que E é<br />
Lebesgue-mensurável se e só se m ∗ N (E) + m∗ N (R\E) = cN(R).( 10 )<br />
12. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.2.21.<br />
13. Generalize a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue da seguinte<br />
forma: suponha que os conjuntos En ⊆ R N são mensuráveis e disjuntos, e consi<strong>de</strong>re<br />
quaisquer conjuntos An ⊆ En. Mostre que:<br />
m ∗ ∞<br />
∞<br />
( An) = m ∗ (An).<br />
n=1<br />
Aproveite para mostrar que se os conjuntos Fn são mensuráveis e Fn ր F então<br />
m ∗ N (A ∩ Fn) ր m ∗ N (A ∩ F) para qualquer A ⊆ RN . sugestão: Consi<strong>de</strong>re<br />
primeiro o caso <strong>de</strong> uma união finita.<br />
14. Seja A ⊆ R N e B ∈ L(R M ). Mostre que m ∗ N+M (A × B) = m∗ N (A)mM(B).<br />
sugestão: Use a proposição 2.2.22, e suponha primeiro que B é aberto. Po<strong>de</strong><br />
ser conveniente usar o exercício anterior.<br />
10 Mostramos assim que a <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Lebesgue, aplicável apenas a conjuntos<br />
limitados, é nesse caso equivalente à <strong>de</strong>finição que referimos em 2.2.11.<br />
n=1
114 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
15. Suponha que ∞<br />
n=1 |cn| < ∞, seja D = {xn : n ∈ N} um conjunto infinito<br />
numerável em R, e consi<strong>de</strong>re a função f : R → R nula fora <strong>de</strong> D, tal que<br />
f(xn) = cn.<br />
a) Prove que f ′ (x) = 0 qtp em R. sugestão: Aplique o lema <strong>de</strong> Borel-<br />
Cantelli aos conjuntos:<br />
<br />
<br />
∞ ∞<br />
|cn| 1<br />
An,k = x ∈ R : > , e Ak = An,k.<br />
|x − xn| k<br />
m=1 n=m<br />
b) Mostre que a conclusão anterior é igualmente válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, para<br />
qualquer intervalo limitado I, e tomando K = {n ∈ N : xn ∈ I}, se tenha<br />
<br />
|cn| < ∞.<br />
n∈K<br />
2.3 Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Passamos a <strong>de</strong>finir os conjuntos <strong>de</strong> Borel a que já aludimos diversas vezes,<br />
e esclarecemos a relação entre estes conjuntos e os conjuntos Lebesguemensuráveis.<br />
Não usamos aqui a <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Borel, que é construtiva(<br />
11 ), e bastante complexa. Sabemos hoje que os conjuntos <strong>de</strong> Borel<br />
formam a menor σ-álgebra em R N que contém os conjuntos abertos, e este<br />
facto permite uma <strong>de</strong>finição muito mais sucinta. Precisamos apenas <strong>de</strong><br />
provar um resultado abstracto preliminar:<br />
Proposição 2.3.1. Se {Mα : α ∈ J} é uma família não-vazia <strong>de</strong> σ-álgebras<br />
em X, a classe M = ∩a∈JMα é uma σ-álgebra em X.<br />
Demonstração. Sabemos que qualquer σ-álgebra Mα ⊇ {∅,X}, e portanto<br />
M ⊇ {∅,X}. Em particular, M = ∅. Para verificar que M é fechada em<br />
relação à complementação, basta-nos notar que, como cada σ-álgebra Mα<br />
é fechada em relação à complementação,<br />
A ∈ M ⇔ A ∈ Mα, ∀α∈J ⇒ A c ∈ Mα, ∀α∈J ⇔ A c ∈ M.<br />
Analogamente, e para <strong>de</strong>monstrar que M é fechado em relação a uniões numeráveis,<br />
observamos que cada σ-álgebra Mα é fechada em relação a uniões<br />
numeráveis, don<strong>de</strong><br />
∞<br />
∞<br />
An ∈ M ⇐⇒ An ∈ Mα, ∀α∈J =⇒ An ∈ Mα, ∀α∈J ⇐⇒ An ∈ M.<br />
n=1<br />
11 A opção <strong>de</strong> Borel parece ter sido motivada, pelo menos parcialmente, por razões filosóficas.<br />
Borel revela algum <strong>de</strong>sconforto com noções <strong>de</strong>masiado abstractas da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “conjunto”,<br />
e prefere referir conjuntos que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidos usando apenas rectângulos, e<br />
operações <strong>de</strong> intersecção, união e complementação sobre famílias numeráveis <strong>de</strong> conjuntos.<br />
Naturalmente, este facto não o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer que a sua própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
conjunto <strong>de</strong> medida nula não se coaduna com estas reservas.<br />
n=1
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 115<br />
Se C é uma família inteiramente arbitrária <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X, então<br />
a σ-álgebra P(X) que contém todos os subconjuntos <strong>de</strong> X contém certamente<br />
todos os conjuntos em C. Portanto, existem sempre σ-álgebras <strong>de</strong> X<br />
que contém todos os conjuntos em C. A intersecção <strong>de</strong> todas as σ-álgebras<br />
que contêm C é, <strong>de</strong> acordo com a proposição anterior, a menor σ-álgebra<br />
<strong>de</strong> X que contém C (porquê?). Introduzimos por isso:<br />
Definição 2.3.2 (σ-Álgebra Gerada pela Classe C). Se C é uma classe <strong>de</strong><br />
subconjuntos do conjunto X, a intersecção <strong>de</strong> todas as σ-álgebras em X que<br />
contêm a classe C diz-se a σ-álgebra gerada por C.<br />
Exemplo 2.3.3.<br />
Se C = {E}, on<strong>de</strong> E ⊆ X, a σ-álgebra gerada por C é M = {∅, E, E c , X}.<br />
Definimos os conjuntos Borel-mensuráveis usando 2.3.2, com X = R N ,<br />
e sendo C a classe dos subconjuntos abertos <strong>de</strong> R N :<br />
Definição 2.3.4 (Conjuntos Borel-Mensuráveis). A σ-álgebra gerada pelos<br />
subconjuntos abertos <strong>de</strong> R N diz-se a σ-álgebra <strong>de</strong> borel, e <strong>de</strong>signa-se<br />
por B(R N ). Os conjuntos em B(R N ) dizem-se borel-mensuráveis, ou<br />
conjuntos <strong>de</strong> borel.( 12 )<br />
Exemplos 2.3.5.<br />
1. Qualquer conjunto aberto (ou fechado) é Borel-mensurável. Em particular,<br />
sendo S ⊆ R N um conjunto qualquer, o seu interior, exterior e fronteira são<br />
sempre Borel-mensuráveis.<br />
2. O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) e o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) são Borel-mensuráveis,<br />
porque são fechados.<br />
3. Se os conjuntos Un são abertos, então G = ∩ ∞ n=1 Un é Borel-mensurável,<br />
apesar <strong>de</strong> G não ser necessariamente aberto, ou fechado. Analogamente, se os<br />
conjuntos Fn são fechados, então F = ∪ ∞ n=1 Fn é Borel-mensurável, apesar <strong>de</strong><br />
F não ser necessariamente fechado, ou aberto.<br />
4. Se B = {x1, x2, · · · , xn, · · · } é um conjunto numerável em R N , tomamos<br />
Fn = {xn} (um conjunto fechado, logo Borel-mensurável), e notamos que<br />
B = ∪ ∞ n=1 Fn é Borel-mensurável.<br />
Os conjuntos dos tipos mencionados em 2.3.5.3 têm nomes especiais:<br />
Definição 2.3.6 (Conjuntos Fσ e Gδ). Se E ⊆ R N , dizemos que<br />
a) E é um conjunto Fσ, ou <strong>de</strong> tipo Fσ, se e só se E é a união <strong>de</strong> uma<br />
família numerável <strong>de</strong> fechados, e<br />
12 Esta <strong>de</strong>finição é aplicável em qualquer espaço topológico (X, O): sendo O a família<br />
dos conjuntos abertos em X, B(X) é a σ-álgebra gerada por O.
116 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) E é um conjunto Gδ, ou <strong>de</strong> tipo Gδ, se e só se E é a intersecção <strong>de</strong><br />
uma família numerável <strong>de</strong> abertos.( 13 )<br />
Exemplos 2.3.7.<br />
1. De acordo com 1.6.18, qualquer conjunto aberto em R N é um conjunto Fσ.<br />
2. O conjunto dos racionais é um conjunto Fσ, porque é numerável.<br />
3. O conjunto dos irracionais é um conjunto Gδ, porque é o complementar dum<br />
conjunto Fσ.<br />
Sabemos que L(R N ) é uma σ-álgebra que contém os abertos. Como a<br />
σ-álgebra <strong>de</strong> Borel é a menor σ-álgebra que contém os abertos, temos<br />
Corolário 2.3.8. B(R N ) ⊆ L(R N ).<br />
Note-se em particular que<br />
• Se MN é solução do problema <strong>de</strong> Borel, temos B(R N ) ⊆ MN, porque<br />
MN é uma σ-álgebra que contém os abertos.<br />
• Se MN é solução do problema <strong>de</strong> Lebesgue, temos B(R N ) ⊆ MN ⊆<br />
L(R N ), porque (R N , MN,mN) é uma solução do problema <strong>de</strong> Borel,<br />
e porque L(R N ) é a maior solução do problema <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
• Veremos na próxima secção que B(R N ) = L(R N ) = P(R N ).<br />
Vimos no teorema 2.2.16 que os conjuntos Lebesgue-mensuráveis po<strong>de</strong>m<br />
ser aproximados por excesso por conjuntos abertos. Obtemos a seguir mais<br />
alguns tipos <strong>de</strong> aproximações <strong>de</strong> conjuntos Lebesgue-mensuráveis, mostrando<br />
em particular que estes conjuntos:<br />
• Po<strong>de</strong>m ser aproximados por <strong>de</strong>feito por conjuntos fechados, e<br />
• Diferem <strong>de</strong> conjuntos Borel-mensuráveis por conjuntos <strong>de</strong> medida nula.<br />
Teorema 2.3.9. As seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) E ⊆ R N é Lebesgue-mensurável.<br />
b) Para qualquer ε > 0, existem F (fechado), e U (aberto), tais que<br />
F ⊆ E ⊆ U, e mN(U\F) < ε.<br />
c) Existem A,B ∈ B(R N ), on<strong>de</strong> A é um Fσ, e B um Gδ, tais que<br />
A ⊆ E ⊆ B e mN(B\A) = 0.<br />
13 As letras “s” (σ) e “d” (δ) são as iniciais <strong>de</strong> “união” e “intersecção” na língua alemã.
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 117<br />
Demonstração. a) ⇒ b) Se E é Lebesgue-mensurável então E c é, igualmente,<br />
Lebesgue-mensurável. Dado ε > 0 temos, <strong>de</strong> acordo com 2.2.16, que<br />
• Existe um aberto U tal que E ⊆ U e mN(U\E) < ε<br />
2 , e<br />
• Existe um aberto V tal que E c ⊆ V e mN(V \E c ) < ε<br />
2 .<br />
É claro que F = V c é fechado e F ⊆ E. Basta-nos agora notar que<br />
U\F = (U\E) ∪ (E\F) = (U\E) ∪ (V \E c ) ⇒ mN(U\F) < ε ε<br />
+ = ε.<br />
2 2<br />
b) ⇒ c): Se n ∈ N, existem conjuntos Fn (fechado) e Un (aberto) tais que<br />
Fn ⊆ E ⊆ Un e mN(Un\Fn) < 1<br />
n .<br />
Os conjuntos A = ∪ ∞ n=1 Fn e B = ∩ ∞ n=1 Un são, respectivamente, um Fσ e<br />
um Gδ, temos A ⊆ E ⊆ B e B\A ⊆ Un\Fn, don<strong>de</strong><br />
mN(B\A) ≤ mN(Un\Fn) < 1<br />
n , para qualquer n ⇒ mN(B\A) = 0.<br />
c) ⇒ a): E = A ∪ D, on<strong>de</strong> D = E\A ⊆ B\A. A é Borel-mensurável,<br />
logo Lebesgue-mensurável, e D é Lebesgue-mensurável, porque m∗ N (D) = 0.<br />
Segue-se que E é Lebesgue-mensurável.<br />
Os conjuntos com medida finita po<strong>de</strong>m ainda ser aproximados por conjuntos<br />
compactos, e mesmo por conjuntos elementares:<br />
Teorema 2.3.10. Se E ⊆ RN e m∗ N (E) < +∞, então as seguintes afirmações<br />
são equivalentes:<br />
a) E é Lebesgue-mensurável.<br />
b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que<br />
K ⊆ E ⊆ U e mN(U\K) < ε.<br />
c) Para qualquer ε > 0, existe um conjunto elementar J tal que ( 14 )<br />
m ∗ N(E∆J) < ε.<br />
Demonstração. É evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 2.3.9 que b) ⇒ a), e <strong>de</strong>ixamos para o exercício<br />
5 mostrar que a) ⇒ b), ou seja, que o conjunto fechado referido em 2.3.9<br />
po<strong>de</strong> ser substituído por um compacto.<br />
14 Se A e B são conjuntos, o conjunto A∆B = (A\B)∪(B\A) é a diferença simétrica<br />
<strong>de</strong> A e B.
118 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Para provar que b) ⇒ c), notamos que o aberto U é uma união numerável<br />
<strong>de</strong> rectângulos abertos limitados Rn. Os rectângulos Rn formam,<br />
por razões óbvias, uma cobertura aberta do compacto K. Existe por isso<br />
uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos R1, · · · ,Rm, e o conjunto<br />
J = ∪ m n=1 Rn é elementar. Observamos que (ver figura 2.3.1)<br />
K ⊆ E ⊆ U e K ⊆ J ⊆ U =⇒ E∆J ⊆ U\K =⇒ m ∗ N (E∆J) < ε.<br />
U E<br />
J<br />
K<br />
Figura 2.3.1: E∆J ⊆ U\K<br />
• m ∗ N (E\A) ≤ m∗N (E\Jn) < ε<br />
2n, don<strong>de</strong> m∗N (E\A) = 0, e<br />
• m ∗ N (A\E) = m∗ N (<br />
∞<br />
(Jn\E)) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
m ∗ N (Jn\E) <<br />
∞<br />
n=1<br />
ε<br />
= ε<br />
2n B = A∪(E\A) é Lebesgue-mensurável, contém E e m∗ N (B\E) < ε. Provámos<br />
assim que, para qualquer ε > 0, existe um conjunto Lebesgue-mensurável<br />
B ⊇ E tal que m∗ N (B\E) < ε. É fácil concluir daqui que E é igualmente<br />
Lebesgue-mensurável (exercício 5).<br />
As proprieda<strong>de</strong>s dos conjuntos Jordan- e Lebesgue-mensuráveis relacionadas<br />
com produtos cartesianos e com a invariância sob translacções e reflexões,<br />
que vimos em 1.3.12 e 2.2.21, são também comuns aos conjuntos <strong>de</strong><br />
Borel.<br />
Teorema 2.3.11. Sejam A ∈ B(R N ), B ∈ B(R M ) e x ∈ R N .<br />
a) Fecho em relação ao produto: A × B ∈ B(R N+M ).<br />
b) Invariância sob translacções: A + x ∈ B(R N ).<br />
c) Invariância sob reflexões: Se C é a reflexão <strong>de</strong> A no hiperplano xk =<br />
0, então C ∈ B(R N ).
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 119<br />
Demonstração. Demonstramos aqui a), <strong>de</strong>ixando as observações em b) e c)<br />
para o exercício 9. Suponha-se primeiro que U ⊆ R N é um conjunto aberto,<br />
e consi<strong>de</strong>re-se a classe <strong>de</strong> conjuntos BU, dada por:<br />
Deve ser claro que neste caso<br />
BU = V ⊆ R M : U × V ∈ B(R N+M ) .<br />
(1) A classe BU contém todos os subconjuntos abertos <strong>de</strong> R M .<br />
Temos, por razões óbvias, que<br />
V =<br />
∞<br />
m=1<br />
Vm ⇒ U × V =<br />
∞<br />
m=1<br />
U × Vm.<br />
Se os conjuntos Vm ∈ BU, então os conjuntos U ×Vm são Borel-mensuráveis.<br />
Como B(R N+M ) é uma σ-álgebra, é claro que, neste caso, U ×V é igualmente<br />
Borel-mensurável. Por outras palavras,<br />
(2) A classe BU é fechada em relação a uniões numeráveis.<br />
Por outro lado, temos que U × V c = (U × V ) c ∩ U × R M . Se V ∈ BU,<br />
então (U × V ) c é Borel-mensurável, porque é o complementar do conjunto<br />
Borel-mensurável U × V . Sendo U aberto, <strong>de</strong>ve ser evi<strong>de</strong>nte que U × R M é<br />
aberto, e concluímos que U × V c é Borel-mensurável. Temos assim,<br />
(3) A classe BU é fechada em relação a complementações.<br />
Po<strong>de</strong>mos concluir <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que:<br />
(4) A classe BU é uma σ-álgebra que contém os abertos, e portanto contém<br />
os conjuntos Borel-mensuráveis. Dito doutra forma,<br />
(5) Se U ∈ R N é aberto e B ∈ B(R M ), então U × B ∈ B(R N+M ).<br />
Para terminar a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a), supomos que B ∈ B(RM ) e consi<strong>de</strong>ramos<br />
a classe <strong>de</strong> conjuntos B∗ B dada por:<br />
B ∗ B = U ⊆ R N : U × B ∈ B(R N+M ) .<br />
Como vimos em (5), a classe B ∗ B contém os abertos <strong>de</strong> RN , e é simples<br />
adaptar os argumentos acima para mostrar que esta classe é, também, uma<br />
σ-álgebra:<br />
• U = ∞ n=1 Un ⇒ U × B = ∞ relação a uniões numeráveis.<br />
n=1 Un × B e, por isso, B ∗ B<br />
é fechada em<br />
• Uc × B = (U × B) c ∩ RN × B , don<strong>de</strong> B∗ B é fechada em relação a<br />
complementações.
120 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Po<strong>de</strong>mos concluir, mais uma vez, que<br />
(6) A classe B ∗ B<br />
é uma σ-álgebra que contém os abertos, e portanto contém<br />
os conjuntos Borel-mensuráveis. Dito doutra forma,<br />
(7) Se A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ), então A × B ∈ B(R N+M ).<br />
Vimos em 2.2.6 que a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> ser calculada<br />
recorrendo apenas a conjuntos abertos. Como os conjuntos abertos são<br />
mensuráveis, esta observação po<strong>de</strong> ser reformulada como se segue:<br />
Teorema 2.3.12. Se E ∈ L(R N ), então<br />
mN(E) = inf mN(U) : E ⊆ U ⊆ R N ,U aberto .<br />
Esta proprieda<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue é na realida<strong>de</strong> partilhada por<br />
muitas outras medidas <strong>de</strong>finidas em R N , e é por isso conveniente introduzir<br />
a seguinte:<br />
Definição 2.3.13 (<strong>Medida</strong> Regular). Seja µ uma medida positiva <strong>de</strong>finida<br />
na σ-álgebra M ⊇ B(R N ). Dizemos que µ é regular( 15 ) em N ⊆ M se e<br />
só se<br />
µ(E) = inf µ(U) : E ⊆ U,U ⊆ R N aberto , para qualquer E ∈ N.<br />
Se N é uma σ-álgebra, dizemos também que o espaço (R N , N,µ) é regular.<br />
Exemplos 2.3.14.<br />
1. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é regular em L(R N ).<br />
2. A medida <strong>de</strong> Dirac é regular em P(R).<br />
3. Se a medida µ é o cardinal, temos inf {µ(U) : E ⊆ U, U aberto } = +∞ para<br />
qualquer E = ∅, porque qualquer aberto não-vazio é não-numerável. Como<br />
qualquer conjunto finito é Borel-mensurável, µ não é regular em B(R N ).<br />
4. O pente <strong>de</strong> Dirac dado por µ(E) = #(E ∩ Z) é regular. Em contrapartida,<br />
o pente dado por λ(E) = #(E ∩ Q) não é regular.<br />
5. As soluções do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue são as soluções regulares do<br />
problema <strong>de</strong> Borel.<br />
15 Mais exactamente, esta proprieda<strong>de</strong> diz-se a regularida<strong>de</strong> exterior da medida µ.<br />
Esta noção é efectivamente aplicável em qualquer espaço topológico (X, O), e a qualquer<br />
medida µ <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(X) ⊇ O, tal como a <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> interior,<br />
que é a afirmação que µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E,K compacto }. A distinção entre<br />
regularida<strong>de</strong>, regularida<strong>de</strong> interior e regularida<strong>de</strong> exterior não é especialmente importante<br />
em R N , e em particular <strong>de</strong>ve estabelecer-se no exercício 4 a regularida<strong>de</strong> interior da medida<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, mas é mais relevante noutros espaços topológicos.
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 121<br />
Veremos mais adiante que muitas das proprieda<strong>de</strong>s da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
indicadas nesta secção, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> convenientemente reformuladas,<br />
são comuns a todas as medidas regulares σ-finitas <strong>de</strong>finidas em B(R N ), e<br />
em especial são comuns a todas as medidas que são finitas em conjuntos<br />
compactos <strong>de</strong> R N .( 16 )<br />
Se E é um conjunto Lebesgue-mensurável <strong>de</strong> medida nula e F ⊆ E,<br />
sabemos que F é igualmente Lebesgue-mensurável, por razões muito simples.<br />
Esta é uma proprieda<strong>de</strong> do espaço <strong>de</strong> Lebesgue que não é partilhada por<br />
todos os espaços <strong>de</strong> medida, e introduzimos a este respeito a<br />
Definição 2.3.15 (Espaço Completo). O espaço (X, M,µ) é completo se<br />
e só se todos os subconjuntos <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> medida nula são mensuráveis,<br />
ou seja, se µ(C) = 0 e N ⊆ C ⇒ N ∈ M, don<strong>de</strong> µ(N) = 0. Dizemos<br />
também que a medida µ é completa.<br />
Exemplos 2.3.16.<br />
1. O espaço <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> Lebesgue é completo.<br />
2. Veremos na próxima secção que o espaço <strong>de</strong> Borel não é completo.<br />
É fácil mostrar que qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ) tem uma extensão<br />
completa. Começamos por <strong>de</strong>finir a classe <strong>de</strong> conjuntos( 17 )<br />
Mµ = {E ⊆ X : Existem A,B ∈ M tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0} .<br />
Passamos a verificar que a medida dos conjuntos A e B referidos acima<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas do conjunto E ∈ Mµ. Sejam A1,A2,B1,B2 ∈ M tais que<br />
Ai ⊆ E ⊆ Bi e µ(Bi\Ai) = 0 para i = 1 e i = 2.<br />
Com A ′ = A1 ∪ A2 e B ′ = B1 ∩ B2, temos por razões óbvias que<br />
Ai ⊆ A ′ ⊆ E ⊆ B ′ ⊆ Bi don<strong>de</strong> µ(Ai) = µ(A ′ ) = µ(B ′ ) = µ(Bi).<br />
Definimos µ : Mµ → R + tomando µ(E) = µ(A), sempre supondo que<br />
A ⊆ E ⊆ B, A,B ∈ M e µ(B\A) = 0, e observamos que µ é uma evi<strong>de</strong>nte<br />
extensão <strong>de</strong> µ.<br />
Teorema 2.3.17 (Menor Extensão Completa). (X, Mµ,µ) é a menor extensão<br />
completa <strong>de</strong> (X, M,µ). Mais especificamente,<br />
a) (X, Mµ,µ) é uma extensão completa <strong>de</strong> (X, M,µ),<br />
16 Estas proprieda<strong>de</strong>s são também frequentes em medidas <strong>de</strong>finidas em σ-álgebras B(X)<br />
noutros espaços topológicos, mas a sua aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições adicionais<br />
sobre o espaço X.<br />
17 Quando M = B(R N ) e µ = mN, é claro que Mµ = L(R N ), como vimos em 2.3.9.
122 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) Qualquer extensão completa <strong>de</strong> (X, M,µ) é uma extensão <strong>de</strong> (X, Mµ,µ),<br />
c) Se (X, N,ρ) é uma extensão <strong>de</strong> (X, M,µ), então ρ(E) = µ(E), para<br />
os conjuntos E ∈ N ∩ Mµ.<br />
N<br />
M<br />
N ρ<br />
Mµ<br />
Figura 2.3.2: Extensões do espaço (X, M,µ)<br />
Demonstração. Começamos por mostrar que (X, Mµ,µ) é um espaço <strong>de</strong><br />
medida.<br />
(1) Mµ é fechada em relação a uniões numeráveis: Supomos que os conjuntos<br />
En ∈ Mµ, ou seja, existem conjuntos An,Bn ∈ M tais que:<br />
ρ<br />
ρ<br />
µ<br />
µ<br />
An ⊆ En ⊆ Bn e µ(Bn\An) = 0.<br />
Sendo E = ∞ n=1 En,A = ∞ n=1 An e B = ∞ n=1 Bn, é claro que A ⊆<br />
E ⊆ B, A,B ∈ M, e<br />
B\A ⊆<br />
∞<br />
(Bn\An) , don<strong>de</strong> 0 ≤ µ(B\A) ≤<br />
n=1<br />
Concluímos que E ∈ Mµ.<br />
∞<br />
µ(Bn\An) = 0.<br />
(2) µ é σ-aditiva em Mµ: Se os conjuntos En são disjuntos, então os<br />
conjuntos An são igualmente disjuntos, e temos<br />
∞<br />
µ(E) = µ(A) = µ( An) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(An) =<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(En).<br />
(3) Mµ é fechada em relação a uniões numeráveis: Se A ⊆ E ⊆ B e<br />
µ(B\A) = 0 então B c ⊆ E c ⊆ A c e A c \B c = B\A.<br />
Provámos assim que (X, Mµ,µ) é um espaço <strong>de</strong> medida e uma extensão <strong>de</strong><br />
(X, M,µ). Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração para o exercício 6.<br />
n=1
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 123<br />
Aproveitamos para sumarizar aqui diversas proprieda<strong>de</strong>s interessantes<br />
das soluções dos problemas <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Observações 2.3.18. Se (MN, κN) é solução do problema <strong>de</strong> Borel, então:<br />
1. Unicida<strong>de</strong>: κN(E) = mN(E), para qualquer E ∈ MN ∩ L(R N ). Em particular,<br />
κN(E) = mN(E) quando E ∈ B(R N ). Esta observação é o corolário<br />
2.2.18.<br />
2. Soluções regulares: Se κN é regular, i.e., se κN é solução do problema “fácil”<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, então κN é uma restrição <strong>de</strong> mN, tal como <strong>de</strong>finida em L(R N )( 18 ).<br />
Em particular, (L(R N ), mN) é a maior solução regular do problema <strong>de</strong> Borel.<br />
Esta observação é, como notámos, consequência imediata <strong>de</strong> 2.2.9 e 2.2.10.<br />
3. Soluções completas: Se κN é completa, então κN é uma extensão <strong>de</strong> mN, tal<br />
como <strong>de</strong>finida em L(R N ). (L(R N ), mN) é portanto a menor solução completa<br />
do problema <strong>de</strong> Borel. Esta observação resulta do teorema 2.3.17 e da c) do<br />
teorema 2.3.9.<br />
4. (L(R N ), mN) é a única solução completa e regular do problema <strong>de</strong> Borel,<br />
como é evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 2. e 3. acima.<br />
Exemplo 2.3.19.<br />
o conjunto <strong>de</strong> Volterra generalizado - Introduzimos aqui um outro<br />
exemplo interessante, que é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> Volterra no<br />
sentido em que estes conjuntos foram <strong>de</strong>finidos em 1.6.15, e é por isso Borelmensurável.<br />
Começamos por observar que o procedimento usado para <strong>de</strong>finir o conjunto<br />
<strong>de</strong> Volterra Cε(I) é igualmente aplicável mesmo quando o conjunto inicial I é<br />
uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos In, i.e.,<br />
∞<br />
∞<br />
Se I = In, tomamos Cε(I) = Cε(In), e temos ainda m(Cε(I)) = εm(I).<br />
n=1<br />
n=1<br />
Sendo Jn = Cε(In) ⊂ In, é claro que I\Cε(I) = ∞<br />
n=1 (In\Jn). Deve notar-se<br />
que o conjunto In\Jn é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tipo <strong>de</strong> cada um dos intervalos In, e portanto o conjunto<br />
I\Cε(I) é também uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos. Esta<br />
operação po<strong>de</strong> assim ser aplicada recursivamente, i.e.,<br />
• Fixamos um “intervalo inicial” U1 = I = [a, b].<br />
• Seleccionamos uma sucessão <strong>de</strong> reais 0 < εn < 1.<br />
• Definimos, para n ∈ N, Fn = Cεn(Un), e Un+1 = Un\Fn.<br />
18 Registe-se, a este respeito, as extensões não regulares da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
a σ-álgebras M ⊃ L(R N ), M = L(R N ), <strong>de</strong>scobertas em 1950 (Kakutani,S. e Oxtoby,<br />
J., Construction of a non-separable invariant extension of the Lebesgue measure space, e<br />
Kodaira, K., Kakutani, S., A non-separable translation invariant extension of the Lebesgue<br />
measure space, ambos em Ann. of Math. (2) 52, (1950).
124 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
O exemplo que <strong>de</strong>sejamos introduzir aqui é o conjunto<br />
∞<br />
∞<br />
F(I) = Fn, e referimos igualmente G(I) = Un.<br />
n=1<br />
O mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do conjunto G(I) é análogo ao que usámos para<br />
<strong>de</strong>finir os conjuntos <strong>de</strong> Cantor e <strong>de</strong> Volterra. A diferença está em que, em<br />
vez <strong>de</strong> extrair, em cada passo, uma união finita <strong>de</strong> “intervalos médios”, aqui<br />
extraímos, em cada passo, uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> Volterra. Por<br />
esta razão, para n > 1 os conjuntos Un são abertos que não são elementares.<br />
Segue-se que G(I) é <strong>de</strong> tipo Gδ, F(I) é <strong>de</strong> tipo Fσ, e G(I) e F(I) são Borelmensuráveis.<br />
Note-se <strong>de</strong> passagem que os conjuntos ∪ N n=1 Fn são compactos.<br />
U1 U2 U3 U4<br />
Figura 2.3.3: Fn = Cεn(Un), Un+1 = Un\Fn, F(I) =<br />
n=1<br />
F1 = Cε1(U1)<br />
F2 = Cε2(U2)<br />
F3 = Cε3(U3)<br />
F4 = Cε4(U4)<br />
∞<br />
Cεn(Un).<br />
A medida dos conjuntos G(I) e F(I) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sucessão ε1, ε2, · · ·, mas em<br />
qualquer caso m(F(I)) = ∞<br />
n=1 m(Fn). Fixado 0 < ε < 1, po<strong>de</strong>mos tomar<br />
ε1 = 1<br />
2 ε, e é simples <strong>de</strong>finir εn para n > 1 <strong>de</strong> forma a que( 19 )<br />
m(Fn) = 1<br />
2 m(Fn−1) = 1<br />
2nεc(I), que resulta <strong>de</strong> εn+1 = 1<br />
2<br />
Passamos a escrever Fε(I) e Gε(I), e obtemos:<br />
m(Fε(I)) =<br />
∞<br />
n=1<br />
n=1<br />
εn<br />
.<br />
1 − εn<br />
1<br />
2 n εc(I) = εc(I), e m(Gε(I)) = (1 − ε)c(I).<br />
O que torna este exemplo notável é a seguinte proprieda<strong>de</strong>, aparentemente<br />
paradoxal: qualquer subintervalo não-trivial <strong>de</strong> I intercepta tanto Fε(I) como<br />
Gε(I) em conjuntos <strong>de</strong> medida positiva. Registamos este facto na:<br />
19 Se ε1 = 1<br />
2<br />
é fácil mostrar que εn ց 0, mas é também simples<br />
calcular explicitamente o valor <strong>de</strong> εn.<br />
ε < 1<br />
2<br />
1 εn e εn+1 = 2 1−εn
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 125<br />
Proposição 2.3.20. Se J ⊆ I, e c(J) > 0, então<br />
m(J ∩ Fε(I)) > 0 e m(J ∩ Gε(I)) > 0.<br />
Demonstração. Apenas esboçamos a <strong>de</strong>monstração, <strong>de</strong>ixando os <strong>de</strong>talhes<br />
para o exercício 7. É necessário verificar cada uma das seguintes afirmações:<br />
(1) O interior <strong>de</strong> Gε(I) é vazio, e portanto Fε(I) é <strong>de</strong>nso em I, porque<br />
o comprimento <strong>de</strong> cada um dos intervalos abertos que constituem Un<br />
não exce<strong>de</strong> 1/3 n .<br />
(2) Sendo Un = ∞ Fε(I) ∩ K = Fε ′(K) e Gε(I) ∩ K = Gε ′(K). Temos em particular<br />
k=1 In,k, e tomando K = In,k, existe ε ′ > 0 tal que<br />
m(Fε(I) ∩ K) = ε ′ c(K) > 0 e m(Gε(I) ∩ K) = (1 − ε ′ )c(K) > 0<br />
O cálculo <strong>de</strong> ε ′ , que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> ε e <strong>de</strong> n, fica como exercício.<br />
(3) Se ∅ = J ⊂ I é aberto então existem naturais n ′ ,k ′ tais que In ′ ,k ′ ⊂ J.<br />
• De acordo com (1), Fε(I) é <strong>de</strong>nso em I e portanto se ∅ = J ⊂ I<br />
então existe x ∈ J ∩ Fε(I).<br />
• Como Fε(I) = ∞ n=1 Fn, é claro que existe n tal que x ∈ Fn.<br />
Fn = ∞ k=1 Cεn(In,k), e portanto existe k tal que x ∈ Cεn(In,k).<br />
• O conjunto Cεn(In,k) é um conjunto <strong>de</strong> Volterra “normal”. Restanos<br />
mostrar que, como x ∈ J, então J contém um dos intervalos<br />
abertos que constituem o conjunto In,k\Cεn(In,k) ⊂ Un+1. Esse<br />
intervalo é claramente do tipo In+1,k ′.<br />
Observamos agora que J∩Fε(I) ⊇ In+1,k ′∩Fε(I) e J∩Gε(I) ⊇ In+1,k ′∩Gε(I)<br />
e aplicamos (2).<br />
Conforme referimos no Capítulo anterior, existem noções sobre a “extensão”<br />
<strong>de</strong> conjuntos que não são baseadas na Teoria da <strong>Medida</strong>, mas usam<br />
em lugar <strong>de</strong>la conceitos <strong>de</strong> natureza topológica, sobretudo o <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>,<br />
e estão associadas às chamadas categorias <strong>de</strong> Baire( 20 ), que afloramos<br />
aqui. Começamos por observar que, <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista topológico, os<br />
conjuntos E ⊆ R N mais “insignificantes” são os que satisfazem a condição<br />
int(E) = ∅, i.e., os que não são <strong>de</strong>nsos em nenhum conjunto aberto nãovazio.<br />
Dizemos por isso que estes conjuntos são raros( 21 ), e apresentamos<br />
a seguir alguns exemplos <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> conjuntos:<br />
20 René-Louis Baire, 1874-1932, matemático francês, foi professor nas universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Montpellier e <strong>de</strong> Dijon. As suas obras mais conhecidas são Théorie <strong>de</strong>s Nombres Irrationels,<br />
<strong>de</strong>s Limites et <strong>de</strong> la Continuité, <strong>de</strong> 1905, e Leçons sur les Théories Générales <strong>de</strong><br />
l’Analyse, <strong>de</strong> 1907-1908. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “categorias <strong>de</strong> Baire” (2.3.22) é naturalmente<br />
aplicável em qualquer espaço topológico.<br />
21 O termo “raro” tem sido usado em Português, mas afasta-se um pouco da terminologia<br />
usada noutras línguas para <strong>de</strong>signar o mesmo tipo <strong>de</strong> conjuntos: “nowhere <strong>de</strong>nse”, “nulle<br />
part <strong>de</strong>nse”, “<strong>de</strong>nso en ninguna parte”, etc.
126 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exemplos 2.3.21.<br />
1. Os conjuntos finitos.<br />
2. Os conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />
3. Qualquer conjunto fechado <strong>de</strong> interior vazio, em particular os conjuntos <strong>de</strong><br />
Cantor e <strong>de</strong> Volterra.<br />
As seguintes <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>vem-se a Baire.<br />
Definição 2.3.22 (Categorias <strong>de</strong> Baire). E ⊆ R N é <strong>de</strong> primeira categoria<br />
se e só se E é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos raros. Caso contrário,<br />
E é <strong>de</strong> segunda categoria.<br />
É fácil apresentar exemplos <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria:<br />
Exemplos 2.3.23.<br />
1. Qualquer conjunto numerável, em particular Q. Note que um conjunto <strong>de</strong><br />
primeira categoria po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nso.<br />
2. O conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função Riemann-integrável,<br />
porque é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo. Mais geralmente,<br />
qualquer conjunto nulo em Jσ(R N ) é um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria.<br />
3. O conjunto Fε(I) do exemplo 2.3.19, porque é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos<br />
<strong>de</strong> Volterra, no sentido do exemplo 1.6.15.<br />
O principal resultado sobre categorias <strong>de</strong> Baire <strong>de</strong>ve-se ao próprio Baire,<br />
e é hoje usualmente enunciado em termos abstractos numa das seguintes<br />
formas:( 22 )<br />
Teorema 2.3.24 (<strong>de</strong> Baire). Seja X um espaço métrico completo, ou um<br />
espaço <strong>de</strong> Hausdorff( 23 ) localmente compacto. Temos então que:<br />
a) A intersecção <strong>de</strong> qualquer família numerável <strong>de</strong> conjuntos abertos <strong>de</strong>nsos<br />
em X é um conjunto <strong>de</strong>nso em X.<br />
b) X é <strong>de</strong> segunda categoria.<br />
22 N<br />
Note que o teorema é válido quando X é um qualquer subconjunto fechado <strong>de</strong> R ,<br />
em particular quando X = R N .<br />
23<br />
Felix Hausdorff, 1868-1942, matemático alemão <strong>de</strong> origem judaica, criou as bases<br />
da Topologia Geral. Forçado a reformar-se em 1935 pelo regime nazi, suicidou-se com a<br />
família mais próxima em 1942, para evitar o transporte para um dos campos <strong>de</strong> extermínio.
2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 127<br />
Sendo certo que os conjuntos nulos e os conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria<br />
são, em certo sentido, “pequenos”, <strong>de</strong>ve ser claro que estas noções são distintas(<br />
24 ). Por exemplo, o conjunto Fε(I) do exemplo 2.3.19 é <strong>de</strong> primeira<br />
categoria, mas é difícil sustentar a “pequenez” <strong>de</strong> Fε(I) do ponto <strong>de</strong> vista da<br />
Teoria da <strong>Medida</strong>! Existem também conjuntos <strong>de</strong> segunda categoria que são<br />
nulos, como passamos a mostrar. Em particular, existem conjuntos nulos<br />
que não pertencem a Jσ(R N ), o que certamente não é um facto óbvio.<br />
Exemplos 2.3.25.<br />
1. Tal como no exemplo 1.6.8, tomamos<br />
Uε =<br />
∞<br />
]qn − ε<br />
n=1<br />
2 n , qn + ε<br />
2 n[,<br />
on<strong>de</strong> q1, q2, · · · , qn, · · · são agora todos os racionais <strong>de</strong> R. Tomamos<br />
Vk = U 1/k e G =<br />
∞<br />
k=1<br />
Vk, don<strong>de</strong> m(Vk) < 2<br />
k<br />
e m(G) = 0.<br />
Sendo F = R\G = G c , é claro que F é um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria (V c<br />
k<br />
é raro, porque é fechado e não contém qualquer racional). É fácil verificar que<br />
a união (finita ou numerável) <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria é ainda <strong>de</strong><br />
primeira categoria. Como R é <strong>de</strong> segunda categoria (pelo teorema <strong>de</strong> Baire),<br />
segue-se que G não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> primeira categoria. G é portanto um conjunto<br />
nulo <strong>de</strong> segunda categoria.( 25 )<br />
2. Continuando o exemplo anterior, observamos que R = F ∪ G, ou seja, R é a<br />
união <strong>de</strong> um conjunto nulo com um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria, observação<br />
que mostra mais uma vez como estas noções <strong>de</strong>vem ser interpretadas e usadas<br />
com precaução.<br />
24 Existe, apesar disso, um resultado fascinante <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong> entre os conjuntos <strong>de</strong><br />
primeira categoria e os conjuntos nulos (que requer a hipótese do contínuo!), e que se<br />
<strong>de</strong>ve a Sierpinski e ao extraordinário matemático húngaro Paul Erdös, 1913-1996. A referência<br />
essencial aqui é o livro Measure and Category, <strong>de</strong> 1971, do já mencionado John<br />
Oxtoby. Erdös é um dos personagens mais interessantes da Matemática do século XX,<br />
em nome <strong>de</strong> quem se inventou o “número <strong>de</strong> Erdös” (o número <strong>de</strong> Erdös <strong>de</strong> um qualquer<br />
matemático é 1 se esse matemático publicou um artigo com Erdös, e <strong>de</strong> n + 1 se publicou<br />
um artigo com algum matemático com número <strong>de</strong> Erdös n). Mais <strong>de</strong> 1.000 matemáticos<br />
atingiram o número <strong>de</strong> Erdös 1! Entre muitas outras i<strong>de</strong>ias originais e saudavelmente<br />
excêntricas, Erdös é recordado pelo seu mítico e divino “Livro”, on<strong>de</strong> Deus supostamente<br />
escreveu as <strong>de</strong>monstrações “correctas” para todos os teoremas relevantes da Matemática<br />
(Erdös achava mais importante acreditar na existência do Livro do que na existência <strong>de</strong><br />
Deus!). Recomenda-se vivamente a obra O Homem Que Só Gostava <strong>de</strong> Números, <strong>de</strong> Paul<br />
Hoffman, já publicada em Português.<br />
25 Este facto parece ter sido usado por ilustres matemáticos dos finais do século XIX para<br />
atacar as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Borel, precisamente por permitirem consi<strong>de</strong>rar como “insignificantes”<br />
conjuntos <strong>de</strong> segunda categoria. Curiosamente, a primeira aplicação que Borel <strong>de</strong>u à sua<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> medida nula, na sua tese <strong>de</strong> doutoramento, envolveu um conjunto <strong>de</strong> segunda<br />
categoria.
128 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que os conjuntos elementares são <strong>de</strong> tipo Gδ.<br />
2. Supondo que f : K → R é limitada no rectângulo-N compacto K, mostre<br />
que o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f é um Fσ.<br />
3. Qual é a σ-álgebra gerada em R N pelos conjuntos finitos?<br />
4. Prove que se E ∈ L(R N ) então mN(E) = sup{mN(K) : K ⊆ E, K compacto },<br />
o que dizemos ser a regularida<strong>de</strong> interior da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
5. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.10. sugestão:<br />
• Verifique que se F é um conjunto fechado com medida finita então existem<br />
conjuntos compactos Kn ր tais que Kn ⊆ F e mN(F \Kn) → 0. Conclua<br />
que 2.3.10 a) ⇒ 2.3.10 b).<br />
• Para concluir a <strong>de</strong>monstração, mostre que se existem conjuntos mensuráveis<br />
Bn ⊇ E tais que m ∗ N (Bn\E) → 0 então E é Lebesgue-mensurável.<br />
6. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.17.<br />
7. Este exercício diz respeito ao exemplo 2.3.19, e à proposição 2.3.20.<br />
a) Mostre que εn = 1 ε<br />
2 2n−1 ց 0, quando ε < 1. Calcule o valor<br />
(1 − ε) + ε<br />
<strong>de</strong> ε ′ referido no ponto (2) da <strong>de</strong>mosntração <strong>de</strong> 2.3.20.<br />
b) Cada conjunto Un é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos In,k.<br />
Calcule αn = max{c(In,k) : k ∈ N} e mostre que αn → 0 quando n → ∞.<br />
Conclua que G(I) tem interior vazio.<br />
c) Calcule m(Fε(I) ∩In,k) > 0 e m(Gε(I) ∩In,k) > 0, para quaisquer n, k ∈<br />
N.<br />
d) Para provar o ponto (3) da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 2.3.20, mostre que se J é um<br />
intervalo aberto, Cε(I) ∩ J = ∅ e I\Cε(I) = Uε(I) = ∞<br />
n=1 In, on<strong>de</strong> os<br />
I ′ ns são intervalos abertos disjuntos não-vazios, então existe um intervalo<br />
In ⊂ J.<br />
8. Determine uma função f : R → R tal que, se g(x) = f(x) qtp em R, então g<br />
é <strong>de</strong>scontínua em todos os pontos x ∈ R. sugestão: Suponha primeiro que f<br />
é a função característica <strong>de</strong> Fε(I).<br />
9. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.11.<br />
10. Mostre que o complementar <strong>de</strong> um conjunto raro é <strong>de</strong>nso, mas o complementar<br />
<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong>nso não é necessariamente raro. O que po<strong>de</strong> dizer<br />
sobre o complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria?
2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 129<br />
11. Suponha que a) do teorema 2.3.24 é válido quando X é um subconjunto<br />
fechado <strong>de</strong> R N , e mostre que nesse caso qualquer rectângulo com medida positiva<br />
é um conjunto <strong>de</strong> segunda categoria em R N .<br />
2.4 Conjuntos Não-Mensuráveis<br />
É fácil enunciar múltiplas questões sobre os problemas <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue<br />
para as quais ainda não obtivémos qualquer tipo <strong>de</strong> resposta:<br />
• Existem conjuntos que não são Lebesgue-mensuráveis, ou seja, temos<br />
L(R N ) = P(R N )?<br />
• Existem conjuntos Lebesgue-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />
ou seja, temos B(R N ) = L(R N )?<br />
• Existem soluções do problema <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong>finidas na classe P(R N )?<br />
Veremos nesta secção que as duas primeiras questões acima têm resposta<br />
afirmativa, i.e.,<br />
B(R N ) = L(R N ) = P(R N ).<br />
Relativamente à última questão, passamos a estudar um problema análogo,<br />
mas reforçado com a usual invariância sob translacções, enunciado pelo<br />
próprio Lebesgue em 1904, e que aqui chamamos( 26 ):<br />
2.4.1 (O Problema “Difícil” <strong>de</strong> Lebesgue). Determinar uma função m :<br />
P(R) → [0, ∞] com as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />
1. Normalização: Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos a,b, m(I) = b − a.<br />
2. Invariância sob translacções: Se x é um real e E ⊆ R,<br />
m(E + x) = m(E).<br />
3. σ-aditivida<strong>de</strong>: Se {En} é uma sucessão <strong>de</strong> conjuntos disjuntos em R,<br />
∞<br />
∞<br />
m( En) = m(En).<br />
n=1<br />
Vitali( 27 ) rapidamente <strong>de</strong>scobriu que este problema não tem solução,<br />
pelo menos no contexto da Teoria dos Conjuntos tal como é normalmente<br />
concebida hoje.<br />
26 Em “Leçons Sur L’Integration et La Recherche <strong>de</strong> Fonctions Primitives”, <strong>de</strong> H. Lebesgue,<br />
Paris 1904 e 1928. Lebesgue enunciou a condição 1. na forma (equivalente) <strong>de</strong><br />
“m([0,1]) = 0”.<br />
27 Vitali, G.: Sul problema <strong>de</strong>lla misura <strong>de</strong>i gruppi di punti di una retta. Bologna<br />
(1905). De Giuseppe Vitali, 1875-1941, matemático italiano, professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s<br />
<strong>de</strong> Pádua e Bolonha. Também publicado em “Mo<strong>de</strong>rna Teoria Delle Funzioni di Variabile<br />
Reale”, <strong>de</strong> G.Vitali e G.Sansone, 1935, Parte 1, pp. 58-60 da edição <strong>de</strong> 1943.<br />
n=1
130 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exemplo 2.4.2.<br />
o exemplo <strong>de</strong> Vitali: A relação ∼ <strong>de</strong>finida em R por<br />
x ∼ y ⇔ x − y ∈ Q<br />
é <strong>de</strong> equivalência. Fixado um real x, a classe <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> x é o conjunto<br />
[x] = {x + q : q ∈ Q} e, por isso, tem representantes (elementos) em qualquer<br />
intervalo aberto não-vazio. Em particular, existe um racional q tal que<br />
−x < q < −x + 1, i.e., 0 < x + q < 1.<br />
Se tomarmos v = x + q, então x ∼ v e v ∈ ]0, 1[. Por outras palavras,<br />
2.4.3. Qualquer classe <strong>de</strong> equivalência [x] tem pelo menos um representante v<br />
no intervalo ]0, 1[.<br />
De acordo com o axioma da escolha, ( 28 )<br />
2.4.4. Existe um conjunto V que contém exactamente um representante <strong>de</strong><br />
cada classe <strong>de</strong> equivalência [x], representante esse sempre em ]0, 1[.<br />
Sendo r1, · · · , rn, · · · os racionais <strong>de</strong> ] − 1, 1[, <strong>de</strong>finimos<br />
Provamos, em seguida, que<br />
Vn = V + rn = {v + rn : v ∈ V } , e G =<br />
∞<br />
Vn.<br />
2.4.5. Os conjuntos Vn são disjuntos entre si, i.e., Vn ∩ Vm = ∅ ⇒ n = m.<br />
Demonstração. Se x ∈ Vn ∩ Vm, existe v ∈ V tal que v + rn = x, porque<br />
x ∈ Vn, e existe também v ∗ ∈ V tal que v ∗ + rm = x, porque x ∈ Vm. Mas<br />
x = v + rn = v ∗ + rm ⇒ v − v ∗ = rm − rn ∈ Q ⇒ v ∼ v ∗ ⇒ [v] = [v ∗ ].<br />
Como V tem exactamente um representante <strong>de</strong> cada classe [v], temos v = v ∗<br />
e rn = rm, don<strong>de</strong> n = m.<br />
Suponha-se que o Problema 2.4.1 tem solução. Como m é invariante sob<br />
translacções (proprieda<strong>de</strong> 2), temos m(Vn) = m(V ). Como os conjuntos Vn<br />
são disjuntos entre si, temos, por σ-aditivida<strong>de</strong>, (proprieda<strong>de</strong> 3), que:<br />
∞<br />
∞<br />
m(G) = m(Vn) = m(V ).<br />
n=1<br />
Concluímos que m(G) só po<strong>de</strong> tomar um <strong>de</strong> dois valores, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do valor<br />
<strong>de</strong> m(V ):<br />
(1) m(V ) = 0 =⇒ m(G) = +∞, ou<br />
(2) m(V ) = 0 =⇒ m(G) = 0.<br />
28 Ver nota complementar sobre o axioma da escolha, no final <strong>de</strong>sta secção.<br />
n=1<br />
n=1
2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 131<br />
Demonstramos que o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue não tem solução, verificando<br />
que qualquer uma <strong>de</strong>stas alternativas conduz a contradições. Provamos<br />
primeiro que a alternativa (1) é impossível:<br />
2.4.6. G ⊆] − 1, 2[, don<strong>de</strong> m(G) ≤ m(] − 1, 2[) = 3 < +∞.<br />
Demonstração. Basta observar que V ⊆ ]0, 1[ e −1 < rn < +1, don<strong>de</strong> Vn ⊆<br />
] − 1, 2[ e G ⊆] − 1, 2[. Como m é monótona, temos m(G) ≤ m(] − 1, 2[) e, <strong>de</strong><br />
acordo com 1. (Normalização), m(] − 1, 2[) = 3.<br />
Provamos, finalmente, que a alternativa (2) é igualmente impossível, porque<br />
2.4.7. ]0, 1[⊆ G, don<strong>de</strong> 1 ≤ m(G) e m(G) = 0.<br />
Se x ∈ ]0, 1[, existe algum v ∈ V que é equivalente a x, porque V contém um<br />
representante <strong>de</strong> qualquer classe, incluindo [x]. Naturalmente, x = v + r, on<strong>de</strong><br />
r ∈ Q. Sabemos também que v ∈ ]0, 1[. Como também x ∈ ]0, 1[, é claro que<br />
r = x − v ∈] − 1, 1[. Por outras palavras, existe um natural n tal que r = rn e<br />
x ∈ Vn, don<strong>de</strong> x ∈ G.<br />
Como acabámos <strong>de</strong> ver, o problema 2.4.1 não tem solução, ou seja, não<br />
é possível atribuir um comprimento a todos os subconjuntos da recta real <strong>de</strong><br />
modo a satisfazer as três proprieda<strong>de</strong>s que indicámos. Como também vimos,<br />
a medida <strong>de</strong> Lebesgue satisfaz as condições (1), (2) e (3) do Problema 2.4.1,<br />
pelo que po<strong>de</strong>mos concluir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que L(R) = P(R). Por outras palavras,<br />
Existem subconjuntos <strong>de</strong> R que não são Lebesgue-mensuráveis.<br />
A medida <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob translacções, e sabemos que se V é<br />
Lebesgue-mensurável então V +x é igualmente Lebesgue-mensurável. Seguese<br />
imediatamente que<br />
o conjunto V do exemplo <strong>de</strong> Vitali não é Lebesgue-mensurável.<br />
Deixamos como exercício verificar que o argumento <strong>de</strong> Vitali po<strong>de</strong> ser adaptado<br />
para <strong>de</strong>monstrar o seguinte<br />
Teorema 2.4.8. Existem conjuntos não-mensuráveis VE ⊆ E ⊆ R se e só<br />
se m∗ N (E) > 0.<br />
Aproveitamos para uma breve <strong>de</strong>scrição do chamado axioma da escolha<br />
da Teoria dos Conjuntos, e para esclarecer um pouco melhor o seu<br />
papel na <strong>de</strong>finição do exemplo <strong>de</strong> Vitali. Uma das maneiras <strong>de</strong> enunciar este<br />
axioma é a seguinte:<br />
2.4.9 (Axioma da Escolha). Seja F uma família <strong>de</strong> conjuntos não-vazios, e<br />
T = ∪C∈FC. Então existe uma função f : F → T tal que f(C) ∈ C, para<br />
qualquer C ∈ F.
132 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Intuitivamente, a função f “escolhe” um elemento <strong>de</strong> cada conjunto C<br />
que pertence à família F, e daí o nome do axioma. É por isso comum<br />
referirmo-nos a f como uma “função <strong>de</strong> escolha”.<br />
No caso do exemplo <strong>de</strong> Vitali, começamos por tomar Cx = [x]∩]0,1[ para<br />
qualquer x ∈ R. Temos, então, (porquê?)<br />
Para qualquer x ∈ R, Cx = {y ∈ ]0,1[: x ∼ y}, Cx = ∅, e ainda<br />
T = <br />
x∈R<br />
Cx =]0,1[.<br />
Seja agora F = {Cx : x ∈ R}. Pelo axioma da escolha, existe uma função<br />
f : F →]0,1[ tal que f(C) ∈ C, para qualquer C ∈ F. O conjunto A usado<br />
no exemplo <strong>de</strong> Vitali é, exactamente,<br />
A = f(F) = {f(C) : C ∈ F} .<br />
Este conjunto verifica as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />
(1) A contém um representante <strong>de</strong> cada classe <strong>de</strong> equivalência: Se x ∈ R,<br />
existe a ∈ A tal que a ∼ x: basta consi<strong>de</strong>rar a = f(Cx).<br />
(2) A contém apenas um representante <strong>de</strong> cada classe <strong>de</strong> equivalência: Se<br />
a,a ∗ ∈ A, então a = f(C), e a ∗ = f(C ∗ ). Se a = a ∗ então C = C ∗ .<br />
Como a e a ∗ pertencem a classes <strong>de</strong> equivalência distintas, não po<strong>de</strong>m<br />
ser equivalentes entre si.<br />
A relação entre o axioma da escolha e o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue<br />
é uma questão <strong>de</strong>licada, e não completamente compreendida, envolvendo os<br />
fundamentos da Teoria dos Conjuntos. Sabe-se ( 29 ) que a existência <strong>de</strong> uma<br />
solução para o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue é compatível com a negação<br />
do axioma da escolha, mas não é consequência <strong>de</strong>ssa negação. Existem,<br />
mesmo, diferenças subtis em questões semelhantes em R N , <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />
dimensão N. Por exemplo, se substituirmos no problema <strong>de</strong> Lebesgue a<br />
σ-aditivida<strong>de</strong> pela aditivida<strong>de</strong>, então existem soluções em R e R 2 ( 30 ), mas,<br />
sempre como consequência do axioma da escolha, não há solução em R 3 . A<br />
este respeito, é conhecido o:<br />
2.4.10 (Paradoxo <strong>de</strong> Banach-Tarski). ( 31 ) Se A é uma esfera em R 3 <strong>de</strong> raio<br />
R, existem conjuntos Cn,Dn, 1 ≤ n ≤ 6, tais que:<br />
29<br />
Solovay, R.M.: A mo<strong>de</strong>l of set-theory in which every set of reals is Lebesgue measurable,<br />
Ann. of Math. 92 (1970).<br />
30<br />
Banach, S. “Sur le Problème <strong>de</strong> la Mesure”, Fundamenta Mathematicae, 1923, 4, pp.6-<br />
33. Stefan Banach, 1892-1945, polaco, foi um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos do século XX. A<br />
sua tese <strong>de</strong> doutoramento (1920), intitulada “Sobre Operações em Conjuntos Abstractos<br />
e as suas Aplicações a Equações Integrais” é frequentemente tomada como marcando a<br />
criação da Análise Funcional.<br />
31<br />
Alfred Tarski, 1902-1983, também <strong>de</strong> origem polaca, foi professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s<br />
<strong>de</strong> Varsóvia e Harvard, e associou-se à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Berkeley, na Califórnia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1942.<br />
O trabalho original <strong>de</strong> Banach e Tarski é “Sur la décomposition <strong>de</strong>s ensembles <strong>de</strong> points<br />
en parties respectivement congruentes”, Fundamenta Mathematicae, 1924, 6, pp.244-277.
2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 133<br />
a) Os conjuntos Cn são disjuntos, e a sua união é a esfera A,<br />
b) Os conjuntos Dn são disjuntos, e a sua união consiste em duas esferas<br />
disjuntas B e C, cada uma <strong>de</strong> raio R.<br />
c) Os conjuntos Cn e Dn são isométricos (i.e., existem funções bijectivas<br />
fn : Cn → Dn tais que f(x) − f(y) = x − y).<br />
B(R N )<br />
L(R N )<br />
Eσ(R N ) Jσ(R N )<br />
Figura 2.4.1: Relações entre classes <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> R N .<br />
É muito interessante reconhecer que L(R) = P(R) implica B(R) = L(R).<br />
Antes <strong>de</strong> estabelecermos este facto, provamos alguns resultados auxiliares<br />
que nos serão também úteis mais adiante, quando estudarmos outras medidas<br />
na recta real.<br />
Lema 2.4.11. Se f : R → R é contínua e crescente e M é uma σ-álgebra<br />
em R que contém os intervalos (e.g., M = B(R) ou M = L(R)), então a<br />
classe A = {E ∈ R : f(E) ∈ M} é uma σ-álgebra que contém B(R).<br />
Demonstração. É claro que B(R) ⊆ M, e passamos a mostrar que A é uma<br />
σ-álgebra que contém os intervalos, para concluir que B(R) ⊆ A. Notamos<br />
primeiro que:<br />
(1) A contém todos os intervalos: As funções contínuas transformam intervalos<br />
em intervalos( 32 ), e por hipótese qualquer intervalo pertence<br />
a M.<br />
(2) A é fechada para uniões numeráveis: Para qualquer função f, temos<br />
f<br />
∞<br />
n=1<br />
En<br />
<br />
=<br />
∞<br />
f (En).<br />
n=1<br />
32 Esta afirmação é o clássico Teorema do Valor Intermédio.
134 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
y<br />
A função f po<strong>de</strong> não ser injectiva, e <strong>de</strong>signamos por N o conjunto dos<br />
y ∈ R para os quais a equação y = f(x) tem múltiplas soluções x ∈ R<br />
(os pontos y ∈ N correspon<strong>de</strong>m a segmentos horizontais no gráfico <strong>de</strong><br />
f). Temos então:<br />
(3) N é finito ou infinito numerável, don<strong>de</strong> N é Borel-mensurável: y ∈ N<br />
se e só se existem x1 = x2 tais que f(x1) = f(x2) = y. Supomos<br />
sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que x1 < x2 e notamos que, como f é<br />
crescente, temos f(x) = y para qualquer x ∈ [x1,x2]. Existe por isso<br />
um racional ry tal que x1 < ry < x2, don<strong>de</strong> f(ry) = y (figura 2.4.2).<br />
A função ψ : N → Q dada por ψ(y) = ry é obviamente injectiva, e<br />
portanto o cardinal <strong>de</strong> N não exce<strong>de</strong> o cardinal <strong>de</strong> Q.<br />
y ′′<br />
y ′<br />
x1 ry x2 ry ′ ry ′′<br />
Figura 2.4.2: Os pontos y,y ′ ,y ′′ ∈ N, e os pontos ry,ry ′,ry ′′ ∈ Q<br />
(4) A é fechada para complementações: Dado E ⊆ R, o conjunto K =<br />
f(E) ∩ f(E c ) ⊆ N, por razões evi<strong>de</strong>ntes, e K é finito ou infinito<br />
numerável, <strong>de</strong> acordo com (3). Segue-se que K é Borel-mensurável,<br />
don<strong>de</strong> K ∈ M. Como f(E)∪f(E c ) = f(R), temos então (figura 2.4.3)<br />
f(E c ) = [f(R)\f(E)] ∪ K<br />
f(R) é um intervalo, porque R o é, e f(E) ∈ M quando E ∈ A.<br />
Po<strong>de</strong>mos neste caso concluir que f(E c ) ∈ M, ou seja, E c ∈ A.<br />
Concluímos <strong>de</strong> (1), (2) e (4) que A é uma σ-álgebra que contém os intervalos,<br />
e portanto A contém os abertos e os conjuntos Borel-mensuráveis.<br />
Tomando M = B(R) concluímos em particular que as funções contínuas<br />
crescentes transformam conjuntos Borel-mensuráveis em conjuntos Borelmensuráveis,<br />
ou seja,
2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 135<br />
f(E) K = f(E) ∩ f(E c )<br />
f(E c )<br />
Figura 2.4.3: f(E c ) = [f(R)\f(E)] ∪ K, e K ⊆ N é numerável.<br />
Teorema 2.4.12. Se f : R → R é uma função contínua crescente e E ∈<br />
B(R) então f(E) ∈ B(R).<br />
Exemplo 2.4.13.<br />
O resultado anterior permite-nos apresentar um conjunto E nulo, e por isso<br />
Lebesgue-mensurável, que não é Borel-mensurável. Usamos um engenhoso<br />
argumento indirecto, que combina diversos exemplos que já mencionámos: a<br />
“escada do diabo” F (1.5.9), o conjunto <strong>de</strong> Cantor C (1.3.9), e o exemplo <strong>de</strong><br />
Vitali V (2.4.4). Limitamo-nos a observar que:<br />
a) Como F(C) = [0, 1] e V ⊂ [0, 1], existe E ⊂ C tal que F(E) = V .<br />
b) E ⊂ C é um conjunto Jordan-mensurável <strong>de</strong> conteúdo nulo, e portanto<br />
E é Lebesgue-mensurável. C é evi<strong>de</strong>ntemente um conjunto <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong><br />
medida nula.<br />
c) Pelo teorema 2.4.12, se E ∈ B(R) então F(E) ∈ B(R).<br />
d) V = F(E) não é Borel-mensurável, já que nem sequer é Lebesgue-mensurável.<br />
Segue-se <strong>de</strong> c) que E não é Borel-mensurável.<br />
Mostrámos assim que<br />
• Existem conjuntos Lebesgue-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />
• Existem conjuntos Jordan-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />
• O espaço <strong>de</strong> Borel não é completo, e<br />
•<br />
É possível que uma função contínua transforme conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />
em conjuntos não-mensuráveis.<br />
Exemplo 2.4.14.<br />
O Exemplo <strong>de</strong> Sierpinski( 33 ): Retomamos a relação <strong>de</strong> equivalência referida<br />
no exemplo <strong>de</strong> Vitali, ou seja, se x, y ∈ R, então x ∼ y se e só se x − y ∈ Q.<br />
Notamos que, se x ∈ Q, então x ∼ −x, ou seja, as classes <strong>de</strong> equivalência<br />
33 Este exemplo é uma adaptação do apresentado em Sierpinski, W. Sur un problème<br />
conduisant à un ensemble non mesurable. Fund. Math. 10 (1927) 177-179. Waclaw<br />
Sierpinski, 1882-1969, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Varsóvia, foi um dos mais produtivos<br />
matemáticos polacos do século XX.
136 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
[x] e [−x] são distintas, porque x − (−x) = 2x ∈ Q é equivalente a x ∈ Q.<br />
Designamos o conjunto <strong>de</strong> todas as classes [x] por R/Q ( 34 ).<br />
• Consi<strong>de</strong>ramos a família W = {{[x], [−x]} : x ∈ R}, e mais uma vez<br />
usamos o axioma <strong>de</strong> escolha para seleccionar em cada conjunto {[x], [−x]}<br />
uma das classes <strong>de</strong> equivalência que o constituem (claro que quando x ∈ Q<br />
existe apenas uma classe para seleccionar, que é [0]). Mais precisamente,<br />
observamos que existe uma função “<strong>de</strong> escolha” f : W → R/Q tal que<br />
f(ω) ∈ ω para qualquer ω ∈ W.<br />
• O exemplo <strong>de</strong> Sierpinski é o conjunto S = {x ∈ R : [x] ∈ f(W)},<br />
ou seja, é formado pelos reais cujas classes <strong>de</strong> equivalência foram seleccionadas<br />
pela função <strong>de</strong> escolha f. Note-se que, se r ∈ Q,<br />
(1) S + r = S e S c + r = S c , e<br />
(2) Se x ∈ Q, então r + x ∈ S ⇐⇒ r − x ∈ S c .<br />
É fácil obter <strong>de</strong> (2) que a reflexão do conjunto S em qualquer racional<br />
é o conjunto Q ∪ S c , e a reflexão <strong>de</strong> S c em qualquer racional é o conjunto<br />
S\Q. Como a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob reflexões e Q é<br />
um conjunto nulo, po<strong>de</strong>mos alargar esta observação para<br />
Lema 2.4.15. Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos racionais, então<br />
m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S c ∩ I).<br />
Demonstração. Seja F = I\Q, q ∈ Q o ponto médio do intervalo I, e F − e<br />
F + os conjuntos formados pelos pontos <strong>de</strong> F respectivamente à esquerda e<br />
à direita <strong>de</strong> q, ou seja,<br />
F − = {x ∈ F : x < q} e F + = {x ∈ F : x > q}.<br />
Sendo ρ : R → R a reflexão em q, i.e., ρ(q + x) = q − x, notamos que<br />
q + x ∈ S ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S c ∩ F − , ou seja, S c ∩ F − = ρ(S ∩ F + )<br />
q + x ∈ S c ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S ∩ F − , ou seja, S c ∩ F + = ρ(S ∩ F − )<br />
Como a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob reflexões, temos<br />
m ∗ (S c ∩ F − ) = m ∗ (S ∩ F + ) e m ∗ (S c ∩ F + ) = m ∗ (S ∩ F − ).<br />
Os conjuntos F + e F − são mensuráveis, disjuntos e F = F + ∪F − , e portanto<br />
m ∗ (S ∩ F) = m ∗ (S ∩ F + ) + m ∗ (S ∩ F − ) =<br />
= m ∗ (S c ∩ F − ) + m ∗ (S c ∩ F + ) = m ∗ (S c ∩ F).<br />
m ∗ (I\F) = 0, don<strong>de</strong> m ∗ (S ∩I) = m ∗ (S ∩F) = m ∗ (S c ∩F) = m ∗ (S c ∩I).<br />
34 R/Q é na verda<strong>de</strong> um grupo quociente do grupo aditivo dos reais, porque Q é um<br />
subgrupo normal <strong>de</strong> R, mas não usamos esse facto aqui.
2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 137<br />
A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é também invariante sob translacções, o<br />
que nos permite obter<br />
Lema 2.4.16. Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos racionais então m ∗ (S ∩I) =<br />
λ m(I), on<strong>de</strong> λ = m ∗ (S ∩ [0,1]) ≥ 1/2.<br />
Demonstração. No que se segue, I e J são intervalos <strong>de</strong> extremos racionais.<br />
Começamos por mostrar que<br />
(i) m(I) = m(J) =⇒ m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S ∩ J).<br />
É claro que se m(I) = m(J) então J é uma translacção <strong>de</strong> I, e no caso<br />
presente existe r ∈ Q tal que J = I + r. Notámos em (2) que S e S c<br />
são invariantes sob translacções racionais, e concluímos que S ∩ J é uma<br />
translacção <strong>de</strong> S ∩ I, já que<br />
(S ∩ I) + r = (S + r) ∩ (I + r) = S ∩ J, don<strong>de</strong> m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S ∩ J).<br />
Mostramos agora que, se n ∈ N,<br />
(ii) m(I) = n m(J) =⇒ m ∗ (S ∩ I) = n m ∗ (S ∩ J).<br />
É claro que existe uma partição <strong>de</strong> I em n subintervalos I1,I2, · · · ,In, cada<br />
um <strong>de</strong> extremos racionais e comprimento m(J), e temos assim que<br />
m ∗ (S ∩ I) =<br />
n<br />
m ∗ (S ∩ Ik) =<br />
k=1<br />
n<br />
k=1<br />
m ∗ (S ∩ J) = n m ∗ (S ∩ J).<br />
Para terminar, continuamos a supor que I é um intervalo <strong>de</strong> extremos<br />
racionais, e notamos sucessivamente <strong>de</strong> (i) e (ii) que<br />
• Se m(I) = n então m ∗ (S ∩ I) = n m ∗ (S ∩ [0,1]) = n λ,<br />
• Se m(I) = 1/n então m ∗ (S ∩ I) = λ/n, e<br />
• Em qualquer caso, m ∗ (S ∩ I) = λ m(I).<br />
É evi<strong>de</strong>nte que m ∗ (S ∩ [0,1]) ≤ 1, i.e., λ ≤ 1, mas temos também<br />
m(I) ≤ m ∗ (S ∩ I) + m ∗ (S c ∩ I) = 2λ m(I) =⇒ λ ≥ 1/2.<br />
Os resultados anteriores po<strong>de</strong>m ser generalizados na seguinte forma:<br />
Lema 2.4.17. Se E ∈ L(R) então m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = λ m(E).
138 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Observamos primeiro que se A ⊂ B são conjuntos mensuráveis<br />
e T é um conjunto arbitrário então<br />
m ∗ (T ∩ B) = m ∗ (T ∩ A) + m ∗ (T ∩ (B\A)) ≤ m ∗ (T ∩ A) + m(B\A).<br />
Em particular, se m(B\A) < ε então<br />
(i) m ∗ (T ∩ A) ≤ m ∗ (T ∩ B) ≤ m ∗ (T ∩ A) + ε.<br />
Se I é um qualquer intervalo limitado é evi<strong>de</strong>nte que existem intervalos <strong>de</strong><br />
extremos racionais In ⊇ I tais que m(In\I) → 0. Tomando em (i) A = I e<br />
B = In obtemos m ∗ (T ∩ In) → m ∗ (T ∩ I). Concluímos dos lemas 2.4.15 e<br />
2.4.16 que<br />
(ii) Se I é um intervalo limitado então m ∗ (S ∩ I) = λ m(I) = m ∗ (S c ∩ I).<br />
É imediato generalizar (ii) para intervalos ilimitados.<br />
Qualquer aberto U ⊆ R é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos<br />
In. De acordo com o exercício 13 da secção 2.2 e (ii) temos<br />
m ∗ (S ∩ U) =<br />
∞<br />
m ∗ (S ∩ In) =<br />
n=1<br />
∞<br />
λ m(In) = λ m(U).<br />
n=1<br />
A mesma observação é válida substituindo S por S c e portanto<br />
(iii) Se U é um aberto então m ∗ (S ∩ U) = λ m(I) = m ∗ (S c ∩ U).<br />
A conclusão da <strong>de</strong>monstração é parte do exercício 5.<br />
O principal resultado sobre o exemplo <strong>de</strong> Sierpinski é o seguinte:<br />
Teorema 2.4.18. Se E ∈ L(R) então m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = m(E).<br />
Em particular, S não é Lebesgue-mensurável.<br />
Demonstração. Sabemos que 1/2 ≤ λ ≤ 1, e provamos que na realida<strong>de</strong><br />
λ = 1, argumentando por contradição. Supomos assim que m ∗ (S ∩ [0,1]) =<br />
λ < 1.<br />
É claro que existe um aberto U ⊇ S ∩ [0,1] tal que m(U) < 1, e consi<strong>de</strong>ramos<br />
o conjunto K = [0,1]\U. Notamos que K é fechado, m(K) > 0 e<br />
K ∩ S = ∅, e concluímos que λ = 1, porque<br />
0 = λ m(K) = m ∗ (S ∩ K) = m ∗ (∅) = 0 é impossível.<br />
Para mostrar que S não é mensurável, argumentamos igualmente por<br />
contradição: Se S é mensurável e E é também mensurável com 0 < m(E) <<br />
∞ então m(E) = m(S ∩ E) + m(S c ∩ E) = 2 m(E), o que é impossível.
2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 139<br />
O conjunto <strong>de</strong> Sierpinski S permite-nos construir outros exemplos interessantes,<br />
alguns dos quais referidos no próximo teorema, cuja <strong>de</strong>monstração<br />
<strong>de</strong>ixamos para o exercício 5.<br />
Teorema 2.4.19. Definimos a classe M e a função µ : M → [0, ∞] por<br />
M = {(E ∩ S) ∪ (F ∩ S c ) : E,F ∈ L(R)} e<br />
µ(A) = 1<br />
2 m∗ (A ∩ S) + 1<br />
2 m∗ (A ∩ S c ).<br />
Temos então que (R, M,µ) é um espaço <strong>de</strong> medida, uma extensão não trivial<br />
do espaço <strong>de</strong> Lebesgue e uma solução não regular do Problema <strong>de</strong> Borel.<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que o conjunto A referido na discussão do exemplo <strong>de</strong> Vitali não é<br />
Lebesgue-mensurável.<br />
2. Mostre que o conjunto A indicado na discussão do exemplo <strong>de</strong> Vitali po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> modo que m ∗ (A) < ε, on<strong>de</strong> ε > 0 é arbitrário.<br />
3. Adapte a <strong>de</strong>finição do exemplo <strong>de</strong> Vitali para obter um subconjunto nãomensurável<br />
<strong>de</strong> um qualquer conjunto E ⊆ RN com m∗ N (E) > 0. Conclua que<br />
(E) > 0.<br />
E tem subconjuntos não-mensuráveis se e só se m ∗ N<br />
4. Suponha que f : R → R é uma função contínua crescente. Prove que f<br />
transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos se e só se transforma conjuntos<br />
Lebesgue-mensuráveis em conjuntos Lebesgue-mensuráveis.<br />
5. Este exercício refere-se ao exemplo <strong>de</strong> Sierpinski S:<br />
a) Mostre que m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = λ m(E) para qualquer E ∈ R,<br />
para concluir a <strong>de</strong>monstração do lema 2.4.17. sugestão: Recor<strong>de</strong> que a<br />
afirmação está <strong>de</strong>monstrada quando E é um aberto.<br />
b) Mostre que os conjuntos T ⊆ S com m ∗ (T) > 0 não são Lebesguemensuráveis.<br />
Observe que se m(E) > 0 então E ∩ S é um subconjunto<br />
<strong>de</strong> E que não é Lebesgue-mensurável, o que é outra forma <strong>de</strong> esclarecer<br />
a questão do exercício 3.<br />
c) Qual é a σ-álgebra gerada por S e pelos conjuntos elementares?<br />
d) Demonstre o teorema 2.4.19. sugestão: Verifique que M é uma σálgebra<br />
e µ é uma medida.<br />
2.5 <strong>Medida</strong>s Exteriores<br />
A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é apenas um exemplo concreto <strong>de</strong> uma classe<br />
<strong>de</strong> funções σ-subaditivas, ditas medidas exteriores, que têm um papel auxiliar,<br />
mas importante, na Teoria da <strong>Medida</strong>. São <strong>de</strong>finidas como se segue:
140 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Definição 2.5.1 (<strong>Medida</strong>s Exteriores). A função λ : P(X) → [0,+∞] diz-se<br />
uma medida exterior em X se e só se λ é σ-subaditiva, e λ(∅) = 0.<br />
A principal restrição na <strong>de</strong>finição anterior é, para além da σ-subaditivida<strong>de</strong>,<br />
o facto <strong>de</strong> λ estar <strong>de</strong>finida para todos os subconjuntos <strong>de</strong> X. A<br />
importância das medidas exteriores resulta, como veremos nesta secção, <strong>de</strong><br />
que qualquer medida exterior λ <strong>de</strong>termina uma σ-álgebra <strong>de</strong> conjuntos, ditos<br />
λ-mensuráveis, e a restrição <strong>de</strong> λ a essa classe é sempre uma medida. De<br />
forma mais sucinta,<br />
Qualquer medida exterior <strong>de</strong>termina um espaço <strong>de</strong> medida.<br />
Exemplos 2.5.2.<br />
1. A função λ : P(X) → [0, +∞], dada por<br />
<br />
0, se E = ∅, e<br />
λ(E) =<br />
1, se E = ∅,<br />
é uma medida exterior. A função λ não é aditiva, e não é uma medida, excepto<br />
nos casos triviais em que X é vazio, ou tem apenas um elemento.<br />
2. Se R é um subconjunto limitado <strong>de</strong> R N , o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan está<br />
<strong>de</strong>finido para qualquer subconjunto E <strong>de</strong> R, e vimos, nos exercícios do capítulo<br />
anterior, que é uma função subaditiva. Deixamos para os exercícios<br />
<strong>de</strong>sta secção verificar que, no entanto, o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan não é<br />
σ-subaditivo, e, portanto, não é uma medida exterior em R.<br />
O próximo resultado é muito simples <strong>de</strong> provar.<br />
Teorema 2.5.3. Qualquer medida exterior é monótona e subaditiva.<br />
Utilizaremos com alguma frequência o seguinte procedimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> medidas exteriores.<br />
Teorema 2.5.4. Seja X um conjunto, S uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X,<br />
e λ : S → [0, ∞] uma função. Suponha-se que:<br />
a) ∅ ∈ S, e λ(∅) = 0,<br />
b) Existem conjuntos Sn ∈ S, tais que X = ∪ ∞ n=1 Sn( 35 ), e<br />
c) λ ∗ : P(X) → [0, ∞] é dada por<br />
λ ∗ <br />
∞<br />
(E) = inf λ(Sn) : E ⊆<br />
n=1<br />
∞<br />
<br />
Sn,Sn ∈ S .<br />
n=1<br />
35 Dizemos neste caso que S é uma cobertura sequencial <strong>de</strong> X.
2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 141<br />
Então λ ∗ é uma medida exterior em X.<br />
Demonstração. Como ∅ ∈ S, tomamos Sn = ∅ para qualquer n ∈ N, para<br />
concluir que λ ∗ (∅) = 0. Para provar que λ ∗ é σ-subaditivo, consi<strong>de</strong>ramos<br />
conjuntos E,En ⊆ X, on<strong>de</strong><br />
E ⊆<br />
∞<br />
En.<br />
Dado ε > 0 arbitrário, existem conjuntos Smn, com n,m ∈ N, tais que<br />
∞<br />
En ⊆ Smn, e λ ∗ ∞<br />
(En) ≤ λ(Smn) ≤ λ ∗ (En) + ε<br />
2n. m=1<br />
n=1<br />
m=1<br />
A família {Smn : n,m ∈ N} é uma cobertura numerável <strong>de</strong> E por conjuntos<br />
em S, i.e., E ⊆ ∪ ∞ n=1 ∪∞ m=1 Smn, e portanto<br />
λ ∗ (E) ≤<br />
∞<br />
n=1 m=1<br />
∞<br />
∞<br />
λ(Smn) ≤ [λ ∗ (En) + ε<br />
∞<br />
] ≤ ε + λ<br />
2n ∗ (En).<br />
n=1<br />
Fazendo ε → 0, obtemos o resultado pretendido.<br />
Exemplos 2.5.5.<br />
1. Designando por R(R N ) a classe dos rectângulos-N limitados, é claro que<br />
R(R N ) é uma cobertura sequencial <strong>de</strong> X = R N . A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue<br />
em R N po<strong>de</strong> ser obtida fazendo S = R(R N ), e λ = cN.<br />
2. Generalizando o exemplo anterior, qualquer função λ : R(R N ) → [0, ∞] que<br />
n=1<br />
satisfaça λ(∅) = 0 <strong>de</strong>termina uma medida exterior λ ∗ em R N , dada por<br />
λ ∗ <br />
∞<br />
∞<br />
(E) = inf λ(Rn) : E ⊆<br />
n=1<br />
n=1<br />
Rn, Rn ∈ R(R N )<br />
3. A classe F(R) formada pelos intervalos da forma ]a, b] é uma cobertura sequencial<br />
<strong>de</strong> R. Vimos no exemplo 1.2.5.5 que qualquer função F : R → R<br />
<strong>de</strong>termina uma função λ : F(R) → R, dada por λ(]a, b]) = F(b) − F(a). Supondo<br />
que F é crescente, a função λ∗ : P(R) → [0, ∞], dada por<br />
λ ∗ <br />
∞<br />
∞<br />
<br />
(E) = inf [F(bn) − F(an)] : E ⊆ ]an, bn],<br />
n=1<br />
é uma medida exterior em R.<br />
4. Dados espaços <strong>de</strong> medida (X, M, µ) e (Y, N, ν), é por vezes conveniente<br />
<strong>de</strong>finir uma medida “produto” em X × Y , que aqui <strong>de</strong>signaremos por µ ⊗ ν.<br />
Esta medida <strong>de</strong>ve ser tal que( 36 )<br />
n=1<br />
se A ∈ M e B ∈ N então (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B).<br />
36 Note que a condição indicada é especialmente natural quando os espaços em causa<br />
são espaços <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />
<br />
.
142 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Para <strong>de</strong>finir a medida µ ⊗ν, consi<strong>de</strong>raremos primeiro a classe S formada pelos<br />
conjuntos que são produtos cartesianos da forma A×B, com A ∈ M e B ∈ N.<br />
Esta classe contém o conjunto X ×Y , e é portanto uma cobertura sequencial <strong>de</strong><br />
X ×Y . Definimos λ : S → [0, ∞] por λ(A×B) = µ(A)ν(B). A medida exterior<br />
λ ∗ <strong>de</strong>terminada pela função λ nos termos do teorema 2.5.4 será utilizada para<br />
<strong>de</strong>finir os conjuntos mensuráveis em X × Y e a medida µ ⊗ ν.<br />
5. Seja µ uma medida positiva em R N <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M que contém<br />
os abertos. Se E ⊆ R N , <strong>de</strong>finimos µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }.<br />
É fácil verificar que µ ∗ é uma medida exterior (exercício 5), e notamos da<br />
<strong>de</strong>finição 2.3.13 que µ é regular em N ⊆ M se e só se µ(E) = µ ∗ (E), para<br />
qualquer E ∈ N.<br />
Os resultados <strong>de</strong>sta secção são como dissémos aplicáveis a qualquer medida<br />
exterior, e <strong>de</strong>vem-se sobretudo a Caratheodory( 37 ). Dada uma medida<br />
exterior µ ∗ , propomo-nos aqui:<br />
• Definir os conjuntos ditos “µ ∗ -mensuráveis”,<br />
• Mostrar que µ ∗ é aditiva na classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, e<br />
• Provar que a classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis é uma σ-álgebra.<br />
Deve ser claro que neste caso a restrição <strong>de</strong> µ ∗ à classe dos conjuntos µ ∗ -<br />
mensuráveis é uma medida, ou seja, a medida exterior µ ∗ <strong>de</strong>termina um<br />
espaço <strong>de</strong> medida, como referimos no início <strong>de</strong>sta secção. Começamos por<br />
abstrair do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue (2.2.8) o que chamamos:<br />
2.5.6 (Problema <strong>de</strong> Caratheodory). Dada uma medida exterior µ ∗ em X,<br />
<strong>de</strong>terminar uma σ-álgebra M on<strong>de</strong> µ ∗ seja aditiva.<br />
Resolveremos este problema usando uma i<strong>de</strong>ia directamente sugerida<br />
pela <strong>de</strong>finição 2.2.11.<br />
Definição 2.5.7 (Conjuntos µ ∗ -Mensuráveis). Dada uma medida exterior<br />
µ ∗ em X, o conjunto E ⊆ X diz-se µ ∗ -mensurável se e só se<br />
µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E), para qualquer conjunto F em X.<br />
Designamos a classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis por Mµ ∗.<br />
Exemplos 2.5.8.<br />
1. No caso da medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue, os conjuntos m∗ N-mensuráveis são,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente, os conjuntos que são Lebesgue-mensuráveis no sentido <strong>de</strong> 2.2.11.<br />
37 Constantin Caratheodory (1873-1950), matemático alemão, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> Munique.
2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 143<br />
2. A medida <strong>de</strong> Dirac δ num qualquer conjunto X está <strong>de</strong>finida em toda a classe<br />
P(X), e é σ-subaditiva, porque é σ-aditiva. É, portanto, também uma medida<br />
exterior. Neste caso, qualquer conjunto E ⊆ X é δ-mensurável, porque sendo<br />
δ aditiva em P(X), a condição em 2.5.7 é satisfeita por qualquer E ⊆ X.<br />
3. Se X = ∅ é um conjunto e E ⊆ X, <strong>de</strong>finimos<br />
µ ∗ <br />
0, se E = ∅, e<br />
(E) =<br />
1, se E = ∅.<br />
É simples verificar que µ ∗ é uma medida exterior no conjunto X (trata-se do<br />
exemplo 2.5.2.1 referido atrás). Sendo E ⊆ X µ ∗ -mensurável, tomamos F = X<br />
em 2.5.7, para concluir que µ ∗ (X) = µ ∗ (E) + µ ∗ (E c ).<br />
Como X = ∅, sabemos que µ ∗ (X) = 1, e a igualda<strong>de</strong> anterior só po<strong>de</strong> ser válida<br />
se µ ∗ (E) = 0 ou µ ∗ (E c ) = 0, ou seja, se E = ∅ ou E c = ∅ ( i.e., se E = X).<br />
Por outras palavras, os únicos conjuntos que po<strong>de</strong>m ser µ ∗ -mensuráveis são ∅<br />
e X. Como estes conjuntos são sempre µ ∗ -mensuráveis (porquê?), neste caso<br />
os conjuntos µ ∗ -mensuráveis reduzem-se exactamente a ∅ e X.<br />
Passamos a <strong>de</strong>monstrar que Mµ ∗ é sempre uma álgebra, utilizando<br />
uma adaptação óbvia do argumento que usámos na proposição 2.2.13.<br />
Teorema 2.5.9. A classe Mµ ∗ é uma álgebra em X, i.e.,<br />
a) X ∈ Mµ ∗,<br />
b) Fecho em relação à complementação: A ∈ Mµ ∗ =⇒ Ac ∈ Mµ ∗, e<br />
c) Fecho em relação à intersecção: A,B ∈ Mµ ∗ =⇒ A ∩ B ∈ Mµ ∗.<br />
Demonstração. Deixamos as <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> a) e b) como exercício. Para<br />
provar c), temos a mostrar que se A,B ∈ Mµ ∗ então A ∩B ∈ Mµ ∗, ou seja,<br />
µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ), para qualquer F ⊆ X.<br />
Como µ ∗ é, por hipótese, subaditiva, temos apenas que mostrar que<br />
µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />
Para estimar µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ), notamos que<br />
F ∩ (A ∩ B) c = (F ∩ A c ) ∪ (F ∩ A ∩ B c ).<br />
(Observe-se a figura 2.2.2). Como µ ∗ é subaditiva, temos<br />
µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥ µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />
Somando µ ∗ (F ∩ A ∩ B) a ambos os membros <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, temos<br />
(i ) µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥<br />
≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).
144 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Como B ∈ Mµ ∗ e F ∩ A ⊆ X, usamos a <strong>de</strong>finição 2.5.7, com B em vez<br />
<strong>de</strong> E e F ∩ A em vez <strong>de</strong> F, para concluir que<br />
µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) = µ ∗ (F ∩ A).<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (i) po<strong>de</strong>, portanto, escrever-se na forma<br />
(ii) µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A) ≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />
Como A ∈ Mµ ∗ e F ⊆ X, temos µ∗ (F ∩A c ))+µ ∗ (F ∩A) = µ ∗ (F), e segue-se<br />
finalmente <strong>de</strong> (ii) que µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />
Mµ<br />
É extremamente simples mostrar que a função µ ∗ é aditiva na álgebra<br />
∗, e é sobretudo <strong>de</strong> sublinhar que, para que seja válida a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B), com A e B disjuntos,<br />
basta que um dos conjuntos A e B seja µ ∗ -mensurável.<br />
Lema 2.5.10. Se A e B são disjuntos e A ∈ Mµ ∗, então<br />
µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B).<br />
Demonstração. Utilizamos a <strong>de</strong>finição 2.5.7, com A no lugar <strong>de</strong> E e A ∪ B<br />
no lugar <strong>de</strong> F. Sendo A e B disjuntos, temos<br />
(A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B,<br />
don<strong>de</strong>, como A é mensurável, se segue que<br />
µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ ((A ∪ B) ∩ A) + µ ∗ ((A ∪ B)\A) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B).<br />
Este resultado po<strong>de</strong> ser generalizado, fazendo intervir um segundo conjunto<br />
arbitrário C, que também não necessita ser µ ∗ -mensurável.<br />
A B<br />
C<br />
Figura 2.5.1: B e C são arbitrários, A ∈ Mµ ∗.<br />
Proposição 2.5.11. Se A e B são disjuntos, C ⊆ X e A ∈ Mµ ∗, então<br />
µ ∗ (C ∩ (A ∪ B)) = µ ∗ (C ∩ A) + µ ∗ (C ∩ B).
2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 145<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto D dado por:<br />
D = C ∩ (A ∪ B) = (C ∩ A) ∪ (C ∩ B).<br />
Por hipótese, A ∈ Mµ ∗, don<strong>de</strong> temos, mais uma vez, que<br />
µ ∗ (D) = µ ∗ (D ∩ A) + µ ∗ (D\A).<br />
Como, obviamente, D ∩ A = C ∩ A, e D\A = C ∩ B, concluímos que<br />
µ ∗ (D) = µ ∗ (D ∩ A) + µ ∗ (D ∩ B).<br />
Este último resultado generaliza-se, por um simples argumento <strong>de</strong> indução<br />
finita, ao seguinte:<br />
Corolário 2.5.12. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos e F ⊆ X,então<br />
µ ∗ m<br />
( (F ∩En)) =<br />
n=1<br />
m<br />
n=1<br />
µ ∗ (F ∩En) e em particular µ ∗ (<br />
m<br />
En) =<br />
n=1<br />
m<br />
µ ∗ (En).<br />
É claro do lema 2.5.10 que a função µ ∗ é aditiva na álgebra Mµ ∗. Provamos<br />
a seguir uma forma generalizada da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>( 38 ),<br />
com a particularida<strong>de</strong> muito interessante <strong>de</strong> não necessitarmos supor, no seu<br />
enunciado, que o conjunto E = ∪∞ n=1En é µ ∗-mensurável. Teorema 2.5.13. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos e F ⊆ X, então<br />
µ ∗ ∞<br />
∞<br />
( (F ∩En)) = µ ∗ (F ∩En) e em particular µ ∗ ∞<br />
∞<br />
( En) = µ ∗ (En).<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
Demonstração. Mais uma vez, temos a provar apenas que<br />
µ ∗ (F ∩ E) ≥<br />
∞<br />
µ ∗ (F ∩ En).<br />
n=1<br />
Tomamos ˜ Em = ∪ m n=1 En. Usamos o corolário 2.5.12, com ˜ Em no lugar <strong>de</strong><br />
E, para concluir que µ ∗ (F ∩ ˜ Em) = m<br />
n=1 µ∗ (F ∩ En). Notamos que<br />
˜Em ⊆ E ⇒ F ∩ ˜ Em ⊆ F ∩ E ⇒<br />
Obtemos, finalmente, que<br />
m<br />
m<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
µ ∗ (F ∩ En) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) ≤ µ ∗ (F ∩ E).<br />
lim µ<br />
m→+∞<br />
n=1<br />
∗ (F ∩ En) ≤ µ ∗ (F ∩ E), i.e., µ<br />
n=1<br />
∗ (F ∩ En) ≤ µ ∗ (F ∩ E).<br />
38 Recor<strong>de</strong> o exercício 13 da secção 2.2.<br />
∞
146 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Já <strong>de</strong>monstrámos para qualquer medida exterior µ ∗ que:<br />
• Mµ ∗ é uma álgebra,<br />
• µ ∗ é aditiva, e portanto σ-aditiva, em Mµ ∗.<br />
Para mostrar que Mµ ∗ é solução do Problema 2.5.6, resta-nos provar que<br />
• Mµ ∗ é uma σ-álgebra, i.e., é fechada em relação a uniões numeráveis.<br />
É precisamente o facto <strong>de</strong> termos <strong>de</strong>monstrado o teorema anterior sem<br />
supor que ∪∞ n=1En ∈ Mµ ∗ que agora nos permite provar que, na realida<strong>de</strong>,<br />
temos sempre ∪∞ n=1En ∈ Mµ ∗. Começamos por verificar esta afirmação, no<br />
caso especial <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> conjuntos disjuntos.<br />
Lema 2.5.14. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos, então<br />
E =<br />
∞<br />
En ∈ Mµ ∗.<br />
n=1<br />
Demonstração. Sendo F ⊆ X arbitrário, temos a provar que<br />
µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />
Definimos, novamente, ˜ Em = ∪m n=1En, e notamos que ˜ Em ∈ Mµ ∗, porque<br />
Mµ ∗ é uma álgebra. Temos portanto µ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ ˜ Ec m).<br />
É evi<strong>de</strong>nte da monotonia <strong>de</strong> µ ∗ que<br />
µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ ˜ E c m) ≥ µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />
De acordo com 2.5.12, temos µ ∗ (F ∩ ˜ Em) = m<br />
n=1 µ∗ (F ∩ En) e, por isso,<br />
µ ∗ (F) ≥<br />
m<br />
n=1<br />
Fazendo m → +∞, obtemos µ ∗ (F) ≥<br />
µ ∗ (F ∩ En) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />
n=1<br />
Observamos finalmente <strong>de</strong> 2.5.13 que µ ∗ (F ∩ E) = ∞ n=1 µ∗ (F ∩ En), e<br />
concluímos assim que µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F ∩ Ec ).<br />
∞<br />
µ ∗ (F ∩ En) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />
O principal resultado <strong>de</strong>sta secção é agora quase evi<strong>de</strong>nte.<br />
Teorema 2.5.15. Mµ ∗ é uma σ-álgebra e a restrição <strong>de</strong> µ∗ a Mµ ∗ é uma<br />
medida positiva.
2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 147<br />
Demonstração. Para verificar que Mµ ∗ é fechada em relação a uniões numeráveis,<br />
supomos que os conjuntos En ∈ Mµ ∗, e <strong>de</strong>finimos<br />
˜E1 = E1 e, para m > 1, ˜ m−1 <br />
Em = Em\ En.<br />
Os conjuntos ˜ Em pertencem a Mµ ∗, porque Mµ ∗ é uma álgebra. Estes<br />
conjuntos são, evi<strong>de</strong>ntemente, disjuntos. Como E = ∞ n=1 ˜ En = ∞ n=1 En,<br />
n=1<br />
concluímos <strong>de</strong> 2.5.14 que E ∈ Mµ ∗, i.e., Mµ ∗ é uma σ-álgebra.<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que, se µ ∗ é uma medida exterior e µ ∗ (E) = 0, então F ⊆ E ⇒ F é<br />
µ ∗ -mensurável e µ(F) = 0.<br />
2. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.5.9.<br />
3. Se R é um subconjunto limitado <strong>de</strong> R N , o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan está<br />
<strong>de</strong>finido para qualquer subconjunto E <strong>de</strong> R. Verifique que o conteúdo exterior<br />
<strong>de</strong> Jordan, apesar <strong>de</strong> subaditivo, não é σ-subaditivo e portanto não é uma<br />
medida exterior em R.(Exemplo 2.5.2.2)<br />
4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a função µ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />
dada é uma medida exterior e <strong>de</strong>screva os conjuntos µ ∗ -mensuráveis.<br />
a) µ ∗ (E) = #(E).<br />
b) µ ∗ <br />
0, se E é finito ou numerável,<br />
(E) =<br />
1, se E é não-numerável.<br />
(Suponha, aqui, X infinito não-numerável.)<br />
5. Seja µ uma medida positiva em R N <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M que contém<br />
os abertos. Sendo µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }, mostre que µ ∗ é<br />
uma medida exterior.<br />
6. Suponha que µ ∗ é uma medida exterior em X, F ⊆ X, e λ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />
é dada por λ ∗ (E) = µ ∗ (E ∩ F). Mostre que λ ∗ é uma medida exterior. Qual<br />
é a relação entre os conjuntos µ ∗ -mensuráveis e os conjuntos λ ∗ -mensuráveis?<br />
7. Suponha que µ ∗ n : P(X) → [0, +∞] é uma medida exterior para qualquer<br />
n ∈ N e prove que µ ∗ , dada por µ ∗ (E) = ∞ n=1 µ∗n (E), é igualmente uma<br />
medida exterior em X.<br />
8. Dado o espaço <strong>de</strong> medida (X, M, µ), <strong>de</strong>finimos a função λ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />
por λ ∗ (E) = inf {µ(S) : E ⊆ S, S ∈ M}. Prove as seguintes afirmações:<br />
a) λ ∗ é uma medida exterior e, sendo Mλ ∗ a classe dos conjuntos λ∗ -<br />
mensuráveis, M ⊆ Mλ ∗,
148 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) λ ∗ (F) = 0 se e só se existe E ∈ M tal que F ⊆ E e µ(E) = 0. Em<br />
particular, (X, M, µ) é completo se e só se λ ∗ (E) = 0 ⇒ E ∈ M.<br />
c) Se o espaço (X, M, µ) é finito e λ é a restrição <strong>de</strong> λ∗ a Mλ∗, prove que<br />
(X, Mλ∗, λ) = (X, Mµ, µ), tal como este espaço foi <strong>de</strong>finido em 2.3.17.<br />
d) Mostre que a conclusão da alínea anterior é ainda válida, supondo apenas<br />
que o espaço (X, M, µ) é σ-finito.<br />
e) Verifique que, quando (X, M, µ) não é σ-finito, po<strong>de</strong>mos ter (X, Mλ ∗, λ) =<br />
(X, Mµ, µ).
Capítulo 3<br />
Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
A exposição que se segue é, em certo sentido, uma adaptação directa das<br />
i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Jordan e Peano apresentadas no Capítulo 1: resulta <strong>de</strong>stas pela<br />
simples substituição do conteúdo <strong>de</strong> Jordan pela medida <strong>de</strong> Lebesgue. A correspon<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong>finição do integral é a que Lebesgue chamava <strong>de</strong> “geométrica”,<br />
e tem como principal vantagem a <strong>de</strong> tornar evi<strong>de</strong>nte a relação entre alguns<br />
dos principais resultados da Teoria da <strong>Medida</strong> e da Teoria da Integração.<br />
Neste contexto, as funções Lebesgue-mensuráveis são as funções cujas<br />
regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas são conjuntos Lebesgue-mensuráveis. Analogamente,<br />
as funções Borel-mensuráveis são aquelas cujas regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas são conjuntos<br />
Borel-mensuráveis. Os respectivos integrais <strong>de</strong> Lebesgue são <strong>de</strong>finidos<br />
usando a medida <strong>de</strong> Lebesgue das suas regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, e dizem-se, por<br />
isso, “em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue”.<br />
Estabelecemos muito rapidamente algumas das proprieda<strong>de</strong>s mais relevantes<br />
do integral <strong>de</strong> Lebesgue, usando frequentemente argumentos conhecidos<br />
do Capítulo 1. As vantagens técnicas do integral <strong>de</strong> Lebesgue começarão<br />
a tornar-se aparentes quando estudarmos os resultados clássicos sobre limites<br />
e integrais, hoje conhecidos como o teorema da convergência monótona,<br />
ou <strong>de</strong> Beppo Levi, e o teorema da convergência dominada, ou <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Estes resultados são centrais na mo<strong>de</strong>rna teoria da integração, e são reflexos<br />
directos das “proprieda<strong>de</strong>s essenciais” i<strong>de</strong>ntificadas no enunciado do<br />
Problema <strong>de</strong> Borel.<br />
Estudamos, em seguida, o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue. Este teorema<br />
estabelece a mensurabilida<strong>de</strong> das secções <strong>de</strong> qualquer conjunto mensurável, e<br />
exprime a medida <strong>de</strong>sse conjunto como o integral da medida das suas secções,<br />
convenientemente escolhidas. Um corolário directo, mas fundamental, do<br />
teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue permite-nos caracterizar as funções mensuráveis<br />
<strong>de</strong> uma forma mais conveniente para o <strong>de</strong>senvolvimento da teoria: as<br />
funções mensuráveis são limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções simples mensuráveis.<br />
Os integrais <strong>de</strong>stas funções simples <strong>de</strong>sempenham, na teoria <strong>de</strong> Lebesgue, o<br />
papel das somas <strong>de</strong> Darboux na teoria <strong>de</strong> Riemann.<br />
149
150 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
A aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções simples, combinada<br />
com a relativa facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo das próprias funções simples, vai-nos<br />
ainda permitir provar neste Capítulo mais algumas proprieda<strong>de</strong>s importantes<br />
das funções mensuráveis e dos respectivos integrais. Repetimos aqui<br />
argumentos conhecidos do Capítulo 1 mas, neste caso, os teoremas sobre integração<br />
e passagem ao limite conduzem-nos a resultados muito elegantes e<br />
fáceis <strong>de</strong> aplicar, em particular sobre a integração <strong>de</strong> séries. Como corolário<br />
<strong>de</strong>stes, obtemos uma versão preliminar do clássico Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer.<br />
Terminamos o Capítulo estudando a aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis<br />
por funções contínuas. Como veremos, os resultados associados a esta questão<br />
reflectem, essencialmente, os que já estudámos sobre a aproximação <strong>de</strong><br />
conjuntos mensuráveis por conjuntos fechados e por conjuntos abertos, ou<br />
seja, reflectem a regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
3.1 O Integral <strong>de</strong> Lebesgue<br />
A figura 3.1.1 é o ponto <strong>de</strong> partida da teoria <strong>de</strong> Lebesgue, como o foi para<br />
a teoria <strong>de</strong> Riemann. É <strong>de</strong> notar que, em resultado directo <strong>de</strong> substituir os<br />
R<br />
E<br />
Figura 3.1.1:<br />
Ω +<br />
<br />
f<br />
Ω −<br />
R N+1<br />
R N<br />
fdmN = mN+1(Ω<br />
E<br />
+ ) − mN+1(Ω − )<br />
conjuntos Jordan-mensuráveis, e o conteúdo <strong>de</strong> Jordan, pelos conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />
e pela medida <strong>de</strong> Lebesgue, as nossas <strong>de</strong>finições básicas<br />
passam a ser aplicáveis a funções ilimitadas, ou mesmo com valores infinitos,<br />
e po<strong>de</strong>ndo ser, além disso, diferentes <strong>de</strong> zero em conjuntos igualmente ilimitados.<br />
Em particular, e como veremos, muitos dos integrais que se dizem<br />
impróprios na teoria <strong>de</strong> Riemann são integrais <strong>de</strong> Lebesgue, no sentido aqui<br />
<strong>de</strong>finido.
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 151<br />
Definição 3.1.1 (Funções mensuráveis, Integrais <strong>de</strong> Lebesgue). Se E ⊆<br />
S ⊆ R N , e f : S → R, então<br />
a) f é lebesgue-mensurável em E se e só se o conjunto ΩE(f) é Lebesgue-mensurável<br />
em R N+1 . Analogamente, f é borel-mensurável<br />
em E se e só se o conjunto ΩE(f) é Borel-mensurável em R N+1 .<br />
b) Se f é Lebesgue-mensurável em E, e pelo menos um dos conjuntos<br />
Ω +<br />
E (f) e Ω+<br />
E (f) tem medida finita, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f<br />
(em or<strong>de</strong>m a mN) em E é dado por<br />
<br />
fdmN =<br />
E<br />
E<br />
f(x)dx = mN+1(Ω +<br />
−<br />
E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />
c) f é lebesgue-somável em E se e só f é Lebesgue-mensurável em E,<br />
e mN+1(ΩE(f)) < ∞.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que as funções Borel-mensuráveis são Lebesgue-mensuráveis,<br />
e é simples exibir funções Lebesgue-mensuráveis, e mesmo Riemannintegráveis,<br />
que não são Borel-mensuráveis (exercício 4).<br />
Exemplificamos abaixo o cálculo <strong>de</strong> alguns integrais <strong>de</strong> Lebesgue:<br />
Exemplos 3.1.2.<br />
1. Funções Riemann-integráveis: A função f : E → R é Riemann-integrável<br />
em E se e só se ΩE(f) é Jordan-mensurável. Neste caso, ΩE(f) é, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
Lebesgue-mensurável, e portanto f é Lebesgue-mensurável em E. O<br />
integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f sobre E é dado por<br />
<br />
E<br />
f = cN+1(Ω +<br />
−<br />
+<br />
−<br />
E (f)) − cN+1(ΩE (f)) = mN+1(Ω<br />
E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />
Por outras palavras, qualquer integral <strong>de</strong> Riemann é um integral <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
e o integral <strong>de</strong> Lebesgue é uma extensão do integral <strong>de</strong> Riemann, tal como a<br />
medida <strong>de</strong> Lebesgue é uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />
2. Se os conjuntos An ր B ⊆ RN e a função f está <strong>de</strong>finida pelo menos em<br />
B, é evi<strong>de</strong>nte que ΩAn(f) ր ΩB(f). Em particular, se f é mensurável e<br />
não-negativa em cada conjunto An então segue-se do teorema da convergência<br />
monótona <strong>de</strong> Lebesgue que f é mensurável em B e<br />
<br />
<br />
f = mN(ΩAn(f)) = mN(ΩAn(f)) ր mN(ΩB(f)) = fdmN.<br />
An<br />
Esta observação permite-nos calcular múltiplos exemplos <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
que não são integrais <strong>de</strong> Riemann:<br />
a) f(x) = 1<br />
√ x ≥ 0 é Riemann-integrável em An =] 1<br />
n , 1], e B = ∪∞ n=1 An =<br />
]0, 1]. Concluímos que f é Lebesgue-mensurável em ]0, 1], e que<br />
1<br />
1<br />
1<br />
1<br />
√ dm = lim √ dx = lim<br />
x n→∞ x n→∞ 2√x x=1 x= 1 = lim<br />
n n→∞ 2<br />
<br />
1 − 1<br />
<br />
√ = 2.<br />
n<br />
0<br />
1<br />
n<br />
B
152 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) A função f(x) = e −x é Riemann-integrável em An = [0, n] ր [0, +∞[, e<br />
<br />
An<br />
e −x n<br />
dx =<br />
0<br />
e −x dx = 1 − e −n → 1 =<br />
∞<br />
e −x dx.<br />
O integral à direita é um integral <strong>de</strong> Lebesgue, e f é Lebesgue-somável<br />
em [0, ∞[.<br />
3. A função <strong>de</strong> Dirichlet dir em R não é Riemann-integrável em nenhum intervalo<br />
não-trivial. No entanto, dir é a função característica dos racionais Q, e,<br />
portanto, a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas é ΩR(dir) = Q×]0, 1[. O conjunto ΩR(dir)<br />
é Borel-mensurável, porque é um produto cartesiano <strong>de</strong> conjuntos Borel-mensuráveis.<br />
Temos, ainda, m2(ΩR(dir)) = 0 × 1 = 0. Concluímos que a função<br />
<strong>de</strong> Dirichlet é Borel-mensurável, e<br />
<br />
dir dm = 0.<br />
R<br />
4. Mais geralmente, se f é a função característica <strong>de</strong> um conjunto E ⊆ RN Borel-mensurável (respectivamente, Lebesgue-mensurável), então f é uma função<br />
Borel-mensurável (respectivamente, Lebesgue-mensurável), e o seu integral é<br />
a medida do conjunto E:<br />
<br />
fdmN = mN(E).<br />
R N<br />
5. integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann: As <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> integral que referimos<br />
no Capítulo 1 não contemplam a integração <strong>de</strong> funções que são ilimitadas na<br />
região <strong>de</strong> integração e/ou que são diferentes <strong>de</strong> zero em regiões <strong>de</strong> integração<br />
ilimitadas. Apesar disso, e ainda antes da introdução da teoria <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
os chamados integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann foram usados para ultrapassar<br />
este tipo <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, pelo menos em alguns casos particulares( 1 ). A sua<br />
<strong>de</strong>finição (quando a região <strong>de</strong> integração B ⊆ R N , N > 1) supõe que<br />
i) Existem conjuntos Jordan-mensuráveis An ր B, tais que f é Riemannintegrável,<br />
no sentido usual, em cada conjunto An.<br />
ii) Existe α ∈ R tal que, se a sucessão <strong>de</strong> conjuntos An satisfaz i), então<br />
<br />
α = lim f<br />
n→∞<br />
iii) Neste caso, o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em B é dado por:<br />
<br />
<br />
f = α = lim f<br />
B<br />
n→∞<br />
An<br />
1 O integral impróprio diz-se <strong>de</strong> primeira espécie se a integranda é ilimitada, e <strong>de</strong><br />
segunda espécie se a região <strong>de</strong> integração é ilimitada. Os integrais impróprios simultaneamente<br />
<strong>de</strong> 1 a e 2 a espécie dizem-se mistos. Cauchy introduziu integrais impróprios<br />
em R, mas em R N a teoria é mais complexa, e <strong>de</strong>ve-se sobretudo ao matemático alemão<br />
Harnack, que a <strong>de</strong>senvolveu nos finais do século XIX.<br />
An<br />
0
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 153<br />
Quando f ≥ 0, e <strong>de</strong> acordo com a observação no exemplo 2, a condição ii) é<br />
automática, e o valor <strong>de</strong> α é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f em B. Dito doutra<br />
forma, se f ≥ 0 e a condição i) é satisfeita, o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong><br />
f em B existe, e é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f em B. Temos assim que qualquer<br />
integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> uma função não-negativa é um integral <strong>de</strong><br />
Lebesgue, e po<strong>de</strong> ser calculado usando uma qualquer sucessão <strong>de</strong> conjuntos<br />
Jordan-mensuráveis que satisfaça i).<br />
Deixamos para o exercício 5 a análise do caso em que f muda <strong>de</strong> sinal, mas<br />
resumimos aqui as principais conclusões:<br />
• O integral impróprio <strong>de</strong> f existe, e é finito, no sentido indicado acima,<br />
se e só se o integral impróprio <strong>de</strong> |f| também existe, e é finito. Dizemos<br />
neste caso que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f é absolutamente<br />
convergente e, mais uma vez, qualquer integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />
absolutamente convergente é um integral <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
• Se f : R → R, o integral impróprio <strong>de</strong> f po<strong>de</strong> existir no sentido que<br />
referimos no exercício 1 da secção 1.5 sem ser absolutamente convergente.<br />
Neste caso, f não é Lebesgue-somável, e o seu integral <strong>de</strong> Lebesgue não<br />
está <strong>de</strong>finido.<br />
No que se segue, e para simplificar a nossa terminologia, escreveremos<br />
com frequência “B-mensurável”, e “L-mensurável”, em lugar <strong>de</strong> “Borel-mensurável”,<br />
e “Lebesgue-mensurável”. Usaremos esta convenção com funções,<br />
e com conjuntos. Por outro lado, muitos dos teoremas, <strong>de</strong>monstrações e<br />
<strong>de</strong>finições que estudamos são aplicáveis, sem qualquer alteração, quando a<br />
expressão “Lebesgue-mensurável” é substituída, em todas as suas ocorrências,<br />
por “Borel-mensurável”.<br />
É este o caso da própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> função “Le-<br />
besgue-mensurável/Borel-mensurável”, que apresentámos em 3.1.1 a). Mais<br />
uma vez para simplificar a nossa terminologia, e evitar repetições óbvias e<br />
triviais, convencionamos que, até menção em contrário, a utilização da expressão<br />
“mensurável”, sem mais qualificativos, no contexto <strong>de</strong> um teorema,<br />
<strong>de</strong>monstração, ou <strong>de</strong>finição, significa que esta po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>nticamente substituída,<br />
em todas as suas ocorrências nesse mesmo contexto, tanto por “Lmensurável”,<br />
como por “B-mensurável”. Também até menção em contrário,<br />
a palavra “somável” enten<strong>de</strong>-se como “Lebesgue-somável”, no sentido <strong>de</strong><br />
3.1.1 c). Seguimos estas convenções já na próxima <strong>de</strong>finição, que generaliza<br />
3.1.1 a funções vectoriais f : S → R M .<br />
Definição 3.1.3 (Funções Vectoriais: Mensurabilida<strong>de</strong> e Integral). Se E ⊆<br />
S ⊆ R N , e f : S → R M , don<strong>de</strong> f = (f1,f2, · · · ,fM), com fk : S → R, então<br />
a) f é mensurável em E se e só se as funções fk são mensuráveis em<br />
E, para 1 ≤ k ≤ M, no sentido <strong>de</strong> 3.1.1.<br />
b) f é somável em E se e só as funções fk são somáveis em E.
154 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
c) Se f é mensurável em E, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f (em or<strong>de</strong>m<br />
a mN) em E é dado por<br />
<br />
fdmN = f1dmN, f2dmN, · · · , fMdmN ,<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E<br />
sempre que todos os integrais <strong>de</strong> Lebesgue à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />
Exemplo 3.1.4.<br />
funções mensuráveis complexas: Seja f : R N → C uma função complexa,<br />
don<strong>de</strong> f(x) = u(x) + iv(x), com u, v : R N → R. A função f é mensurável se<br />
e só se as funções u, e v são mensuráveis, e o integral <strong>de</strong> f é dado por<br />
<br />
fdmN = udmN + i vdmN,<br />
E<br />
sempre que existem os integrais <strong>de</strong> u e <strong>de</strong> v no conjunto E.<br />
E<br />
Se as funções f e g estão <strong>de</strong>finidas pelo menos no conjunto E ⊆ R N ,<br />
dizemos que f e g são equivalentes em E, e escrevemos “f ≃ g”, se e só<br />
se f(x) = g(x), qtp em E. Note-se a seguir que a substituição <strong>de</strong> uma<br />
função por outra que lhe seja equivalente, ou seja, a modificação dos seus<br />
valores num conjunto <strong>de</strong> medida nula, não altera a sua L-mensurabilida<strong>de</strong><br />
nem o valor do respectivo integral. Em particular, a L-mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
f em E po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidida mesmo quando f está apenas <strong>de</strong>finida qtp em E:<br />
Proposição 3.1.5. Sejam G ⊆ E ⊆ R N , f : E → R, g : G → R, on<strong>de</strong><br />
mN(E\G) = 0 e f ≃ g em G. Temos então:<br />
a) f é L-mensurável em E ⇐⇒ g é L-mensurável em G. Neste caso,<br />
b) O integral <strong>de</strong> f em E existe ⇐⇒ o integral <strong>de</strong> g em G existe, e<br />
<br />
fdmN = gdmN.<br />
E<br />
Demonstração. Se D = {x ∈ G : f(x) = g(x)} ∪ (E\G) então mN(D) = 0.<br />
Seja F a “faixa vertical” em R N+1 dada por F = D ×R. Temos mN+1(F) =<br />
mN(D)m1(R) = 0, e é fácil verificar que<br />
ΩE(f)∆ΩG(g) = (ΩE(f)\ΩG(g)) ∪ (ΩG(g)\ΩE(f)) ⊆ F.<br />
As regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f e g diferem assim por um conjunto nulo.<br />
Concluímos que ΩF(f) é L-mensurável se e só se ΩE(g) é L-mensurável, e<br />
neste caso os integrais <strong>de</strong> f (em F) e g (em E) são iguais, sempre que algum<br />
<strong>de</strong>les exista.<br />
Observações 3.1.6.<br />
G<br />
E
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 155<br />
1. A relação “f ≃ g” é efectivamente <strong>de</strong> equivalência, por exemplo na classe<br />
das funções reais <strong>de</strong>finidas em E ⊆ R N . Deve ser evi<strong>de</strong>nte que é reflexiva, ou<br />
seja, f ≃ f, e simétrica, i.e., f ≃ g ⇐⇒ g ≃ f. Para verificar que a relação é<br />
transitiva, suponha-se que f ≃ g e g ≃ h, e sejam A = {x ∈ E : f(x) = g(x)}<br />
e B = {x ∈ E : g(x) = h(x)}. Como A ∪ B tem medida nula e f(x) = g(x) =<br />
h(x) quando x ∈ A ∪ B, é claro que f ≃ h.<br />
2. Se fn(x) → f(x) qtp em E e gn ≃ fn também em E, então gn(x) → f(x)<br />
qtp em E. Para verificar esta afirmação, sejam<br />
B = {x ∈ E : lim<br />
n→∞ fn(x) = f(x)}, An = {x ∈ E : fn(x) = gn(x)}, A =<br />
∞<br />
An.<br />
Os conjuntos An e C = E\B são nulos por hipótese, e é claro que A e A ∪ C<br />
são igualmente nulos. Temos além disso que<br />
x ∈ A ∪ C =⇒ gn(x) = fn(x) → f(x), ou seja, gn(x) → f(x) qtp em E.<br />
3. As seguintes observações são úteis, e.g., na <strong>de</strong>monstração das proposições<br />
3.1.9 e 3.1.10.<br />
a) Se f é L-mensurável em E e f(x) ≥ 0 qtp em E, então existe uma função<br />
˜f ≃ f tal que ˜ f é L-mensurável em E e ˜ f(x) ≥ 0 para qualquer x ∈ E.<br />
Basta consi<strong>de</strong>rar<br />
˜f(x) =<br />
f(x), se f(x) ≥ 0<br />
0, se f(x) < 0<br />
b) Se f e g são L-mensuráveis em E e f(x) ≤ g(x) qtp em E, existem<br />
funções ˜ f ≃ f e ˜g ≃ g, ambas L-mensuráveis em E, tais que ˜ f(x) ≤ ˜g(x)<br />
para qualquer x ∈ E. Tome-se agora<br />
˜f(x) =<br />
f(x), se f(x) ≤ g(x)<br />
0, se f(x) > g(x)<br />
˜g(x) =<br />
g(x), se f(x) ≤ g(x)<br />
0, se f(x) > g(x)<br />
4. A proposição 3.1.5 não é válida para funções B-mensuráveis: se f ≃ g e<br />
g é B-mensurável então f po<strong>de</strong> não ser B-mensurável (exercício 4), porque o<br />
espaço <strong>de</strong> Borel (R N , B(R N ), mN) não é completo.<br />
Se E ⊆ R N e f : R N → R, é evi<strong>de</strong>nte que as regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f<br />
em E, e <strong>de</strong> fχE em R N , são iguais. Concluímos que<br />
Proposição 3.1.7. Se E ⊆ R N , e f : R N → R, então<br />
a) f é mensurável em E se e só se fχE é mensurável em R N .<br />
b) Se f é mensurável em E, e algum dos seguintes integrais existe, o<br />
outro existe igualmente, e<br />
<br />
fdmN = fχEdmN.<br />
E<br />
R N<br />
n=1
156 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
O resultado seguinte inclui a usual <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. A sua <strong>de</strong>monstração,<br />
uma adaptação directa da <strong>de</strong> 1.4.7), é o exercício 9.<br />
Proposição 3.1.8. Se E ⊆ R N , e f : E → R, então<br />
a) f é mensurável em E se e só se as funções f + e f − são mensuráveis<br />
em E. Neste caso, a função |f| é mensurável em E, e<br />
<br />
E<br />
<br />
|f|dmN =<br />
E<br />
f + <br />
dmN + f<br />
E<br />
− dmN.<br />
b) f é somável em E se e só se as funções f + e f − são somáveis em E.<br />
Neste caso,<br />
<br />
E<br />
<br />
fdmN =<br />
E<br />
f + <br />
dmN − f<br />
E<br />
− dmN, e<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
E<br />
<br />
<br />
fdmN <br />
≤<br />
<br />
E<br />
|f|dmN.<br />
As duas proposições seguintes indicam as proprieda<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong><br />
monotonia do integral <strong>de</strong> Lebesgue, em relação à região <strong>de</strong> integração, e em<br />
relação à função integranda.<br />
Proposição 3.1.9. Se E ⊆ R N , f : E → R é mensurável em E, e F ⊆ E<br />
é mensurável, então f é mensurável em F. Se f ≥ 0 qtp, temos ainda<br />
<br />
F<br />
<br />
fdmN ≤<br />
E<br />
fdmN.<br />
Demonstração. Se G = F × R, é claro que ΩF(f) = ΩE(f) ∩ G ⊆ ΩE(f).<br />
Como os conjuntos ΩE(f) e G são mensuráveis, segue-se que ΩF(f) é mensurável,<br />
i.e., f é mensurável em F. Caso f ≥ 0 qtp, seja ˜ f a função <strong>de</strong>finida<br />
como na observação 3.1.6.3 a). Temos então<br />
<br />
F<br />
<br />
fdmN =<br />
F<br />
˜fdmN = mN+1(Ω +<br />
F ( ˜ f)) ≤ mN+1(Ω +<br />
E ( ˜ f)), e<br />
mN+1(Ω +<br />
E ( ˜ <br />
f)) =<br />
E<br />
<br />
˜fdmN =<br />
E<br />
fdmN.<br />
Proposição 3.1.10. Se E ⊆ R N , f,g : E → R são mensuráveis em E,<br />
f(x) ≤ g(x) qtp em E, e os integrais <strong>de</strong> f e <strong>de</strong> g em E existem, então<br />
<br />
E<br />
<br />
fdmN ≤<br />
E<br />
gdmN.
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 157<br />
Demonstração. Supomos primeiro que f(x) ≤ g(x), para qualquer x ∈ E.<br />
Temos, então, Ω +<br />
E (f) ⊆ Ω+<br />
E (g) e Ω−<br />
E (g) ⊆ Ω−<br />
E (f), don<strong>de</strong> se segue que<br />
<br />
fdmN =mN+1(Ω<br />
E<br />
+<br />
−<br />
E (f)) − mN+1(ΩE (f)) ≤<br />
<br />
gdmN.<br />
≤mN+1(Ω + E (g)) − mN+1(Ω − E (g)) =<br />
Para adaptar este argumento ao caso em que f(x) ≤ g(x) apenas qtp em<br />
E, consi<strong>de</strong>ramos funções ˜ f e ˜g <strong>de</strong>finidas como em 3.1.6.3 b). Aplicando o<br />
resultado que acabámos <strong>de</strong> provar a ˜ f e ˜g, temos<br />
<br />
fdmN = ˜fdmN ≤ ˜gdmN = gdmN.<br />
E<br />
E<br />
As seguintes proprieda<strong>de</strong>s são fáceis <strong>de</strong> estabelecer (exercício 6), e serão<br />
utilizadas com muita frequência:<br />
Proposição 3.1.11. Se f ≥ 0 é uma função mensurável em E ⊆ R N , então<br />
a) f é somável em E =⇒ f é finita qtp em E.<br />
b) <br />
E fdmN = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 em E.<br />
Note-se em particular que se f : E → R é somável então existe ˜ f : E → R<br />
tal que f ≃ ˜ f.<br />
A mensurabilida<strong>de</strong> e o integral da função f no conjunto E foram <strong>de</strong>finidos<br />
(f) ∪ Ω−<br />
E (f), on<strong>de</strong><br />
em termos do conjunto ΩE(f) = Ω +<br />
E<br />
Ω + E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, 0 < y < f(x)}, e<br />
Ω −<br />
E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, 0 > y > f(x)}.<br />
O gráfico <strong>de</strong> f em E é GE(f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, y = f(x)}. É evi<strong>de</strong>nte<br />
que ΩE(f) não inclui quaisquer pontos <strong>de</strong> GE(f), mas na realida<strong>de</strong> a<br />
inclusão ou exclusão <strong>de</strong> pontos do gráfico <strong>de</strong> f no conjunto ΩE(f) é em larga<br />
medida irrelevante porque, como veremos, o gráfico <strong>de</strong> uma função mensurável<br />
tem sempre medida nula( 2 ). Em alternativa a ΩE(f), consi<strong>de</strong>rem-se<br />
os conjuntos ΣE(f) = Σ +<br />
E (f) ∪ Σ−<br />
E (f), on<strong>de</strong><br />
Σ +<br />
E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, e 0 < y ≤ f(x)}, e<br />
Σ −<br />
E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, e 0 > y ≥ f(x)}.<br />
Notamos que ΓE(f) = ΣE(f)\ΩE(f) ⊆ GE(f), porque ΓE(f) é o gráfico <strong>de</strong><br />
f no subconjunto <strong>de</strong> E on<strong>de</strong> f(x) = 0. Passamos a provar:<br />
2 Aliás, analogamente ao que ocorre para as funções Riemann-integráveis, cujo gráfico<br />
é sempre um conjunto <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />
E<br />
E<br />
E
158 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Teorema 3.1.12. Se E ⊆ R N , e f : E → R, então<br />
a) ΩE(f) é mensurável se e só se ΣE(f) é mensurável.<br />
b) Se f é mensurável então ΓE(f) é mensurável e mN+1(GE(f)) = 0.<br />
Em particular, mN+1(ΣE(f)) = mN+1(ΩE(f)).<br />
Demonstração. Seja g a função <strong>de</strong>finida por g(x) = f(x), quando x ∈ E, e<br />
g(x) = 0, quando x ∈ E. A função g é mensurável em R N , e <strong>de</strong>finimos<br />
Ω = ΩE(f) = Ω R N(g),Σ = ΣE(f) = Σ R N(g), e Γ = ΓE(f) = Γ R N(g).<br />
Mostramos primeiro que:<br />
(1) Se g ≥ 0 e Ω é mensurável então Σ é mensurável:<br />
) : (x,y) ∈ Ω} é uma translação vertical<br />
<strong>de</strong> Ω. Ωn é mensurável, e mN+1(Ωn) = mN+1(Ω). ∆n = Ω ∪ Ωn é<br />
mensurável e ∆n ց Σ, don<strong>de</strong> Σ é mensurável.<br />
O conjunto Ωn = {(x,y + 1<br />
n<br />
(2) Se g ≥ 0 e Σ é mensurável então Ω é mensurável:<br />
Σn = {(x,y − 1<br />
n ) : (x,y) ∈ Σ} é uma translação vertical <strong>de</strong> Σ, e é por<br />
isso mensurável. O conjunto ˜ ∆n = Σn ∩ Σ é mensurável e ˜ ∆n ր Ω,<br />
don<strong>de</strong> Ω é mensurável. Notamos <strong>de</strong> passagem que<br />
(3) Se g ≥ 0 então mN+1( ˜ ∆n) → mN+1(Ω), porque ˜ ∆n ր Ω.<br />
As implicações (1) e (2) concluem a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) para g ≥ 0.<br />
Provamos agora b), mantendo a restrição g ≥ 0. Um cálculo simples<br />
mostra que<br />
(4) mN+1(Σ) = mN+1(Σn) = mN+1( ˜ ∆n) + mN+1 (Σn\Σ) e<br />
(5) (Σn\Σ) ⊆ E×] − 1<br />
n ,0]<br />
Supondo que E tem medida exterior finita, po<strong>de</strong>mos concluir <strong>de</strong> (5) que<br />
mN+1 (Σn\Σ) → 0, e segue-se então <strong>de</strong> (4) que mN+1(˜∆n) → mN+1(Σ), e<br />
<strong>de</strong> (3) que mN+1(Ω) = mN+1(Σ).<br />
Se suposermos além disso que g é somável, po<strong>de</strong>mos ainda concluir que<br />
mN+1(Γ) = mN+1(Σ) − mN+1(Ω) = 0. Estabelecemos assim em particular<br />
(6) m ∗ N (E) < ∞ e g somável =⇒ mN+1(Σ) = mN+1(Ω) e mN+1(Γ) = 0.<br />
Para eliminar as restrições que fizémos sobre E e g, consi<strong>de</strong>ramos rectângulos<br />
limitados Rk ր RN , on<strong>de</strong> k ∈ N, e <strong>de</strong>finimos<br />
<br />
0, se x ∈ Rk<br />
gk(x) =<br />
min{k,g(x)}, se x ∈ Rk
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 159<br />
A função gk é mensurável, porque Ω R N(gk) = Ω R N(g) ∩ (Rk×]0,k[). Como<br />
gk é limitada (não exce<strong>de</strong> k) e é nula fora <strong>de</strong> Rk, é óbvio que é somável.<br />
Escrevendo para simplificar<br />
˜Ωk = Ω R N(gk), ˜ Σk = Σ R N(gk) e ˜ Γk = Γ R N(gk), temos <strong>de</strong> (6) que<br />
(7) mN+1( ˜ Γk) = mN+1( ˜ Σk) − mN+1( ˜ Ωk) = 0.<br />
Notamos que ˜ Σk ր Σ, ˜ Ωk ր Ω e Γ ⊆ ∞<br />
k=1 ˜ Γk, don<strong>de</strong><br />
mN+1(Σ) = mN+1(Ω) e mN+1(Γ) = 0.<br />
O conjunto GE(f)\ΓE(f) é nulo em R N+1 , e por isso é L-mensurável. Seguese<br />
que GE(f) é L-mensurável e tem medida nula. Observe-se também que<br />
quando g muda <strong>de</strong> sinal basta aplicar os resultados já obtidos a g + e g − .<br />
A noção <strong>de</strong> integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> também ser introduzida<br />
por uma adaptação óbvia do que fizémos a propósito do integral <strong>de</strong> Riemann.<br />
Supondo f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , seja Lf(E) a classe dada por:<br />
<br />
Lf(E) = {A ⊆ E : f é L-mensurável em A e f existe }<br />
O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f é a função λ : Lf(E) → R,<br />
on<strong>de</strong>:<br />
<br />
λ(E) = fdmN.<br />
Teorema 3.1.13. Seja f : E → R mensurável em E ⊆ R N , on<strong>de</strong> f ≥ 0 qtp<br />
em E e/ou f é somável em E. Temos então que<br />
a) L(E) ⊆ Lf(E) e Lf(E) é uma σ-álgebra em E,<br />
b) λ é uma medida em Lf(E),<br />
c) Para qualquer E ∈ L(E), mN(E) = 0 =⇒ λ(E) = 0.<br />
Demonstração. Se f ≥ 0 qtp em E e/ou f é somável em E e A ⊆ E, <strong>de</strong>ve<br />
ser claro que <br />
f existe se e só se f é mensurável em A, ou seja,<br />
A<br />
Lf(E) = {A ⊆ E : f é mensurável em A}<br />
a) Se B,An ∈ Lf(E), os conjuntos ΩB(f) e ΩAn(f) são L-mensuráveis.<br />
Para mostrar que Lf(E) é uma σ-álgebra em E, consi<strong>de</strong>ramos C = E\B e<br />
A = ∞<br />
n=1 An, e notamos que ΩC(f) e ΩA(f) são L-mensuráveis, porque<br />
ΩC(f) = ΩE(f)\ΩB(f) e ΩA(f) =<br />
E<br />
A<br />
∞<br />
ΩAn(f).<br />
n=1
160 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
A inclusão L(E) ⊆ Lf(E) foi estabelecida em 3.1.9.<br />
b) Consi<strong>de</strong>ramos apenas o caso f ≥ 0 qtp em E. É evi<strong>de</strong>nte que λ ≥ 0 e<br />
λ(∅) = 0, e supomos que os conjuntos An referidos em a) são disjuntos. Os<br />
conjuntos ΩAn(f) são igualmente disjuntos, e temos<br />
<br />
A<br />
∞<br />
f = mN+1(ΩA(f)) = mN+1( ΩAn(f)) =<br />
<br />
λ(A) =<br />
A<br />
f =<br />
n=1<br />
∞<br />
mN+1(ΩAn(f)) =<br />
n=1<br />
Concluímos que λ é uma medida positiva.<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
∞<br />
mN+1(ΩAn(f)), ou<br />
n=1<br />
An<br />
f =<br />
Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração para o exercício 10.<br />
Exercícios.<br />
∞<br />
λ(An).<br />
1. Seja f : R N → R contínua em R N , e E ⊆ R N B-mensurável. Prove que f é<br />
Borel-mensurável em E.<br />
2. Mostre que se E ⊆ R N , e mN(E) = 0, então qualquer função f : R N → R é<br />
somável em E, e <br />
E fdmN = 0.<br />
3. Em cada um dos seguintes casos, diga<br />
• Se f é B-mensurável em E, e<br />
• Se o integral <br />
f existe, como um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann e/ou<br />
E<br />
como um integral <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
a) f(x) = 1<br />
x 2, E = [1, +∞[.<br />
b) f(x) = log(|x|), E = [−1, +1].<br />
c) f(x) = 1,<br />
E = [0, +∞[.<br />
d) f(x) =<br />
x<br />
sen x<br />
x<br />
, E = [0, +∞[.<br />
e) f(x) = (+∞)dir(x), E = R.<br />
f) f(x, y) = log(x 2 + y 2 ), E = B1(0).<br />
g) f(x) = g ′ (x), on<strong>de</strong> g(x) = x 2 sen( 1<br />
x 2), para x = 0, e g(0) = 0, com<br />
E = [−1, 1].<br />
4. Prove que a função <strong>de</strong> Volterra (exemplo 1.6.19) satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow,<br />
se o integral <strong>de</strong> F ′ for interpretado no sentido da <strong>de</strong>finição 3.1.1.<br />
5. Suponha que f : R N → R é Riemann-integrável em qualquer E ∈ J (R N ).<br />
a) Mostre que f é contínua qtp em R N .<br />
n=1
3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 161<br />
b) Prove que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em R N existe e é finito<br />
se e só se é absolutamente convergente.<br />
c) Mostre que as funções f : R N → R com integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />
em R N absolutamente convergente formam um espaço vectorial, on<strong>de</strong> o<br />
integral impróprio é uma transformação linear.<br />
d) Prove que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em R N existe e é finito se<br />
e só se f é somável em R N , e neste caso o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />
<strong>de</strong> f é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f.<br />
e) Determine uma função f : R → R tal que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />
∞<br />
−∞ f(x)dx (no sentido referido no exercício 1 da secção 1.5) existe<br />
e é finito, mas f não é somável.<br />
6. Demonstre a proposição 3.1.11. sugestão: Sendo Fα = {x ∈ E : f(x) ≥ α}<br />
e α > 0, aplique a proposição 2.2.22 ao conjunto Fα × ]0, α[.<br />
7. Mostre que E ⊆ R N é L-mensurável se e só se χE é L-mensurável, e nesse<br />
caso,<br />
<br />
R N<br />
χEdmN = mN(E).<br />
sugestão: Recor<strong>de</strong> a <strong>de</strong>monstração da proposição 2.2.22.<br />
8. Seja f : R → R Lebesgue-mensurável.<br />
a) Se f ≃ g e g é contínua em R, f é sempre contínua qtp?<br />
b) Se f é contínua qtp, existe sempre g contínua em R tal que f ≃ g?<br />
9. Demonstre a proposição 3.1.8. sugestão: Como referido no texto, adapte<br />
a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.4.7.<br />
10. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 3.1.13.<br />
11. Seja f : R → R somável, e F(x) = x<br />
−∞ fdm. Mostre que F é uniformemente<br />
contínua em R. Generalize este resultado para RN . sugestão: Mostre<br />
que F é contínua em R e tem limites em ±∞.<br />
12. Seja f ≥ 0 uma função L-mensurável em R N e λ : Lf(R N ) → [0, ∞] o<br />
respectivo integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
a) Mostre que λ é uma medida completa.<br />
b) λ é sempre regular em B(R N )? sugestão: Consi<strong>de</strong>re o integral in<strong>de</strong>finido<br />
<strong>de</strong> f(x) = 1/x 2 em R, e o conjunto E = {0}.<br />
c) Suponha que f é somável em qualquer compacto K ⊂ R N (dizemos<br />
neste caso que f é localmente somável em R N ). Mostre que o integral<br />
in<strong>de</strong>finido λ é regular em L(R N ).
162 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
3.2 Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais<br />
As vantagens técnicas do integral <strong>de</strong> Lebesgue sobre o integral <strong>de</strong> Riemann<br />
tornam-se evi<strong>de</strong>ntes quando reconhecemos a facilida<strong>de</strong> com que a teoria <strong>de</strong><br />
Lebesgue trata diversas operações <strong>de</strong> passagem <strong>de</strong> limite. Esta facilida<strong>de</strong><br />
advém, naturalmente, das proprieda<strong>de</strong>s da própria medida <strong>de</strong> Lebesgue e<br />
da classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis. A título <strong>de</strong> exemplo, vimos<br />
na secção anterior que o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue é uma medida,<br />
simplesmente porque a medida <strong>de</strong> Lebesgue também o é (3.1.13). Veremos<br />
nesta secção como os teoremas sobre sucessões monótonas <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />
(2.1.13 e 2.1.14) têm como consequência directa três resultados<br />
clássicos sobre integrais e limites:<br />
• O teorema <strong>de</strong> Beppo Levi,<br />
• O lema <strong>de</strong> Fatou, e<br />
• O teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
R<br />
f<br />
g<br />
Figura 3.2.1: ΩE(m) = ΩE(f) ∩ ΩE(g),ΩE(M) = ΩE(f) ∪ ΩE(g)<br />
Os resultados referidos aplicam-se, essencialmente sem quaisquer alterações,<br />
tanto a funções Lebesgue-mensuráveis, como a funções Borel-mensuráveis,<br />
porque resultam <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s comuns a qualquer espaço <strong>de</strong> medida. Por<br />
esta razão, e como veremos mais adiante, o seu domínio <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> é<br />
muito mais geral do que esta primeira exposição po<strong>de</strong>ria fazer supor.<br />
Notámos ainda no Capítulo 1 que, se f e g são funções não-negativas, as<br />
regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas das funções<br />
R N<br />
m(x) = min{f(x),g(x)} e M(x) = max{f(x),g(x)}<br />
são, respectivamente, a intersecção e a união das regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f e<br />
<strong>de</strong> g. Convenientemente generalizada, esta observação é válida para qualquer<br />
família numerável <strong>de</strong> funções e é a chave para mostrar que a mensurabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> funções é sempre preservada em operações <strong>de</strong> passagem ao limite.
3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 163<br />
Lema 3.2.1. Dadas funções fn : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ R N , sejam<br />
Temos então:<br />
g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N}, e h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N}.<br />
a) ΩE(g + ) =<br />
b) ΣE(h + ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
ΩE(f + n ), e ΣE(g − ) =<br />
ΣE(f + n ), e ΩE(h − ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
ΣE(f − n<br />
ΩE(f − n ).<br />
Demonstração. Supomos primeiro que fn ≥ 0 para qualquer n e escrevemos<br />
para simplificar:<br />
), e<br />
Ωn = ΩE(fn),Ω = ΩE(g),Σn = ΣE(fn) e Σ = ΣE(h).<br />
Notamos como óbvio que<br />
Temos agora<br />
(1) Ω ⊇<br />
∞<br />
Ωn e Σ ⊆<br />
n=1<br />
∞<br />
Σn.<br />
(2) Se (x,y) ∈ Ω então 0 < y < g(x), e existe n tal que 0 < y < fn(x) ≤<br />
g(x), ou seja, (x,y) ∈ Ωn. Segue-se assim que Ω ⊆ ∞<br />
n=1 Ωn.<br />
(3) Se (x,y) ∈ ∞<br />
n=1 Σn então 0 < y ≤ fn(x) para qualquer n, e portanto<br />
0 < y ≤ h(x), ou seja, (x,y) ∈ Σ. Por outras palavras, ∞<br />
n=1 Σn ⊆ Σ.<br />
Concluímos <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que<br />
∞<br />
Ω = Ωn e Σ =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
Σn.<br />
Se as funções fn mudam <strong>de</strong> sinal, o lema resulta <strong>de</strong> aplicar as observações<br />
que acabámos <strong>de</strong> provar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> observar (ver exercício 1) que<br />
n=1<br />
g + = supf + n , g− = inf f − n , h+ = inf f + n e h− = supf − n .<br />
O próximo teorema é uma consequência directa <strong>de</strong>ste lema.<br />
Teorema 3.2.2. Se as funções fn : E → R são mensuráveis em E, então<br />
as seguintes funções são mensuráveis em E:<br />
a) g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N},h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N},<br />
b) G(x) = lim supfn(x)<br />
e H(x) = lim inf<br />
n→∞<br />
n→∞ fn(x).<br />
Se f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) para qualquer x ∈ E, então f é mensurável em E, e<br />
se a convergência é apenas válida qtp, então f é L-mensurável em E.
164 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Para verificar a) no que diz respeito à função g, observamos<br />
que, <strong>de</strong> acordo com o lema anterior,<br />
ΩE(g + ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
ΩE(f + n ) e ΣE(g − ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
ΣE(f − n ).<br />
• Como as funções fn são mensuráveis, os conjuntos ΩE(f + n ) e ΣE(f − n )<br />
são mensuráveis.<br />
) são mensuráveis, os conjuntos<br />
• Como os conjuntos ΩE(f + n ) e ΣE(f − n<br />
ΩE(g + ) e ΣE(g− ) são mensuráveis, porque as uniões e intersecções<br />
numeráveis <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis são conjuntos mensuráveis.<br />
Concluímos que as funções g + e g − são mensuráveis, ou seja, g é mensurável.<br />
O caso da função h é inteiramente análogo, e resulta <strong>de</strong> recordar que<br />
ΣE(h + ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
ΣE(f + n ) e ΩE(h − ) =<br />
∞<br />
n=1<br />
ΩE(f − n ).<br />
A alínea b) <strong>de</strong>ste teorema é uma consequência directa <strong>de</strong> a). Tomamos<br />
gn(x) = sup{fk(x) : k ≥ n} e hn(x) = inf{fk(x) : k ≥ n},<br />
e observamos <strong>de</strong> a) que gn e hn são mensuráveis.<br />
mentar das sucessões numéricas que<br />
É uma proprieda<strong>de</strong> ele-<br />
G(x) = lim sup fn(x) = lim<br />
n→∞ n→∞ gn(x) = inf{gn(x) : n ∈ N}, e<br />
H(x) = lim inf<br />
n→∞ fn(x) = lim<br />
n→∞ hn(x) = sup{hn(x) : n ∈ N}.<br />
Concluímos que as funções G e H são mensuráveis, ainda em consequência<br />
<strong>de</strong> a). A afirmação final é uma consequência óbvia <strong>de</strong>ste facto, porque<br />
f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) em E =⇒ f(x) = G(x) = H(x) em E,<br />
e se a convergência é válida apenas qtp então f ≃ G em E.<br />
Vimos logo no início do capítulo 1 que a operação <strong>de</strong> integração não<br />
po<strong>de</strong> ser sempre trocada com a <strong>de</strong> passagem ao limite. Existem no entanto<br />
circunstâncias razoavelmente gerais on<strong>de</strong> essa troca é possível, e passamos<br />
a enunciar e <strong>de</strong>monstrar um conjunto <strong>de</strong> resultados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância<br />
que formalizam e tornam precisa esta observação. Estes resultados são, em<br />
larga medida, consequência directa do teorema da convergência monótona<br />
<strong>de</strong> Lebesgue (2.1.13), ou seja, da proprieda<strong>de</strong> “essencial” <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>.
3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 165<br />
Teorema 3.2.3 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi). ( 3 ) Se as funções fn : E →<br />
[0,+∞] são mensuráveis em E ⊆ RN e formam uma sucessão crescente,<br />
então fn(x) ր f(x), on<strong>de</strong> f é mensurável em E e<br />
<br />
lim<br />
n→∞ fndmN<br />
<br />
= lim fndmN.<br />
n→∞<br />
E<br />
Demonstração. Sabemos que f(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} é mensurável, <strong>de</strong><br />
acordo com 3.2.2, precisamente porque<br />
∞<br />
ΩE(f) = ΩE(fn).<br />
n=1<br />
As funções fn ≥ 0 formam uma sucessão crescente, don<strong>de</strong> ΩE(fn) ր ΩE(f).<br />
Segue-se do teorema da convergência monótona (2.1.13) que<br />
<br />
mN+1(ΩE(fn)) → mN+1(ΩE(f)), ou seja, fndmN → fdmN.<br />
Exemplo 3.2.4.<br />
Seja f a função nula fora <strong>de</strong> ]0, 1[, e tal que f(x) = 1<br />
√ x , quando 0 < x < 1.<br />
Observámos no exemplo 3.1.2.2 que o integral 1<br />
0 f(x)dx existe e é igual a 2.<br />
Sendo Q ∩ ]0, 1[ = {q1, q2, · · · }, consi<strong>de</strong>ramos<br />
n 1<br />
gn(x) =<br />
2k f(x − qk)<br />
∞ 1<br />
ր g(x) = f(x − qk).<br />
2k k=1<br />
É relativamente simples verificar (ver, por exemplo, o exercício 5 da secção<br />
anterior) que as funções gn são B-mensuráveis, os integrais 2<br />
0 gn(x)dx existem,<br />
e po<strong>de</strong>m ser calculados como integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann:<br />
2 2<br />
n 1<br />
gndm = gn(x)dx =<br />
2k 2<br />
n 1<br />
f(x − qk)dx = ր 1.<br />
2k−1 0<br />
0<br />
k=1<br />
Concluímos do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi que g é B-mensurável e 2<br />
gdm = 1. 0<br />
Em particular, g é finita qtp, um facto que à partida po<strong>de</strong> parecer difícil <strong>de</strong><br />
estabelecer. A função G(x) = x<br />
gdm po<strong>de</strong> ser calculada integrando a série<br />
−∞<br />
termo-a-termo, e é dada por<br />
∞ 1<br />
G(x) =<br />
2<br />
n=1<br />
nF(x − qn),<br />
⎧<br />
x ⎨ 0, se x ≤ 0<br />
on<strong>de</strong> F(x) = fdm = 2<br />
−∞ ⎩<br />
√ x, se 0 ≤ x ≤ 1 .<br />
2, se x ≥ 1<br />
Note-se que g é ilimitada em qualquer subintervalo não trivial <strong>de</strong> [0, 1], e portanto<br />
o seu integral <strong>de</strong> Lebesgue não é um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann.<br />
3 Beppo Levi, 1875-1961, matemático italiano <strong>de</strong> origem judaica, estudou em Turim,<br />
on<strong>de</strong> teve como professores, entre outros, Vito Volterra e Giuseppe Vitali. Foi professor das<br />
universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Cagliari, Parma e Bolonha, don<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>mitido em 1938 pelo regime <strong>de</strong><br />
Mussolini. Emigrou para a Argentina em 1939, e teve um papel central no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da Matemática no seu país <strong>de</strong> adopção. Este teorema foi publicado em 1906.<br />
0<br />
E<br />
E<br />
k=1<br />
k=1<br />
E
166 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
O teorema <strong>de</strong> Beppo Levi é aplicável a sucessões <strong>de</strong>crescentes <strong>de</strong> funções,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as funções em causa sejam somáveis a partir <strong>de</strong> certa or<strong>de</strong>m.<br />
Teorema 3.2.5 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II)). Se as funções fn : E →<br />
[0,+∞] são mensuráveis em E ⊆ RN e formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente,<br />
então fn(x) ց f(x), on<strong>de</strong> f é mensurável em E. Se f1 é somável, então<br />
<br />
lim<br />
n→∞ fndmN<br />
<br />
= lim fndmN.<br />
n→∞<br />
E<br />
Demonstração. f(x) = inf{fn(x) : n ∈ N} é mensurável, <strong>de</strong> acordo com<br />
3.2.2, porque<br />
∞<br />
ΣE(f) = ΣE(fn).<br />
n=1<br />
As funções fn ≥ 0 formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, don<strong>de</strong> ΣE(fn) ց<br />
ΣE(f). Como f1 é somável temos mN+1(ΣE(f1)) < +∞ e concluímos <strong>de</strong><br />
2.1.14 e 3.1.12 que:<br />
<br />
mN+1(ΣE(fn)) → mN+1(ΣE(f)), i.e., fndmN → fdmN.<br />
O limite inferior <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong> funções é sempre o limite <strong>de</strong> uma<br />
sucessão crescente, à qual po<strong>de</strong>mos aplicar o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi. Obtemos,<br />
assim, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> conhecida como<br />
Lema 3.2.6 (Lema <strong>de</strong> Fatou). ( 4 ) Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />
mensuráveis em E ⊆ RN , então<br />
<br />
lim inf<br />
n→∞ fndmN<br />
<br />
≤ lim inf fndmN.<br />
n→∞<br />
E<br />
Demonstração. Conforme notámos na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.2.2,<br />
se hn(x) = inf{fk(x) : k ≥ n} então hn(x) ր lim inf<br />
n→∞ fn(x).<br />
Como hn ≥ 0, segue-se do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi que<br />
<br />
(1) hndmN → lim inf<br />
n→∞ fndmN.<br />
E<br />
Da monotonia do integral em relação à integranda segue-se que<br />
<br />
hndmN ≤ fkdmN, para qualquer k ≥ n, ou<br />
E<br />
E<br />
4 Pierre Joseph Louis Fatou, 1878-1929, matemático francês. Fatou referiu um lema<br />
muito semelhante a este num artigo publicado em 1906.<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E
3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 167<br />
<br />
<br />
(2) hndmN ≤ inf{ fkdmN : k ≥ n}.<br />
E<br />
E<br />
Deve ser claro das observações feitas na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.2.2 que<br />
<br />
<br />
inf{ fkdmN : k ≥ n} → lim inf<br />
n→∞<br />
fndmN.<br />
E<br />
Passando ao limite na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (2) e usando (1), obtemos<br />
<br />
lim inf<br />
n→∞ fndmN<br />
<br />
≤ lim inf fndmN.<br />
n→∞<br />
E<br />
Deixamos como exercício a seguinte versão do lema <strong>de</strong> Fatou para o<br />
limite superior <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong> funções, que é consequência <strong>de</strong> 3.2.5.<br />
Teorema 3.2.7 (Lema <strong>de</strong> Fatou (II)). Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />
mensuráveis em E ⊆ RN , e existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal<br />
que fn(x) ≤ F(x), qtp em E, então<br />
<br />
lim sup<br />
n→∞<br />
E<br />
fndmN ≤<br />
E<br />
E<br />
E<br />
lim sup fndmN.<br />
n→∞<br />
Este resultado, e o lema <strong>de</strong> Fatou, permitem-nos obter uma versão preliminar<br />
do que é, seguramente, um dos resultados mais centrais da teoria<br />
da integração <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Teorema 3.2.8 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). ( 5 )<br />
Suponha-se que<br />
a) As funções fn : E → R são L-mensuráveis em E,<br />
b) Existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal que |fn(x)| ≤ F(x),<br />
qtp em E, e<br />
c) f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) qtp em E.<br />
Neste caso, f é L-mensurável e somável em E, e<br />
<br />
<br />
fdmN = lim fndmN.<br />
n→∞<br />
E<br />
Demonstração. Supomos que as funções fn são não-negativas, <strong>de</strong>ixando o<br />
caso geral para os exercícios. Os limites superior e inferior da sucessão dos<br />
integrais <strong>de</strong> fn existem sempre, e satisfazem<br />
<br />
<br />
lim inf<br />
n→∞<br />
E<br />
fndmN ≤ lim sup<br />
n→∞<br />
5 Publicado por Lebesgue, em 1908.<br />
E<br />
E<br />
fndmN ≤<br />
E<br />
FdmN < ∞.
168 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Aplicamos os teoremas 3.2.6 e 3.2.7 à sucessão <strong>de</strong> funções fn, para obter<br />
<br />
lim inf<br />
E<br />
n→∞ fndmN<br />
<br />
≤lim inf<br />
n→∞<br />
fndmN ≤<br />
E<br />
<br />
≤lim sup<br />
n→∞<br />
fndmN ≤ lim sup fndmN.<br />
n→∞<br />
O resultado é agora imediato, porque, por hipótese,<br />
Observações 3.2.9.<br />
E<br />
lim inf<br />
n→∞ fn ≃ lim sup fn ≃ f em E.<br />
n→∞<br />
1. No enunciado do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi po<strong>de</strong>mos supor que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
0 ≤ fn(x) ≤ fn+1(x) e a relação fn(x) ր f(x) são válidas apenas qtp em E.<br />
Definindo os conjuntos An e A por<br />
An = {x ∈ E : fn(x) < 0 ou fn+1(x) < fn(x)} e A =<br />
é claro que mN(A) = 0. Definindo também<br />
<br />
fn(x), se x ∈ A<br />
gn(x) =<br />
0, se x ∈ A<br />
E<br />
∞<br />
An,<br />
temos 0 ≤ gn(x) ≤ gn+1(x) e gn(x) ր g(x) para qualquer x ∈ E. É imediato<br />
que gn ≃ fn em E, e portanto as funções gn e g são L-mensuráveis em E.<br />
É também claro que se x ∈ A então fn(x) = gn(x) → g(x), e em particular<br />
g ≃ f em E. Segue-se do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi na forma 3.2.3 que<br />
<br />
fndmN = gndmN → gdmN = fdmN.<br />
E<br />
E<br />
2. É igualmente simples adaptar <strong>de</strong> forma análoga o enunciado do teorema <strong>de</strong><br />
Beppo Levi (II).<br />
Deve também notar-se que estes resultados sobre limites e integrais são<br />
com frequência indispensáveis ao estudo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong>finidas como integrais<br />
paramétricos, ou seja, funções φ dadas por expressões do tipo:<br />
<br />
φ(x) = f(x,y)dy.<br />
E<br />
Por exemplo, supondo que x ∈ A ⊆ R N , y ∈ E ⊆ R M e f é contínua em<br />
A × E, a questão da continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> φ em x0 ∈ A reduz-se ao estudo da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
lim<br />
x→x0<br />
<br />
E<br />
<br />
f(x,y)dy =<br />
E<br />
E<br />
E<br />
n=1<br />
<br />
lim f(x,y)dy = f(x0,y)dy.<br />
x→x0<br />
E
3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 169<br />
Para aplicar resultados que enunciámos e <strong>de</strong>monstrámos para sucessões <strong>de</strong><br />
funções a problemas <strong>de</strong>ste tipo, <strong>de</strong>ve recordar-se que a usual <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
limite <strong>de</strong> funções po<strong>de</strong> formular-se em termos <strong>de</strong> limites <strong>de</strong> sucessões, e.g.,:<br />
3.2.10. Se f : U → R, U ⊆ R N é aberto e a ∈ U, então limx→a f(x) = b se<br />
e só se, para qualquer sucessão com termo geral xn ∈ U\{a},<br />
xn → a =⇒ f(xn) → b.<br />
A título <strong>de</strong> ilustração, seja I ⊆ R aberto, E ⊆ R e f : I ×E → R. Para cada<br />
s ∈ I, <strong>de</strong>finimos fs : I → R por fs(t) = f(s,t). Suponha-se que ψ : E → R<br />
é somável em E e, para qualquer s ∈ I, fs é mensurável em E e |fs| ≤ ψ.<br />
Se s0 ∈ I, temos então que<br />
<br />
lim f(s,t) = g(t) =⇒ f(s,t)dt → g(t)dt.<br />
s→s0<br />
Para provar esta afirmação, basta consi<strong>de</strong>rar sucessões sn → s0, e aplicar o<br />
teorema 3.2.8 às funções gn dadas por gn(t) = f(sn,t).<br />
Exemplos 3.2.11.<br />
1. continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um integral paramétrico: Vimos já que a função<br />
dada por ψ(t) = e−t2 é somável em R. Estudamos agora a continuida<strong>de</strong> do<br />
integral paramétrico dado por( 6 )<br />
<br />
F(s) = e −t2<br />
cos(st)dt.<br />
R<br />
Com f(s, t) = e−t2 cos(st), temos |f(s, t)| = |e−t2 cos(st)| ≤ e−t2 = ψ(t) e, em<br />
particular, F está <strong>de</strong>finida em R. Temos igualmente para qualquer s0 ∈ R que<br />
f(s, t) → f(s0, t) quando s → s0, porque f é contínua em R 2 . Po<strong>de</strong>mos por<br />
isso concluir que<br />
lim F(s) =<br />
s→s0<br />
<br />
s→s0 R<br />
E<br />
lim e −t2<br />
<br />
cos(st)dt =<br />
R<br />
E<br />
e −t2<br />
cos(s0t)dt = F(s0)<br />
2. <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um integral paramétrico: Quando ω > 0, o integral<br />
∞<br />
G(ω) = e −ωt sen(t 2 )dt<br />
0<br />
é um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann absolutamente convergente, porque<br />
|e −ωt sen(t 2 )| ≤ e −ωt ∞<br />
e e −ωt dt = 1<br />
ω .<br />
6 Este integral é, como veremos, a parte real da transformada <strong>de</strong> Fourier <strong>de</strong> ψ.<br />
Note do exercício 9 que po<strong>de</strong>mos facilmente estabelecer a sua continuida<strong>de</strong> uniforme em<br />
R sem invocar o teorema 3.2.8.<br />
0
170 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Para calcular a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> G, consi<strong>de</strong>ramos o quociente<br />
∞<br />
G(ω + s) − G(ω) e<br />
=<br />
s<br />
−(ω+s)t − e−ωt sen(t<br />
s<br />
2 ∞<br />
)dt =<br />
0<br />
0<br />
e−st − 1<br />
e<br />
s<br />
−ωt sen(t 2 )dt.<br />
Repare-se que neste cálculo o limite em questão é calculado com ω > 0 fixo.<br />
Um cálculo elementar mostra que<br />
f(s, t) = e−st − 1<br />
e<br />
s<br />
−ωt sen(t 2 ) → −te −ωt sen(t 2 ) quando s → 0 e,<br />
supondo agora que |s| ≤ ω/2, temos igualmente<br />
|f(s, t)| = | e−st − 1<br />
e<br />
s<br />
−ωt sen(t 2 )| ≤ te −ωt/2 = ψ(t).<br />
A função ψ é também somável em E = [0, ∞[ (porquê?), e po<strong>de</strong>mos portanto<br />
concluir <strong>de</strong> 3.2.8 que<br />
G ′ ∞<br />
e<br />
(ω) = lim<br />
s→0<br />
−(ω+s)t − e−ωt sen(t<br />
s<br />
2 ∞<br />
)dt = − te −ωt sen(t 2 )dt.<br />
Exercícios.<br />
0<br />
1. Suponha que fn : E → R, g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} e h(x) = inf{fn(x) :<br />
n ∈ N}. Mostre que<br />
g + (x) = sup{f + n (x) : n ∈ N}, g− (x) = inf{f − n<br />
h + (x) = inf{f + n (x) : n ∈ N}, h− (x) = sup{f − n<br />
0<br />
(x) : n ∈ N}, e<br />
(x) : n ∈ N}.<br />
2. Mostre que o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi é válido para funções fn : E → R,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <br />
E f1dmN > −∞.<br />
3. Mostre que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função g <strong>de</strong>finida no exemplo 3.2.4 é<br />
σ-elementar, e portanto g é Borel-mensurável.<br />
4. Demonstre o teorema 3.2.7.<br />
5. Mostre que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> estrita é possível no lema <strong>de</strong> Fatou e em 3.2.7.<br />
6. O Lema <strong>de</strong> Fatou (II) tem como uma das hipóteses a condição<br />
(i) fn(x) ≤ F(x), qtp em E, on<strong>de</strong> F é somável em E.<br />
Verifique se esta condição po<strong>de</strong> ser substituída por<br />
(ii) <br />
E fndmN < K < ∞, para qualquer n ∈ N.<br />
7. Demonstre o teorema da convergência dominada para fn : E → R.<br />
8. Suponha que f : R → R é diferenciável em R, e mostre que f ′ é B-mensurável<br />
em R.
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 171<br />
9. Verifique os <strong>de</strong>talhes dos cálculos indicados na discussão dos exemplos 3.2.11.<br />
Mostre igualmente que a função F é uniformemente contínua em R sem invocar<br />
o teorema 3.2.8.<br />
10. Calcule<br />
n<br />
lim<br />
n→+∞<br />
0<br />
<br />
1 − x<br />
n<br />
n<br />
e x<br />
2 dx.<br />
11. Calcule a <strong>de</strong>rivada da função<br />
∞<br />
e<br />
F(s) =<br />
−t<br />
sen(st)dt.<br />
t<br />
3.3 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />
0<br />
A teoria <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> Lebesgue inclui uma solução particularmente elegante<br />
para o problema do cálculo da medida <strong>de</strong> um conjunto por integração<br />
da medida das suas secções. Trata-se do Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue( 7 ),<br />
que passamos a estudar.<br />
As secções <strong>de</strong> um conjunto E ⊆ R N resultam <strong>de</strong> intersectar E com<br />
“planos” <strong>de</strong> dimensão M < N <strong>de</strong> tipo especial. Antes <strong>de</strong> apresentarmos<br />
uma <strong>de</strong>finição mais precisa <strong>de</strong>sta noção <strong>de</strong> secção, é conveniente analisarmos<br />
alguns casos mais específicos.<br />
Exemplos 3.3.1.<br />
1. Se E ⊆ R 2 , as secções <strong>de</strong> E resultam fixar uma das duas coor<strong>de</strong>nadas dos<br />
pontos <strong>de</strong> E, ou seja, <strong>de</strong> intersectar E com rectas horizontais ou verticais (ver<br />
figura 3.3.1). Designando por α e β, respectivamente, as rectas com equações<br />
x = a e y = b, obtemos os conjuntos<br />
E a 1 = E ∩ α = {(a, y) : (a, y) ∈ E} e E b 2<br />
= E ∩ β = {(x, b) : (x, b) ∈ E}<br />
É no entanto mais conveniente consi<strong>de</strong>rar as projecções <strong>de</strong>stes conjuntos em R<br />
como as verda<strong>de</strong>iras “secções” <strong>de</strong> E, ou seja, tomar como secções os conjuntos<br />
E a 1 = {y ∈ R : (a, y) ∈ E} e Eb 2<br />
= {x ∈ R : (x, b) ∈ E}<br />
Repare-se que neste caso Et i<br />
coor<strong>de</strong>nada i igual a t e Et i é a projecção (evi<strong>de</strong>nte) <strong>de</strong> Et i<br />
é o conjunto formado pelos pontos <strong>de</strong> E com<br />
em R.<br />
2. Se E ⊆ R 3 , e escrevendo x ∈ R 3 na forma x = (x1, x2, x3), as secções <strong>de</strong> E<br />
obtém-se agora <strong>de</strong> fixar uma ou duas das coor<strong>de</strong>nadas dos pontos <strong>de</strong> E, ou seja,<br />
7 De Guido Fubini, 1879-1943, matemático italiano <strong>de</strong> origem judaica, refugiado nos<br />
EUA em 1939, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitido da sua posição na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Turim. A versão<br />
mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>ste teorema foi <strong>de</strong>scoberta no período 1906-1907 por Fubini e Beppo Levi, mas<br />
o princípio subjacente, dito “<strong>de</strong> Cavalieri”, do matemático italiano Bonaventura Francesco<br />
Cavalieri, 1598 - 1647, já era conhecido por Arquime<strong>de</strong>s.
172 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
E a 1<br />
E b 2<br />
Figura 3.3.1: E a 1 e Eb 2<br />
x = a<br />
E<br />
y = b<br />
são secções do conjunto E.<br />
<strong>de</strong> intersectar E com planos paralelos a um dos planos coor<strong>de</strong>nados (equação<br />
xi = a) ou com rectas paralelas a dois dos planos coor<strong>de</strong>nados (sistema xi = a<br />
e xj = b). Adaptando a notação introduzida no exemplo anterior, temos, e.g.,<br />
E c 3 = {(x, y) ∈ R 2 : (x, y, c) ∈ E} e E (a,b)<br />
(1,2) = {z ∈ R3 : (a, b, z) ∈ E}<br />
a) Se E ⊂ R3 √<br />
3<br />
é a esfera centrada na origem <strong>de</strong> raio 4, então E3<br />
é o círculo<br />
unitário em R 2 , porque<br />
E<br />
√<br />
3<br />
3 = {(x, y) ∈ R2 : x 2 + y 2 + 3 ≤ 4} = {(x, y) ∈ R 2 : x 2 + y 2 ≤ 1}.<br />
Analogamente, a secção E (0,√ 3)<br />
(1,3) é o intervalo [−1, +1], porque<br />
E (0,√ 3)<br />
(1,3) = {y ∈ R : 0 + y2 + 3 ≤ 4} = {y ∈ R : y 2 ≤ 1} = [−1, +1].<br />
b) Se E ⊂ R3 é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f : R2 → R dada por f(x, y) =<br />
x2 + |y|, então E −1<br />
2 é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas em R da função que po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>signar g = f −1<br />
2 : R → R, dada por f −1<br />
1 (x) = f(x, −1) = g(x) = x2 + 1,<br />
porque<br />
E<br />
√<br />
3<br />
1 = {(y, z) ∈ R2 : 0 < z < f( √ 3, y)} = {(y, z) ∈ R 2 : 0 < z < 3 + |y|}<br />
Neste caso, as secções do tipo E λ 3 têm um significado muito particular,<br />
porque, e.g.,<br />
E 1 3 = {(x, y) ∈ R2 : 0 < 1 < f(x, y)} = f −1 (]1, ∞])<br />
Por palavras, a secção Eλ 3<br />
E (a,b)<br />
(1,2)<br />
é o conjunto on<strong>de</strong> f > λ. As secções do tipo<br />
são especialmente simples, porque são sempre intervalos:<br />
E (a,b)<br />
(1,2) = {z ∈ R : 0 < λ < f(a, b)} =]0, f(a, b)[
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 173<br />
3. Quando a dimensão do espaço em causa é superior a 3, a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjuntos<br />
a que po<strong>de</strong>mos chamar “secções” é ainda maior. Supondo E ⊆ R 5 ,<br />
é razoável fixar, por exemplo, a 2 a e a 4 a coor<strong>de</strong>nada, o que correspon<strong>de</strong> a<br />
intersectar E com um “plano” <strong>de</strong> dimensão 3, para obter uma secção do tipo<br />
E (a,b)<br />
(2,4) = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, a, y, b, z) ∈ E}.<br />
As usuais funções “<strong>de</strong> projecção” πi : RN → R, on<strong>de</strong> 1 ≤ i ≤ N e<br />
πi(x) = xi quando x = (x1,x2, · · · ,xN), são úteis para tornarmos estas<br />
noções mais precisas. Na realida<strong>de</strong>, é fácil ver que se E ⊆ R2 então, quando<br />
(i,j) = (1,2) e quando (i,j) = (2,1),<br />
E a i<br />
= π−1<br />
i (a) ∩ E e E a i<br />
= πj<br />
E a i<br />
<br />
= πj<br />
π −1<br />
i (a) ∩ E <br />
O caso <strong>de</strong> secções <strong>de</strong> conjuntos em espaços <strong>de</strong> dimensão superior a 2 requer<br />
no entanto a generalização das noções <strong>de</strong> índice i e <strong>de</strong> projecção πi<br />
subjacentes à observação que acabámos <strong>de</strong> fazer para R 2 .<br />
Definição 3.3.2 ( Índices e projecções). Um índice-K (em RN ) é um Ktuplo<br />
<strong>de</strong> naturais I = (i1,i2, · · · ,iK), on<strong>de</strong> 1 ≤ i1 < i2 < · · · < iK ≤ N.<br />
Dizemos neste caso que a função πI : R N → R K dada por<br />
πI(x) = (πi1 (x), · · · ,πiK (x)).<br />
é uma projecção. Sendo N = K + M, o índice complementar <strong>de</strong> I,<br />
<strong>de</strong>signado I c , é o índice-M formado pelos naturais j1 < · · · < jM ≤ N que<br />
não estão em {i1,i2, · · · ,iK}.<br />
Exemplo 3.3.3.<br />
Se N = 5 e I = (2, 4), temos I c = (1, 3, 5). Repare-se que a secção <strong>de</strong> E ⊆ R 5<br />
referida no exemplo 3.3.1.3 é<br />
E (a,b) −1<br />
(2,4) = πIc πI (E)<br />
Qualquer elemento x ∈ RN fica unicamente <strong>de</strong>terminado pelas suas projecções<br />
t = πI(x) ∈ RK e y = πIc(x) ∈ RM , porque as componentes <strong>de</strong> x<br />
resultam <strong>de</strong> uma simples permutação das componentes <strong>de</strong> u = (t,y). É por<br />
isso conveniente introduzir<br />
Definição 3.3.4. Seja I um índice-K em R N e N = K + M. As funções<br />
ΠI : R N → R K × R M e ρI : R K × R M → R N ( 8 ) são dadas por<br />
ΠI(x) = (πI(x),πI c(x)) e ρI = Π −1<br />
I .<br />
8 Os símbolos πI e ρI não incluem qualquer referência ao espaço R N subjacente, para<br />
não sobrecarregar excessivamente a notação, mas note que esta opção causa ambiguida<strong>de</strong>.
174 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
x = ρI(t,y) ⇐⇒ (t,y) = ΠI(x) ⇐⇒ t = πI(x) e y = πI c(x).<br />
Exemplos 3.3.5.<br />
1. Se I = (2, 4), πI : R 5 → R 2 é dada por<br />
πI(x) = (x2, x4), on<strong>de</strong> x = (x1, x2, x3, x4, x5).<br />
Neste caso, I c = (1, 3, 5), πI c : R5 → R 3 e πI c(x) = (x1, x3, x5). A função<br />
ρI : R 2 × R 3 → R 5 é dada por<br />
ρI(t, y) = ρI((t1, t2), (y1, y2, y3)) = (y1, t1, y2, t2, y3).<br />
2. As secções <strong>de</strong> um dado conjunto E po<strong>de</strong>m ser facilmente expressas em termos<br />
das funções <strong>de</strong> projecção que acabámos <strong>de</strong> referir. Se E ⊆ R 2 e x0, y0 ∈ R então<br />
3. Se E ⊆ R 3 e y0 ∈ R, então<br />
{x ∈ R : (x, y0) ∈ E} = π1(π −1<br />
2 (y0) ∩ E), e<br />
{y ∈ R : (x0, y) ∈ E} = π2(π −1<br />
1 (x0) ∩ E).<br />
{(x, z) ∈ R 2 : (x, y, z) ∈ E} = π (1,3)(π −1<br />
2 (y0) ∩ E).<br />
4. Se E ⊆ R 5 e (y0, u0) ∈ R 2 , e escrevendo α = (2, 4), α c = (1, 3, 5), então<br />
{(x, z, v) ∈ R 3 : (x, y0, z, u0, v) ∈ E} = π (1,3,5)(π −1<br />
(2,4) (u0, v0) ∩ E).<br />
A <strong>de</strong>finição seguinte formaliza estas i<strong>de</strong>ias.<br />
Definição 3.3.6 (Secções <strong>de</strong> E ⊆ R N ). Seja E ⊆ R N , I = (i1,i2, · · · ,iK)<br />
um índice-K em R N , t ∈ R K , e M = N −K. Dizemos então que o conjunto<br />
E t I<br />
= πI c(π−1<br />
I (t) ∩ E) = {y ∈ RM : ρI(t,y) ∈ E}.<br />
é uma secção-M <strong>de</strong> E, ou mais simplesmente uma secção <strong>de</strong> E.<br />
Exemplos 3.3.7.<br />
1. Seja Ω ⊂ R 3 a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f : R 2 → R. Escrevemos os pontos <strong>de</strong><br />
R 3 na forma v = (x, y, z) e observamos que se f ≥ 0 então:<br />
• Ω x0<br />
1 = π (2,3)({(x0, y, z) ∈ Ω}) = {(y, z) : 0 < z < f(x0, y)} é a região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas da função gx0 : R → R, dada por gx0(y) = f(x0, y).<br />
• Ω y0<br />
2 = π (1,3)({(x, y0, z) ∈ Ω}) = {(x, z) : 0 < z < f(x, y0)} é a região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas da função hy0 : R → R, dada por hy0(x) = f(x, y0).<br />
• Ω z0<br />
3 = π (1,2)({(x, y, z0) ∈ Ω}) = {(x, y) : 0 < z0 < f(x, y)} é o conjunto<br />
<strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> f é maior do que z0.<br />
• Ω (x0,y0)<br />
(1,2) = π3({(x0, y0, z) ∈ Ω} = {z : 0 < z < f(x0, y0)}
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 175<br />
x0<br />
R<br />
R<br />
Figura 3.3.2: A secção Ω x0<br />
1<br />
z = f(x0,y) = fx0 (y)<br />
R<br />
é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> fx0 .<br />
• Ω (x0,z0)<br />
(1,3) = π2({(x0, y, z0) ∈ Ω} = {y : 0 < z0 < f(x0, y) é o conjunto on<strong>de</strong><br />
a função fx0 dada por fx0(t) = f(x0, t) é maior do que z0.<br />
• Ω (y0,z0)<br />
(2,3) = π1({(x, y0, z0) ∈ Ω} = {x : 0 < z0 < f(x, y0) é o conjunto on<strong>de</strong><br />
a função f y0 dada por f y0 (t) = f(t, y0) é maior do que z0.<br />
2. Consi<strong>de</strong>re-se a bola S = x ∈ R N : x ≤ R ⊂ R N e seja y ∈ R K , on<strong>de</strong><br />
K < N e y < R. Se I é um qualquer índice-K, é fácil reconhecer que a<br />
é igualmente uma bola, dada por<br />
secção S y<br />
I<br />
S y<br />
I = z ∈ R N−K : z 2 + y 2 ≤ R 2 =<br />
<br />
z ∈ R N−K : z 2 ≤ R2 − y2 <br />
.<br />
Se as secções E t I ⊆ RM são mensuráveis, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar as respectivas<br />
medidas AI(t) = mM(E t I ) e AI é uma função em R K . O teorema <strong>de</strong><br />
Fubini-Lebesgue que passamos a enunciar garante que, se o conjunto E é<br />
L-mensurável, então o integral <strong>de</strong> AI existe e é a medida <strong>de</strong> E.<br />
Teorema 3.3.8 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I)). Seja E ∈ L(R N ), 1 ≤<br />
K < N, t ∈ R K , M = N − K e seja ainda I = (i1,i2, · · · ,iK) um índice-K<br />
em R N . Temos então que<br />
a) Os conjuntos E t I ⊂ RM são L-mensuráveis, para quase todo o t ∈ R K ,<br />
b) A função AI(t) = mM(E t I ) é L-mensurável em RK e<br />
Exemplo 3.3.9.<br />
<br />
R K<br />
AIdmK = mN(E).
176 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Designamos por E a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função f : R 2 → R dada por<br />
f(x, y) = log(x2 + y2 ), no conjunto B1(0). Se z < 0, as secções Ez 3 são<br />
círculos, <strong>de</strong> raio r = e z<br />
2 , don<strong>de</strong> A3(z) = πez . Supondo provado o teorema<br />
3.3.8, a medida do conjunto E é dada, portanto, por<br />
0<br />
m3(E) =<br />
−∞<br />
0<br />
A3(z)dm =<br />
−∞<br />
πe z dm,<br />
que po<strong>de</strong> ser calculado como um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann. Temos, assim,<br />
0<br />
m3(E) = lim πe<br />
z→−∞<br />
t dm = lim<br />
z→−∞ π et 0<br />
= π. z<br />
z<br />
ACRESCENTAR AQUI O EXEMPLO DA LEI DE GAUSS A DUAS DI-<br />
MENS ÕES: Consi<strong>de</strong>re-se a função f(x, y) = ex2.y2, e seja Bn = Bn(0) a bola<br />
centrada na origem com raio n. A função f é Riemann-integrável em Bn, e<br />
po<strong>de</strong>mos calcular o respectivo integral usando, por exemplo, as secções obtidas<br />
com z constante: Como Bn . R2, concluímos que o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong><br />
f em R2 é igual a . Observe-se que o mesmo cálculo, mas executado agora<br />
com os conjuntos An = [.n, n] ¡¿ [.n, n], conduz necessariamente ao mesmo<br />
resultado, i.e., Obtemos assim a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> clássica:<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue é imediato quando E é um rectângulo-N.<br />
Suponha-se que E = R = I1 × · · · IN, on<strong>de</strong> os conjuntos Ik são intervalos<br />
em R, e seja I um índice-K em RN , com I = (i1,i2, · · · ,iK), e Ic =<br />
(j1,j2, · · · ,jM). É natural dizer que os conjuntos<br />
RI = πI(R) = Ii1 × · · · IiK ⊆ RK e RIc = πIc(R) = Ij1 × · · · IjM ⊆ RM<br />
são projecções <strong>de</strong> R, e é evi<strong>de</strong>nte que mN(R) = mK(RI)mM(RIc). O cálculo<br />
das secções R t I e da função AI é muito simples, e conduz a<br />
R t I =<br />
<br />
RIc, quando t ∈ RI<br />
∅, quando t ∈ RI<br />
Concluímos que<br />
<br />
<br />
AI(t)dmK =<br />
R k<br />
RI<br />
don<strong>de</strong> A t I =<br />
<br />
mM(RIc), quando t ∈ RI<br />
0, quando t ∈ RI<br />
mM(RI c)dmK = mM(RI c)mK(RI) = mN(R).<br />
Note que po<strong>de</strong>mos escrever AI(t) = mM(RI c)χRI (t), e portanto a<br />
função AI é múltipla da função característica <strong>de</strong> RI. Obtivémos assim<br />
o seguinte resultado preliminar:<br />
Lema 3.3.10. Seja R um rectângulo-N, e I um índice-K em RN . Sejam<br />
ainda RI e RIc as projecções acima referidas. Temos então que:<br />
a) As secções R t I são rectângulos-M para qualquer t ∈ RK , sendo que<br />
R t I = RI c quando t ∈ RI, e R t I = ∅ quando t ∈ RI. Portanto,
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 177<br />
<br />
b) AI = mM(RIc)χRI é B-mensurável, e<br />
Rk AI(t)dmK = mN(R).<br />
Usaremos com frequência as seguintes observações elementares.<br />
Lema 3.3.11. Suponha-se que I é um índice-K em R N e t ∈ R K . Se<br />
Eα ⊆ R N para qualquer α ∈ J, temos:<br />
a) Se A = <br />
α∈J<br />
b) Se B = <br />
α∈J<br />
Eα, então A t I = <br />
Eα, então B t I<br />
α∈J<br />
= <br />
α∈J<br />
c) Se E ⊆ R N então (E c ) t<br />
I = E t I<br />
(Eα) t<br />
I .<br />
c.<br />
(Eα) t<br />
I .<br />
Demonstração. Provamos apenas a), a título <strong>de</strong> exemplo. Seja ρI : RK ×<br />
RM → RN a bijecção <strong>de</strong>finida em 3.3.4. Notamos que<br />
y ∈ A t I ⇔ ρI(t,y) ∈ <br />
Eα ⇔ Existe α ∈ J tal que ρI(t,y) ∈ Eα ⇔<br />
α∈J<br />
⇔ Existe α ∈ J tal que y ∈ (Eα) t <br />
I ⇔ y ∈<br />
α∈J<br />
As restantes afirmações são também <strong>de</strong> verificação imediata.<br />
(Eα) t<br />
I .<br />
Para <strong>de</strong>monstrar o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I) na forma 3.3.8, provaremos<br />
sucessivamente lemas auxiliares (3.3.12 a 3.3.15) aplicáveis a conjuntos<br />
E <strong>de</strong> diversos tipos, começando pelo caso em que E ⊂ R N é elementar.<br />
Em todos estes resultados, supomos que<br />
E ⊆ R N , I é um índice-K em R N ,t ∈ R K e N = K + M.<br />
Lema 3.3.12. Se E é elementar então:<br />
a) Os conjuntos E t I ⊆ RM são elementares para qualquer t ∈ R K .<br />
b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é B-mensurável em RK , e<br />
<br />
R K<br />
AI(t)dmK = mN(E).<br />
Demonstração. Como E é elementar, existe uma partição R <strong>de</strong> E em rectângulos<br />
limitados disjuntos. Notamos do lema anterior que<br />
E = <br />
=<br />
Notamos agora que<br />
R∈R<br />
R =⇒ E t I<br />
R∈R<br />
R t I .
178 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• Como as secções Rt I<br />
secções Et I<br />
• Os rectângulos R t I<br />
são rectângulos (lema 3.3.10), é claro que as<br />
são elementares, o que prova a).<br />
são disjuntos (com t e I fixos), e portanto<br />
AI(t) = mM(E t <br />
I ) = mM(R<br />
R∈R<br />
t I ).<br />
Tal como no lema 3.3.10, se RI = πI(R) e RIc = πIc(R), então<br />
AI(t) = <br />
mM(R t I) = <br />
R∈R<br />
R∈R<br />
mM(RIc)χRI (t).<br />
A função AI é assim uma combinação linear <strong>de</strong> funções características<br />
<strong>de</strong> rectângulos limitados, a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas é elementar, e AI<br />
é B-mensurável. O cálculo do seu integral (que existe no sentido <strong>de</strong><br />
Riemann e se reduz a uma soma <strong>de</strong> Darboux)( 9 ) é imediato:<br />
<br />
AI(t)dmK = <br />
<br />
mM(RIc)χRI (t)dmK =<br />
R K<br />
= <br />
R∈R<br />
R∈R<br />
R K<br />
<br />
mK(RI)mM(RIc) = mN(R) = mN(E).<br />
R∈R<br />
Passamos a consi<strong>de</strong>rar o caso dos conjuntos σ-elementares:<br />
Lema 3.3.13. Se E é σ-elementar então:<br />
a) Os conjuntos E t I ⊂ RM são σ-elementares para qualquer t ∈ R K .<br />
b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é B-mensurável em RK , e<br />
<br />
R K<br />
AIdmK = mN(E).<br />
Demonstração. E é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos limitados Rj, e<br />
Os conjuntos (Rj) t<br />
E =<br />
∞<br />
j=1<br />
Rj =⇒ E t I =<br />
∞<br />
j=1<br />
(Rj) t<br />
I .<br />
é também σ-<br />
I são rectângulos limitados, portanto Et I<br />
elementar e a função AI(t) = mM(Et I ) está <strong>de</strong>finida em RK . Consi<strong>de</strong>ramos<br />
os conjuntos elementares auxiliares Un = n j=1 Rj, e observamos que:<br />
(1) Un ր E, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E), e<br />
(2) (Un) t<br />
I ր Et t<br />
I , don<strong>de</strong> mM((Un) I ) → mM(Et I ), para qualquer t ∈ RK .<br />
9 Recor<strong>de</strong> que ainda não estabelecemos a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> Lebesgue em relação<br />
à integranda!
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 179<br />
<br />
Definimos An,I(t) = mM (Un) t<br />
<br />
<br />
I e AI(t) = mM Et I . Como Un é elementar,<br />
segue-se <strong>de</strong> 3.3.12 que An,I <br />
é B-mensurável, e é claro <strong>de</strong> (2) que<br />
An,I(t) ր AI(t) = mM Et I e AI é B-mensurável. Concluímos:<br />
<br />
(3) Do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi:<br />
RK <br />
An,IdmK →<br />
RK <br />
AIdmK.<br />
(4) De 3.3.12 e (1): An,IdmK = mN(Un) → mN(E).<br />
<br />
Temos <strong>de</strong> (3) e (4) que<br />
R K<br />
R K<br />
Consi<strong>de</strong>ramos em seguida o caso:<br />
AdmK = mN(E).<br />
Lema 3.3.14. Se E é <strong>de</strong> tipo Gδ e mN(E) < ∞ então:<br />
a) Os conjuntos E t I ⊆ RM são <strong>de</strong> tipo Gδ para qualquer t ∈ R K .<br />
b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é L-mensurável em RK , e<br />
<br />
R K<br />
AIdmK = mN(E).<br />
Demonstração. Existem conjuntos abertos Un <strong>de</strong> medida finita tais que<br />
Definimos An,I(t) = mM((Un) t<br />
I<br />
(i) Un ց E, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E).<br />
(ii)<br />
<br />
R K<br />
), e observamos do lema 3.3.13, e (i), que<br />
An,IdmK = mN(Un) → mN(E).<br />
As funções An,I são evi<strong>de</strong>ntemente somáveis, e em particular a função A1,I<br />
é finita qtp. É também claro que<br />
E =<br />
∞<br />
n=1<br />
Un =⇒ E t I =<br />
∞<br />
n=1<br />
(Un) t<br />
t<br />
I , i.e., (Un) I ց Et I , e Et I<br />
é um Gδ.<br />
A função AI(t) = mM(Et I ) está, portanto, <strong>de</strong>finida para qualquer t ∈ RK .<br />
Como A1,I(t) < ∞ é finita qtp, temos An,I(t) ց AI(t) qtp, e segue-se do<br />
teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II) que AI é L-mensurável, e<br />
<br />
<br />
(iii) An,IdmK → AIdmK.<br />
R K<br />
O resultado segue-se <strong>de</strong> comparar (ii) e (iii).<br />
O caso dos conjuntos <strong>de</strong> medida nula é um corolário directo do anterior.<br />
R K
180 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Lema 3.3.15. Se E ⊆ R N e mN(E) = 0 então:<br />
a) Os conjuntos E t I são nulos para quase todo o t ∈ RK .<br />
b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é nula qtp em RK , don<strong>de</strong> AI<br />
é L-mensurável, e<br />
<br />
R K<br />
AIdmK = mN(E) = 0.<br />
Demonstração. É claro que existe um conjunto B <strong>de</strong> tipo Gδ tal que mK(B) =<br />
0 e E ⊆ B. Sendo ÃI(t) = mM(Bt I ), temos do lema anterior que<br />
<br />
R K<br />
Como Et I ⊆ Bt I , é evi<strong>de</strong>nte que<br />
ÃIdmK = mN(B) = 0, don<strong>de</strong> ÃI ≃ 0 em R K .<br />
ÃI(t) = 0 ⇐⇒ mM(B t I) = 0 =⇒ mM(E t I) = 0 ⇐⇒ AI(t) = 0.<br />
Concluímos que AI ≃ 0 em R K , o que termina a <strong>de</strong>monstração.<br />
Provamos finalmente o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I) para conjuntos<br />
com medida finita.<br />
Demonstração. Recordamos que existe um conjunto B ⊇ E, <strong>de</strong> tipo Gδ, tal<br />
que mN(B − E) = 0. Com Z = B − E, temos<br />
B = E ∪ Z, e B t I = E t I ∪ Z t I.<br />
Os conjuntos B t I são <strong>de</strong> tipo Gδ, como observámos em 3.3.14, e vimos, em<br />
3.3.15, que Z t I é um conjunto nulo, qtp em RK . Concluímos assim que E t I<br />
é L-mensurável qtp em R K , e<br />
AI(t) = mM(E t I) ≃ mM(B t I) = ÃI(t), em R K .<br />
Supondo que mN(E) < ∞, temos também que mN(B) < ∞, e segue-se do<br />
lema 3.3.14 que a função ÃI, e portanto AI, são L-mensuráveis, e<br />
<br />
AIdmk = ÃIdmk = mN(B) = mN(E).<br />
R K<br />
R K<br />
Deixamos a generalização para conjuntos <strong>de</strong> medida infinita para o exercício<br />
2.<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini refere-se usualmente ao cálculo <strong>de</strong> integrais múltiplos<br />
por iteração <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> mais baixa dimensão. Dada uma função
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 181<br />
f <strong>de</strong>finida em R N+M , e supondo x ∈ R N e y ∈ R M , o teorema <strong>de</strong> Fubini<br />
esclarece condições em que são válidas as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s:<br />
<br />
R N+M<br />
<br />
f(x,y)dxdy =<br />
R M<br />
<br />
(<br />
RN <br />
f(x,y)dx)dy =<br />
RN <br />
(<br />
RM f(x,y)dy)dx.<br />
Claro que esta é apenas um caso especial entre muitas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s análogas,<br />
e por exemplo se N = 1 e M = 2 temos igualmente<br />
<br />
R 3<br />
<br />
f(x,y,x)dxdydz =<br />
R 2<br />
<br />
<br />
( f(x,y,z)dy)dxdz = (<br />
R<br />
R R2 f(x,y,z)dxdz)dy.<br />
Adaptamos a notação já introduzida para secções <strong>de</strong> conjuntos ao problema<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar funções quando fixamos alguns dos seus argumentos.<br />
Exemplos 3.3.16.<br />
1. Dados x, z ∈ R, seja g(y) = f(x, y, z).<br />
É natural escrever g = f(x,z)<br />
(1,3) .<br />
2. Dado y ∈ R, se h(x, z) = f(x, y, z) então escrevemos h = f y<br />
2 .<br />
Mais geralmente, se f : R N → R, I é um índice-K em R N , N = K + M<br />
e t ∈ R K , então f t I : RM → R é a função dada por<br />
f t I (y) = f(x) on<strong>de</strong> πI(x) = t e πIc(x) = y, i.e., ft I (y) = f(ρI(t,y)),<br />
on<strong>de</strong> ρI : RK × RM → RN é a bijecção referida na <strong>de</strong>finição 3.3.4. É fácil<br />
mostrar que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função ft I é uma secção da região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f (figura 3.3.2), e na realida<strong>de</strong><br />
Se E = Ω R N(f) então Ω R M(f t I) = E t I.<br />
As formas mais clássicas do teorema <strong>de</strong> Fubini são por isso corolários directos<br />
do teorema 3.3.8, e po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já <strong>de</strong>monstrar um resultado aplicável a<br />
funções mensuráveis não negativas.<br />
Teorema 3.3.17 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : R N → [0,+∞]<br />
é L-mensurável, I é um índice-K em R N e N = K + M então<br />
a) As funções f t I são L-mensuráveis em RM , para quase todo o t ∈ R K .<br />
b) Sendo A(t) = <br />
R M f t I dmM, então A é L-mensurável em R K , e<br />
<br />
R K<br />
<br />
A(t)dmK =<br />
R N<br />
f(x)dmN.
182 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f, i.e.,<br />
E = Ω R N(f) = (x,z) ∈ R N+1 : x ∈ R N e 0 < z < f(x) .<br />
E é L-mensurável, porque f é L-mensurável. Conforme já observámos, I é<br />
também um índice-K em R N+1 , e se t ∈ R K temos<br />
E t I = Ω R M(f t I).<br />
Como a secção E t I é L-mensurável para quase todo o t ∈ RK , é evi<strong>de</strong>nte<br />
que f t I é igualmente L-mensurável para quase todo o t ∈ RK , e a função AI<br />
dada por<br />
AI(t) = mM+1(E t I) = mM+1(Ω R M(f t I)) =<br />
<br />
R M<br />
f t IdmM,<br />
que está <strong>de</strong>finida qtp em RK , é também L-mensurável. Sempre <strong>de</strong> acordo<br />
com o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma 3.3.8, temos finalmente que<br />
<br />
<br />
fdmN = mN+1(E) = AIdmK = f t <br />
IdmM dmK.<br />
R N<br />
Exemplo 3.3.18.<br />
R K<br />
A aplicação mais simples <strong>de</strong>ste resultado correspon<strong>de</strong> ao caso em que escrevemos<br />
os elementos <strong>de</strong> R N na forma (x, y) com x ∈ R K e y ∈ R M e tomamos<br />
I = (1, 2, · · · , K), ou seja,<br />
<br />
f x I (y) = f(x, y), AI(x) =<br />
R N<br />
<br />
f(x, y)dmN =<br />
R K<br />
<br />
R K<br />
RM f x I dmM =<br />
<br />
AIdmK =<br />
R K<br />
<br />
R M<br />
<br />
R M<br />
R M<br />
f(x, y)dy<br />
<br />
f(x, y)dy dx.<br />
Tomando Π = (K + 1, K + 2, · · · , N), que é um índice-M, temos então<br />
<br />
f(x, y)dx<br />
<br />
f y<br />
Π (x) = f(x, y), AΠ(y) =<br />
R N<br />
<br />
f(x, y)dmN =<br />
R M<br />
R K<br />
<br />
AΠdmM =<br />
f y<br />
Π dmK =<br />
R M<br />
<br />
R K<br />
R K<br />
<br />
f(x, y)dx dy.<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções somáveis é, igualmente, um<br />
corolário simples <strong>de</strong>ste último resultado. No entanto, requer para a sua<br />
<strong>de</strong>monstração a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> Lebesgue, que ainda não estabelecemos.<br />
Será por isso enunciado e <strong>de</strong>monstrado apenas na secção 3.5. A<br />
<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>sse resultado utilizará o seguinte corolário <strong>de</strong> 3.3.17.
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 183<br />
Corolário 3.3.19. Se f : RN → R é L-mensurável, então f é somável<br />
se e só se existe um índice-K em RN , aqui <strong>de</strong>signado I, tal que a função<br />
AI : RM → R, on<strong>de</strong> M = N − K, dada por<br />
<br />
AI(t) = |f| t IdmM é somável.<br />
R M<br />
Neste caso, se Π é um qualquer índice-P em R N , e N = P + Q, temos que<br />
a) As funções f t Π são somáveis em RQ , para quase todo o t ∈ R P , e<br />
b)<br />
<br />
R P<br />
<br />
R Q<br />
|f| t ΠdmQ <br />
dmP =<br />
Demonstração. Se I é um índice-K em RN tal que<br />
<br />
AI(t) =<br />
R N<br />
|f(x)|dmN.<br />
RM |f| t IdmM é somável em R K ,<br />
segue-se do teorema 3.3.17 que f é somável em RN .<br />
Se f é somável, Π é um qualquer índice-P em RN , N = P +Q, e t ∈ RP ,<br />
temos <strong>de</strong> acordo com o teorema 3.3.17 que<br />
<br />
AΠ(t) = |f| t <br />
<br />
IdmQ =⇒ AI(t)dmP = |f|dmN < ∞.<br />
R Q<br />
R P<br />
Segue-se imediatamente que AΠ é finita qtp em R P , ou seja, as funções f t Π<br />
são somáveis em R Q , para quase todo o t ∈ R P .<br />
A seguinte consequência do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue é menos óbvia,<br />
mas muito útil, como veremos na próxima secção. A proprieda<strong>de</strong> em causa<br />
não tem paralelo na teoria <strong>de</strong> Riemann, como já sabemos.<br />
Teorema 3.3.20. Seja E ⊆ R N , e f : E → R uma função L-mensurável<br />
em E. Então os conjuntos F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E :<br />
f(x) < −λ} são L-mensuráveis para quaisquer λ ≥ 0.<br />
Demonstração. Quando λ > 0 é claro que<br />
• F(λ) é uma secção <strong>de</strong> Ω + E (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ E e 0 < y < f(x) .<br />
• G(λ) é uma secção <strong>de</strong> Ω −<br />
E (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ E e 0 > y > f(x) .<br />
Concluímos <strong>de</strong> 3.3.8 que F(λ) e G(λ) são L-mensuráveis, para quase<br />
todo o λ > 0, e existe por isso uma sucessão λn ց λ ≥ 0 tais que F(λn) e<br />
G(λn) são L-mensuráveis. É simples constatar que, se λn ց λ, então<br />
∞<br />
∞<br />
F(λ) = F(λn), e G(λ) = G(λn).<br />
n=1<br />
Concluímos que F(λ) e G(λ) são L-mensuráveis, para qualquer λ ≥ 0.<br />
n=1<br />
R N
184 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
R<br />
λ<br />
F(λ)<br />
Figura 3.3.3: F(λ) = {x ∈ R N : f(x) > λ} é uma secção da região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f.<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue tem um enunciado mais simples para conjuntos<br />
e funções Borel-mensuráveis. Apresentaremos e <strong>de</strong>monstraremos mais<br />
adiante uma versão abstracta <strong>de</strong>ste teorema esclarecendo esta observação,<br />
mas introduzimos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o seguinte resultado, que é relativamente fácil <strong>de</strong><br />
provar (exercício 3).<br />
Teorema 3.3.21. Se E é B-mensurável, os conjuntos Et i são B-mensuráveis,<br />
para todo o t ∈ RK . Se f : E → R é B-mensurável, então os conjuntos<br />
F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ} são B-mensuráveis<br />
para qualquer λ ≥ 0.<br />
Observe-se <strong>de</strong> passagem que os conjuntos F(λ) e G(λ) são imagens inversas<br />
<strong>de</strong> intervalos <strong>de</strong> tipo especial, ou seja,<br />
R N<br />
F(λ) = f −1 (]λ,+∞]) e G(λ) = f −1 ([−∞, −λ[).<br />
Estudaremos na próxima secção a classe <strong>de</strong> conjuntos cuja imagem inversa<br />
por uma função mensurável é mensurável. O exercício 6 <strong>de</strong>sta secção indica<br />
para já outros tipos <strong>de</strong> intervalos que pertencem a essa classe.<br />
Exercícios.<br />
1. Send f somável em E, prove que as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) f ≃ 0 em E.<br />
b) <br />
F fdmN = 0, para qualquer conjunto L-mensurável F ⊆ E.<br />
2. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, generalizando o<br />
resultado para conjuntos <strong>de</strong> medida infinita.<br />
3. Demonstre o teorema 3.3.21. sugestão: Mostre que a classe dos conjuntos<br />
E ⊆ RN tais que as secções Et I são Borel-mensuráveis é uma σ-álgebra que<br />
contém os abertos.<br />
4. Mostre que χE é B-mensurável se e só se E é B-mensurável. Aproveite para<br />
mostrar que existem funções Riemann-integráveis que não são Borel-mensuráveis<br />
e funções f ≃ 0 em R que não são Borel-mensuráveis.
3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 185<br />
5. Sendo f : R N → [0, +∞] L-mensurável, e F(λ) = {x ∈ R N : f(x) > λ},<br />
<strong>de</strong>finimos φ(λ) = mN(F(λ)) para λ ≥ 0. Mostre que φ é L-mensurável, e<br />
∞ <br />
φdm = fdmN.<br />
Prove que se f é somável então λφ(λ) ≤ A < ∞.<br />
0<br />
6. Sendo f : E → R mensurável, mostre que os seguintes conjuntos são mensuráveis.<br />
R N<br />
a) f −1 ([λ, +∞]) e f −1 ([−∞, −λ]), se λ > 0.<br />
b) f −1 ({λ}) (que é um conjunto <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> f), se λ = 0.<br />
c) A imagem inversa f −1 (I) <strong>de</strong> qualquer intervalo I ⊆ R, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que 0 ∈ I.<br />
sugestão: No caso em que f é B-mensurável, <strong>de</strong>ve usar o teorema 3.3.21.<br />
7. Seja f : E → R uma função mensurável em E, e S = {x ∈ E : f(x) = 0}.<br />
a) Prove que S é mensurável.<br />
b) Prove que f é mensurável em F ⊆ E se e só se F = A ∪ N, on<strong>de</strong> A ⊆ S<br />
é mensurável, e N ∩ S = ∅.<br />
c) Suponha que f ≥ 0 em E, e mostre que o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é uma<br />
medida regular em Lf(E) = {A ⊆ E : f é L-mensurável em A}.falso!<br />
8. Consi<strong>de</strong>re a função f : RN → [0, +∞[ dada por f(x) = e−|x|2 <br />
. Calcule<br />
RN fdmN. sugestão: Consi<strong>de</strong>re primeiro o caso N = 2.<br />
9. Calcule o integral <br />
RN |x| 2e−|x|2dmN. 10. Suponha que f : R N → R é somável, seja λ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido,<br />
e En = {x ∈ R N : f(x) > n}.<br />
a) Prove que mN(En) → 0, e λ(En) → 0, quando n → ∞.<br />
b) Mostre que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que<br />
<br />
<br />
mN(E) < δ =⇒ <br />
<br />
<br />
<br />
fdmN <br />
≤<br />
<br />
|f|dmN < ε.<br />
c) Suponha que N = 1, e F(x) = x<br />
E<br />
−∞<br />
ε > 0 existe δ > 0 tal que, se os intervalos Ik =]xk, yk[ são disjuntos,<br />
1 ≤ k ≤ n,( 10 )<br />
n<br />
(yk − xk) < δ =⇒<br />
k=1<br />
E<br />
fdm. Mostre que para qualquer<br />
n<br />
|F(yk) − F(xk)| < ε.<br />
10 Esta proprieda<strong>de</strong> é mais forte do que a continuida<strong>de</strong> uniforme, como os exemplos em<br />
d) e e) mostram, e foi primeiro observada por Harnack, ainda no século XIX, a propósito<br />
<strong>de</strong> integrais impróprios absolutamente convergentes. Diz-se continuida<strong>de</strong> absoluta,<br />
conforme proposto por Vitali em 1905.<br />
k=1
186 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
d) Verifique que a função dada por f(x) = xsen(1/x) para x = 0 não verifica<br />
a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita na alínea anterior no intervalo ]0, 1].<br />
e) Verifique que a “escada do diabo”, que é uniformemente contínua em R,<br />
não verifica a proprieda<strong>de</strong> referida no intervalo [0, 1].<br />
3.4 Funções Mensuráveis<br />
y4<br />
y3<br />
y2<br />
y1<br />
E4<br />
f<br />
E2<br />
Figura 3.4.1: Aproximação do integral <strong>de</strong> f por uma soma finita.<br />
Os integrais <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m ser aproximados por somas finitas, que<br />
generalizam as somas inferiores <strong>de</strong> Darboux referidas no Capítulo 1. Curiosamente,<br />
a técnica utilizada, <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue e ilustrada na figura<br />
3.4.1, utiliza, tal como na teoria <strong>de</strong> Riemann, partições em intervalos, mas<br />
agora no contradomínio da função f. Sendo f : E → [0,+∞] uma função<br />
mensurável, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , consi<strong>de</strong>ramos uma partição finita 0 < y1 ≤<br />
y2 ≤ · · · ≤ yn < +∞ do intervalo [0,+∞]. Recordamos que os conjuntos<br />
F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} são mensuráveis quando λ ≥ 0, e <strong>de</strong>finimos os<br />
conjuntos (ver figura 3.4.1):<br />
⎧<br />
⎨ F(yk)\F(yk+1) = {x ∈ E : yk < f(x) ≤ yk+1}, se 1 ≤ k < n<br />
Ek =<br />
⎩<br />
E3<br />
s<br />
E1<br />
F(yn) = {x ∈ E : yn < f(x)}, se k = n.<br />
Os conjuntos Ek ⊆ R N são claramente mensuráveis e disjuntos. Consi<strong>de</strong>ramos<br />
igualmente os correspon<strong>de</strong>ntes conjuntos Rk = Ek×]0,yk[⊆ R N+1 , que<br />
estão contidos na região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas Ω <strong>de</strong> f. Como a medida <strong>de</strong> Rk é dada<br />
por mN+1(Rk) = ykmN(Ek) e estes conjuntos são também disjuntos, <strong>de</strong>ve
3.4. Funções Mensuráveis 187<br />
ser evi<strong>de</strong>nte que<br />
<br />
n<br />
<br />
≤ mN+1(Ω), i.e.,<br />
mN+1<br />
k=1<br />
Rk<br />
n<br />
k=1<br />
mN+1(Rk) =<br />
n<br />
<br />
ykmN(Ek) ≤<br />
A soma n k=1 ykmN(Ek)( 11 ) é na verda<strong>de</strong> um integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong><br />
uma função <strong>de</strong> tipo muito especial. Definindo s : E → R por<br />
⎧<br />
yk, se x ∈ Ek<br />
⎪⎨<br />
s(x) =<br />
n ,<br />
⎪⎩ 0, se x ∈ Ek<br />
é claro que s é mensurável em E, porque n k=1 Rk é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas<br />
<strong>de</strong> s em E, e temos por isso<br />
<br />
n<br />
s = mN+1<br />
<br />
n<br />
n<br />
= mN+1(Rk) = ykmN(Ek).<br />
E<br />
k=1<br />
Rk<br />
k=1<br />
k=1<br />
k=1<br />
k=1<br />
A função s aproxima f por <strong>de</strong>feito, e é o que chamamos uma<br />
Definição 3.4.1 (Função simples). Se E ⊆ S ⊆ R N , e s : S → R, então<br />
dizemos que s é uma função simples em E se e só se s assume um número<br />
finito <strong>de</strong> valores em E, i.e., se e só se o conjunto s(E) é finito.<br />
Quando s é uma função simples em E então s assume nesse conjunto n<br />
valores distintos α1 < α2 < · · · < αn e os conjuntos Ak = {x ∈ E : s(x) =<br />
αk} são disjuntos. Mais geralmente, diremos que os conjuntos disjuntos<br />
E1,E2, · · · ,Em formam uma partição apropriada à função simples s se<br />
e só se s é constante em cada um dos conjuntos Ek, e é nula fora da sua<br />
união. Neste caso, s é uma combinação linear das funções características<br />
dos conjuntos Ek (restritas a E), porque se s(x) = βk quando x ∈ Bk então<br />
s =<br />
m<br />
k=1<br />
βkχEk .<br />
As funções simples mensuráveis po<strong>de</strong>m caracterizar-se da seguinte forma:<br />
Lema 3.4.2. Se s é simples em E, então s é mensurável em E se e só<br />
existe uma partição apropriada a s formada por conjuntos mensuráveis.<br />
Demonstração. Seja s simples e mensurável. Se s é nula nada temos a<br />
provar, e supomos assim que s assume n valores não nulos α1 < α2 < · · · <<br />
αn, além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r eventualmente assumir também o valor zero. Sendo<br />
11 As somas <strong>de</strong> Darboux mencionadas anteriormente são também somas da forma<br />
n<br />
k=1 ykmN(Ek), mas nesse caso os conjuntos Ek são rectângulos limitados.<br />
E<br />
f.
188 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Ak = {x ∈ E : s(x) = αk}, os conjuntos A1,A2, · · · ,An formam uma<br />
partição apropriada a s, porque são disjuntos e s é nula fora <strong>de</strong>sses conjuntos.<br />
Sabemos do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue que as secções da região <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> s são mensuráveis, e é fácil verificar que neste caso os conjuntos<br />
Ak são mensuráveis.<br />
Supomos agora que existe uma partição apropriada a s formada pelos conjuntos<br />
mensuráveis disjuntos E1,E2, · · · ,Em tais que s(x) = βk quando<br />
x ∈ Ek. A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> s em E é dada por<br />
ΩE(s) =<br />
⎧<br />
m<br />
⎨ ]0,βk[, se βk > 0<br />
Rk, on<strong>de</strong> Rk = Ek × Ik e Ik = ∅, se βk = 0, e<br />
⎩<br />
k=1<br />
]βk,0[, se βk < 0.<br />
Concluímos que ΩE(s) é uma união finita <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis Rk, e é<br />
mensurável, assim como a função s.<br />
Quando s é uma função simples mensurável, passamos a dizer que P =<br />
{A1,A2, · · · ,An} é uma partição apropriada à função s apenas quando<br />
P é formada por conjuntos mensuráveis. Para evitar a introdução <strong>de</strong> índices<br />
supérfluos, <strong>de</strong>signaremos o valor da função s no conjunto c ∈ P por sc.<br />
Exemplos 3.4.3.<br />
1. A função <strong>de</strong> Dirichlet é uma função simples mensurável, porque é a função<br />
característica do conjunto mensurável Q.<br />
2. Mais geralmente, as funções simples mensuráveis são combinações lineares<br />
finitas <strong>de</strong> funções características <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis.<br />
Os integrais <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> funções simples mensuráveis são efectivamente<br />
somas finitas semelhantes a somas <strong>de</strong> Darboux.<br />
Proposição 3.4.4. Seja s : E → R simples e mensurável em E ⊆ RN . Se<br />
P é uma partição apropriada a s então:<br />
a) s é somável em E se e só se <br />
|sc|mN(c) < +∞.<br />
c∈P<br />
b) Se o integral <strong>de</strong> s em E existe, em particular se s ≥ 0 qtp em E, ou<br />
se s é somável em E, então<br />
<br />
sdmN = <br />
scmN(c).<br />
E<br />
Demonstração. Se s é uma função simples não-negativa, o conjunto Ω − E (s)<br />
é vazio, e o conjunto Ω + E (s) é a união (finita) dos produtos cartesianos disjuntos<br />
Rc = c×]0,sc[, on<strong>de</strong> supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que sc > 0<br />
para c ∈ P. Temos neste caso<br />
c∈P<br />
mN+1(Rc) = mN+1 (c×]0,sc[) = mN(c)m1(]0,sc[) = scmN(c).
3.4. Funções Mensuráveis 189<br />
sc<br />
sc ′<br />
sc ′′<br />
mN(c)<br />
Rc<br />
c c ′<br />
Rc ′<br />
c ′′<br />
Rc ′′<br />
Figura 3.4.2: mN+1(Rc) = |sc|mN(c)<br />
Concluímos que<br />
<br />
sdmN = mN+1( <br />
Rc) = <br />
mN+1(Rc) = <br />
scmN(c).<br />
E<br />
c∈P<br />
c∈P<br />
Deixamos as restantes afirmações para o exercício 1.<br />
Exemplo 3.4.5.<br />
Num caso como o da figura 3.4.1, existe uma partição P apropriada à função<br />
s ≤ f formada por rectângulos limitados r, e o integral <strong>de</strong> s é uma soma<br />
(inferior) <strong>de</strong> Darboux <strong>de</strong> f, já que<br />
<br />
αrmN(r) = <br />
αrcN(r), on<strong>de</strong> αr = inf{f(x) : x ∈ r}.<br />
r∈P<br />
r∈P<br />
As seguintes proprieda<strong>de</strong>s elementares das funções simples mensuráveis,<br />
e do respectivo integral <strong>de</strong> Lebesgue, são muito fáceis <strong>de</strong> estabelecer e serão<br />
<strong>de</strong>pois generalizadas a outras funções mensuráveis.<br />
Proposição 3.4.6. Seja E ⊆ R N , c ∈ R, e s,t : S → R funções simples<br />
mensuráveis em E. Temos então:<br />
c∈P<br />
a) cs, s + , s − , |s|, s + t, e st são simples, e mensuráveis em E.<br />
Se s e t são não-negativas em E, ou se s e t são somáveis em E, temos<br />
ainda<br />
<br />
<br />
b) Aditivida<strong>de</strong>: (s + t)dmN = sdmN + tdmN.<br />
E<br />
E<br />
E
190 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
c) Homogeneida<strong>de</strong>:<br />
<br />
(cs)dmN = c(<br />
E<br />
E<br />
sdmN).<br />
Demonstração. Sejam P e Q partições apropriadas, respectivamente, a s e<br />
a t. A partição P é apropriada a qualquer uma das funções cs, s + , s − , e |s|,<br />
que são, por isso, simples e mensuráveis. Sendo<br />
A = <br />
r ⊇ {x ∈ E : s(x) = 0},B = <br />
r ⊇ {x ∈ E : t(x) = 0},<br />
r∈P<br />
juntamos o conjunto B\A (on<strong>de</strong> s = 0) a P para formar P ′ e juntamos A\B<br />
(on<strong>de</strong> t = 0) a Q para formar Q ′ . O refinamento comum R = {p ∩ q : p ∈<br />
P ′ ,q ∈ Q ′ } é uma partição apropriada às funções s + t e st, que são, por<br />
isso, simples e mensuráveis.<br />
Se s e t são não-negativas, e c ≥ 0, então s + t e cs são, também, nãonegativas.<br />
Segue-se <strong>de</strong> 3.4.4 b) que:<br />
(i)<br />
<br />
E<br />
r∈Q<br />
(s + t)dmN = <br />
(s + t)rmN(r) = <br />
(sr + tr)mN(r) =<br />
r∈R<br />
<br />
srmN(r) + <br />
<br />
trmN(r) =<br />
r∈R<br />
r∈R<br />
E<br />
r∈R<br />
<br />
sdmN +<br />
E<br />
tdmN.<br />
Se s e t são somáveis então |s + t| é somável, porque |s + t| ≤ |s| + |t|, e<br />
<br />
E<br />
<br />
|s + t|dmN ≤<br />
E<br />
<br />
(|s| + |t|)dmN =<br />
E<br />
<br />
|s|dmN + |t|dmN,<br />
E<br />
<strong>de</strong> acordo com (i). Concluímos, novamente <strong>de</strong> 3.4.4 b), que (i) também é<br />
válida para funções simples somáveis.<br />
O próximo teorema introduz uma outra caracterização das funções mensuráveis,<br />
e permite com frequência estabelecer proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas funções por<br />
generalização das correspon<strong>de</strong>ntes proprieda<strong>de</strong>s das funções simples mensuráveis.<br />
De acordo com este resultado,<br />
as funções mensuráveis são limites pontuais <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções<br />
simples mensuráveis.<br />
Teorema 3.4.7. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , então f é mensurável<br />
em E se e só existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples mensuráveis em E,<br />
sn : E → R tais que sn(x) → f(x), e |sn(x)| ր |f(x)|, para qualquer x ∈ E.<br />
Neste caso, se f ≥ 0 ou se f é somável temos ainda que<br />
<br />
sndmN → fdmN.<br />
E<br />
E
3.4. Funções Mensuráveis 191<br />
Demonstração. Se existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples mensuráveis sn,<br />
tais que sn(x) → f(x), para qualquer x ∈ E, então f é mensurável, <strong>de</strong><br />
acordo com o teorema 3.2.2. Como |sn(x)| ր |f(x)|, aplicamos o Teorema<br />
<strong>de</strong> Beppo Levi (se f ≥ 0) ou o Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong><br />
Lebesgue (se f é somável) para obter<br />
<br />
sndmN → fdmN.<br />
E<br />
Supomos, portanto, que f é mensurável em E, e passamos a <strong>de</strong>finir a sucessão<br />
<strong>de</strong> funções simples mensuráveis sn em causa. Consi<strong>de</strong>ramos primeiro<br />
o caso f ≥ 0, e recordamos do início <strong>de</strong>sta secção que, dados pontos<br />
0 < y1 < · · · < ym < +∞, é fácil <strong>de</strong>terminar uma função simples mensurável<br />
s ≤ f tomando<br />
s =<br />
m<br />
k=1<br />
E<br />
ykχEk , on<strong>de</strong> Ek = f −1 (]yk,yk+1]) se k < m e Em = f −1 (]ym,+∞]).<br />
Escrevendo P = {y1,y2, · · · ,ym}, <strong>de</strong>signamos por ∆(P) o máximo comprimento<br />
dos intervalos [yk,yk+1], ou seja, ∆(P) = max{yk+1−yk : 1 ≤ k < m}.<br />
Definimos aqui a sucessão <strong>de</strong> funções sn a partir <strong>de</strong> uma sucessão apropriada<br />
<strong>de</strong> partições Pn = {yn,k : 1 ≤ k ≤ mn}, on<strong>de</strong> 0 < yn,k < yn,k+1. Os <strong>de</strong>talhes<br />
da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Pn são em larga medida irrelevantes, e para efeitos <strong>de</strong>sta<br />
<strong>de</strong>monstração é apenas necessário garantir que:<br />
(1) As partições Pn resultam <strong>de</strong> sucessivos refinamentos, i.e., Pn ⊂ Pn+1,<br />
(2) max Pn ր +∞ e min Pn ց 0, e<br />
(3) ∆(Pn) → 0.<br />
Estas condições são satisfeitas tomando, por exemplo,<br />
min Pn = 1<br />
2 n,max Pn = n e yn,k = k<br />
2 n,1 ≤ k ≤ n2n , don<strong>de</strong> mn = n2 n .<br />
Por outras palavras, dividimos o intervalo ]0,n] em n2n subintervalos <strong>de</strong><br />
comprimento 1<br />
2n, do tipo ] k k+1<br />
2n, 2n ], on<strong>de</strong> 0 ≤ k < n2n . A correspon<strong>de</strong>nte<br />
função sn : E → [0,+∞[ é dada por<br />
n2n ⎧<br />
<br />
⎨<br />
sn =<br />
k=1<br />
k<br />
2 nχEn,k , com En,k =<br />
⎩<br />
{x ∈ E : k<br />
2 n < f(x) ≤ k+1<br />
2 n }, se k < n2 n<br />
{x ∈ E : f(x) > n}, se k = n2 n<br />
As funções sn são simples e mensuráveis, e é quase evi<strong>de</strong>nte que<br />
(4) Como Pn ⊂ Pn+1, temos sn(x) ≤ sn+1(x) para qualquer x ∈ E.<br />
Para mostrar que sn(x) → f(x), consi<strong>de</strong>ramos os seguintes casos:
192 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
(5) Se f(x) = 0, então sn(x) = 0 → 0 = f(x).<br />
(6) Se f(x) = +∞, então sn(x) = n → +∞ = f(x).<br />
(7) Se 0 < f(x) < +∞ e n > f(x) existe k < n2 n tal que<br />
k k + 1<br />
< f(x) ≤<br />
2n 2n , don<strong>de</strong> sn(x) ≤ f(x) < sn(x)+ 1<br />
2n e sn(x) → f(x).<br />
Concluímos <strong>de</strong> (4) a (7) que sn(x) ր f(x) para qualquer x ∈ E.<br />
Se f : E → R é mensurável, existem funções simples mensuráveis<br />
un(x) ր f + (x) e vn(x) ր f − (x), don<strong>de</strong> sn(x) = un(x) − vn(x) → f(x)<br />
para qualquer x ∈ E. É claro que<br />
|sn(x)| = |un(x) − vn(x)| = un(x) + vn(x) ր f + (x) + f − (x) = |f(x)|.<br />
Sublinhe-se que a <strong>de</strong>monstração do teorema anterior não usa directamente a<br />
mensurabilida<strong>de</strong> da função f, mas apenas a mensurabilida<strong>de</strong> dos conjuntos<br />
f −1 (]λ,+∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) para λ > 0. Po<strong>de</strong>mos por isso provar<br />
Lema 3.4.8. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ R N , então as seguintes afirmações<br />
são equivalentes:<br />
a) f é mensurável em E,<br />
b) f −1 (]λ,+∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) são mensuráveis para qualquer λ > 0,<br />
c) Existem funções simples mensuráveis sn : E → R tais que sn(x) →<br />
f(x) para qualquer x ∈ E.<br />
Demonstração. Notamos apenas que<br />
• a) ⇒ b), <strong>de</strong> acordo com 3.3.20 e 3.3.21.<br />
• b) ⇒ c), <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>monstração do teorema 3.4.7.<br />
• c) ⇒ a), <strong>de</strong> acordo com 3.2.2.<br />
Passamos a estabelecer diversas proprieda<strong>de</strong>s básicas da classe das funções<br />
mensuráveis e do integral <strong>de</strong> Lebesgue. Baseamo-nos aqui em larga medida<br />
na aproximação <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue por integrais <strong>de</strong> funções simples,<br />
que como já dissémos substitui a aproximação <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Riemann por<br />
somas <strong>de</strong> Darboux.<br />
Teorema 3.4.9. Se f,g : E → R são mensuráveis em E e c ∈ R, então
3.4. Funções Mensuráveis 193<br />
a) As funções fg e cf são mensuráveis em E.<br />
b) As funções f + g e f − g são mensuráveis nos conjuntos on<strong>de</strong> estão<br />
<strong>de</strong>finidas. Em particular,<br />
c) Se f,g ≥ 0 em E, então f + g é mensurável em E.<br />
d) Se f e g são finitas em E, então f +g e f −g são mensuráveis em E.<br />
Demonstração. Existem funções simples mensuráveis sn,tn tais que<br />
sn(x) → f(x),tn(x) → g(x), |sn(x)| ր |f(x)|, e |tn(x)| ր |g(x)|.<br />
Temos sn(x)tn(x) → f(x)g(x), para qualquer x ∈ E, já que a in<strong>de</strong>terminação<br />
0 × ∞ po<strong>de</strong> ser trivialmente levantada( 12 ). Concluímos que fg<br />
é uma função mensurável em E. Temos também csn(x) → cf(x), para<br />
qualquer x ∈ E, o que termina a verificação <strong>de</strong> a).<br />
Os casos da soma e da diferença são semelhantes, e ilustramos o tipo <strong>de</strong><br />
argumento necessário com a soma, que está <strong>de</strong>finida em E\F, on<strong>de</strong><br />
F = {x ∈ E : |f(x)| = ∞, e g(x) = −f(x)} .<br />
Deixamos para o exercício 7 verificar que o conjunto F é mensurável. Supomos<br />
as funções sn e tn <strong>de</strong>finidas como na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.7, e observamos<br />
que<br />
• Quando x ∈ E\F, é óbvio que sn(x) + tn(x) → f(x) + g(x).<br />
• Quando x ∈ F, temos f(x) = +∞ e g(x) = −∞, ou f(x) = −∞<br />
e g(x) = +∞. No primeiro caso, sn(x) = n e tn(x) = −n, e no<br />
segundo caso sn(x) = −n e tn(x) = n. Em ambos os casos, temos<br />
sn(x) + tn(x) = 0 → 0.<br />
Concluímos que sn(x) + tn(x) → h(x) para qualquer x ∈ E, on<strong>de</strong> h é<br />
mensurável em E e a função f + g é a restrição <strong>de</strong> h a E\F. Como h é nula<br />
fora <strong>de</strong> E\F, temos ainda que h = f + g é mensurável em E\F.<br />
As afirmações c) e d) são consequências evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> b).<br />
A aditivida<strong>de</strong> e homogeneida<strong>de</strong> do integral, estabelecidas em 3.4.6 para<br />
as funções simples, po<strong>de</strong>m ser generalizadas como se segue.<br />
Teorema 3.4.10. Sejam f,g : E → R mensuráveis em E, e c ∈ R. Se<br />
f,g ≥ 0 em E, ou se f e g são finitas e somáveis em E, então<br />
<br />
<br />
a) Aditivida<strong>de</strong>: (f + g)dmN = fdmN + gdmN.<br />
E<br />
12 Recor<strong>de</strong> que fg está <strong>de</strong>finido em E, e convencionámos que 0 × (±∞) = 0.<br />
E<br />
E
194 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
b) Homogeneida<strong>de</strong>:<br />
<br />
(cf)dmN = c<br />
E<br />
E<br />
fdmN<br />
Demonstração. De acordo com o teorema 3.4.7, existem funções simples<br />
mensuráveis sn e tn tais que sn(x) → f(x),tn(x) → g(x), |sn(x)| ր |f(x)|<br />
e |tn(x)| ր |g(x)|. Por outro lado, a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> funções<br />
simples (estabelecida na proposição 3.4.6) permite-nos concluir que<br />
<br />
<br />
(1) (sn + tn)dmN = sndmN + tndmN → fdmN + gdmN.<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E E<br />
Para terminar a verificação <strong>de</strong> a), basta-nos mostrar que<br />
<br />
<br />
(2) (sn + tn)dmN → (f + g)dmN.<br />
E<br />
E<br />
Notamos que sn + tn → f + g para qualquer x ∈ E, e dividimos a <strong>de</strong>monstração<br />
<strong>de</strong> (2) em dois casos:<br />
(i) Se f e g são não-negativas, então sn +tn ր f +g, e (2) é consequência<br />
da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beppo Levi.<br />
(ii) Se as funções f e g são somáveis, então |sn+tn| ≤ |sn|+|tn| ≤ |f|+|g|,<br />
e a função |f| + |g| é somável, porque, <strong>de</strong> acordo com (i),<br />
<br />
<br />
(|f| + |g|)dmN = |f|dmN + |g|dmN < ∞.<br />
E<br />
E<br />
A afirmação (2) resulta agora do teorema da convergência dominada<br />
<strong>de</strong> Lebesgue.<br />
A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> provar-se para qualquer função<br />
f para a qual exista o respectivo integral <strong>de</strong> Lebesgue (exercício 5).<br />
Provámos a aditivida<strong>de</strong> do integral para funções somáveis apenas quando<br />
estas são finitas na região <strong>de</strong> integração, mas esta restrição é em certo sentido<br />
supérflua. Qualquer função somável é finita qtp, e portanto a soma f + g<br />
está <strong>de</strong>finida, e é mensurável e finita em F ⊆ E, on<strong>de</strong> mN(E\F) = 0. Se h<br />
é mensurável em E e h ≃ f + g em F, é evi<strong>de</strong>nte que<br />
<br />
hdmN = hdmN = (f + g)dmN =<br />
<br />
=<br />
F<br />
E<br />
<br />
fdmN +<br />
F<br />
F<br />
<br />
gdmN =<br />
E<br />
F<br />
<br />
.<br />
E<br />
<br />
fdmN +<br />
E<br />
gdmN.<br />
Veremos na próxima secção como tornear estas dificulda<strong>de</strong>s usando classes<br />
<strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>terminadas pela relação “≃”.<br />
Registe-se ainda o seguinte corolário do teorema 3.4.7:
3.4. Funções Mensuráveis 195<br />
Corolário 3.4.11. Se f é somável em E ⊆ RN e ε > 0 existe uma função<br />
s, simples e somável em E, tal que |f − s|dmN < ε.<br />
E<br />
Demonstração. Como vimos em 3.4.7, existem funções simples mensuráveis<br />
sn tais que sn → f, e |sn| ≤ |f|. A função |f − sn| está <strong>de</strong>finida e é<br />
mensurável em E, e é também somável, porque<br />
|f − sn| ≤ |f| + |sn| ≤ 2|f|.<br />
Como |f − sn| → 0, segue-se do teorema da convergência dominada que<br />
<br />
E |f − sn|dmN → 0, o que conclui a <strong>de</strong>monstração.<br />
Os dois resultados seguintes são ainda consequências do teorema 3.4.7.<br />
O primeiro é um complemento interessante do teorema 3.2.2, e a sua <strong>de</strong>monstração<br />
é referida nos exercícios 8 e 9. A <strong>de</strong>monstração do segundo está<br />
esboçada no exercício 10.<br />
Teorema 3.4.12. Se as funções fn : E → R são mensuráveis em E ⊆ RN ,<br />
F ⊆ E é o conjunto on<strong>de</strong> existe lim<br />
n→∞ fn(x) e f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) para x ∈ F,<br />
então f é mensurável em F.<br />
Teorema 3.4.13. f : E → R é L-mensurável em E se e só se existe uma<br />
função g : E → R, B-mensurável em E, tal que g ≃ f em E.<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “função mensurável” que usámos até aqui é a <strong>de</strong>finição<br />
original <strong>de</strong> Lebesgue, mas não é a única possível, e é útil conhecer e explorar<br />
outras alternativas. Recor<strong>de</strong>-se do lema 3.4.8 que f : E → R é mensurável<br />
se e só se, para qualquer λ > 0,<br />
f −1 (A) é mensurável quando A =]λ, ∞] e quando A = [−∞, −λ[.<br />
Propomo-nos agora estudar a classe dos conjuntos A ⊆ R com imagem<br />
inversa f −1 (A) mensurável, e começamos com um lema abstracto.<br />
Lema 3.4.14. Seja (X, M) um espaço mensurável, E ∈ M um conjunto<br />
M-mensurável, Y um conjunto qualquer, e f : E → Y uma função. Se<br />
então A é uma σ-álgebra em Y .<br />
A = A ⊆ Y : f −1 (A) ∈ M ,<br />
Demonstração. Basta-nos observar que:<br />
• Como f −1 (Y ) = E ∈ M, temos Y ∈ A.<br />
• f −1 (A c ) = E\f −1 (A), don<strong>de</strong> A ∈ A ⇒ A c ∈ A.
196 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• f −1<br />
∞<br />
n=1<br />
An<br />
<br />
=<br />
∞<br />
f −1 (An) e, por isso,<br />
n=1<br />
An ∈ A ⇒ f −1 (An) ∈ M ⇒<br />
∞<br />
f −1 (An) ∈ M ⇒<br />
n=1<br />
∞<br />
An ∈ A.<br />
Este lema po<strong>de</strong> ser aplicado a funções f : E → R, supondo que E ⊆ R N<br />
é mensurável, e conduz facilmente a<br />
Teorema 3.4.15. Seja E ⊆ R N um conjunto mensurável. Se f : E → R,<br />
então as seguintes condições são equivalentes:<br />
a) {x ∈ E : f(x) > λ} é mensurável, para qualquer λ ∈ R.<br />
b) f −1 (I) é mensurável, para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />
c) f é mensurável em E.<br />
Demonstração. A classe A = {A ⊆ R : f −1 (A) é mensurável } é uma σálgebra<br />
em R, pelo lema 3.4.14.<br />
a) ⇒ b): A σ-álgebra A contém os intervalos ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R.<br />
Portanto contém igualmente:<br />
n=1<br />
• Os intervalos ]α,β] =]α, ∞]\[β, ∞], para quaisquer α,β ∈ R.<br />
• Os conjuntos {β} =<br />
∞<br />
]β − 1<br />
,β], para qualquer β ∈ R.<br />
n<br />
n=1<br />
Deixamos como exercício mostrar que A contém todos os intervalos I ⊆ R.<br />
b) ⇒ c): A σ-álgebra A contém evi<strong>de</strong>ntemente os intervalos [−∞, −λ[ e<br />
]λ, ∞], para qualquer λ. Concluímos do lema 3.4.8 que f é mensurável em<br />
E.<br />
c) ⇒ a): Sabemos <strong>de</strong> 3.4.8 que a σ-álgebra A contém os intervalos<br />
[−∞, −λ[ e ]λ, ∞], para qualquer λ > 0. Deixamos como exercício mostrar<br />
que A contém os intervalos da forma ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R.<br />
O resultado anterior po<strong>de</strong> também ser adaptado como se segue.<br />
Teorema 3.4.16. Se E ⊆ R N é mensurável e f : E → R M , então f é<br />
mensurável se e só se f −1 (B) é mensurável, para qualquer B ∈ B(R M ).<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos novamente a classe<br />
A = B ⊆ R M : f −1 (B) é mensurável .
3.4. Funções Mensuráveis 197<br />
Supomos primeiro que f = (f1,f2, · · · ,fM) é mensurável: Seja B = I1 ×<br />
I2 × · · · × IM um rectângulo aberto, on<strong>de</strong> os conjuntos Ik são intervalos<br />
abertos. Como cada função fk é mensurável, temos<br />
f −1 (B) = {x ∈ E : fk(x) ∈ Ik,1 ≤ k ≤ n} =<br />
M<br />
k=1<br />
f −1<br />
k (Ik) é mensurável.<br />
Concluímos que a σ-álgebra A contém todos os rectângulos abertos, e consequentemente,<br />
todos os conjuntos Borel-mensuráveis.<br />
Supomos agora que f −1 (B) é mensurável, para qualquer B ∈ B(R M ): Sendo<br />
B = I1 × I2 × · · · × IM , on<strong>de</strong> Ik = R, para k = j, e Ij = I é um intervalo<br />
arbitrário, o conjunto B é B-mensurável, e portanto f −1 (B) é mensurável.<br />
Como<br />
f −1 (B) = {x ∈ E : fk(x) ∈ Ik} =<br />
M<br />
k=1<br />
f −1<br />
k (Ik) = f −1<br />
j (I),<br />
concluímos que fj é mensurável, para qualquer j, don<strong>de</strong> f é mensurável.<br />
Po<strong>de</strong>mos ainda mostrar que a composição <strong>de</strong> uma função B-mensurável<br />
com qualquer função mensurável é mensurável:<br />
Corolário 3.4.17. Seja E ⊆ R N mensurável e f = (f1,f2, · · · ,fM) : E →<br />
R M mensurável em E. Se g : R M → R é B-mensurável em R M , então a<br />
composta h = g ◦ f é mensurável em E.<br />
Demonstração. Se A ⊆ R é B-mensurável, então B = g −1 (A) é B-mensurável,<br />
e portanto h −1 (A) = f −1 (g −1 (A)) = f −1 (B) é mensurável, e a função<br />
h é mensurável.<br />
É muito comum usar a afirmação a) no teorema 3.4.15 como a <strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> “função mensurável”, supondo que a função em causa está <strong>de</strong>finida num<br />
conjunto mensurável. Esta alternativa tem as seguintes vantagens:<br />
• Torna evi<strong>de</strong>nte que as funções contínuas são Borel-mensuráveis,<br />
• É directamente aplicável a funções f : E → RM , mesmo quando E ⊆<br />
X, on<strong>de</strong> (X, M) é um espaço mensurável “arbitrário”.<br />
O seu principal inconveniente, e uma das razões pela qual não foi aqui adoptada,<br />
é a <strong>de</strong> obscurecer as relações muito directas que existem entre as noções<br />
<strong>de</strong> mensurabilida<strong>de</strong> para conjuntos, e para funções, e entre as noções <strong>de</strong> medida<br />
para conjuntos, e integral para funções. Veremos no Capítulo 5 como a<br />
<strong>de</strong>finição 3.1.1, que adoptámos neste texto, po<strong>de</strong> ser generalizada para um<br />
qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ).
198 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Aproveitamos para estabelecer uma versão da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jensen( 13 ).<br />
Recordamos para isso alguns factos elementares relacionados com as noções<br />
<strong>de</strong> convexida<strong>de</strong>, e concavida<strong>de</strong>, tais como se aplicam a funções reais <strong>de</strong><br />
variável real.<br />
f(x)<br />
f(y)<br />
αf(x) + (1 − α)f(y)<br />
f(αx + (1 − α)y)<br />
f<br />
g(y)<br />
g(x)<br />
g(αx + (1 − α)y)<br />
αg(x) + (1 − α)g(y)<br />
x αx + (1 − α)y y x αx + (1 − α)y y<br />
Figura 3.4.3: f (à esquerda) é convexa, g (à direita) é côncava.<br />
Definição 3.4.18 (Funções Convexas, Côncavas). Se f : I → R está<br />
<strong>de</strong>finida num intervalo I ⊆ R, então f é convexa em I se e só se<br />
s,t ∈ I,α,β ≥ 0, e α + β = 1 =⇒ f(αs + βt) ≤ αf(s) + βf(t).<br />
A função f diz-se côncava se e só se −f é convexa.( 14 )<br />
O significado geométrico <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>finições é ilustrado na figura 3.4.3: f<br />
é convexa se e só se o seu gráfico está sob qualquer uma das suas cordas, e<br />
côncava se o seu gráfico está sobre as respectivas cordas.<br />
Deixamos para o exercício 14 a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado auxiliar:<br />
Lema 3.4.19. Se f é convexa no intervalo aberto I então f é contínua em<br />
I e<br />
f(y) − f(x) f(z) − f(y)<br />
Se x < y < z ∈ I, então ≤ .<br />
y − x z − y<br />
Teorema 3.4.20 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jensen). Seja I ⊆ R um intervalo aberto<br />
e φ uma função real convexa em I. Se E ⊆ RN , mN(E) < ∞, f : E → R é<br />
somável em E e f(E) ⊆ I, então<br />
φ<br />
1<br />
mN(E)<br />
<br />
E<br />
<br />
fdmN ≤<br />
<br />
1<br />
φ(f)dmN.<br />
mN(E) E<br />
13 De Johan Jensen, 1859-1925, matemático dinamarquês.<br />
14 z = αs+βt diz-se uma combinação convexa <strong>de</strong> s e t. Note-se que se f tem segunda<br />
<strong>de</strong>rivada f ′′ então é côncava se e só se f ′′ ≤ 0.<br />
g
3.4. Funções Mensuráveis 199<br />
Demonstração. Definimos<br />
<br />
1<br />
α =<br />
mN(E)<br />
E<br />
f(x)dmN e K = inf<br />
y>α<br />
φ(y) − φ(α)<br />
.<br />
y − α<br />
Supondo que x < α < y, segue-se facilmente do lema 3.4.19 que<br />
φ(α) − φ(x)<br />
α − x<br />
≤ K ≤<br />
φ(y) − φ(α)<br />
.<br />
y − α<br />
Temos assim que φ(y) − φ(α) ≥ K(y − α), para qualquer y ∈ R. Tomando<br />
agora y = f(x), concluímos que<br />
φ(f(x)) ≥ φ(α) + K(f(x) − α), para qualquer x ∈ R.<br />
A função φ ◦ f é mensurável, pelo corolário 3.4.17, e é fácil verificar que o<br />
seu integral em E está <strong>de</strong>finido. Temos portanto:<br />
<br />
<br />
φ(f(x))dmN ≥ φ(α)mN(E) + K (f(x) − α)dmN = φ(α)mN(E).<br />
E<br />
Exercícios.<br />
1. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.4.<br />
2. Mostre que as funções simples mensuráveis em R N formam o menor espaço<br />
vectorial que contém as funções características dos conjuntos mensuráveis.<br />
3. Suponha que f : E → R é mensurável, e finita qtp. Mostre que existe uma<br />
função mensurável g : E → R tal que f ≃ g.<br />
4. Seja s : R N → R uma função simples mensurável não-negativa, ou somável,<br />
em R N . Supondo que s assume os valores α1, α2, · · · , αn, respectivamente, nos<br />
conjuntos mensuráveis A1, A2, · · · , An, e E ∈ L(R N ), mostre que<br />
<br />
E<br />
sdmN =<br />
E<br />
n<br />
αkmN(Ak ∩ E).<br />
k=1<br />
5. Mostre que se o integral <strong>de</strong> Lebesgue <br />
E fdmN existe e c ∈ R então o integral<br />
<br />
<br />
(cf)dmN também existe, e (cf)dmN = c fdmN .<br />
E<br />
E<br />
6. Sendo f : R → R L-mensurável e diferenciável qtp, mostre que a <strong>de</strong>rivada f ′<br />
é L-mensurável.<br />
7. Mostre que o conjunto F referido na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.9 é mensurável.<br />
E
200 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
8. Sendo f, g : E → R mensuráveis, mostre que D = {x ∈ E : f(x) = g(x)} é<br />
mensurável, e que se E é mensurável então {x ∈ E : f(x) = g(x)} é também<br />
mensurável. sugestão: Mostre que existe uma função mensurável h : E → R<br />
tal que D = {x ∈ E : h(x) = 0}.<br />
9. Demonstre o teorema 3.4.12. Mostre que o conjunto on<strong>de</strong> o limite existe é<br />
mensurável, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o conjunto E seja mensurável. sugestão: Aplique o<br />
exercício anterior às funções limsup fn e liminf<br />
n→∞ n→∞ fn.<br />
10. Mostre que f é L-mensurável em E se e só se existe uma função g, Bmensurável<br />
em E, tal que f ≃ g em E. sugestão: Existem funções simples<br />
L-mensuráveis sn tais que sn(x) → f(x) para qualquer x ∈ E. Observe<br />
que existem funções simples B-mensuráveis tn tais que sn ≃ tn em E, don<strong>de</strong><br />
tn(x) → f(x) qtp em E.<br />
11. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.15.<br />
12. Sendo f : R N → R M mensurável, e g(x) = |f(x)|, prove que g é mensurável.<br />
Supondo que o integral à esquerda existe, <strong>de</strong>monstre ainda a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
triangular, na forma: <br />
E<br />
<br />
<br />
fdmN <br />
≤<br />
<br />
E<br />
|f| dmN.<br />
13. Prove que se E ⊆ RN , e f : E → [0, +∞] é mensurável em E, então<br />
<br />
<br />
fdmN = sup sdmN : s simples e mensurável, com s ≤ f .<br />
E<br />
E<br />
14. Demonstre o lema 3.4.19. sugestão: Sendo m(u, v) o <strong>de</strong>clive da corda que<br />
passa pelos pontos do gráfico <strong>de</strong> f com abcissas u e v, observe que m(x, y) ≤<br />
m(x, z) ≤ m(y, z).<br />
15. A função φ◦f referida na <strong>de</strong>monstração do teorema 3.4.20 é necessariamente<br />
somável em E? O seu integral está sempre <strong>de</strong>finido?<br />
3.5 Funções Somáveis<br />
O estudo das funções finitas qtp é simplificado i<strong>de</strong>ntificando (i.e., tratando<br />
como um único objecto) funções mensuráveis que diferem entre si num conjunto<br />
<strong>de</strong> medida nula. Esta i<strong>de</strong>ntificação resume-se a consi<strong>de</strong>rar, no lugar do<br />
espaço <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis e finitas qtp f : E → R, o respectivo<br />
conjunto quociente pela relação “≃”, que <strong>de</strong>signaremos aqui F(E). Por<br />
outras palavras, se F(E) é o conjunto <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis e<br />
finitas qtp f : E → R, e se para f ∈ F(E) temos [f] = {g ∈ F(E) : g ≃ f}<br />
então<br />
F(E) = F(E)<br />
= { [f] : f ∈ F(E) }.<br />
≃
3.5. Funções Somáveis 201<br />
Dadas classes <strong>de</strong> equivalência [f],[g] ∈ F(E), existem representantes ˜ f ∈ [f]<br />
e ˜g ∈ [g], i.e., funções ˜ f ≃ f e ˜g ≃ g, tais que ˜ f, ˜g : E → R, e po<strong>de</strong>mos<br />
por isso <strong>de</strong>finir [f] + [g] = [ ˜ f + ˜g]. Se c ∈ R, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir directamente<br />
c[f] = [cf]. É muito simples verificar que, com estas operações algébricas,<br />
Teorema 3.5.1. F(E) é um espaço vectorial.<br />
Repare-se que se f : F → R é mensurável e finita qtp em F ⊆ E, on<strong>de</strong><br />
mN(E\F) = 0, então f <strong>de</strong>termina uma única classe em F(E), <strong>de</strong> acordo<br />
com a proposição 3.1.5. Po<strong>de</strong>mos por isso usar o símbolo “[f]”, mesmo<br />
quando f não está <strong>de</strong>finida em todo o conjunto E. Em geral, escreveremos<br />
mesmo apenas f, no lugar <strong>de</strong> [f]. Bem entendido, <strong>de</strong>vemos sempre verificar<br />
que as noções que associamos a uma qualquer classe [f] são efectivamente<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do representante f escolhido.<br />
Exemplos 3.5.2.<br />
1. A soma [f]+[g] = [f +g] está bem <strong>de</strong>finida, porque se f ≃ f ∗ e g ≃ g ∗ então<br />
f + g ≃ f ∗ + g ∗ . Repare-se que a soma [f] + [g] está bem <strong>de</strong>finida, mesmo que<br />
a soma usual f + g esteja apenas <strong>de</strong>finida qtp em E, o que resolve a questão<br />
da soma <strong>de</strong> funções somáveis que mencionámos na secção anterior.<br />
2. É razoável referirmo-nos a classes <strong>de</strong> equivalência “somáveis”, e ao respectivo<br />
integral, porque se uma dada classe tem um representante somável f, então<br />
qualquer outro representante da mesma classe é igualmente somável, e tem o<br />
mesmo integral. Em particular, o integral está bem <strong>de</strong>finido no conjunto das<br />
classes somáveis.<br />
3. A convergência pontual qtp está também bem <strong>de</strong>finida em F(E). Por outras<br />
palavras,<br />
f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) qtp em E e ˜ fn ≃ fn =⇒ f(x) = lim ˜fn(x), qtp em E.<br />
n→∞<br />
Se as classes [f] e [g] são somáveis, e c ∈ R, é claro que [f + g] e [cf] são<br />
somáveis, i.e., as classes <strong>de</strong> funções somáveis formam um subespaço vectorial<br />
<strong>de</strong> F(E).<br />
Definição 3.5.3 (Espaço L1 ). L1 (E) é formado pelas classes <strong>de</strong> funções<br />
f : E → R somáveis, i.e.,<br />
L 1 <br />
<br />
(E) = [f] ∈ F(E) : f1 = |f|dmN < ∞ .<br />
A função [f]1 = f1 = <br />
E |f|dmN é uma norma em L1 (E), e L1 (E)<br />
é um espaço vectorial normado, porque<br />
• Se f,g ∈ L 1 (E), a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f+g1 ≤ f1+g1 é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
triangular.<br />
E
202 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• Se f ∈ L 1 (E) e c ∈ R, é óbvio que cf1 = |c|f1.<br />
• f1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f] = [0].<br />
Como em qualquer espaço vectorial normado, uma sucessão <strong>de</strong> termo<br />
geral fn ∈ L 1 (E) diz-se<br />
• convergente (em L 1 ) se e só se existe f ∈ L 1 (E) tal que fn − f 1 →<br />
0, quando n → ∞, e<br />
• fundamental ou <strong>de</strong> Cauchy (em L1 ) se e só se fn − fm1 → 0,<br />
quando n,m → ∞.<br />
De acordo com o teorema 3.4.10, po<strong>de</strong>mos dizer que φ(f) = <br />
E fdmN<br />
é um funcional linear em L1 (E). É óbvio da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular<br />
usual que<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
|φ(f) − φ(g)| = |φ(f − g)| = <br />
(f − g) dmN<br />
<br />
≤<br />
<br />
|f − g| dmN = f − g1 ,<br />
E<br />
e portanto φ é também um funcional linear contínuo( 15 ). O teorema<br />
da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue (3.2.8) po<strong>de</strong> ser reforçado como se<br />
segue, e o exercício 6 revela que esta observação não é trivial.<br />
Teorema 3.5.4 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />
fn ∈ L 1 (E), suponha-se que<br />
• Existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal que |fn(x)| ≤ F(x),<br />
qtp em E, e<br />
• f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x), qtp em E.<br />
Temos então:<br />
a) f ∈ L 1 (E),<br />
b) fn → f em L1 , e em particular,<br />
<br />
c) fndmN → fdmN, quando n → ∞.<br />
E<br />
E<br />
Demonstração. Po<strong>de</strong>mos supor, sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> (porquê?), que<br />
• As funções fn e F são finitas em E,<br />
• f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x), para qualquer x ∈ E, e<br />
• |fn(x)| ≤ F(x), também para qualquer x ∈ E.<br />
15 L 1 (E) é em geral um espaço vectorial <strong>de</strong> dimensão infinita, e como tal existem transformações<br />
lineares em L 1 (E) que não são contínuas.<br />
E
3.5. Funções Somáveis 203<br />
f é L-mensurável em E, e é somável e finita em E porque |f(x)| ≤ F(x).<br />
Como as funções gn = |fn − f| satisfazem gn ≤ 2F, e lim<br />
n→∞ gn(x) = 0,<br />
segue-se <strong>de</strong> 3.2.8 que<br />
Exemplo 3.5.5.<br />
lim<br />
n→∞<br />
<br />
E<br />
<br />
gndmN = lim |fn − f|dmN = 0.<br />
n→∞<br />
E<br />
a transformada <strong>de</strong> fourier: Se f : R → R é somável, a sua transformada<br />
<strong>de</strong> Fourier é a função T(f) : R → C dada por:<br />
∞<br />
T(f)(ω) = f(x)e −iωx ∞<br />
dm =<br />
−∞<br />
−∞<br />
∞<br />
f(x)cos(ωx)dm−i f(x)sen(ωx)dm.<br />
−∞<br />
A função T(f) está bem <strong>de</strong>finida, porque a integranda acima é mensurável, por<br />
ser um produto <strong>de</strong> funções mensuráveis, e somável, dado que f(x)e −iωx ≤<br />
|f(x)|. Por outro lado, se ωn → ω, segue-se da continuida<strong>de</strong> da exponencial<br />
complexa que f(x)e −iωnx → f(x)e −iωx .<br />
Concluímos do teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue que T(f)(ωn) →<br />
T(f)(ω). Por outras palavras, a transformada <strong>de</strong> Fourier <strong>de</strong> uma função<br />
somável é uma função contínua. O exercício 3 refere mais algumas proprieda<strong>de</strong>s<br />
da transformada <strong>de</strong> Fourier.<br />
A aditivida<strong>de</strong> do integral para somas finitas <strong>de</strong> funções mensuráveis nãonegativas,<br />
ou para somas finitas em L 1 (E), estabelece-se facilmente por<br />
indução. A sua generalização a séries <strong>de</strong> funções não-negativas é surpreen<strong>de</strong>ntemente<br />
simples, e livre dos problemas técnicos existentes na teoria<br />
<strong>de</strong> Riemann:<br />
Qualquer série <strong>de</strong> funções mensuráveis não-negativas po<strong>de</strong> ser integrada<br />
termo-a-termo.<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste facto é uma ligeira adaptação do argumento que utilizámos<br />
a propósito do exemplo 3.2.4.<br />
Teorema 3.5.6. Se as funções fn : E → [0,+∞] são mensuráveis em E,<br />
∞<br />
então a função fn é mensurável em E, e<br />
n=1<br />
<br />
E<br />
∞<br />
n=1<br />
fn<br />
<br />
dmN =<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
E<br />
fndmN<br />
<br />
.
204 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Observamos que<br />
m<br />
gm(x) = fn(x) ր f(x), on<strong>de</strong> f(x) =<br />
n=1<br />
∞<br />
fn(x).<br />
n=1<br />
Como gm ≥ 0, segue-se, do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, que<br />
<br />
gmdmN ր fdmN.<br />
E<br />
Pela aditivida<strong>de</strong> do integral para somas finitas,<br />
m<br />
m<br />
<br />
gmdmN = ( fn)dmN = ( fndmN) ր<br />
E<br />
Exemplos 3.5.7.<br />
E<br />
n=1<br />
n=1<br />
E<br />
E<br />
∞<br />
<br />
(<br />
n=1<br />
1. Se as funções fn ≥ 0 são somáveis em R N , tomamos an = <br />
E<br />
fndmN).<br />
R N fndmN, e<br />
supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que an > 0. Escolhemos uma qualquer<br />
série convergente ∞<br />
n=1 bn com bn > 0. De acordo com o resultado anterior,<br />
f(x) =<br />
∞<br />
bn<br />
an<br />
n=1<br />
<br />
fn(x) =⇒<br />
R N<br />
fdmN =<br />
∞<br />
bn<br />
an<br />
n=1<br />
<br />
R N<br />
fn(x) =<br />
∞<br />
bn < ∞.<br />
É muito fácil obter por este processo muitos exemplos semelhantes a 3.2.4.<br />
2. O teorema anterior po<strong>de</strong> também ser usado para analisar a convergência<br />
pontual <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> funções fn ≥ 0. Como<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
fn(x) dmN = fn(x)dmN, então<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
R N<br />
R N<br />
n=1<br />
fn(x)dmN < ∞ =⇒ f(x) =<br />
n=1<br />
R N<br />
n=1<br />
R N<br />
n=1<br />
∞<br />
fn(x) é somável e por isso é finita qtp.<br />
n=1<br />
Temos em particular que<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
fn(x)dmN < ∞ =⇒ fn(x) converge qtp.<br />
3. A i<strong>de</strong>ia acima é aplicável a funções somáveis fn : RN → R, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
|fn(x)| dmN = fn1 < ∞.<br />
n=1<br />
R N<br />
Observamos que<br />
∞<br />
<br />
g(x) = |fn(x)| =⇒<br />
A série f(x) =<br />
n=1<br />
R N<br />
n=1<br />
n=1<br />
g(x)dmN =<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
R N<br />
|fn(x)| dmN < ∞.<br />
∞<br />
fn(x) converge absolutamente qtp, porque g é finita qtp.<br />
n=1
3.5. Funções Somáveis 205<br />
As séries <strong>de</strong> funções somáveis não são automaticamente integráveis<br />
termo-a-termo, como as <strong>de</strong> funções mensuráveis não-negativas, mas temos,<br />
mesmo assim, o seguinte resultado:<br />
Teorema 3.5.8. Dadas funções L-mensuráveis fn : E → R, se<br />
então:<br />
a) A série<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
E<br />
<br />
|fn|dmN =<br />
∞<br />
fn1 < +∞,<br />
n=1<br />
∞<br />
fn(x) converge absolutamente qtp em E,<br />
n=1<br />
b) A função f(x) =<br />
∞<br />
fn(x) é L-mensurável e somável em E,<br />
n=1<br />
<br />
m<br />
<br />
m<br />
<br />
c) fn − f<br />
= | fn − f|dmN → 0, e em particular,<br />
<br />
n=1<br />
E<br />
1 n=1<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
d) fn dmN = fndmN .<br />
E<br />
n=1<br />
n=1<br />
E<br />
Demonstração. Observámos no exemplo 3.5.7.3 que a função g, dada por<br />
g(x) = ∞<br />
n=1 |fn(x)|, é somável, e finita qtp, porque<br />
<br />
E<br />
gdmN =<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
E<br />
|fn|dmN < ∞.<br />
Por outras palavras, a série ∞<br />
n=1 fn(x) converge absolutamente qtp em E.<br />
Definindo gm(x) = m<br />
n=1 fn(x), temos:<br />
• gm(x) → ∞<br />
n=1 fn(x), qtp em E.<br />
• |gm(x)| ≤ g(x).<br />
Po<strong>de</strong>mos assim aplicar o teorema da convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
na forma 3.5.4, à sucessão <strong>de</strong> funções gm. Usando ainda a aditivida<strong>de</strong> do<br />
integral para somas finitas, temos:<br />
<br />
∞<br />
E n=1<br />
<br />
fndmN = lim gmdmN = lim<br />
m→∞<br />
E<br />
m<br />
<br />
m→∞<br />
n=1<br />
E<br />
fndmN =<br />
∞<br />
<br />
n=1<br />
O teorema 3.5.8 po<strong>de</strong> ser parcialmente reformulado com se segue:<br />
E<br />
fndmN.
206 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Corolário 3.5.9. Se fn ∈ L1 (E) então<br />
∞<br />
fn1 < +∞ =⇒ existe f ∈ L<br />
n=1<br />
1 <br />
m<br />
<br />
<br />
<br />
(E) tal que fn − f<br />
→ 0.<br />
<br />
n=1 1<br />
Se an ∈ R, a série <strong>de</strong> termos reais ∞<br />
n=1 an diz-se absolutamente conver-<br />
gente se e só se ∞ n=1 |an| < ∞. Sabemos que neste caso a série ∞ n=1 an<br />
é igualmente convergente, o que é aliás um dos mais comuns critérios <strong>de</strong><br />
convergência <strong>de</strong> séries reais. Por analogia com as séries reais, e quando<br />
fn ∈ L1 (E), dizemos que a série<br />
∞<br />
fn é absolutamente convergente em L 1 quando<br />
n=1<br />
O corolário 3.5.9 po<strong>de</strong> resumir-se dizendo que<br />
∞<br />
fn1 < +∞.<br />
As séries absolutamente convergentes em L 1 são convergentes em L 1 .<br />
Po<strong>de</strong>mos usar este facto para mostrar que L 1 (E) é um espaço <strong>de</strong> banach,<br />
i.e., é um espaço vectorial normado em que as sucessões <strong>de</strong> Cauchy, ou<br />
fundamentais, são convergentes.<br />
Teorema 3.5.10 (<strong>de</strong> Riesz-Fischer). L 1 (E) é um espaço <strong>de</strong> Banach.( 16 )<br />
Demonstração. Se a sucessão <strong>de</strong> termo geral fn ∈ L 1 (E) é <strong>de</strong> Cauchy, i.e.,<br />
fn − fm 1 → 0, quando n,m → ∞, então existem (porquê?) naturais<br />
n=1<br />
nk ր ∞ tais que n,m ≥ nk ⇒ fn − fm1 ≤ 1<br />
.<br />
2k Temos fnk − fk1 → 0, e tomamos gk = fnk+1 − fnk , don<strong>de</strong><br />
gk 1 = fnk+1<br />
− fnk<br />
<br />
≤<br />
1 1<br />
, e<br />
2k ∞<br />
gk1 ≤ 1.<br />
A série ∞ k=1 gk é telescópica, e portanto m k=1 gk = fnm+1 − fn1 . Concluímos<br />
<strong>de</strong> 3.5.9 que existe g ∈ L1 (E) tal que<br />
<br />
m <br />
<br />
gk − g<br />
→ 0, ou seja,<br />
<br />
k=1 1<br />
fnm+1 − fn1 − g . 1<br />
Definindo f = fn1 + g, temos fnk − f1 → 0. Observamos finalmente que<br />
k=1<br />
fk − f1 ≤ fk − fnk1 + fnk − f1 → 0.<br />
16 Este resultado é uma versão preliminar do Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer.
3.5. Funções Somáveis 207<br />
Concluímos aqui a apresentação do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, com<br />
um enunciado aplicável a funções somáveis.<br />
Teorema 3.5.11 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (III)). Seja f : R N → R<br />
uma função somável, I um índice-K em R N , N = K + M e t ∈ R K .<br />
Temos, então,<br />
a) As funções ft I : RM → R são somáveis para quase todos os t ∈ RK .<br />
<br />
b) Sendo AI(t) = f t IdmM então AI é somável em RK e<br />
<br />
R K<br />
R M<br />
<br />
AIdmK =<br />
R K<br />
<br />
R M<br />
f t <br />
IdmM dmK =<br />
Deixamos a <strong>de</strong>monstração para o exercício 7.<br />
Exemplos 3.5.12.<br />
R N<br />
fdmN.<br />
1. Supondo que f é somável e I = (1, 2, · · · , K), ou I = (K +1, K +2, · · · , N),<br />
escrevemos os elementos x ∈ R N na forma x = (t, y) com t ∈ R K e y ∈ R M ,<br />
para concluir que<br />
<br />
fdmN =<br />
R N<br />
R K<br />
<br />
R M<br />
<br />
f(t, y)dy dt =<br />
RM <br />
RK <br />
f(t, y)dt dy.<br />
2. produto <strong>de</strong> convolução: Se f, g : RN → R, é por vezes útil formar o<br />
respectivo produto <strong>de</strong> convolução, que é a função f ∗ g dada por:<br />
<br />
(f ∗ g)(x) = f(x − y)g(y)dmN.<br />
R N<br />
Se f e g são L-mensuráveis, e x está fixo, a função h(y) = f(x − y) é Lmensurável,<br />
e o produto hg é, igualmente, L-mensurável. Por outro lado,<br />
existe uma função B-mensurável ˜ f ≃ f em R N e, para efeitos do cálculo do<br />
integral indicado acima, po<strong>de</strong>mos substituir a função f por ˜ f, sem modificar o<br />
resultado final, i.e., sem alterar a função f ∗ g. Supomos, assim, e sem perda<br />
<strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, que f é B-mensurável. A função G : R 2N → R, dada por<br />
˜F(x, y) = f(x − y) é B-mensurável em R 2N (porquê?). Concluímos, assim,<br />
que a função F : R 2N → R, dada por F(x, y) = f(x − y)g(y), é L-mensurável<br />
em R 2N . Em particular, o teorema <strong>de</strong> Fubini, na forma 3.5.11, é aplicável à<br />
função F.<br />
Deixamos para o exercício 9 explorar esta i<strong>de</strong>ia, para verificar que, se f e g<br />
são somáveis, então a função f ∗ g está bem <strong>de</strong>finida qtp em R N , é somável, e<br />
satisfaz:<br />
f ∗ g 1 ≤ f 1 g 1 .<br />
Sendo T a transformada <strong>de</strong> Fourier que <strong>de</strong>finimos no exemplo 3.5.5, po<strong>de</strong>mos<br />
ainda mostrar que T(f ∗ g) = T(f)T(g).
208 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que se f(x) = limn→∞ fn(x), qtp em E, e ˜ fn ≃ fn, então temos<br />
também f(x) = limn→∞ ˜ fn(x), qtp em E.<br />
2. Suponha que B 1 (E) é o quociente do espaço das funções f : E → R Bmensuráveis<br />
pela relação “≃”, e L 1 (E) é o quociente do espaço das funções<br />
f : E → R, finitas qtp e L-mensuráveis, pela relação análoga. Qual é a relação<br />
entre B 1 (E) e L 1 (E)?<br />
3. Supondo que f : R → R é somável, <strong>de</strong>signamos aqui por T(f) a transformada<br />
<strong>de</strong> Fourier da função f. Demonstre os seguintes resultados:<br />
a) Se ˜ f(x) = f(x − x0), então T( ˜ f)(ω) = T(f)(ω)e −iωx0 .<br />
b) Se a função h dada por h(x) = xf(x) é somável, então T(f) é diferenciável,<br />
e T(f) ′ = −iT(h).<br />
1 − 4. Seja f(x) = x 3, para x = 0. Dada uma enumeração dos racionais, Q =<br />
{q1, · · · , qn, · · · }, mostre que a série ∞ n=1 1<br />
n2f(x−qn) converge absolutamente<br />
qtp em R. Mostre que f(x) = ∞ n=1 1<br />
n2f(x − qn) é Borel-mensurável no conjunto<br />
on<strong>de</strong> a série converge simplesmente.<br />
5. Consi<strong>de</strong>re o espaço L 1 (R). Mostre que<br />
a) Qualquer classe em L 1 (R) tem representantes B-mensuráveis f : R → R.<br />
b) Existem classes em L 1 (R) cujos representantes são <strong>de</strong>scontínuos em toda<br />
a parte.<br />
c) Existem classes em L 1 (R) cujos representantes são ilimitados em qualquer<br />
intervalo aberto não-vazio em R.<br />
6. Consi<strong>de</strong>ramos aqui uma sucessão <strong>de</strong> funções fn tais que<br />
<br />
fndm → fdm para qualquer E ⊆ X mensurável,<br />
E<br />
mas on<strong>de</strong> não é verda<strong>de</strong> que<br />
<br />
E<br />
X<br />
|fn − f|dm → 0.<br />
Tomamos E ⊆ X = [0, 2π], fn(x) = sen nx, e f = 0. Prove o seguinte:<br />
a) Se E é um intervalo ou um conjunto elementar, então <br />
E fndm → 0.<br />
b) Se E é um conjunto mensurável, então <br />
E fndm → 0.<br />
c) Suponha que g é somável, e prove que <br />
<br />
d) Calcule lim |fn|dm.<br />
n→+∞<br />
X<br />
X gfndm → 0. ( 17 )<br />
17 Este resultado, que é importante na teoria das séries <strong>de</strong> Fourier, diz-se o Lema <strong>de</strong><br />
Riemann-Lebesgue.
3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 209<br />
<br />
e) Calcule lim<br />
n→+∞<br />
também as funções cos 2 nx.<br />
E<br />
f 2 ndm, quando E é mensurável. Sugestão: Consi<strong>de</strong>re<br />
f) Prove que se nk ր ∞ então sen nkx diverge qtp.<br />
7. Demonstre o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma 3.5.11.<br />
8. Calcule os dois integrais iterados para as funções indicadas. O que po<strong>de</strong><br />
concluir?<br />
x − y<br />
a) f(x, y) = 3 , em [0, 1] × [0, 1].<br />
(x + y)<br />
xy<br />
b) g(x, y) = 2 , em [−1, 1] × [−1, 1].<br />
(x 2 + y 2 )<br />
9. Suponha que as funções f, g, e h são somáveis em R N . Mostre que<br />
a) O produto <strong>de</strong> convolução (Exemplo 3.5.12.2)<br />
<br />
(f ∗ g)(x) = f(x − y)g(y)dmN,<br />
R N<br />
está bem <strong>de</strong>finido (qtp em R N ) e f ∗ g é uma função somável em R N ,<br />
porque<br />
f ∗ g 1 ≤ f 1 g 1 .<br />
sugestão: Consi<strong>de</strong>re a função F(x, y) = f(x − y)g(y), e aplique o<br />
teorema <strong>de</strong> Fubini.<br />
b) O produto <strong>de</strong> convolução é comutativo e associativo.<br />
c) Sendo T a transformada <strong>de</strong> Fourier, temos T(f ∗ g) = T(f)T(g).<br />
sugestão: Use o teorema <strong>de</strong> Fubini.<br />
3.6 Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong><br />
Vimos como as funções mensuráveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções<br />
simples mensuráveis. Mostramos nesta secção que as funções mensuráveis<br />
po<strong>de</strong>m ser também aproximadas por funções contínuas. Veremos que este<br />
facto é consequência essencialmente dos seguintes três resultados:<br />
• A já referida aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções simples,<br />
• A regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue, sobretudo na forma do teorema<br />
2.3.10 b), e<br />
• Um resultado <strong>de</strong> natureza topológica, aqui a proposição 3.6.1, que é<br />
um corolário do chamado Lema <strong>de</strong> Urysohn.
210 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Designamos o conjunto das funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto<br />
f : R N → R por Cc(R N )( 18 ). Designaremos por C0(R N ) o conjunto das<br />
funções contínuas f : R N → R com limite nulo quando |x| → ∞, e por<br />
C k c (RN ), on<strong>de</strong> k ∈ N, a classe das funções <strong>de</strong> suporte compacto, que são<br />
continuamente diferenciáveis até à or<strong>de</strong>m k ∈ N. C ∞ c (RN ) é a classe das<br />
funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto que têm <strong>de</strong>rivadas contínuas <strong>de</strong> qualquer<br />
or<strong>de</strong>m. Usaremos a mesma notação para qualquer conjunto U ⊆ R N ,<br />
e.g., C k c (U) é a classe das funções <strong>de</strong> suporte compacto em U, que são continuamente<br />
diferenciáveis até à or<strong>de</strong>m k ∈ N.<br />
O corolário do “Lema <strong>de</strong> Urysohn” aqui utilizado é o seguinte:<br />
Proposição 3.6.1. Se K ⊆ U ⊆ R N , on<strong>de</strong> K é compacto e U é aberto,<br />
então existe f ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ f ≤ χU.( 19 )<br />
Demonstração. Dado x ∈ K, existem rectângulos abertos limitados Rx e<br />
Sx tais que<br />
x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Sx ⊂ Sx ⊂ U.<br />
Existe portanto uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos Rxi , on<strong>de</strong><br />
1 ≤ i ≤ m. É simples mostrar que (exercício 2)<br />
(i) Existem funções gi ∈ Cc(R N ) tais que χRx i ≤ gi ≤ χSx i ≤ χU.<br />
Seja g : R N → R dada por<br />
g(x) =<br />
m<br />
gi(x), don<strong>de</strong> g ≥ χK, e g tem suporte compacto em U.<br />
i=1<br />
Sendo agora h : R → [0,1] uma qualquer função contínua e crescente, com<br />
h(0) = 0 e h(1) = 1, tomamos f(x) = h(g(x)).<br />
Esta proposição, combinada com a regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
permite mostrar que as funções características <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> medida finita<br />
po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto.<br />
Proposição 3.6.2. Se E ⊆ R N é um conjunto mensurável <strong>de</strong> medida finita,<br />
e ε > 0, existe f ∈ Cc(R N ) tal que<br />
0 ≤ f ≤ 1, e mN({x ∈ R N : f(x) = χE(x)}) < ε.<br />
18 O suporte da função f é o fecho do conjunto on<strong>de</strong> a função não é nula.<br />
19 O “Lema <strong>de</strong> Urysohn” da Topologia Geral é um exemplo <strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
separação. Dados conjuntos fechados A e B disjuntos num espaço topológico normal<br />
X, o Lema garante a existência <strong>de</strong> uma função contínua f : X → [0, 1] tal que A ⊆<br />
f −1 (1) e B ⊆ f −1 (0). O resultado <strong>de</strong>ve-se a Pavel Urysohn, 1898 - 1924, matemático<br />
ucraniano, que apesar da sua morte trágica ainda muito jovem <strong>de</strong>u importantes contributos<br />
à então nascente Topologia. Deve notar-se no exercício 3 que no caso da proposição aqui<br />
apresentada po<strong>de</strong>mos na verda<strong>de</strong> seleccionar f ∈ C ∞ c (R N ).
3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 211<br />
Demonstração. De acordo com o teorema 2.3.10 b), existem conjuntos<br />
K ⊆ E ⊆ U,K compacto, U aberto, e mN(U\K) < ε.<br />
Pela proposição anterior, existe f ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ f ≤ χU, e <strong>de</strong>ve<br />
ser evi<strong>de</strong>nte que:<br />
x ∈ R N : f(x) = χE(x) ⊆ U\K.<br />
Exploramos aqui diversas consequências <strong>de</strong>sta proposição, que são em<br />
cada caso resultados sobre a aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções<br />
contínuas. É conveniente para já mostrar que as funções mensuráveis limitadas,<br />
que são como sabemos limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções simples mensuráveis,<br />
po<strong>de</strong>m ser também expressas como séries uniformemente convergentes<br />
<strong>de</strong> funções simples mensuráveis.<br />
Teorema 3.6.3. Se f : E → [0,M] é mensurável e M < ∞, existem<br />
conjuntos mensuráveis Tn ⊆ E tais que, se tn = M<br />
2 nχTn, então<br />
f(x) =<br />
∞<br />
tn(x).<br />
n=1<br />
Em particular, a série indicada converge uniformemente para f.<br />
Demonstração. Sendo g = f/M, existem funções simples sn : E → R + ,<br />
n ∈ N, <strong>de</strong>finidas como na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.7, e tais que sn(x) ր g(x).<br />
Definimos s0 = 0 e, para n ∈ N, tn = sn − sn−1 ≥ 0. É evi<strong>de</strong>nte que<br />
∞<br />
n=1<br />
tn(x) = lim<br />
n→∞ sn(x) = g(x) = f(x)/M, para qualquer x ∈ E.<br />
Como 0 ≤ g(x) < 1, para qualquer x ∈ E, é fácil mostrar (exercício 1) que<br />
tn = sn − sn−1 só toma os valores 0 e 1/2 n , ou seja,<br />
<br />
tn = 1<br />
2n χTn,<br />
2<br />
on<strong>de</strong> Tn =<br />
n−1−1 k=1<br />
En,2k+1, e f(x) =<br />
∞<br />
n=1<br />
M<br />
χTn(x).<br />
2n O próximo resultado é um teorema clássico sobre a aproximação <strong>de</strong><br />
funções mensuráveis por funções contínuas.
212 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Teorema 3.6.4 (Teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin). ( 20 ) Seja f : RN → R uma<br />
função mensurável limitada, que é nula fora <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida<br />
finita. Se ε > 0 e |f(x)| ≤ M para qualquer x ∈ RN , então existe g ∈<br />
Cc(RN ) tal que<br />
<br />
N<br />
0 ≤ |g(x)| ≤ M, e mN x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />
Demonstração. Supomos primeiro que 0 ≤ f(x) ≤ 1, e f(x) = 0 quando<br />
x ∈ U, on<strong>de</strong> mN(U) < ∞. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que U ⊂ R N<br />
é um aberto. Observamos <strong>de</strong> 3.6.3 que existem funções simples mensuráveis<br />
tn : R N → [0,1], tais que<br />
f(x) =<br />
∞<br />
n=1<br />
tn(x), on<strong>de</strong> tn = 1<br />
2 nχTn.<br />
Os conjuntos Tn são mensuráveis e <strong>de</strong> medida finita, e estão contidos em<br />
U. Pela proposição 3.6.2, existem funções hn : R N → [0,1], contínuas e <strong>de</strong><br />
suporte compacto em U , tais que<br />
É claro que<br />
mN (En) < ε<br />
2 n+1, on<strong>de</strong> En = x ∈ R N : hn(x) = χTn(x) .<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
2 nhn(x) ≤<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
= 1,<br />
2n e portanto a série à esquerda converge uniformemente. Concluímos que a<br />
função h dada por h(x) = ∞ n=1 1<br />
2nhn(x) é contínua, e 0 ≤ h ≤ 1. Deve<br />
ser também claro que h(x) = 0 quando x ∈ U. Por outro lado, e tomando<br />
E = ∞ n=1 En, temos mN(E) < ε/2 e<br />
x ∈ E ⇒ hn(x) = χTn(x), para qualquer n ∈ N ⇒ f(x) = h(x).<br />
Temos por outras palavras que<br />
N<br />
x ∈ R : f(x) = ˜g(x) ≤ mN(E) < ε/2.<br />
mN<br />
Como mN(U) < ∞, existe um compacto K ⊂ U tal que mN(U\K) < ε/2, e<br />
existe igualmente uma função h0 ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ h0 ≤ χU. Tomamos<br />
finalmente g = hh0, que é contínua e <strong>de</strong> suporte compacto em U. Dado que<br />
g(x) = h(x) apenas quando x ∈ U\K, temos<br />
x ∈ R N : f(x) = g(x) ⊆ E ∪ (U\K)<br />
Temos assim que mN({x ∈ R N : g(x) = f(x)}) < ε. Deixamos para o<br />
exercício 4 generalizar a <strong>de</strong>monstração para o caso |f(x)| ≤ M.<br />
20 De Nikolai Luzin, 1883-1950, matemático russo, professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />
Moscovo, on<strong>de</strong> aliás teve Urysohn como aluno.
3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 213<br />
O resultado anterior po<strong>de</strong> ser adaptado a casos em que f é ilimitada<br />
e/ou não é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita, mas<br />
naturalmente per<strong>de</strong>ndo alguns aspectos da sua conclusão. Por exemplo,<br />
Corolário 3.6.5. Seja f : RN → R mensurável, finita qtp, e nula no complementar<br />
<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita. Então para qualquer ε > 0<br />
existe g ∈ Cc(RN ) tal que<br />
<br />
N<br />
x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />
mN<br />
Demonstração. Seja Fn = {x ∈ R N : |f(x)| ≥ n}, don<strong>de</strong> Fn ց A, on<strong>de</strong><br />
A = {x ∈ R N : |f(x)| = ∞} é nulo. Como os conjuntos Fn têm medida<br />
finita, temos mN(Fn) → 0, e existe k tal que mN(Fk) < ε/2.<br />
Com h = fχF c k , e pelo teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin, existe g ∈ Cc(R N ) tal<br />
que<br />
mN<br />
x ∈ R N : h(x) = g(x) < ε/2.<br />
<br />
É claro que mN x ∈ RN : f(x) = g(x) < ε.<br />
Eliminando a hipótese sobre o conjunto on<strong>de</strong> f = 0, po<strong>de</strong>mos ainda obter<br />
o seguinte resultado, cuja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ixamos para o exercício (5).<br />
Corolário 3.6.6. Seja f : RN → R uma função mensurável e finita qtp.<br />
Então para qualquer ε > 0 existe uma função contínua g : RN → R tal que<br />
N<br />
x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />
mN<br />
Este corolário po<strong>de</strong> agora ser usado para mostrar que as funções mensuráveis<br />
e finitas qtp são limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções contínuas.<br />
Corolário 3.6.7. Se f : R N → R é finita qtp, então f é L-mensurável se<br />
e só se existem funções contínuas fn : R N → R tais que fn(x) → f(x) qtp<br />
em R N .<br />
Demonstração. Pelo corolário 3.6.6, existem funções contínuas fn tais que<br />
mN (En) < 1<br />
2 n, on<strong>de</strong> En = x ∈ R N : fn(x) = f(x) .<br />
Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos<br />
E =<br />
∞<br />
∞<br />
k=1 n=k<br />
En =<br />
∞<br />
Fk, on<strong>de</strong> Fk =<br />
k=1<br />
∞<br />
En.<br />
Note-se que mN(Fk) → 0 e Fk ց E, don<strong>de</strong> mN(E) = 0( 21 ). Para finalizar<br />
este argumento, resta-nos observar que:<br />
n=k<br />
x ∈ E ⇔ ∃k∈N tal que x ∈ Fk ⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ x ∈ En ⇔<br />
21 Esta é mais uma aplicação do lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli que referimos no exercício 7 da<br />
secção 2.1.
214 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ fn(x) = f(x).<br />
Dito doutra forma, quando x ∈ E então fn(x) → f(x). Como vimos<br />
que mN(E) = 0, po<strong>de</strong>mos concluir que fn(x) → f(x) qtp em R.<br />
Sabemos já que que as funções somáveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por<br />
funções simples, e aproveitamos agora este facto para mostrar que po<strong>de</strong>m<br />
também ser aproximadas por funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto:<br />
Corolário 3.6.8. Se f : R N → R é somável e ε > 0, então existe g ∈<br />
Cc(R N ) tal que f − g 1 < ε.<br />
Demonstração. De acordo com 3.4.11, existe uma função simples s ∈ L1 (RN )<br />
tal que f − s1 < ε/2. É claro que s é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto<br />
<strong>de</strong> medida finita, e existe M < ∞ tal que |s(x)| ≤ M para qualquer<br />
x ∈ RN .<br />
Pelo teorema 3.6.4, existe g ∈ Cc(RN ) com |g(x)| ≤ M para x ∈ RN , e<br />
mN( x ∈ R N : s(x) = g(x) ) < ε/4M.<br />
Escrevemos E = x ∈ RN : s(x) = g(x) , e notamos como óbvio que<br />
|s(x) − g(x)| ≤ 2M para x ∈ E, don<strong>de</strong><br />
<br />
s − g1 = |s − g| ≤ 2Mε/4M = ε/2.<br />
Concluímos que f − g 1 ≤ f − s 1 + s − g 1 < ε.<br />
Exemplo 3.6.9.<br />
E<br />
Designamos também por Cc(R N ) o subespaço <strong>de</strong> L 1 (R N ) formado pelas classes<br />
<strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto. O resultado anterior<br />
po<strong>de</strong> exprimir-se dizendo que<br />
Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ).<br />
Se <strong>de</strong>signarmos por R 1 (R N ) o subespaço formado pelas classes <strong>de</strong> equivalência<br />
<strong>de</strong> funções f : R N → R tais que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <br />
R N f(x)dx<br />
é absolutamente convergente, é evi<strong>de</strong>nte que R 1 (R N ) ⊇ Cc(R N ), e portanto<br />
R 1 (R N ) é igualmente <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ).<br />
Já vimos que L 1 (R N ) é completo, i.e., é um espaço <strong>de</strong> Banach. Como<br />
R 1 (R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ), concluímos que L 1 (R N ) é o espaço completo<br />
<strong>de</strong>terminado por R 1 (R N ). Por outras palavras, o espaço L 1 (R N ) está para o<br />
espaço R 1 (R N ) exactamente como o conjunto R está para o conjunto Q.<br />
Exercícios.
3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 215<br />
1. Complete o cálculo da função tn = sn − sn−1 referido na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
3.6.3. sugestão: Observe que En−1,k = En,2k ∪ En,2k+1.<br />
2. Para completar a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.6.1, mostre que dados rectângulos abertos<br />
limitados R e S, tais que R ⊂ R ⊂ S, existe uma função contínua f,<br />
0 ≤ f ≤ 1, tal que f(x) = 1 para x ∈ R, e f(x) = 0 para x ∈ S, don<strong>de</strong> f tem<br />
suporte compacto. sugestão: Comece por provar a afirmação em R.<br />
1 −<br />
3. Verifique que a função f : R → R dada por f(x) = e x2 para x > 0,<br />
e por f(x) = 0 para x ≤ 0 é <strong>de</strong> classe C∞. Conclua que g ∈ C ∞ c<br />
(R), se<br />
g(x) = f(x)f(1 − x). Aproveite para mostrar que po<strong>de</strong>mos supor no exercício<br />
anterior que f é <strong>de</strong> classe C ∞ .<br />
4. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin (3.6.4) tomando agora<br />
como hipótese que |f| ≤ M. Verifique também que, se E ⊆ U, on<strong>de</strong> U é um<br />
aberto, então a função g po<strong>de</strong> ser suposta ter suporte compacto em U.<br />
5. Demonstre o corolário 3.6.6. sugestão: Recor<strong>de</strong> que R N é σ-compacto.<br />
6. Seja f : RN → R uma função L-mensurável e somável. Prove que<br />
<br />
lim |f(x + y) − f(x)| dmN = 0.<br />
y→0<br />
R N<br />
sugestão: Suponha primeiro que f é contínua <strong>de</strong> suporte compacto.<br />
7. Mostre que C0(R N ) é um espaço <strong>de</strong> Banach, com a norma “<strong>de</strong> L ∞ ”, dada<br />
por f ∞ = sup |f(x)| : x ∈ R N . Prove que Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em C0(R N ),<br />
com esta norma.<br />
8. continuida<strong>de</strong> da transformada <strong>de</strong> Fourier: Prove que se f ∈ L 1 (R) e<br />
T(f) é a sua transformada <strong>de</strong> Fourier, então T(f) ∈ C0(R), on<strong>de</strong> aqui C0(R N )<br />
<strong>de</strong>signa a classe das funções contínuas com valores complexos, tais que |f(x)| →<br />
0, quando x → ∞. Aproveite para mostrar que T : L 1 (R) → C0(R) é um<br />
operador (uniformemente) contínuo, porque<br />
T(f) − T(g) ∞ ≤ f − g 1 .<br />
sugestão: Sabemos que T(f) é contínua. Comece por mostrar que T(f) ∞ ≤<br />
f1 . Consi<strong>de</strong>re a função fα(x) = f(x − π<br />
α ), e a respectiva transformada <strong>de</strong><br />
Fourier Fα. Aplique o exercício 6 à diferença fα − f.
216 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue
Capítulo 4<br />
Outras <strong>Medida</strong>s<br />
A teoria da medida não se esgota com o estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue, nem<br />
a teoria da integração se esgota com o estudo dos integrais “em or<strong>de</strong>m à<br />
medida <strong>de</strong> Lebesgue”. Estudamos neste Capítulo outros espaços <strong>de</strong> medida,<br />
<strong>de</strong>ixando para mais tar<strong>de</strong> a questão da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “integrais <strong>de</strong> Lebesgue”<br />
em or<strong>de</strong>m a qualquer medida.<br />
Começamos por complementar as i<strong>de</strong>ias e resultados gerais sobre medi-<br />
das que referimos no capítulo 2.<br />
É indispensável aqui esclarecer a estrutura<br />
das medidas reais, i.e., provar o Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan,<br />
que mostra que as medidas reais são diferenças <strong>de</strong> medidas positivas finitas,<br />
e leva ao conceito <strong>de</strong> variação total <strong>de</strong> uma medida.<br />
Vimos que qualquer integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue é uma medida. Estas<br />
medidas gozam <strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> especial, dita continuida<strong>de</strong> absoluta, que<br />
estudaremos no que se segue. Esta i<strong>de</strong>ia, primeiro referida por Harnack( 1 )<br />
nos finais do século XIX, a propósito dos integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann<br />
<strong>de</strong> 1 a espécie que ele próprio estudou, e formalmente <strong>de</strong>finida por Vitali<br />
em 1905, quando lhe atribuiu o nome que hoje utilizamos, é aplicável a<br />
medidas e a funções, e é a chave para o entendimento actual dos Teoremas<br />
Fundamentais do Cálculo.<br />
Muitos dos exemplos relevantes nas aplicações envolvem medidas <strong>de</strong>finidas<br />
pelo menos na classe B(R N ), que chamaremos aqui “medidas <strong>de</strong><br />
Lebesgue-Stieltjes”. A questão da sua regularida<strong>de</strong> é frequentemente muito<br />
importante, e provaremos diversos resultados sobre este assunto. Veremos<br />
em particular que qualquer medida <strong>de</strong>finida em B(R N ) e finita nos conjuntos<br />
compactos tem uma única extensão regular completa, um facto que usaremos<br />
repetidamente no que se segue. Mostraremos também que as medidas <strong>de</strong><br />
Lebesgue-Stieltjes regulares e σ-finitas têm proprieda<strong>de</strong>s muito semelhantes<br />
às da medida <strong>de</strong> Lebesgue, tal como as estudámos no Capítulo 2.<br />
As medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finitas na recta real são<br />
especialmente fáceis <strong>de</strong> caracterizar e estudar, e estão associadas a funções<br />
1 Carl Gustav Axel Harnack, 1851-1888.<br />
217
218 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
reais <strong>de</strong> variável real, que chamaremos as suas funções <strong>de</strong> distribuição. Esta<br />
dualida<strong>de</strong> entre medidas e funções enriquece simultaneamente a teoria da<br />
medida e a teoria das funções. Introduzimos e estudamos aqui as classes<br />
das funções <strong>de</strong> variação limitada e das funções absolutamente contínuas, e<br />
provamos um resultado clássico sobre funções absolutamente contínuas: o<br />
Teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretsky.<br />
Terminamos o Capítulo provando o gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, a partir do “Lema do Sol Nascente” <strong>de</strong> F.Riesz, e obtemos<br />
finalmente versões mo<strong>de</strong>rnas dos Teoremas Fundamentais do Cálculo em R,<br />
relacionando estes resultados com uma das questões mais centrais da Teoria<br />
da <strong>Medida</strong>: a <strong>de</strong> caracterizar as medidas que são integrais in<strong>de</strong>finidos.<br />
4.1 A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan<br />
Qualquer função real f : X → R po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>composta na forma f = f + −f − ,<br />
on<strong>de</strong> f + e f − são as funções f + = fχP e f − = −fχN e P e N são os<br />
conjuntos P = {x ∈ X : f(x) > 0} e N = {x ∈ X : f(x) < 0}. É claro<br />
que f + e f − são positivas e distintas <strong>de</strong> zero em conjuntos disjuntos. Antes<br />
<strong>de</strong> apresentarmos uma <strong>de</strong>composição análoga a esta para medidas reais, é<br />
necessário introduzir uma noção auxiliar:<br />
Definição 4.1.1 (<strong>Medida</strong> Concentrada em S). Se µ é uma medida <strong>de</strong>finida<br />
em M e S ∈ M, dizemos que µ está concentrada em S se e só se µ(E) =<br />
µ(E ∩ S) para qualquer E ∈ M.<br />
E\S<br />
E ∩ S<br />
Figura 4.1.1: µ concentrada em S ⇐⇒ µ(E) = µ(E ∩ S) para E ∈ M.<br />
Provamos nesta secção que qualquer medida real µ é a diferença <strong>de</strong> duas<br />
medidas positivas finitas, µ = µ + −µ − , que estão concentradas em conjuntos<br />
disjuntos. Esta é a chamada <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan, que simplifica o<br />
estudo <strong>de</strong> medidas reais e complexas, porque o reduz em larga medida ao<br />
estudo <strong>de</strong> medidas positivas finitas. A <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> µ,<br />
que é, como veremos, essencialmente equivalente à <strong>de</strong> Jordan, é formada<br />
por conjuntos disjuntos P e N = P c tais que µ + e µ − estão concentradas<br />
respectivamente em P e em N.<br />
S<br />
X
4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 219<br />
Exemplos 4.1.2.<br />
1. A medida <strong>de</strong> Dirac em R está concentrada em A = {0}. Está igualmente<br />
concentrada em B = [0, 1], ou mais geralmente em qualquer conjunto C tal<br />
que A ⊆ C.<br />
2. A medida <strong>de</strong> Lebesgue em R está concentrada no conjunto dos irracionais.<br />
Po<strong>de</strong>mos também dizer que m está concentrada em R\Z, em R\ {0}, etc.<br />
3. Se f é mensurável e não-negativa, ou somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido<br />
está concentrado no conjunto x ∈ R N : f(x) = 0 (ver o exercício 7).<br />
No que se segue nesta secção, salvo menção em contrário, supomos que<br />
todas as medidas referidas estão <strong>de</strong>finidas num dado espaço mensurável<br />
(X, M). Observamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que, como os exemplos acima tornam evi<strong>de</strong>nte,<br />
o conjunto on<strong>de</strong> uma dada medida está concentrada não é único. A<br />
<strong>de</strong>terminação dos conjuntos on<strong>de</strong> µ está concentrada é aliás equivalente à<br />
i<strong>de</strong>ntificação dos:<br />
Definição 4.1.3 (Conjuntos µ-Nulos). E ∈ M é µ-nulo se e só se, para<br />
qualquer F ∈ M, temos F ⊆ E ⇒ µ(F) = 0.<br />
Temos, portanto, que E é µ-nulo se e só se é mensurável e todos os<br />
seus subconjuntos mensuráveis têm medida nula. Quando µ é uma medida<br />
positiva, esta condição reduz-se, por razões óbvias, à condição µ(E) = 0.<br />
Exemplos 4.1.4.<br />
1. Seja A = ]−1, 0[, B = ]0, 1[, e µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B). Então<br />
µ([−1, 1]) = 0, mas [−1, 1] não é µ-nulo, porque, por exemplo, A ⊂ [−1, 1], e<br />
µ(A) = 0.<br />
2. A função f(x) = e −|x| sen(x) é somável em R. Se µ é o seu integral in<strong>de</strong>finido,<br />
então µ([−π, π]) = 0, mas [−π, π] não é µ-nulo, porque µ([0, π]) > 0.<br />
Usamos expressões como “µ-quase em toda a parte”, abreviada “µ-qtp”,<br />
para significar “excepto num conjunto µ-nulo”. Quando a medida µ é óbvia<br />
do contexto, em especial quando µ é a medida <strong>de</strong> Lebesgue, eliminamos o<br />
prefixo “µ” <strong>de</strong>stas expressões.<br />
Exemplos 4.1.5.<br />
1. A função f(x) = x é nula, δ-qtp.<br />
2. Sendo µ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função f : R → R somável, o conjunto<br />
dos racionais é µ-nulo. Mais geralmente, qualquer conjunto nulo é µ-nulo.<br />
Deixamos para o exercício 1 mostrar que
220 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Proposição 4.1.6. µ está concentrada em S se e só se S c é µ-nulo.<br />
No caso <strong>de</strong> uma medida µ <strong>de</strong>finida pelo menos em B(R N ), e apesar do<br />
que dissémos acima, é possível i<strong>de</strong>ntificar o menor conjunto fechado on<strong>de</strong> µ<br />
está concentrada, e é este conjunto que se diz o suporte da medida µ( 2 ).<br />
Teorema 4.1.7. Se µ é uma medida <strong>de</strong>finida pelo menos em B(R N ), V =<br />
U ⊆ R N : U é aberto e µ-nulo , V = <br />
U∈V U e F = V c , temos que<br />
a) V é o maior conjunto aberto µ-nulo,<br />
b) µ está concentrada no conjunto fechado F = V c e<br />
c) Se G ⊂ F é fechado e G = F, então µ não está concentrada em G.<br />
Em particular, se µ ≥ 0 é finita então µ(G) < µ(F).<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste resultado é o exercício 13.<br />
Exemplos 4.1.8.<br />
1. No caso da medida <strong>de</strong> Lebesgue, qualquer aberto U ⊆ R N não-vazio satisfaz<br />
mN(U) > 0. Portanto, V = U ⊆ R N : U é aberto e nulo = {∅} e V = ∅,<br />
don<strong>de</strong> F = R N . Por outras palavras, o suporte <strong>de</strong> mN é R N .<br />
2. Se δ é a medida <strong>de</strong> Dirac na origem, então V = R\{0} é evi<strong>de</strong>ntemente o<br />
maior aberto δ-nulo, e portanto F = {0}, ou seja, o suporte <strong>de</strong> δ é {0}.<br />
3. No caso do exemplo 4.1.4.1, é fácil ver que F = [−1, +1].<br />
4. Se µ é o exemplo 4.1.4.2, então F = R.<br />
Po<strong>de</strong>mos agora introduzir a<br />
Definição 4.1.9 (Decomposição <strong>de</strong> Jordan). Uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> jordan<br />
da medida real µ é um par (π,ν) <strong>de</strong> medidas positivas finitas tais que<br />
• µ(E) = π(E) − ν(E), para qualquer E ∈ M, e<br />
• π e ν estão concentradas em conjuntos disjuntos.<br />
Exemplos 4.1.10.<br />
1. Se A e B são quaisquer conjuntos disjuntos em L(R) com medida finita e<br />
µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B), é fácil ver que as medidas dadas por π(E) =<br />
m(E ∩ A) e ν(E) = m(E ∩ B) são uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan para µ.<br />
2. Se f : RN → R é somável em RN e µ, π e ν são, respectivamente, os integrais<br />
in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f, f + e <strong>de</strong> f − , então π e ν são medidas positivas finitas e<br />
Observamos que<br />
<br />
µ(E) =<br />
E<br />
<br />
f =<br />
E<br />
f + <br />
−<br />
E<br />
f − = π(E) − ν(E).<br />
2 Referiremos na secção 4.4 a generalização <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia a contextos mais gerais.
4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 221<br />
• π e ν estão concentradas, respectivamente, em P = x ∈ R N : f(x) > 0 <br />
e N = x ∈ R N : f(x) < 0 ,<br />
• P e N são, evi<strong>de</strong>ntemente, conjuntos disjuntos.<br />
Concluímos que (π, ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ. Em particular,<br />
a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan do integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f correspon<strong>de</strong> à usual<br />
<strong>de</strong>composição f = f + − f − .<br />
As medidas π e ν que formam uma qualquer <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan<br />
estão concentradas em conjuntos disjuntos P e N. É claro que N é πnulo,<br />
porque está contido no complementar <strong>de</strong> P, e P é ν-nulo, porque está<br />
contido no complementar <strong>de</strong> N. Introduzimos a este respeito a seguinte<br />
terminologia:<br />
Definição 4.1.11 (<strong>Medida</strong>s Singulares). Se π está concentrada num conjunto<br />
ν-nulo, π diz-se singular (em relação a ν), e escrevemos π⊥ν.<br />
No caso <strong>de</strong> medidas em R N , dizemos simplesmente que π é singular, sem<br />
mais qualificativos, quando π é singular em relação à medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
A <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado não apresenta quaisquer dificulda<strong>de</strong>s:<br />
Proposição 4.1.12. π⊥ν se e só se π e ν estão concentradas em conjuntos<br />
disjuntos. Em particular, π⊥ν se e só se ν⊥π.<br />
Exemplos 4.1.13.<br />
1. A medida <strong>de</strong> Dirac δ em R é singular (em relação à medida <strong>de</strong> Lebesgue),<br />
porque tem suporte em S = {0}, e S é um conjunto m-nulo.<br />
2. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é singular em relação à medida <strong>de</strong> Dirac, porque a<br />
medida <strong>de</strong> Lebesgue está concentrada em B = R\ {0} = A c e δ(B) = 0.<br />
3. Note-se que as medidas <strong>de</strong> Lebesgue e <strong>de</strong> Dirac estão concentradas em conjuntos<br />
disjuntos mas não têm suportes disjuntos.<br />
Supondo que (π,ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan da medida µ on<strong>de</strong> π<br />
está concentrada num conjunto ν-nulo P, é claro que ν está concentrada no<br />
conjunto π-nulo N = P c . Notamos que:<br />
• Se E ⊆ P então µ(E) ≥ 0, porque µ(E) = π(E) − ν(E) = π(E) ≥ 0, e<br />
• Se E ⊆ N então µ(E) ≤ 0, porque µ(E) = π(E) −ν(E) = −ν(E) ≤ 0.<br />
Por outras palavras, todos os subconjuntos <strong>de</strong> P têm medida não-negativa,<br />
e todos os subconjuntos <strong>de</strong> N têm medida não-positiva. Os conjuntos com<br />
estas proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>signam-se:
222 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Definição 4.1.14 (Conjuntos µ-Positivos, µ-Negativos). Sendo µ uma medida<br />
real, dizemos que E ∈ M é µ-positivo (respectivamente, µ-negativo)<br />
se e só se para qualquer F ∈ M temos F ⊆ E ⇒ µ(F) ≥ 0 (respectivamente,<br />
µ(F) ≤ 0).<br />
Exemplos 4.1.15.<br />
1. O conjunto ∅ é simultaneamente µ-positivo, µ-negativo e µ-nulo.<br />
2. Se µ é o exemplo 4.1.4.1, é fácil ver que A = [−1, 0] é µ-positivo e B = [0, +1]<br />
é µ-negativo.<br />
3. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido da função somável f e E é mensurável, então E é<br />
µ-positivo (respectivamente, µ-negativo) se e só se f(x) ≥ 0 (respectivamente,<br />
f(x) ≤ 0) qtp em E.<br />
A <strong>de</strong>monstração das seguintes proprieda<strong>de</strong>s é o exercício 4.<br />
Proposição 4.1.16. Seja µ uma medida real e P,Q,Pn ∈ M.<br />
a) P é µ-positivo e Q ⊆ P =⇒ Q é µ-positivo e µ(Q) ≤ µ(P),<br />
b) P é µ-negativo e Q ⊆ P =⇒ Q é µ-negativo e µ(Q) ≥ µ(P),<br />
c) Pn µ-positivo para qualquer n ∈ N =⇒<br />
P =<br />
∞<br />
Pn é µ-positivo e µ(P) ≥ µ(Pn), para qualquer n ∈ N.<br />
n=1<br />
Sempre supondo que (π,ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan da medida µ,<br />
π está concentrada no conjunto ν-nulo P e N = P c , os conjuntos P e N<br />
formam uma partição <strong>de</strong> X on<strong>de</strong> P é µ-positivo e N é µ-negativo, o que nos<br />
conduz à seguinte<br />
Definição 4.1.17 (Decomposição <strong>de</strong> Hahn). Se µ é uma medida real e<br />
P,N ∈ M, o par (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ se e só se<br />
P é µ-positivo, N é µ-negativo, X = P ∪ N e P ∩ N = ∅.<br />
Po<strong>de</strong>mos portanto dizer que se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan então<br />
tem igualmente uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn. É também muito fácil mostrar<br />
que se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn então tem necessariamente uma<br />
<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan. Para isso, e supondo que (P,N) é uma <strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> Hahn, <strong>de</strong>finimos<br />
π(E) = µ(E ∩ P) e ν(E) = −µ(E ∩ N).<br />
As medidas π e ν são positivas e finitas, π⊥ν e temos (figura 4.1.2)<br />
µ(E) = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) = π(E) − ν(E), i.e., µ = π − ν.
4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 223<br />
E ∩ N<br />
E ∩ P<br />
P<br />
N X<br />
Figura 4.1.2: µ(E) = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) = π(E) − ν(E).<br />
Se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn (P,N), é ainda muito simples mostrar<br />
que µ tem mínimo e máximo finitos, que são exactamente os valores µ(N) e<br />
µ(P). Basta notar que, como P é µ-positivo e N é µ-negativo, segue-se da<br />
proposição 4.1.16 que, para qualquer E ∈ M,<br />
Concluímos que<br />
0 ≤ µ(E ∩ P) ≤ µ(P) e µ(N) ≤ µ(E ∩ N) ≤ 0.<br />
µ(N) ≤ µ(E ∩ N) ≤ µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) ≤ µ(E ∩ P) ≤ µ(P),<br />
ou seja, µ(N) ≤ µ(E) ≤ µ(P), e µ tem máximo em P e mínimo em N.<br />
A técnica que vamos utilizar para estabelecer a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>composições<br />
<strong>de</strong> Hahn e <strong>de</strong> Jordan é sugerida por esta observação elementar. Tem os<br />
seguintes passos essenciais:<br />
(I) Mostrar que qualquer medida real µ tem máximo na classe dos conjuntos<br />
µ-positivos,<br />
(II) Provar que se o máximo referido em (1) é atingido no conjunto P então<br />
N = P c é µ-negativo, i.e., (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> µ.<br />
A próxima proposição correspon<strong>de</strong> ao passo (I) acima indicado:<br />
Proposição 4.1.18. Se µ é uma medida real então existe um conjunto µpositivo<br />
P tal que µ(P) = max {µ(Q) : Q ∈ M,Q µ-positivo }.<br />
Demonstração. O conjunto ∅ é µ-positivo, e portanto a classe dos conjuntos<br />
µ-positivos não é vazia. Temos em particular que<br />
0 ≤ α = sup {µ(Q) : Q ∈ M,Q µ-positivo } ≤ ∞.
224 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Existem naturalmente conjuntos µ-positivos Qn tais que µ(Qn) → α, e temos<br />
<strong>de</strong> 4.1.16 c) que<br />
P =<br />
∞<br />
Qn é µ-positivo e µ(P) ≥ µ(Qn), para qualquer n.<br />
n=1<br />
Como µ(Qn) ≤ µ(P) ≤ α e µ(Qn) → α é evi<strong>de</strong>nte que µ(P) = α.<br />
Antes <strong>de</strong> mostrar que N = P c é µ-negativo, que é o passo (II) que<br />
referimos, precisamos <strong>de</strong> estabelecer um resultado auxiliar, aliás com um<br />
argumento muito interessante, on<strong>de</strong> provamos que qualquer conjunto com<br />
medida estritamente positiva contém um subconjunto µ-positivo, também<br />
com medida estritamente positiva.<br />
Lema 4.1.19. Se µ(E) > 0, existe um conjunto µ-positivo P ⊆ E com<br />
µ(P) ≥ µ(E) > 0.<br />
Demonstração. Dado A ∈ M, seja ν(A) = inf {µ(F) : F ∈ M,F ⊆ A}( 3 ).<br />
Notamos que ν(A) ≤ 0, porque po<strong>de</strong>mos sempre tomar F = ∅. Observamos<br />
igualmente que<br />
(1) A é µ-positivo se e só se ν(A) = 0.<br />
(2) Se B ⊆ A e B ∈ M então ν(B) ≥ ν(A).<br />
Notamos também que se ν(A) > −∞ então<br />
Basta-nos consi<strong>de</strong>rar dois casos:<br />
(3) Existe B ⊆ A tal que ν(B) ≤ 1<br />
2 ν(A).<br />
• Se ν(A) = 0 então po<strong>de</strong>mos tomar B = ∅, e<br />
• se ν(A) < 0 então ν(A)/2 > ν(A) = inf {µ(F) : F ∈ M,F ⊆ A}.<br />
Se ν(A) = −∞ a observação (3) é obviamente falsa, porque µ(B) = −∞,<br />
mas neste caso existe B ⊆ A tal que µ(B) ≤ −1. Concluímos que<br />
(4) Se A ∈ M, então existe B ⊆ A tal que B ∈ M e<br />
<br />
µ(B) ≤ max −1, 1<br />
2 ν(Pn)<br />
<br />
.<br />
Definimos duas sucessões <strong>de</strong> conjuntos Pn e Fn por indução como se<br />
segue (ver figura 4.1.3):<br />
3 Veremos imediatamente a seguir que −ν é na realida<strong>de</strong> uma das medidas que formam<br />
a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ.
4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 225<br />
P1 = E P2 P3 P4<br />
(a) P1 = E e,<br />
Figura 4.1.3: F =<br />
para qualquer n ∈ N,<br />
∞<br />
Fn,P =<br />
n=1<br />
∞<br />
Pn e E = P ∪ F.<br />
(b) Para a sucessão dos Fn, e <strong>de</strong> acordo com (4), seleccionamos um conjunto<br />
Fn ∈ M tal que<br />
<br />
(5) Fn ⊆ Pn e µ(Fn) ≤ max −1, 1<br />
2 ν(Pn)<br />
<br />
≤ 0.<br />
n=1<br />
(c) Para a sucessão dos Pn, tomamos Pn+1 = Pn\Fn.<br />
Deve ser evi<strong>de</strong>nte que os conjuntos Fn são disjuntos e os conjuntos Pn formam<br />
uma sucessão <strong>de</strong>crescente, on<strong>de</strong><br />
Pn ց P =<br />
∞<br />
Pn e E = P ∪ F com F =<br />
n=1<br />
Como µ(Fn) ≤ 0 e os conjuntos Fn são disjuntos, temos<br />
(6) − ∞ < µ(F) =<br />
∞<br />
Fn.<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(Fn) ≤ 0 e µ(Fn) → 0.<br />
n=1<br />
Para n suficientemente gran<strong>de</strong> temos <strong>de</strong> (6) que µ(Fn) > −1 e <strong>de</strong> (5) que<br />
(7) 0 ≥ ν(Pn)<br />
2 ≥ µ(Fn) → 0, ou seja, ν(Pn) → 0.<br />
Como P ⊆ Pn, obtemos <strong>de</strong> (2) e <strong>de</strong> (7) que 0 ≥ ν(P) ≥ ν(Pn) → 0. Temos<br />
assim que ν(P) = 0, i.e., P é µ-positivo. Para concluir a <strong>de</strong>monstração,<br />
notamos que µ(P) = µ(E) − µ(F) ≥ µ(E) > 0, porque E = P ∪ F.<br />
F1<br />
F2<br />
F3<br />
F4
226 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Passamos a <strong>de</strong>monstrar o principal resultado <strong>de</strong>sta secção:<br />
Teorema 4.1.20 (da Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan). Qualquer medida<br />
real tem <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Hahn e <strong>de</strong> Jordan.<br />
E P ∗<br />
N = X\P X<br />
Figura 4.1.4: Demonstração <strong>de</strong> 4.1.20.<br />
Demonstração. De acordo com 4.1.18, existe um conjunto µ-positivo P tal<br />
que<br />
µ(P) = α = max {µ(E) : E ∈ M, E µ-positivo } < +∞.<br />
A <strong>de</strong>monstração resume-se a mostrar que N = X\P é µ-negativo, conforme<br />
dissémos na observação (II) acima, e argumentamos por contradição.<br />
Se N não é µ-negativo, existe E ⊆ N com µ(E) > 0. De acordo com<br />
4.1.19, existe neste caso um conjunto µ-positivo P ∗ ⊆ E com µ(P ∗ ) > 0. O<br />
conjunto P ∪ P ∗ é portanto µ-positivo e µ(P ∪ P ∗ ) = µ(P) + µ(P ∗ ) > α, o<br />
que contradiz a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> α.<br />
Concluímos assim que N é µ-negativo e (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />
Hahn para µ. Por esta razão, e como já observámos, existe também uma<br />
<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan (π,ν) para µ, on<strong>de</strong> as medidas em causa são dadas<br />
por π(E) = µ(E ∩ P) e ν(E) = −µ(E ∩ N).<br />
A questão da unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>composições é bastante mais simples<br />
<strong>de</strong> analisar, e por isso a sua verificação fica para os exercícios 5 e 6.<br />
Teorema 4.1.21. Seja µ uma medida real, e suponha-se que (π,ν) e (P,N)<br />
são, respectivamente, <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para µ. Então,<br />
a) Se π ∗ e ν ∗ são medidas positivas finitas tais que µ = π ∗ − ν ∗ , então<br />
π ≤ π ∗ e ν ≤ ν ∗ .<br />
b) Em particular, se (π ∗ ,ν ∗ ) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ, então<br />
π ∗ = π, e ν = ν ∗ .<br />
P
4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 227<br />
c) Se (P ∗ ,N ∗ ) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ, então P ∩ N ∗ e<br />
P ∗ ∩ N são µ-nulos.<br />
Sendo µ uma medida real, a respectiva <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan (π,ν)<br />
existe, <strong>de</strong> acordo com o resultado acima, e é única, <strong>de</strong> acordo com 4.1.21.<br />
Passamos a escrever µ + , em lugar <strong>de</strong> π, e µ − , em lugar <strong>de</strong> ν.<br />
Exercícios.<br />
1. Prove que µ está concentrada em S se e só se S c é µ-nulo (proposição 4.1.6).<br />
2. Demonstre a proposição 4.1.12.<br />
3. Sendo I = [0, 2] e J = [1, 3], <strong>de</strong>termine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn<br />
para a medida µ dada por µ(E) = m(E ∩ I) − m(E ∩ J).<br />
4. Seja µ uma medida real no espaço mensurável (X, M). Demonstre 4.1.16,<br />
ou seja:<br />
a) Se P é µ-positivo, Q ∈ M, e Q ⊆ P, então Q é µ-positivo, e µ(Q) ≤ µ(P).<br />
b) Se P é µ-negativo, Q ∈ M, e Q ⊆ P, então Q é µ-negativo, e µ(Q) ≥<br />
µ(P).<br />
c) Se Pn é µ-positivo para qualquer n ∈ N, então ∪ ∞ n=1 Pn é µ-positivo, e<br />
µ(∪ ∞ n=1Pn) ≥ µ(Pn).<br />
5. Mostre que, se µ : M → R é uma medida real, (π, ν) é uma <strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> Jordan para µ, e π ∗ , ν ∗ : M → [0, +∞[ são medidas positivas finitas tais<br />
que µ = π ∗ − ν ∗ , então π ≤ π ∗ e ν ≤ ν ∗ . Em particular, a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />
Jordan <strong>de</strong> (X, M, µ) é única (teorema 4.1.21, a), e b)).<br />
6. Prove que se (P, N) e (P ′ , N ′ ) são <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> (X, M, µ),<br />
então P ∩ N ′ e P ′ ∩ N são µ-nulos (teorema 4.1.21, b)).<br />
7. Seja f : R N → R localmente somável, e µ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido.<br />
a) Mostre que µ está concentrada em P = x ∈ R N : f(x) > 0 quando<br />
f ≥ 0.<br />
b) Suponha agora que f = f + − f − muda <strong>de</strong> sinal em R N , e é somável em<br />
R N . Sejam π e ν os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f + e f − . Mostre que (π, ν)<br />
é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ = π − ν.<br />
c) Continuando a alínea anterior, as medidas π, ν e µ estão <strong>de</strong>finidas respectivamente<br />
nas σ-álgebras L f +, L f −, e Lf. Mostre que Lf = L |f| =<br />
L f + ∩ L f −.<br />
8. Sendo n ∈ N, suponha que δn é a medida <strong>de</strong> Dirac com suporte em {n}, e<br />
µ =<br />
∞ (−1) n<br />
δn.<br />
2n n=1<br />
Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a medida µ.
228 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
9. Seja λ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f(x) = e−x2 sen(πx), e µ a medida referida no<br />
exercício anterior. Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para λ + µ.<br />
10. Seja µ uma medida real no espaço (X, M) e E ∈ M. Mostre que<br />
a) µ + (E) = sup {µ(F) : F ∈ M, F ⊆ E}, e<br />
b) µ − (E) = − inf {µ(F) : F ∈ M, F ⊆ E}.<br />
b<br />
11. Existe alguma medida real µ tal que µ([a, b]) =<br />
a<br />
sen(x)<br />
dx?<br />
x<br />
12. Suponha que µ é uma medida real em B(R), e f(x) = µ(] − ∞, x]). Prove<br />
que f(x) = g(x) − h(x), on<strong>de</strong> g e h são funções crescentes e limitadas em R.<br />
13. Demonstre o teorema 4.1.7. sugestão: Verifique que po<strong>de</strong> substituir<br />
a classe V referida no teorema 4.1.7 pela classe (numerável) formada pelos<br />
rectângulos abertos com vértices <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas racionais que são µ-nulos.<br />
14. Suponha que Q = {q1, · · · , qn, · · · } e<br />
µ =<br />
∞ (−1) n<br />
δqn.<br />
2n n=1<br />
Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a medida µ. Mostre que<br />
(<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da enumeração dos racionais em causa) os suportes <strong>de</strong> µ + e <strong>de</strong><br />
µ − po<strong>de</strong>m ser iguais.<br />
15. Suponha que µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função somável f. As medidas<br />
µ + e µ − po<strong>de</strong>m ter o mesmo suporte?<br />
4.2 A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong><br />
A noção <strong>de</strong> variação total <strong>de</strong> uma medida real ou positiva µ é análoga à<br />
<strong>de</strong> oscilação <strong>de</strong> uma função real, num dado conjunto. Se µ está <strong>de</strong>finida na<br />
σ-álgebra M, temos<br />
Definição 4.2.1 (Variação Total). A variação total <strong>de</strong> µ é a função |µ|<br />
<strong>de</strong>finida em M por:( 4 )<br />
|µ|(E) = sup {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} − inf {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} .<br />
4 A utilização do símbolo |µ| para <strong>de</strong>signar a variação total <strong>de</strong> µ é tradicional, mas é<br />
ambígua, porque se presta a confusões com o simples valor absoluto da função µ. Convencionamos<br />
a este respeito que o valor absoluto <strong>de</strong> µ(E) será sempre <strong>de</strong>signado por |µ(E)|.
4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 229<br />
Conforme sugerido no exercício 10 da secção anterior, a variação total <strong>de</strong><br />
uma medida real µ calcula-se facilmente das suas <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan<br />
e <strong>de</strong> Hahn. Sempre supondo que F ⊆ E e F ∈ M, temos<br />
e analogamente<br />
µ(F) = µ + (F) − µ − (F) ≤ µ + (F) ≤ µ + (E) = µ(E ∩ P),<br />
µ(F) = µ + (F) − µ − (F) ≥ −µ − (F) ≥ −µ − (E) = µ(E ∩ N).<br />
Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />
max {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} = µ(E ∩ P) = µ + (E), e<br />
min {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} = µ(E ∩ N) = −µ − (E).<br />
A variação total <strong>de</strong> µ em E é portanto dada por |µ|(E) = µ + (E) + µ − (E),<br />
ou seja, |µ| = µ + + µ − . Passamos também a dizer que µ + e µ − são, respectivamente,<br />
a variação positiva e a variação negativa <strong>de</strong> µ. Note-se que |µ|,<br />
µ + e µ − são medidas positivas, que são finitas quando µ é uma medida<br />
real. Quando µ é positiva, é claro que a variação total <strong>de</strong> µ po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida<br />
como em 4.2.1, mas nesse caso temos obviamente µ = |µ|, e esta medida não<br />
é necessariamente finita.<br />
Exemplos 4.2.2.<br />
1. Se f : R N → R é somável e µ é o respectivo integral in<strong>de</strong>finido, então µ + e<br />
µ − são os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f + e f − . A variação total <strong>de</strong> µ é portanto<br />
dada por<br />
|µ|(E) = µ + (E) + µ − (E) =<br />
<br />
E<br />
f + <br />
+ f<br />
E<br />
− <br />
= (f<br />
E<br />
+ + f − <br />
) = |f|.<br />
E<br />
Por outras palavras, a variação total |µ| é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> |f|.<br />
2. Se µ = δ1 − δ−1, então a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ é (δ1, δ−1), don<strong>de</strong><br />
|µ| = δ1 + δ−1.<br />
3. Observe-se ainda que<br />
µ =<br />
∞ (−1) n<br />
n=1<br />
2 n δn ⇒ µ + =<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
2 2n δ2n, µ − =<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
2 2n−1 δ2n−1 e |µ| =<br />
∞<br />
n=1<br />
1<br />
δn.<br />
2n A variação total <strong>de</strong> uma medida real po<strong>de</strong> ser também calculada pela:<br />
Proposição 4.2.3. Se µ é uma medida real, ou positiva, então<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
|µ| (E) = sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />
n=1<br />
n=1
230 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Demonstração. O resultado é evi<strong>de</strong>nte quando µ é uma medida positiva. Se<br />
µ é uma medida real então temos para qualquer partição {En} que<br />
∞<br />
∞<br />
|µ(En)| = |µ + (En) − µ − (En)| ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
µ + (En) + µ − (En) =<br />
= µ + (E) + µ − (E) = |µ|(E), i.e.,<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos ≤ |µ|(E).<br />
n=1<br />
Por outro lado, e supondo que (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ,<br />
tomamos E1 = E ∩ P,E2 = E ∩ N e En = ∅, para n > 2, don<strong>de</strong><br />
∞<br />
|µ(En)| = |µ(E1)| + |µ(E2)| = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) =<br />
n=1<br />
= µ + (E) + µ − (E) = |µ|(E), e<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
|µ| (E) ≤ sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />
n=1<br />
De acordo com este resultado, po<strong>de</strong>mos substituir a <strong>de</strong>finição 4.2.1 pela<br />
seguinte, agora aplicável a qualquer medida real, positiva ou complexa:<br />
Definição 4.2.4 (Variação Total). Se µ é uma medida (positiva, real ou<br />
complexa) <strong>de</strong>finida em M, a variação total <strong>de</strong> µ é a função |µ| : M →<br />
[0, ∞], dada por:<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
|µ| (E) = sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />
Exemplo 4.2.5.<br />
n=1<br />
Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir “pentes <strong>de</strong> Dirac” em qualquer conjunto X, e na σ-álgebra<br />
P(X). Dado um conjunto numerável S = {x1, x2, · · · , xn, · · · } ⊆ X e uma<br />
sucessão <strong>de</strong> reais ou complexos c1, c2, · · ·, se existe uma medida π concentrada<br />
em S e tal que π({xn}) = cn, escrevemos<br />
π =<br />
∞<br />
cnδxn e temos π(E) = <br />
cn, on<strong>de</strong> IE = {n ∈ N : xn ∈ E} e E ⊆ X.<br />
n=1<br />
n∈IE<br />
Deixamos para o exercício 1 verificar que a medida π existe se e só se se verifica<br />
um dos seguintes casos:<br />
n=1<br />
n=1<br />
• cn ≥ 0 para qualquer n ∈ N, ou<br />
• a série ∞<br />
n=1 cn é absolutamente convergente.
4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 231<br />
Dizemos então que π é um “pente <strong>de</strong> Dirac”, ou uma medida discreta. A<br />
variação total <strong>de</strong> π é dada por:<br />
|π| (E) = <br />
|cn|.<br />
n∈IE<br />
O próximo teorema agrupa algumas observações elementares, todas <strong>de</strong><br />
muito simples verificação. Note-se que mesmo quando µ é uma medida<br />
complexa é ainda verda<strong>de</strong> que |µ| é uma medida positiva finita.<br />
Teorema 4.2.6. Se µ é uma medida real ou complexa, então:<br />
a) |µ(E)| ≤ |µ|(E) ≤ |µ| (F), para quaisquer E,F ∈ M com E ⊆ F.<br />
b) E é µ-nulo ⇐⇒ |µ|(E) = 0.<br />
c) |µ| é uma medida positiva finita, don<strong>de</strong> µ é <strong>de</strong> variação limitada.<br />
d) µ está concentrada em S ⇐⇒ |µ| está concentrada em S.<br />
e) Se µ e λ são medidas reais (resp., complexas) e c ∈ R (resp., c ∈ C),<br />
então µ + λ e cµ são medidas reais (resp., complexas). Em particular,<br />
o conjunto das medidas reais (resp., complexas) <strong>de</strong>finidas em (X, M)<br />
é um espaço vectorial real (resp., complexo).( 5 )<br />
Demonstração. Para provar a), tomamos na <strong>de</strong>finição (4.2.4) E1 = E e<br />
En = ∅ para n > 1, para concluir que |µ(E)| ≤ |µ|(E). É igualmente fácil<br />
verificar que se E ⊆ F então |µ|(E) ≤ |µ|(F).<br />
Se |µ| (E) = 0, F ∈ M e F ⊆ E segue-se <strong>de</strong> a) que µ(F) = 0, e portanto E<br />
é µ-nulo. Por outro lado, se E é µ-nulo então é óbvio da <strong>de</strong>finição (4.2.4)<br />
que |µ|(E) = 0.<br />
Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c). Supondo verificad esta<br />
afirmação, é evi<strong>de</strong>nte que d) é equivalente a b).<br />
A afirmação e) resume proprieda<strong>de</strong>s elementares <strong>de</strong> séries convergentes.<br />
A medida µ diz-se <strong>de</strong> variação limitada se e só se |µ| (X) < +∞, sendo<br />
claro que apenas as medidas positivas, que aliás coinci<strong>de</strong>m com a sua variação<br />
total, po<strong>de</strong>m não ter variação limitada. Passamos a <strong>de</strong>signar por M(M,Y )<br />
o espaço das medidas µ : M → Y , on<strong>de</strong> Y = R ou Y = C, que por vezes<br />
simplificamos para M(M) quando Y é evi<strong>de</strong>nte do contexto, e <strong>de</strong>ixamos<br />
para os exercícios 4 e 5 a verificação do seguinte resultado:<br />
5 As medidas reais (resp., complexas) em (X, M) são funções µ : M → R (resp.,<br />
µ : M → C) <strong>de</strong> tipo especial, e formam assim um subespaço do espaço <strong>de</strong> todas as funções<br />
f reais (resp., complexas) <strong>de</strong>finidas em M. Este último <strong>de</strong>signa-se usualmente por R M<br />
(resp., C M ).
232 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Proposição 4.2.7. A aplicação <strong>de</strong>finida em M(M, C) por µ = |µ|(X) é<br />
uma norma, e com esta norma M(M, C) é um espaço <strong>de</strong> Banach complexo.<br />
Analogamente, M(M, R) é um espaço <strong>de</strong> Banach real.<br />
Observações 4.2.8.<br />
1. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função somável f : RN → R, então<br />
µ = |µ|(R N <br />
) = |f|dmN = f1 .<br />
2. Seja M(B(R N )) o espaço <strong>de</strong> Banach formado por todas as medidas reais<br />
<strong>de</strong>finidas em B(R N ), que se diz o espaço das medidas <strong>de</strong> Borel( 6 ). O<br />
operador Ψ : L 1 (R N ) → M(B(R N )) que associa a cada classe [f] o integral<br />
in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é linear e preserva normas, <strong>de</strong> acordo com a observação acima.<br />
O espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N )) contém por isso um subespaço <strong>de</strong> Banach<br />
isomorfo a L 1 (R N ). Dizemos portanto que o espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N ))<br />
é uma extensão do espaço <strong>de</strong> Banach L 1 (R N ), se bem que esta afirmação<br />
pressuponha que “i<strong>de</strong>ntificamos”, ou seja, tratamos como se fossem o mesmo<br />
objecto, tanto a classe [f] como o seu integral in<strong>de</strong>finido( 7 ).<br />
Aproveitamos para generalizar a medidas reais e complexas a noção <strong>de</strong><br />
medida completa que introduzimos em 2.3.15:<br />
R N<br />
Definição 4.2.9 (<strong>Medida</strong> Completa). A medida µ é completa se e só se<br />
todos os subconjuntos <strong>de</strong> conjuntos µ-nulos são mensuráveis, i.e., se e só se<br />
o espaço (X, M, |µ|) é completo, no sentido <strong>de</strong> 2.3.15.<br />
Exemplos 4.2.10.<br />
1. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é completo, se tomarmos M = Lf.<br />
2. Se µ é uma medida complexa <strong>de</strong>finida em M, a sua menor extensão completa<br />
está <strong>de</strong>finida da forma óbvia na σ-álgebra Mµ = M |µ|, dada por:<br />
Exercícios.<br />
Mµ = {E ⊆ X : Existem A, B ∈ M, A ⊆ E ⊆ B, |µ|(B\A) = 0}.<br />
6 Mais geralmente, se X é um espaço topológico, as medidas <strong>de</strong>finidas em B(X) dizem-se<br />
<strong>de</strong> Borel em X.<br />
7 Os elementos <strong>de</strong> M(B(R N )) são também distribuições, que por vezes se chamam<br />
funções generalizadas. Esta terminologia reflecte exactamente a i<strong>de</strong>ntificação entre<br />
funções e os respectivos integrais in<strong>de</strong>finidos, no sentido que certas medidas são (i.e., correspon<strong>de</strong>m<br />
a) funções “normais”, e outras são apenas “funções generalizadas”. O espaço<br />
M(B(R N )) é igualmente referido num dos célebres Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz,<br />
neste texto o teorema 5.5.11, que aliás i<strong>de</strong>ntifica os elementos <strong>de</strong> M(B(R N )) com um tipo<br />
especial <strong>de</strong> distribuições.
4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 233<br />
1. Recor<strong>de</strong> o exemplo 4.2.5. Verifique que existe uma medida π concentrada em<br />
S e tal que π({xn}) = cn se e só se cn ≥ 0, ou a série ∞<br />
n=1 cn é absolutamente<br />
convergente, e calcule a variação total <strong>de</strong> π.<br />
2. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 4.2.6. Sugestão: Para provar c),<br />
comece por mostrar que |µ| é σ-subaditiva.<br />
3. Seja µ uma medida <strong>de</strong>finida no espaço mensurável (X, M). Prove que<br />
a) |µ| = 0 se e só se µ = 0,<br />
b) Se λ é uma medida <strong>de</strong>finida em M, então µ⊥λ ⇔ |µ| ⊥ |µ|.<br />
4. Seja V = M(M, C) o espaço vectorial das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em<br />
(X, M), com as operações óbvias <strong>de</strong> soma e produto por escalares. Sendo<br />
µ, λ ∈ V, e α ∈ C, mostre que<br />
a) |µ + λ| ≤ |µ| + |λ|, e |αµ| = |α| |µ|.<br />
b) µ = |µ| (X) é uma norma em V, i.e., V é um espaço vectorial normado.<br />
c) Suponha que µ = α + iβ, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais. Mostre que<br />
max{α, β} ≤ µ ≤ α + β.<br />
Sendo µn = αn + iβn, on<strong>de</strong> αn e βn são medidas reais, conclua que<br />
µn − µ → 0 ⇐⇒ αn − α → 0 e βn − β → 0.<br />
d) Po<strong>de</strong>mos também adoptar no espaço( 8 ) V a norma da convergência uniforme,<br />
dada por µ∞ = sup{|µ(E)| : E ∈ M}. Mostre que neste caso<br />
estas normas são equivalentes, i.e., existem números reais positivos nãonulos<br />
a, b tais que<br />
aµ∞ ≤ µ ≤ bµ∞, para qualquer µ ∈ V.<br />
sugestão: Suponha que µ é real, e use a sua <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn.<br />
e) Mostre que po<strong>de</strong>mos ter µn(E) → µ(E) para qualquer E ∈ M sem<br />
que µn − µ → 0, ou seja, existem sucessões em V que convergem pontualmente,<br />
mas não convergem no sentido <strong>de</strong> qualquer das normas que<br />
referimos. sugestão: Recor<strong>de</strong> o exercício 6 da secção 3.5.<br />
5. Continuando o exercício anterior, mostre que V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
sugestão: Po<strong>de</strong> ser conveniente proce<strong>de</strong>r da seguinte forma:<br />
a) Mostre que se µn − µm → 0 então µn converge uniformemente para<br />
uma função limitada µ : M → C.<br />
b) Prove que µ é uma função aditiva, e use o facto <strong>de</strong> µn − µ∞ → 0 para<br />
concluir que µ é σ-aditiva, ou seja, é uma medida.<br />
c) Conclua que µn − µ → 0, e portanto V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
8 V é um subespaço do espaço das funções limitadas f : M → C.
234 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
6. Seja ainda V o espaço vectorial das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em (X, M),<br />
com as operações já referidas.<br />
a) Sendo λ ∈ V, mostre que U = {µ ∈ V : µ⊥λ} é um subespaço vectorial<br />
normado <strong>de</strong> V. U é um espaço <strong>de</strong> Banach?<br />
b) Verifique que o conjunto W formado pelas medidas discretas é igualmente<br />
um espaço vectorial normado <strong>de</strong> V. W é um espaço <strong>de</strong> Banach?<br />
4.3 <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas<br />
Sabemos que se a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue da função<br />
f, então:<br />
mN(E) = 0 =⇒ µ(E) = 0.<br />
Introduzimos a noção <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> absoluta para exprimir esta relação<br />
entre medidas. O exemplo que acabámos <strong>de</strong> mencionar é especialmente<br />
simples, porque mN é uma medida positiva, mas é fácil frasear a <strong>de</strong>finição<br />
correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> modo a ser aplicável a qualquer tipo <strong>de</strong> medidas.<br />
Definição 4.3.1 (Continuida<strong>de</strong> Absoluta). Se µ e λ são medidas em M,<br />
dizemos que µ é absolutamente contínua (em relação a λ) e escrevemos<br />
µ ≪ λ se e só se qualquer conjunto λ-nulo é igualmente µ-nulo. Quando λ<br />
é a medida <strong>de</strong> Lebesgue, é usual omitir a referência “em relação a λ”.<br />
Exemplos 4.3.2.<br />
1. Como dissemos acima, se a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido da função f em<br />
R N , então µ ≪ mN.<br />
2. A medida <strong>de</strong> Dirac não é absolutamente contínua. Por exemplo, o conjunto<br />
A = {0} é m-nulo, mas não é δ-nulo.<br />
3. Se µ é uma medida real em (X, M), temos µ ≪ |µ|, µ + ≪ |µ| e µ − ≪ |µ|.<br />
Em particular, |µ| = 0 se e só se µ = 0, ou seja,<br />
|µ|(X) = 0 ⇐⇒ µ(E) = 0 para qualquer E ∈ M.<br />
A continuida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> µ em relação a λ po<strong>de</strong> ser expressa <strong>de</strong> diversas<br />
formas equivalentes, e analisaremos algumas <strong>de</strong>las nos exercícios. Observamos<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que<br />
Teorema 4.3.3. Se µ e λ são medidas em M, então:<br />
µ ≪ λ ⇔ |µ| ≪ |λ| ⇔ Para qualquer E ∈ M, |λ|(E) = 0 ⇒ |µ|(E) = 0.<br />
O resultado seguinte generaliza o exercício 10 da secção 3.3 a qualquer<br />
medida complexa.
4.3. <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas 235<br />
Teorema 4.3.4. Se µ e λ são medidas em M e µ é <strong>de</strong> variação limitada,<br />
então µ ≪ λ se e só se<br />
(1) ∀ε>0 ∃δ>0 ∀E∈M |λ|(E) < δ =⇒ |µ(E)| < ε.<br />
Demonstração. Supomos primeiro que a condição (1) é falsa, i.e.,<br />
∃ε>0 ∀δ>0 ∃E∈M tal que |λ|(E) < δ e |µ(E)| ≥ ε.<br />
Passamos a provar que µ não é absolutamente contínua em relação a λ.<br />
Para isso, notamos que existem conjuntos En tais que<br />
|λ|(En) < 1<br />
2 n e |µ(En)| ≥ ε, don<strong>de</strong> |µ|(En) ≥ ε.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos os conjuntos<br />
Fn =<br />
∞<br />
Ek e F =<br />
k=n<br />
∞<br />
Fn on<strong>de</strong> Fn ց F.<br />
n=1<br />
Recordamos do lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli que<br />
∞<br />
|λ|(En) < ∞ =⇒ |λ|(F) = 0, ou seja, F é λ-nulo.<br />
n=1<br />
Por outro lado, como Fn ց F e, por hipótese, |µ| é uma medida finita,<br />
temos que |µ|(Fn) → |µ|(F)|. É claro que En ⊆ Fn, e por isso<br />
|µ|(Fn) ≥ |µ|(En) ≥ |µ(En)| ≥ ε =⇒ |µ|(F)| ≥ ε > 0.<br />
É portanto evi<strong>de</strong>nte que F é λ-nulo mas não é µ-nulo, ou seja, µ não é absolutamente<br />
contínua em relação a λ. Deixamos a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração,<br />
que envolve verificar que (1) ⇒ µ ≪ λ, para o exercício 4.<br />
Exercícios.<br />
1. Sendo µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M, quais <strong>de</strong>stas afirmações são equivalentes<br />
a µ ≪ λ?<br />
a) Para qualquer E ∈ M, λ(E) = 0 ⇒ µ(E) = 0.<br />
b) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ µ(E) = 0.<br />
c) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0.<br />
d) Para qualquer P ∈ M, se λ está concentrada em P então µ está concentrada<br />
em P.<br />
2. Consi<strong>de</strong>re as medidas dadas em M = P(R) por µ1(E) = δ(E), µ2(E) =<br />
#(E ∩ Z) e µ3(E) = #(E ∩ Q). Mostre que µ1 ≪ µ2 ≪ µ3.
236 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
3. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M. Dizemos que (µa, µs) é a <strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> µ em or<strong>de</strong>m a λ se e só se µa e µs são medidas <strong>de</strong>finidas em<br />
M tais que<br />
µ = µa + µs, com µa ≪ λ e µs⊥λ.<br />
Prove que esta <strong>de</strong>composição, a existir, é única( 9 ). Conclua em particular que<br />
µ ≪ λ e µ⊥λ =⇒ µ = 0.<br />
4. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M, on<strong>de</strong> µ é <strong>de</strong> variação limitada.<br />
a) Prove que se µ e λ satisfazem a condição (1) referida no teorema 4.3.4<br />
então µ ≪ λ, o que conclui a <strong>de</strong>monstração do referido teorema.<br />
b) Prove que se µ é absolutamente contínua em relação a λ e |λ|(En) → 0<br />
então µ(En) → 0.<br />
c) Verifique que a afirmação b) é falsa se µ não é <strong>de</strong> variação limitada.<br />
5. Sendo µ o integral in<strong>de</strong>finido da função somável (ou não-negativa) f : R N →<br />
R, mostre que mN ≪ µ se e só se f(x) = 0 qtp.<br />
6. Seja V o espaço vectorial normado das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em<br />
(X, M) referido no exercício 4 da secção anterior. Dado λ ∈ V, mostre que<br />
U = {µ ∈ V : µ ≪ λ} é um subespaço <strong>de</strong> Banach <strong>de</strong> V.<br />
4.4 <strong>Medida</strong>s Regulares<br />
Passamos a dizer que µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes se e só se µ<br />
está <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(R N ). Recor<strong>de</strong>-se que se M = B(R N )<br />
dizemos também que µ é uma medida <strong>de</strong> Borel( 10 ). A noção <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong><br />
(exterior) foi <strong>de</strong>finida em 2.3.13 para medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes<br />
positivas, on<strong>de</strong> indicámos exemplos <strong>de</strong>stas medidas, regulares ou não.<br />
Exemplos 4.4.1.<br />
1. Se f ≥ 0 é localmente somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido é uma medida<br />
<strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes σ-finita e regular.<br />
2. Se f(x) = x −2 em R, e µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, então µ é σ-finita, mas<br />
não é regular em B(R), porque<br />
µ({0}) = 0 = inf{µ(U) : 0 ∈ U ⊆ R, U aberto } = ∞.<br />
3. Conforme já observámos, o cardinal em R N é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes que não é regular nos conjuntos finitos não-vazios.<br />
9<br />
A existência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>composições será estabelecida, mais adiante, no Teorema<br />
<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue.<br />
10<br />
É também comum dizer que a restrição da medida <strong>de</strong> Lebesgue à σ-álgebra <strong>de</strong> Borel<br />
é A medida <strong>de</strong> Borel.
4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 237<br />
Para estudar a possível regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma medida <strong>de</strong> Borel µ ≥ 0, é<br />
conveniente introduzir a função µ ∗ : P(R N ) → [0, ∞] dada por<br />
µ ∗ (E) = inf {µ(U) : E ⊆ U,U aberto } ,<br />
que é uma medida exterior, como vimos no exemplo 2.5.5.5.<br />
É claro que µ<br />
é regular em N ⊆ M se e só se µ(E) = µ ∗ (E) para qualquer E ∈ N, mas<br />
exibimos já múltiplos exemplos em que µ = µ ∗ . Deixamos para o exercício<br />
1 a <strong>de</strong>monstração das seguintes relações entre µ e µ ∗ :<br />
Lema 4.4.2. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva <strong>de</strong>finida na<br />
σ-álgebra M então<br />
a) µ(E) ≤ µ ∗ (E) para qualquer E ∈ M.<br />
b) µ(U) = µ ∗ (U), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />
A teoria <strong>de</strong>senvolvida no Capítulo II mostra que µ ∗ <strong>de</strong>termina a σ-álgebra<br />
dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, que <strong>de</strong>signaremos Lµ(R N ), e sabemos que<br />
E ⊆ R N é µ ∗ -mensurável se e só se<br />
µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E), para qualquer F ⊆ R N .<br />
A restrição <strong>de</strong> µ ∗ a Lµ(R N ) é, como sabemos, uma medida, que neste caso<br />
é evi<strong>de</strong>ntemente regular, e que <strong>de</strong>signaremos por µr. Temos naturalmente<br />
que, em geral, M = Lµ(R N ) e µ = µr.<br />
Muitos dos argumentos que utilizámos no Capítulo II no estudo da medida<br />
<strong>de</strong> Lebesgue são facilmente adaptados a este contexto mais abstracto.<br />
Por exemplo, na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) na proposição seguinte basicamente<br />
repetimos i<strong>de</strong>ias utilizadas na proposição 2.2.10.<br />
Lema 4.4.3. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva então:<br />
a) E ∈ Lµ(R N ) se e só se<br />
(1) µ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />
b) B(R N ) ⊆ Lµ(R N ), ou seja, µr é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes.<br />
Demonstração. a) Qualquer conjunto µ ∗ -mensurável satisfaz a condição (1),<br />
tendo em conta a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lµ(R N ) e 4.4.2 b). Suponha-se portanto que<br />
E satisfaz a condição referida e F ⊆ R N . Dado qualquer aberto U tal que<br />
F ⊆ U ⊆ R N , é claro que:<br />
µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E) ≤ µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E) = µ(U).<br />
Segue-se que µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E) ≤ µ ∗ (F) e portanto E é µ ∗ -mensurável.
238 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
b) Para provar que B(R N ) ⊆ Lµ(R N ), é suficiente estabelecer que qualquer<br />
aberto V ⊆ R N é µ ∗ -mensurável. De acordo com a) e com 4.4.2 b),<br />
basta-nos verificar que, se U e V são abertos, don<strong>de</strong> U ∩V é também aberto,<br />
temos:<br />
(2) µ(U) ≥ µ ∗ (U ∩ V ) + µ ∗ (U\V ) = µ(U ∩ V ) + µ ∗ (U\V ).<br />
Recordamos <strong>de</strong> 1.6.18 que existem conjuntos compactos Kn ր V , e observamos<br />
que<br />
U\Kn é aberto e U\Kn ⊇ U\V =⇒ µ(U\Kn) ≥ µ ∗ (U\V )<br />
Como µ é uma medida, temos<br />
µ(U) = µ(U ∩ Kn) + µ(U\Kn) ≥ µ(U ∩ Kn) + µ ∗ (U\V ).<br />
É claro que µ(U ∩ Kn) ր µ(U ∩ V ), don<strong>de</strong> obtemos (2).<br />
Exactamente como concluímos no Capítulo II que a medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
é a maior solução regular do Problema <strong>de</strong> Borel, po<strong>de</strong>mos estabelecer que<br />
Corolário 4.4.4. Se µ está <strong>de</strong>finida e é regular na σ-álgebra A então A ⊆<br />
Lµ(R N ) e µ é uma restrição <strong>de</strong> µr.<br />
Demonstração. Se E ∈ A e U é aberto, e dado que µ = µ ∗ em A, temos<br />
µ(U) = µ(U ∩ E) + µ(U\E), i.e., µ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E),<br />
ou seja, E ∈ Lµ(R N ).<br />
O próximo lema i<strong>de</strong>ntifica conjuntos E ∈ M∩L(R N ) para os quais temos<br />
µ(E) = µr(E) = µ ∗ (E), ou seja, conjuntos on<strong>de</strong> a medida µ é necessariamente<br />
regular.<br />
Lema 4.4.5. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva. Se µ ∗ (E) <<br />
+∞ e E ∈ M ∩ Lµ(R N ) então µ(E) = µr(E) = µ ∗ (E).<br />
Demonstração. Existem conjuntos abertos Un ⊆ R N tais que<br />
E ⊆ Un e µ(Un) = µr(Un) → µ ∗ (E) = µr(E).<br />
Po<strong>de</strong>mos supor sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />
µ(Un) = µr(Un) < +∞ e Un ց B =<br />
∞<br />
Un, on<strong>de</strong> é óbvio que B ⊇ E.<br />
Aplicamos o teorema da convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue às medidas µ<br />
e µr para concluir que<br />
n=1
4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 239<br />
• Como Un ց B, temos µ(Un) → µ(B) e µr(Un) → µr(B). Como<br />
µ(Un) → µr(E) e µ(Un) = µr(Un), segue-se que<br />
µr(E) = µ(B) = µr(B) < +∞ e µr(B\E) = 0 = µ ∗ (B\E).<br />
• Como 0 ≤ µ(B\E) ≤ µ ∗ (B\E) = 0, é claro que µ(B\E) = 0 e portanto<br />
µ(E) = µ(B) = µr(E).<br />
É evi<strong>de</strong>nte do lema anterior que se µ é uma medida <strong>de</strong> Borel positiva<br />
finita, por exemplo se µ é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, então µ é regular.<br />
Veremos imediatamente a seguir que o mesmo resultado é válido se µ é finita<br />
em conjuntos compactos( 11 ), caso em que µ se diz localmente finita.<br />
Exemplos 4.4.6.<br />
1. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é localmente finita.<br />
2. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função localmente somável e não negativa é<br />
uma medida positiva localmente finita.<br />
3. O pente <strong>de</strong> Dirac em R dado por π(E) = #(E ∩ Z) é uma medida positiva<br />
localmente finita.<br />
4. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f(x) = x −2 é uma medida σ-finita que não é localmente<br />
finita e não é regular em B(R).<br />
Teorema 4.4.7. Qualquer medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, localmente<br />
finita e <strong>de</strong>finida em M é regular em M ∩ Lµ(R N ) ⊇ B(R N ). Em particular,<br />
qualquer medida <strong>de</strong> Borel positiva e localmente finita é regular.<br />
Demonstração. Seja E ∈ M ∩ Lµ(RN ) e Bn a bola aberta <strong>de</strong> raio n e centro<br />
na origem. É claro que<br />
E ∩ Bn ∈ M ∩ Lµ(R N ) e µ ∗ (E ∩ Bn) ≤ µ(Bn+1) ≤ µ(Bn+1) < +∞.<br />
Segue-se do lema 4.4.5 que µ(E ∩ Bn) = µr(E ∩ Bn). Como E ∩ Bn ր<br />
E, concluímos que µ(E) = µr(E) quando E ∈ M ∩ Lµ(R N ). Por outras<br />
palavras, µ é regular em M ∩ Lµ(R N ) ⊇ B(R N ).<br />
A questão da aproximação <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis por conjuntos abertos<br />
é, como sabemos, muito relevante no estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue, e<br />
é natural procurar resultados análogos para outras medidas <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes. A próxima proposição <strong>de</strong>ve ser comparada com o teorema 2.2.16.<br />
11 No contexto <strong>de</strong> R N , os conjuntos compactos po<strong>de</strong>m ser substituídos nesta <strong>de</strong>finição<br />
por conjuntos elementares, ou limitados. A referência a compactos reflecte a adaptação<br />
da <strong>de</strong>finição a outros espaços topológicos.
240 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Proposição 4.4.8. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σfinita<br />
e regular em M, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) E ∈ Lµ(R N ),<br />
b) Para qualquer ε > 0 existe um aberto U ⊇ E tal que µ ∗ (U\E) < ε,<br />
c) E = B\N, on<strong>de</strong> B é <strong>de</strong> tipo Gδ e µ ∗ (N) = 0.<br />
Demonstração. Como µ é σ-finita, existem conjuntos Xn ∈ M tais que<br />
Xn ր R N e µ(Xn) < +∞. Como µ é regular, existem abertos Vn ⊇ Xn tais<br />
que µ(Vn) < +∞ e Vn ր R N .<br />
a) ⇒ b): Dado ε > 0, existem abertos Un ⊇ E ∩ Vn tais que<br />
µ(Un) < µ ∗ (E ∩ Vn) + ε<br />
2 n, já que µ∗ (E ∩ Vn) ≤ µ(Vn) < +∞.<br />
Como µ(Un) = µ ∗ (Un) e Un,E ∩ Vn ∈ Lµ(R N ), concluímos que<br />
µ ∗ (Un\(E ∩ Vn)) = µ(Un) − µ ∗ (E ∩ Vn) < ε<br />
.<br />
2n Se U = ∞<br />
n=1 Un então E ⊆ U, U é aberto e<br />
µ ∗ (U\E) ≤<br />
∞<br />
µ ∗ (Un\E ∩ Vn) < ε<br />
n=1<br />
b) ⇒ c): Existem abertos Un tais que E ⊆ Un e µ ∗ (Un\E) < 1<br />
n<br />
B = ∞<br />
n=1 Un e notamos que<br />
E ⊆ B, B é <strong>de</strong> tipo Gδ e µ ∗ (B\E) = 0.<br />
. Tomamos<br />
c) ⇒ a): Se E = B\N on<strong>de</strong> B ∈ B(R N ) ⊆ Lµ(R N ) e µ ∗ (N) = 0, então<br />
N,E ∈ Lµ(R N ).<br />
Po<strong>de</strong>mos adaptar o teorema 2.3.18 a este contexto mais geral:<br />
Corolário 4.4.9. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Borel positiva, σ-finita e regular<br />
(e.g., se µ é localmente finita) então µr é a maior extensão regular <strong>de</strong> µ, a<br />
menor extensão completa <strong>de</strong> µ, e a única extensão completa e regular <strong>de</strong><br />
µ.<br />
Demonstração. Vimos em 4.4.3 c) que µr é a maior extensão regular <strong>de</strong> µ.<br />
Por outro lado, é fácil concluir <strong>de</strong> 4.4.8 c) que qualquer extensão completa<br />
<strong>de</strong> µ está <strong>de</strong>finida pelo menos em Lµ(R N ), e coinci<strong>de</strong> com µ nessa classe <strong>de</strong><br />
conjuntos.
4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 241<br />
É por vezes útil aplicar estas i<strong>de</strong>ias na seguinte forma:<br />
Corolário 4.4.10. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positivas e<br />
localmente finitas, <strong>de</strong>finidas respectivamente em M e N. Se µ e λ coinci<strong>de</strong>m<br />
nos conjuntos abertos, então coinci<strong>de</strong>m igualmente em qualquer conjunto<br />
E ∈ M ∩ N ∩ Lµ(R N ).<br />
Exemplo 4.4.11.<br />
Sejam f e g funções não-negativas, e localmente somáveis em R. Suponhase<br />
que b<br />
a fdm = b<br />
gdm, para quaisquer a, b ∈ R. Designando por φ e γ<br />
a<br />
respectivamente os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f e <strong>de</strong> g na σ-álgebra L(R), é claro<br />
que φ(U) = γ(U), para qualquer aberto U, e tanto φ como γ são localmente<br />
finitas. De acordo com o resultado anterior, φ e γ coinci<strong>de</strong>m na σ-álgebra<br />
L(R), i.e., <br />
E fdm = E gdm, para qualquer E ∈ L(R). Temos por isso que<br />
f ≃ g.<br />
O próximo resultado é uma generalização <strong>de</strong> 2.3.9 e 2.3.10.<br />
Teorema 4.4.12. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita<br />
e regular em M então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) E ∈ Lµ(R N ).<br />
b) Para qualquer ε > 0 existem F (fechado), e U (aberto), tais que F ⊆<br />
E ⊆ U, e µ(U\F) < ε.( 12 )<br />
c) Existem A,B ∈ B(R N ) tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0.<br />
Demonstração.<br />
É uma adaptação directa das i<strong>de</strong>ias em 2.3.9 e 2.3.10:<br />
a) ⇒ b): De acordo com a proposição 4.4.8, existem abertos U ⊇ E e<br />
V ⊇ E c tais que<br />
µ ∗ (U\E) < ε<br />
2 e µ∗ (V \E c ) < ε<br />
2 .<br />
Tomamos F = V c , e notamos que F ⊆ E ⊆ U e µ(U\F) < ε.<br />
b) ⇒ c): Existem conjuntos fechados Fn e abertos Un tais que<br />
Fn ⊆ E ⊆ Un e µ(Un\Fn) < 1<br />
n .<br />
Tomamos A = ∞<br />
n=1 Fn e B = ∞<br />
n=1 Un, don<strong>de</strong><br />
A,B ∈ B(R N ),A ⊆ E ⊆ B, e µ(B\A) = 0.<br />
12 A regularida<strong>de</strong> interior <strong>de</strong> µ é a condição µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto }.<br />
Como R N é σ-compacto, este resultado mostra que em R N a regularida<strong>de</strong> exterior implica<br />
a regularida<strong>de</strong> interior para medidas σ-finitas.
242 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
c) ⇒ a): Temos E = B\N, on<strong>de</strong> N ⊆ B\A, e recordamos a proposição<br />
4.4.8.<br />
Tal como no caso da medida <strong>de</strong> Lebesgue, po<strong>de</strong>mos complementar este<br />
teorema 4.4.12 com as seguintes observações:<br />
Teorema 4.4.13. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita<br />
e regular, e µ ∗ (E) < +∞, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) E ∈ Lµ(R N ).<br />
b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que<br />
K ⊆ E ⊆ U e µ(U\K) < ε.<br />
c) Para qualquer ε > 0, existe J ∈ E(R N ) tal que µ ∗ (E∆J) < ε.<br />
É útil adaptar as i<strong>de</strong>ias expostas nesta secção a medidas <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes reais ou complexas. A regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas medidas po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida<br />
como se segue:<br />
Definição 4.4.14. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes, <strong>de</strong>finida pelo<br />
menos em A. Dizemos que µ é regular em A se e só se |µ| é regular em<br />
A, no sentido da <strong>de</strong>finição 2.3.13.<br />
Como as medidas complexas são limitadas, é muito fácil verificar as<br />
seguintes observações, que <strong>de</strong>ixamos como exercício:<br />
Lema 4.4.15. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes complexa, <strong>de</strong>finida<br />
pelo menos em A. Então µ é regular em A se e só se, para qualquer E ∈ A,<br />
existem conjuntos abertos Un ⊇ E tais que |µ|(Un\E) → 0. Em particular,<br />
a) Se µ é real, então µ é regular se e só se µ + e µ − são regulares, e<br />
b) Se µ = α + iβ é complexa, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais, então µ é<br />
regular se e só se α e β são regulares.<br />
De acordo com 4.4.9, quando µ é uma medida <strong>de</strong> Borel complexa então |µ|<br />
tem uma única extensão regular e completa, que está <strong>de</strong>finida na σ-álgebra<br />
L |µ|(R N ). Para simplificar a notação, escrevemos:<br />
Lµ(R N ) = L |µ|(R N ) =<br />
<br />
E ⊆ R N <br />
: ∃A,B∈B(RN ) A ⊆ E ⊆ B, |µ|(B\A) = 0 .<br />
O próximo lema relaciona as extensões regulares <strong>de</strong> uma medida real µ<br />
com as extensões regulares da sua variação total |µ|.
4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 243<br />
Lema 4.4.16. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Borel real e ρ uma extensão regular<br />
<strong>de</strong> µ. Então |ρ|, ρ + e ρ − são extensões regulares, respectivamente, <strong>de</strong> |µ|,<br />
µ + e µ − .<br />
Demonstração. Designamos por A o domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ρ, e por λ a<br />
restrição <strong>de</strong> |ρ| a B(RN ). É claro que |ρ| é uma extensão finita e regular <strong>de</strong><br />
λ, e segue-se <strong>de</strong> 4.4.10 que A ⊆ Lλ(RN ), on<strong>de</strong><br />
Lλ(R N <br />
) = E ⊆ R N <br />
: ∃A,B∈B(RN )A ⊆ E ⊆ B,λ(B\A) = 0 .<br />
A medida ρ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn na σ-álgebra A ⊆ Lλ(R N ).<br />
Por outras palavras, as medidas ρ + e ρ − estão concentradas em conjuntos<br />
disjuntos P,N ∈ Lλ(R N ). Existem, por isso, conjuntos A + , B + , A − , B − ∈<br />
B(R N ) tais que<br />
A + ⊆ P ⊆ B + ,A − ⊆ N ⊆ B − , e λ(B + \A + ) = λ(B − \A − ) = 0.<br />
Sendo (ρ + ,ρ − ) a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> ρ, concluímos que ρ + e ρ −<br />
estão concentradas, respectivamente, em A + e A − , que são disjuntos e Borelmensuráveis.<br />
Como µ = ρ = ρ + − ρ − em B(R N ), as restrições <strong>de</strong> ρ + e ρ −<br />
a B(R N ) formam a única <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ em B(R N ), i.e.,<br />
coinci<strong>de</strong>m com µ + e µ − em B(R N ). Portanto ρ + , ρ − e |ρ| são extensões <strong>de</strong><br />
µ + , µ − e |µ|. A regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ρ + e ρ − resulta do lema 4.4.15.<br />
O próximo teorema adapta para medidas complexas em B(R N ) i<strong>de</strong>ias<br />
já referidas para medidas positivas. Mais uma vez, estas medidas são unicamente<br />
<strong>de</strong>terminadas em B(R N ) pelos seus valores nos conjuntos abertos,<br />
mas notem-se a este respeito as observações feitas no exercício 4.<br />
Teorema 4.4.17. Se µ é uma medida complexa <strong>de</strong> Borel então:<br />
a) µ é regular em B(R N ).<br />
b) µ tem uma única extensão completa e regular µr, <strong>de</strong>finida em Lµ(R N ).<br />
As extensões não regulares <strong>de</strong> medidas complexas po<strong>de</strong>m ter proprieda<strong>de</strong>s<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes, e indicamos um exemplo interessante no exercício 11. Esse<br />
exercício mostra em particular que λ po<strong>de</strong> ser extensão <strong>de</strong> uma medida<br />
complexa µ sem que |λ| seja extensão <strong>de</strong> |µ|.<br />
Como já referimos, a noção <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> é aplicável a medidas <strong>de</strong>finidas<br />
em qualquer espaço topológico. Os teoremas <strong>de</strong>monstrados nesta secção<br />
foram-no sempre no contexto <strong>de</strong> R N , mas não é difícil generalizá-los. Na<br />
verda<strong>de</strong>, só invocámos proprieda<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> R N nas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong><br />
• 4.4.3, quando referimos que os abertos (em particular R N ) são σcompactos<br />
(Teorema <strong>de</strong> Cantor 1.6.18), e
244 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
• 4.4.7, porque utilizámos a compacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bn.<br />
É na verda<strong>de</strong> fácil mostrar que os teoremas <strong>de</strong>sta secção são aplicáveis pelo<br />
menos em qualquer espaço topológico localmente compacto on<strong>de</strong> os abertos<br />
sejam σ-compactos.<br />
Recor<strong>de</strong> ainda que a noção <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes foi referida a propósito do teorema 4.1.7. O exercício 9 adapta esta<br />
noção a medidas regulares <strong>de</strong>finidas em espaços topológicos mais gerais.<br />
Exercícios.<br />
1. Seja µ ≥ 0 uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R N , e µ ∗ : P(R N ) → [0, ∞]<br />
dada por µ ∗ (E) = inf {µ(U) : E ⊆ U, U aberto }. Prove as afirmações a), b) e<br />
c) da proposição 4.4.2.<br />
2. Suponha que µ é regular, mas não é σ-finita, e mostre que µr não é necessariamente<br />
a menor extensão completa <strong>de</strong> µ.<br />
3. Mostre que existem medidas σ-finitas distintas em B(R), que coinci<strong>de</strong>m nos<br />
conjuntos abertos.<br />
4. Suponha que µ e λ são medidas <strong>de</strong> Borel, e consi<strong>de</strong>re as afirmações:<br />
a) µ(U) = λ(U), para qualquer aberto U.<br />
b) µ(U) = λ(U), para qualquer rectângulo compacto U.<br />
c) µ(U) = λ(U), para qualquer rectângulo aberto limitado U.<br />
Mostre que se µ e λ são medidas complexas então todas as afirmações acima<br />
são equivalentes. E se µ e λ são medidas positivas? A resposta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> µ<br />
e λ serem σ-finitas?<br />
5. Demonstre o corolário 4.4.10.<br />
6. Seja f ≥ 0 uma função Riemann-integrável em qualquer rectângulo limitado<br />
<strong>de</strong> R N , e λ : J (R N ) → R o seu integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Riemann. Mostre que o<br />
integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue em Lf é a única extensão regular e completa<br />
<strong>de</strong> λ.<br />
7. Demonstre o teorema 4.4.13.<br />
8. Demonstre o lema 4.4.15.<br />
9. Suponha que µ é uma medida positiva num qualquer espaço topológico X,<br />
<strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(X). Seja U a união <strong>de</strong> todos os abertos<br />
µ-nulos, e F = U c . Mostre que se µ é regular, no sentido em que<br />
µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto } para qualquer E ∈ B(X),<br />
então F é o menor conjunto fechado on<strong>de</strong> µ está concentrada. É este conjunto<br />
que se diz neste caso o suporte <strong>de</strong> µ.
4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 245<br />
10. Recor<strong>de</strong> o teorema 2.3.17, sobre a menor extensão completa <strong>de</strong> um dado<br />
espaço <strong>de</strong> medida. Mostre que quando µ é uma medida <strong>de</strong> Borel regular e<br />
σ-finita temos, usando a notação <strong>de</strong> 2.3.17,<br />
Bµ(R N ) = Lµ(R N ) e µ = µr.<br />
11. Recor<strong>de</strong> o teorema 2.4.18 e o exercício 5 da mesma secção. Na notação do<br />
exercício referido, consi<strong>de</strong>re a medida real µ(U) = ρ(U ∩A)−ρ(U ∩B). Mostre<br />
que µ é uma extensão não regular da medida <strong>de</strong> Borel nula. Porque razão este<br />
exemplo não contradiz o teorema 4.4.17?<br />
4.5 <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R<br />
As medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finitas são fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />
em termos das respectivas funções <strong>de</strong> distribuição. No caso mais simples,<br />
que é o <strong>de</strong> uma medida µ finita em R, consi<strong>de</strong>ramos a função dada por<br />
f(x) = µ(] − ∞,x]), e observamos que<br />
(4.5.1) µ(]a,b]) = f(b) − f(a), para quaisquer a ≤ b ∈ R.<br />
Dizemos que f é função <strong>de</strong> distribuição da medida µ se e só se satisfaz<br />
4.5.1, e é fácil verificar que<br />
• Se µ é localmente finita em R, existe uma função f : R → R que<br />
satisfaz 4.5.1.<br />
• As funções <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> µ são da forma g(x) = f(x) + C, on<strong>de</strong><br />
C ∈ R é arbitrário.<br />
• A função f <strong>de</strong>termina a medida µ unicamente em B(R). Dizemos que<br />
µ é a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes <strong>de</strong>terminada por f, ou a <strong>de</strong>rivada<br />
generalizada <strong>de</strong> f( 13 ).<br />
A expressão “<strong>de</strong>rivada generalizada”, análoga à <strong>de</strong> “função generalizada”,<br />
tem origem na Teoria das Distribuições. Repare-se que se a função f é<br />
diferenciável qtp e satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow, então<br />
b<br />
µ(]a,b]) = f(b) − f(a) = f ′ dm, para quaisquer a ≤ b ∈ R.<br />
a<br />
Neste caso, é claro que a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido da <strong>de</strong>rivada usual<br />
<strong>de</strong> f( 14 ). Mais uma vez i<strong>de</strong>ntificando a função f ′ com o respectivo integral<br />
in<strong>de</strong>finido, po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> f no sentido usual coinci<strong>de</strong><br />
13 Diz-se também “<strong>de</strong>rivada no sentido das distribuições”.<br />
14 Como µ e o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ coinci<strong>de</strong>m nos intervalos, coinci<strong>de</strong>m igualmente<br />
em B(R N ), e em qualquer σ-álgebra on<strong>de</strong> ambas sejam regulares.
246 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
com a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f se e só se a função f satisfaz a regra <strong>de</strong><br />
Barrow. Dito doutra forma, o objectivo do 2o Teorema Fundamental do<br />
Cálculo po<strong>de</strong> resumir-se como se segue:<br />
<br />
Esclarecer as condições em que µ(E) = f ′ dm.<br />
Exemplos 4.5.1.<br />
1. A função f(x) = x é função <strong>de</strong> distribuição da medida <strong>de</strong> Lebesgue em R,<br />
i.e., a medida m é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f. Note-se que m é o integral<br />
in<strong>de</strong>finido da <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong> f, e é absolutamente contínua.<br />
2. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g(x) = ex2, que é localmente somável em R,<br />
po<strong>de</strong>mos tomar para f, por exemplo, a função dada por<br />
x<br />
b<br />
f(x) = gdm, don<strong>de</strong> f(b) − f(a) = gdm.<br />
0<br />
µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g, que é a <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong> f, e é mais uma vez<br />
absolutamente contínua.<br />
3. A função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> é função <strong>de</strong> distribuição da medida <strong>de</strong> Dirac δ, i.e., δ é<br />
a <strong>de</strong>rivada generalizada da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>. A medida <strong>de</strong> Dirac não é um<br />
integral in<strong>de</strong>finido, porque a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> não é contínua. A <strong>de</strong>rivada<br />
usual da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> é nula qtp, e δ é uma medida singular.<br />
Como dissemos, é fácil mostrar que se µ é uma medida localmente finita<br />
em R então existem funções f que satisfazem a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> 4.5.1. No entanto,<br />
se encararmos esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como um problema em que f é um dado e µ<br />
é a incógnita, já não é tão simples caracterizar as funções f para as quais o<br />
problema tem solução. Enunciamos este problema, para posterior referência,<br />
como o<br />
4.5.2 (Problema <strong>de</strong> Stieltjes). Dada uma função f : R → R, <strong>de</strong>terminar uma<br />
σ-álgebra Sf contendo os intervalos do tipo ]a,b] e uma medida µ <strong>de</strong>finida<br />
em Sf tal que µ e f satisfazem 4.5.1.<br />
A resolução do problema <strong>de</strong> Stieltjes po<strong>de</strong> ser muito útil, em particular<br />
no contexto da Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. Recor<strong>de</strong>-se que se X é uma<br />
variável aleatória real, então a sua função distribuição <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> é<br />
a função f : R → R, tal que f(x) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />
{X ∈ R : X ≤ x}. A figura 4.5.1 exibe o exemplo clássico do dado i<strong>de</strong>al,<br />
on<strong>de</strong> a função f é uma função em escada. A probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />
{X ∈ R : a < X ≤ b} é dada por f(b) − f(a), mas a teoria <strong>de</strong>ve esclarecer:<br />
• Quais são os subconjuntos <strong>de</strong> R aos quais po<strong>de</strong>mos associar uma probabilida<strong>de</strong>,<br />
i.e., quais são os acontecimentos, e<br />
a<br />
E
4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 247<br />
1<br />
1 2 3 4 5 6<br />
Figura 4.5.1: Distribuição <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> do dado i<strong>de</strong>al.<br />
• Como calcular a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento A, quando A não é<br />
um intervalo do tipo ]a,b].<br />
Qualquer medida µ que coincida com a probabilida<strong>de</strong> nos intervalos<br />
]a,b] é solução <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> Stieltjes, e po<strong>de</strong> ser usada para resolver<br />
questões da Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s com técnicas e resultados da Teoria<br />
da <strong>Medida</strong>.<br />
m(f(E))<br />
m(E)<br />
y = f(x)<br />
Figura 4.5.2: µ(E) = m(f(E)), quando f é contínua e crescente.<br />
Começamos por mostrar que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem sempre solução<br />
quando f é crescente e contínua, revisitando e expandindo i<strong>de</strong>ias que introduzimos<br />
a propósito do exemplo 2.4.13 (ver figura 4.5.2). Este resultado<br />
é interessante, em especial porque revela, como veremos, a existência algo<br />
inesperada <strong>de</strong> medidas que não são integrais in<strong>de</strong>finidos, e também não são<br />
“pentes <strong>de</strong> Dirac”. Dada uma qualquer função f : R → R, consi<strong>de</strong>ramos a
248 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
classe dos conjuntos cuja imagem é mensurável, i.e.,<br />
Sf = {E ⊆ R : f(E) ∈ L(R)} .<br />
Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir µf : Sf → [0, ∞] por µf(E) = m(f(E)), e notamos que se<br />
f é contínua e crescente e E =]a,b] é um intervalo <strong>de</strong> extremos a ≤ b então<br />
• f(E) é um intervalo <strong>de</strong> extremos f(a) e f(b), pelo que E ∈ Sf, e<br />
• µf(E) = m(f(E)) = f(b) − f(a).<br />
Por outras palavras, a função µf satisfaz a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> 4.5.1, e é solução do<br />
problema <strong>de</strong> Stieltjes para a função f se e só se (R, Sf,µf) é um espaço <strong>de</strong><br />
medida, o que passamos a verificar no próximo teorema.<br />
Teorema 4.5.3. Se f : R → R é contínua e crescente então:<br />
a) Sf é uma σ-álgebra e B(R) ⊆ Sf.<br />
b) µf é uma medida positiva.<br />
c) m ∗ (f(E)) = inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } para qualquer E ⊆ R.<br />
d) (R, Sf,µf) é a única solução completa e regular do problema 4.5.2.<br />
Demonstração. a) é uma consequência directa do lema 2.4.11. Para provar<br />
b), notamos como óbvio que µf(∅) = 0 e µf é monótona. A função µf é<br />
também σ-subaditiva, porque<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
µfF = m(f ) = m f(En) ≤<br />
n=1<br />
En<br />
≤<br />
n=1<br />
En<br />
∞<br />
m(f(En)) =<br />
n=1<br />
Recordamos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 2.4.11 que<br />
n=1<br />
∞<br />
µf(En)<br />
• Se f é crescente, então o conjunto N, formado pelos y ∈ R para os quais<br />
a equação f(x) = y tem múltiplas soluções, é numerável e portanto<br />
nulo.<br />
Se A e B são disjuntos, então F(A) ∩F(B) está contido em N, e é portanto<br />
nulo. Supondo que A,B ∈ Sf, temos então<br />
n=1<br />
µf(A ∪ B) = m(f(A ∪ B)) = m(f(A) ∪ f(B)) =<br />
= m(f(A)) + m(f(B)) − m(f(A) ∩ f(B)) = µf(A) + µf(B).<br />
Dito doutra forma, µf é aditiva, além <strong>de</strong> monótona e σ-subaditiva, e é por<br />
isso σ-aditiva (a) do exercício 3).
4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 249<br />
Para verificar c), seja E ⊆ R e consi<strong>de</strong>rem-se conjuntos abertos Vn tais<br />
que<br />
Vn ⊇ F(E) e m(Vn) → m ∗ (f(E)).<br />
Os conjuntos Un = f −1 (Vn) ⊇ E são abertos (porquê?) e f(E) ⊆ f(Un) ⊆<br />
Vn. Concluímos que<br />
m ∗ (f(E)) ≤ m(f(Un)) = µf(Un) ≤ m(Vn) → m ∗ (f(E)),<br />
don<strong>de</strong> µf(Un) → m ∗ (f(E)).<br />
É claro em qualquer caso que<br />
m ∗ (f(E)) ≤ inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } ,<br />
pelo que a igualda<strong>de</strong> em c) está estabelecida. Finalmente, se E ∈ Sf é<br />
também imediato que<br />
µf(E) = m(f(E)) = m ∗ (f(E)) = inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } .<br />
A verificação <strong>de</strong> d) é a b) do exercício 3.<br />
Exemplo 4.5.4.<br />
Consi<strong>de</strong>re-se a função<br />
⎧<br />
1<br />
1<br />
⎨ π arcsen(x) + 2 , para − 1 ≤ x ≤ +1,<br />
f(x) = 0, para x < −1, e<br />
⎩<br />
1, para x > 1.<br />
f é uma função contínua e crescente, e a respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes µf é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, sabendo que um<br />
“oscilador harmónico linear” qualquer( 15 ), por exemplo, um pêndulo simples,<br />
se <strong>de</strong>sloca em unida<strong>de</strong>s normalizadas <strong>de</strong> acordo com x = sen(t), po<strong>de</strong>mos<br />
concluir que µf(E) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento “x ∈ E”, quando o<br />
oscilador é observado num instante <strong>de</strong> tempo t escolhido ao acaso.<br />
A “escada do Diabo” é uma função contínua e crescente na recta real, à<br />
qual po<strong>de</strong>mos naturalmente aplicar o teorema 4.5.3.<br />
Exemplo 4.5.5.<br />
a medida <strong>de</strong> cantor, <strong>de</strong>signada aqui ξ, é a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes<br />
<strong>de</strong>terminada pela “escada do Diabo”, e é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>.<br />
A seguinte proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ξ é particularmente relevante no que se segue:<br />
Proposição 4.5.6. ξ é uma medida singular, porque tem suporte no conjunto<br />
<strong>de</strong> Cantor C.<br />
15 “Clássico”, por oposição a “quântico”. No caso quântico, a <strong>de</strong>terminação da função<br />
f requer a solução prévia da equação <strong>de</strong> Schrödinger apropriada.
250 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Demonstração.<br />
É claro que ξ(R) = ξ(]0,1]) = f(1) − f(0) = 1, e portanto<br />
ξ está concentrada em I = [0,1]. Por outro lado, sendo U = I\C, sabemos<br />
que U = ∪ ∞ n=1 ]an,bn[ é um conjunto aberto, e a “escada do Diabo” f é<br />
constante em cada um dos intervalos [an,bn]. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />
0 = f(bn) − f(an) = ξ(]an,bn]) ≥ ξ(]an,bn[) ≥ 0. Segue-se assim que:<br />
ξ(U) =<br />
∞<br />
ξ(]an,bn[) = 0, e ξ(C) = ξ(C) + ξ(U) = ξ(C ∪ U) = ξ(I) = 1<br />
n=1<br />
Concluímos que ξ está concentrada em C, e é por isso singular.<br />
Registe-se <strong>de</strong>ste exemplo que a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função<br />
contínua po<strong>de</strong> ser uma medida singular não-nula, que por esta razão não é<br />
um integral in<strong>de</strong>finido.<br />
O próximo lema indica condições necessárias para a existência <strong>de</strong> soluções<br />
do problema <strong>de</strong> Stieltjes aplicáveis a qualquer função F.<br />
Lema 4.5.7. Se o problema <strong>de</strong> Stieltjes para f tem solução µ, então:<br />
a) A função f é contínua à direita em R,<br />
b) O limite <strong>de</strong> f à esquerda <strong>de</strong> x é f(x) − µ({x}), e, em particular<br />
c) f é contínua em x se e só se µ({x}) = 0.<br />
Demonstração. Deixamos para o exercício 2 as afirmações b) e c). Para<br />
provar a), supomos que In =]a,xn], on<strong>de</strong> os xn <strong>de</strong>crescem para a. Como<br />
os conjuntos In ց ∅, e µ(In) = ∞, temos µ(In) = f(xn) − f(a) → 0, i.e.,<br />
f(xn) → f(a).<br />
Repare-se que se µ é um “pente <strong>de</strong> Dirac” e f é uma sua função <strong>de</strong><br />
distribuição, então existem pontos x1,x2, · · · , tais que µ({xn}) = 0, e f<br />
não é contínua em qualquer um <strong>de</strong>stes pontos. Em particular, a medida <strong>de</strong><br />
Cantor ξ, que como vimos não é um integral in<strong>de</strong>finido, também não é um<br />
“pente <strong>de</strong> Dirac”, porque é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função contínua.<br />
Mostraremos a seguir, ainda nesta secção, que na realida<strong>de</strong> todas as medidas<br />
positivas localmente finitas em R são da forma µ = µc + µd, on<strong>de</strong> qualquer<br />
uma <strong>de</strong>stas medidas po<strong>de</strong> ser nula, e:<br />
• µc, dita a parte contínua <strong>de</strong> µ, é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma<br />
função contínua crescente, que dizemos ser uma medida contínua, e<br />
• µd, dita a parte discreta <strong>de</strong> µ, é uma série ou soma finita <strong>de</strong> medidas<br />
<strong>de</strong> Dirac (um pente <strong>de</strong> Dirac), i.e., é uma medida discreta.<br />
Exemplo 4.5.8.
4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 251<br />
Seja f(x) = x + int(x), on<strong>de</strong> int(x) é a usual “parte inteira” do real x. A<br />
<strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f é dada por:<br />
µ(E) = m(E) + <br />
δn(E),<br />
on<strong>de</strong> δn é a medida <strong>de</strong> Dirac em x = n, com δn({n}) = 1. A medida ρ =<br />
<br />
n∈Z δn é o pente <strong>de</strong> Dirac propriamente dito. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é a<br />
parte contínua <strong>de</strong> µ, e ρ é a sua parte discreta.<br />
Estabeleceremos a existência da <strong>de</strong>composição µ = µc+µd provando uma<br />
correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>composição para funções: qualquer função monótona f é<br />
da forma f = g + s, on<strong>de</strong> g e s são monótonas, g é contínua, e s é o que<br />
dizemos ser uma função discreta( 16 ), i.e., é uma soma, ou série, <strong>de</strong> funções<br />
do tipo da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>. Mais exactamente,<br />
Definição 4.5.9 (Função Discreta). s : R → R é uma função discreta<br />
se e só se existem sucessões <strong>de</strong> reais xn,an,yn,bn, tais que<br />
⎧<br />
∞<br />
⎨ an, para x < xn,<br />
s(x) = hn(x) para x ∈ R, on<strong>de</strong> hn(x) = yn, para x = xn,<br />
⎩<br />
n=1<br />
bn, para x > xn.<br />
As funções g e s dizem-se, respectivamente, a parte contínua e a<br />
parte discreta, <strong>de</strong> f. Os pontos xn referidos em 4.5.9 são, como veremos,<br />
os pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f.<br />
d1<br />
f = g + s Parte contínua g Parte discreta s<br />
x1<br />
d2<br />
x2<br />
x1<br />
x2<br />
n∈Z<br />
Figura 4.5.3: Parte contínua e parte discreta <strong>de</strong> F.<br />
Qualquer função monótona f : R → R tem, por razões elementares,<br />
limites laterais em qualquer ponto a ∈ R e limites em ±∞. Supondo por<br />
exemplo que f é crescente e a ∈ R, temos na verda<strong>de</strong><br />
f(a + ) = lim<br />
xցa f(x) = inf{f(x) : x > a} e analogamente<br />
f(a − ) = lim<br />
xրa f(x) = sup{f(x) : x < a}.<br />
16 Estas funções dizem-se também <strong>de</strong> saltos, por vezes na forma latina “saltus”.<br />
d1<br />
x1<br />
d2<br />
x2
252 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Temos igualmente, com S = sup{f(x) : x ∈ R} e I = inf{f(x) : x ∈ R}, que<br />
f(+∞) = lim f(x) = S e f(−∞) = lim f(x) = I.<br />
x→+∞ x→−∞<br />
Caso f seja <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong>vemos apenas trocar as referências a sup e a inf<br />
nas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s acima. Note-se também que os limites em a ∈ R são finitos,<br />
por razões óbvias, mas é claro que f(+∞) e/ou f(−∞) po<strong>de</strong>m ser infinitos.<br />
Sendo x ∈ R, escrevemos também<br />
Provamos agora que:<br />
∆f(x) = f(x + ) − f(x − ).<br />
Proposição 4.5.10. Qualquer função monótona é contínua excepto num<br />
conjunto numerável.<br />
Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que f : R → R é crescente.<br />
Designamos por D o conjunto on<strong>de</strong> f é <strong>de</strong>scontínua. Sendo x ∈ R,<br />
<strong>de</strong>finimos Ix =]f(x − ),f(x + )[, don<strong>de</strong> D = {x ∈ R : Ix = ∅}. Temos, então:<br />
• Se x = y então Ix e Iy são disjuntos (supondo x < y, é óbvio que<br />
F(x + ) ≤ F(y−)).<br />
Para cada x ∈ D escolhemos um racional qx no intervalo Ix, <strong>de</strong>finindo <strong>de</strong>sta<br />
forma uma função injectiva f : D → Q, dada por f(x) = qx. Concluímos<br />
que D é numerável.<br />
Teorema 4.5.11. Se F : R → R é monótona em R, existem funções<br />
monótonas g,s : R → R, tais que g é contínua, s é discreta e F = g + s. As<br />
funções g e s são únicas, a menos <strong>de</strong> uma constante aditiva.<br />
Demonstração. Supomos F : R → R crescente em R, e contínua excepto<br />
em D = {x1,x2, · · · ,xn, · · · }. Para simplificar o argumento, supomos F<br />
limitada, e contínua à direita, em R. (Deixamos o caso geral para o exercício<br />
6). Definimos bn = F(xn) − F(x− n ). Sendo D∩]x,y] = {xnk : k ∈ N}, é fácil<br />
verificar que<br />
(i)<br />
∞<br />
k=1<br />
bnk<br />
≤ F(y) − F(x), e<br />
∞<br />
n=1<br />
bn ≤ lim F(y) − lim F(x) < ∞.<br />
y→∞ x→−∞<br />
Seja agora δxn a medida <strong>de</strong> Dirac no ponto xn, com δxn({xn}) = bn > 0. É<br />
claro que ρ = ∞ n=1 δxn é também uma medida positiva, que é igualmente<br />
finita, <strong>de</strong> acordo com (i). A função <strong>de</strong> distribuição s <strong>de</strong> ρ é dada por<br />
s(x) = ρ(]−∞,x]) =<br />
∞<br />
δxn(]−∞,x]) =<br />
n=1<br />
∞<br />
hn(x), com hn(x) = δxn(]−∞,x]).<br />
n=1
4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 253<br />
Em particular, s é uma função discreta crescente. De acordo com 4.5.7 a) e<br />
b), s é contínua à direita em R, e<br />
(ii) s(xn) − s(x − n ) = ρ({xn}) = δxn({xn}) = bn = F(xn) − F(x − n ).<br />
Definimos g(x) = F(x) − s(x), don<strong>de</strong> g é, igualmente, contínua à direita em<br />
R. Concluímos <strong>de</strong> (ii) que<br />
g(xn) − g(x − n ) = [F(xn) − F(x − n )] − [s(xn) − s(x − n )] = 0.<br />
Concluímos que g é também contínua à esquerda em R, logo contínua em<br />
R. Note-se ainda que g é crescente, porque, sendo D∩]x,y] = {xnk : k ∈ N},<br />
segue-se <strong>de</strong> (i) que<br />
s(y) − s(x) =<br />
∞<br />
k=1<br />
bnk<br />
≤ F(y) − F(x) =⇒ g(x) ≤ g(y).<br />
Se g1 + s1 = g2 + s2, on<strong>de</strong> as funções gi são contínuas, e as funções si<br />
discretas, então h = g1 − g2 = s2 − s1 é uma função contínua e discreta, e<br />
portanto h é, evi<strong>de</strong>ntemente, constante.<br />
O próximo corolário usa a <strong>de</strong>composição em parte contínua e parte discreta<br />
para mostrar que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução para F crescente<br />
quando F é contínua à direita.<br />
Corolário 4.5.12. Seja F : R → R crescente, e contínua à direita em R.<br />
Suponha-se, ainda, que<br />
• F é contínua excepto em D = {x1, · · · ,xn, · · · },<br />
• δxn é a medida <strong>de</strong> Dirac com δxn ({xn}) = F(xn) − F(x − n ),<br />
• F = g + s é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> F referida em 4.5.11,<br />
• Sg = {E ⊆ R : g(E) ∈ L(R)}, e µF : Sg → [0, ∞] é dada por<br />
∞<br />
∞<br />
µF(E) = m(g(E)) + δxn(E) = µg(E) + δxn(E).<br />
n=1<br />
Então (R, Sg,µF) é a única solução completa e regular do problema 4.5.2.<br />
Demonstração. (R, Sg,µF) é uma solução do problema <strong>de</strong> Stieltjes 4.5.2,<br />
porque é um espaço <strong>de</strong> medida, <strong>de</strong> acordo com 4.5.3, e<br />
n=1<br />
µF(]a,b]) = g(b) − g(a) + s(b) − s(a) = F(b) − F(a).<br />
É muito simples verificar que (R, Sg,µF) é completo e regular.
254 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Combinado com o lema 4.5.7, este resultado encerra a análise do problema<br />
<strong>de</strong> Stieltjes quando F é crescente: é agora claro que neste caso o<br />
problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução se e só se F é contínua à direita em R.<br />
Veremos na próxima secção as condições em que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem<br />
solução quando F não é crescente.<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que qualquer medida positiva em R localmente finita é <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
<strong>de</strong> F : R → R. Mostre igualmente que:<br />
a) Se as funções F e G têm a mesma <strong>de</strong>rivada generalizada µ então G(x) =<br />
F(x) + C, para qualquer x ∈ R.<br />
b) Se F : R → R é crescente e tem uma <strong>de</strong>rivada generalizada µ, então µ é<br />
única em B(R), e regular em B(R).<br />
2. Suponha que o problema 4.5.2 tem uma solução µ para a função F.<br />
a) Prove que se an → b pela esquerda então F(an) → F(b)−µ({b}). Conclua<br />
que F é contínua em b se e só se µ({b}) = 0. (Lema 4.5.7).<br />
b) Suponha que µ é uma medida real, e prove que existem os limites<br />
lim F(x), e lim<br />
x→−∞ x→+∞ F(x).<br />
c) Em que condições temos µ(]a, b[) = µ(]a, b]) = µ([a, b[) = µ([a, b])?<br />
3. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 4.5.3. sugestão:<br />
a) Verifique que µF é σ-aditiva, adaptando o argumento usado em 2.2.14.<br />
b) Mostre que (R, SF , µF) é completo.<br />
4. Seja F : R → R a “escada do Diabo”, e ξ a respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />
Stieltjes. Mostre que o conjunto <strong>de</strong> Cantor é o suporte <strong>de</strong> ξ.<br />
5. Suponha que F : R → R é crescente e contínua. Mostre que L(R) ⊆ SF se e<br />
só se F transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos, i.e., se e só se<br />
m(E) = 0 =⇒ m ∗ (F(E)) = 0.<br />
6. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 4.5.11. Em particular, prove a afirmação (i) da<br />
<strong>de</strong>monstração referida, e mostre que o resultado é igualmente válido quando f<br />
não é limitada nem contínua à direita.<br />
7. Determine as partes contínua e discreta da função F <strong>de</strong>finida abaixo, e da<br />
respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes.<br />
⎧<br />
⎨ 0, para x < 0,<br />
F(x) = 2x + 1, para 0 ≤ x < 3, e<br />
⎩<br />
x2 , para x ≥ 3.<br />
8. Determine uma função crescente, contínua à direita na recta real, e <strong>de</strong>scontínua<br />
nos racionais. Determine igualmente uma função contínua, diferenciável<br />
em x se e só se x é irracional.
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 255<br />
4.6 Funções <strong>de</strong> Variação Limitada<br />
A análise do problema <strong>de</strong> Stieltjes quando F não é crescente é facilitada pela<br />
introdução da classe das funções <strong>de</strong> variação limitada. Suponha-se para isso<br />
que µ é uma medida real, e F uma sua função <strong>de</strong> distribuição. Sabemos<br />
que µ tem variação total limitada, e este facto restringe <strong>de</strong> forma muito<br />
significativa a função F, como passamos a mostrar.<br />
Se I é um intervalo, qualquer conjunto finito P = {x0, · · · ,xn} ⊂ I, on<strong>de</strong><br />
supomos xk ր, <strong>de</strong>termina uma partição finita <strong>de</strong> J =]x0,xn] em subintervalos<br />
Ik =]xk−1,xk], com 1 ≤ k ≤ n. Como µ é <strong>de</strong> variação limitada, temos<br />
n<br />
|F(xk) − F(xk−1)| =<br />
k=1<br />
n<br />
|µ(Ik)| ≤ |µ| (J) ≤ |µ|(R) < +∞.<br />
k=1<br />
Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />
<br />
n<br />
<br />
sup |F(xk) − F(xk−1)| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn,xk ∈ R < +∞.<br />
k=1<br />
Definição 4.6.1 (Funções <strong>de</strong> Variação Limitada). Se F : S → R e I ⊆ S ⊆<br />
R é um intervalo, a variação total <strong>de</strong> F em I, <strong>de</strong>signada VF(I), é dada<br />
por<br />
<br />
n<br />
<br />
VF(I) = sup |F(xk) − F(xk−1)| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn,xk ∈ I .<br />
k=1<br />
F diz-se <strong>de</strong> variação limitada em I se e só se VF(I) < +∞. BV (I) é a<br />
classe das funções F : I → R <strong>de</strong> variação limitada em I, e NBV (R) ( 17 ) é a<br />
subclasse <strong>de</strong> BV (R) formada pelas funções que satisfazem ainda a condição<br />
F(x) → 0 quando x → −∞.<br />
Exemplos 4.6.2.<br />
1. Se F : R → R é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>, então n<br />
k=1 |F(xk) − F(xk−1)| é 1,<br />
se x0 < 0 e xn ≥ 0, ou 0, caso contrário. Portanto, VF(R) = 1.<br />
2. Se F(x) = x<br />
a fdm, on<strong>de</strong> f é somável, então F é <strong>de</strong> variação limitada, porque<br />
se P = {x0, · · · , xn} ⊂ I, então<br />
n<br />
|F(xk) − F(xk−1)| =<br />
k=1<br />
n<br />
k=1<br />
xk<br />
|<br />
xk−1<br />
fdm| ≤<br />
n<br />
<br />
xk<br />
|f|dm ≤ |f|dm.<br />
3. A função f(x) = xsen(1/x) (com f(0) = 0) é contínua, e portanto uniformemente<br />
contínua, em [0, 2π]. Apesar disso, f não é <strong>de</strong> variação limitada em<br />
[0, 2π] (exercício 10).<br />
17 BV e NBV são iniciais para as expressões inglesas “Boun<strong>de</strong>d Variation” e “Normalized<br />
Boun<strong>de</strong>d Variation”.<br />
k=1<br />
xk−1<br />
I
256 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
4. Sendo f : [a, b] → R, é relativamente simples verificar que f é <strong>de</strong> variação<br />
limitada em I se e só se o gráfico <strong>de</strong> f é rectificável (exercício 8).<br />
Para simplificar a notação, e supondo que P = {x0,x1, · · · ,xn}, on<strong>de</strong><br />
x0 ≤ x1 ≤ · · · ≤ xn, escrevemos<br />
SV (f, P) =<br />
n<br />
|f(xk) − f(xk−1)|, e Vf(x) = Vf (]−∞,x]) .<br />
k=1<br />
Registamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />
• P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ).<br />
• Vf é sempre uma função crescente.<br />
• Se I = [x,y] então Vf(I) ≥ |f(y) − f(x)|.<br />
• f é <strong>de</strong> variação limitada se e só se Vf é limitada. Neste caso, f é<br />
limitada.<br />
Passamos a <strong>de</strong>monstrar<br />
Lema 4.6.3. Sendo f : R → R então:<br />
a) Se y ≥ x, então Vf(y) = Vf(x) + Vf ([x,y]) ≥ Vf(x) + |f(y) − f(x)|.<br />
b) Lema <strong>de</strong> Jordan: f ∈ BV (R) se e só se existem funções crescentes e<br />
limitadas g,h : R → R tais que f = g − h.<br />
c) Se f ∈ BV (R) então f é contínua à direita em x se e só se Vf é<br />
contínua à direita em x.<br />
Demonstração. a) Dados conjuntos finitos P1 ⊂ ]−∞,x] e P2 ⊂ [x,y] é claro<br />
que P = P1 ∪ P2 ∪ {x} é um subconjunto finito <strong>de</strong> ] − ∞,y], e<br />
SV (f, P1) + SV (f, P2) = SV (f, P) ≤ Vf(y).<br />
Como P1 e P2 são arbitrários, concluímos que<br />
(i) Vf(x) + Vf([x,y]) ≤ Vf(y).<br />
Por outro lado, se P é um subconjunto finito <strong>de</strong> ]−∞,y], tomamos P ′ =<br />
P ∪ {x}, P1 = P ′ ∩ ]−∞,x] e P2 = P ′ ∩ [x,y]. Temos então que<br />
SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ) = SV (f, P1) + SV (f, P2) ≤ Vf(x) + Vf ([x,y]) .<br />
Como P é arbitrário, concluímos <strong>de</strong>sta vez que<br />
(ii) Vf(y) ≤ Vf(x) + Vf ([x,y]),
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 257<br />
As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em (i) e (ii) e a observação já referida que |f(y) − f(x)| ≤<br />
Vf ([x,y]) estabelecem a afirmação em a).<br />
Para <strong>de</strong>monstrar b), suponha-se primeiro que f ∈ BV (R). As funções f<br />
e Vf são limitadas, e <strong>de</strong>finimos<br />
g = 1<br />
2 (Vf + f) e h = 1<br />
2 (Vf − f) don<strong>de</strong> f = g − h e Vf = g + h.<br />
Tanto g como h são limitadas, e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> Vf(y)−Vf(x) ≥ |f(y) − f(x)|<br />
mostra que g e h são ambas crescentes.<br />
Suponha-se agora que f = g − h on<strong>de</strong> g e h são funções limitadas e<br />
crescentes, e note-se que SV (f, P) ≤ SV (g, P) + SV (h, P), para qualquer<br />
conjunto finito P ⊂ R. Temos portanto Vf(R) ≤ Vg(R) + Vh(R) < ∞.<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c) é o exercício 3.<br />
Po<strong>de</strong>mos finalmente estabelecer a existência <strong>de</strong> soluções do problema <strong>de</strong><br />
Stieltjes 4.5.2, quando a função em causa não é crescente.<br />
Teorema 4.6.4. Se f : R → R, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />
a) f é <strong>de</strong> variação limitada e contínua à direita em R, e<br />
b) Existe uma medida real µ tal que µ(]a,b]) = f(b)−f(a), para quaisquer<br />
a ≤ b ∈ R.<br />
Neste caso, as medidas |µ|, µ + e µ − são as <strong>de</strong>rivadas generalizadas <strong>de</strong> Vf,<br />
g = 1<br />
2 (Vf + f) e h = 1<br />
2 (Vf − f).( 18 )<br />
Demonstração. Começamos por provar que a) ⇒ b): Recor<strong>de</strong>-se da <strong>de</strong>monstração<br />
do lema anterior que as funções g e h são crescentes e limitadas.<br />
Como f é contínua à direita, notamos também <strong>de</strong> c) no mesmo lema que Vf<br />
é contínua à direita, e segue-se que g e h são igualmente contínuas à direita.<br />
O problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução para as funções g e h, conforme<br />
verificámos em 4.5.12. Sendo π e ν as <strong>de</strong>rivadas generalizadas <strong>de</strong> g e h, e<br />
dado que f = g − h e Vf = g + h, é então claro que<br />
• π e ν são medidas finitas,<br />
• µ = π − ν é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e<br />
• τ = π + ν é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> Vf.<br />
Se µ = µ + − µ − é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ, temos do teorema<br />
4.1.21 que µ + ≤ π e µ − ≤ ν. Notamos que<br />
18 A igualda<strong>de</strong> entre medidas aqui referida pressupõe a selecção prévia <strong>de</strong> um domínio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finição apropriado e comum. Recor<strong>de</strong> que a igualda<strong>de</strong> é válida em qualquer σ-álgebra<br />
on<strong>de</strong> as medidas em causa sejam regulares, por exemplo, em Lµ(R).
258 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
• |µ|(]x,y]) ≤ τ(]x,y]) = Vf(y) − Vf(x), porque µ + ≤ π e µ − ≤ ν, e<br />
• Vf(y) − Vf(x) = Vf ([x,y]) e Vf ([x,y]) ≤ |µ|(]x,y]), como notámos no<br />
início <strong>de</strong>sta secção.<br />
Concluímos que τ(I) = |µ|(I) para qualquer intervalo I =]x,y], don<strong>de</strong> se<br />
segue que τ = |µ|. Segue-se igualmente que π = µ + e ν = µ − .<br />
Para mostrar que b) ⇒ a), observe-se que f é contínua à direita pelo lema<br />
4.5.7, e é <strong>de</strong> variação limitada porque, como notámos, Vf (R) ≤ µ.<br />
Passamos a analisar em mais <strong>de</strong>talhe as funções <strong>de</strong> variação limitada que<br />
são contínuas. Começamos por provar que a variação total <strong>de</strong> uma função<br />
contínua po<strong>de</strong> ser calculada como se segue:<br />
Lema 4.6.5. Se f é contínua em R, I ⊆ R é um intervalo, e P(I) é a<br />
família <strong>de</strong> todas as partições finitas <strong>de</strong> I em intervalos, então<br />
<br />
<br />
<br />
(1) Vf(I) = sup m(f(i)) : R ∈ P(I) .<br />
i∈R<br />
Temos além disso que, se I é um intervalo compacto,<br />
(2) diam(R) → 0 =⇒ <br />
m(f(i)) → Vf(I).<br />
i∈R<br />
Demonstração. Supomos I = [a,b], e escrevemos<br />
<br />
<br />
<br />
Φ(I) = sup m(f(i)) : R ∈ P(I) .<br />
i∈R<br />
Para evitar sobrecarregar a notação, usaremos aqui o mesmo símbolo para<br />
<strong>de</strong>signar uma partição R <strong>de</strong> I em subintervalos, e para <strong>de</strong>signar o conjunto<br />
dos extremos dos subintervalos em R (a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f torna irrelevante<br />
saber a que subintervalo pertence cada extremo). Notamos que<br />
• Sendo R uma partição <strong>de</strong> I, então<br />
(i) SV (f, R) ≤ <br />
m(f(i)) ≤ Φ(I), don<strong>de</strong> se segue que Vf(I) ≤ Φ(I).<br />
i∈R<br />
• Dado um subintervalo i ∈ R, sejam xi e yi pontos on<strong>de</strong> f atinge o<br />
seu máximo e mínimo no fecho i. Seja R ′ o refinamento <strong>de</strong> R com os<br />
pontos xi e yi. Um momento <strong>de</strong> reflexão mostra que<br />
Vf(I) ≥ SV (f, R ′ ) ≥ <br />
|f(yi) − f(xi)| = <br />
m(f(i)),<br />
i∈R<br />
i∈R<br />
don<strong>de</strong> Vf(I) ≥ Φ(I), e concluímos <strong>de</strong> (i) que Vf(I) = Φ(I).
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 259<br />
Para provar (2), suponha-se Vf(I) < ∞ e ε > 0. Sendo R0 ⊂ I uma<br />
qualquer partição fixa tal que<br />
(ii) SV (f, R0) > Vf(I) − ε/2,<br />
<strong>de</strong>finimos n como o número <strong>de</strong> pontos em R0. Como I é compacto, f é<br />
uniformemente contínua em I, e existe δ > 0 tal que<br />
|x − y| < δ ⇒ |f(x) − f(y)| < ε/4n.<br />
Provamos em seguida que se adicionarmos um ponto a qualquer partição<br />
com diâmetro inferior a δ, a soma SV aumenta menos <strong>de</strong> ε<br />
2n , ou seja,<br />
(iii) Se R é uma partição <strong>de</strong> I, diam(R) < δ, z ∈ I e R ′ = R ∪ {z}, então<br />
SV (R,f) ≤ SV (R ′ ,f) ≤ SV (R,f) + ε<br />
2n<br />
Para verificar esta afirmação, supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />
z ∈ R e x,y ∈ R são pontos consecutivos <strong>de</strong> R tais que x < z < y. Temos<br />
neste caso que<br />
SV (f, R ′ ) = SV (f, R) − |f(x) − f(y)| + |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)|.<br />
Como |x − y| < δ, é óbvio que |x − z| < δ e |z − y| < δ, don<strong>de</strong><br />
SV (f, R ′ ) − SV (f, R) = −|f(x) − f(y)| + |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)| ≤<br />
≤ |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)| < ε/2n.<br />
Seja finalmente R ′′ = R ∪ R0, que resulta <strong>de</strong> adicionar n pontos a R, e<br />
observe-se <strong>de</strong> (ii) e (iii) que<br />
Vf(I) − ε/2 < SV (f, R0) ≤ SV (f, R ′′ ) < SV (f, R) + ε<br />
2 .<br />
Dito doutra forma, temos para qualquer partição R com diam(R) < δ que<br />
Vf(I) − ε < SV (f, R) ≤ <br />
m(f(i)) ≤ Vf(I).<br />
Dada uma função f : X → R, a respectiva indicatriz <strong>de</strong> Banach é<br />
a função B : R → [0,+∞] que conta, para cada y, as soluções da equação<br />
f(x) = y. Por outras palavras, B é dada por<br />
i∈R<br />
B(y) = # ({x ∈ X : f(x) = y}) .<br />
Aproveitamos o anterior lema 4.6.5 para <strong>de</strong>monstrar o seguinte resultado<br />
clássico, que é mais um processo <strong>de</strong> cálculo da variação total <strong>de</strong> funções contínuas.
260 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Teorema 4.6.6 (<strong>de</strong> Banach-Vitali). Se f é contínua em I = [a,b] e B : R →<br />
[0,+∞] é a sua indicatriz <strong>de</strong> Banach, então B é B-mensurável e <br />
R Bdm =<br />
Vf(I). Em particular, f ∈ BV (I) ⇐⇒ B ∈ L1 (R).<br />
Demonstração. Seja P uma partição <strong>de</strong> I em intervalos, i ∈ P e Ai a função<br />
característica da imagem <strong>de</strong> i, que é o intervalo f(i). Observe-se que<br />
y = f(x) tem soluções x ∈ i ⇐⇒ y ∈ f(i) ⇐⇒ Ai(y) = 1.<br />
Sendo B a indicatriz <strong>de</strong> Banach, note-se em particular que<br />
B(y) ≥ <br />
Ai(y).<br />
i∈P<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> acima é uma igualda<strong>de</strong> exactamente quando nenhum intervalo<br />
i contém mais do que uma solução da equação y = f(x). A soma à direita<br />
é uma função que passamos a <strong>de</strong>signar BP, envolve apenas funções características<br />
<strong>de</strong> intervalos, que são Borel-mensuráveis, e é óbvio que <br />
R Ai =<br />
m(f(i)). Temos assim que<br />
(i) BP = <br />
<br />
Ai é Borel-mensurável, e BP = <br />
m(f(i)).<br />
i∈P<br />
A seguinte observação é totalmente elementar:<br />
R<br />
i∈P<br />
(ii) Se R é um refinamento <strong>de</strong> P então BP ≤ BR ≤ B.<br />
Se B(y) ≥ N, i.e., se a equação y = f(x) tem pelo menos N soluções<br />
x1, · · · ,xN, tomamos δ = min{|xk − xm| : k = m}. Se o diâmetro da<br />
partição R é inferior a δ, então cada intervalo i ∈ R contém no máximo<br />
uma das N soluções, e portanto BR(y) ≥ N. Por outras palavras,<br />
(iii) Se B(y) ≥ N então existe δ > 0 tal que diam(R) < δ ⇒ BR(y) ≥ N.<br />
Dado n ∈ N, seja Pn a partição do intervalo I em 2 n subintervalos In,k <strong>de</strong><br />
igual comprimento (b−a)<br />
2 n . Observamos que<br />
(iv) Pn+1 é um refinamento <strong>de</strong> Pn e diam(Pn) → 0.<br />
De acordo com (i) e (iv), segue-se <strong>de</strong> 4.6.5 que<br />
<br />
(v)<br />
BPn → Vf(I).<br />
R<br />
De acordo com (ii), (iii) e (iv) as funções BPn ≤ B formam uma sucessão<br />
crescente, e BPn ր B. Pelo teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, B é Borel-mensurável,<br />
e concluímos usando (v) que<br />
<br />
BPn →<br />
R<br />
R<br />
B = Vf(I).
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 261<br />
Existem outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s semelhantes a (1) no lema 4.6.5, e estabelecemos<br />
aqui o seguinte resultado:<br />
Teorema 4.6.7. Se f ∈ BV (R) ∩ C(R), µ é a sua <strong>de</strong>rivada generalizada e<br />
E ∈ B(R), então<br />
<br />
∞<br />
|µ|(E) = sup m ∗ (f(En)) : E =<br />
Lema 4.6.8.<br />
n=1<br />
∞<br />
<br />
En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />
n=1<br />
Demonstração. Começamos por mostrar que<br />
(i) m ∗ (f(E)) ≤ |µ|(E), para qualquer E ∈ B(R).<br />
• Se E é um conjunto elementar, então existe uma família finita P formada<br />
por intervalos disjuntos e tal que E = <br />
i. É claro que<br />
i∈P<br />
m(f(E)) ≤ <br />
m(f(i)) ≤ |µ|(E).<br />
i∈P<br />
• Se E é um conjunto aberto existem conjuntos elementares En ր E,<br />
don<strong>de</strong> f(En) ր f(E), m(f(En)) → m(f(E)) e |µ(En) → |µ|(E).<br />
Temos então<br />
m(f(En)) ≤ |µ|(En) =⇒ m(f(E)) ≤ |µ|(E).<br />
• Se E ∈ B(R) existem abertos Un ⊇ E tais que |µ|(Un) → |µ|(E), e é<br />
óbvio que<br />
m ∗ (f(E)) ≤ m(f(Un)) ≤ |µ|(Un) → |µ|(E).<br />
Estabelecemos assim (i) e <strong>de</strong>finimos agora Ψ : B(R) → [0, ∞] por:<br />
<br />
∞<br />
Ψ(E) = sup m ∗ (f(En)) : E =<br />
n=1<br />
∞<br />
<br />
En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />
n=1<br />
Como os conjuntos En’s são disjuntos, concluímos <strong>de</strong> (i) que<br />
∞<br />
m ∗ (f(En)) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
|µ|(En) = |µ|(E), don<strong>de</strong><br />
n=1<br />
(ii) Ψ(E) ≤ |µ|(E) para qualquer E ∈ B(R).
262 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Quando E = I é um intervalo, é evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 4.6.5 que |µ|(I) ≤ Ψ(I), e<br />
segue-se <strong>de</strong> (ii) que<br />
(iii) Ψ(I) = |µ|(I) para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />
Suponha-se que A,B ∈ B(R) são disjuntos. Dadas partições A = ∞ n=1 An,<br />
e B = ∞ n=1 Bn, a família dos conjuntos An e Bn é uma partição <strong>de</strong> A ∪ B,<br />
pelo que<br />
∞<br />
Ψ(A ∪ B) ≥ m ∗ ∞<br />
(f(An)) + m ∗ (f(Bn)).<br />
n=1<br />
n=1<br />
Como as partições referidas são arbitrárias, temos ainda<br />
(iv) A,B ∈ B(R) e A ∩ B = ∅ =⇒ Ψ(A ∪ B) ≥ Ψ(A) + Ψ(B).<br />
Consi<strong>de</strong>rem-se partições <strong>de</strong> E = ∞<br />
k=1 Ak = ∞<br />
n=1 En, e note-se que<br />
En =<br />
f(Ak) =<br />
∞<br />
Ak ∩ En =⇒<br />
k=1<br />
∞<br />
m ∗ (f(Ak ∩ En)) ≤ Ψ(En), e<br />
k=1<br />
∞<br />
f(Ak ∩ En) ⇒ m ∗ (f(Ak)) ≤<br />
n=1<br />
Obtemos imediatamente:<br />
∞<br />
m ∗ (f(Ak)) ≤<br />
k=1<br />
∞<br />
n=1 k=1<br />
∞<br />
m ∗ (f(Ak ∩ En)).<br />
n=1<br />
∞<br />
m ∗ (f(Ak ∩ En)) ≤<br />
∞<br />
Ψ(En).<br />
n=1<br />
Como a partição formada pelos Ak’s é arbitrária, estabelecemos:<br />
(v) Ψ(E) ≤<br />
∞<br />
Ψ(En),<br />
n=1<br />
Para concluir a <strong>de</strong>monstração, registamos que<br />
• (iv) e (v) =⇒ Ψ é uma medida positiva em B(R).<br />
• (ii) =⇒ Ψ é finita, e portanto regular, em B(R).<br />
• (iii) =⇒ Ψ = |µ| nos intervalos compactos.<br />
Segue-se que Ψ e |µ| coinci<strong>de</strong>m nos abertos, e em B(R).
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 263<br />
4.6.1 Funções Absolutamente Contínuas<br />
Tal como observámos a propósito da noção <strong>de</strong> variação total, é fácil adaptar a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> absoluta para ser directamente aplicável a funções.<br />
Suponha-se que f é função distribuição <strong>de</strong> uma medida real µ absolutamente<br />
contínua em R. De acordo com 4.3.4,<br />
para qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal que m(E) < δ ⇒ |µ|(E) < ε.<br />
Se E = ∪ n k=1 Ik, on<strong>de</strong> I1, · · · ,In são intervalos disjuntos, e Ik tem extremos<br />
xk ≤ yk, temos m(E) = n<br />
k=1 (yk − xk), e por isso:<br />
n<br />
(yk − xk) < δ ⇒<br />
k=1<br />
n<br />
|f(yk) − f(xk)| =<br />
k=1<br />
A <strong>de</strong>finição seguinte regista estas observações:<br />
n<br />
|µ(Ik)| ≤ |µ|(E) < ε.<br />
Definição 4.6.9 (Funções Absolutamente Contínuas). Se f : I → R on<strong>de</strong><br />
I ⊆ R é um intervalo, dizemos que f é absolutamente contínua em I se<br />
e só se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, para quaisquer intervalos<br />
disjuntos I1, · · · ,In em I, on<strong>de</strong> Ik tem extremos xk ≤ yk, temos<br />
n<br />
(yk − xk) < δ ⇒<br />
k=1<br />
Exemplos 4.6.10.<br />
k=1<br />
n<br />
|f(yk) − f(xk)| < ε.<br />
k=1<br />
1. Se a função g : R → R é somável, então a função f(x) = x<br />
gdm é função<br />
−∞<br />
distribuição <strong>de</strong> uma medida absolutamente contínua em R, e portanto f é uma<br />
função absolutamente contínua em R, como aliás verificámos directamente no<br />
exercício 10 da secção 3.3.<br />
2. Se f satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz( 19 ) em I, i.e., se existe uma constante<br />
K tal que |f(x) −f(y)| ≤ K|x −y|, é evi<strong>de</strong>nte que f é absolutamente contínua<br />
em I.<br />
3. A função f(x) = sen(x) satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz em R com K = 1,<br />
e portanto é absolutamente contínua em R.<br />
4. É fácil verificar que a “escada do diabo” é uniformemente contínua em R,<br />
mas não é absolutamente contínua.<br />
5. Qualquer função absolutamente contínua é uniformemente contínua (é o caso<br />
n = 1, na <strong>de</strong>finição 4.6.9.)<br />
As i<strong>de</strong>ias que referimos no lema 4.6.5 po<strong>de</strong>m ser também utilizadas para<br />
reformular a <strong>de</strong>finição acima.<br />
19 Rudolf Lipschitz, 1832-1903, matemático alemão, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Bona.
264 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Lema 4.6.11. Se f : I → R on<strong>de</strong> I ⊆ R é um intervalo, então f é absolutamente<br />
contínua em I se e só se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que,<br />
para qualquer família finita P <strong>de</strong> intervalos disjuntos i ⊆ I, temos<br />
<br />
m(i) < δ ⇒ <br />
m(f(i)) < ε.<br />
i∈P<br />
i∈P<br />
Demonstração. Se f satisfaz a condição referida neste lema é claro que f é<br />
absolutamente contínua nos termos da <strong>de</strong>finição 4.6.9. Basta observar que<br />
se o intervalo i tem extremos xk e yk então |f(yk) − f(xk)| ≤ m(f(i)).<br />
Suponha-se por outro lado que f é absolutamente contínua. Dada uma<br />
família P <strong>de</strong> intervalos disjuntos e sendo xi e yi os extremos <strong>de</strong> i, temos:<br />
<br />
m(i) < δ ⇒ <br />
|f(yi) − f(xi)| < ε.<br />
i∈P<br />
i<br />
A função f tem máximo e mínimo no intervalo [xi,yi], e <strong>de</strong>signamos por ui<br />
e vi pontos do intervalo [xi,yi] on<strong>de</strong> ocorrem estes extremos, com ui ≤ vi.<br />
Definimos ji =]ui,vi[ e observamos que os intervalos ji formam igualmente<br />
uma família <strong>de</strong> intervalos disjuntos em I. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />
m(ji) ≤ m(i) e |f(vi) − f(ui)| = m(f(i)), e concluímos que:<br />
<br />
m(i) < δ ⇒ <br />
m(ji) < δ ⇒ <br />
m(f(i)) = <br />
|f(ui) − f(vi)| < ε.<br />
i<br />
i∈P<br />
i∈P<br />
Po<strong>de</strong>mos agora mostrar que as funções absolutamente contínuas são <strong>de</strong><br />
variação limitada em intervalos compactos:<br />
Teorema 4.6.12. Se f é absolutamente contínua no intervalo I ⊆ R então<br />
f é <strong>de</strong> variação limitada em qualquer subintervalo compacto J ⊆ I.<br />
Demonstração. Seja J = [a,b] ⊆ I ⊆ R. Como f é absolutamente contínua<br />
em I, existe δ1 > 0 tal que, para qualquer família P <strong>de</strong> intervalos disjuntos<br />
em I, temos:<br />
(1) <br />
m(i) < δ ⇒ <br />
m(f(i)) < 1.<br />
i∈P<br />
Como J é limitado, é evi<strong>de</strong>nte que existe uma partição finita <strong>de</strong> J em intervalos<br />
disjuntos j, cada um dos quais com comprimento inferior a δ1.<br />
Designamos esta partição por Q, e supomos que é constituída por N subintervalos.<br />
Supomos ainda que R é uma qualquer partição <strong>de</strong> J, e <strong>de</strong>finimos<br />
P = Q ∪ R e, para qualquer j ∈ Q, Pj = j ∩ P. Pj é uma partição do<br />
subintervalo j, e é imediato <strong>de</strong> (1) que<br />
<br />
m(i) = m(j) < δ1 ⇒ <br />
m(f(i)) < 1.<br />
i∈Pj<br />
i∈P<br />
i∈Pj<br />
i∈P
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 265<br />
Resta-nos notar que<br />
<br />
m(f(i)) ≤ <br />
m(f(i)) = <br />
m(f(i)) < N.<br />
i∈R<br />
i∈P<br />
j∈Q i∈Pj<br />
É assim evi<strong>de</strong>nte que Vf(J) ≤ N, i.e., f é <strong>de</strong> variação limitada em J.<br />
Exemplos 4.6.13.<br />
1. A função f(x) = xsen(1/x) (com f(0) = 0) é uniformemente contínua em<br />
[0, 1], mas não é <strong>de</strong> variação limitada em [0, 1]. Portanto, f não é absolutamente<br />
contínua em [0, 1].<br />
2. A função f(x) = senx é absolutamente contínua em R, e portanto é <strong>de</strong><br />
variação limitada em qualquer intervalo limitado. Não é no entanto <strong>de</strong> variação<br />
limitada em R.<br />
Completamos agora o teorema 4.6.4 para o caso em que a medida µ é<br />
absolutamente contínua. O próximo teorema será usado na próxima secção<br />
para mostrar que as funções absolutamente contínuas são precisamente as<br />
funções que são integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> funções somáveis.<br />
Teorema 4.6.14. Se f ∈ BV (R)∩C(R), então f é absolutamente contínua<br />
em R se e só se a sua <strong>de</strong>rivada generalizada µ ≪ m.<br />
Demonstração. Temos apenas a provar que, se f : R → R é <strong>de</strong> variação<br />
limitada e absolutamente contínua em R, então µ ≪ m.<br />
De acordo com o lema 4.6.11, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que, para<br />
qualquer família finita <strong>de</strong> intervalos disjuntos i ⊆ I, temos<br />
<br />
m(i) < δ ⇒ <br />
m(f(i)) < ε.<br />
i∈P<br />
i∈P<br />
Seja E ⊂ R um conjunto elementar com m(E) < δ, da forma E =<br />
∪ n k=1 Ik, on<strong>de</strong> I1, · · · ,In em R são intervalos disjuntos. Supondo que Pk é<br />
uma qualquer partição <strong>de</strong> Ik em intervalos, é óbvio que P = ∪ n k=1 Pk é uma<br />
partição <strong>de</strong> E em intervalos, e<br />
n <br />
m(i) = m(E) < δ ⇒<br />
k=1 i∈Pk<br />
n <br />
m(f(i)) < ε.<br />
k=1 i∈Pk<br />
A anterior <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é válida para quaisquer partições Pk dos intervalos<br />
Ik, e portanto é claro <strong>de</strong> 4.6.5 que<br />
m(E) < δ =⇒<br />
n<br />
Vf(Ik) ≤ ε =⇒ |µ|(E) =<br />
k=1<br />
n<br />
|µ|(Ik) =<br />
k=1<br />
n<br />
Vf(Ik) ≤ ε.<br />
k=1
266 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Se U ⊆ R é aberto, existem conjuntos elementares En ր U, don<strong>de</strong> m(En) ≤<br />
m(U) e |µ|(En) ր |µ|(U), e concluímos que<br />
m(U) < δ =⇒ m(En) < δ =⇒ |µ|(En) ≤ ε =⇒ |µ|(U) ≤ ε.<br />
Finalmente, se E ∈ B(R) e m(E) < δ existem abertos U ⊇ E tais que<br />
δ > m(U), e portanto ε ≥ |µ|(U) ≥ |µ|(E), i.e., µ ≪ |µ| ≪ m.<br />
Concluímos esta secção com uma caracterização clássica das funções<br />
absolutamente contínuas, o teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretski.<br />
Po<strong>de</strong>mos finalmente provar o<br />
Teorema 4.6.15 (<strong>de</strong> Banach-Zaretsky). ( 20 ) Se f ∈ BV (R) ∩C(R), então<br />
f é absolutamente contínua em R se e só se m(E) = 0 =⇒ m(f(E)) = 0.<br />
Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que E ∈ B(R N ). Se f<br />
é absolutamente contínua, temos <strong>de</strong> 4.6.14 que µ ≪ |µ| ≪ m, e usamos o<br />
teorema 4.6.7 para concluir que<br />
m(E) = 0 =⇒ |µ|(E) = 0 e m ∗ (f(E)) ≤ |µ|(E) = 0 =⇒ m ∗ (f(E)) = 0.<br />
Suponha-se agora que m(E) = 0 =⇒ m(f(E)) = 0. Temos <strong>de</strong> 4.6.7 que<br />
<br />
∞<br />
|µ|(E) = sup m ∗ ∞<br />
<br />
(f(En)) : E = En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />
n=1<br />
É claro que m(E) = 0 ⇒ m ∗ (f(En)) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0, i.e., µ ≪ m.<br />
n=1<br />
Deixamos para o exercício 16 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
Corolário 4.6.16. Se f ∈ BV (R)∩C(R), então f é absolutamente contínua<br />
em R se e só se E ∈ L(R) =⇒ f(E) ∈ L(R).<br />
Exercícios.<br />
1. Sendo f : R → R, mostre que<br />
a) P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ).<br />
b) Vf é uma função crescente.<br />
c) f é <strong>de</strong> variação limitada (e limitada) se e só se Vf é limitada.<br />
2. Prove que as funções <strong>de</strong> variação limitada têm limites laterais em todos os<br />
pontos.<br />
3. Demonstre a alínea b) do lema 4.6.3. sugestão: Suponha que f ∈ BV (R)<br />
é contínua à direita em x ∈ R. Note que<br />
20 De Banach e M.A.Zaretsky (ou Zarecki), 1903-1930, matemático russo.
4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 267<br />
• Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que:<br />
x < y < x + δ =⇒ |f(y) − f(x)| < ε<br />
2 .<br />
• Sendo I = [x, y0] on<strong>de</strong> x < y0 < x + δ, existe um conjunto P =<br />
{x0, x1, · · · , xn} ⊆ I com x = x0 < x1 < · · · < xn e tal que<br />
Vf(I) ≥ SV (f, P) > Vf(I) − ε<br />
2<br />
Mostre que se R é um subconjunto finito <strong>de</strong> [x, x1] então SV (f, R) < ε.<br />
4. Prove que qualquer função contínuamente diferenciável é <strong>de</strong> variação limitada<br />
em qualquer intervalo limitado.<br />
5. Se f é Riemann-integrável f é necessariamente <strong>de</strong> variação limitada? E se f<br />
é <strong>de</strong> variação limitada f é necessariamente Riemann-integrável?<br />
6. Generalize as afirmações 4.5.11 e 4.5.12 para funções <strong>de</strong> variação limitada.<br />
7. Sendo f a “escada do Diabo”, <strong>de</strong>termine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn<br />
para a <strong>de</strong>rivada generalizada µ <strong>de</strong> F, on<strong>de</strong><br />
<br />
2 x − f(x), para 0 ≤ x ≤ 1,<br />
F(x) =<br />
0, para x < 0, e para x > 1.<br />
Determine igualmente composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
λ <strong>de</strong> G(x) = F(x)+H(x)−H(x−1), on<strong>de</strong> H é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>.<br />
Calcule µ, e λ.<br />
8. Suponha que f ∈ BV (R), e mostre que o gráfico <strong>de</strong> f tem comprimento finito<br />
em qualquer intervalo limitado.<br />
9. Demonstre o lema 4.6.11. sugestão: Adapte o argumento utilizado na<br />
<strong>de</strong>monstração do lema 4.6.5.<br />
10. Mostre que a função f(x) = xsen(1/x) não é <strong>de</strong> variação limitada em ]0, 2π].<br />
11. Para que valores <strong>de</strong> a > 0 é que f(x) = x a sen(1/x) é <strong>de</strong> variação limitada<br />
em ]0, 2π]?<br />
12. Mostre que a função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) não é <strong>de</strong> variação<br />
limitada.<br />
13. Seja I = [0, 1]. Determine funções contínuas f, g, h : I → R, f, g, h ∈ BV (I),<br />
tais que:<br />
a) f é diferenciável em I.<br />
b) g ′ ≃ 0 em I.
268 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
c) m(E) = 0 =⇒ m(h(E)) = 0.( 21 )<br />
14. Prove que se f é absolutamente contínua e g satisfaz uma condição <strong>de</strong><br />
Lipschitz então a composta g ◦ f é absolutamente contínua.<br />
15. Mostre que as funções absolutamente contínuas no intervalo I formam um<br />
espaço vectorial. O produto <strong>de</strong> funções absolutamente contínuas é sempre<br />
absolutamente contínuo?<br />
16. Demonstre o teorema 4.6.16. Sugestão: Prove que se E é fechado (respectivamente,<br />
<strong>de</strong> tipo Fσ) então f(E) é fechado (respectivamente, <strong>de</strong> tipo Fσ).<br />
Conclua em particular que se f é absolutamente contínua em I e E ∈ L(I)<br />
então f(E) ∈ L(R).<br />
17. Prove que a composição <strong>de</strong> funções absolutamente contínuas é absolutamente<br />
contínua, se for <strong>de</strong> variação limitada (Teorema <strong>de</strong> Fichtenholz).<br />
18. Seja AC(R) a classe das funções absolutamente contínuas em R.<br />
a) Mostre que AC(R), BV (R), e NBV (R) são espaços vectoriais, e que<br />
NBV (R) é um espaço vectorial normado, com norma f = Vf(R).<br />
b) Prove que NBV (R) e AC(R) ∩ NBV (R) são espaços <strong>de</strong> Banach, com<br />
esta norma.<br />
c) Mostre que se fn − f → 0 então fn − f ∞ → 0, mas que a implicação<br />
inversa é em geral falsa.<br />
4.7 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R<br />
Provámos no Capítulo 1 que os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> Riemann são diferenciáveis<br />
qtp, porque as respectivas integrandas, que são Riemann-integráveis,<br />
são necessariamente contínuas qtp. Este argumento é evi<strong>de</strong>ntemente inaplicável<br />
quando a integranda é apenas Lebesgue-somável, porque estas funções<br />
po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scontínuas em toda a parte.<br />
A generalização dos Teoremas Fundamentais do Cálculo ao contexto da<br />
teoria <strong>de</strong> Lebesgue exige por isso um resultado completamente novo para<br />
estabelecer a diferenciabilida<strong>de</strong> dos integrais in<strong>de</strong>finidos: o gran<strong>de</strong> Teorema<br />
<strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue, <strong>de</strong> 1904, certamente um dos resultados mais<br />
importantes e originais da Análise Real, e que passamos a estudar.<br />
4.7.1 O Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Em 1932, F.Riesz <strong>de</strong>scobriu um resultado auxiliar relativamente elementar,<br />
<strong>de</strong> natureza geométrica, que simplifica muito a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong><br />
diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
21 Note que o Teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretsky não é válido sem a hipótese f ∈ BV (R).
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 269<br />
a b1 a2 b2 a3 b3 a4 b4 b<br />
Figura 4.7.1: Lema do Sol Nascente.<br />
Para enten<strong>de</strong>r o resultado <strong>de</strong> Riesz, supomos que g : R → R é uma<br />
função, I = ]a,b[ é um intervalo aberto limitado, e consi<strong>de</strong>ramos o conjunto<br />
D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)} .<br />
O lema <strong>de</strong> Riesz diz-se “do Sol Nascente” porque o conjunto acima <strong>de</strong>finido<br />
sugere a região à sombra numa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> montanhas ao nascer do Sol. O seu<br />
enunciado é surpreen<strong>de</strong>ntemente simples, e registe-se que a única hipótese<br />
sobre a função g é, por enquanto, a sua continuida<strong>de</strong>:<br />
Lema 4.7.1 (<strong>de</strong> Riesz, “do Sol Nascente”). Se g ∈ C(R), I =]a,b[ é um<br />
intervalo limitado e D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)}<br />
então D = ∞ n=1 ]an,bn[, on<strong>de</strong> os intervalos In =]an,bn[ são disjuntos, e<br />
g(bn) ≥ g(an).<br />
Demonstração. O conjunto D é aberto, por razões óbvias, e portanto é uma<br />
união <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos In =]an,bn[. Fixado x ∈]an,bn[⊆ D,<br />
seja M o máximo da função g no intervalo [x,b]. Notamos que:<br />
• g(x) < M, porque existe y ∈]x,b[ tal que g(y) > g(x).<br />
• Se c = inf{y ∈ [x,b] : g(y) = M}, então g(c) = M.<br />
• c ∈ D, porque não po<strong>de</strong> existir y ∈]c,b] com g(y) > M.<br />
• Temos [x,c[⊂ D, mesmo que c = b, porque se x ′ < c então g(x ′ ) < g(c).<br />
Concluímos que c = bn e g(bn) > g(x) e, por continuida<strong>de</strong>, g(bn) ≥ g(an).( 22 )
270 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
a<br />
a1<br />
a<br />
b1<br />
a1<br />
a2<br />
b1<br />
b2<br />
a2<br />
a3<br />
b2<br />
b3<br />
a3<br />
D α s +(f,I)<br />
a4<br />
b4<br />
D α s −(f,I)<br />
b<br />
b<br />
b3 a4 b4<br />
Figura 4.7.2: α é o <strong>de</strong>clive dos “raios <strong>de</strong> Sol”.<br />
a<br />
a<br />
a1<br />
a1<br />
b1<br />
b1<br />
a2<br />
a2<br />
b2<br />
b2<br />
a3<br />
a3<br />
b3<br />
D α i +(f,I)<br />
b3<br />
a4<br />
a4<br />
b4<br />
b4<br />
D α i −(f,I)<br />
É fácil adaptar o Lema <strong>de</strong> Riesz para o caso em que os “raios <strong>de</strong> Sol”<br />
não são horizontais. A figura 4.7.2 sugere os seguintes conjuntos ( 23 ):<br />
(1) Dα s +(f,I)<br />
<br />
= x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f(y)−f(x)<br />
<br />
y−x > α<br />
(2) Dα i +(f,I)<br />
<br />
= x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f(y)−f(x)<br />
<br />
y−x < α<br />
(3) Dα s−(f,I) <br />
= x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f(y)−f(x)<br />
<br />
y−x > α<br />
(4) Dα i−(f,I) <br />
= x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f(y)−f(x)<br />
<br />
y−x < α<br />
Estes conjuntos estão associados a qualquer função f <strong>de</strong>finida pelo menos no<br />
intervalo I. Com estas convenções, o conjunto que referimos no lema <strong>de</strong> Riesz<br />
é D = D 0 s +(g,I). A adaptação <strong>de</strong> 4.7.1 a qualquer um dos conjuntos agora<br />
indicados é imediata, e resulta <strong>de</strong> uma mudança <strong>de</strong> variável apropriada.<br />
Interessam-nos para já os casos (1) e (4), e provamos para isso:<br />
Lema 4.7.2 (<strong>de</strong> Riesz (II)). Se f ∈ C(R), I = ]a,b[ é limitado e α ∈ R,<br />
então<br />
a) D α s +(f,I) =<br />
∞<br />
]an,bn[, os In =]an,bn[ são disjuntos e f(bn)−f(an)<br />
n=1<br />
bn−an<br />
b<br />
b<br />
≥ α.<br />
22 Apesar <strong>de</strong> tal não ser necessário para os nossos fins, po<strong>de</strong>mos mostrar que g(an) =<br />
g(bn), excepto possivelmente se an = a, como é referido no exercício 2.<br />
23 Usamos os índices s + , s − , i + e i − para indicar se o <strong>de</strong>clive da recta que passa pelos<br />
pontos <strong>de</strong> abcissas x e y é superior ou inferior a α, e indicar o sinal algébrico <strong>de</strong> y − x.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 271<br />
b) D α i−(f,I) =<br />
∞<br />
n=1<br />
]cn,dn[, os In =]cn,dn[ são disjuntos e f(dn)−f(cn)<br />
dn−cn<br />
≤ α.<br />
Demonstração. Para estabelecer a), <strong>de</strong>finimos g(x) = f(x) − αx, e observamos<br />
que, quando y > x,<br />
f(y) − f(x)<br />
y − x<br />
Temos assim que<br />
> α ⇐⇒ g(y) > g(x), ou seja, D α s +(f,I) = D 0 s +(g,I).<br />
D α s +(f,I) = D 0 s +(g,I) =<br />
Notamos finalmente que<br />
∞<br />
]an,bn[, on<strong>de</strong> g(bn) ≥ g(an).<br />
n=1<br />
g(bn) ≥ g(an) ⇐⇒ f(bn) − f(an)<br />
≥ α.<br />
bn − an<br />
Para provar b), <strong>de</strong>finimos agora ˜g(x) = f(−x)+αx. Com y < x, e portanto<br />
−y > −x, temos então<br />
f(x) − f(y)<br />
x − y<br />
< α ⇐⇒ ˜g(−y) > ˜g(−x), ou seja, − D 0 s +(˜g, −I) = D α i −(f,I).<br />
Mais uma vez pelo Lema 4.7.1, concluímos que<br />
D 0 s +(˜g, −I) =<br />
∞<br />
] − dn, −cn[, on<strong>de</strong> ˜g(−cn) ≥ ˜g(dn).<br />
n=1<br />
Dito <strong>de</strong> forma equivalente, temos<br />
D α i −(f,I) =<br />
∞<br />
]cn,dn[, on<strong>de</strong> f(dn) − f(cn)<br />
≤ α.<br />
n=1<br />
dn − cn<br />
Quando f é uma função contínua e crescente, a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
µ e o lema <strong>de</strong> Riesz na forma <strong>de</strong> 4.7.2 provi<strong>de</strong>nciam estimativas<br />
muito úteis para a medida dos conjuntos D α s +(f,I) e D α i −(f,I)).<br />
Proposição 4.7.3. Se f ∈ C(R) é crescente, µ é a respectiva <strong>de</strong>rivada<br />
generalizada, I ⊆ R é um intervalo aberto limitado e α ≥ 0 então<br />
a) α m(D α s +(f,I)) ≤ µ(I).<br />
b) µ(D α i −(f,I)) ≤ α m (I).
272 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
a b<br />
a1 b1 a2 b2 a3 b3<br />
Figura 4.7.3: A medida da região “à sombra”, que é m(D α s +(f,I)), é limitada<br />
pela “altura da montanha”, que é µ(I), a dividir por α.<br />
Demonstração. a) De acordo com 4.7.2, temos<br />
D α s +(f,I) =<br />
∞<br />
]an,bn[, e f(bn) − f(an) ≥ α(bn − an).<br />
n=1<br />
Sendo In =]an,bn[, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f(bn) −f(an) ≥ α(bn −an) é obviamente<br />
equivalente a µ(In) ≥ αm(In). Como os intervalos In são disjuntos, temos<br />
µ(D α s +(f,I)) =<br />
∞<br />
µ(In) ≥<br />
n=1<br />
∞<br />
αm(In) = αm(D α s +(f,I))),<br />
n=1<br />
e portanto µ(I) ≥ µ(D α s +(f,I)) ≥ αm(D α s +(f,I)).<br />
b) Recordamos que<br />
D α i −(f,I) =<br />
∞<br />
]cn,dn[, e f(dn)−f(cn) ≤ α(dn−cn), i.e., µ(Jn) ≤ αm(Jn).<br />
n=1<br />
Os intervalos Jn =]cn,dn[ são novamente disjuntos, e portanto<br />
µ(D α i −(f,I)) =<br />
∞<br />
µ(Jn) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
αm(Jn) = αm(D α i−(f,I)) ≤ αm(I).<br />
n=1<br />
Para estudar a diferenciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f introduzimos as chamadas <strong>de</strong>rivadas<br />
<strong>de</strong> Dini, que são quatro limites (à esquerda, à direita, superior e<br />
inferior) associados ao cálculo da <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> f em cada ponto x:
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 273<br />
Definição 4.7.4 (Derivadas <strong>de</strong> Dini). Dada f : R → R, as <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong><br />
Dini <strong>de</strong> f são as funções f ′ s +,f ′ i +,f ′ s −,f ′ i − : R → R dadas por:<br />
f ′ s +(x) = lim sup<br />
h→0 +<br />
f ′ s −(x) = lim sup<br />
h→0 −<br />
Exemplos 4.7.5.<br />
f(x + h) − f(x)<br />
,f<br />
h<br />
′ i +(x) = lim inf<br />
h→0 +<br />
f(x + h) − f(x)<br />
h<br />
f(x + h) − f(x)<br />
,f<br />
h<br />
′ i−(x) = lim inf<br />
h→0− f(x + h) − f(x)<br />
h<br />
1. Seja f : R → R a função dada por<br />
⎧<br />
⎨ k + x(a + b sen(1/x), se x > 0<br />
f(x) = k + x(c + d sen(1/x), se x < 0<br />
⎩<br />
k, se x = 0<br />
Supondo que a, b, c, d ∈ R + , temos (ver figura 4.7.4):<br />
f ′ s +(0) = a + b, f ′ i +(x) = a − b, f ′ s−(x) = c + d e f ′ i−(0) = c − d.<br />
f ′ i −(0) = c − d<br />
f ′ s −(0) = c + d<br />
f ′ s +(0) = a + b<br />
f ′ i +(0) = a − b<br />
Figura 4.7.4: Derivadas <strong>de</strong> Dini do exemplo 4.7.5.1 em x = 0.<br />
2. Se f é a função <strong>de</strong> Dirichlet dir, temos<br />
3. f ′ (x) existe se e só se<br />
f ′ s + = −f ′ i− = (∞)(1 − f), f ′ s− = −f ′ i + = (∞)f.<br />
f ′ s +(x) = f ′ i +(x) = f ′ s −(x) = f ′ i −(x).<br />
f é diferenciável em x se e só se f ′ (x) existe e |f ′ (x)| = +∞.<br />
4. É evi<strong>de</strong>nte que f ′ s +(x) ≥ f ′ i +(x)(x) e f ′ s −(x) ≥ f ′ i −(x), para qualquer x ∈ R.
274 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
É muito fácil verificar o seguinte<br />
Lema 4.7.6. Se f : R → R, I é um intervalo aberto e x ∈ I então<br />
f ′ s +(x) > α =⇒ x ∈ D α s +(f,I) e f ′ i −(x) < α =⇒ x ∈ D α i −(f,I).<br />
Se a função f é diferenciável no intervalo I = [a,b], sabemos do teorema<br />
<strong>de</strong> Lagrange que existe c ∈ I tal que<br />
f(b) − f(a)<br />
b − a<br />
= f ′ (c).<br />
Neste caso, se α ≤ f ′ (x) ≤ β para x ∈ I e f tem uma <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
µ, é óbvio que<br />
α ≤ µ(I) f(b) − f(a)<br />
= ≤ β, i.e., αm(I) ≤ µ(I) ≤ βm(I).<br />
m(I) b − a<br />
O próximo teorema é uma generalização profunda e muito interessante <strong>de</strong>sta<br />
observação elementar. É in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer hipótese sobre a diferenciabilida<strong>de</strong><br />
da função f ou sobre a natureza do conjunto E em causa.<br />
Teorema 4.7.7. Se f ∈ C(R) é crescente, α ≥ 0 e E ⊂ R então( 24 )<br />
a) f ′ s +(x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />
b) f ′ i −(x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≥ µ ∗ (E).<br />
Demonstração. a) Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que α > 0 e consi<strong>de</strong>ramos<br />
primeiro o caso m ∗ (E) < ∞. Seja U = ∪ ∞ n=1 In ⊇ E um aberto<br />
com medida finita, on<strong>de</strong> os conjuntos In são intervalos abertos disjuntos<br />
limitados. É claro que<br />
(1) E ⊆ U =⇒ E =<br />
∞<br />
n=1<br />
E ∩ In =⇒ m ∗ (E) ≤<br />
∞<br />
m ∗ (E ∩ In).<br />
n=1<br />
Se α > β > 0 temos f ′ s +(x) > β em E. Segue-se <strong>de</strong> 4.7.6 que<br />
E ∩ In ⊆ D β<br />
s +(f,In), don<strong>de</strong> β m ∗ (E ∩ In) ≤ β m(D β<br />
s +(f,In)).<br />
Temos <strong>de</strong> 4.7.3 a) que β m(D β<br />
s +(f,In)) ≤ µ(In) e usamos (1) para obter<br />
β m ∗ (E) ≤<br />
∞<br />
β m ∗ (E ∩ In) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(In) = µ(U).<br />
Concluímos que β m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E) para β < α, don<strong>de</strong> α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />
Finalmente, se m ∗ (E) = ∞ basta aplicar o resultado já obtido aos conjuntos<br />
En = E ∩ [−n,n], porque m ∗ (En) ր m ∗ (E).<br />
24 Recor<strong>de</strong> que a medida exterior µ ∗ é dada por µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }.<br />
n=1
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 275<br />
b) Ainda com U = ∪ ∞ n=1 In ⊇ E e m(U) < ∞, observamos agora que<br />
(2) E =<br />
∞<br />
n=1<br />
E ∩ In =⇒ µ ∗ (E) ≤<br />
∞<br />
µ ∗ (E ∩ In).<br />
Se β > α ≥ 0 temos f ′ i −(x) < β em E, e portanto E ∩ In ⊆ D β<br />
i −(f,In), mais<br />
uma vez <strong>de</strong> 4.7.6. Concluímos <strong>de</strong> 4.7.3 b) e <strong>de</strong> (2) que<br />
µ ∗ (E) ≤<br />
∞<br />
µ ∗ (E ∩ In) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
n=1<br />
µ(D β<br />
i −(f,In)) ≤<br />
∞<br />
βm(In) = βm(U).<br />
Segue-se que µ ∗ (E) ≤ βm ∗ (E) para β > α, don<strong>de</strong> µ ∗ (E) ≤ αm ∗ (E). Se<br />
m ∗ (E) = ∞ o resultado só não é óbvio para α = 0, mas se En = E ∩[−n,n]<br />
temos µ ∗ (En) = 0 para qualquer n, e portanto µ ∗ (E) = 0.<br />
Apesar da sua simplicida<strong>de</strong> algo enganadora, o teorema 4.7.7 conduz<br />
quase directamente ao gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Corolário 4.7.8. Se f ∈ C(R) é crescente então<br />
a) Se S = {x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞} então m(S) = 0.<br />
b) Se E = {x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ α > β ≥ f ′ i −(x)} então m(E) = µ(E) = 0.<br />
n=1<br />
c) Se A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x)} então m(A) = µ(A) = 0.<br />
d) Se B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)} então m(B) = µ(B) = 0.<br />
Demonstração. a) Dado n ∈ N, temos f ′ s +(x) > n para qualquer x ∈ S. Se<br />
I é um intervalo aberto limitado <strong>de</strong> extremos a < b, segue-se <strong>de</strong> 4.7.7 a) que<br />
Temos assim que<br />
m ∗ (S ∩ I) ≤<br />
n m ∗ (S ∩ I) ≤ µ ∗ (S ∩ I) ≤ µ(I) = f(b) − f(a).<br />
f(b) − f(a)<br />
n<br />
→ 0 =⇒ m(S ∩ I) = 0 =⇒ m(S) = 0.<br />
b) Seja En = {x ∈ E : |x| ≤ n}, e observe-se <strong>de</strong> 4.7.7 que<br />
αm ∗ (En) ≤ µ ∗ (En) ≤ βm ∗ (En), don<strong>de</strong> (β − α)m ∗ (En) ≥ 0.<br />
Como β−α < 0 é óbvio que m ∗ (En) = 0 e portanto µ ∗ (En) = 0. Concluímos<br />
que m(En) = µ(En) = 0 para qualquer n ∈ N, don<strong>de</strong> m(E) = µ(E) = 0.<br />
c) Dada uma enumeração q1,q2, · · · ,qn, · · · dos racionais q ≥ 0, seja<br />
<br />
An,k = x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ qn + 1<br />
k > qn ≥ f ′ i−(x) <br />
.
276 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Segue-se <strong>de</strong> b) que m(An,k) = µ(An,k) = 0 e basta-nos reconhecer que<br />
A =<br />
∞<br />
n=1 k=1<br />
∞<br />
An,k don<strong>de</strong> m(A) = µ(A) = 0.<br />
d) Seja h a função contínua e crescente dada por h(x) = −f(−x), e λ a<br />
respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada. Deixamos para o exercício 4 verificar que<br />
(ver figura 4.7.5)<br />
h ′ i −(−x) = f ′ i +(x), h ′ s +(−x) = f ′ s −(x) e µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />
Em particular, B = −C, on<strong>de</strong> C = {x ∈ R : h ′ s +(x) > h ′ i −(x)}, m(C) =<br />
λ(C) = 0 <strong>de</strong> acordo com c), e m(B) = m(C) = µ(B) = λ(C) = 0.<br />
f ′ i −(x0)<br />
f ′ s −(x0)<br />
h ′ i −(−x0)<br />
h ′ s −(−x0)<br />
f ′ s +(x0)<br />
f ′ i +(x0)<br />
h ′ s +(−x0)<br />
h ′ i +(−x0)<br />
Figura 4.7.5: h(x) = −f(−x) =⇒ f ′ s −(x) = h ′ s +(−x) e f ′ i +(x) = h ′ i −(−x)<br />
Po<strong>de</strong>mos finalmente provar<br />
Teorema 4.7.9 (da Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue). Se f ∈ C(R) é crescente<br />
em R então f é diferenciável qtp em R.<br />
Demonstração. Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos já referidos no corolário 4.7.8:<br />
A = x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x) ,B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)},<br />
e S = x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞ .<br />
Provámos em 4.7.8 que m(A ∪ B ∪ S) = 0. Se x ∈ A ∪ B ∪ S, temos:<br />
f ′ s +(x) ≤ f ′ i −(x), f ′ s −(x) ≤ f ′ i +(x) e f ′ s +(x) < ∞.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 277<br />
É evi<strong>de</strong>nte que f ′ i −(x) ≤ f ′ s −(x) e f ′ i +(x) ≤ f ′ s +(x) para qualquer x ∈ R.<br />
Temos assim que<br />
x ∈ A ∪ B ∪ S =⇒ f ′ s +(x) ≤ f ′ i−(x) ≤ f ′ s−(x) ≤ f ′ i +(x) ≤ f ′ s +(x) < ∞.<br />
Concluímos que as funções f ′ s +, f ′ i −, f ′ s − e f ′ i + são iguais e finitas fora do<br />
conjunto A ∪ B ∪ S. Por outras palavras, f é diferenciável qtp em R.<br />
Exemplos 4.7.10.<br />
1. Se f é uma função contínua <strong>de</strong> variação limitada então é, como sabemos,<br />
uma diferença <strong>de</strong> funções contínuas crescentes, e é por isso diferenciável qtp.<br />
Em particular,<br />
• as funções absolutamente contínuas são diferenciáveis qtp em R,<br />
• os integrais in<strong>de</strong>finidos são diferenciáveis qtp, mesmo que a função integranda<br />
seja <strong>de</strong>scontínua em toda a parte.<br />
2. Se f : R → R satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz, então f é absolutamente<br />
contínua em R, pelo que é igualmente diferenciável qtp em R. Esta observação é<br />
um caso particular do Teorema <strong>de</strong> Ra<strong>de</strong>macher( 25 ): Se f satisfaz uma condição<br />
<strong>de</strong> Lipschitz num aberto U ⊆ R N então f é diferenciável qtp em U.<br />
4.7.2 A Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Continuamos a supor que f é contínua e crescente em R e µ é a respectiva<br />
<strong>de</strong>rivada generalizada. Passamos a estabelecer algumas proprieda<strong>de</strong>s<br />
auxiliares <strong>de</strong> µ e do seu domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição “natural”, que é a classe( 26 )<br />
Sf = {E ⊆ R : f(E) ∈ L(R)}.<br />
Lema 4.7.11. Seja f ∈ C(R) crescente e µ a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada.<br />
Se D = {x ∈ R : f ′ (x) existe e 0 < f ′ (x) < ∞} e D∞ é o conjunto<br />
on<strong>de</strong> f ′ (x) = ∞, então<br />
a) µ está concentrada em S = D ∪ D∞.<br />
b) Se m(E) = 0 e E ∩ D∞ = ∅ então µ(E) = 0.<br />
c) Se E ∈ L(R) e E ∩ D∞ = ∅ então E ∈ Sf.<br />
d) D∞ ∈ Sf ∩ L(R).<br />
25 De Hans Ra<strong>de</strong>macher, 1892-1969, um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos do século XX. De<br />
origem alemã, foi professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Hamburgo e Breslau, mas foi forçado pelo<br />
regime nazi a abandonar a Alemanha em 1934, em resultado da sua activida<strong>de</strong> política a<br />
favor da paz e dos direitos humanos. Emigrou para os Estados Unidos, on<strong>de</strong> foi professor<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> da Pensilvânia.<br />
26 Recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> 4.5.3 que (R, Sf, µ) é a única solução completa e regular do Problema <strong>de</strong><br />
Stieltjes para f.
278 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Demonstração. a) Tal como no corolário 4.7.8, tomamos<br />
A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x)} e B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)}.<br />
Recordamos <strong>de</strong> 4.7.8 que m(A) = µ(A) = m(B) = µ(B) = 0. Sendo<br />
C = {x ∈ R : f ′ (x) = 0}, concluímos <strong>de</strong> 4.7.7 b) que µ(C) = 0. É assim<br />
evi<strong>de</strong>nte que A ∪ B ∪ C é µ-nulo, ou seja, µ está concentrada no seu complementar,<br />
que é o conjunto S = D ∪ D∞.<br />
b) Tomamos F = E ∩ D e observamos <strong>de</strong> a) que<br />
µ ∗ (E) = µ ∗ (E ∩ (D ∪ D∞) = µ ∗ (E ∩ D) = µ ∗ (F).<br />
Como Fk = {x ∈ F : f ′ (x) < k} ⊆ E, é óbvio que m(Fk) = 0. Segue-se <strong>de</strong><br />
4.7.7 b) que µ ∗ (Fk) ≤ k m(Fk) = 0, ou seja, µ ∗ (Fk) = 0 = µ(Fk). Dado que<br />
Fk ր F, po<strong>de</strong>mos concluir que µ(F) = 0 = µ(E). Em particular, E ∈ Sf.<br />
c) Temos E = A ∪ N, on<strong>de</strong> A ∈ B(R) e m(N) = 0. É claro que A ∈ Sf,<br />
porque B(R) ⊆ Sf, e vimos em a) que N ∈ Sf. Segue-se que E ∈ Sf.<br />
d) D∞ é L-mensurável, porque m(D∞) = 0. Portanto D c ∞ é L-mensurável,<br />
e segue-se <strong>de</strong> b) que D c ∞ ∈ Sf, don<strong>de</strong> D∞ ∈ Sf.<br />
f ′<br />
não existe<br />
f ′ = ∞<br />
D∞<br />
f ′ = 0<br />
0 < f ′ < ∞<br />
Figura 4.7.6: µ está concentrada on<strong>de</strong> f ′ existe e não é nula.<br />
É muito interessante reconhecer que o teorema anterior contém implícita<br />
a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Definindo λ(E) = µ(E\D∞) e ν(E) = µ(E ∩ D∞), temos<br />
µ(E) = µ(E\D∞) + µ(E ∩ D∞) = λ(E) + ν(E), para E ∈ Sf.<br />
Basta-nos notar que<br />
• λ ≪ m: <strong>de</strong> acordo com 4.7.11 b), m(E) = 0 ⇒ λ(E) = 0, e<br />
• ν⊥m: ν está concentrada em D∞ e m(D∞) = 0.<br />
D
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 279<br />
Esta observação torna-se especialmente relevante com o próximo teorema,<br />
que revela que λ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />
Teorema 4.7.12. Se f ∈ C(R) é crescente então f ′ é localmente somável e<br />
<br />
f<br />
E<br />
′ dm = µ(E ∩ D), on<strong>de</strong> E ∈ L(R) e D = {x ∈ R : 0 < f ′ (x) < ∞}.<br />
<br />
Temos em particular<br />
E<br />
f ′ dm ≤ µ(E), para qualquer E ∈ Sf.<br />
Demonstração. Seja Dk = {x ∈ D : |x| ≤ k e f ′ (x) ≤ k} para k ∈ N.<br />
Existem funções simples mensuráveis sn ≥ 0 tais que sn(x) ր f ′ (x) para<br />
qualquer x ∈ Dk, e sabemos que<br />
<br />
(1) sndm →<br />
E∩Dk<br />
E∩Dk<br />
f ′ dm, quando E ∈ L(R).<br />
Supomos como usualmente que temos, para 1 ≤ i ≤ k2 n ,<br />
sn(x) =<br />
i − 1<br />
2n quando x ∈ An,i<br />
i − 1<br />
= {x ∈ E ∩ Dk :<br />
Notamos que E ∩ Dk =<br />
k2 n<br />
<br />
i=1<br />
2n < f ′ (x) ≤ i<br />
}.<br />
2n An,i e segue-se do teorema 4.7.7 que<br />
i − 1<br />
2n m(An,i) ≤ µ(An,i) ≤ i<br />
2nm(An,i) i − 1<br />
=<br />
2n m(An,i) + 1<br />
2nm(An,i). Somando as anteriores <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em i, obtemos imediatamente<br />
<br />
<br />
sndm ≤ µ(E ∩ Dk) ≤ sndm +<br />
E∩Dk<br />
E∩Dk<br />
1<br />
m(E ∩ Dk).<br />
2n Como m(Dk) < ∞ temos <br />
E∩Dk sndm → µ(E ∩ Dk), e segue-se <strong>de</strong> (1) que<br />
<br />
µ(E ∩ Dk) = f ′ dm.<br />
E∩Dk<br />
O teorema resulta agora <strong>de</strong> notar que E ∩ Dk ր E ∩ D.<br />
O próximo resultado está assim verificado.<br />
Teorema 4.7.13 (da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue). Se f ∈ C(R) é crescente,<br />
a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da sua <strong>de</strong>rivada generalizada µ é<br />
<br />
µ(E) = f ′ dm + µ(E ∩ D∞), para qualquer E ∈ Sf.<br />
E
280 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
É simples adaptar o resultado anterior às funções contínuas <strong>de</strong> variação<br />
limitada, que são como sabemos diferenças <strong>de</strong> funções crescentes contínuas.<br />
Deixamos a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado para o exercício 7:<br />
Teorema 4.7.14. Se f ∈ C(R) ∩ BV (R) e µ é a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada,<br />
f é diferenciável qtp, f ′ é somável, f ′ 1 ≤ µ e a <strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ é<br />
<br />
µ(E) =<br />
E<br />
f ′ dm + µ(E ∩ D), para qualquer E ∈ Sf,<br />
on<strong>de</strong> m(D) = 0 e Sf é o domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> µ.<br />
O teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue permite-nos i<strong>de</strong>ntificar múltiplas<br />
circunstâncias <strong>de</strong> interesse prático on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos aplicar a regra <strong>de</strong><br />
Barrow.<br />
Exemplos 4.7.15.<br />
1. A função <strong>de</strong> Volterra f é diferenciável em toda a parte e a sua <strong>de</strong>rivada<br />
é limitada, pelo que f satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz. Portanto f é <strong>de</strong><br />
variação limitada e D∞ = ∅. Segue-se do teorema anterior que f satisfaz a<br />
regra <strong>de</strong> Barrow.<br />
2. Se f é diferenciável em toda a parte, não se segue do teorema da <strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> Lebesgue que a regra <strong>de</strong> Barrow seja aplicável, porque f po<strong>de</strong> não<br />
ser <strong>de</strong> variação limitada (como vimos no exercício 13 da secção 4.6).<br />
3. Se f é <strong>de</strong> variação limitada, não é necessário que seja diferenciável em toda a<br />
parte para que possamos usar a regra <strong>de</strong> Barrow. Por exemplo, se o conjunto<br />
D∞ é finito ou numerável então µ(D∞) = 0, porque µ é uma medida contínua,<br />
e portanto µ({xn}) = 0 para qualquer xn ∈ D∞. Segue-se mais uma vez que<br />
µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />
Bem entendido, o resultado mais tradicional sobre a aplicação da regra<br />
<strong>de</strong> Barrow é o 2 o Teorema Fundamental do Cálculo, que é também<br />
um corolário directo do teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue. Começamos<br />
por apresentar uma sua versão algo abstracta, que é essencialmente um caso<br />
particular do chamado Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym, discutido no próximo<br />
Capítulo. Note-se que se reduz a uma consequência trivial do teorema da<br />
Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Teorema 4.7.16 (2 o Teorema Fundamental). Seja µ a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
<strong>de</strong> uma função f : R → R. Se µ ≪ m, ou seja, se f é absolutamente<br />
contínua, então µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />
Demonstração. Sabemos que<br />
<br />
µ(E) = f ′ (x)dx + µ(E ∩ T) on<strong>de</strong> m(T) = 0.<br />
E<br />
É claro que T é µ-nulo porque µ ≪ m, e temos Sf = Lf(R) (porquê?).
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 281<br />
Passamos a enunciar e <strong>de</strong>monstrar uma versão mais “clássica”:<br />
Teorema 4.7.17 (Regra <strong>de</strong> Barrow). Se f : I → R é absolutamente contínua<br />
no intervalo compacto I então f é diferenciável qtp em I, f ′ é somável<br />
em I, e<br />
b<br />
f(b) − f(a) = f ′ (x)dx, para quaisquer a ≤ b ∈ I.<br />
a<br />
Demonstração. Definimos f em toda a recta real tomando f(x) = f(a) para<br />
x < a e f(x) = f(b), para x > b. É claro que f é <strong>de</strong> variação limitada e absolutamente<br />
contínua em R, e sabemos <strong>de</strong> 4.7.16 que µ é o integral in<strong>de</strong>finido<br />
<strong>de</strong> f ′ . Em particular,<br />
b<br />
f(b) − f(a) = µ(]a,b]) = f ′ dm.<br />
O 1 o Teorema Fundamental po<strong>de</strong> ser enunciado como o converso exacto<br />
<strong>de</strong>sta afirmação.<br />
Teorema 4.7.18 (1o Teorema Fundamental). Seja I um intervalo compacto<br />
e f : I → R somável em I. Dado a ∈ I, seja F(x) = x<br />
a fdm, para x ∈ I.<br />
Então F é absolutamente contínua em I e F ′ (x) = f(x) qtp em I.<br />
Demonstração. Tomamos f(x) = 0 quando x ∈ I, para <strong>de</strong>finir F em R. É<br />
evi<strong>de</strong>nte que F é então absolutamente contínua e <strong>de</strong> variação limitada em<br />
R, e consi<strong>de</strong>ramos a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada µ. Notamos que:<br />
• µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, por razões óbvias, e<br />
• µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> F ′ , pelo 2 o Teorema Fundamental.<br />
Segue-se naturalmente que F ′ ≃ f.<br />
Veremos adiante como resultados <strong>de</strong>ste tipo se po<strong>de</strong>m generalizar a contextos<br />
mais abstractos. Observe-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que, quando µ é a <strong>de</strong>rivada<br />
generalizada <strong>de</strong> uma função real f e f ′ (x) existe, então temos, por exemplo,<br />
f ′ f(x + h) − f(x − h) µ(Bh(x))<br />
(x) = lim<br />
= lim<br />
h→0 2h<br />
h→0 m(Bh(x)) .<br />
Esta observação sugere consi<strong>de</strong>rar razões da forma µ(Eh)/λ(Eh) quando µ e<br />
λ são medidas num mesmo espaço mensurável e estudar o respectivo limite<br />
supondo que Eh ց {x} quando h → 0. Esse é efectivamente o caminho<br />
que conduz a versões mais gerais do 1 o Teorema Fundamental do Cálculo<br />
e à noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym, que encontraremos no próximo<br />
Capítulo.<br />
Os teoremas fundamentais adaptam-se e/ou generalizam-se facilmente a<br />
outros casos, e ilustramos este facto com alguns exemplos.<br />
a
282 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Funções<br />
absolutamente<br />
contínuas<br />
Diferenciação (q.t.p.)<br />
Integração (<strong>de</strong> Lebesgue)<br />
Funções<br />
localmente<br />
somáveis<br />
Figura 4.7.7: Os Teoremas Fundamentais do Cálculo segundo Lebesgue.<br />
Exemplos 4.7.19.<br />
1. Se f é absolutamente contínua em R, então f ′ po<strong>de</strong> ser apenas localmente<br />
somável em R. Mesmo neste caso, é claro que a regra <strong>de</strong> Barrow se aplica em<br />
qualquer intervalo compacto.<br />
2. Se µ é uma medida absolutamente contínua e localmente finita em R então<br />
µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função contínua f e<br />
<br />
µ(E) = f ′ dm, para qualquer E ∈ L(R).<br />
E<br />
Em particular, as medidas absolutamente contínuas e localmente finitas são os<br />
integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> funções localmente somáveis.<br />
Referimos a seguir outras aplicações dos Teoremas Fundamentais:<br />
Exemplos 4.7.20.<br />
1. Comprimento do gráfico <strong>de</strong> f: As observações que fizémos no Capítulo<br />
I (<strong>de</strong>finição 1.5.11 e teorema 1.5.12) são aplicáveis neste contexto mais geral,<br />
e <strong>de</strong>ixamos como exercício mostrar que se f tem <strong>de</strong>rivada generalizada µ, e a<br />
sua variação total tem parte singular νs, então o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f<br />
no intervalo I é dado por<br />
<br />
I<br />
1 + f ′ (x) 2 dx + νs(I).<br />
Em particular, a fórmula do teorema 1.5.12 é válida se e só se f é uma função<br />
absolutamente contínua, i.e., se e só se f satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow.<br />
2. diferenciação <strong>de</strong> integrais paramétricos: Os Teoremas Fundamentais<br />
do Cálculo po<strong>de</strong>m ser combinados com o teorema <strong>de</strong> Fubini para <strong>de</strong>rivar integrais<br />
paramétricos. A título <strong>de</strong> exemplo, suponha-se que o integral paramétrico<br />
em causa é da forma<br />
<br />
F(s) = f(s, t)dt, para s ∈ I = [s0, s0 + ε].<br />
E
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 283<br />
Suponha-se ainda que as funções f t 2 satisfazem a regra <strong>de</strong> Barrow, ou seja,<br />
Se a função ∂f<br />
∂s<br />
<br />
F(s) = F(s0) +<br />
s<br />
∂f<br />
f(s, t) = f(s0, t) + (u, t)du<br />
∂s<br />
é somável em E × I, temos então<br />
E<br />
s<br />
s0<br />
s0<br />
<br />
∂f<br />
(u, t)du dt =<br />
∂s<br />
s <br />
s0<br />
E<br />
<br />
∂f<br />
(u, t)dt du.<br />
∂s<br />
A diferenciação <strong>de</strong> F é portanto a diferenciação <strong>de</strong> um integral in<strong>de</strong>finido, e é<br />
imediata pelo 1 o Teorema Fundamental do Cálculo.<br />
Aproveitamos para introduzir mais um exemplo interessante, uma função<br />
contínua e crescente com <strong>de</strong>rivada nula qtp, como a escada do Diabo, mas<br />
que é além disso estritamente crescente.<br />
Exemplo 4.7.21.<br />
a função <strong>de</strong> Hellinger( 27 ) : Fixamos 0 < α < 1, α = 1<br />
2 , e <strong>de</strong>finimos<br />
uma sucessão <strong>de</strong> funções fn : [0, 1] → [0, 1], cada uma estritamente crescente<br />
e contínua. Consi<strong>de</strong>ramos os pontos Pn = { k<br />
2n : 0 ≤ k ≤ 2n }, e notamos que<br />
Pn ⊆ Pn+1. O gráfico da função fn é um segmento <strong>de</strong> recta entre cada dois<br />
pontos consecutivos <strong>de</strong> Pn (ver figura 4.7.8). Passamos a <strong>de</strong>finir os valores<br />
fn( k<br />
2n ), para 0 ≤ k ≤ 2n :<br />
• f0(0) = 0, e f0(1) = 1, ou seja, f0(x) = x, para qualquer 0 ≤ x ≤ 1,<br />
• fn+1( k<br />
2 n ) = fn( k<br />
2 n), ou seja, se x ∈ Pn, então fn+1(x) = fn(x), e<br />
• fn+1( 2k+1<br />
2 n+1 ) = αfn( k<br />
2 n) + (1 − α)fn( k+1<br />
2 n ), ou seja, se x é o ponto médio<br />
<strong>de</strong> [ k<br />
2n , k+1<br />
2n ], fn+1(x) é uma combinação convexa dos valores <strong>de</strong> fn, nos<br />
extremos <strong>de</strong>sse mesmo intervalo.<br />
A figura 4.7.8 exibe as funções f1, f2, f3 e f10. A função <strong>de</strong> Hellinger hα<br />
k<br />
é <strong>de</strong>finida por hα(x) = limn→∞ fn(x). É evi<strong>de</strong>nte que hα( 2n ) = fn( k<br />
2n), ou<br />
seja, os vértices do gráfico <strong>de</strong> fn são pontos do gráfico <strong>de</strong> hα.<br />
É muito simples provar as seguintes afirmações (exercício 5):<br />
(1) Cada função fn é estritamente crescente, e<br />
(2) Se n ≤ m e k−1<br />
2 n < x < k<br />
2 n , on<strong>de</strong> 0 < k ≤ 2 n , então<br />
k − 1<br />
fn(<br />
2n ) < fn(x) < fm(x) < fn( k<br />
), ou<br />
2n 0 < fm(x) − fn(x) < fn( k k − 1<br />
2n) − fn( ).<br />
2n (3) fn(x) → hα(x) para qualquer 0 ≤ x ≤ 1, on<strong>de</strong> 0 ≤ hα(x) ≤ 1, e hα é<br />
estritamente crescente.
284 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
15<br />
16<br />
3<br />
4<br />
9<br />
16<br />
1<br />
4<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
1<br />
Figura 4.7.8: Exemplo <strong>de</strong> Hellinger, α = 1<br />
4 : as funções f1,f2,f3 e f10.<br />
Figura 4.7.9: Os gráfico <strong>de</strong> fm, m ≥ 3, e <strong>de</strong> hα estão na zona sombreada.<br />
A figura 4.7.9 ilustra a afirmação (2) para n = 3.<br />
Se um dado segmento no gráfico <strong>de</strong> fn tem <strong>de</strong>clive δ, então um cálculo simples<br />
mostra que os dois segmentos correspon<strong>de</strong>ntes no gráfico <strong>de</strong> fn+1 têm <strong>de</strong>clives<br />
2(1 − α)δ (o segmento à esquerda) e 2αδ (o segmento à direita). A observação<br />
seguinte resulta <strong>de</strong> observar que o gráfico <strong>de</strong> f0 tem evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>clive 1.<br />
(4) f ′ n só toma os valores δ = 2n α i (1 − α) n−i , on<strong>de</strong> 0 ≤ i ≤ n.<br />
Repare-se também que, supondo α < 1/2, o segmento mais à esquerda no<br />
gráfico <strong>de</strong> fn tem o <strong>de</strong>clive máximo δ = 2 n (1 − α) n , e é portanto no intervalo<br />
0 < x < 1<br />
2 n que a estimativa apresentada em (2) é maior, e igual a (1 − α) n .<br />
Po<strong>de</strong>mos por isso adaptar (2) para<br />
27 Ernst David Hellinger, 1883-1950, matemático alemão, nascido na actual Polónia. De<br />
ascendência judaica, chegou a estar preso no campo <strong>de</strong> Dachau, mas emigrou para os<br />
EUA em 1938. Ensinou em Göttingen, Marburg e Frankfurt, e nos EUA na Northwestern<br />
University e no Instituto <strong>de</strong> Tecnologia do Illinois.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 285<br />
(5) Se n ≤ m, então 0 ≤ fm(x) − fn(x) < (1 − α) n . Em particular, fn(x) →<br />
hα(x) uniformemente, e a função hα é contínua.<br />
hα é diferenciável qtp, porque é contínua e crescente, mas temos ainda<br />
(6) Se hα é diferenciável em x então h ′ α (x) = 0.<br />
Demonstração. Seja x ∈]0, 1[ um ponto <strong>de</strong> diferenciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hα. Tomamos<br />
kn = int(x2 n ), don<strong>de</strong> kn<br />
2n ≤ x < kn + 1<br />
2n , an = kn<br />
2n ր x e bn = kn + 1<br />
2<br />
As funções hα e fn coinci<strong>de</strong>m em an e bn, e temos <strong>de</strong> acordo com (4):<br />
δn = hα(bn) − hα(an)<br />
bn − an<br />
= fn(bn) − fn(an)<br />
bn − an<br />
n ց x.<br />
= 2 n a in (1 − a) n−in → h ′ α(x).<br />
Se h ′ α(x) = 0, é evi<strong>de</strong>nte que δn+1<br />
→ 1. Por outro lado, temos<br />
δn+1<br />
δn<br />
δn<br />
= 2α = 1 ou δn+1<br />
= 2(1 − α) = 1.<br />
É assim impossível que h ′ α(x) = 0, ou seja, só po<strong>de</strong>mos ter h ′ α(x) = 0.<br />
A <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> hα diz-se a medida <strong>de</strong> Hellinger, e <strong>de</strong>signa-se<br />
aqui por ηα.<br />
Dizemos que a função f é singular se e só se f ′ ≃ 0. Notamos que a<br />
função <strong>de</strong> Hellinger, aliás como a <strong>de</strong> Cantor, são funções contínuas singulares<br />
que não são constantes. O teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesge permite<br />
relacionar as funções e as medidas singulares:<br />
Teorema 4.7.22. Se f ∈ BV (R) ∩ C(R) então a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
µ é singular se e só se f é singular.<br />
4.7.3 Diferenciação <strong>de</strong> Funções <strong>de</strong> Variação Limitada<br />
Os resultados sobre diferenciabilida<strong>de</strong> que acabámos <strong>de</strong> apresentar são na<br />
verda<strong>de</strong> válidos para quaisquer funções <strong>de</strong> variação limitada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> hipóteses sobre a sua continuida<strong>de</strong>, e foi aliás com esta generalida<strong>de</strong><br />
que Riesz <strong>de</strong>monstrou o seu “Lema do Sol Nascente”.<br />
A noção <strong>de</strong> semi-continuida<strong>de</strong> é útil neste contexto. Dizemos que f é<br />
semi-contínua superior em A ⊆ R N se e só se, para qualquer α ∈ R,<br />
{x ∈ A : f(x) < α} = A ∩ U, on<strong>de</strong> U ⊆ R N é aberto.<br />
Observações 4.7.23.<br />
δn
286 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
1. Deixamos como exercício verificar que f : A → R é semi-contínua superior<br />
em A se e só se( 28 )<br />
limsup f(x) = f(x0), para qualquer x ∈ A.<br />
x→x0<br />
2. Se f : A → R é semi-contínua superior em A, xn ∈ A, f(xn) → α e xn → x0<br />
então f(x0) ≥ α, porque<br />
f(xn) → α ≤ limsup f(x) = f(x0).<br />
x→x0<br />
3. Se f : R → R e existem sempre os limites laterais f(x + ) e f(x − ) (por<br />
exemplo, se f ∈ BV (R)), então é claro que<br />
limsup f(x) = max{f(x0), f(x<br />
x→x0<br />
+ 0 ), f(x−0 )}<br />
e portanto f é semi-contínua superior em R se e só se f(x) ≥ max{f(x + ), f(x − )}<br />
para qualquer x ∈ R.<br />
4. Se f : R → R é crescente então existem os limites laterais f(x + ) e f(x − ) e<br />
temos f(x − ) ≤ f(x) ≤ f(x + ). Segue-se da observação anterior que f é semicontínua<br />
superior em R se e só se f(x) = f(x + ), ou seja, se e só se f é contínua<br />
à direita em R.<br />
O próximo lema é uma variante do clássico Teorema <strong>de</strong> Weierstrass sobre<br />
extremos <strong>de</strong> funções contínuas:<br />
Lema 4.7.24. Se f : R N → R é semi-contínua superior em R N e K ⊆ R N<br />
é compacto então f tem máximo em K.<br />
Demonstração. Os conjuntos Un = {x ∈ R N : f(x) < n} formam uma<br />
cobertura aberta <strong>de</strong> K. Esta cobertura inclui uma subcobertura finita <strong>de</strong><br />
K, don<strong>de</strong> se segue que f é majorada em K.<br />
Sendo k = sup{f(x) : x ∈ K}, existe uma sucessão xn ∈ K tal que<br />
f(xn) → k. Pelo teorema <strong>de</strong> Bolzano-Weiertrass, po<strong>de</strong>mos supor que xn →<br />
x0 ∈ K. Temos f(x0) ≤ k porque x0 ∈ K, e também f(x0) ≥ k, conforme<br />
a observação 4.7.23.2.<br />
O Lema <strong>de</strong> Riesz na forma <strong>de</strong> 4.7.1 po<strong>de</strong> ser generalizado como se segue:<br />
Lema 4.7.25. Se g ∈ BV (R) é semi-contínua superior e I =]a,b[ é um<br />
intervalo limitado então<br />
∞<br />
]an,bn[,<br />
D 0 s +(g,I) =<br />
n=1<br />
on<strong>de</strong> os intervalos ]an,bn[ são disjuntos e g(bn) ≥ g(a + n ).<br />
28 Nos termos da <strong>de</strong>finição 1.4.23, o valor <strong>de</strong> f no ponto x0 afecta o cálculo <strong>de</strong><br />
lim supx→x0 f(x). Caso esse valor seja excluído do cálculo, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong>ve ser<br />
substituída pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> lim supx→x0 f(x) ≤ f(x0).
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 287<br />
Demonstração. Repetimos o argumento usado em 4.7.1 com ligeiras modificações.<br />
É fácil verificar que D0 s +(g,I) é aberto, e portanto é uma união <strong>de</strong><br />
intervalos abertos disjuntos In =]an,bn[. Po<strong>de</strong> por exemplo observar-se que,<br />
para cada y ∈ I, o conjunto {x ∈ I : x < y e g(x) < g(y)} é obviamente<br />
aberto, porque g é semi-contínua superior.<br />
A semi-continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> g em I e o conjunto D 0 s +(g,I) não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do<br />
valor g(b), e supomos para simplificar que g(b) = g(b − ). Fixado x ∈]an,bn[,<br />
e sendo M o máximo da função g no intervalo [x,b], que existe <strong>de</strong> acordo<br />
com o lema anterior, resta-nos notar mais uma vez que:<br />
(1) g(x) < M, porque existe y ∈]x,b[ tal que g(y) > g(x): Evi<strong>de</strong>nte.<br />
(2) Se c = inf{y ∈ [x,b] : g(y) = M}, então g(c) = M: De 4.7.23.2.<br />
(3) c ∈ D 0 s +(g,I), porque não existe y ∈]c,b] com g(y) > M: Evi<strong>de</strong>nte.<br />
(4) [x,c[⊂ D 0 s +(g,I): De acordo com (2), temos g(t) < g(c) para qualquer<br />
x < t < c. A afirmação é assim imediata quando c ∈ I. Se c ∈ I então<br />
é claro que c = b, e temos para qualquer x < t < b que g(t) < g(b − ),<br />
don<strong>de</strong> se segue facilmente que existe t < t ′ < b tal que g(t) < g(t ′ ), ou<br />
seja, t ∈ D 0 s +(g,I).<br />
(5) c = bn e g(a + n ) ≤ g(bn): os intervalos [x,c[ e [x,bn[ estão ambos<br />
contidos em D 0 s +(g,I), e é claro que c,bn ∈ D 0 s +(g,I). Temos portanto<br />
que c = bn. Como g(x) < g(bn), temos ainda que g(a + n ) ≤ g(bn). Esta<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é verda<strong>de</strong>ira mesmo quando bn = b e para a função g<br />
original, porque para essa função temos g(b − ) ≤ g(b).<br />
No que se segue, quando f ∈ BV (R) <strong>de</strong>signamos por f a função dada por<br />
f(x) = max{f(x),f(x + ),f(x − )}. Passamos também a <strong>de</strong>signar por C(f,I)<br />
o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da função f no intervalo I. O seguinte<br />
lema é inteiramente elementar:<br />
Lema 4.7.26. Se f ∈ BV (R) então<br />
a) f(x + ) = f(x + ) e f(x − ) = f(x − ) para qualquer x ∈ R.<br />
b) C(f,I) ⊆ C( f,I) para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />
c) f é <strong>de</strong> variação limitada e semi-contínua superior em R.<br />
Demonstração. Deixamos a verificação <strong>de</strong> a) como exercício. Para provar<br />
b), usamos a) para concluir que<br />
f(x) = f(x + ) = f(x − ) =⇒ f(x) = f(x + ) = f(x − ).<br />
A semicontinuida<strong>de</strong> superior <strong>de</strong> f resulta <strong>de</strong> a) e da observação 4.7.23.3.
288 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
Como f ∈ BV (R), existem funções crescentes limitadas g e h tais que<br />
f = g−h. Deixamos como exercício verificar que g e h po<strong>de</strong>m ser re<strong>de</strong>finidas<br />
nos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f para obter funções crescentes limitadas<br />
˜g e ˜ h tais que f = ˜g − ˜ h, don<strong>de</strong> concluímos que f ∈ BV (R).<br />
Po<strong>de</strong>mos agora estabelecer uma versão do Lema <strong>de</strong> Riesz para funções<br />
<strong>de</strong> variação limitada, on<strong>de</strong> escrevemos para simplificar ˜ S = S ∩ C(f,I):<br />
Lema 4.7.27 (<strong>de</strong> Riesz (III)). Se g ∈ BV (R) e I = ]a,b[ é limitado, existe<br />
um conjunto (numerável) N ⊆ I\C(g,I) tal que<br />
˜D 0 s +(g,I) ∪ N = D 0 s +(g,I) =<br />
∞<br />
]an,bn[.<br />
n=1<br />
Os intervalos ]an,bn[ são disjuntos e g(bn) ≥ g(a + n ) = g(a+ n ).<br />
Demonstração. Se x ∈ D 0 s +(g,I) ∩ C(f,I) então existe y ∈ I tal que<br />
y > x e g(y) > g(x) don<strong>de</strong> g(y) ≥ g(y) > g(x) = g(x).<br />
Concluímos assim que ˜ D 0 s +(g,I) = C(g,I) ∩ D 0 s +(g,I) ⊆ D 0 s +(g,I).<br />
Suponha-se agora que x ∈ D 0 s +(g,I), i.e., existe y ∈ I tal que<br />
y > x e g(y) > g(x) ≥ g(x).<br />
Temos portanto g(y) > g(x) ou g(y + ) > g(x) ou g(y − ) > g(x) e, em qualquer<br />
um <strong>de</strong>stes casos, é claro que x ∈ D 0 s +(g,I). Como<br />
D 0 s +(g,I) = N ∪ C(g,I) ∩ D 0 s +(g,I) e D 0 s +(g,I) ⊆ D 0 s +(g,I),<br />
o conjunto N é numerável, porque só contém pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
g. As restantes observações resultam <strong>de</strong> aplicar 4.7.25 à função g.<br />
Passamos a adaptar o Lema <strong>de</strong> Riesz na versão 4.7.2 a funções <strong>de</strong> variação<br />
limitada como se segue:<br />
Lema 4.7.28 (<strong>de</strong> Riesz (IV)). Se f ∈ BV (R) e I = ]a,b[ é limitado então<br />
existem conjuntos (numeráveis) N,N ′ ⊆ I\C(f,I) tais que<br />
a) ˜ D α s +(f,I)∪N = Dα s +( f,I) =<br />
b) ˜ D α i −(f,I)∪N ′ = D α i −( f,I) =<br />
∞<br />
]an,bn[ e f(bn)− f(a + n ) ≥ α (bn − an) ,<br />
n=1<br />
∞<br />
]cn,dn[ e f(d − n )− f(cn) ≤ α(dn − cn) .<br />
n=1<br />
Os intervalos ]an,bn[ e ]cn,dn[ formam famílias disjuntas.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 289<br />
˜D 0 s +(g,I)<br />
C(g,I)<br />
D 0 s +(g,I)<br />
D 0 s +(g,I)<br />
Figura 4.7.10: Os conjuntos D 0 s +(g,I), D 0 s +(g,I) e C(g,I).<br />
Demonstração. Para estabelecer a), <strong>de</strong>finimos g(x) = f(x)−αx. É claro que<br />
g(x) = f(x) − αx, C(f,I) = C(g,I), Dα s +(f,I) = D0 s +(g,I) e Dα s +( f,I) =<br />
D0 s +(g,I). Temos <strong>de</strong> 4.7.27 que<br />
˜D 0 s +(g,I) ∪ N = D0 s +(g,I) =<br />
˜D α s +(f,I) ∪ N = D α s +( f,I) =<br />
∞<br />
]an,bn[, com g(bn) ≥ g(a + n ) e portanto<br />
n=1<br />
∞<br />
]an,bn[, com f(bn) − f(a + n ) ≥ α(bn − an).<br />
n=1<br />
Para provar b), utilizamos h(x) = f(−x) + αx. Temos neste caso h(x) =<br />
f(−x) + αx, C(f,I) = −C(h, −I), D α i −(f,I) = −D 0 s +(h, −I) e D α i −( f,I) =<br />
−D 0 s +(g, −I). De acordo com 4.7.27,<br />
˜D 0 s +(h, −I)∪(−N ′ ) = D 0 s +(g, −I) =<br />
Como h(−x + ) = f(x − ) − αx,<br />
˜D α i −(f,I) ∪ N ′ = D α i −( f,I) =<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
]−dn, −cn[, com h(−cn) ≥ h(−d + n ).<br />
n=1<br />
]cn,dn[, com f(cn) − αcn ≥ f(d − n ) − αdn<br />
Quando f é crescente e limitada, f é crescente e contínua à direita, e tem<br />
<strong>de</strong>rivada generalizada µ. A proposição 4.7.3 sofre apenas alterações subtis:<br />
Proposição 4.7.29. Se f : R → R é crescente, I ⊆ R é um intervalo aberto<br />
limitado, µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f e α ≥ 0 então
290 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
a) α m( ˜ D α s +(f,I)) ≤ µ(I).<br />
b) µ( ˜ D α i −(f,I)) ≤ α m (I).<br />
Demonstração. Po<strong>de</strong>mos supor que f(x) = f(b − ) para x ≥ b e f(x) = f(a + )<br />
para x ≤ a. Os seguintes cálculos são imediatos do lema 4.7.28:<br />
αm( ˜ D α s +(f,I)) = αm(D α s +( f,I)) = α<br />
≤<br />
∞<br />
n=1<br />
∞<br />
(bn − an) ≤<br />
n=1<br />
<br />
f(bn) − f(a + <br />
∞<br />
<br />
n ) = µ ]an,bn]<br />
n=1<br />
≤ µ(I).<br />
Temos analogamente (on<strong>de</strong> observamos que µ(]c,d[) = f(d − ) − f(c)),<br />
µ( ˜ D α i −(f,I)) ≤ µ(D α i −( f,I)) =<br />
≤<br />
∞<br />
n=1<br />
<br />
f(d −<br />
n ) − <br />
f(cn) ≤<br />
∞<br />
α(dn − cn) = αm(D α i−( f,I))) ≤ αm(I).<br />
n=1<br />
O lema 4.7.6 po<strong>de</strong> tomar a seguinte forma, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração imediata:<br />
Lema 4.7.30. Se f ∈ BV (R), I é um intervalo aberto e x ∈ C(f,I) então<br />
f ′ s +(x) > α =⇒ x ∈ D α s +( f,I) e f ′ i −(x) < α =⇒ x ∈ D α i −( f,I).<br />
O teorema 4.7.7 po<strong>de</strong> ser facilmente adaptado a quaisquer funções crescentes.<br />
Teorema 4.7.31. Se f : R → R é crescente, µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
<strong>de</strong> f, α ≥ 0 e E ⊆ C(f, R) então<br />
a) f ′ s +(x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />
b) f ′ i −(x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≥ µ ∗ (E).<br />
Demonstração. O argumento é uma adaptação evi<strong>de</strong>nte do utilizado para<br />
4.7.7, invocando naturalmente 4.7.29 e 4.7.30 em lugar <strong>de</strong> 4.7.3 e 4.7.6.<br />
A seguinte adaptação do corolário 4.7.8 é também simples.<br />
Corolário 4.7.32. Se f : R → R é crescente e µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
<strong>de</strong> f então<br />
a) Se S = {x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞} então m(S) = 0.<br />
b) Se E = {x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ α > β ≥ f ′ i −(x)} então m(E) = µ( ˜ E) = 0.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 291<br />
c) Se A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i−(x)} então m(A) = µ( Ã) = 0.<br />
d) Se B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)} então m(B) = µ( ˜ B) = 0.<br />
Demonstração. a): Tomando ˜ S = S ∩C(f, R), o argumento original <strong>de</strong> 4.7.8<br />
mostra que m( ˜ S) = 0. Como o conjunto R\C(f,I) é numerável, é claro que<br />
m(S) = 0.<br />
b) e c): O argumento original é aplicável substituindo R por C(f,I).<br />
d): Tomamos mais uma vez h(x) = −f(−x), mas neste caso λ é a<br />
<strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> h. O argumento original continua aplicável, porque<br />
é ainda verda<strong>de</strong> que µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />
Os teoremas <strong>de</strong> diferenciação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m<br />
ser reformulados para eliminar as hipóteses <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> com que foram<br />
inicialmente obtidos. A título <strong>de</strong> exemplo, temos<br />
Teorema 4.7.33 (<strong>de</strong> Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue (II)). Seja f : R → R uma<br />
função crescente e µ a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f. Seja ainda T = {x ∈<br />
C(f, R) : f ′ (x) = +∞} e D = {x ∈ R : f(x + ) = f(x − )}. Existem então<br />
uma medida contínua singular λ e uma medida discreta σ tais que<br />
<br />
µ(E) = f ′ (x)dx + λ(E) + σ(E),<br />
E<br />
on<strong>de</strong> λ(E) = µ(E ∩ T) e σ(E) = µ(E ∩ D). Em particular, existem funções<br />
crescentes g, s e d tais que f = g + s + d, g é absolutamente contínua, s é<br />
contínua e singular e d é discreta.( 29 )<br />
Deve ser claro que f = (g + s) + d é a <strong>de</strong>composição em parte contínua<br />
e parte discreta mencionada em 4.5.11, e se ρ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′<br />
então µ = ρ + (λ + σ) é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ. É interessante<br />
verificar que as funções em causa são todas diferenciáveis qtp e s ′ ≃ d ′ ≃ 0.<br />
Exercícios.<br />
1. Prove que (i) ⇔ (ii) ⇒ (iii), on<strong>de</strong> as afirmações (i), (ii) e (iii) são as seguintes:<br />
(i) Existe α ′ > α e uma sucessão xn ց x tal que f(xn)−f(x)<br />
xn−x<br />
f(x+h)−f(x)<br />
(ii) limsuphց0 h > α.<br />
(iii) x ∈ D α s +(I), sempre que x ∈ I.<br />
→ α′ > α.<br />
2. Mantendo as hipóteses e notação do lema 4.7.2, mostre que se an < x < bn,<br />
então f(x) < f(bn), e se an > a, então f(an) = f(bn). Como se po<strong>de</strong> adaptar<br />
o lema 4.7.2 para o caso em que I não é limitado?<br />
3. Demonstre o corolário 4.7.2.<br />
29 As funções f ∈ BV (R) para as quais s = 0 formam o espaço SBV (R), <strong>de</strong> Simple<br />
Boun<strong>de</strong>d Variation, na terminologia introduzida por E. De Giorgi e L.Ambrosio em 1988.
292 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />
4. Supondo h(x) = −f(−x), mostre que f ′ i +(x) = h ′ i −(−x), e f ′ s −(x) = h ′ s +(−x).<br />
5. Demonstre as afirmações (2) e (3), relativas ao exemplo <strong>de</strong> Hellinger.<br />
6. Existem funções contínuas que não são monótonas em nenhum intervalo nãotrivial?<br />
7. Demonstre o teorema 4.7.14.<br />
8. Como <strong>de</strong>screve as medidas absolutamente contínuas e σ-finitas em R?<br />
9. Mostre que se f ∈ BV (R) ∩C(R) e {x ∈ R : |f ′ (x)| = ∞} é numerável então<br />
f satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow.<br />
10. Mostre que ηα⊥ηβ quando α = β.<br />
11. Seja f : R → R a função dada por f(x) = 1 + x, para x ≥ 0, com f(x) = 0<br />
para x ≤ 0. Determine a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
<strong>de</strong> f.<br />
12. Seja F a escada do Diabo, e<br />
⎧<br />
⎨ 0, se x < 0,<br />
f(x) = cos(πx) + F(x), se 0 ≤ x < 1,<br />
⎩<br />
0, se x ≥ 1.<br />
Qual é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f?<br />
13. A “escada do diabo” foi <strong>de</strong>finida usando o conjunto <strong>de</strong> Cantor. Substituindo<br />
nesta <strong>de</strong>finição o conjunto <strong>de</strong> Cantor pelo exemplo <strong>de</strong> Volterra Cε(I), com ε ><br />
0, seja Fε a correspon<strong>de</strong>nte “escada”, e ξε a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada.<br />
Qual é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> ξε?<br />
14. Suponha que as funções fn <br />
: R → R são crescentes, e a série f(x) =<br />
∞<br />
n=1 fn(x) converge em R. Prove que f ′ ≃ ∞<br />
n=1 f ′ n. sugestão: Use a<br />
unicida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue. Este resultado diz-se o Teorema <strong>de</strong><br />
diferenciação <strong>de</strong> Fubini ou, mais coloquialmente, o “pequeno” teorema <strong>de</strong><br />
Fubini.<br />
15. Mostre que qualquer função discreta <strong>de</strong> variação limitada é singular.<br />
16. Suponha que f : [0, 1] → [0, 1] é uma função contínua, estritamente crescente,<br />
e singular. Mostre que a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes <strong>de</strong>terminada pela<br />
inversa f −1 : [0, 1] → [0, 1] é singular.<br />
17. Mostre que f : R → R é semi-contínua superior em A ⊆ R se e só se<br />
f(a) = limsup x→a f(x), para qualquer a ∈ A.
4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 293<br />
18. Suponha que a medida real µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e sejam g e<br />
h funções distribuição <strong>de</strong> µ + e µ − . Sendo F = g + h, prove que F ′ ≃ |f ′ | e<br />
g ′ h ′ ≃ 0.<br />
19. Mostre que se f e g são L-mensuráveis então h = f ◦g não é necessariamente<br />
mensurável. sugestão: Determine uma função g contínua e estritamente<br />
crescente tal que g(A) = B, on<strong>de</strong> A não é mensurável, e m(B) = 0.<br />
20. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 4.7.26, estabelecendo as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />
f(x + ) = f(x + ) e f(x − ) = f(x − ). Mostre ainda que f ∈ BV (R).<br />
21. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 4.7.32, verificando que µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />
22. Suponha que f ∈ BV (R) ∩ C(R), seja µ a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />
e λ(I) o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no intervalo I. Prove que<br />
max{m(I), |µ|(I)} ≤ λ(I) ≤ m(I) + |µ|(I).<br />
Aproveite para generalizar o resultado que provámos sobre o comprimento do<br />
gráfico da escada do diabo, ou seja, mostre que se f é singular então<br />
λ(I) = m(I) + |µ|(I).<br />
23. Suponha que a medida real µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e mostre que<br />
existe uma medida positiva λ tal que λ(I) é o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no<br />
intervalo I. Calcule a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ, tal como indicada no<br />
exemplo 4.7.20.1, e verifique em particular que a clássica fórmula<br />
<br />
<br />
λ(I) = 1 + f ′2dx é válida se e só se f é absolutamente contínua.<br />
I
294 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s
Capítulo 5<br />
Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Passamos neste Capítulo ao estudo <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> funções<br />
<strong>de</strong>finidas num espaço <strong>de</strong> medida arbitrário (X, M,µ), <strong>de</strong> que a aplicação<br />
mais evi<strong>de</strong>nte é a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. Na realida<strong>de</strong>, quando (X, M,µ)<br />
é um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s, as funções mensuráveis dizem-se, normalmente,<br />
variáveis aleatórias, e o integral <strong>de</strong> uma variável aleatória em or<strong>de</strong>m<br />
à medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> µ é o seu valor médio, ou expectável.<br />
A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> uma função <strong>de</strong>finida num conjunto “arbitrário”<br />
X é um subconjunto <strong>de</strong> X × R. Para atribuir um integral a uma função<br />
<strong>de</strong>ste tipo, é necessário atribuir uma medida apropriada a subconjuntos <strong>de</strong><br />
X × R. Veremos que a teoria <strong>de</strong>senvolvida nos Capítulo anteriores permite<br />
a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida com suporte em X × R, obtido, por um<br />
procedimento muito natural, a partir dos espaços (X, M,µ) e (R, L(R),m).<br />
Mostraremos em seguida que as proprieda<strong>de</strong>s mais significativas dos integrais<br />
<strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue” são válidas, essencialmente<br />
sem modificação, neste contexto muito geral, reduzindo a teoria<br />
<strong>de</strong>senvolvida no Capítulo anterior a um caso particular. Demonstramos<br />
uma versão abstracta do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, aplicável a funções<br />
<strong>de</strong>finidas em X × Y , on<strong>de</strong> (X, M,µ) e (Y, N,λ) são espaços <strong>de</strong> medida<br />
quaisquer, e estudamos o clássico Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue,<br />
que generaliza o 2 o Teorema Fundamental do Cálculo e o Teorema da Decomposição<br />
<strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Terminamos o capítulo com o que é, sobretudo, uma ligeira introdução<br />
ao vastíssimo domínio da Análise Funcional. Introduzimos aqui diversos<br />
exemplos <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> (classes <strong>de</strong>) funções mensuráveis, fundamentais em<br />
múltiplas aplicações da Análise Real a outros ramos da Matemática, e a<br />
outras áreas científicas, e discutimos questões técnicas sofisticadas, suscitadas<br />
pelo estudo <strong>de</strong>stes espaços. Consi<strong>de</strong>ramos, em particular, a generalização<br />
<strong>de</strong> noções topológicas que conhecemos <strong>de</strong> R N , incluindo a <strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> sucessões nestes espaços, e o estudo dos<br />
respectivos espaços duais, que são constituídos pelas suas transformações<br />
295
296 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
lineares contínuas. Estes espaços duais são indispensáveis à adaptação das<br />
i<strong>de</strong>ias e métodos do Cálculo Diferencial em RN para o contexto <strong>de</strong> espaços<br />
<strong>de</strong> funções, que é o Cálculo <strong>de</strong> Variações. É difícil subestimar a importância<br />
<strong>de</strong>sta área, tendo em conta que as mais importantes teorias da Física mo<strong>de</strong>rna<br />
se baseiam em princípios variacionais. Os resultados aqui apresentados<br />
são, sem qualquer dúvida, dos mais significativos e relevantes da Análise<br />
Real, e são uma magnífica ilustração da superiorida<strong>de</strong> técnica da teoria da<br />
integração <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
5.1 A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m<br />
R<br />
Ω +<br />
D∞<br />
f<br />
Figura 5.1.1: <br />
E<br />
X × R<br />
Ω −<br />
fdµ =?<br />
Dado um qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), propomo-nos agora i<strong>de</strong>ntificar<br />
as funções f : X → R, ditas “M−mensuráveis”, e <strong>de</strong>finir integrais<br />
<strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida µ”, para uma subclasse apropriada das<br />
funções M-mensuráveis. O principal obstáculo técnico a vencer é, naturalmente,<br />
a indispensável generalização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
<br />
E<br />
fdmN = mN+1(Ω +<br />
−<br />
E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />
No caso <strong>de</strong> f : X → R, os conjuntos Ω +<br />
E (f) e Ω−<br />
E (f) são dados por<br />
Ω +<br />
E (f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y < f(x)}, e<br />
Ω − E (f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y > f(x)}.<br />
Os conjuntos Ω +<br />
E (f) e Ω−<br />
E (f) são evi<strong>de</strong>ntemente subconjuntos <strong>de</strong> X × R<br />
e, por isso, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <br />
E fdµ exige uma resposta prévia às seguintes<br />
questões:<br />
5.1.1. Dado o espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ),<br />
(1) Que subconjuntos <strong>de</strong> X × R são “mensuráveis” em algum sentido razoável<br />
do termo?<br />
X
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 297<br />
(2) Qual a “medida” <strong>de</strong>sses subconjuntos “mensuráveis” <strong>de</strong> X × R?<br />
Exemplos 5.1.2.<br />
1. Na teoria das probabilida<strong>de</strong>s, e dado um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s (X, M, µ),<br />
as funções M-mensuráveis dizem-se variáveis aleatórias. Tipicamente, temos<br />
X = R N , M = B(R N ), e as variáveis aleatórias são, como veremos imediatamente<br />
a seguir, as funções borel-mensuráveis. O integral <strong>de</strong> f em or<strong>de</strong>m<br />
a µ é o chamado valor médio, ou expectável, <strong>de</strong> f.<br />
2. Quando X = N, as funções f : X → R são simplesmente as sucessões reais.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos a σ-álgebra M = P(N), com a medida <strong>de</strong> contagem (cardinal)<br />
µ = #. Veremos que as funções M-mensuráveis são aqui todas as sucessões<br />
reais. Veremos também que o integral <strong>de</strong> f : N → R “em or<strong>de</strong>m a #” é<br />
f(n), sempre que esta série é absolutamente convergente.<br />
∞<br />
n=1<br />
3. Os “integrais <strong>de</strong> Stieltjes” são, como veremos, integrais em or<strong>de</strong>m a<br />
medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes. Por exemplo, se f ≥ 0 é Borel-mensurável em<br />
R, e ξ é a medida <strong>de</strong> Cantor, o integral<br />
<br />
fdξ<br />
R<br />
é um integral <strong>de</strong> Stieltjes. A medida <strong>de</strong> Cantor é <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, e neste<br />
sentido o integral acima é o valor expectável <strong>de</strong> f.<br />
Para enten<strong>de</strong>r a referência ao nome <strong>de</strong> Stieltjes neste contexto, recor<strong>de</strong>-se que<br />
g(x)dx são limites <strong>de</strong> somas “<strong>de</strong> Riemann”, do tipo<br />
os integrais <strong>de</strong> Riemann b<br />
a<br />
n<br />
k=1<br />
g(x ∗ k)(xk − xk−1).<br />
Stieltjes substituiu os factores ∆xk = (xk −xk−1) por F(xk)−F(xk−1), on<strong>de</strong> F<br />
é uma função arbitrária, e consi<strong>de</strong>rou o limite correspon<strong>de</strong>nte, quando existe,<br />
como o integral que hoje dizemos <strong>de</strong> “Riemann-Stieltjes”:<br />
b<br />
g(x)dF = lim<br />
a<br />
diam(P)→0<br />
k=1<br />
n<br />
g(x ∗ k)(F(xk) − F(xk−1)).<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Stieltjes generaliza a <strong>de</strong> Riemann, porque esta última correspon<strong>de</strong><br />
à escolha F(x) = x. Na terminologia actual, Stieltjes substituiu a medida<br />
<strong>de</strong> Lebesgue m(Ik) do intervalo Ik =]xk−1, xk] pela medida µ(Ik), on<strong>de</strong> µ é<br />
a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> F. Foi assim o primeiro matemático a estudar<br />
integrais que hoje reconhecemos como sendo em or<strong>de</strong>m a uma medida µ = m.<br />
A resposta às questões colocadas em 5.1.1 é surpreen<strong>de</strong>ntemente simples,<br />
e resulta <strong>de</strong> adaptar a afirmação feita em 2.2.21 a), ou seja,<br />
A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ) =⇒ A × B ∈ L(R N+M ), e<br />
mN+M(A × B) = mN(A)mM(B).
298 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Abstraímos daqui o princípio <strong>de</strong> que o produto cartesiano <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />
<strong>de</strong>ve ser mensurável, e a sua medida <strong>de</strong>ve ser o produto das medidas<br />
dos conjuntos em causa. Mais precisamente, se A ⊆ X é M-mensurável e<br />
se B ⊆ R é, pelo menos, Borel-mensurável, então<br />
5.1.3. A × B <strong>de</strong>ve ser “mensurável” em X × R, com “medida” dada por<br />
ρ(A × B) = µ(A)m(B).<br />
A medida ρ, a existir, está <strong>de</strong>finida pelo menos na σ-álgebra gerada em<br />
X × R pelos conjuntos da forma A × B, on<strong>de</strong> A ∈ M e B ∈ B(R).<br />
É conveniente introduzir esta σ-álgebra num contexto um pouco mais<br />
geral, que nos será útil mais adiante, quando <strong>de</strong>finirmos o produto <strong>de</strong> quaisquer<br />
dois espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν).<br />
Definição 5.1.4 (Produto <strong>de</strong> σ-álgebras). Se (X, M) e (Y, N) são espaços<br />
mensuráveis, <strong>de</strong>signamos por M ⊗ N a σ-álgebra gerada em X × Y pelos<br />
conjuntos da forma A × B, on<strong>de</strong> A ∈ M e B ∈ N.<br />
Exemplo 5.1.5.<br />
Para calcular o produto <strong>de</strong> σ-álgebras <strong>de</strong> Borel, recordamos que<br />
A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ) =⇒ A × B ∈ B(R N+M ).<br />
A σ-álgebra B(R N+M ) é assim uma das σ-álgebras que contêm os conjuntos<br />
da forma A × B, com A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ), e portanto<br />
B(R N ) ⊗ B(R M ) ⊆ B(R N+M ).<br />
Por outro lado, se U ⊆ RN e V ⊆ RM são abertos, é evi<strong>de</strong>nte que U ×<br />
V ∈ B(RN ) ⊗ B(RM ), por <strong>de</strong>finição. É fácil concluir daqui que a σ-álgebra<br />
B(RN ) ⊗ B(RM ) contém todos os abertos <strong>de</strong> RN+M . Como B(RN+M ) é, por<br />
<strong>de</strong>finição, a menor σ-álgebra que contém todos os abertos <strong>de</strong> RN+M , temos<br />
B(R N+M ) ⊆ B(R N ) ⊗ B(R M ), don<strong>de</strong> B(R N ) ⊗ B(R M ) = B(R N+M ).<br />
Dado um espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), po<strong>de</strong>mos utilizar a σ-álgebra<br />
M ⊗ B(R) para i<strong>de</strong>ntificar os conjuntos “mensuráveis” em X × R. É um<br />
problema um pouco mais difícil mostrar que existe, além disso, uma medida<br />
ρ, <strong>de</strong>finida em M ⊗ B(R), e satisfazendo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em 5.1.3, i.e., tal que<br />
ρ(A × B) = µ(A)m(B), quando A ∈ M, e B ∈ B(R).<br />
Exemplo 5.1.6.<br />
Seja (X, M, µ) = (R N , L(R N ), mN) o espaço <strong>de</strong> Lebesgue. Neste caso, temos,<br />
certamente,<br />
M ⊗ B(R) = L(R N ) ⊗ B(R) ⊆ L(R N ) ⊗ L(R) ⊆ L(R N+1 ).<br />
Po<strong>de</strong>mos, por razões evi<strong>de</strong>ntes, tomar para ρ a restrição da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />
mN+1 à σ-álgebra L(R N ) ⊗ B(R).
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 299<br />
Demonstraremos, nesta secção, o seguinte resultado:<br />
Teorema 5.1.7 (Espaço com suporte em X ×R). Se (X, M,µ) é um espaço<br />
<strong>de</strong> medida, então existe uma medida µ ⊗ m <strong>de</strong>finida em M ⊗ B(R), tal que<br />
(µ ⊗ m)(A × B) = µ(A)m(B), ∀A∈M∀ B∈B(R).<br />
Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar este teorema, mostramos como este resultado nos<br />
permite <strong>de</strong>finir integrais <strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida µ”, para funções<br />
f : X → R, ditas, neste caso, “M-mensuráveis”.<br />
Definição 5.1.8 (Integrais em or<strong>de</strong>m à medida µ). Seja E ⊆ S ⊆ X, e<br />
f : S → R.<br />
a) f é M-mensurável em E se e só se ΩE(f) ∈ M ⊗ B(R).<br />
b) Se f é M-mensurável em E, e pelo menos um dos conjuntos Ω +<br />
E (f)<br />
e Ω −<br />
E (f) tem medida (µ ⊗ m) finita, o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f<br />
(em or<strong>de</strong>m a µ) em E é dado por<br />
<br />
fdµ = (µ ⊗ m)(Ω +<br />
E (f)) − (µ ⊗ m)(Ω− E (f)).<br />
E<br />
c) Se f é M-mensurável em E, então f é µ-somável em E se e só se<br />
(µ ⊗ m)(ΩE(f)) < ∞.<br />
Exemplos 5.1.9.<br />
1. o espaço <strong>de</strong> borel: Se (X, M, µ) = (R N , B(R N ), mN) é o espaço <strong>de</strong> Borel,<br />
já vimos que<br />
M ⊗ B(R) = B(R N+1 ).<br />
Por esta razão, as funções B(R N )-mensuráveis, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>finição<br />
acima, são as funções Borel-mensuráveis, que introduzimos em 3.1.1.<br />
A medida mN ⊗ m coinci<strong>de</strong> com a medida mN+1, pelo menos na classe dos<br />
conjuntos elementares, e sabemos do Capítulo 2 que neste caso mN ⊗ m =<br />
mN+1, em toda a σ-álgebra B(R N+1 ).<br />
Concluímos que a <strong>de</strong>finição acima inclui, como caso particular, a <strong>de</strong>finição<br />
3.1.1, quando esta última é aplicada a funções borel-mensuráveis.<br />
2. o espaço das sucessões reais: Trata-se, como vimos no exemplo 5.1.2.2,<br />
do espaço (N, P(N), #), on<strong>de</strong> # é a medida <strong>de</strong> contagem. É simples verificar<br />
que qualquer sucessão f : N → R é M-mensurável. Suponha-se, para isso, que<br />
f(n) = an, An = {n}, e os intervalos In são dados por:<br />
⎧<br />
⎨ ]0, an[, se an > 0,<br />
In = ∅, se an = 0,<br />
⎩<br />
]an, 0[, se an < 0.<br />
A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f é ΩN(f) = ∞<br />
n=1 An × In, e notamos que:
300 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• Os conjuntos An × In são P(N) ⊗ B(R)-mensuráveis, porque An ∈ P(N),<br />
In é um intervalo, e P(N)⊗B(R) contém, por <strong>de</strong>finição, todos os conjuntos<br />
<strong>de</strong>ste tipo, e<br />
• ΩN(f) é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos P(N) ⊗ B(R)-mensuráveis, e<br />
portanto é P(N) ⊗ B(R)-mensurável.<br />
Se f é não-negativa, po<strong>de</strong>mos calcular imediatamente o seu integral. Como<br />
(# ⊗ m) é uma medida,<br />
<br />
N<br />
∞<br />
fd# =(# ⊗ m)(ΩN(s)) = (# ⊗ m)( An × In) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
∞<br />
∞<br />
= (# ⊗ m)(An × In) == #(An) × m(]0, an[) = an.<br />
Por outras palavras, a soma <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> termos não-negativos é também<br />
um integral <strong>de</strong> Lebesgue (em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> contagem). Se f muda <strong>de</strong><br />
sinal, temos então<br />
<br />
∞<br />
|f|d# = |an|,<br />
X<br />
e as funções #-somáveis correspon<strong>de</strong>m às séries absolutamente convergentes.<br />
É simples mostrar que, para as funções #-somáveis, temos igualmente<br />
<br />
X<br />
fd# =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
an.<br />
A questão da mensurabilida<strong>de</strong> das secções <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis é<br />
<strong>de</strong> importância fundamental, conforme vimos no Capítulo anterior, quando<br />
estudámos o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue e as suas múltiplas consequências.<br />
No que se segue, se E ⊆ X × Y , x ∈ X, e y ∈ Y , consi<strong>de</strong>ramos apenas<br />
secções dos tipos Ex = {y ∈ Y : (x,y) ∈ E}, e E y = {x ∈ X : (x,y) ∈ E}.<br />
Demonstraremos mais adiante uma versão (5.7.6) muito geral do teorema <strong>de</strong><br />
Fubini-Lebesgue, mas po<strong>de</strong>mos provar imediatamente o seguinte resultado.<br />
Teorema 5.1.10. Sejam (X, M) e (Y, N) espaços mensuráveis quaisquer.<br />
Se E ∈ M ⊗ N, i.e., se E é M ⊗ N-mensurável, então<br />
n=1<br />
a) Para qualquer x ∈ X, a secção Ex ⊆ Y é N-mensurável, e<br />
b) Para qualquer y ∈ Y , a secção E y ⊆ X é M-mensurável.<br />
c) Se E ⊆ X, f : E → R é M-mensurável, e λ ≥ 0, então os conjuntos<br />
n=1<br />
F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ}, e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ}<br />
são M-mensuráveis para qualquer λ.
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 301<br />
Demonstração. Seja A a classe formada por todos os conjuntos E ⊆ X ×Y ,<br />
cujas secções Ex e E y são mensuráveis, nos espaços apropriados.<br />
Observamos que:<br />
A = {E ⊆ X × Y : Ex ∈ N,∀x∈X, e E y ∈ M, ∀y∈Y } .<br />
(i) A classe A contém todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e<br />
B ∈ N: Basta notar que:<br />
(A × B)x =<br />
B, se x ∈ A<br />
∅, se x ∈ A,<br />
, e (A × B) y =<br />
(ii) A classe A é uma σ-álgebra: Observamos que:<br />
Se E =<br />
(E c ) x = (Ex) c ,(E c ) y = (E y ) c , e,<br />
∞<br />
En, então Ex =<br />
n=1<br />
∞<br />
(En)x, e E y =<br />
n=1<br />
Como M e N são σ-álgebras, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />
E ∈ M ⊗ N ⇒ E c ∈ M ⊗ N, e En ∈ M ⊗ N ⇒<br />
A, se y ∈ B<br />
∅, se y ∈ B,<br />
∞<br />
(En) y .<br />
n=1<br />
∞<br />
En ∈ M ⊗ N.<br />
Como a classe M ⊗ N é, por <strong>de</strong>finição, a menor σ-álgebra que contém<br />
todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e B ∈ N, e A é, também,<br />
uma σ-álgebra que contém estes conjuntos, concluímos que M ⊗ N ⊆ A, o<br />
que <strong>de</strong>monstra a) e b).<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c) fica para o exercício 8.<br />
Exemplo 5.1.11.<br />
o espaço <strong>de</strong> Lebesgue: O produto <strong>de</strong> σ-álgebras <strong>de</strong> Lebesgue não é uma<br />
σ-álgebra <strong>de</strong> Lebesgue. Sabemos que<br />
n=1<br />
A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ) =⇒ A × B ∈ L(R N+M ),<br />
e, por esta razão, continua a ser válida a conclusão:<br />
L(R N ) ⊗ L(R M ) ⊆ L(R N+M ).<br />
No entanto, existem conjuntos E ∈ L(R N+M ) cujas secções não são, todas,<br />
Lebesgue-mensuráveis. Por exemplo, se A tem medida nula, então A × B é<br />
Lebesgue-mensurável, mesmo que B o não seja. Concluímos, <strong>de</strong>ste facto, e do<br />
teorema anterior, que<br />
(i) L(R N ) ⊗ L(R M ) = L(R N+M ).
302 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Aplicando a <strong>de</strong>finição 5.1.8 ao espaço <strong>de</strong> Lebesgue (R N , L(R N ), mN), então<br />
(ii) f : R N → R é L(R N )-mensurável ⇔ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R), e<br />
Aplicando a <strong>de</strong>finição “original” 3.1.1, temos<br />
(iii) f : R N → R é L-mensurável ⇔ Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ).<br />
Apesar <strong>de</strong> L(R N ) ⊗ L(R) = L(R N+1 ), a discrepância entre (ii) e (iii) é apenas<br />
aparente, e <strong>de</strong>ixamos como exercício (12) verificar que<br />
Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ) =⇒ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R).<br />
Por outras palavras, a classe das funções L-mensuráveis, no sentido <strong>de</strong> 3.1.1, é<br />
a classe das funções L(R N )-mensuráveis, no sentido <strong>de</strong> 5.1.8.<br />
As i<strong>de</strong>ias sobre funções simples generalizam-se, sem qualquer dificulda<strong>de</strong>,<br />
ao contexto mais geral <strong>de</strong> um espaço (X, M,µ). Tal como nos espaços <strong>de</strong><br />
Borel e <strong>de</strong> Lebesgue, temos<br />
Lema 5.1.12. Se s : S → R é simples em E ⊆ S ⊆ X, então s é M-mensurável<br />
em S se e só se existe uma partição finita P do conjunto A =<br />
{x ∈ E : s(x) = 0}, em conjuntos M-mensuráveis, P = {A1,A2, · · · ,An},<br />
tais que s é constante em cada conjunto Ai.<br />
Continuamos a dizer que a partição P é apropriada à função s, no<br />
conjunto E, se é formada por conjuntos mensuráveis, s é constante em cada<br />
conjunto em P, e P é uma cobertura do conjunto A. As fórmulas para<br />
o cálculo <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> funções simples que vimos em 3.4.4 mantêm-se<br />
inalteradas:<br />
Proposição 5.1.13 (Integrais <strong>de</strong> funções simples). Seja s : S → R simples<br />
M-mensurável em S, e P = {A1,A2, · · · ,An} uma partição apropriada a<br />
s. Se s(x) = αi quando x ∈ Ai, então:<br />
a) s é somável em S se e só se n i=1 |αi|µ(Ai) < +∞.<br />
b) Se o integral <strong>de</strong> s em or<strong>de</strong>m a µ existe, <br />
S sdµ = n i=1 αiµ(Ai).<br />
Demonstração. Demonstramos apenas b), e para o caso s ≥ 0. Como Ai ∈<br />
M, os conjuntos Ri = Ai×]0,αi[ são M ⊗ B(R)-mensuráveis. temos<br />
<br />
E<br />
ΩE(s) = Ω +<br />
E (s) =<br />
sdµ = (µ ⊗ m)(ΩE(s)) =<br />
n<br />
Ai×]0,αi[, don<strong>de</strong><br />
i=1<br />
n<br />
(µ ⊗ m)(Ai×]0,αi[) =<br />
i=1<br />
n<br />
αiµ(Ai).<br />
i=1
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 303<br />
Exemplo 5.1.14.<br />
espaços <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>: Seja (X, M, µ) um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s, e<br />
s : X → R uma variável aleatória simples. Suponha-se que s assume os valores<br />
a1, a2, · · · , an, respectivamente, nos conjuntos A1, A2, · · · , An. Na terminologia<br />
usual da teoria das probabilida<strong>de</strong>s, temos:<br />
• O conjunto Ai é o acontecimento “s(x) = ai”,<br />
• µ(Ai) é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ai, i.e., a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “s(x) = ai”.<br />
O integral <strong>de</strong> s em or<strong>de</strong>m a µ é<br />
<br />
X<br />
sdµ =<br />
n<br />
αiµ(Ai),<br />
e é claramente o valor médio (ou expectável) da variável aleatória s.<br />
i=1<br />
O teorema 5.1.7 não contém nenhuma afirmação sobre a unicida<strong>de</strong> da<br />
medida µ ⊗ m. Portanto, não é por enquanto claro se a <strong>de</strong>finição 5.1.8 é<br />
ambígua, no que diz respeito ao valor do integral <strong>de</strong> uma função em or<strong>de</strong>m<br />
à medida µ. No entanto, é óbvio do lema 5.1.13 que essa ambiguida<strong>de</strong> não<br />
existe para funções simples M-mensuráveis. Veremos no teorema 5.2.11 que<br />
as funções M-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções simples Mmensuráveis,<br />
o que nos permitirá mostrar que o integral tal como <strong>de</strong>finido<br />
em 5.1.8 é único.<br />
Antes <strong>de</strong> passarmos à <strong>de</strong>monstração do teorema 5.1.7, notamos que este<br />
é mais um “problema <strong>de</strong> extensão”, análogo aos problemas <strong>de</strong> Borel, <strong>de</strong><br />
Lebesgue, e <strong>de</strong> Stieltjes. Num problema <strong>de</strong>ste tipo, dada uma classe C <strong>de</strong><br />
subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo S, e uma função λ : C → [0,+∞] <strong>de</strong>finida<br />
apenas para os conjuntos em C, preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>terminar um espaço <strong>de</strong> medida<br />
(S, A,ρ) que seja extensão <strong>de</strong> (S, C,λ), i.e., tal que<br />
A ⊇ C e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ C.<br />
As i<strong>de</strong>ias que usámos para resolver o problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m<br />
ser adaptadas para resolver problemas mais gerais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que certas<br />
hipóteses auxiliares apropriadas sejam satisfeitas. A técnica base não sofre<br />
qualquer modificação, e consiste em<br />
• Usar a função “original” λ para <strong>de</strong>finir uma medida exterior λ ∗ ,<br />
• Consi<strong>de</strong>rar a σ-álgebra Mλ ∗, formada pelos conjuntos λ∗ -mensuráveis,<br />
• Tomar ρ igual à restrição da medida exterior λ ∗ à σ-álgebra A = Mλ ∗.
304 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
P(S)<br />
Mλ ∗<br />
C<br />
Figura 5.1.2: As funções λ : C → [0,+∞], ρ : Mλ ∗ → [0,+∞], e λ∗ :<br />
P(S) → [0,+∞].<br />
Teorema 5.1.15. Seja C ⊆ P(S), e λ : C → [0,+∞] uma função não<br />
i<strong>de</strong>nticamente +∞, e σ-aditiva em C. Supomos que C é uma semi-álgebra<br />
em S, e uma cobertura sequencial <strong>de</strong> S. Definimos λ∗ : P(S) → [0, ∞] por<br />
λ ∗ <br />
∞<br />
∞<br />
<br />
(E) = inf λ(En) : E ⊆ En, com En ∈ C .<br />
Temos então que<br />
n=1<br />
a) λ ∗ é uma medida exterior em S, e portanto a restrição <strong>de</strong> λ ∗ à classe<br />
Mλ ∗, formada pelos conjuntos λ∗ -mensuráveis, é uma medida ρ.<br />
b) ρ é uma extensão <strong>de</strong> λ, i.e., C ⊆ Mλ∗, e ρ(E) = λ(E), para qualquer<br />
E ∈ C.<br />
Demonstração. a) é imediato <strong>de</strong> 2.5.4 e 2.5.15. Para verificar b), mostramos<br />
primeiro que<br />
(i) λ ∗ (E) = λ(E), para qualquer E ∈ C:<br />
Demonstração. Se E ∈ C, po<strong>de</strong>mos tomar, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ ∗ (E),<br />
E1 = E, e, para n > 1, En = ∅. Obtemos imediatamente que<br />
λ ∗ (E) ≤ λ(E). Por outro lado, como λ é σ-aditiva na semi-álgebra C,<br />
é igualmente σ-subaditiva em C, e, portanto, se E,En ∈ E, temos<br />
E ⊆<br />
∞<br />
En =⇒ λ(E) ≤<br />
n=1<br />
n=1<br />
λ ∗<br />
∞<br />
λ(En) =⇒ λ(E) ≤ λ ∗ (E).<br />
n=1<br />
Concluímos que λ ∗ (E) = λ(E), quando E ∈ C.<br />
Deixamos como exercício a seguinte afirmação, análoga a 2.2.10:<br />
ρ<br />
λ
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 305<br />
(ii) E ∈ Mλ ∗ ⇔ λ(C) = λ∗ (C ∩ E) + λ ∗ (C ∩ E c ), para qualquer C ∈ C.<br />
(iii) C ⊆ Mλ ∗.<br />
Demonstração. Se E,C ∈ C, então C ∩ E,C ∩ E c ∈ C, porque C é<br />
uma semi-álgebra. Como λ ∗ (C) = λ(C) para C ∈ C, e λ é aditiva em<br />
C, temos λ∗ (C ∩ E) + λ∗ (C ∩ Ec ) = λ(C ∩ E) + λ(C ∩ Ec ) = λ(C).<br />
Concluímos <strong>de</strong> (ii) que C ⊆ Mλ∗, o que termina a verificação <strong>de</strong> b).<br />
Se C é uma álgebra em S, o teorema (5.1.15) po<strong>de</strong> enunciar-se como o:<br />
Corolário 5.1.16 (Teorema <strong>de</strong> Extensão <strong>de</strong> Hahn ( 1 )). Se C é uma álgebra<br />
em S, λ : C → [0, ∞], e λ(∅) = 0, então existe um espaço <strong>de</strong> medida (S, A,ρ)<br />
que é extensão <strong>de</strong> (S, C,λ) se e só se λ é σ-aditiva em C.<br />
Demonstração. Basta observar que se C é uma álgebra em S, então é uma<br />
cobertura sequencial <strong>de</strong> S.<br />
Exemplo 5.1.17.<br />
A <strong>de</strong>finição que <strong>de</strong>mos da medida <strong>de</strong> Lebesgue é uma aplicação directa do<br />
teorema 5.1.15. Neste caso, temos S = R N , po<strong>de</strong>mos tomar C = E(R N ), ou<br />
C = J (R N ), e é claro que λ = cN é o conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />
Designamos por R a classe dos conjuntos da forma A×B, on<strong>de</strong> A ∈ M e<br />
B ∈ B(R), que chamaremos aqui “rectângulos”, e <strong>de</strong>finimos λ : R → [0,+∞]<br />
por λ(A × B) = µ(A)m(B). Para <strong>de</strong>monstrar o teorema 5.1.7, seguiremos<br />
os seguintes passos:<br />
• Provamos que λ é σ-aditiva em R. Usaremos aqui o teorema <strong>de</strong> Beppo<br />
Levi, tal como se aplica no espaço <strong>de</strong> Lebesgue usual.<br />
• Introduzimos a classe C = E, dos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong><br />
“rectângulos” em R, que diremos serem conjuntos “elementares”.<br />
• Definimos λ em toda a classe E, usando a aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> λ em R.<br />
• Mostramos que E é uma álgebra em S = X × R, e usamos o teorema<br />
<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn.<br />
Proposição 5.1.18. λ é σ-aditiva, e portanto aditiva, na classe R.<br />
1 Hans Hahn, austríaco, 1879-1934, mais conhecido pelo “Teorema <strong>de</strong> Hahn-Banach”<br />
da Análise Funcional.
306 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Supomos que An ∈ M, Bn ∈ B(R), e os “rectângulos”<br />
An × Bn são disjuntos. Temos a provar que, se A ∈ M, B ∈ B(R), e<br />
A × B =<br />
∞<br />
An × Bn, então µ(A)m(B) =<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(An)m(Bn).<br />
As secções <strong>de</strong>stes conjuntos, para y ∈ R fixo, são muito fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar.<br />
(An × Bn) y =<br />
An, se y ∈ Bn,<br />
∅, se y ∈ Bn,<br />
n=1<br />
, e (A × B) y =<br />
A, se y ∈ B,<br />
∅, se y ∈ B.<br />
As seguintes i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são trivialmente válidas para qualquer y ∈ R:<br />
µ((A × B) y ) = µ(A)χB(y), e µ((An × Bn) y ) = µ(An)χBn(y).<br />
As secções (An × Bn) y são, também, conjuntos disjuntos, e<br />
µ((A × B) y ) =<br />
(A × B) y =<br />
∞<br />
(An × Bn) y , don<strong>de</strong><br />
n=1<br />
∞<br />
µ((An × Bn) y ), i.e., µ(A)χB(y) =<br />
n=1<br />
∞<br />
µ(An)χBn(y).<br />
Esta última i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser integrada termo-a-termo, <strong>de</strong> acordo com o<br />
teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, porque é uma série <strong>de</strong> funções Borel-mensuráveis,<br />
não-negativas. Temos, por isso:<br />
µ(A)m(B) =<br />
∞<br />
µ(An)m(Bn), ou λ(A × B) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
∞<br />
λ(An × Bn).<br />
Sendo E a classe dos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong> conjuntos em R,<br />
e que dizemos conjuntos “elementares”, notamos agora que, analogamente<br />
ao que observámos em 1.1.9, e em 1.1.10, temos:<br />
n=1<br />
Proposição 5.1.19. Se E é “elementar”, i.e., se E ∈ E então<br />
a) E é uma união finita <strong>de</strong> “rectângulos” em R disjuntos, e<br />
b) Se P = {A1 × B1,A2 × B2, · · · ,Am × Bm} e Q = {C1 × D1,C2 ×<br />
D2, · · · ,Cn × Dn} são partições <strong>de</strong> E em “rectângulos” em R, então<br />
m<br />
λ(Aj × Bj) =<br />
j=1<br />
n<br />
λ(Ck × Dk).<br />
k=1
5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 307<br />
Demonstração. Basta-nos observar que a classe R é fechada em relação a<br />
intersecções, e a diferença <strong>de</strong> dois conjuntos em R é uma união disjunta<br />
finita <strong>de</strong> conjuntos em R. A <strong>de</strong>monstração po<strong>de</strong>, portanto, ser concluída<br />
como no caso <strong>de</strong> 1.1.9.<br />
Tal como no Capítulo 1, alargamos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ aos conjuntos “elementares”:<br />
Definição 5.1.20. Se E ∈ E e P = {A1 ×B1,A2 ×B2, · · · ,An ×Bn} é uma<br />
partição <strong>de</strong> E em conjuntos <strong>de</strong> R, <strong>de</strong>finimos<br />
λ(E) =<br />
n<br />
λ(Aj × Bj) =<br />
j=1<br />
n<br />
µ(Aj)m(Bj).<br />
O seguinte resultado é uma consequência quase trivial <strong>de</strong> 5.1.18:<br />
Proposição 5.1.21. λ é σ-aditiva, e portanto aditiva, na álgebra E.<br />
j=1<br />
Segue-se do teorema <strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn (5.1.16) que<br />
Teorema 5.1.22. Existe um espaço <strong>de</strong> medida (X × R, N,ρ) tal que<br />
R ⊆ E ⊆ N, e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ E.<br />
Como a σ-álgebra N referida acima contém a classe R, é claro que<br />
M ⊗ B(R) ⊆ N.<br />
A medida ρ está assim <strong>de</strong>finida, em particular, em M ⊗ B(R), e <strong>de</strong>signamos<br />
por µ ⊗ m a sua restrição a M ⊗ B(R). Esta observação termina a <strong>de</strong>monstração<br />
do teorema 5.1.7. Note-se para posterior referência que<br />
5.1.23. Se E ∈ M ⊗ B(R) então<br />
∞<br />
µ ⊗ m(E) = inf{ µ(An)m(Bn) : E ⊆<br />
n=1<br />
∞<br />
An × Bn,An ∈ M,Bn ∈ B(R)}.<br />
Algumas proprieda<strong>de</strong>s elementares do integral <strong>de</strong> Lebesgue resultam da<br />
invariância da medida <strong>de</strong> Lebesgue, em relação a translacções, e reflexões.<br />
As proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> invariância da medida µ ⊗ m são mais limitadas, e<br />
resumem-se em geral ao que chamaremos aqui <strong>de</strong> invariância em relação<br />
a “translacções verticais”, e a “reflexões em X”. Para <strong>de</strong>finir este tipo <strong>de</strong><br />
“translacções” e “reflexões”, seja A ⊆ X ×R (ver a figura 5.1.3). Escrevemos<br />
os pontos <strong>de</strong> X × R na forma (x,y), on<strong>de</strong> x ∈ X, e y ∈ R. Se z ∈ R, então<br />
• B = {(x,y + z) ∈ X × R : (x,y) ∈ A} é uma translação vertical<br />
<strong>de</strong> A, e<br />
n=1
308 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
R<br />
B<br />
A<br />
C<br />
Figura 5.1.3: translação e reflexão <strong>de</strong> A.<br />
• C = {(x, −y) ∈ X × R : (x,y) ∈ A} é a reflexão <strong>de</strong> A em X.<br />
Proposição 5.1.24. Seja A ⊆ X × R, e B e C como <strong>de</strong>scrito acima.<br />
a) Invariância sob translacções verticais: B é M ⊗ B(R)-mensurável se<br />
e só se A é M⊗B(R)-mensurável, e neste caso µ⊗m(A) = µ⊗m(B).<br />
b) Invariância sob reflexões em X: C é M⊗B(R)-mensurável se e só se<br />
A é M ⊗ B(R)-mensurável, e neste caso µ ⊗ m(A) = µ ⊗ m(C).<br />
Demonstração. A invariância da classe M ⊗ B(R) em relação às operações<br />
indicadas é o exercício 11. A invariância da medida ρ em relação às mesmas<br />
operações é uma consequência directa da evi<strong>de</strong>nte invariância da medida<br />
exterior λ ∗ em relação a essas operações.<br />
Exercícios.<br />
1. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.15. sugestão: Tem apenas que provar a<br />
afirmação (ii) referida na <strong>de</strong>monstração.<br />
2. Seja S = {1, 2, 3}, C = {∅, {1},{2, 3}, S}, e λ : C → [0, +∞[ dada por<br />
λ(E) = #(E). Definimos λ∗ : P(X) → [0, +∞[ por:<br />
λ ∗ <br />
∞<br />
∞<br />
<br />
(E) = inf λ(En) : E ⊆ En, com En ∈ C, para qualquer n ∈ N .<br />
n=1<br />
n=1<br />
a) Determine a classe Mλ ∗ dos conjuntos λ∗ -mensuráveis.<br />
b) Prove que Mλ∗ não é a maior álgebra on<strong>de</strong> existe uma extensão <strong>de</strong> λ.<br />
z<br />
X
5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 309<br />
3. Mantendo a notação <strong>de</strong> 5.1.15, mostre que<br />
a) Mλ ∗ é a maior σ-álgebra que contém C, e on<strong>de</strong> λ∗ é uma medida.<br />
Se o espaço (S, Mλ∗, ρ) é σ-finito, temos ainda<br />
b) ρ é a única extensão <strong>de</strong> λ a σ-álgebras A ⊆ Mλ∗, e<br />
c) (S, Mλ∗, ρ) é a menor extensão completa <strong>de</strong> λ.<br />
4. Sendo f : R → R, calcule o integral <strong>de</strong> f em R, em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Dirac.<br />
5. Calcule o integral da função <strong>de</strong> Dirichlet em R, em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Cantor.<br />
6. Consi<strong>de</strong>re o espaço (N, P(N), #), e sejam f, g : N → [0, ∞] sucessões não<br />
negativas. Seja ainda λ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g. Mostre que<br />
<br />
fdλ = fgd#.<br />
N<br />
7. Se E ⊆ X, e µ(E) = 0, é necessariamente verda<strong>de</strong> que qualquer função<br />
f : E → R é µ-somável em E, e <br />
fdµ = 0?<br />
E<br />
8. Mostre que, se f : E → [0, ∞] é M-mensurável e λ ≥ 0, então os conjuntos<br />
F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ} são M-mensuráveis<br />
(5.1.10 c)).<br />
9. Mostre que se s : X → R é simples, e f(X) = {a1, · · · , an}, então f é Mmensurável<br />
se e só se os conjuntos Ak = f −1 (ak) são M-mensuráveis (Lema<br />
5.1.12).<br />
10. Mostre que se s : X → R é simples e assume os valores a1, a2, · · · , an<br />
respectivamente nos conjuntos mensuráveis A1, A2, · · · , An, e E ∈ M, então<br />
temos <br />
N<br />
E sdµ = n<br />
k=1 akµ(Ak ∩E), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que s seja não-negativa, ou somável.<br />
11. Mostre que M ⊗ B(R) é sempre fechada em relação a translacções verticais<br />
e reflexões em X.<br />
12. Mostre que Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ) =⇒ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R). (5.1.11).<br />
13. Se o espaço (X, M, µ) é completo, o espaço (X × R, M ⊗ B(R), µ ⊗ m) é<br />
sempre completo?<br />
5.2 Funções Mensuráveis e Integrais<br />
As proprieda<strong>de</strong>s elementares do integral <strong>de</strong> Lebesgue, tal como <strong>de</strong>monstradas<br />
na secção 3.1, mantêm-se essencialmente inalteradas. Para generalizar os<br />
respectivos enunciados para o contexto <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida arbitrário<br />
(X, M,µ), basta em geral supor que as funções em causa estão <strong>de</strong>finidas
310 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
em subconjuntos <strong>de</strong> X, substituir as referências à medida <strong>de</strong> Lebesgue mN<br />
por referências a µ, e ler as expressões “mensurável” e “somável”, respectivamente,<br />
como “M-mensurável” e “µ-somável”. Esta observação é igualmente<br />
válida para <strong>de</strong>finições, e usamos como exemplo 3.1.3:<br />
Definição 5.2.1 (Funções Vectoriais: Mensurabilida<strong>de</strong> e Integral). Se E ⊆<br />
S ⊆ X, e f : S → R M , don<strong>de</strong> f = (f1,f2, · · · ,fM), com fk : S → R, então<br />
a) f é M-mensurável em E se e só se as funções fk são M-mensuráveis<br />
em E, para 1 ≤ k ≤ M, no sentido <strong>de</strong> 5.1.8.<br />
b) f é µ-somável em E se e só as funções fk são µ-somáveis em E.<br />
c) Se f é M-mensurável em E, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f (em<br />
or<strong>de</strong>m a µ) em E é dado por<br />
<br />
E<br />
<br />
fdµ =<br />
E<br />
<br />
f1dµ, f2dµ, · · · , fMdµ ,<br />
E<br />
E<br />
sempre que todos os integrais <strong>de</strong> Lebesgue à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />
Exemplo 5.2.2.<br />
funções mensuráveis complexas: Seja f : X → C uma função complexa,<br />
don<strong>de</strong> f(x) = u(x) + iv(x), com u, v : X → R. A função f é M-mensurável<br />
se e só se as funções u, e v são M-mensuráveis, e o integral <strong>de</strong> f é dado por<br />
<br />
fdµ = udµ + i vdµ,<br />
E<br />
sempre que existem os integrais <strong>de</strong> u e <strong>de</strong> v no conjunto E.<br />
E<br />
Em particular, os enunciados e <strong>de</strong>monstrações dos resultados 3.1.7 a<br />
3.1.13 não requerem qualquer alteração substancial. Ilustramos este facto<br />
com a proposição 3.1.13, que po<strong>de</strong> ser ligeiramente simplificada com terminologia<br />
introduzida no Capítulo anterior.<br />
Teorema 5.2.3. Se f : X → R é M-mensurável, e se f ≥ 0 µ-qtp, ou se f<br />
é µ-somável, e<br />
<br />
λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M,<br />
então λ é uma medida em M, e λ ≪ µ.<br />
E<br />
Demonstração. Provamos este teorema apenas para f não-negativa. Para<br />
mostrar que λ é uma medida positiva basta-nos provar que λ é σ-aditiva, já<br />
E
5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 311<br />
que λ(∅) = 0. Consi<strong>de</strong>ramos conjuntos disjuntos e M-mensuráveis En tais<br />
que E = ∞ n=1 En, e observamos que:<br />
∞<br />
ΩE(f) = ΩEn(f), on<strong>de</strong> os conjuntos ΩEn(f) são disjuntos, don<strong>de</strong><br />
n=1<br />
(µ ⊗ m)(ΩE(f)) =<br />
∞<br />
(µ ⊗ m)(ΩEn(f)), i.e., λ(E) =<br />
n=1<br />
Como ΩE(f) ⊆ E × R, é claro que, se µ(E) = 0, então<br />
∞<br />
λ(En).<br />
n=1<br />
0 ≤ λ(E) = (µ ⊗ m)(ΩE(f)) ≤ (µ ⊗ m)(E × R) = µ(E)m(R) = 0.<br />
Alguns dos enunciados que apresentámos não são válidos para qualquer<br />
espaço <strong>de</strong> medida, e requerem entre as suas hipóteses proprieda<strong>de</strong>s mais específicas<br />
do espaço em causa. Por exemplo, a proprieda<strong>de</strong> 3.1.5 é válida se<br />
o espaço (X, M,µ) for completo, e o teorema 3.1.12 é válido para espaços<br />
σ-finitos. Em certos casos, po<strong>de</strong> ser vantajoso enfraquecer as conclusões,<br />
sem per<strong>de</strong>r generalida<strong>de</strong> nas hipóteses. Por exemplo, o teorema 3.1.12 po<strong>de</strong><br />
ser modificado como se segue<br />
Teorema 5.2.4. Seja E ⊆ X, e f : E → R. Então( 2 )<br />
ΩE(f) ∈ M ⊗ B(R) ⇐⇒ ΣE(f) ∈ M ⊗ B(R) =⇒<br />
(µ ⊗ m)(ΩE(f)) = (µ ⊗ m)(ΣE(f)).<br />
Os teoremas sobre limites e integrais que estudámos na secção 3.2 são,<br />
essencialmente, corolários do teorema da convergência monótona para medidas,<br />
que é válido para qualquer medida. Estes resultados são por isso<br />
aplicáveis em qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ).<br />
O lema 3.2.1 é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição das funções em<br />
causa, ou seja, é aplicável a funções fn : E → R, com E ⊆ X. O teorema<br />
3.2.2, que é sobretudo um corolário <strong>de</strong>ste lema, po<strong>de</strong> agora ser enunciado<br />
como se segue:<br />
Teorema 5.2.5. Se as funções fn : E → R são M-mensuráveis em E ⊆ X,<br />
então as funções <strong>de</strong>finidas como se segue são M-mensuráveis em E:<br />
g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N},h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N},<br />
G(x) = lim supfn(x),H(x)<br />
= lim inf<br />
n→∞<br />
n→∞ fn(x)<br />
Se f(x) = lim<br />
n→∞ fn(x) para qualquer x ∈ E então f é M-mensurável em E.<br />
2 +<br />
Os conjuntos ΣE(f) = Σ E (f) ∪ Σ−<br />
E (f) <strong>de</strong>finem-se por<br />
Σ +<br />
E(f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y ≤ f(x)},<br />
Σ −<br />
E(f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y ≥ f(x)}.
312 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Este teorema, combinado com o teorema da convergência monótona <strong>de</strong><br />
Lebesgue para medidas, conduz directamente aos clássicos resultados sobre<br />
limites e integrais, correspon<strong>de</strong>ntes aos teoremas 3.2.3 a 3.2.7, que não têm<br />
qualquer alteração nos respectivos enunciados:<br />
Teorema 5.2.6 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi). Se as funções fn : E → [0,+∞]<br />
são M-mensuráveis em E ⊆ X, e formam uma sucessão crescente, então<br />
f(x) = limn→∞ fn(x) é M-mensurável em E, e<br />
<br />
lim<br />
n→∞ fndµ<br />
<br />
= lim fndµ.<br />
n→∞<br />
E<br />
Teorema 5.2.7 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II)). Se as funções fn : E →<br />
[0,+∞] são M-mensuráveis em E ⊆ X, e formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente,<br />
então f(x) = limn→∞ fn(x) é M-mensurável em E, e se alguma<br />
função fn é µ-somável, então<br />
<br />
lim<br />
n→∞ fndµ<br />
<br />
= lim fndµ.<br />
n→∞<br />
E<br />
Lema 5.2.8 (Lema <strong>de</strong> Fatou). Se as funções fn : E → [0,+∞] são Mmensuráveis<br />
em E ⊆ X, então<br />
<br />
lim inf<br />
n→∞ fndµ<br />
<br />
≤ lim inf fndµ.<br />
n→∞<br />
E<br />
Teorema 5.2.9 (Lema <strong>de</strong> Fatou (II)). Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />
M-mensuráveis em E ⊆ X, e existe uma função µ-somável F : E → [0,+∞]<br />
tal que fn(x) ≤ F(x), µ-qtp em E, então<br />
<br />
lim sup<br />
n→∞<br />
E<br />
fndµ ≤<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E<br />
lim supfndµ.<br />
n→∞<br />
Estes resultados provam-se com adaptações óbvias dos argumentos que<br />
apresentámos em 3.2. Ilustramos esta afirmação com a <strong>de</strong>monstração do<br />
teorema <strong>de</strong> Beppo Levi.<br />
Demonstração. Sabemos que f(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} é M-mensurável,<br />
<strong>de</strong> acordo com 5.2.5. Sabemos igualmente que<br />
Ω + E (f) =<br />
∞<br />
n=1<br />
Ω + E (fn).<br />
Como os conjuntos Ω +<br />
E (fn) formam uma sucessão crescente, segue-se, do<br />
teorema da convergência monótona para medidas 2.1.13, que<br />
(µ ⊗ m)(Ω +<br />
E (fn)) → (µ ⊗ m)(Ω +<br />
<br />
E (f)), i.e., fndµ → fdµ.<br />
E<br />
E
5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 313<br />
A proposição 3.4.6, sobre funções simples mensuráveis, mantem-se inalterada,<br />
exactamente com a mesma <strong>de</strong>monstração:<br />
Proposição 5.2.10. Seja E ⊆ S ⊆ X, c ∈ R, e s,t : S → R funções<br />
simples M-mensuráveis em E. Temos então:<br />
a) cs, s + , s − , |s|, s + t, e st são simples, e M-mensuráveis em E.<br />
Se s e t são não-negativas em E, ou se s e t são µ-somáveis em E,<br />
temos ainda<br />
b) Aditivida<strong>de</strong>: <br />
(s + t)dµ = sdµ + E tdµ.<br />
E<br />
c) Homogeneida<strong>de</strong>: <br />
E<br />
E<br />
(cs)dµ = c(<br />
E sdµ).<br />
Os resultados sobre funções mensuráveis que estudámos em 3.4 resultam,<br />
em larga medida, das funções mensuráveis serem limites <strong>de</strong> funções simples<br />
mensuráveis, como provámos em 3.4.7. Este último resultado é também<br />
válido em qualquer espaço <strong>de</strong> medida.<br />
Teorema 5.2.11. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ X, então f é M-mensurável<br />
se e só existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples M-mensuráveis sn : E → R<br />
tais que sn(x) → f(x), e |sn(x)| ր |f(x)|. Neste caso, e se f ≥ 0, ou se f<br />
é µ-somável, temos ainda que<br />
<br />
sndµ → fdµ.<br />
E<br />
O teorema 3.4.9, sobre operações algébricas que envolvem funções com<br />
valores em R, não requer qualquer adaptação:<br />
Teorema 5.2.12. Se f,g : E → R são M-mensuráveis, então<br />
a) A função fg é M-mensurável em E.<br />
b) As funções f +g e f −g são M-mensuráveis, nos conjuntos on<strong>de</strong> estão<br />
<strong>de</strong>finidas.<br />
O teorema 5.2.13 é uma versão abstracta <strong>de</strong> 3.4.10, e é um corolário<br />
directo <strong>de</strong> 5.2.11, tal como 3.4.10 é um corolário <strong>de</strong> 3.4.7.<br />
Teorema 5.2.13. Sejam f,g : E → R M-mensuráveis em E, e c ∈ R. Se<br />
f,g ≥ 0 em E, ou se f e g são finitas e µ-somáveis em E, então<br />
a) Aditivida<strong>de</strong>: <br />
E (f + g)dµ = E fdµ + E gdµ.<br />
b) Homogeneida<strong>de</strong>: <br />
E<br />
E<br />
(cf)dµ = c<br />
E fdµ .<br />
O teorema 3.4.12, sobre limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções mensuráveis, é<br />
também completamente geral.
314 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Teorema 5.2.14. Se as funções fn : E → R são M-mensuráveis em E ⊆<br />
X, F ⊆ E é o conjunto on<strong>de</strong> existe limn→∞ fn(x), e f : F → R é dada por<br />
f(x) = limn→∞ fn(x), então f é M-mensurável em F.<br />
Os diversos critérios <strong>de</strong> mensurabilida<strong>de</strong> que vimos em 3.4.15, e aplicáveis<br />
a funções <strong>de</strong>finidas em conjuntos mensuráveis, não sofrem qualquer alteração.<br />
Teorema 5.2.15. Seja E ⊆ X um conjunto M-mensurável. Se f : E → R,<br />
então as seguintes condições são equivalentes:<br />
a) {x ∈ E : f(x) > λ} é M-mensurável, para qualquer λ ∈ R.<br />
b) f −1 (I) é M-mensurável, para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />
c) f é M-mensurável em E.<br />
O resultado em 3.4.17, relativo à composição com funções Borel-mensuráveis,<br />
é aplicável in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da natureza da σ-álgebra M:<br />
Teorema 5.2.16. Seja E ⊆ R N um conjunto M-mensurável, e f1, f2,<br />
· · ·, fM : E → R funções M-mensuráveis em E. Se f = (f1,f2, · · · ,fM),<br />
e g : R M → R é Borel-mensurável, então a composta h = g ◦ f é Mmensurável<br />
em E.<br />
A relação “≃” <strong>de</strong> equivalência entre funções, i.e., <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> qtp, é<br />
facilmente generalizável a espaços <strong>de</strong> medida arbitrários. Se f,g : X → R,<br />
dizemos que f ≃ g se e só se µ({x ∈ X : f(x) = g(x)} = 0. Designaremos<br />
por Fµ(E) o espaço das classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> funções f : E → R Mmensuráveis<br />
em E, e por L 1 µ(E) o correspon<strong>de</strong>nte espaço das classes <strong>de</strong><br />
funções µ-somáveis. Este espaço é um espaço vectorial normado, com a<br />
norma f 1 = <br />
E |f|dµ.<br />
Exemplo 5.2.17.<br />
o espaço ℓ1 : Se µ é a medida <strong>de</strong> contagem, então a relação ≃ é a igualda<strong>de</strong><br />
usual, i.e., f ≃ g ⇔ f = g. O espaço Fµ(N) é o conjunto <strong>de</strong> todas as sucessões<br />
reais, e o espaço L1 µ(N) é formado pelas sucessões reais tais que ∞ n=1 |f(n)| <<br />
∞. Este espaço é usualmente <strong>de</strong>signado por ℓ1 .<br />
O Teorema da Convergência Dominada po<strong>de</strong> enunciar-se como se segue:<br />
Teorema 5.2.18 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />
fn ∈ L1 µ (E), suponha-se que existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal<br />
que |fn(x)| ≤ F(x), µ-qtp em E, e limn→∞ fn(x) existe µ-qtp em E. Seja<br />
ainda f(x) = limn→∞ fn(x) on<strong>de</strong> este limite existe. Temos então<br />
a) f ∈ L 1 µ (E),<br />
b) fn → f em L 1 µ(E), e em particular,
5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 315<br />
c) <br />
E fndµ → <br />
E fdµ, quando n → ∞.<br />
Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />
• As funções fn e F são finitas em E,<br />
• f(x) = limn→∞ fn(x), para qualquer x ∈ E, e<br />
• |fn(x)| ≤ F(x), também para qualquer x ∈ E.<br />
A função f é M-mensurável em E. Como |f(x)| ≤ F(x), concluímos que f é<br />
µ-somável e finita em E. Consi<strong>de</strong>ramos as funções auxiliares gn = |fn −f| ≥<br />
0, e aplicamos o Lema <strong>de</strong> Fatou (II), para concluir que<br />
<br />
<br />
lim sup<br />
n→∞<br />
E<br />
|fn − f|dµ ≤ 0, ou lim<br />
n→∞<br />
Segue-se da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular que<br />
<br />
<br />
0 ≤ <br />
<br />
<br />
fndµ −<br />
<br />
<br />
fdµ <br />
≤<br />
<br />
E<br />
E<br />
E<br />
E<br />
|fn − f|dµ = 0.<br />
|fn − f|dµ → 0.<br />
Os teoremas sobre a integração <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> funções mensuráveis não<br />
sofrem modificações, e L1 µ (E) é sempre um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
Teorema 5.2.19. Se as funções fn : E → [0,+∞] são M-mensuráveis,<br />
então<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
dµ =<br />
<br />
fndµ .<br />
E<br />
n=1<br />
fn<br />
n=1<br />
Teorema 5.2.20. Suponha-se que fn ∈ L1 µ (E) e<br />
Temos então que:<br />
∞<br />
fn1 =<br />
n=1<br />
∞<br />
<br />
(<br />
n=1<br />
E<br />
E<br />
|fn|dµ) < +∞.<br />
a) A série ∞<br />
n=1 fn(x) converge absolutamente µ-qtp em E,<br />
b) Existem funções M-mensuráveis f : E → R tais que f(x) = ∞<br />
n=1 fn(x),<br />
µ-qtp em E, e<br />
c) Se f : E → R é M-mensurável em E e f(x) = ∞<br />
n=1 fn(x), µ-qtp em<br />
E, então f é µ-somável em E, e<br />
<br />
lim<br />
m→∞<br />
E<br />
|f −<br />
m<br />
<br />
fn(x)|dµ = 0, don<strong>de</strong><br />
n=1<br />
E<br />
∞<br />
( fn)dµ =<br />
n=1<br />
∞<br />
<br />
(<br />
n=1<br />
E<br />
fndµ).
316 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Corolário 5.2.21. Se fn ∈ L1 µ(E) e ∞ n=1 fn1 < +∞, então existe f ∈<br />
L1 µ(E) tal que m n=1 fn − f1 → 0. Em particular, L1 µ(E) é um espaço <strong>de</strong><br />
Banach.<br />
Vimos na secção 3.6 diversos resultados sobre a aproximação <strong>de</strong> funções<br />
mensuráveis por funções contínuas, dos quais o principal é o teorema <strong>de</strong><br />
Vitali-Luzin. Estes resultados po<strong>de</strong>m ser facilmente adaptados a qualquer<br />
medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes regular e σ-finita, e são válidos em particular<br />
para qualquer medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finita, como é o caso<br />
da própria medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />
Supomos então que µ é uma medida positiva σ-finita, <strong>de</strong>finida e regular<br />
em M ⊇ B(R N ). O argumento utilizado para <strong>de</strong>monstrar o corolário 3.6.2<br />
é aplicável a µ, <strong>de</strong> acordo com o corolário 4.4.12 e), e temos portanto<br />
Lema 5.2.22. Sendo E ⊆ R N um conjunto mensurável com µ(E) < ∞, e<br />
ε > 0, existe f ∈ Cc(R N ) tal que<br />
0 ≤ f ≤ 1, e µ({x ∈ R N : f(x) = χE(x)}) < ε.<br />
É simples generalizar o teorema 3.6.3 para qualquer espaço <strong>de</strong> medida,<br />
e obtemos assim uma versão mais geral do:<br />
Teorema 5.2.23 (<strong>de</strong> Vitali-Luzin). Seja f : R N → [0,1] uma função Mmensurável<br />
que é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita.<br />
Se ε > 0, então existe g ∈ Cc(R N ) tal que<br />
0 ≤ g ≤ 1, e µ x ∈ R N : f(x) = g(x) < ε.<br />
Os corolários do teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin que apresentámos na secção<br />
3.6 são aplicáveis com adaptações óbvias ao presente contexto. Deve notarse<br />
apenas que 3.6.7 requer uma modificação mais significativa, porque só é<br />
válido para medidas completas. Po<strong>de</strong>mos enunciá-lo como se segue, supondo<br />
que (R N , Mµ,µ) é a menor extensão completa do espaço <strong>de</strong> medida original:<br />
Corolário 5.2.24. Seja f : R N → R finita µ-qtp. Temos então,<br />
a) Se f é M-mensurável existem funções contínuas fn : R N → R tais<br />
que fn(x) → f(x) µ-qtp em R N .<br />
b) f é Mµ-mensurável se e só se existem funções contínuas fn : R N → R<br />
tais que fn(x) → f(x) µ-qtp em R N .<br />
Aproveitamos para generalizar a noção <strong>de</strong> integral <strong>de</strong> Lebesgue em or<strong>de</strong>m<br />
à medida positiva µ para o caso em que µ é real (ou complexa) no espaço<br />
(X, M), e f é uma função M-mensurável.
5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 317<br />
Definição 5.2.25 (Integral em or<strong>de</strong>m a medidas reais). Se f : X → R é<br />
M-mensurável em E ⊆ X, e µ é uma medida real em M, o integral <strong>de</strong> f<br />
em E, em or<strong>de</strong>m a µ é dado por:<br />
<br />
fdµ =<br />
E<br />
E<br />
fdµ + <br />
− fdµ<br />
E<br />
− ,<br />
se os integrais em or<strong>de</strong>m às medidas positivas µ + e µ − estão <strong>de</strong>finidos, e a<br />
expressão acima não conduz a in<strong>de</strong>terminações.<br />
Dizemos que f é µ-somável em E se e só se <br />
E fdµ < ∞.<br />
Exemplos 5.2.26.<br />
1. Se µ é uma medida real então f é µ-somável em E se e só se f é |µ|-somável<br />
em E, no sentido da <strong>de</strong>finição 5.1.8.<br />
2. Se µ é uma medida complexa então µ = α+iβ, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais,<br />
e po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir <br />
fdµ = fdα + i fdβ,<br />
X X X<br />
sempre que os integrais à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />
3. Se µ é uma medida real então L1 µ (E) = L1 |µ| (E), e o integral <strong>de</strong>finido φ :<br />
L1 <br />
µ (E) → R, dado por φ(f) = fdµ é uma transformação linear. Se µ é<br />
E<br />
positiva a transformação é também monótona, i.e., f ≤ g ⇒ φ(f) ≤ φ(g).<br />
É interessante observar que, na expressão <br />
X fdµ, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar,<br />
em alternativa, a função f como fixa, e a medida µ como variável. Por<br />
exemplo, se f : E → R é mensurável e limitada em E, então é µ-somável,<br />
qualquer que seja a medida real µ <strong>de</strong>finida em M.<br />
Exemplos 5.2.27.<br />
1. Seja M(B(R N )) o espaço <strong>de</strong> todas as medidas reais <strong>de</strong>finidas em B(R N ).<br />
Se f : R N → R é B-mensurável e limitada em E ⊆ R N , po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir<br />
Ψ : M(B(R N )) → R por<br />
<br />
Ψ(µ) =<br />
E<br />
fdµ.<br />
2. Em particular, se f ∈ C0(R N ) e µ ∈ M(B(R N )), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir<br />
<br />
〈f, µ〉 =<br />
R N<br />
fdµ.<br />
φ(f) = 〈f, µ〉 é um funcional linear em C0(R N ), e o teorema 5.2.28 mostra que<br />
φ é contínuo na norma <strong>de</strong> L ∞ . Mostra igualmente que Ψ(µ) = 〈f, µ〉 é um<br />
funcional linear contínuo no espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N )).( 3 )<br />
3 Um dos famosos Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz afirma que todos os funcionais<br />
lineares contínuos no espaço <strong>de</strong> Banach C0(R N ) (com a norma <strong>de</strong> L ∞ ) são da forma<br />
φ(f) = 〈f, µ〉, com µ ∈ M(B(R N )), conforme veremos mais adiante.
318 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
O próximo teorema indica algumas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sugeridas por estas observações.<br />
A respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 9.<br />
Teorema 5.2.28. Seja f : X → R uma função M-mensurável, e µ e λ<br />
medidas <strong>de</strong>finidas em (X, M). Temos então:<br />
a) Aditivida<strong>de</strong>: Se f, µ e λ são não-negativas, ou se f é µ-somável e<br />
λ-somável, <br />
<br />
fd(µ + λ) = fdµ + fdλ.<br />
X<br />
X<br />
b) Homogeneida<strong>de</strong>: Se f, µ e c ∈ R são não-negativos, ou se f é µsomável<br />
e c ∈ R, <br />
fd(cµ) = c fdµ .<br />
X<br />
c) Desigualda<strong>de</strong> Triangular: Se f é µ-somável,<br />
X<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
X<br />
<br />
<br />
fdµ <br />
≤<br />
<br />
X<br />
X<br />
|f|d(|µ|).<br />
d) Continuida<strong>de</strong>: Supondo que f∞ = sup{|f(x)| : x ∈ X} < ∞, e<br />
sendo µ = |µ|(X) < ∞, então f é µ-somável, e<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
fdµ <br />
≤ f∞ µ.<br />
Exercícios.<br />
X<br />
1. Seja (X, Mµ, µ) a menor extensão completa <strong>de</strong> (X, M, µ). Prove que f :<br />
E → R é Mµ-mensurável em E se e só se existe uma função g : E → R,<br />
M-mensurável em E, tal que g ≃ f em E.<br />
2. Prove que o gráfico da função M-mensurável f tem medida µ⊗m nula, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que o espaço (X, M, µ) seja σ-finito, ou a função f seja µ-somável. sugestão:<br />
suponha primeiro que µ(X) < +∞.<br />
3. Consi<strong>de</strong>re o espaço (R, P(R), #), e a função f : R → R dada por f(x) = x.<br />
a) Determine a medida (# ⊗ m)(GE(f)).<br />
b) Determine as funções A(x) = m(GE(f)x), e B(y) = #(GE(f) y ). Determine<br />
igualmente os integrais <br />
Ad#, e R Bdm.<br />
R<br />
4. Dado um espaço (X, M, µ), consi<strong>de</strong>re uma função M-mensurável f : X →<br />
[0, +∞], e seja λ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido. Mostre que se g : X →<br />
[0, +∞] é M-mensurável então <br />
gdλ = gfdµ. Se g : X → R é µ-somável<br />
E E<br />
temos necessariamente que g : X → R é λ-somável? sugestão: Suponha<br />
primeiro que g é simples.
5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 319<br />
5. Sejam µ e ν medidas em M, e µ a menor extensão completa <strong>de</strong> µ.<br />
a) Qual é a relação entre os espaços L 1 µ e L 1 µ ?<br />
b) Sendo δn a usual medida <strong>de</strong> Dirac no ponto n ∈ N, o que são os espaços<br />
L1 δ0 (R), L1∆n (R), e L1∆ (R), quando<br />
∆n =<br />
n<br />
∞<br />
δk e ∆ = δn?<br />
k=1<br />
6. Suponha que f : X → R é µ-somável. Prove que para qualquer ε > 0 existe<br />
δ > 0 tal que, para qualquer conjunto M-mensurável E,<br />
<br />
<br />
<br />
µ(E) < δ =⇒ <br />
fdµ <br />
≤<br />
<br />
|f|dµ < ε.<br />
E<br />
7. Suponha que o espaço (X, M, µ) é completo, f : X → R, e f(x) = 0, µ-qtp<br />
em X. A função f é sempre M-mensurável?<br />
8. Sejam f, g : R → R funções crescentes e contínuas à direita, com <strong>de</strong>rivadas<br />
generalizadas µ e λ.<br />
a) Mostre que se f e g são contínuas então é válida a seguinte fórmula <strong>de</strong><br />
integração por partes:<br />
b b<br />
fdλ + gdµ = f(b)g(b) − f(a)g(a)<br />
a<br />
a<br />
b) A fórmula anterior é válida, mesmo que f e/ou g não sejam contínuas?<br />
c) Supondo que µ e λ são medidas reais, a fórmula anterior é válida, quando<br />
f e g são contínuas?<br />
d) Suponha que h : R → R é B-mensurável, e prove a seguinte fórmula <strong>de</strong><br />
integração por substituição:<br />
<br />
h ◦ fdµ = hdm<br />
E<br />
E<br />
f(E)<br />
9. Demonstre o teorema 5.2.28. Po<strong>de</strong> ser conveniente provar primeiro:<br />
a) Se f é simples, mensurável e não negativa, e µ e λ são medidas positivas,<br />
então <br />
<br />
X fd(µ + λ) = X fdµ + X fdλ.<br />
b) Se<br />
f é mensurável e não negativa, e µ e λ são medidas positivas, então<br />
fd(µ + λ) = fdµ + X fdλ.<br />
X<br />
X<br />
5.3 O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue<br />
Dado um espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), e uma função M-mensurável f nãonegativa,<br />
ou µ-somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido, dado por<br />
<br />
λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M,<br />
E<br />
n=1
320 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
é sempre uma medida λ ≪ µ, como vimos em 5.2.3. Bastante mais difícil <strong>de</strong><br />
esclarecer é a questão <strong>de</strong> saber se qualquer medida λ ≪ µ é, efectivamente,<br />
um integral in<strong>de</strong>finido em or<strong>de</strong>m a µ. A resposta (afirmativa) a esta questão<br />
é o Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym ( 4 ), que será discutido e <strong>de</strong>monstrado nesta<br />
secção, e que se po<strong>de</strong> resumir informalmente como se segue:<br />
As medidas absolutamente contínuas são os integrais in<strong>de</strong>finidos.<br />
Veremos, simultaneamente, que qualquer medida λ <strong>de</strong>finida em (X, M) po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>composta <strong>de</strong> forma única como uma soma λ = λa+λs <strong>de</strong> duas medidas,<br />
on<strong>de</strong> λa é absolutamente contínua em relação a µ, e λs é singular em relação<br />
a µ. Esta afirmação é o Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue, e o par<br />
(λa,λs) é a Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ.<br />
Exemplos 5.3.1.<br />
1. A medida <strong>de</strong> Dirac δ, no espaço <strong>de</strong> Lebesgue (R, L(R), m), não é um integral<br />
in<strong>de</strong>finido, porque δ é singular em relação a m.<br />
2. A medida <strong>de</strong> Cantor ξ não é um integral in<strong>de</strong>finido no espaço (R, L(R), m),<br />
porque ξ é igualmente singular. Se λ = m + ξ + δ, então a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />
Lebesgue <strong>de</strong> λ é (m, ξ + δ).<br />
A <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue foi mencionada no exercício 3 da secção<br />
4.2. Define-se formalmente como se segue:<br />
Definição 5.3.2 (Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue ). Se λ e µ são medidas em<br />
(X, M), uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ é um par<br />
<strong>de</strong> medidas (λa,λs) em (X, M), tais que:<br />
a) λ = λa + λs, e<br />
b) λa ≪ µ, e λs⊥µ.<br />
O seguinte resultado <strong>de</strong>ve ser conhecido, do exercício mencionado:<br />
Proposição 5.3.3. Sejam λ e µ medidas em (X, M).<br />
a) Se λ ≪ µ e λ⊥µ, então λ = 0,<br />
b) Se (λa,λs) e (λ∗ a ,λ∗s ) são <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação<br />
a µ, então λa = λ∗ a , e λs = λ∗ s .<br />
No que se segue nesta secção, todas as medidas mencionadas estão<br />
<strong>de</strong>finidas num espaço mensurável fixo (X, M). O nosso principal objectivo<br />
é a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>:<br />
4 De Radon e Otto M. Nikodym, 1889-1974, matemático polaco, e colaborador <strong>de</strong><br />
Radon.
5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 321<br />
Teorema 5.3.4 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue (I)). Se λ e µ são medidas<br />
positivas σ-finitas, existe uma função M-mensurável f : X → [0,+∞] e<br />
uma medida positiva ν⊥µ tal que<br />
<br />
λ(E) = fdµ + ν(E) para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
Como o integral in<strong>de</strong>finido da função f é uma medida absolutamente<br />
contínua em relação a µ, este teorema estabelece também a existência da<br />
<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ. A unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>composição<br />
é a proposição 5.3.3, e portanto a medida ν e a classe <strong>de</strong> equivalência<br />
<strong>de</strong> f em Fµ(X) são únicos.<br />
Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrarmos o teorema 5.3.4 exploramos algumas das suas<br />
consequências mais imediatas. Se λ ≪ µ, obtemos:<br />
Teorema 5.3.5 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym (I)). Se λ e µ são medidas positivas<br />
σ-finitas, e λ ≪ µ, existe uma função M-mensurável f : X → [0,+∞] tal<br />
que<br />
<br />
λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
Demonstração. De acordo com 5.3.4, existe uma função M-mensurável f :<br />
X → [0,+∞] e uma medida positiva ν⊥µ tal que<br />
<br />
λ(E) =<br />
E<br />
fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M.<br />
Como λ ≪ µ, o par (λ,0) é a (única) <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ. É<br />
por isso evi<strong>de</strong>nte que ν = 0.<br />
Os resultados anteriores são facilmente adaptados a medidas reais.<br />
Teorema 5.3.6 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue (II)). Se µ é uma medida<br />
positiva σ-finita, e λ é uma medida real, existe f ∈ L1 µ (X) e uma medida<br />
real ν⊥µ tal que<br />
<br />
λ(E) = fdµ + ν(E) para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
Demonstração. Sendo λ = λ + − λ − a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> λ, é claro<br />
que λ + e λ − são medidas positivas finitas em (X, M). O teorema 5.3.4<br />
é aplicável às medidas λ + e λ − , don<strong>de</strong> existem funções M-mensuráveis<br />
f+,f− : X → [0,+∞], e medidas positivas ν+, ν−⊥µ tais que<br />
λ ± <br />
(E) =<br />
E<br />
f±dµ + ν±(E), para qualquer E ∈ M.
322 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
É claro que as funções f+, f− e f = f+ − f− são µ-somáveis, as medidas ν+<br />
e ν− são finitas, ν = ν+ − ν− é uma medida real, ν⊥µ, e<br />
<br />
λ(E) = fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
Deixamos como exercício a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
Teorema 5.3.7 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym (II)). Se µ é uma medida positiva<br />
σ-finita, λ é uma medida real, e λ ≪ µ, existe f ∈ L 1 µ(X) tal que<br />
<br />
λ(E) =<br />
E<br />
fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />
A função f que ocorre na <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue diz-se:<br />
Definição 5.3.8 (Derivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym). Se λ, µ, e ν são medidas,<br />
e<br />
<br />
λ(E) = fdµ + ν(E),<br />
E<br />
é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, dizemos que f é a<br />
<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, e escrevemos f = dλ<br />
dµ .<br />
Exemplos 5.3.9.<br />
1. Consi<strong>de</strong>re-se, no espaço (R, B(R), m), a medida λ = ρ + ξ, on<strong>de</strong> ξ é a medida<br />
<strong>de</strong> Cantor, e ρ é o integral in<strong>de</strong>finido da função exponencial f(x) = e x .<br />
Como ρ é absolutamente contínua, e ξ é singular, então λ = ρ + ξ é a <strong>de</strong>com-<br />
posição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, e a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym dλ<br />
dm<br />
é, evi<strong>de</strong>ntemente, a função exponencial.<br />
2. Como ξ é singular, a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym dξ<br />
dm<br />
é nula.<br />
A noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym é aplicável em circunstâncias<br />
muito gerais( 5 ), e on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>rivada no sentido usual do termo po<strong>de</strong> não ter<br />
qualquer significado. Po<strong>de</strong>mos no entanto comparar a <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong><br />
uma função f : R → R com a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym da sua <strong>de</strong>rivada<br />
generalizada µ, supondo que µ existe. Deve ser claro que do Capítulo<br />
anterior que<br />
5 Cauchy parece ter tido algumas noções intuitivas sobre este conceito, e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> absoluta, já em 1841. Discutiu <strong>de</strong> forma algo vaga a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “magnitu<strong>de</strong>s<br />
coexistentes”, mas o exemplo que utilizou é muito sugestivo: a massa e o volume <strong>de</strong> um<br />
corpo, on<strong>de</strong>, na terminologia mo<strong>de</strong>rna, a massa é a medida λ, o volume é a medida µ, e é<br />
a medida <strong>de</strong> Lebesgue, e a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym é a função “<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>”.
5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 323<br />
• O Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue (4.7.13 e 4.7.14) é o teorema<br />
<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas na recta real, e mostra que<br />
neste caso dµ<br />
dm = f ′ .<br />
• Se µ é uma medida absolutamente contínua na recta real, então<br />
– O 1 o Teorema Fundamental do Cálculo afirma que dµ<br />
dm = f ′ , e<br />
– O 2 o Teorema Fundamental do Cálculo é essencialmente o teorema<br />
<strong>de</strong> Radon-Nikodym.<br />
Passamos à <strong>de</strong>monstração do teorema 5.3.4, que organizamos numa sequência<br />
<strong>de</strong> resultados parciais auxiliares. O argumento que utilizamos baseia-se<br />
numa observação muito natural: supondo que λ e µ são medidas positivas<br />
em (X, M), e temos<br />
<br />
λ(E) = fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M,<br />
E<br />
on<strong>de</strong> ν é também uma medida positiva, é evi<strong>de</strong>nte que<br />
<br />
(5.3.1) fdµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
É por isso razoável procurar a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m<br />
a µ na classe das funções que satisfazem a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> 5.3.1, e é <strong>de</strong> esperar<br />
que esta <strong>de</strong>rivada seja a maior solução para esta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>.<br />
Definição 5.3.10. Seja Dλ a classe das funções M-mensuráveis g : X →<br />
[0,+∞] tais que<br />
<br />
gdµ ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
É fácil obter sucessões crescentes em Dλ.<br />
Lema 5.3.11. Se gk ∈ Dλ e fn = max{gk : k ≤ n}, então fn ∈ Dλ.<br />
Demonstração. Basta-nos consi<strong>de</strong>rar n = 2, por razões óbvias. Se g =<br />
f2 = max{g1,g2}, então g é uma função M-mensurável e não-negativa, e os<br />
conjuntos F1 = {x ∈ X : g(x) = g1(x)}, e F2 = F c 1 são mensuráveis. É claro<br />
que f(x) = g2(x) para x ∈ F2. Portanto, e sendo E ∈ M, temos:<br />
<br />
gdµ = gdµ + gdµ = g1dµ + g2dµ ≤<br />
E<br />
E∩F1<br />
E∩F2<br />
E∩F1<br />
≤λ(E ∩ F1) + λ(E ∩ F2) = λ(E),<br />
E∩F2<br />
dado que g1,g2 ∈ Dλ, e λ é uma medida. Concluímos que g ∈ Dλ.
324 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Como Dλ = ∅, po<strong>de</strong>mos introduzir a seguinte <strong>de</strong>finição auxiliar:<br />
Definição 5.3.12. A função π : M → [0, ∞] é dada por<br />
<br />
π(E) = sup{ gdµ : g ∈ Dλ}.<br />
E<br />
É evi<strong>de</strong>nte que π(E) ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M. Provamos a seguir<br />
que π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função f ∈ Dλ, sob a hipótese adicional<br />
<strong>de</strong> λ e µ serem medidas finitas.<br />
Lema 5.3.13. Se λ e µ são medidas positivas finitas, existe f ∈ Dλ tal que<br />
π(E) = <br />
E fdµ para E ∈ M.<br />
Demonstração. Como π(X) = sup{ <br />
X gdµ : g ∈ Dλ}, existem funções gn ∈<br />
Dλ tais que <br />
X gndµ → π(X). Definimos fn = max{g1,g2,g3, · · · ,gn}, e<br />
notamos que as funções fn ∈ Dλ, <strong>de</strong> acordo com 5.3.11.<br />
As funções fn são mensuráveis, não-negativas, e fn(x) ր f(x). Segue-se,<br />
do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, que f é uma função mensurável não-negativa, e<br />
<br />
fndµ ր fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />
E<br />
Como <br />
E fndµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M, temos <br />
E<br />
f ∈ Dλ.<br />
E<br />
fdµ ≤ λ(E), i.e.,<br />
Para mostrar que π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, note-se primeiro que, para<br />
E = X, temos: <br />
<br />
fndµ ր π(X) = fdµ.<br />
X<br />
Seja E ∈ M, e g ∈ Dλ. Sendo h = max{f,g}, segue-se <strong>de</strong> 5.3.11 que h ∈ Dλ.<br />
Por <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> π, temos<br />
<br />
<br />
fdµ + fdµ = fdµ = π(X) ≥ hdµ ≥ gdµ +<br />
Ec fdµ.<br />
E<br />
E c<br />
Concluímos que<br />
<br />
π(E) ≥ fdµ ≥<br />
E<br />
É assim evi<strong>de</strong>nte que π(E) = <br />
E<br />
X<br />
X<br />
X<br />
gdµ, para qualquer E ∈ M, e qualquer g ∈ Dλ.<br />
E<br />
fdµ, i.e., π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f.<br />
Acabámos <strong>de</strong> provar que π é um integral in<strong>de</strong>finido, e é, por isso, uma<br />
medida absolutamente contínua em relação a µ. Para concluir a <strong>de</strong>monstração<br />
<strong>de</strong> 5.3.4, para o caso em que λ e µ são medidas positivas finitas,<br />
resta-nos mostrar que a diferença ν = λ − π é singular em relação a µ.<br />
E
5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 325<br />
Lema 5.3.14. Se λ e µ são medidas positivas finitas, e π é <strong>de</strong>finido por<br />
5.3.12, então ν = λ − π é uma medida positiva finita, e ν⊥µ.<br />
Demonstração. λ e π são medidas positivas finitas e λ ≥ π, don<strong>de</strong> ν = λ−π<br />
é uma medida positiva finita. Consi<strong>de</strong>ramos as medidas reais νn = ν − 1<br />
n µ, e<br />
<strong>de</strong>signamos por (Pn,Nn) uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para νn. Registamos<br />
que<br />
(1) Se P =<br />
∞<br />
Pn e N =<br />
n=1<br />
∞<br />
Nn, então X = P ∪ N, e P ∩ N = ∅.<br />
n=1<br />
Como N ⊆ Nn para qualquer n, temos<br />
νn(N) = ν(N) − 1<br />
1<br />
µ(N) ≤ 0, ou ν(N) ≤<br />
n n µ(N).<br />
Fazendo n → +∞, obtemos ν(N) = 0, e portanto<br />
(2) ν está concentrada em P.<br />
Seja agora f a função referida no lema 5.3.13, cujo integral in<strong>de</strong>finido é π.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos a função hn = f + 1<br />
nχPn, e notamos que hn é uma função<br />
mensurável não-negativa. Designamos o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> hn por φn.<br />
Provamos em seguida que hn pertence a Dλ, ou seja, que φn(E) ≤ λ(E)<br />
para qualquer E ∈ M. Como π = λ − ν, um cálculo simples mostra que<br />
φn(E) = π(E) + 1<br />
n µ(E ∩ Pn) = λ(E) − ν(E) + 1<br />
n µ(E ∩ Pn) =<br />
= λ(E) − ν(E ∩ Nn) − ν(E ∩ Pn) + 1<br />
n µ(E ∩ Pn) =<br />
= λ(E) − ν(E ∩ Nn) − νn(E ∩ Pn).<br />
Como ν ≥ 0 e Pn é νn-positivo, temos ν(E ∩ Nn) ≥ 0 e νn(E ∩ Pn) ≥ 0.<br />
Portanto,<br />
φn(E) = λ(E) − ν(E ∩ Nn) − νn(E ∩ Pn) ≤ λ(E), ou seja, hn ∈ Dλ.<br />
Concluímos que µ(Pn) = 0, porque<br />
<br />
hndµ = fdµ + 1<br />
n µ(Pn)<br />
<br />
≤ π(X) =<br />
X<br />
Como P = ∪ ∞ n=1 Pn, é claro que µ(P) = 0, i.e.,<br />
Segue-se <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que ν⊥µ.<br />
X<br />
(3) µ está concentrada em N.<br />
X<br />
fdµ.
326 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
A <strong>de</strong>monstração do Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas<br />
σ-finitas é uma generalização relativamente simples <strong>de</strong>stes argumentos.<br />
Demonstração. Se as medidas µ e λ são σ-finitas, existem conjuntos Mmensuráveis<br />
Xn, que po<strong>de</strong>mos supor disjuntos, tais que<br />
X =<br />
∞<br />
Xn, on<strong>de</strong> µ(Xn) < +∞, e λ(Xn) < +∞.<br />
n=1<br />
Definimos medidas λn, e µn, por<br />
λn(E) = λ(E ∩ Xn), e µn(E) = µ(E ∩ Xn).<br />
As medidas λn e µn são finitas, e estão concentradas em Xn. Existem, por<br />
isso, funções M-mensuráveis não-negativas fn : X → [0,+∞], e medidas<br />
positivas finitas νn, em ambos os casos concentradas em Xn, tais que<br />
<br />
λn(E) = fndµn + νn(E), para qualquer E ∈ M, e νn⊥µn.<br />
E<br />
É simples verificar que <br />
E fndµn = <br />
E fndµ. Temos, portanto,<br />
<br />
(1) λn(E) = fndµ + νn(E), para qualquer E ∈ M.<br />
Definimos<br />
Segue-se <strong>de</strong> (1) que:<br />
(2) λ(E) =<br />
f(x) =<br />
E<br />
∞<br />
fn(x), e ν(E) =<br />
n=1<br />
∞<br />
λ(E ∩ Xn) =<br />
n=1<br />
<br />
E n=1<br />
∞<br />
νn(E).<br />
n=1<br />
∞<br />
λn(E) =<br />
n=1<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
fndµ + νn(E) =<br />
n=1<br />
E<br />
fdµ + ν(E).<br />
Deixamos para o exercício 3 verificar que ν⊥µ, o que termina a <strong>de</strong>monstração<br />
<strong>de</strong> 5.3.4.<br />
Exemplo 5.3.15.<br />
O teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue não é, em geral, válido, se as medidas<br />
em causa não são σ-finitas. Deixamos para o exercício 1 o estudo dos casos<br />
λ = m, e µ = #, bem como λ = #, e µ = m.<br />
Exercícios.
5.4. Os Espaços L p 327<br />
1. Consi<strong>de</strong>re a medida <strong>de</strong> contagem # e a medida <strong>de</strong> Lebesgue m, ambas<br />
<strong>de</strong>finidas em L(R). Existem <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> # (respectivamente,<br />
m) em relação a m (respectivamente, #)?<br />
2. Demonstre 5.3.7.<br />
3. Para concluir a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym esboçada acima,<br />
mostre que:<br />
a) <br />
E fndµn = <br />
E fndµ.<br />
b) ν⊥µ.<br />
4. Suponha que λ e µ são medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ µ.<br />
a) Mostre que se f é M-mensurável, e não-negativa, então <br />
X<br />
fdλ = <br />
b) Prove que se f ∈ L1 dλ<br />
λ (X) então f dµ ∈ L1 <br />
dλ<br />
µ (X) e fdλ = f X X dµ dµ.<br />
c) Mostre que µ ≪ λ se e só se dλ<br />
dµ<br />
= 0, µ-qtp, e que neste caso dλ<br />
5. Suponha que λ, ν e µ são medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ ν.<br />
a) Prove que dλ<br />
dµ<br />
dλ dν = dν dµ .<br />
dµ<br />
dµ dλ<br />
X<br />
f dλ<br />
dµ dµ.<br />
= 1.<br />
b) Suponha que λ não é absolutamente contínua em relação a ν. A conclusão<br />
anterior mantem-se válida?<br />
6. Suponha que µ, ν, λ, e λn são medidas positivas σ-finitas.<br />
a) Prove que d(λ+ν)<br />
dµ<br />
dλ dν = dµ + dµ .<br />
b) Prove, mais geralmente, que ( 6 )<br />
5.4 Os Espaços L p<br />
<br />
∞<br />
<br />
d<br />
λn =<br />
dµ<br />
n=1<br />
∞<br />
n=1<br />
dλn<br />
dµ .<br />
Na discussão que se segue, i<strong>de</strong>ntificamos ( i.e., tratamos como um único<br />
objecto) funções mensuráveis que diferem entre si num conjunto <strong>de</strong> medida<br />
nula. Sendo (X, M,µ) um espaço <strong>de</strong> medida fixo, introduzimos<br />
Definição 5.4.1 (Funções Equivalentes). Se f,g : X → R são M-mensuráveis,<br />
então f e g dizem-se equivalentes, e escrevemos f ≃ g, quando<br />
µ({x ∈ X : f(x) = g(x)}) = 0, i.e., se e só se f(x) = g(x) µ-qtp.<br />
6 Esta é uma forma abstracta do Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Fubini para séries <strong>de</strong><br />
funções crescentes, a que também chamámos o “pequeno teorema <strong>de</strong> Fubini”.
328 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar facilmente que a relação “≃” é <strong>de</strong> equivalência,<br />
no conjunto <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R. Por esta razão, consi<strong>de</strong>ramos<br />
o conjunto quociente, formado pelas classes <strong>de</strong> equivalência<br />
<strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R, que <strong>de</strong>signaremos aqui Fµ(X).<br />
É muito simples verificar que ( 7 )<br />
Teorema 5.4.2. Fµ(X) é um espaço vectorial.<br />
Diz-se frequentemente que Fµ(X) é o espaço das (classes <strong>de</strong>) funções<br />
mensuráveis, <strong>de</strong>finidas e finitas qtp em X, porque qualquer função M-mensurável<br />
<strong>de</strong>finida µ-qtp, e finita também µ-qtp, <strong>de</strong>termina uma única classe<br />
em Fµ(X), mesmo quando o espaço (X, M,µ) não é completo.<br />
Teorema 5.4.3. Seja f : E → R M-mensurável, e finita µ-qtp em E. Se<br />
µ(E c ) = 0, então:<br />
a) Existe g : X → R, M-mensurável em E, tal que g(x) = f(x), µ-qtp<br />
em E, e<br />
b) Se h : X → R é M-mensurável em X, e h(x) = f(x) µ-qtp em E,<br />
então h ≃ g.<br />
Demonstração. a) A função ˜ f : X → R, que coinci<strong>de</strong> com f no conjunto E,<br />
e é nula em Ec , é mensurável em X. Como H = {x ∈ E : |f(x)| = ∞} é<br />
mensurável, a função g = ˜ fχH c é mensurável. É óbvio que f(x) = g(x), se<br />
x ∈ Ec ∪ H, on<strong>de</strong> µ(Ec ∪ H) = 0, i.e., f(x) = g(x), µ-qtp em E.<br />
b) Os conjuntos A = {x ∈ E : g(x) = f(x)} e B = {x ∈ E : h(x) = f(x)}<br />
são mensuráveis, e têm medida nula. Como {x ∈ X : h(x) = g(x)} ⊆<br />
Ec ∪ A ∪ B, é óbvio que g ≃ h.<br />
A classe <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> f é <strong>de</strong>signada por [f], mas, em geral, escreveremos<br />
simplesmente f, no lugar <strong>de</strong> [f]. Bem entendido, teremos sempre<br />
<strong>de</strong> verificar que as noções que associamos a uma qualquer classe [f] são<br />
efectivamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do representante f escolhido. Por exemplo, se<br />
f ≃ g, e f é somável, é evi<strong>de</strong>nte que g é igualmente somável, e, portanto, é<br />
razoável referirmo-nos a classes <strong>de</strong> equivalência “somáveis”.<br />
Introduzimos imediatamente a seguir uma família <strong>de</strong> subespaços <strong>de</strong> Fµ(X),<br />
ditos os espaços L p , com 1 ≤ p ≤ ∞, que <strong>de</strong>signaremos por L p µ(X). Estes<br />
espaços são <strong>de</strong>finidos em termos das chamadas normas L p . A norma L p<br />
da classe [f] po<strong>de</strong> ser calculada a partir <strong>de</strong> qualquer representante f, e<br />
<strong>de</strong>signa-se por f p .<br />
7 O conjunto F(X), <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R, é, como sabemos, um<br />
espaço vectorial real. A classe N(X), <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : N → R que são<br />
nulas µ-qtp é, claramente, um subespaço vectorial <strong>de</strong> F(X). É fácil mostrar que Fµ(X) é<br />
o quociente F(X)/N(X).
5.4. Os Espaços L p 329<br />
Definição 5.4.4 (Norma L p , Espaços L p ). Se 1 ≤ p < ∞, e f : X → R é<br />
M-mensurável, então ( 8 )<br />
<br />
fp =<br />
X<br />
|f| p 1<br />
p<br />
dµ .<br />
L p µ(X) é formado pelas classes <strong>de</strong> funções com norma Lp finita, i.e.,<br />
L p <br />
<br />
µ (X) = [f] ∈ Fµ(X) : fp < ∞<br />
Veremos que L p µ(X) é, efectivamente, um espaço vectorial normado, com<br />
a norma indicada. Esta afirmação é, em qualquer caso, quase evi<strong>de</strong>nte para<br />
p = 1, on<strong>de</strong> a norma é dada por<br />
<br />
[f]1 = f1 = |f|dµ.<br />
Recor<strong>de</strong>-se, a este respeito, as seguintes observações, que fizémos num contexto<br />
mais restrito já no Capítulo 1, agora reforçadas com os resultados da<br />
secção anterior, e a afirmação final.<br />
• Se f,g ∈ L 1 µ(E), a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f+g1 ≤ f1+g1 é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
triangular usual,<br />
• Se f ∈ L 1 µ (E) e α ∈ R, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> αf1 = |α|f1 resulta directamente<br />
<strong>de</strong> 5.2.13, e<br />
• f1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f] = [0].<br />
A <strong>de</strong>finição do espaço L ∞ µ<br />
auxiliares.<br />
X<br />
(X) requer a introdução <strong>de</strong> algumas noções<br />
Definição 5.4.5 (Majorantes e Minorantes Essenciais). Dizemos que M é<br />
majorante ( respectivamente, minorante) essencial da função f se e<br />
só se f(x) ≤ M, (respectivamente, f(x) ≥ M) µ-qtp em X.<br />
Exemplo 5.4.6.<br />
No espaço (R, L(R), m), qualquer M ≥ 0 é majorante essencial da função <strong>de</strong><br />
Dirichlet, porque a função <strong>de</strong> Dirichlet é nula qtp em R.<br />
Funções equivalentes têm exactamente os mesmos majorantes e minorantes<br />
essenciais, e portanto estas noções são aplicáveis a elementos <strong>de</strong><br />
Fµ(X). Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>:<br />
8 Seguimos a convenção natural <strong>de</strong> tomar (∞) α = ∞, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que α > 0.
330 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Proposição 5.4.7. Se f : X → R é M-mensurável, e A é o conjunto dos<br />
majorantes essenciais <strong>de</strong> f, então o conjunto A tem mínimo.<br />
Definição 5.4.8 (Norma L ∞ , Espaço L ∞ ). Se f : X → R é M-mensurável,<br />
o menor majorante essencial <strong>de</strong> |f| <strong>de</strong>signa-se f∞, e diz-se a norma L ∞<br />
da classe [f]. Definimos ainda L ∞ µ (X) = {[f] ∈ Fµ(X) : f∞ < ∞}.<br />
Deixamos também como exercício a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado:<br />
Proposição 5.4.9. L ∞ µ (X) é um espaço vectorial normado, com a norma<br />
L ∞ <strong>de</strong>finida em 5.4.8.<br />
Exemplos 5.4.10.<br />
1. Designaremos o espaço L p mN (E) por Lp (E), quando E ⊆ R N é um conjunto<br />
Lebesgue-mensurável.<br />
2. Se (X, M, µ) = (N, P(N), #), é tradicional <strong>de</strong>signar o espaço L p<br />
# (N) por ℓp .<br />
Por exemplo, ℓ2 é o espaço das sucessões reais tais que ∞ n=1 x2n < ∞, e ℓ∞ é<br />
o espaço das sucessões reais limitadas.<br />
3. R N é um espaço L p , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞.<br />
Os espaços L p , com 1 < p < ∞, são igualmente espaços vectoriais normados,<br />
mas a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste resultado requer a prévia verificação das<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s ditas <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r( 9 ), e <strong>de</strong> Minkowski( 10 ).<br />
Lema 5.4.11. Se f,g : X → R são funções M-mensuráveis e α ∈ R, então<br />
a) αf p = |α| f p .<br />
b) f p = 0 ⇔ f(x) = 0,µ-q.t.p. em X ⇔ [f] = [0].<br />
c) f p + g p < ∞ =⇒ f + g p ≤ (|f| + |g|) p < ∞.<br />
d) Em particular, L p µ(X) é um subespaço vectorial <strong>de</strong> Fµ(X).<br />
Demonstração. As afirmações a) e b) são evi<strong>de</strong>ntes, para qualquer 1 ≤ p ≤<br />
∞, assim como c), para p = ∞. Passamos a provar c), para p < ∞. Como<br />
a função φ(t) = tp é convexa para t ≥ 0, tomamos s = |f(x)|, t = |g(x)|, e<br />
α = β = 1<br />
2 , para concluir que<br />
1<br />
2p (|f(x)| + |g(x)|)p p |f(x)| + |g(x)|<br />
=<br />
≤<br />
2<br />
1<br />
2 (|f(x)|p + |g(x)| p ) .<br />
9 Otto Ludwig Höl<strong>de</strong>r, 1859-1937, matemático alemão com o nome associado a esta<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, e ao teorema <strong>de</strong> Jordan-Höl<strong>de</strong>r da Teoria dos Grupos. Ensinou nas universida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Göttingen e Tübingen.<br />
10 Hermann Minkowsky, 1864-1909, matemático alemão, professor em Göttingen, com o<br />
nome indissociavelmente ligado ao espaço-tempo quadridimensional da teoria da Relativida<strong>de</strong><br />
Restrita.
5.4. Os Espaços L p 331<br />
A integração <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> conduz imediatamente a<br />
1<br />
1<br />
|f| + |g| p<br />
2p p ≤<br />
2 fp<br />
1<br />
p +<br />
2 gp p < ∞.<br />
Repare-se que as funções f e g são, necessariamente, finitas µ-qtp, e po<strong>de</strong>mos<br />
supor, sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, que f + g é finita e está <strong>de</strong>finida em toda<br />
a parte. Como |f + g| ≤ |f| + |g|, é claro que f + g p ≤ |f| + |g| p < ∞.<br />
A afirmação d) é um corolário imediato <strong>de</strong> a) e c).<br />
Usaremos aqui a seguinte terminologia:<br />
Definição 5.4.12 (Expoentes Conjugados). Se 1 ≤ p,q ≤ ∞, então p e q<br />
são expoentes conjugados se e só se 1 1<br />
1<br />
p + q = 1, on<strong>de</strong> tomamos ∞ = 0.<br />
Observe-se que o único valor <strong>de</strong> p que é conjugado <strong>de</strong> si próprio é p = 2.<br />
Esta observação está relacionado com o facto do espaço L 2 ser o único espaço<br />
L p que é euclidiano( 11 ).<br />
Lema 5.4.13. Se p e q são expoentes conjugados, 1 < p < ∞, então<br />
0 ≤ x,y ≤ ∞ =⇒ xy ≤ 1<br />
p xp + 1<br />
q yq .<br />
Demonstração. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> só não é evi<strong>de</strong>nte se 0 < x,y < ∞. Neste<br />
caso, como a função logaritmo é côncava, e 1 1<br />
p + q = 1, um cálculo simples<br />
mostra que<br />
log( 1<br />
p xp + 1<br />
q yq ) ≥ 1<br />
p log(xp ) + 1<br />
q log(yq ) = log(xy).<br />
A função logaritmo é crescente, e por isso 1<br />
p xp + 1<br />
q yq ≥ xy.<br />
O próximo teorema generaliza a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy-Schwarz( 12 )<br />
para quaisquer expoentes conjugados.<br />
Teorema 5.4.14 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r). Se f,g : X → R são Mmensuráveis,<br />
e p e q são expoentes conjugados, 1 ≤ p ≤ ∞, então<br />
fg 1 ≤ f p g q .<br />
Demonstração. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte se f p g q = ∞, e é muito<br />
simples <strong>de</strong> estabelecer se f p g q = 0, porque, neste último caso, temos<br />
11 O espaço vectorial normado V é euclidiano se e só se a respectiva norma é dada por<br />
v = (v • v) 1 2 , on<strong>de</strong> o símbolo “•” representa um produto interno em V.<br />
12 A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy-Schwarz para integrais é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r com<br />
p = q = 2.
332 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
fg = 0, µ-qtp. Supomos por isso que 0 < f p g q < ∞. Tomamos<br />
F(x) = |f(x)|<br />
f p<br />
, e G(x) = |g(x)|<br />
g . De acordo com o lema 5.4.13, temos<br />
q<br />
F(x)G(x) ≤ 1<br />
p F(x)p + 1<br />
q G(x)q .<br />
Integramos esta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, e como F p = G q = 1, obtemos:<br />
Finalmente, e como<br />
FG1 ≤ 1 1<br />
F p<br />
p +<br />
p q Gq<br />
1 1<br />
q = + = 1.<br />
p q<br />
fg 1<br />
f p g q<br />
= FG 1 ≤ 1, temos fg 1 ≤ f p g q .<br />
Outra das consequências do teorema anterior é a seguinte <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>:<br />
Teorema 5.4.15 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski). Se 1 ≤ p ≤ ∞, então<br />
f,g ∈ L p µ (X) ⇒ f + g ∈ Lp µ (X), e f + g p ≤ f p + g p .<br />
Demonstração. Limitamo-nos a consi<strong>de</strong>rar aqui os casos 1 < p < ∞. Definimos<br />
h = (|f| + |g|) p−1 , e registamos que<br />
(|f| + |g|) p = h|f| + h|g|.<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r aplicada aos produtos h|f| e h|g| conduz a:<br />
<br />
(1) (|f| + |g|) p <br />
dµ = h|f|dµ + h|g|dµ ≤ hq fp + hq gp .<br />
X<br />
X<br />
O lado esquerdo <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é naturalmente dado por:<br />
<br />
(2) (|f| + |g|) p dµ = |f| + |g| p<br />
p .<br />
Como (p − 1)q = p, temos<br />
h q<br />
q =<br />
<br />
(|f| + |g|) (p−1)q <br />
dµ =<br />
X<br />
X<br />
(3) h q =<br />
X<br />
X<br />
(|f| + |g|) p dµ = |f| + |g| p<br />
p , ou<br />
p<br />
q<br />
|f| + |g| p Usando (2) e (3) na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (1), obtemos<br />
|f| + |g| p<br />
p ≤<br />
<br />
|f| + |g| p<br />
p<br />
q <br />
f p + g p<br />
É claro que nada temos a provar se |f| + |g|p = 0. Caso contrário, dividi-<br />
p<br />
q<br />
mos a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> anterior por |f| + |g| p , e notamos que p − p<br />
q = 1,<br />
don<strong>de</strong><br />
f + gp ≤ |f| + |g|p ≤ fp + gp .<br />
.<br />
<br />
.
5.4. Os Espaços L p 333<br />
Este resultado, associado ao lema 5.4.11, torna o seguinte corolário essencialmente<br />
evi<strong>de</strong>nte.<br />
Corolário 5.4.16. L p µ(X) é um espaço vectorial normado com a norma<br />
<strong>de</strong> L p µ(X). Em particular, L 2 µ(X) é um espaço euclidiano, com o produto<br />
interno f • g = <br />
X fgdµ.<br />
As noções topológicas básicas, que <strong>de</strong>vem ser conhecidas pelo menos<br />
do espaço R N , adaptam-se facilmente ao contexto <strong>de</strong> um qualquer espaço<br />
vectorial normado.<br />
Definição 5.4.17 (Topologia em V). Sejam V e W espaços vectoriais normados<br />
reais. Se v ∈ V (respectivamente, w ∈ W), <strong>de</strong>signamos por v<br />
(respectivamente, w ′ ), as correspon<strong>de</strong>ntes normas.<br />
a) A bola aberta <strong>de</strong> centro em v e raio ε > 0 é o conjunto Bε(v) =<br />
{u ∈ V : u − v < ε}.<br />
b) O conjunto U ⊆ V é aberto se e só se, para qualquer v ∈ U, existe<br />
ε > 0 tal que Bε(v) ⊆ U. Se U é aberto, e v ∈ U, dizemos que U é<br />
uma vizinhança <strong>de</strong> v. A família O = {U ⊆ V : U é aberto em V} é<br />
a topologia do espaço V.<br />
c) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn ∈ V converge para v ∈ V se e só se<br />
vn − v → 0, quando n → ∞. Em particular, se f,fn ∈ L p µ(X), e<br />
fn − f p → 0, dizemos que fn converge para f em L p .<br />
d) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn ∈ V é fundamental se e só se<br />
vn − vm → 0, quando n,m → ∞.<br />
e) A função f : V → W é contínua em v ∈ V se e só se para qualquer<br />
ε > 0 existe δ > 0 tal que u − v < δ ⇒ f(u) − f(v) ′ < ε.<br />
Usaremos no que se segue, e sem mais comentários, noções que se <strong>de</strong>rivam<br />
<strong>de</strong>stas sem qualquer dificulda<strong>de</strong>, como, por exemplo, as <strong>de</strong> interior, exterior,<br />
fronteira, e fecho <strong>de</strong> qualquer conjunto U ⊆ V.<br />
Exemplos 5.4.18.<br />
1. O teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> ser enunciado como<br />
se segue: Se fn → f pontualmente em X, e existe g ∈ L 1 µ(X) tal que |fn(x)| ≤<br />
g(x) µ-qtp em X, então fn também converge para f em L 1 . Um resultado<br />
análogo é válido em L p (exercício 4).<br />
2. O integral <strong>de</strong>finido φ : L1 µ(X) → R é um funcional contínuo em L1 µ(X):<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
|φ(f) − φ(g)| = <br />
fdµ − gdµ <br />
<br />
X X<br />
≤<br />
<br />
|f − g|dµ = f − g1 .<br />
X
334 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
3. Seja U ⊂ L 1 (R) formado pelas classes <strong>de</strong> funções que têm algum representante<br />
f ∈ Cc(R). É usual escrever U = Cc(R), não distinguindo “funções” <strong>de</strong><br />
“classes <strong>de</strong> equivalência” <strong>de</strong> funções, para evitar sobrecarregar a notação utilizada<br />
( 13 ). Com esta convenção, o corolário 3.6.8 afirma que Cc(R) é <strong>de</strong>nso<br />
em L 1 (R), i.e., Cc(R) = L 1 (R).<br />
4. Deixamos para o exercício 7 verificar que, se 1 ≤ p, q < ∞, então Lp µ (X) ∩<br />
Lq µ(X) é <strong>de</strong>nso em Lp µ(X).<br />
É muito interessante observar que as <strong>de</strong>finições apresentadas em 5.4.17<br />
c), d) e e), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m apenas da topologia do espaço em causa, i.e., da família<br />
formada pelos conjuntos abertos, e não da norma utilizada para <strong>de</strong>finir essa<br />
topologia. Com efeito:<br />
Proposição 5.4.19. Mantendo a notação em 5.4.17, temos:<br />
a) vn → v se e só se, para qualquer vizinhança U <strong>de</strong> v, existe p ∈ N tal<br />
que n > p =⇒ vn ∈ U.<br />
b) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn é fundamental se e só se, para qualquer<br />
vizinhança U <strong>de</strong> 0 ∈ V, existe p ∈ N tal que n,m > p =⇒ (vn −vm) ∈<br />
U.<br />
c) A função f : V → W é contínua em v ∈ V se e só se para qualquer<br />
vizinhança W <strong>de</strong> f(v) em W existe uma vizinhança V <strong>de</strong> v em V tal<br />
que f(V ) ⊆ W.<br />
Por esta razão, duas normas <strong>de</strong>finidas no mesmo espaço vectorial dizemse<br />
equivalentes se <strong>de</strong>terminam a mesma topologia. Esta noção é irrelevante<br />
no estudo dos espaços <strong>de</strong> dimensão finita, porque todas as normas<br />
num mesmo espaço são automaticamente equivalentes. A situação é dramaticamente<br />
diferente nos espaços <strong>de</strong> dimensão infinita, o que introduz uma<br />
complexida<strong>de</strong> e riqueza <strong>de</strong> resultados muito interessante na teoria.<br />
Exemplos 5.4.20.<br />
1. Lp µ (X) ∩ Lq µ (X) é um subespaço vectorial, tanto <strong>de</strong> Lp µ (X), como <strong>de</strong> Lq µ (X).<br />
No entanto, em geral, as normas <strong>de</strong> Lp e <strong>de</strong> Lq geram topologias distintas<br />
em Lp µ (X) ∩ Lq µ (X). Por exemplo, se gn é a função característica do intervalo<br />
[0, 1<br />
n ] no intervalo X = [0, 1], então fn = √ ngn → 0, com a norma <strong>de</strong> L1 , ou<br />
“em L1 ”, mas a sucessão diverge em L∞ , porque fn∞ = √ n → ∞. Por<br />
outras palavras, as topologias <strong>de</strong>terminadas em L1 (X) ∩ L∞ (X) pelas normas<br />
<strong>de</strong> L1 (X) e <strong>de</strong> L∞ (X) são diferentes.<br />
2. Vimos atrás que Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ), i.e., Cc(R N ) = L 1 (R N ), na<br />
topologia <strong>de</strong> L 1 . É relativamente simples mostrar que Cc(R N ) = C0(R N ), na<br />
topologia <strong>de</strong> L ∞ (exercício 5).<br />
13 É relevante observar que se f, g ∈ Cc(R N ) e f ≃ g então f = g, ou seja, a função<br />
φ : Cc(R N ) → L 1 (R N ) dada por φ(f) = [f] é injectiva.
5.4. Os Espaços L p 335<br />
3. Se x ∈ R N , temos x ∞ ≤ x p ≤ N 1<br />
p x ∞ . Segue-se daqui que todas as<br />
normas L p em R N são equivalentes.<br />
O seguinte resultado relaciona as sucessões convergentes com as sucessões<br />
fundamentais.<br />
Lema 5.4.21. Seja V um espaço vectorial normado. Então<br />
a) Qualquer sucessão convergente em V é fundamental.<br />
b) Qualquer sucessão fundamental em V com pelo menos uma subsucessão<br />
convergente é necessariamente convergente.<br />
Demonstração. Para provar a afirmação b), supomos que a sucessão <strong>de</strong><br />
termo geral xn é fundamental, e tem uma subsucessão <strong>de</strong> termo geral y n =<br />
xkn → y. Como a sucessão <strong>de</strong> naturais <strong>de</strong> termo geral kn é estritamente<br />
crescente, e a sucessão original é fundamental, temos xn − y n → 0. Observamos<br />
agora que:<br />
xn − y ≤ xn − y n + y n − y → 0.<br />
A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) é parte do exercício 8.<br />
No espaço R N , as sucessões fundamentais são convergentes, mas é simples<br />
dar exemplos <strong>de</strong> espaços vectoriais normados com sucessões fundamentais<br />
que divergem.<br />
Exemplo 5.4.22.<br />
Seja hn a função característica do intervalo [ 1<br />
1<br />
n , 1], e ϕ(x) = √ . Consi<strong>de</strong>re-se<br />
x<br />
a sucessão <strong>de</strong> funções ϕn = hnϕ, no espaço L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma <strong>de</strong><br />
L1 (X), on<strong>de</strong> X = [0, 1]. É claro que a sucessão converge em L1 para a função<br />
ϕ ∈ L1 (X) ∩ L∞ (X). Portanto, a sucessão é fundamental, mas divergente, no<br />
espaço L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma <strong>de</strong> L1 (X).<br />
Os espaços vectoriais normados em que todas as sucessões fundamentais<br />
convergem são classificados como se segue:<br />
Definição 5.4.23 (Espaços <strong>de</strong> Banach, Espaços <strong>de</strong> Hilbert). O espaço vectorial<br />
normado V diz-se um espaço <strong>de</strong> banach se e só se as sucessões<br />
fundamentais em V convergem em V. Um espaço <strong>de</strong> hilbert( 14 ) é um<br />
espaço <strong>de</strong> Banach euclidiano.<br />
14 David Hilbert, 1862-1943, alemão, professor em Göttingen, um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos<br />
<strong>de</strong> sempre, tem o seu nome associado à célebre lista <strong>de</strong> problemas que apresentou<br />
no Congresso da Matemática <strong>de</strong> 1900, como um <strong>de</strong>safio às capacida<strong>de</strong>s dos matemáticos<br />
do século que então se iria iniciar. O seu problema n o 8, sobre a chamada “Hipótese <strong>de</strong><br />
Riemann”, é talvez o mais famoso problema da Matemática à espera <strong>de</strong> solução.
336 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Como sugerimos a propósito do teorema sobre a integração <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />
funções somáveis, o critério usual <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> séries reais (“qualquer<br />
série absolutamente convergente é convergente”), po<strong>de</strong> ser adaptado para<br />
caracterizar os espaços <strong>de</strong> Banach.<br />
Teorema 5.4.24. Se V é um espaço vectorial normado, então as seguintes<br />
afirmações são equivalentes:<br />
a) V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
b) Qualquer série absolutamente convergente em V é convergente, i.e., se<br />
vn ∈ V,<br />
∞<br />
<br />
m<br />
<br />
<br />
<br />
vn < +∞ =⇒ Existe v ∈ V tal que lim vn − v<br />
= 0.<br />
m→∞<br />
<br />
n=1<br />
Demonstração. Deixamos a implicação “a) ⇒ b)” para o exercício 9. Para<br />
provar que “b) ⇒ a)”, supomos que a sucessão <strong>de</strong> termo geral xn ∈ V é<br />
fundamental, don<strong>de</strong>:<br />
Para qualquer k ∈ N, existe nk ∈ N tal que n,m ≥ nk ⇒ xn − xm < 1<br />
.<br />
2k Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que a sucessão <strong>de</strong> termo geral nk é<br />
estritamente crescente, e consi<strong>de</strong>ramos a subsucessão <strong>de</strong> termo geral yk =<br />
xnk , e a sucessão auxiliar <strong>de</strong> termo geral zk = yk+1 − yk. É claro que<br />
m<br />
zk = ym+1 − y1, e<br />
k=1<br />
∞<br />
zk <<br />
k=1<br />
∞<br />
k=1<br />
n=1<br />
1<br />
< +∞.<br />
2k De acordo com b), existe z ∈ V tal que z − m<br />
k=1 zk → 0. Por outras<br />
palavras, temos y m = xnm → z+y 1, quando m → ∞, e a sucessão <strong>de</strong> termo<br />
geral xn tem uma subsucessão convergente. Concluímos do lema 5.4.21 que<br />
a sucessão fundamental <strong>de</strong> termo geral xn converge.<br />
O resultado que provámos anteriormente sobre séries <strong>de</strong> funções somáveis<br />
é generalizável a qualquer espaço L p µ(X).<br />
Teorema 5.4.25. Se fn ∈ L p µ(X), e ∞<br />
n=1 fn p < ∞, então:<br />
a) A série f(x) = ∞<br />
n=1 fn(x) converge absolutamente µ-qtp em X.<br />
b) f p ≤ ∞<br />
n=1 fn p , don<strong>de</strong> f ∈ L p µ(X), e<br />
c) As somas parciais m n=1 fn convergem para f em L p µ(X), i.e.,<br />
<br />
m<br />
<br />
<br />
<br />
lim fn − f<br />
= 0.<br />
m→∞ <br />
n=1 p
5.4. Os Espaços L p 337<br />
Demonstração. Supomos 1 ≤ p < ∞, e <strong>de</strong>ixamos o caso p = ∞ como<br />
exercício. Observamos que<br />
gm(x) =<br />
m<br />
|fn(x)| ր<br />
n=1<br />
∞<br />
|fn(x)| = g(x), don<strong>de</strong> gm(x) p ր g(x) p .<br />
n=1<br />
Segue-se da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beppo Levi que gm p → g p . Temos ainda,<br />
da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski, que:<br />
gm p ≤<br />
m<br />
fnp ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
fnp < ∞, don<strong>de</strong> gp ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
fnp < ∞.<br />
Concluímos que g é finita µ-qtp, o que estabelece a).<br />
Para provar b), <strong>de</strong>finimos f(x) = ∞ n=1 fn(x), on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos supor que<br />
a série converge, e é finita, em todo o conjunto X. A função f é mensurável,<br />
e temos:<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
<br />
∞<br />
<br />
fp = fn<br />
≤ |fn| = g<br />
p ≤ fnp < ∞.<br />
n=1 p n=1 p n=1<br />
Aplicamos a afirmação b) à cauda da série ∞ n=1 fn, para concluir que<br />
<br />
m<br />
<br />
∞<br />
<br />
∞<br />
<br />
fn − f<br />
= fn<br />
≤ fn<br />
p → 0, quando m → ∞.<br />
n=1 p n=m+1 p n=m+1<br />
O resultado seguinte é, certamente, um dos mais importantes resultados<br />
da teoria <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> Lebesgue, e um dos seus sucessos técnicos mais<br />
significativos. É uma consequência evi<strong>de</strong>nte dos teoremas 5.4.24 e 5.4.25.<br />
Corolário 5.4.26 (Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer). ( 15 ) L p µ(X) é um espaço <strong>de</strong><br />
Banach. Em particular, L2 µ (X) é um espaço <strong>de</strong> Hilbert.<br />
Exercícios.<br />
1. Prove que a relação ≃ é <strong>de</strong> equivalência. Prove que se f ≃ f ∗ , g ≃ g ∗ e<br />
c ∈ R, então f + g ≃ f ∗ + g ∗ , fg ≃ f ∗ g ∗ , e cf ≃ cf ∗ .<br />
n=1<br />
2. Demonstre as proposições 5.4.7 e 5.4.9, relativas aos espaços L ∞ .<br />
3. Demonstre o teorema 5.4.25 para o caso p = ∞.<br />
15 Ernst Fischer, 1875-1954, matemático alemão <strong>de</strong> origem austríaca, foi professor em<br />
Erlangen e Colónia. Este teorema foi provado para L 2 quase simultaneamente por Riesz<br />
e por Fischer em 1907. Riesz <strong>de</strong>finiu os espaços L p para p > 1 em 1910, e <strong>de</strong>scobriu que<br />
são espaços <strong>de</strong> Banach, para qualquer p.
338 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
4. Generalize o teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue para o espaço<br />
L p . sugestão: Suponha |fn| ≤ g, on<strong>de</strong> g ∈ L p , e fn(x) → f(x), qtp em X.<br />
5. Mostre que o fecho <strong>de</strong> Cc(R N ) na topologia <strong>de</strong> L ∞ (R N ) é o espaço C0(R N ).<br />
6. Demonstre as seguintes afirmações, relativas aos espaços L p µ(X):<br />
a) Se µ(X) < ∞, e p < q, então L q µ(X) ⊆ L p µ(X).<br />
b) Se p < q < r, e f ∈ L p µ(X) ∩ L r µ(X), então f ∈ L q µ(X).<br />
c) Se p < q, então ℓ p ⊆ ℓ q , L p (R)\L q (R) = ∅, e L q (R)\L p (R) = ∅.<br />
7. Seja Sµ(X) ⊆ Fµ(X) o conjunto das classes que têm um representante simples.<br />
Supondo 1 ≤ p, q < ∞, prove que:<br />
a) Sµ(X) ∩ L p µ(X) é um subespaço <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> L p µ(X).<br />
b) L p µ(X) ∩ L q µ(X) é <strong>de</strong>nso em L p µ(X).<br />
c) Sµ(X) ∩ L ∞ µ (X) é <strong>de</strong>nso em L ∞ µ (X).<br />
d) Existe um conjunto numerável, <strong>de</strong>nso em L p (R N ).<br />
8. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 5.4.21.<br />
9. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 5.4.24, provando a implicação “a) ⇒<br />
b)”. sugestão: Mostre que a sucessão <strong>de</strong> somas parciais é fundamental.<br />
5.5 Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz<br />
A generalização das i<strong>de</strong>ias e métodos do Cálculo Diferencial, conhecidas do<br />
espaço R N , para um espaço vectorial normado V “arbitrário”, em particular<br />
para os espaços L p µ(X), utiliza transformações lineares T : V → R<br />
apropriadas. Estas transformações <strong>de</strong>vem aproximar funções ϕ : V → R,<br />
<strong>de</strong> forma a que ϕ(x + y) = ϕ(x) + T(y) + y ∆(x,y), on<strong>de</strong> ∆(x,y) → 0,<br />
quando y → 0.<br />
As transformações lineares em espaços vectoriais normados <strong>de</strong> dimensão<br />
finita são automaticamente funções contínuas. Recor<strong>de</strong>-se que T : R N → R<br />
é linear se e só se T(x) = a • x, on<strong>de</strong> a ∈ R N , e “•” <strong>de</strong>signa o produto<br />
interno usual. No caso dos espaços vectoriais <strong>de</strong> dimensão infinita, e no<br />
seguimento das observações que fizémos acima sobre a existência <strong>de</strong> normas<br />
que não são equivalentes, não é razoável esperar que qualquer transformação<br />
linear seja contínua, e é necessário distinguir:<br />
Definição 5.5.1 (Dual Algébrico, Dual Topológico). Seja V um espaço<br />
vectorial normado.<br />
a) O dual algébrico <strong>de</strong> V é o conjunto <strong>de</strong> todas as transformações<br />
lineares f : V → R.
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 339<br />
b) O dual topológico <strong>de</strong> V é o conjunto V ∗ <strong>de</strong> todas as transformações<br />
lineares contínuas f : V → R.<br />
Exemplos 5.5.2.<br />
fdm, é evi<strong>de</strong>nte<br />
nfn, então<br />
→ 0. Se consi<strong>de</strong>rarmos em V a topologia <strong>de</strong><br />
L∞ , então φ não é contínua, i.e., φ pertence ao dual algébrico, mas não ao<br />
dual topológico.<br />
1. Se V = L1 (R) ∩ L∞ (R), e φ : V → R é dada por φ(f) = <br />
R<br />
que φ é linear. Sendo fn a função característica <strong>de</strong> [0, n2 ], e gn = 1<br />
φ(gn) = n → ∞, e gn∞ = 1<br />
n<br />
2. No mesmo espaço, e supondo que E ∈ L(R) tem medida finita, a função<br />
ϕ : V → R dada por ϕ(f) = <br />
E fdm é linear, e contínua. Basta observar que<br />
<br />
|ϕ(f) − ϕ(g)| ≤ |f − g| dm ≤ f − g∞ m(E).<br />
E<br />
3. ϕ : V → R é diferenciável em V se e só se existe uma função Dϕ : V → V ∗<br />
tal que, para todo o x ∈ V,<br />
ϕ(x + y) − ϕ(x) − Dϕ(x)(y)<br />
lim<br />
= 0<br />
y→0<br />
y<br />
Teorema 5.5.3. Seja V um espaço vectorial normado, e φ : V → R uma<br />
transformação linear. Então:<br />
a) φ é contínua se e só se φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} < ∞. Nesse<br />
caso, temos<br />
|φ(x)| ≤ φ x, para qualquer x ∈ V.<br />
b) O dual topológico V ∗ é um espaço <strong>de</strong> Banach, com norma dada por<br />
φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1}.<br />
Demonstração. Para provar a), seja φ : V → R uma transformação linear.<br />
(i) Suponha-se que φ é contínua, em particular contínua em 0 ∈ V. Existe<br />
por isso δ > 0 tal que x ≤ δ ⇒ |φ(x)| ≤ 1. Dado x = 0,<br />
x. Observamos que<br />
consi<strong>de</strong>ramos y = δ<br />
x<br />
1 ≥ |φ(y)| = δ<br />
1<br />
|φ(x)| , e |φ(x)| ≤ x .<br />
x δ<br />
Segue-se que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} ≤ 1<br />
δ < ∞, e é muito fácil<br />
mostrar que |φ(x)| ≤ φ x, para qualquer x ∈ V.<br />
(ii) Suponha-se que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} < ∞, don<strong>de</strong> mais uma<br />
vez |φ(x)| ≤ φ x. Se y ∈ V, então<br />
|φ(x) − φ(y)| = |φ(x − y)| ≤ φ x − y.<br />
É portanto evi<strong>de</strong>nte que φ é (uniformemente) contínua em V.
340 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Para mostrarmos que V ∗ é um espaço <strong>de</strong> Banach, é necessário verificar<br />
primeiro que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} é uma norma em V ∗ , o que <strong>de</strong>ixamos<br />
para o exercício 1.<br />
Dada uma sucessão fundamental em V ∗ , <strong>de</strong> termo geral φn, e x ∈ V, a<br />
sucessão real <strong>de</strong> termo geral φn(x) é fundamental em R, e existe por isso<br />
limn→∞ φn(x), porque:<br />
|φn(x) − φm(x)| = |(φn − φm)(x)| ≤ φn − φm x → 0.<br />
Po<strong>de</strong>mos portanto <strong>de</strong>finir φ : V → R por φ(x) = limn→∞ φn(x), e é simples<br />
verificar que φ é linear. Como φn − φm < M, temos |φ(x) − φm(x)| ≤<br />
M x, e portanto |φ(x)| = |φ(x) − φm(x) + φm(x)| satisfaz<br />
|φ(x)| ≤ |φ(x) − φm(x)| + |φm(x)| ≤ (M + φm) x<br />
Concluímos que φ é contínua, e V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
Exemplos 5.5.4.<br />
1. Se p e q são expoentes conjugados, e g ∈ Lq <br />
µ(X), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T :<br />
(X) → R por T(f) = fgdµ, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r.<br />
Lp µ X<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com a mesma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, é claro que T é uma transformação<br />
linear contínua em Lp , e T ≤ gq .<br />
2. Se µ é uma medida real em B(R N ), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T : Cc(R N ) → R por<br />
T(f) = <br />
R N fdµ. Temos neste caso que ( 16 )<br />
|T(f)| ≤ f ∞ |µ|(R N ) = f ∞ µ.<br />
Concluímos que T é uma transformação linear contínua em Cc(R N ), com a<br />
topologia <strong>de</strong> L ∞ .<br />
A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> transformações lineares apropriadas <strong>de</strong>finidas num<br />
dado espaço normado é um problema muito interessante, e apresentamos<br />
a seguir alguns resultados clássicos <strong>de</strong>sta natureza. Precisaremos <strong>de</strong> usar<br />
no que segue a noção <strong>de</strong> partição <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, que passamos a introduzir.<br />
Note-se que a <strong>de</strong>monstração da sua existência é uma adaptação engenhosa<br />
do argumento que introduzimos com a proposição 3.6.1, que como dissémos<br />
é por sua vez uma forma do Lema <strong>de</strong> Urysohn.<br />
Teorema 5.5.5 (Existência <strong>de</strong> partições da unida<strong>de</strong>). Se K ⊆ R N é compacto,<br />
e C = {U1, · · · ,Um} uma cobertura <strong>de</strong> K por abertos em R N , então<br />
existem funções h1, · · · ,hm : R N → [0,1] tais que:( 17 )<br />
16 Recor<strong>de</strong> do Capítulo 4 que a função µ = |µ|(X) é uma norma no espaço vectorial<br />
<strong>de</strong> todas as medidas reais <strong>de</strong>finidas em (X, M).<br />
17 Dizemos neste caso que a família <strong>de</strong> funções h1, · · · , hm é uma partição da unida<strong>de</strong><br />
em K subordinada à cobertura C.
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 341<br />
a) hn ∈ Cc(R N ) tem suporte compacto em Un, e<br />
b) h1(x) + h2(x) + · · · hm(x) = 1, para qualquer x ∈ K.<br />
Demonstração. Se x ∈ K então existe pelo menos um aberto Un tal que<br />
x ∈ Un, e existe igualmente um rectângulo aberto limitado Rx tal que<br />
x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Un.<br />
A família D = {Rx : x ∈ K} é uma cobertura aberta <strong>de</strong> K, e existe por isso<br />
uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos Rx1 , · · · ,Rxp. Agrupamos os<br />
rectângulos Rxi ⊂ Un, ou seja, tomamos<br />
Kn = <br />
i∈In<br />
Rxi ,In = {i : Rxi ⊂ Un} don<strong>de</strong> K ⊆<br />
m<br />
Kn.<br />
De acordo com a proposição 3.6.1, existem funções gn ∈ Cc(R N ) tais que<br />
χKn ≤ gn ≤ χUn. Tomamos<br />
h1 = g1,h2 = (1 − g1)g2, · · · ,hm = (1 − g1)(1 − g2) · · · (1 − gm−1)gm.<br />
Repare-se que 0 ≤ hn ≤ 1 é uma função contínua <strong>de</strong> suporte compacto, cujo<br />
suporte está contido no <strong>de</strong> gn, e portanto está contido em Un. Por outro<br />
lado, e observando que<br />
n=1<br />
h = h1 + h2 + · · · + hm = 1 − (1 − g1)(1 − g2) · · · (1 − gm),<br />
concluímos que h = 1 em cada um dos conjuntos Kn, porque quando x ∈ Kn<br />
temos certamente 1 − gn(x) = 0.<br />
Se µ é uma medida positiva localmente finita, ou real, <strong>de</strong>finida em B(R N ),<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir uma correspon<strong>de</strong>nte transformação linear (um funcional<br />
linear) no espaço Cc(R N ) por:<br />
<br />
Tµ(f) =<br />
R N<br />
fdµ<br />
Dizemos que o funcional T : Cc(R N ) → R é crescente sempre que:<br />
f ≤ g em R N =⇒ T(f) ≤ T(g).<br />
Deve ser claro que se µ é positiva então Tµ é crescente. O próximo teorema<br />
mostra que todos os funcionais crescentes em Cc(R N ) são da forma Tµ, com<br />
µ positiva, e refere igualmente que a aplicação µ ↦→ Tµ é injectiva na classe<br />
das medidas positivas localmente finitas.
342 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Teorema 5.5.6 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (I)). Se T : Cc(RN ) →<br />
R é uma transformação linear crescente então existe uma medida positiva<br />
localmente finita µ <strong>de</strong>finida em B(RN ) tal que<br />
<br />
T(f) = Tµ(f) = fdµ( 18 ).<br />
R N<br />
Temos ainda que se µ = µ ′ então Tµ = Tµ ′.<br />
Demonstração. Supomos que U ⊆ R N é aberto, e <strong>de</strong>signamos por F(U) o<br />
conjunto das funções f ∈ Cc(R N ), com suporte compacto em U, e tais que<br />
0 ≤ f ≤ 1 em R N . Definimos ainda<br />
• Se ∅ = U ⊆ R N é aberto, τ(U) = sup {T(f) : f ∈ F(U)}, e τ(∅) = 0.<br />
• Para qualquer E ⊆ R N , µ ∗ (E) = inf {τ(U) : E ⊆ U,U, aberto }.<br />
Note-se como quase óbvio que, se U é aberto, então µ ∗ (U) = τ(U). Observese<br />
também que, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista por enquanto apenas heurístico, parece<br />
claro que µ(U) <strong>de</strong>ve coincidir com τ(U), e portanto µ ∗ <strong>de</strong>ve ser uma medida<br />
exterior, e µ só po<strong>de</strong> ser a medida <strong>de</strong>terminada por essa medida exterior.<br />
É o que passamos a mostrar ser verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrando uma sequência <strong>de</strong><br />
resultados parciais, numerados <strong>de</strong> (i) até (vi).<br />
(i) τ é aditiva e σ-subaditiva na classe dos conjuntos abertos.<br />
Demonstração. Supomos que U = ∅ e Un são abertos, e<br />
U ⊆<br />
∞<br />
Un.<br />
n=1<br />
Seja f ∈ F(U), com suporte compacto K ⊆ U. A família {Un : n ∈ N}<br />
é uma cobertura aberta <strong>de</strong> K, e existe por isso m ∈ N tal que<br />
K ⊆<br />
m<br />
Un.<br />
n=1<br />
Pelo teorema 5.5.5, existe uma partição da unida<strong>de</strong> em K subordinada<br />
à cobertura U1,U2, · · · ,Um, e formada por funções h1,h2, · · · ,hm,<br />
on<strong>de</strong> hn ∈ F(Un). Tomando fn = fhn, é claro que<br />
m<br />
fn = f<br />
n=1<br />
m<br />
hn = f e fn ∈ F(Un).<br />
n=1<br />
Como T é linear e τ ≥ 0, concluímos que<br />
f ∈ F(U) =⇒ T(f) =<br />
m<br />
T(fn) ≤<br />
n=1<br />
m<br />
τ(Un) ≤<br />
n=1<br />
∞<br />
τ(Un).<br />
n=1
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 343<br />
Segue-se que τ(U) ≤ ∞ n=1 τ(Un), i.e., τ é σ-subaditiva.<br />
A aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> τ é agora mais simples <strong>de</strong> estabelecer. Suponha-se<br />
que U1, · · · ,Um são abertos e disjuntos, e U = ∪m n=1Un. Quaisquer<br />
que sejam as funções fn ∈ F(Un), é claro que f = m n=1 fn ∈ F(U),<br />
don<strong>de</strong><br />
m<br />
m<br />
T(fn) = T(f) ≤ τ(U), e por isso τ(Un) ≤ τ(U).<br />
n=1<br />
n=1<br />
Como provámos acima que τ(U) ≤ m<br />
n=1 τ(Un), é evi<strong>de</strong>nte que<br />
m<br />
τ(Un) = τ(U).<br />
n=1<br />
Temos assim que τ é aditiva.<br />
(ii) µ ∗ é uma medida exterior, e E ⊆ R N é µ ∗ -mensurável se e só se<br />
τ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U − E), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />
A respectiva verificação, que é muito simples, fica para o exercício 3.<br />
A próxima afirmação é algo mais <strong>de</strong>licada <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar.<br />
(iii) Os conjuntos compactos são µ ∗ -mensuráveis.<br />
Demonstração. Sendo K compacto e U aberto, temos a provar que<br />
τ(U) ≥ µ ∗ (U ∩ K) + µ ∗ (U − K) = µ ∗ (U ∩ K) + τ(U − K).<br />
Dado ε > 0, existe f ∈ F(U − K), tal que T(f) > τ(U − K) + ε.<br />
Sendo K ′ o suporte <strong>de</strong> f, que é disjunto <strong>de</strong> K, existem conjuntos<br />
abertos disjuntos V ′ ,V tais que K ′ ⊂ V ′ , e K ⊂ V ( 19 ). (Ver figura<br />
5.5.1.)<br />
Sejam W ′ = U ∩ V ′ , e W = U ∩ V . Como W ∪ W ′ ⊆ U, e os abertos<br />
W e W ′ são disjuntos, temos:<br />
τ(U) ≥ τ(W ∪ W ′ ) = τ(W) + τ(W ′ )<br />
Dado que K ′ ⊂ W ′ , e K ′ é o suporte <strong>de</strong> f, temos também<br />
τ(W ′ ) ≥ T(f) > τ(U − K) + ε<br />
Como U ∩ K ⊂ W, temos ainda τ(W) ≥ µ ∗ (U ∩ K), e concluímos que<br />
τ(U) ≥ τ(W) + τ(W ′ ) ≥ µ ∗ (U ∩ K) + τ(U − K) + ε.<br />
O resultado segue-se fazendo ε → 0.
344 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
V ′<br />
K ′<br />
W ′<br />
V<br />
K<br />
U ∩ K<br />
W<br />
U<br />
Figura 5.5.1: Separação <strong>de</strong> K e K ′ por abertos V e V ′ .<br />
Sendo M(R N ) a σ-álgebra dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, e µ a restrição<br />
<strong>de</strong> µ ∗ a B(R N ), po<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>ntemente concluir que<br />
(iv) µ é uma medida regular em B(R N ).<br />
O próximo resultado estabelece, em particular, que µ é localmente<br />
finita. Definimos F(K) = f ∈ Cc(R N ) : χK ≤ f ≤ 1 , e passamos a<br />
provar que<br />
(v) Se K é compacto, então<br />
Demonstração.<br />
µ(K) = inf T(f) : f ∈ F(K) < ∞.<br />
É simples estabelecer a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
(v.1) µ(K) ≥ inf T(f) : f ∈ F(K) .<br />
Dado ε > 0 existe um aberto U ⊃ K tal que τ(U) ≤ µ(K) + ε. Como<br />
existem funções g ∈ F(K) ∩ F(U) (a proposição 3.6.1 é exactamente<br />
a afirmação F(K) ∩ F(U) = ∅), é claro que<br />
inf T(f) : f ∈ F(K) ≤ T(g) ≤ τ(U) ≤ µ(K) + ε.<br />
Fazendo ε → 0, obtemos (v.1).<br />
A afirmação (v) ficará assim estabelecida se provarmos<br />
(v.2) µ(K) ≤ inf T(f) : f ∈ F(K) .<br />
19 Esta é mais uma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação, válida na realida<strong>de</strong> em qualquer espaço<br />
topológico <strong>de</strong> Hausdorff, e que não <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como “óbvia”. A sua <strong>de</strong>monstração<br />
é o exercício 2.
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 345<br />
Dado f ∈ F(K) e 0 < ε < 1, seja Uε = x ∈ RN : f(x) > ε . É claro<br />
que Uε é um aberto que contém K. Por outro lado, se g ∈ F(Uε) então<br />
εg ≤ ε ≤ f. Como T é linear e crescente, concluímos que<br />
g ∈ F(Uε) ⇒ εg ≤ f ⇒ εT(g) ≤ T(f) ⇒ T(g) ≤ 1<br />
ε T(f).<br />
Como g ∈ F(Uε) é arbitrária, segue-se da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> τ que<br />
τ(Uε) ≤ 1<br />
T(f), para qualquer 0 < ε < 1.<br />
ε<br />
Como µ(K) ≤ τ(Uε), temos ainda<br />
µ(K) ≤ 1<br />
T(f), para qualquer 0 < ε < 1.<br />
ε<br />
Fazendo ε → 1 obtemos µ(K) ≤ T(f) < ∞, o que estabelece (v.2).<br />
O próximo resultado mostra finalmente que a medida µ é uma representação<br />
do funcional T.<br />
(vi) T(f) = <br />
R N fdµ, para qualquer f ∈ Cc(R N ).<br />
Demonstração. Seja K o suporte <strong>de</strong> f, e R ⊇ K um rectângulo compacto.<br />
Dado ε > 0, e como f é uniformemente contínua em R, existe<br />
uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos R1, · · · ,Rn, tais que a oscilação <strong>de</strong><br />
f em cada Rk é inferior a ε. Com Mk = sup {f(x) : x ∈ Rk}, temos:<br />
(vi.1)<br />
Notamos que<br />
n<br />
<br />
Mkµ(Rk) ≤<br />
k=1<br />
R<br />
<br />
(f + ε)dµ =<br />
R<br />
fdµ + εµ(R).<br />
• Existem abertos Vk ⊇ Rk tais que f(x) < Mk + ε, para x ∈ Vk,<br />
porque f é contínua, e<br />
• Existem abertos Wk ⊇ Rk tais que µ(Rk) ≤ τ(Wk) < µ(Rk) + ε<br />
n .<br />
Tomamos Uk = Vk ∩ Wk, e consi<strong>de</strong>ramos uma partição da unida<strong>de</strong><br />
para K subordinada aos abertos Uk, h = n<br />
k=1 hk. Observamos que<br />
fk = fhk < (Mk + ε)hk, porque fk é nula no complementar <strong>de</strong> Uk, e<br />
Uk ⊆ Vk, don<strong>de</strong><br />
T(f) =<br />
n<br />
T(fk) ≤<br />
k=1<br />
n<br />
(Mk + ε)T(hk) ≤<br />
k=1<br />
n<br />
(Mk + ε)τ(Uk)<br />
k=1
346 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Temos ainda<br />
n<br />
(Mk + ε)τ(Uk) <<br />
k=1<br />
=<br />
n<br />
k=1<br />
e concluímos que<br />
n<br />
(Mk + ε)(µ(Rk) + ε<br />
) =<br />
n<br />
k=1<br />
Mk(µ(Rk) + ε<br />
) +<br />
n<br />
n<br />
k=1<br />
ε(µ(Rk) + ε<br />
) ≤<br />
n<br />
n<br />
Mkµ(Rk) + ε f∞ + εµ(R) + ε 2 ,<br />
k=1<br />
(vi.2) T(f) ≤<br />
n<br />
Mkµ(Rk) + ε f∞ + εµ(R) + ε 2 .<br />
k=1<br />
Combinando (vi.1) e (vi.2) resulta que<br />
<br />
T(f) ≤ fdµ + ε f∞ + 2εµ(R) + ε 2 ,<br />
R<br />
e fazendo ε → 0 concluímos que T(f) ≤ <br />
R fdµ. Como esta <strong>de</strong>sigual-<br />
<br />
da<strong>de</strong> é também válida para a função −f, temos então que T(f) =<br />
R fdµ.<br />
A unicida<strong>de</strong> da medida µ fica estabelecida com o seguinte resultado,<br />
que <strong>de</strong>ixamos para o exercício 3.<br />
(vii)<br />
<br />
Para estabelecer a unicida<strong>de</strong> da medida µ, supomos que T(f) =<br />
fdλ, e notamos que<br />
X<br />
• f ∈ F(K) ⇒ λ(K) ≤ T(f). De acordo com (v), concluímos que<br />
λ(K) ≤ µ(K), para qualquer compacto K.<br />
• f ∈ F(U) ⇒ λ(U) ≥ T(f). Concluímos que λ(U) ≥ τ(U) =<br />
µ(U), para qualquer aberto U. Como λ e µ são regulares nos<br />
compactos, temos λ(K) ≥ µ(K) para qualquer compacto K.<br />
•<br />
Exemplo 5.5.7.<br />
É óbvio que λ(K) = µ(K) para qualquer compacto K, e segue-se<br />
<strong>de</strong> 4.4.10 que λ = µ em B(R N ).<br />
Definimos T : Cc(R N ) → R tomando para T(f) o integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f<br />
em R N . Sabemos que T é um funcional linear crescente em Cc(R N ). Deve ser<br />
evi<strong>de</strong>nte que a medida µ que lhe está associada pelo teorema <strong>de</strong> representação<br />
<strong>de</strong> Riesz é exactamente a medida <strong>de</strong> Lebesgue.
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 347<br />
Passamos a estudar os duais topológicos dos espaços L p µ(X). Recordamos<br />
da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r que, se p e q são expoentes conjugados,<br />
f ∈ L p µ(X) e g ∈ L q µ(X) =⇒ fg ∈ L 1 µ(X) e fg1 ≤ ppgq.<br />
Concluímos imediatamente que<br />
Lema 5.5.8. Se g ∈ L q µ(X), então po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T : L p µ(X) → R por<br />
<br />
T(f) =<br />
X<br />
fgdµ,<br />
e T é uma transformação linear contínua, com T ≤ gq.<br />
É um pouco mais <strong>de</strong>licado estabelecer que T = gq, e <strong>de</strong>ve notar-se<br />
que esta igualda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> falhar quando p = 1 e q = ∞.<br />
Lema 5.5.9. Se T : L p µ(X) → R é dada por T(f) = <br />
X fgdµ, on<strong>de</strong> g ∈<br />
L q µ(X), então temos T = gq pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que:<br />
a) 1 < p ≤ +∞, ou<br />
b) p = 1, quando o espaço X é σ-finito.<br />
Demonstração. Observamos que nada temos a provar se gq = 0, e organizamos<br />
a <strong>de</strong>monstração em três casos distintos:<br />
• p = ∞ e q = 1: Tomamos f = sgn(g)( 20 ). Como f∞ = 1 e<br />
<br />
T(f) =<br />
X<br />
<br />
sgn(g)gdµ =<br />
X<br />
|g|dµ = g1, don<strong>de</strong> T = g1.<br />
• 1 < p < ∞: Definimos f = |g| q<br />
p sgn(g). Notamos que f p p = g q q,<br />
don<strong>de</strong> f ∈ L p µ(X). Temos então<br />
<br />
<br />
|T(f)| = <br />
<br />
X<br />
<br />
<br />
fgdµ <br />
=<br />
<br />
Como T é contínua, temos também que<br />
X<br />
<br />
q<br />
1+<br />
|g| pdµ = |g|<br />
X<br />
q dµ = g q q.<br />
q<br />
p<br />
|T(f)| ≤ T fp = T gq<br />
Concluímos que g q q<br />
p<br />
q ≤ T gq<br />
don<strong>de</strong> gq ≤ T , e segue-se do<br />
lema 5.5.8 que gq = T .<br />
20 Recor<strong>de</strong> que sgn(g) (o sinal <strong>de</strong> g) é +1 quando g ≥ 0, e -1 quando g < 0)
348 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• p = 1 e X é σ-finito: Sendo g ∈ L ∞ µ (X), M = g∞ e ε > 0, existe um<br />
conjunto mensurável E com µ(E) > 0 tal que M − ε ≤ |g(x)| ≤ M,<br />
para qualquer x ∈ E. Existem conjuntos mensuráveis Xn ր X, com<br />
µ(Xn) < 0, e <strong>de</strong>finimos En = E ∩ Xn.<br />
Tomamos ainda fn = MχEn sgn(g), notamos como óbvio que fn1 =<br />
Mµ(En), e fn ∈ L1 µ (X). Supomos (sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>) que<br />
µ(En) > 0 para qualquer n, e observamos que<br />
<br />
fn1T ≥ |T(fn)| = | fngdµ| = M|g|dµ ≥ M(M − ε)µ(En)<br />
X<br />
En<br />
Como fn1 = Mµ(En), concluímos que T ≥ M − ε, e fazemos<br />
ε → 0.<br />
De acordo com os dois lemas anteriores, o operador<br />
Ψ : L q µ(X) → L p µ(X) <br />
∗<br />
, dado por Ψ(g)(f) =<br />
X<br />
fgdµ<br />
está bem <strong>de</strong>finido e é uma isometria, don<strong>de</strong> é injectivo. O operador é claramente<br />
linear, e o teorema seguinte mostra que é sobrejectivo. Estabelece por<br />
isso que Ψ é um isomorfismo <strong>de</strong> espaços vectoriais normados.<br />
Teorema 5.5.10 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (II)). Seja (X, M,µ)<br />
um espaço σ-finito, 1 ≤ p < ∞, e T : L p µ(X) → R uma transformação linear<br />
contínua. Então existe g ∈ L q µ(X), on<strong>de</strong> q é conjugado <strong>de</strong> p, tal que<br />
<br />
T(f) =<br />
X<br />
fgdµ.<br />
Demonstração. Supomos primeiro que µ(X) < ∞. Neste caso, dado qualquer<br />
E ∈ M, temos χEp = p µ(E) < ∞, don<strong>de</strong> χE ∈ L p µ(X). Po<strong>de</strong>mos<br />
assim <strong>de</strong>finir λ : M → R por λ(E) = T(χE). É fácil verificar que λ é uma<br />
medida real, e λ 1.
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 349<br />
• p = 1: Dado um conjunto mensurável E, seja f = χE, don<strong>de</strong><br />
f1 = µ(E), e note-se que:<br />
<br />
<br />
<br />
|T(f)| = |λ(E)| = <br />
gdµ <br />
≤ T f1 = T µ(E).<br />
E<br />
Segue-se facilmente que g ≤ T qtp em X, i.e., g∞ ≤ T .<br />
• p > 1: Sendo s = n αkχAk k=1 uma função simples mensurável,<br />
é claro que s ∈ L p µ(X), e temos<br />
T(s) =<br />
n<br />
k=1<br />
αkT(χAk ) =<br />
n<br />
αkλ(Ak) =<br />
k=1<br />
n<br />
k=1<br />
αk<br />
<br />
Ak<br />
<br />
gdµ =<br />
X<br />
sgdµ.<br />
Existem funções simples mensuráveis tais que 0 ≤ sn ր |g| q .<br />
Sendo tn = (sn) 1<br />
p sgn(g), e como as funções tn são simples, temos<br />
<br />
(1) T(tn) =<br />
X<br />
<br />
tngdµ =<br />
X<br />
(sn) 1<br />
p |g|dµ = |T(tn)| ≤ T tnp<br />
Observamos agora que, por um lado,<br />
<br />
(2) T(tn) = (sn) 1<br />
<br />
p |g|dµ ր |g| 1+q/p <br />
dµ =<br />
X<br />
Temos por outro lado que<br />
(3) tn p p =<br />
<br />
|tn| p <br />
dµ =<br />
X<br />
X<br />
X<br />
<br />
sndµ ր<br />
X<br />
X<br />
|g| q dµ = g q q<br />
|g| q dµ = g q q<br />
Supondo sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que g q > 0, concluímos <strong>de</strong><br />
(1), (2) e (3) que<br />
g q q<br />
≤ T gq/p<br />
q , ou seja, gq ≤ T <br />
A afirmação (iii) conclui a <strong>de</strong>monstração para o caso µ(X) < ∞:<br />
<br />
(iii) T(f) = fgdµ, para qualquer f ∈ L p µ(X), e T = gq .<br />
X<br />
Demonstração. Definimos S(f) = <br />
X fgdµ, para qualquer f ∈ Lp µ(X).<br />
Notamos do lema 5.5.8 que S é um funcional linear contínuo.<br />
Como S(f) = T(f) para qualquer função simples, e estas funções são<br />
<strong>de</strong>nsas em L p , é fácil concluir que S = T em L p (exercício 1).<br />
(iv) Supomos finalmente que X é σ-finito, e Xn ր X, on<strong>de</strong> os conjuntos<br />
Xn têm medida finita.
350 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Designamos por µn a restrição <strong>de</strong> µ aos subconjuntos<br />
mensuráveis <strong>de</strong> Xn. Dada uma função f ∈ L p µn(Xn), seja en(f) ∈<br />
L p µ(X) a extensão <strong>de</strong> f a X que é nula para x ∈ Xn, e note-se que a<br />
norma <strong>de</strong> f em L p µn(Xn) é a norma <strong>de</strong> en(f) em L p µ(X), i.e., en é uma<br />
isometria.<br />
Definimos Tn : L p µn(Xn) → R por Tn(f) = T(en(f)), e <strong>de</strong>ve ser evi<strong>de</strong>nte<br />
que Tn ≤ T . Como µ(Xn) < ∞, existe uma função<br />
gn ∈ L q µn (Xn)<br />
<br />
tal que Tn(f) = fgndµn, e gnq = Tn ≤ T .<br />
Xn<br />
Observe-se que se n > m então gm é a restrição <strong>de</strong> gn a Xm, porque a<br />
representação <strong>de</strong> Tm é única. Existe portanto uma função g <strong>de</strong>finida<br />
em X cuja restrição a Xn é a função gn, e temos que gnq <br />
ր gq|,<br />
don<strong>de</strong> gq ≤ T . É fácil concluir que T(f) =<br />
X fgdµ.<br />
Deixamos para o exercício 5 verificar que, no caso 1 < p < ∞, a restrição<br />
a espaços σ-finitos é supérflua.<br />
O próximo teorema i<strong>de</strong>ntifica o dual topológico <strong>de</strong> Cc(R N ), na topologia<br />
<strong>de</strong> L ∞ . A respectiva <strong>de</strong>monstração é interessante, em especial por utilizar<br />
duas topologias distintas em Cc(RN ), a da convergência uniforme usual (<strong>de</strong><br />
L∞ ), e a do espaço L1 λ , on<strong>de</strong> λ = |µ|, e µ é a medida real que representa o<br />
funcional T em causa.<br />
Teorema 5.5.11 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (III)). A transformação<br />
linear T : Cc(RN ) → R é contínua na topologia <strong>de</strong> L∞ se e só se<br />
existe uma medida real µ, <strong>de</strong>finida em B(RN ), tal que<br />
<br />
T(f) = fdµ.<br />
Neste caso, T = µ = |µ|(R N ).<br />
Demonstração. Sendo C + c (RN ) = f ∈ Cc(R N ) : f ≥ 0 , <strong>de</strong>finimos<br />
ϕ(T) : C + c (R N ) → R por ϕ(T)(f) = sup |T(g)| : |g| ≤ f,g ∈ Cc(R N ) .<br />
Temos:<br />
(i) ϕ(T) é crescente em C + c (R N ), e ϕ(T) ≤ T f ∞ .<br />
(ii) Se c ≥ 0 e f ∈ C + c (R N ), então ϕ(T)(cf) = cϕ(T)(f) = ϕ(cT)(f).<br />
(iii) Se f1,f2 ∈ C + c (R N ), então ϕ(T)(f1 + f2) = ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2).<br />
R N
5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 351<br />
Demonstração. Demonstramos apenas (iii), já que (i) e (ii) são evi<strong>de</strong>ntes.<br />
Se g1,g2 ∈ Cc(R N ), e |gi| ≤ fi, é claro que<br />
e po<strong>de</strong>mos concluir que<br />
T(g1) + T(g2) = T(g1 + g2) ≤ ϕ(T)(f1 + f2),<br />
ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2) ≤ ϕ(T)(f1 + f2).<br />
Por outro lado, se g ∈ Cc(RN ), e |g| ≤ f1 + f2, <strong>de</strong>finimos<br />
<br />
g(x)fi(x)<br />
gi(x) = f1(x)+f2(x) , se f1(x) + f2(x) = 0,<br />
0, se f1(x) + f2(x) = 0.<br />
É claro que as funções gi ∈ Cc(R N ), e |gi| ≤ fi. Temos assim que<br />
T(g) = T(g1) + T(g2) ≤ ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2), don<strong>de</strong> concluímos que<br />
ϕ(T)(f1 + f2) ≤ ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2).<br />
Definimos Φ(T) : Cc(R N ) → R por Φ(T)(f) = ϕ(T)(f + ) − ϕ(T)(f − ).<br />
Observamos que, se f ≥ 0 então Φ(T)(f) = ϕ(T)(f), e:<br />
(iv) Existe uma medida positiva finita λ tal que Φ(T)(f) = <br />
RN fdλ. Em<br />
particular, |T(f)| ≤ <br />
RN |f|dλ, e portanto T é também contínuo na<br />
topologia <strong>de</strong> L 1 λ (RN ).<br />
Demonstração. É muito simples mostrar que Φ(T) é linear e crescente<br />
em Cc(RN ). A existência da medida λ segue-se assim do teorema <strong>de</strong><br />
representação <strong>de</strong> Riesz 5.5.6. A medida λ é finita, <strong>de</strong> acordo com (i).<br />
Temos também, por <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ϕ(T), que<br />
|T(f)| ≤ ϕ(T)(|f|) = ϕ(T)(f + ) + ϕ(T)(f − ) =<br />
<br />
= f + <br />
dλ + f − <br />
dλ = |f|dλ = f1 .<br />
R N<br />
R N<br />
Como Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 λ (RN ), existe um funcional linear ˜ T : L 1 λ (RN ) →<br />
R, contínuo na topologia <strong>de</strong> L 1 , e que é extensão <strong>de</strong> T (exercício 1). De<br />
acordo com 5.5.10, existe g ∈ L ∞ λ (RN ) tal que<br />
<br />
˜T(f) =<br />
R N<br />
<br />
fgdλ =<br />
R N<br />
RN fdµ, para qualquer f ∈ L 1 λ (RN ),<br />
on<strong>de</strong> µ(E) = <br />
E gdλ, i.e., µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g em or<strong>de</strong>m a λ.<br />
Deixamos como exercício verificar que T = µ = |µ|(RN ).
352 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Exercícios.<br />
1. Seja V um espaço vectorial normado, W ⊆ V um subespaço <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> V, e<br />
φ ∈ V ∗ .<br />
a) Mostre que φ = sup{|φ(x) : x ≤ 1} é uma norma em V ∗ .<br />
b) Suponha que S, T ∈ V ∗ . Prove que se S(x) = T(x) para qualquer x ∈ W<br />
então S = T.<br />
c) Suponha que S : W → R é linear e contínua. Prove que S tem uma única<br />
extensão linear contínua T a todo o espaço V, e que T = S, i.e.,<br />
sup {|S(x)| : x ≤ 1, x ∈ W} = sup {|T(y)| : y ≤ 1, y ∈ V}.<br />
d) Suponha que B é um espaço <strong>de</strong> Banach, e T é o espaço das transformações<br />
lineares contínuas T : V → B. Mostre que T é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />
2. Mostre que se K e K ′ são conjuntos compactos disjuntos em R N então existem<br />
conjuntos abertos U e U ′ , também disjuntos, tais que K ⊂ U e K ′ ⊂ U ′ .<br />
3. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (I) (5.5.6),<br />
provando a afirmação (ii).<br />
4. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (II) (5.5.10)<br />
verificando que a função λ aí <strong>de</strong>finida é uma medida, e λ ≪ µ.<br />
5. Mostre que o teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (II) (5.5.10) é válido para<br />
1 < p < ∞, mesmo quando o espaço não é σ-finito. sugestão: Proceda como<br />
se segue:<br />
a) Prove que, se E ⊆ X é σ-finito, existe gE ∈ L q µ (X), nula em Ec , tal que,<br />
para qualquer função f ∈ L p µ (X), nula em Ec , temos T(f) = <br />
X fgEdµ.<br />
b) Mostre que existe um conjunto σ-finito E on<strong>de</strong> <br />
E |gE| q dµ é máximo.<br />
6. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.5.11, provando que T = µ.<br />
5.6 Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz<br />
É em alguns casos indispensável utilizar topologias que não po<strong>de</strong>m ser<br />
<strong>de</strong>finidas a partir <strong>de</strong> normas, ou mesmo <strong>de</strong> qualquer outro tipo <strong>de</strong> métrica<br />
( 21 ). Quando o conjunto em causa é um espaço vectorial, a limitação mais<br />
fundamental a ter em conta na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> topologias a<strong>de</strong>quadas é a <strong>de</strong><br />
garantir a compatibilida<strong>de</strong> entre as suas estruturas algébrica e topológica,<br />
21 Uma métrica, ou distância, no conjunto X é uma função d : X × X → [0, ∞[,<br />
tal que d(x,y) = d(y,x), d(x,z) ≤ d(x,y) + d(y,z), e d(x,y) = 0 se e só se x = y.<br />
Uma topologia gerada por uma métrica, a partir das chamadas bolas abertas, que são os<br />
conjuntos Bρ(x) = {y ∈ X : d(x,y) < ρ}, é uma topologia metrizável.
5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 353<br />
o que se resume a assegurar que as suas operações algébricas básicas são<br />
contínuas. Mais precisamente, sendo O a classe dos conjuntos abertos no<br />
espaço vectorial real V, é necessário que:<br />
• Se x + y ∈ U ∈ O, então existem V,W ∈ O tal que x ∈ V , y ∈ W, e<br />
(v,w) ∈ V × W ⇒ v + w ∈ U, e<br />
• Se α ∈ R, x ∈ V, e αx ∈ U ∈ O, então existe um aberto V ⊆ R, e<br />
W ∈ O, tal que (α,x) ∈ V × W, e (β,y) ∈ V × W ⇒ βy ∈ U.<br />
Dizemos que o espaço V com a topologia O é um espaço vectorial<br />
topológico( 22 ). Não nos <strong>de</strong>temos aqui a examinar em pormenor como<br />
<strong>de</strong>finir topologias em espaços <strong>de</strong>ste tipo, mas notamos que, dada a família<br />
O, é simples i<strong>de</strong>ntificar as sucessões convergentes. Dada uma sucessão em<br />
V, <strong>de</strong> termo geral xn, dizemos que xn → x ∈ V na topologia O, se e só<br />
se, para qualquer aberto U ∈ O, se x ∈ U então existe p ∈ N tal que<br />
n > p ⇒ xn ∈ U. Dadas topologias O e O ′ num mesmo espaço V, é comum<br />
dizer que O é mais forte que O ′ , ou O ′ é mais fraca que O, se e só se<br />
O ′ ⊆ O. Deve notar-se que se uma dada sucessão converge na topologia<br />
O, então converge necessariamente em qualquer topologia mais fraca do<br />
que O. Indicamos a seguir dois exemplos <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />
sucessões, em ambos os casos <strong>de</strong>terminados por topologias que não são em<br />
geral <strong>de</strong>finidas por métricas.( 23 )<br />
Definição 5.6.1 (Convergência Pontual, e em <strong>Medida</strong>). Dada uma sucessão<br />
fn ∈ Fµ(X), dizemos que a sucessão converge para f<br />
a) pontualmente, se e só se limn→∞ fn(x) = f(x), µ-qtp em X.<br />
b) em medida, se e só se, para qualquer ε > 0,<br />
µ ({x ∈ X : |fn(x) − f(x)| > ε}) → 0 , quando n → ∞.<br />
Escrevemos neste caso “fn ⇒ f”.( 24 )<br />
Note-se <strong>de</strong> passagem que a convergência em medida é muito utilizada na<br />
Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s, já que afirma que a probabilida<strong>de</strong> da diferença<br />
entre as variáveis aleatórias fn e f ser “significativa” é pequena, quando<br />
n → ∞.<br />
Exemplos 5.6.2.<br />
22<br />
É comum incluir na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> espaço vectorial topológico outras restrições, em<br />
especial a <strong>de</strong> que o conjunto {0} é fechado.<br />
23<br />
A especificação <strong>de</strong> uma topologia <strong>de</strong>termina um critério específico <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />
sucessões, mas o critério <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> sucessões em si po<strong>de</strong> não ser suficiente para<br />
estabelecer a topologia em causa, quando a topologia não é <strong>de</strong>terminada por uma métrica.<br />
24<br />
A convergência em medida foi <strong>de</strong>finida por Riesz em 1909.
354 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
1. Seja fn : R → R a função característica <strong>de</strong> [n, n + 1]. É claro que fn → 0<br />
pontualmente, mas fn não converge para 0 em L p (R), para qualquer 1 ≤ p ≤<br />
∞, porque fnp = 1. A sucessão fn também não converge para 0 em medida.<br />
2. Se fn(x) = nχIn(x), on<strong>de</strong> In = [0, 1<br />
n ], então fn converge pontualmente e em<br />
medida, mas não converge em Lp .<br />
3. Com n, k ∈ N, e 0 ≤ k < n, seja In,k = <br />
k k+1 , , e gn,k a respectiva função<br />
n n<br />
característica. Rein<strong>de</strong>xamos as funções gn,k, <strong>de</strong>finindo hm = gn,k, quando<br />
m = nq + k. A sucessão hn converge em Lp , mas não converge pontualmente.<br />
As funções nhn convergem em medida, mas não convergem em Lp .<br />
A topologia da convergência uniforme é sempre mais forte do que a<br />
topologia da convergência pontual, e mais forte do que a topologia <strong>de</strong> L p ,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que µ(X) < ∞, o que é reflectido no próximo lema. Deixamos a<br />
respectiva <strong>de</strong>monstração para o exercício 5.<br />
Lema 5.6.3. Se fn −f∞ → 0, então fn → f pontualmente, e em medida.<br />
Se µ(X) < ∞, então fn → f em L p , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞.<br />
A topologia <strong>de</strong> L p po<strong>de</strong> ser introduzida no espaço Fµ(X), através da<br />
métrica, ou distância, d, dada por d(f,g) = min{1, f − g p }. A topologia<br />
da convergência em medida é mais fraca do que a topologia <strong>de</strong> L p :<br />
Proposição 5.6.4. Dada uma sucessão fn ∈ Fµ(X), se fn → f em L p ,<br />
então fn converge para f em medida.<br />
Demonstração. Fixado ε > 0, seja En = {x ∈ X : |fn(x) − f(x)| > ε}. Temos<br />
a provar que µ(En) → 0, e <strong>de</strong>ixamos o caso p = ∞ para o exercício 7.<br />
Temos fn → f em L p , don<strong>de</strong><br />
<br />
fn − fp =<br />
X<br />
|fn − f| p 1<br />
p<br />
dµ<br />
É evi<strong>de</strong>nte que µ(En) → 0.<br />
<br />
≥<br />
En<br />
|fn − f| p 1<br />
p<br />
dµ<br />
≥ εµ(En) 1<br />
p ≥ 0.<br />
Demonstramos a seguir três resultados clássicos, <strong>de</strong>vidos a Riesz, Egorov<br />
( 25 ), e Lebesgue, que relacionam alguns <strong>de</strong>stes modos <strong>de</strong> convergência. O<br />
primeiro <strong>de</strong>stes resultados envolve a convergência em medida e a convergência<br />
pontual:<br />
Teorema 5.6.5 (Teorema <strong>de</strong> Riesz). Dada uma sucessão fn ∈ Fµ(X), se<br />
fn ⇒ f então existe uma subsucessão fnk → f pontualmente.<br />
25 Dimitri Egorov, 1869-1931, matemático russo, <strong>de</strong> quem Luzin foi aluno. Foi professor<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Moscovo, e ocupou cargos muito relevantes, mas foi duramente<br />
perseguido pelas autorida<strong>de</strong>s soviéticas pelas suas convicções religiosas. Morreu no seguimento<br />
<strong>de</strong> uma greve da fome, que iniciou na prisão.
5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 355<br />
Demonstração. Fixado k ∈ N, temos<br />
lim<br />
n→∞ µ<br />
<br />
x ∈ X : |fn(x) − f(x)| ≥ 1<br />
<br />
k<br />
Portanto, para cada k existe um natural nk tal que<br />
<br />
<br />
1<br />
µ x ∈ X : |fnk (x) − f(x)| ≥<br />
k<br />
Definimos:<br />
a) gk = fnk ,<br />
= 0.<br />
< 1<br />
.<br />
2k b) Ek = {x ∈ X : |gk(x) − f(x)| ≥ 1<br />
k }, don<strong>de</strong> µ(Ek) < 1<br />
2 k.<br />
c) Fm = ∪∞ k=mEk, e F = ∩∞ m=1Fm, don<strong>de</strong> µ(Fm) < ∞ k=m 1<br />
µ(F) = 0.<br />
2k = 1<br />
2m−1, e<br />
Se x ∈ F, i.e., se x ∈ Fm para algum m, então x ∈ Ek para todo o k ≥ m,<br />
e portanto |gk(x) − f(x)| < 1<br />
k para k ≥ m, don<strong>de</strong> gk(x) → f(x). Como<br />
gk(x) → f(x) para x ∈ F e µ(F) = 0 temos que gk → f pontualmente.<br />
Quando uma sucessão converge em duas topologias distintas, não é necessariamente<br />
verda<strong>de</strong> que o respectivo limite seja in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da topologia<br />
em causa. O teorema <strong>de</strong> Riesz mostra que este problema não existe,<br />
no caso <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções que convergem <strong>de</strong> acordo com mais <strong>de</strong> um<br />
dos critérios que mencionámos (exercício 2). Passamos a <strong>de</strong>monstrar uma<br />
relação algo surpreen<strong>de</strong>nte entre convergência pontual e convergência uniforme.<br />
Teorema 5.6.6 (Teorema <strong>de</strong> Egorov). Se fn(x) → f(x),µ-qtp em X,<br />
e µ(X) < +∞, então para qualquer ε > 0 existe um conjunto E com<br />
µ(X\E) < ε tal que fn → f uniformemente em E.<br />
Demonstração. Para cada n,k ∈ N, seja<br />
<br />
En,k = x ∈ X : |fn(x) − f(x)| < 1<br />
<br />
.<br />
k<br />
Consi<strong>de</strong>ramos igualmente os conjuntos<br />
Fm,k =<br />
∞<br />
n=m<br />
En,k ր Ck =<br />
∞<br />
m=1<br />
Fm,k, e C =<br />
∞<br />
Ck.<br />
É fácil verificar que fn(x) → f(x) se e só se x ∈ C. Tomando k fixo, sabemos<br />
que µ(Fm,k) ր µ(Ck) < ∞. Concluímos que, para cada k, existe um natural<br />
pk tal que<br />
µ(Ck\Fpk,k) < ε<br />
.<br />
2k k=1
356 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto E, on<strong>de</strong><br />
E =<br />
∞<br />
k=1<br />
Fpk,k.<br />
Dado qualquer natural k, supomos que n ≥ pk e tomamos qualquer x ∈ E.<br />
Como x ∈ Fpk,k, concluimos que |fn(x)−f(x)| < 1<br />
k , don<strong>de</strong> fn → f uniformemente<br />
em E. Por outro lado, é fácil verificar que C\E ⊆ ∪ ∞ m=1 (Ck\Fpk,k),<br />
don<strong>de</strong> se segue imediatamente que µ(C\E) < ε. Como o complementar <strong>de</strong><br />
C tem medida nula, o resultado está <strong>de</strong>monstrado.<br />
O resultado seguinte relaciona a convergência pontual com a convergência<br />
em medida. Mais uma vez, só é aplicável quando µ(X) < +∞.<br />
Teorema 5.6.7 (Teorema <strong>de</strong> Lebesgue). Se fn → f pontualmente e µ(X) <<br />
+∞ então fn ⇒ f.<br />
Demonstração. Dado ε > 0, seja<br />
En = {x ∈ X : |fn(x) − f(x)| ≥ ε} .<br />
Dado δ > 0, sabemos do teorema <strong>de</strong> Egoroff que existe E ⊆ X tal que<br />
fn → f uniformemente em E, e µ(X\E) < δ.<br />
Existe, por isso, um natural p tal que n > p ⇒ |fn(x) − f(x)| < ε, para<br />
qualquer x ∈ E. É portanto óbvio que para n > p temos En ⊆ (X\E),<br />
don<strong>de</strong> n > p ⇒ µ(En) < δ.<br />
É tradicional dizer que a topologia usual <strong>de</strong> um qualquer espaço vectorial<br />
normado, associada à respectiva norma, é a sua topologia forte. Além<br />
<strong>de</strong>sta, é muito comum a utilização das chamadas topologias “fraca”, e<br />
“fraca ∗ ”, que se lê “fraca estrela”. Estas duas últimas são mais fracas do<br />
que a topologia “forte”, como o respectivo nome indica, e, em geral, não<br />
são metrizáveis. A próxima <strong>de</strong>finição indica os critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />
sucessões que estão associados a estas topologias( 26 ).<br />
Definição 5.6.8 (Topologias Fraca, e Fraca ∗ ). Seja V um espaço vectorial<br />
normado, e V ∗ o seu dual topológico.<br />
a) A sucessão <strong>de</strong> termo geral xn ∈ V converge para x na topologia<br />
fraca se e só se T(xn) → T(x), para qualquer T ∈ V ∗ .<br />
b) A sucessão <strong>de</strong> termo geral Tn ∈ V ∗ converge para T na topologia<br />
fraca ∗ se e só se Tn(x) → T(x), para qualquer x ∈ V.<br />
Exemplos 5.6.9.<br />
26 Mas que, como já observámos, não especificam completamente as correspon<strong>de</strong>ntes<br />
topologias.
5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 357<br />
1. A sucessão <strong>de</strong> funções fn(x) = sen(nx) converge para 0 na topologia fraca<br />
<strong>de</strong> L 1 ([0, 2π]) (recor<strong>de</strong> o exercício 6 da secção 3.4).<br />
2. A topologia fraca ∗ é a usual convergência pontual <strong>de</strong> funções, restrita ao<br />
espaço das transformações lineares contínuas.<br />
3. De acordo com o Teorema <strong>de</strong> Riesz, se V = L p , e 1 < p < ∞, então V ∗∗ = V.<br />
Portanto, as topologias fraca e fraca ∗ são iguais em L p∗<br />
, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que 1 < p < ∞.<br />
A título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, indicamos aqui um resultado que sugere algumas<br />
das vantagens associadas a estas topologias fracas:<br />
Teorema 5.6.10 (Teorema <strong>de</strong> Alaoglu). A bola fechada unitária {T ∈ V ∗ :<br />
T ≤ 1} é compacta na topologia fraca ∗ .<br />
Exercícios.<br />
Uniforme <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Em L <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
p<br />
<br />
Egorov<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
TCDL<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Lebesgue<br />
<br />
<br />
<br />
Pontual <br />
Em medida<br />
Riesz<br />
Figura 5.6.1: Relações entre modos <strong>de</strong> convergência<br />
1. Suponha que fn, gn ∈ Fµ(X), α ∈ R, fn → f, e gn → g, pontualmente<br />
(respectivamente, em medida, em L p ). Prove que fn+gn → f +g, e αfn → αf,<br />
pontualmente (respectivamente, em medida, em L p ).<br />
2. Suponha que fn ∈ Fµ(X), fn → f, e fn → g, <strong>de</strong> acordo com dois critérios<br />
<strong>de</strong> convergência distintos (pontualmente, em medida, ou em L p ). Prove que<br />
f = g.<br />
3. Suponha que fn ∈ Fµ(X), e fn − fm → 0 pontualmente (respectivamente,<br />
em medida). Prove que existe f ∈ Fµ(X) tal que fn → f pontualmente<br />
(respectivamente, em medida).
358 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
4. Seja V um espaço vectorial normado. Mostre que se a sucessão <strong>de</strong> termo geral<br />
Tn converge na topologia fraca <strong>de</strong> V ∗ , então converge igualmente na topologia<br />
fraca ∗ .<br />
5. Demonstre o lema 5.6.3.<br />
6. Supondo µ(X) < ∞, e f, g ∈ Fµ(X), <strong>de</strong>finimos<br />
<br />
|f − g|<br />
d(f, g) =<br />
1 + |f − g| dµ.<br />
Mostre que:<br />
a) d é uma métrica em Fµ(X).<br />
b) d(fn, f) → 0 se e só se fn ⇒ f.<br />
7. Demonstre a proposição 5.6.4, para p = ∞.<br />
8. Os teoremas 5.6.6 e 5.6.7 são aplicáveis em espaços σ-finitos?<br />
X<br />
9. Mostre que, em geral, a bola unitária fechada B1(0) = {v ∈ V : v ≤ 1}<br />
não é compacta na topologia forte. sugestão: Consi<strong>de</strong>re os espaços ℓ p .<br />
5.7 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />
Estudamos nesta secção versões mais abstractas do teorema <strong>de</strong> Fubini-<br />
Lebesgue, agora aplicáveis no produto cartesiano <strong>de</strong> quaisquer dois espaços<br />
<strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν). A teoria que vamos <strong>de</strong>senvolver exige a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida com suporte no produto cartesiano dos<br />
espaços <strong>de</strong> medida indicados, e para isso <strong>de</strong>monstraremos o seguinte resultado.<br />
Teorema 5.7.1. Dados espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν), existe um espaço<br />
(X × Y, M ⊗ N,µ ⊗ ν) com (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B), para quaisquer<br />
conjuntos A ∈ M e B ∈ N.<br />
O caso particular <strong>de</strong>ste teorema com (Y, N,ν) = (R, B(R),m) é o teorema<br />
5.1.7, que estudámos a propósito da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
“em or<strong>de</strong>m à medida µ”. A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.1 segue aliás os mesmos<br />
passos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.7, mas usando agora os resultados da secção<br />
anterior sobre integrais <strong>de</strong> Lebesgue em or<strong>de</strong>m a uma qualquer medida.<br />
Fixados os espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν), <strong>de</strong>finimos:<br />
• A classe R formada pelos “rectângulos” A × B ⊆ X × Y , com<br />
A ∈ M e B ∈ N,<br />
• A função λ : R → [0,+∞] dada por ζ(A × B) = µ(A)ν(B), e
5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 359<br />
• A classe E formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> “rectângulos” em R, ditos<br />
novamente conjuntos “elementares”. Deixamos para o exercício 1<br />
verificar que E é uma álgebra em X × Y .<br />
Lema 5.7.2. A função λ é σ-aditiva na classe R.<br />
Demonstração. Segue precisamente os passos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.18:<br />
Seja A×B = ∪ ∞ n=1 An ×Bn, com A,An ∈ M,B,Bn ∈ N, e os “rectângulos”<br />
An × Bn disjuntos. As secções (A × B) y e (An × Bn) y , com y ∈ Y , são<br />
dadas, novamente, por:<br />
<br />
A, se y ∈ B,<br />
• (A × B) y =<br />
, e (An × Bn)<br />
∅, se y ∈ B.<br />
y =<br />
An, se y ∈ Bn,<br />
∅, se y ∈ Bn.<br />
Segue-se, mais uma vez, e por razões evi<strong>de</strong>ntes, que<br />
<br />
<br />
µ (A × B) y = µ(A)χB(y) e µ (An × Bn) y = µ(An)χBn(y), para y ∈ Y.<br />
As secções (An × Bn) y são conjuntos disjuntos, e, por isso,<br />
µ(A)χB(y) =<br />
∞<br />
µ(An)χBn(y).<br />
n=1<br />
Integramos esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> termo-a-termo, usando o teorema 5.2.19. Temos<br />
novamente<br />
∞<br />
∞<br />
µ(A)ν(B) = µ(An)ν(Bn), i.e., λ(A × B) = λ(An × Bn).<br />
n=1<br />
Po<strong>de</strong>mos alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ à classe E dos conjuntos “elementares”,<br />
<strong>de</strong>monstrando o próximo lema exactamente como 5.1.19.<br />
Lema 5.7.3. Se E é “elementar”, i.e., se E ∈ E, então<br />
n=1<br />
a) E é uma união finita <strong>de</strong> “rectângulos” em R disjuntos, e<br />
b) Se P = {A1 × B1, · · · ,Am × Bm} e Q = {C1 × D1, · · · ,Cn × Dn} são<br />
partições <strong>de</strong> E em “rectângulos” em R, então<br />
m<br />
λ(Aj × Bj) =<br />
j=1<br />
n<br />
λ(Ck × Dk).<br />
Definição 5.7.4. Se E ∈ E e P = {A1 ×B1,A2 ×B2, · · · ,Am ×Bm} é uma<br />
partição <strong>de</strong> E em conjuntos <strong>de</strong> R, <strong>de</strong>finimos<br />
λ(E) =<br />
m<br />
λ(Aj × Bj) =<br />
j=1<br />
k=1<br />
m<br />
µ(Aj)ν(Bj).<br />
j=1
360 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
É claro que a função λ é σ-aditiva na álgebra E, e segue-se do teorema<br />
<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn (5.1.16) que:<br />
Teorema 5.7.5. Existe um espaço <strong>de</strong> medida (X ×Y, K,ρ) tal que R ⊆ E ⊆<br />
K e ρ(E) = λ(E), para qualquer conjunto E ∈ E.<br />
A σ-álgebra K referida acima contém a classe R, e por isso M ⊗ N ⊆ K.<br />
A restrição da medida ρ à σ-álgebra M⊗N é a medida µ⊗ν, o que termina<br />
a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.1. Temos naturalmente que<br />
<br />
∞<br />
∞<br />
<br />
(µ ⊗ ν)(E) = inf µ(An)ν(Bn) : E ⊆ An × Bn,An ∈ M,Bn ∈ N .<br />
n=1<br />
Estabelecido assim o primeiro resultado que nos tínhamos proposto <strong>de</strong>monstrar<br />
nesta secção, passamos ao estudo do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />
na forma aplicável a conjuntos:<br />
Teorema 5.7.6 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I)). Dados espaços <strong>de</strong> medida<br />
σ-finitos (X, M,µ) e (Y, N,ν), e supondo que o conjunto E ⊆ X × Y<br />
é M ⊗ N-mensurável, então<br />
n=1<br />
a) As secções Ex = {y ∈ Y : (x,y) ∈ E} ∈ N, para todo o x ∈ X,<br />
b) As secções E y = {x ∈ Y : (x,y) ∈ E} ∈ M, para todo o y ∈ Y ,<br />
c) A função A(x) = ν(Ex) é M-mensurável em X,<br />
d) A função B(y) = µ(Ey ) é N-mensurável em Y , e<br />
<br />
ν(Ex)dµ = µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E).<br />
X<br />
Y<br />
Para provar este resultado, consi<strong>de</strong>ramos a classe FL(µ ⊗ ν), formada<br />
pelos conjuntos em M ⊗ N que satisfazem todas as condições indicadas em<br />
5.7.6. Note que a <strong>de</strong>finição seguinte ignora as condições 5.7.6 a) e b), já que<br />
estas são satisfeitas por todos os conjuntos em M⊗N, conforme verificámos<br />
em 5.1.10.<br />
Definição 5.7.7 (A Classe FL(µ⊗ν)). Designamos por FL(µ⊗ν) a classe<br />
dos conjuntos E ∈ M ⊗ N tais que:<br />
a) A função A(x) = ν(Ex) é M-mensurável em X,<br />
b) A função B(y) = µ(Ey ) é N-mensurável em Y , e<br />
<br />
ν(Ex)dµ = µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E).<br />
X<br />
Y
5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 361<br />
Nesta terminologia, o teorema 5.7.6 é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> FL(µ ⊗ν) = M ⊗ N.<br />
Mostramos a seguir que FL(µ ⊗ ν) contém os conjuntos “elementares”.<br />
Lema 5.7.8. E ⊆ FL(µ ⊗ ν).<br />
Demonstração. Suponha-se que E = A × B é um “rectângulo”. Temos<br />
A ∈ M e B ∈ N, e sabemos que<br />
A(x) = ν(Ex) = ν(B)χA(x), e B(y) = µ(E y ) = µ(A)χB(y).<br />
É evi<strong>de</strong>nte que estas funções são mensuráveis, e que<br />
<br />
Adµ =ν(B) χAdµ = ν(B)µ(A) = (µ ⊗ ν)(E) = µ(A)ν(B) =<br />
X X<br />
<br />
=µ(A) χBdν = Bdν.<br />
Se E é um conjunto “elementar”, temos<br />
E =<br />
Y<br />
Y<br />
m<br />
An × Bn, com An ∈ M e Bn ∈ N,<br />
n=1<br />
on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos supor que os “rectângulos” An×Bn são disjuntos. Um cálculo<br />
simples, semelhante ao que fizémos na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.2, mostra que<br />
A(x) = ν(Ex) =<br />
m<br />
ν(Bn)χAn(x) e B(y) = µ(E y ) =<br />
n=1<br />
m<br />
µ(An)χBn(y).<br />
A e B são, portanto, funções simples mensuráveis, respectivamente em<br />
(X, M), e em (Y, N), e temos<br />
<br />
X<br />
Adµ =<br />
m<br />
<br />
ν(Bn)µ(An) = (µ ⊗ ν)(E) =<br />
n=1<br />
n=1<br />
Y<br />
Bdν.<br />
Como M⊗N é a σ-álgebra gerada pelos “rectângulos”, provaríamos que<br />
M⊗N ⊆ FL(µ⊗ν), e portanto que M⊗N = FL(µ⊗ν), estabelecendo que<br />
FL(µ⊗ν) é uma σ-álgebra, mas esta i<strong>de</strong>ia não é fácil <strong>de</strong> aplicar directamente.<br />
É mais simples aproveitar outras proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> FL(µ ⊗ ν):<br />
Lema 5.7.9. Suponha-se que os conjuntos En,Fn ∈ FL(µ ⊗ ν). Temos<br />
então:<br />
a) Se En ր E = ∪ ∞ n=1 En, então E ∈ FL(µ ⊗ ν), e<br />
b) Se Fn ց F = ∩ ∞ n=1 Fn, então F ∈ FL(µ ⊗ ν).
362 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
Demonstração. Demonstramos a), <strong>de</strong>ixando b) para o exercício 2. O argumento<br />
que utilizamos é idêntico para as secções Ex e E y , e ilustramo-lo<br />
usando as secções Ex. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que:<br />
En ր E =<br />
∞<br />
En =⇒ (En)x ր<br />
n=1<br />
∞<br />
(En)x = Ex.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos as funções A(x) = ν(Ex) e An(x) = ν((En)x). As funções An<br />
são M-mensuráveis por hipótese, e o teorema da convergência monótona<br />
para medidas mostra que An ր A. Concluímos do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi<br />
que A é M-mensurável, e<br />
<br />
(i) Andµ → Adµ.<br />
X<br />
Como En ∈ FL(µ ⊗ ν), e ainda do teorema da convergência monótona para<br />
medidas, temos<br />
<br />
(ii) Andµ = (µ ⊗ ν)(En) → (µ ⊗ ν)(E).<br />
Obtemos assim que (µ ⊗ ν)(E) = <br />
X<br />
X<br />
X<br />
n=1<br />
Adµ, i.e., E ∈ FL(µ ⊗ ν).<br />
As seguintes noções abstractas são sugeridas pelo lema anterior.<br />
Definição 5.7.10 (Classe Monótona). Seja C uma classe <strong>de</strong> subconjuntos<br />
do conjunto Z. Dizemos que C é uma classe monótona se e só se:<br />
a) En ∈ C e En ր E =⇒ E ∈ C, e<br />
b) Fn ∈ C e Fn ց F =⇒ F ∈ C.<br />
Exemplos 5.7.11.<br />
1. FL(µ ⊗ ν) é uma classe monótona, <strong>de</strong> acordo com 5.7.9.<br />
2. Qualquer σ-álgebra, em particular M⊗N, é igualmente uma classe monótona.<br />
3. A classe dos intervalos em R não é uma álgebra, mas é uma classe monótona.<br />
4. Os conjuntos elementares em [0, 1] formam uma álgebra que não é monótona.<br />
Deixamos para o exercício 3 a <strong>de</strong>monstração do seguinte lema.<br />
Lema 5.7.12. Se A é uma classe monótona, então A é uma σ-álgebra se e<br />
só se A é uma álgebra.<br />
Apresentámos no capítulo 2 a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> σ-álgebra gerada por uma<br />
classe <strong>de</strong> conjuntos. Observamos agora que o mesmo procedimento po<strong>de</strong> ser<br />
aplicado também a classes monótonas.
5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 363<br />
Definição 5.7.13 (Classe Monótona Gerada por S). Se S é uma classe<br />
<strong>de</strong> subconjuntos do conjunto Z, a classe monótona gerada por S é a<br />
intersecção <strong>de</strong> todas as classes monótonas em Z que contém S, e <strong>de</strong>signa-se<br />
aqui mon(S).<br />
É muito fácil verificar que mon(S) é a menor classe monótona que contém<br />
a classe S (exercício 6). Temos ainda:<br />
Lema 5.7.14. Se S é uma álgebra então mon(S) é uma σ-álgebra. Em<br />
particular, mon(E) é uma σ-álgebra que contém E.<br />
Demonstração. Dado E ∈ mon(S), consi<strong>de</strong>ramos a classe auxiliar<br />
comp(E) = {F ∈ mon(S) : E\F,F \E,E ∪ F ∈ mon(S)} ⊆ mon(S).<br />
Provamos primeiro que:<br />
(i) Se E ∈ S então S ⊆ comp(E) = mon(S).<br />
Demonstração. comp(E) é uma classe monótona (exercício 5). Como<br />
S é por hipótese uma álgebra,<br />
E,F ∈ S =⇒ E\F,F \E,E ∪ F ∈ S ⊆ mon(S), i.e.<br />
S ⊆ comp(E), e comp(E) é uma classe monótona que contém S.<br />
Como mon(S) é a classe monótona gerada por S, temos comp(E) ⊇<br />
mon(S), don<strong>de</strong> comp(E) = mon(S).<br />
Provamos agora que:<br />
(ii) Se E ∈ mon(S) então S ⊆ comp(E) = mon(S), e mon(S) é uma<br />
semi-álgebra.<br />
Demonstração. comp(E) é ainda uma classe monótona. De acordo<br />
com (i), se F ∈ S temos E ∈ comp(F), i.e., F ∈ comp(E), e S ⊆<br />
comp(E). comp(E) é mais uma vez uma classe monótona que contém<br />
S, don<strong>de</strong> comp(E) ⊇ mon(S), e comp(E) = mon(S). Em particular,<br />
se E,F ∈ mon(S) então E\F,F \E,E∪F ∈ mon(S), e mon(S) é uma<br />
semi-álgebra.<br />
Como S é uma álgebra temos Z ∈ S, don<strong>de</strong> Z ∈ mon(S), e mon(S) é<br />
também uma álgebra. Segue-se <strong>de</strong> 5.7.12 que mon(S) é uma σ-álgebra.<br />
A <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 5.7.6 é uma aplicação<br />
muito simples <strong>de</strong>ste último resultado:<br />
Demonstração. Limitamo-nos a observar que
364 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
• M ⊗ N ⊆ mon(E), porque mon(E) é uma σ-álgebra que contém E, e<br />
• mon(E) ⊆ FL(µ ⊗ ν), porque FL(µ ⊗ ν) é uma classe monótona que<br />
contém E.<br />
Como FL(µ ⊗ν) ⊆ M ⊗ N, temos M ⊗ N = mon(E) = FL(µ ⊗ν).<br />
Estabelecido o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma aplicável a conjuntos,<br />
é possível aplicá-lo igualmente a funções. Consi<strong>de</strong>ramos a seguir o caso<br />
<strong>de</strong> funções simples M ⊗ N-mensuráveis e não-negativas.<br />
Lema 5.7.15. Se f : X × Y → [0,+∞[ é simples e M ⊗ N-mensurável,<br />
<br />
X<br />
a) As funções gx(y) = f(x,y) são simples e N-mensuráveis, para todo o<br />
x ∈ X,<br />
b) As funções hy(x) = f(x,y) são simples e M-mensuráveis, para todo<br />
o y ∈ Y ,<br />
c) A função A(x) = <br />
Y gxdν é M-mensurável e não-negativa,<br />
d) A função B(y) = <br />
X hydµ é N-mensurável e não-negativa, e<br />
<br />
Adµ =<br />
X<br />
<br />
Y<br />
<br />
gxdν dµ = hydµ dν = Bdν = fd(µ⊗ν).<br />
Y X<br />
Y X×Y<br />
Demonstração. Suponha-se que E é um conjunto M ⊗ N-mensurável, e<br />
f = χE é a função característica <strong>de</strong> E, don<strong>de</strong><br />
<br />
(µ ⊗ ν)(E) = fd(µ ⊗ ν).<br />
X×Y<br />
De acordo com o teorema 5.7.6 aplicado a E, temos que:<br />
• Os conjuntos Ex são N-mensuráveis, i.e.,<br />
• As funções gx(y) = f(x,y) = χEx(y) são N-mensuráveis,<br />
• A função A(x) = ν(Ex) = <br />
Y gxdν é M-mensurável, e<br />
<br />
(µ ⊗ ν)(E) =<br />
X<br />
<br />
Adµ =<br />
X<br />
<br />
Y<br />
<br />
gxdν dµ.<br />
O resultado fica assim <strong>de</strong>monstrado para a função A. É claro que o<br />
mesmo argumento é aplicável à função B, o que termina a <strong>de</strong>monstração<br />
quando f é uma função característica.<br />
Se f é uma função simples, então f é uma combinação linear finita <strong>de</strong><br />
funções características, e o resultado segue-se da linearida<strong>de</strong> e homogeneida<strong>de</strong><br />
do integral.
5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 365<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções mensuráveis não-negativas<br />
é um corolário do resultado anterior, obtido aproximando a função f por<br />
funções simples mensuráveis. A sua <strong>de</strong>monstração é o exercício 7.<br />
Teorema 5.7.16 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y →<br />
[0,+∞] é M ⊗ N-mensurável,<br />
a) As funções gx(y) = f(x,y) são N-mensuráveis, para todo o x ∈ X,<br />
b) As funções hy(x) = f(x,y) são M-mensuráveis, para todo o y ∈ Y ,<br />
c) A função A(x) = <br />
Y gxdν é M-mensurável,<br />
d) A função B(y) = <br />
X hydµ é N-mensurável, e<br />
<br />
X<br />
<br />
Y<br />
<br />
gxdν dµ = hydµ dν = fd(µ ⊗ ν).<br />
Y X<br />
X×Y<br />
O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções somáveis obtem-se aplicando<br />
o resultado anterior separadamente às partes positiva e negativa <strong>de</strong> f. A<br />
respectiva <strong>de</strong>monstração é ainda parte do exercício 7.<br />
Teorema 5.7.17 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (III)). Se f : X × Y → R é<br />
M ⊗ N-mensurável, e mantendo a notação do teorema anterior, temos<br />
<br />
|gx|dν dµ = |hy|dµ dν = |f|d(µ ⊗ ν).<br />
Y X<br />
X×Y<br />
X<br />
Y<br />
Em particular, se pelo menos um <strong>de</strong>stes integrais é finito então todos são<br />
finitos, e f é (µ ⊗ ν)-somável. Se f é (µ ⊗ ν)-somável então as funções gx<br />
e B são ν-somáveis, hy e A são µ-somáveis, e<br />
<br />
X<br />
<br />
Y<br />
<br />
gxdν dµ = hydµ dν = fd(µ ⊗ ν).<br />
Y X<br />
X×Y<br />
As diferenças entre os enunciados apresentados nesta secção e os seus<br />
correspon<strong>de</strong>ntes para a medida <strong>de</strong> Lebesgue nos espaços R N , tal como indicados<br />
em 3.3, resultam naturalmente dos seguintes factos:<br />
(1) L(R N ) ⊗ L(R M ) = L(R N+M ), o que mostra que a teoria em 3.3 não é<br />
um caso particular dos resultados <strong>de</strong>sta secção, e<br />
(2) Os espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) não foram aqui supostos completos.<br />
É simples introduzir neste contexto abstracto as extensões completas apropriadas,<br />
<strong>de</strong>finidas pelo processo que indicámos em 2.3.17.<br />
Exemplos 5.7.18.
366 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />
1. A menor extensão completa <strong>de</strong> (X ×Y, M⊗N, µ⊗ν) é o espaço (X ×Y, K, ρ),<br />
que mencionámos em 5.7.5.<br />
2. A menor extensão completa <strong>de</strong> L(R N ) ⊗ L(R M ) é L(R N+M ).<br />
Po<strong>de</strong>mos adaptar os resultados <strong>de</strong>sta secção usando espaços completos,<br />
e assim generalizar efectivamente a teoria <strong>de</strong>senvolvida em 3.3. A título <strong>de</strong><br />
ilustração, e supondo que os espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) são completos, o<br />
teorema 5.7.16 tem o seguinte análogo, que efectivamente generaliza 3.3.17.<br />
Teorema 5.7.19 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y →<br />
[0,+∞] é K-mensurável,<br />
a) As funções gx(y) = f(x,y) são N-mensuráveis, µ-qtp em X,<br />
b) As funções hy(x) = f(x,y) são M-mensuráveis, ν-qtp em Y ,<br />
c) A função A(x) = <br />
Y gxdν está <strong>de</strong>finida µ-qtp em X e é M-mensurável,<br />
d) A função B(y) = <br />
X hydµ está <strong>de</strong>finida ν-qtp em Y , é N-mensurável,<br />
e<br />
<br />
X<br />
<br />
Y<br />
<br />
gxdλ dµ = hydµ dν = fdρ.<br />
Y X<br />
X×Y<br />
É talvez mais interessante investigar até que ponto as hipóteses básicas<br />
usadas nesta secção (e implicitamente também em 3.3) são realmente necessárias.<br />
Repare-se que supusemos sempre:<br />
• Os espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν) σ-finitos, e<br />
• A função f mensurável (e somável, se muda <strong>de</strong> sinal) em X × Y .<br />
Vimos já em exemplos simples nos exercícios da secção 3.3 que a somabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> f é essencial. Não mostraremos aqui por que razão não po<strong>de</strong>mos<br />
concluir a mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f, mesmo supondo que as funções auxiliares<br />
gx e hy são mensuráveis, porque se trata <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong>licada, mais<br />
uma vez relacionada com os fundamentos da Teoria dos Conjuntos.<br />
É no<br />
entanto relativamente simples mostrar que o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />
não é válido se algum dos espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) não for σ-finito.<br />
Exemplo 5.7.20.<br />
Tomamos X = Y = [0, 1], sendo µ = # a medida <strong>de</strong> contagem e M = P(X), e<br />
ν = m a medida <strong>de</strong> Lebesgue, com N = L(Y ). Definimos f(x, y) = 1 se x = y,<br />
e f(x, y) = 0, se x = y. O espaço (X, M, µ) não é σ-finito, e <strong>de</strong>ixamos como<br />
exercício verificar a mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f, e mostrar que neste caso temos<br />
<br />
gxdν dµ = hydµ dν.<br />
X<br />
Y<br />
Y<br />
X
5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 367<br />
Exercícios.<br />
1. Mostre que a classe E formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> “rectângulos” em R<br />
(os conjuntos “elementares”) é uma álgebra em X × Y .<br />
2. Demonstre 5.7.9b). sugestão: Suponha primeiro que os espaços (X, M, µ)<br />
e (Y, N, λ) são finitos, e <strong>de</strong>pois generalize o argumento para espaços σ-finitos.<br />
3. Mostre que a classe monótona A é uma σ-álgebra se e só se A é uma álgebra.<br />
4. Verifique as afirmações feitas no texto nos exemplos 5.7.11.2 a 5.7.11.4.<br />
5. Para concluir a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.14, verifique que comp(E) é uma classe<br />
monótona.<br />
6. Seja S uma classe <strong>de</strong> subconjuntos do conjunto Z. Recor<strong>de</strong> 5.7.13, e mostre<br />
que mon(S) é a menor classe monótona que contém S, i.e., prove que:<br />
a) Se M é uma classe monótona que contém S então mon(S) ⊆ M,<br />
b) mon(S) é uma classe monótona e S ⊆ mon(S), e<br />
c) Mostre que se S é uma álgebra então mon(S) é uma σ-álgebra.<br />
7. Demonstre o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue nas suas versões 5.7.16 e 5.7.17.<br />
8. Consi<strong>de</strong>re o exemplo 5.7.20. Mostre que a função f é M ⊗ N-mensurável,<br />
mas <br />
gxdλ dµ = 0, e hydµ dλ = 1.<br />
X<br />
Y<br />
Y<br />
X
Índice<br />
368
Índice<br />
acontecimento, 93<br />
aditivida<strong>de</strong>, 10, 15, 20<br />
álgebra <strong>de</strong> conjuntos, 19<br />
axioma da escolha, 131<br />
B(x,r),Br(x), 52<br />
Baire<br />
categorias <strong>de</strong>, 126<br />
Teorema <strong>de</strong>, 126<br />
Barrow, regra <strong>de</strong>, 60<br />
Bola aberta, 52<br />
B(R N ), 115<br />
BV (I), 255<br />
C(I), 30<br />
Cε(I), 79<br />
cardinal, 21, 93<br />
categorias <strong>de</strong> Baire, 126<br />
C k c (RN ),C0(R N ), 210<br />
classe monótona, 362<br />
gerada por, 363<br />
˜cN, 77<br />
cobertura<br />
sequencial, 140<br />
combinação convexa, 198<br />
comprimento, 9<br />
do gráfico <strong>de</strong> uma função, 67<br />
condição <strong>de</strong> Lipschitz, 263<br />
conjunto<br />
Borel-mensurável, 115<br />
<strong>de</strong> Borel, 115<br />
<strong>de</strong> Cantor, 30<br />
<strong>de</strong> Dirichlet, 31<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 103<br />
<strong>de</strong> Volterra, 79<br />
<strong>de</strong> Volterra generalizado, 123<br />
369<br />
<strong>de</strong>nso, 31<br />
diâmetro, 11<br />
elementar, 13<br />
Fσ, 115<br />
Gδ, 115<br />
Jordan-mensurável, 27<br />
Lebesgue-mensurável, 103<br />
mensurável, 91<br />
µ-negativo, 222<br />
µ-nulo, 219<br />
µ-positivo, 222<br />
µ ∗ -mensurável, 142<br />
nulo, 56<br />
perfeito, 34<br />
σ-compacto, 83<br />
σ-elementar, 77<br />
conteúdo, 9, 10, 15<br />
<strong>de</strong> Jordan, 27<br />
exterior, 26<br />
interior, 26<br />
continuida<strong>de</strong><br />
absoluta, 234, 263<br />
convergência<br />
em medida, 353<br />
em L p , 333<br />
pontual, 353<br />
convolução, 207<br />
<strong>de</strong>composição<br />
<strong>de</strong> Hahn, 222<br />
<strong>de</strong> Jordan, 220<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 236, 320<br />
<strong>de</strong>rivada<br />
<strong>de</strong> Radon-Nikodym, 322<br />
generalizada, 245<br />
no sentido das distribuições, 245
370 ÍNDICE<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r, 331<br />
<strong>de</strong> Minkowski, 332<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Jensen, 198<br />
diâmetro<br />
<strong>de</strong> conjunto, 11<br />
<strong>de</strong> partição, 11<br />
diferença <strong>de</strong> conjuntos, 13<br />
Dirichlet<br />
conjunto <strong>de</strong>, 31<br />
função <strong>de</strong>, 37<br />
distribuição<br />
<strong>de</strong> Dirac, 22, 92<br />
<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 246<br />
equivalência <strong>de</strong> funções, 154, 327<br />
E(R N ), 13<br />
Eσ(R N ), 77<br />
escada do Diabo, 64<br />
espaço<br />
<strong>de</strong> Banach, 206, 335<br />
<strong>de</strong> Hilbert, 335<br />
<strong>de</strong> medida, 93<br />
completo, 121<br />
finito, 93<br />
menor extensão completa, 121<br />
σ-finito, 93<br />
<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 93<br />
dual<br />
algébrico, 338<br />
topológico, 338<br />
euclidiano, 331<br />
L 1 , 201<br />
L p , 329<br />
L ∞ , 330<br />
mensurável, 91<br />
vectorial normado, 48<br />
espaço das medidas reais/complexas<br />
em (X, M), 231<br />
exemplo <strong>de</strong><br />
Cantor<br />
conjunto, 30<br />
função, 64<br />
Dirichlet<br />
conjunto, 31<br />
função, 37<br />
Hellinger, 283<br />
Riemann, 37<br />
Sierpinski, 136<br />
van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 68<br />
Vitali, 130<br />
Volterra<br />
conjunto, 79<br />
função, 83<br />
generalizado, 123<br />
expoentes conjugados, 331<br />
FL(µ ⊗ ν), 360<br />
Fµ, 314<br />
Fµ, 328<br />
função<br />
absolutamente contínua, 263<br />
Borel-mensurável, 151, 153<br />
côncava, 198<br />
característica, 37<br />
contínua<br />
<strong>de</strong> suporte compacto, 210<br />
convexa, 198<br />
<strong>de</strong> Cantor, 64<br />
<strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, 64<br />
<strong>de</strong> conjuntos, 20<br />
aditiva, 20<br />
monótona, 20<br />
σ-aditiva, 75<br />
σ-subaditiva, 75<br />
subaditiva, 20<br />
<strong>de</strong> Dirichlet, 37<br />
<strong>de</strong> escolha, 132<br />
<strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>, 22<br />
<strong>de</strong> Hellinger, 283<br />
<strong>de</strong> Riemann, 37<br />
<strong>de</strong> saltos, 251<br />
<strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 68<br />
<strong>de</strong> variação limitada, 255<br />
<strong>de</strong> Volterra, 83<br />
discreta, 251<br />
equivalente, 154
ÍNDICE 371<br />
escada do Diabo, 64<br />
gráfico, 43<br />
comprimento, 67<br />
Lebesgue-mensurável, 151, 153<br />
Lebesgue-somável, 151, 153<br />
mensurável, 310<br />
M-mensurável, 299<br />
µ-somável, 299<br />
oscilação, 52, 53<br />
parte contínua, 251<br />
parte discreta, 251<br />
parte negativa, 37<br />
parte positiva, 37<br />
região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, 35<br />
Riemann-integrável, 36<br />
semi-contínua<br />
superior, 285<br />
simples, 187<br />
sinal, 63<br />
singular, 285<br />
somável, 310<br />
suporte <strong>de</strong>, 210<br />
variação total, 255<br />
funcional, 45<br />
GE(f),ΓE(f), 157<br />
gráfico<br />
rectificável, 67<br />
Hellinger<br />
função <strong>de</strong>, 283<br />
medida <strong>de</strong>, 285<br />
impulso <strong>de</strong> Dirac, 22<br />
indicatriz <strong>de</strong> Banach, 259<br />
índice-K, 173<br />
integração por partes, 319<br />
integral<br />
<strong>de</strong> Lebesgue<br />
em or<strong>de</strong>m a µ, 299<br />
em or<strong>de</strong>m a mN, 151<br />
<strong>de</strong> Riemann, 36, 58<br />
<strong>de</strong> Stieltjes, 297<br />
<strong>de</strong>finido<br />
<strong>de</strong> Riemann, 45<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, 38<br />
homogeneida<strong>de</strong>, 38<br />
impróprio <strong>de</strong> Riemann, 70, 152<br />
absolutamente convergente,<br />
153<br />
in<strong>de</strong>finido<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 159<br />
<strong>de</strong> Riemann, 49<br />
inferior, 39<br />
paramétrico, 169<br />
superior, 39<br />
Jensen, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, 198<br />
J (R N ), 27<br />
Jσ(R N ), 77<br />
L(R N ), 103<br />
ℓ 1 , 314<br />
L 1 , 201<br />
Lema<br />
<strong>de</strong> Borel-Cantelli, 97<br />
<strong>de</strong> Fatou, 166, 312<br />
<strong>de</strong> Fatou (II), 167, 312<br />
<strong>de</strong> Jordan, 256<br />
<strong>de</strong> Riesz (Sol Nascente), 269,<br />
288<br />
Lipschitz<br />
condição <strong>de</strong>, 263<br />
Lµ(R N ), 237, 242<br />
µ-qtp, 219<br />
majorante essencial, 329<br />
M(B(R N )), 232<br />
medida<br />
absolutamente contínua, 234<br />
completa, 121, 232<br />
complexa, 91<br />
concentrada em S, 218<br />
<strong>de</strong> Borel, 236<br />
<strong>de</strong> Cantor, 249<br />
<strong>de</strong> contagem, 93<br />
<strong>de</strong> Dirac, 22, 92<br />
<strong>de</strong> Hellinger, 285<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 104<br />
<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 93
372 ÍNDICE<br />
discreta, 231<br />
exterior, 140<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 98<br />
finita, 91<br />
interior<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 101<br />
localmente finita, 239<br />
parte contínua, 250<br />
parte discreta, 250<br />
positiva, 91<br />
real, 91<br />
regular, 120, 242<br />
σ-finita, 93<br />
singular, 221<br />
suporte <strong>de</strong>, 220<br />
medidas <strong>de</strong><br />
Borel, 232<br />
Lebesgue-Stieltjes, 236<br />
minorante essencial, 329<br />
M(M, C), 231<br />
M(M, R), 231<br />
Mµ, 121, 232<br />
mN, 104<br />
m∗ N , 98<br />
M ⊗ N, 298<br />
NBV (I), 255<br />
norma, 48<br />
<strong>de</strong> L 1 , 46, 201<br />
<strong>de</strong> L p , 329<br />
<strong>de</strong> L ∞ , 215, 330<br />
normas equivalentes, 233, 334<br />
ωf, 53<br />
ΩR(f), 35<br />
Oscf(s), 52<br />
oscilação<br />
<strong>de</strong> função, 52, 53<br />
paradoxo <strong>de</strong> Banach-Tarski, 132<br />
partição, 11<br />
apropriada, 187, 188<br />
da unida<strong>de</strong>, 340<br />
diâmetro, 11<br />
refinamento, 12<br />
pente <strong>de</strong> Dirac, 22, 93, 231, 251<br />
πI, 173<br />
ponto <strong>de</strong> acumulação, 34<br />
probabilida<strong>de</strong>, 21<br />
problema<br />
<strong>de</strong> Caratheodory, 142<br />
<strong>de</strong> Borel, 81<br />
<strong>de</strong> Stieltjes, 246<br />
difícil <strong>de</strong> Lebesgue, 129<br />
fácil <strong>de</strong> Lebesgue, 101<br />
produto <strong>de</strong> convolução, 207<br />
projecção, 173<br />
qtp, 57, 219<br />
R, 94<br />
rectângulo, 8<br />
recta acabada, 94<br />
rectificável<br />
gráfico, 67<br />
refinamento, 12<br />
comum, 12<br />
reflexão, 16<br />
região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, 35<br />
regra <strong>de</strong> Barrow, 60<br />
ρI, 174<br />
Riemann<br />
função <strong>de</strong>, 37<br />
R + , 94<br />
σ-aditivida<strong>de</strong>, 75<br />
σ-álgebra, 90<br />
<strong>de</strong> Borel, 115<br />
<strong>de</strong> Lebesgue, 106<br />
gerada por, 115<br />
σ-compacto, 83<br />
semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos, 19<br />
semi-continuida<strong>de</strong><br />
superior, 285<br />
semi-norma, 48<br />
Sf, 248<br />
Sierpinski<br />
exemplo <strong>de</strong>, 136<br />
soma<br />
<strong>de</strong> Riemann, 58
ÍNDICE 373<br />
inferior <strong>de</strong> Darboux, 39<br />
superior <strong>de</strong> Darboux, 39<br />
σ-subaditivida<strong>de</strong>, 75<br />
subaditivida<strong>de</strong>, 15, 20<br />
suporte <strong>de</strong> uma<br />
função, 210<br />
medida, 220<br />
medida regular, 244<br />
Teorema (<strong>de</strong>/da)<br />
Alaoglu, 357<br />
Baire, 126<br />
Banach-Vitali, 260<br />
Banach-Zaretsky, 266<br />
Beppo Levi, 165, 312<br />
Beppo Levi (II), 166, 312<br />
Cantor, 81<br />
convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
167, 202, 314<br />
convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue,<br />
95<br />
<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn-Jordan,<br />
226<br />
<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue, 279,<br />
320<br />
diferenciação <strong>de</strong> Fubini, 327<br />
diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue, 276<br />
Egorov, 355<br />
Fichtenholz, 268<br />
Fubini-Lebesgue, 175, 181, 207,<br />
360, 365<br />
Fundamental do Cálculo<br />
1 o , 62, 281<br />
2 o , 62, 64, 281<br />
Hahn, extensão <strong>de</strong>, 305<br />
Heine-Borel, 52<br />
Lebesgue, 356<br />
Radon-Nikodym, 321, 322<br />
Radon-Nikodym-Lebesgue, 321<br />
Representação <strong>de</strong> Riesz, 342,<br />
348, 350<br />
Riesz, 354<br />
Riesz-Fischer, 206, 337<br />
Vitali-Luzin, 212, 316<br />
topologia, 333<br />
transformada <strong>de</strong> Fourier, 203<br />
continuida<strong>de</strong>, 215<br />
translação, 16<br />
U(R N ), 13<br />
variável aleatória, 297<br />
variação<br />
limitada, 231<br />
negativa, 229<br />
positiva, 229<br />
total, 228, 230, 255<br />
Vitali<br />
exemplo <strong>de</strong>, 130