01.03.2013 Views

Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa

Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa

Medida e Integraç˜ao - Universidade Técnica de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Medida</strong> e Integração<br />

Manuel Ricou<br />

Departamento <strong>de</strong> Matemática<br />

Instituto Superior Técnico<br />

Abril 2009


Prefácio<br />

Mas antes do mais: o que enten<strong>de</strong>mos por b<br />

a f(x)dx?<br />

Bernhard Riemann, 1854<br />

A pergunta acima foi formulada por Bernhard Riemann no trabalho em<br />

que <strong>de</strong>finiu o que hoje chamamos o “integral <strong>de</strong> Riemann”. O objectivo<br />

do presente texto é, sobretudo, o <strong>de</strong> expor respostas que esta pergunta tem<br />

tido no <strong>de</strong>curso dos últimos 150 anos, e sugerir, mesmo que parcialmente, o<br />

enorme impacto que as correspon<strong>de</strong>ntes investigações tiveram na evolução<br />

da Matemática, durante este mesmo período.<br />

A compreensão <strong>de</strong> qualquer área da Matemática é facilitada pelo reconhecimento<br />

prévio do contexto que a viu nascer. No caso da Teoria da Integração,<br />

esse contexto abrange um período temporal particularmente longo.<br />

Na realida<strong>de</strong>, diversos problemas <strong>de</strong> Geometria e Estática, resolvidos na<br />

Antiguida<strong>de</strong> Clássica com recurso ao chamado “método <strong>de</strong> exaustão”, e<br />

envolvendo o cálculo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas áreas, volumes, e centros <strong>de</strong> massa,<br />

correspon<strong>de</strong>m, na terminologia mo<strong>de</strong>rna, ao cálculo <strong>de</strong> integrais. Por esta<br />

razão, a Teoria da Integração é certamente uma das mais antigas áreas da<br />

Matemática, e beneficia <strong>de</strong> raízes heurísticas muito sugestivas, que ajudam<br />

ao seu entendimento.<br />

A Teoria da Integração começou a tomar a sua forma mo<strong>de</strong>rna no século<br />

XVII, com os trabalhos <strong>de</strong> Newton e Leibnitz, e <strong>de</strong> percursores como Fermat<br />

e Barrow. Data <strong>de</strong>ste período a surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>scoberta que, mais do que<br />

qualquer outra, marca o nascimento do Cálculo Infinitesimal: a integração e<br />

a diferenciação são operações inversas uma da outra, o que ainda hoje <strong>de</strong>screvemos<br />

no que dizemos serem os “Teoremas Fundamentais do Cálculo”.<br />

Datam também <strong>de</strong>ste período as primeiras aplicações do Cálculo a questões<br />

científicas fundamentais, muito em especial a Teoria da Gravitação Universal,<br />

do próprio Newton, um marco ímpar na história do pensamento humano.<br />

Foi apenas nos finais do século XVIII que a sofisticação dos problemas<br />

a estudar se começou a revelar incompatível com a informalida<strong>de</strong> e falta <strong>de</strong><br />

rigor com que até aí tinham sido tratadas as noções mais básicas do Cálculo<br />

Infinitesimal. Nos primeiros anos do século XIX, o gran<strong>de</strong> matemático<br />

Cauchy iniciou um cuidadoso exame das i<strong>de</strong>ias mais centrais do Cálculo,<br />

como as <strong>de</strong> limite, <strong>de</strong>rivada, integral, e continuida<strong>de</strong>, efectivamente lançando<br />

i


ii Prefácio<br />

as bases da nossa práctica actual. Neste processo, apresentou a primeira<br />

<strong>de</strong>finição satisfatória <strong>de</strong> integral, se bem que restringindo a sua aplicação a<br />

funções contínuas. O <strong>de</strong>senvolvimento da Teoria da Integração acelerou-se<br />

novamente a partir dos meados do século XIX, em especial a partir da publicação<br />

do trabalho <strong>de</strong> Riemann que mencionámos, <strong>de</strong>sta vez sob a pressão<br />

<strong>de</strong> difíceis problemas <strong>de</strong> natureza teórica, suscitados pelas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Fourier<br />

sobre as séries que hoje têm o seu nome. Muito naturalmente, a questão <strong>de</strong><br />

saber quais as funções que po<strong>de</strong>m ser representadas por séries <strong>de</strong> Fourier,<br />

originada por sua vez por questões mais “práticas” relativas à resolução das<br />

principais equações diferenciais parciais da Física Matemática, levava inevitavelmente<br />

a uma reapreciação da própria noção <strong>de</strong> “função”. Requeria<br />

também a integração <strong>de</strong> funções sobre as quais não parecia razoável impôr<br />

condições <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> se <strong>de</strong>svirtuarem alguns dos principais<br />

objectivos das investigações em curso. A pergunta <strong>de</strong> Riemann que<br />

citámos acima é um reflexo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> preocupações.<br />

A Teoria da Integração tornou-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então um motor importante na<br />

crescente axiomatização e abstracção da Matemática, estas últimas particularmente<br />

evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os finais do século XIX. A título <strong>de</strong> ilustração,<br />

o clássico Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer, <strong>de</strong>monstrado sob diversas formas no<br />

período 1907-1910, revelou uma profunda analogia entre, por um lado, sofisticadas<br />

construções matemáticas formadas por (classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>)<br />

funções somáveis e, por outro, objectos tão “simples” como a recta real,<br />

estudados há mais <strong>de</strong> 25 séculos. Em certo sentido, este teorema mostra<br />

que as funções somáveis “no sentido <strong>de</strong> Lebesgue” completam as funções<br />

integráveis “no sentido <strong>de</strong> Riemann”, precisamente como os números reais<br />

completam os números racionais. Resultados <strong>de</strong>sta natureza foram, e são,<br />

convites abertos à criação e estudo <strong>de</strong> novas entida<strong>de</strong>s abstractas, que permitem<br />

a exploração <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> analogia <strong>de</strong> forma sistemática, rigorosa, e<br />

muito eficiente do ponto <strong>de</strong> vista intelectual.<br />

Hoje, a Teoria da Integração é certamente um dos blocos fundamentais<br />

da Matemática, e é especialmente relevante para múltiplas das suas áreas<br />

fundamentais e aplicadas, como a Análise Funcional, o Cálculo <strong>de</strong> Variações,<br />

as Equações Diferenciais, e a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. As suas i<strong>de</strong>ias<br />

repercutem-se em algumas das teorias mais centrais da Física Mo<strong>de</strong>rna, e são<br />

prevalentes no esclarecimento <strong>de</strong> questões oriundas da Engenharia. Afinal<br />

<strong>de</strong> contas, o “espaço <strong>de</strong> estados” do átomo <strong>de</strong> hidrogénio, o mais simples<br />

átomo da natureza, é um espaço <strong>de</strong> (classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>) funções<br />

<strong>de</strong> quadrado somável no sentido <strong>de</strong> Lebesgue, e o exemplo mais clássico<br />

na literatura actual <strong>de</strong> um problema variacional <strong>de</strong> “<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> livre”<br />

resulta <strong>de</strong> trabalhos sobre reconhecimento <strong>de</strong> imagens por computador.( 1 )<br />

Pelas razões acima, a Teoria da Integração é naturalmente uma parte<br />

1 D.Mumford e J.Shaw, Boundary Detection by Minimizing Functionals, IEEE Conference<br />

on Computer Vision and Pattern Recognition, San Francisco 1985.


Prefácio iii<br />

importante da formação dos alunos da Licenciatura em Matemática Aplicada<br />

e Computação (LMAC) do IST, e foi sobretudo para estes alunos que o<br />

presente texto foi escrito. O ensino da Teoria da Integração no contexto do<br />

3 o ano da LMAC sempre representou para o autor um <strong>de</strong>safio e uma oportunida<strong>de</strong><br />

muito interessantes, que se po<strong>de</strong> resumir nas seguintes questões:<br />

• Como conciliar a necessida<strong>de</strong> prática <strong>de</strong> apresentar uma área difícil e<br />

extensa, indispensável à formação dos alunos, sem a <strong>de</strong>sligar da sua<br />

base intuitiva, e sem a tornar <strong>de</strong>masiado difícil para a maioria dos<br />

estudantes?<br />

• Como transformar o nível <strong>de</strong> abstracção da teoria, <strong>de</strong> um obstáculo<br />

à sua compreensão, em uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r melhor o crescente<br />

papel da abstracção na Matemática contemporânea?<br />

• Como aproveitar o estudo <strong>de</strong>sta teoria para apresentar a Matemática<br />

não como um saber estático, mas como um processo dinâmico e apaixonante<br />

<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas metáforas da realida<strong>de</strong> física, <strong>de</strong><br />

crescente sofisticação e subtileza?<br />

Na sua mo<strong>de</strong>sta tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a estas questões, o autor socorreuse<br />

com frequência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e comentários dos principais criadores da teoria,<br />

em especial Henri Lebesgue e Emile Borel. Em particular, o texto está<br />

escrito, mesmo nas secções mais abstractas, no respeito rigoroso pelo que<br />

Lebesgue chamava a “<strong>de</strong>finição geométrica” do integral, que não é outra<br />

senão a i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre muito satisfatória do ponto <strong>de</strong> vista intuitivo,<br />

que, para qualquer função não-negativa f,<br />

Integral da função f = <strong>Medida</strong> da região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f.<br />

Enten<strong>de</strong>mos aqui a palavra “medida” como significando “área”, “volume”,<br />

ou o análogo apropriado <strong>de</strong>stas noções em espaços <strong>de</strong> dimensão mais elevada.<br />

A apresentação da teoria não segue assim o percurso que é hoje mais<br />

tradicional, e é importante enten<strong>de</strong>r que alguns resultados básicos assumem<br />

por vezes um papel diferente, menos convencional, no seu <strong>de</strong>senvolvimento:<br />

veja-se como ilustração o Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, tal como é enunciado<br />

e <strong>de</strong>monstrado no Capítulo 3, para a medida <strong>de</strong> Lebesgue em R N .<br />

É apenas<br />

após a sua apresentação que encontramos neste texto, pela primeira vez, o<br />

resultado, aqui um teorema, que é usualmente tomado como a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

“função Lebesgue-mensurável”. A técnica que seguimos permite ainda uma<br />

<strong>de</strong>monstração muito simples dos resultados clássicos sobre “limites e integrais”,<br />

o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, ou da Convergência Monótona, o lema <strong>de</strong><br />

Fatou, e o teorema <strong>de</strong> Lebesgue, ou da Convergência Dominada, e evi<strong>de</strong>ncia<br />

a sua relação directa com as i<strong>de</strong>ias mais básicas da Teoria da <strong>Medida</strong>. Por<br />

outras palavras, revela que estas proprieda<strong>de</strong>s são essencialmente a chamada


iv Prefácio<br />

“σ-aditivida<strong>de</strong>”, esta uma proprieda<strong>de</strong> comum a qualquer medida, e observada<br />

e registada com muita clareza por Borel.<br />

A exposição inspira-se em múltiplos aspectos no <strong>de</strong>senvolvimento histórico<br />

da Teoria, e esforça-se por <strong>de</strong>ixar clara a continuida<strong>de</strong> entre as teorias <strong>de</strong><br />

integração <strong>de</strong> Riemann e <strong>de</strong> Lebesgue. Em especial, e repetindo fielmente o<br />

próprio Lebesgue, a sua teoria é apresentada como uma evolução “natural”<br />

da <strong>de</strong> Riemann, sobretudo enquanto adaptação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Peano e Jordan,<br />

entretanto melhoradas por Borel. Discutimos algumas das principais dificulda<strong>de</strong>s<br />

técnicas da teoria <strong>de</strong> Riemann, e a respectiva resolução pela teoria<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, em especial as relacionados com os Teoremas Fundamentais do<br />

Cálculo. Estes são aqui tratados com amplo recurso a técnicas e resultados<br />

da Teoria da <strong>Medida</strong>, i.e., com base no “mo<strong>de</strong>lo geométrico” da integração.<br />

Neste contexto, o gran<strong>de</strong> teorema <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue é provado<br />

por uma adaptação simples do belo argumento <strong>de</strong> Riesz (o seu “Lema do<br />

Sol Nascente”), mas a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretski afastase<br />

bastante das técnicas usadas por Banach. As múltiplas referências a<br />

Cantor feitas neste texto <strong>de</strong>vem ainda recordar-nos que a sua genial Teoria<br />

dos Conjuntos é mais um exemplo <strong>de</strong> abstracções fundamentais entradas na<br />

Matemática em gran<strong>de</strong> parte pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enunciar e estudar com<br />

clareza questões suscitadas pela Teoria da Integração.<br />

A apresentação dos resultados principais da Teoria, incluindo o Teorema<br />

<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue, o Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, e os Teoremas<br />

<strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz, não faz qualquer concessão à tentação <strong>de</strong> tornar<br />

estas magníficas construções intelectuais mais simples do que efectivamente<br />

o são.<br />

Naturalmente apenas a leitura atenta do texto po<strong>de</strong>rá revelar se este<br />

respon<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma satisfatória às preocupações acima manifestadas, e se<br />

representa um equilíbrio razoável entre os diversos objectivos que preten<strong>de</strong><br />

atingir. Ao autor resta somente <strong>de</strong>sejar que outros encontrem na sua leitura<br />

um prazer comparável à satisfação que a sua escrita lhe trouxe.<br />

<strong>Lisboa</strong>, Fevereiro <strong>de</strong> 2008<br />

Manuel Ricou<br />

Departamento <strong>de</strong> Matemática<br />

Instituto Superior Técnico<br />

1096 <strong>Lisboa</strong> Co<strong>de</strong>x<br />

PORTUGAL<br />

Manuel.Ricou@math.ist.utl.pt


Conteúdo<br />

1 Integrais <strong>de</strong> Riemann 7<br />

1.1 Rectângulos e Conjuntos Elementares em RN . . . . . . . . . 8<br />

1.2 Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas . . . . . . . . . . 19<br />

1.3 Conjuntos Jordan-Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . 25<br />

1.4 O Integral <strong>de</strong> Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35<br />

1.4.1 O Espaço das Funções Integráveis . . . . . . . . . . . 44<br />

1.4.2 Integrais In<strong>de</strong>finidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48<br />

1.4.3 Continuida<strong>de</strong> e Integrabilida<strong>de</strong> . . . . . . . . . . . . . 52<br />

1.5 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo . . . . . . . . . . . . . 60<br />

1.6 O Problema <strong>de</strong> Borel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71<br />

2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 89<br />

2.1 Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s . . . . . . . . . . . . . . . . . 90<br />

2.2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97<br />

2.3 Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . 114<br />

2.4 Conjuntos Não-Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129<br />

2.5 <strong>Medida</strong>s Exteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139<br />

3 Integrais <strong>de</strong> Lebesgue 149<br />

3.1 O Integral <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150<br />

3.2 Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais . . . . . . . . . . . . . . 162<br />

3.3 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . 171<br />

3.4 Funções Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186<br />

3.5 Funções Somáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200<br />

3.6 Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> . . . . . . . . . . . . . . . . 209<br />

4 Outras <strong>Medida</strong>s 217<br />

4.1 A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan . . . . . . . . . . . . . . . . 218<br />

4.2 A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> . . . . . . . . . . . . . . . . 228<br />

4.3 <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas . . . . . . . . . . . . . . . 234<br />

4.4 <strong>Medida</strong>s Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236<br />

4.5 <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R . . . . . . . . . . . . . . 245<br />

4.6 Funções <strong>de</strong> Variação Limitada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255<br />

v


vi Prefácio<br />

4.6.1 Funções Absolutamente Contínuas . . . . . . . . . . . 263<br />

4.7 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R . . . . . . . . . 268<br />

4.7.1 O Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . 268<br />

4.7.2 A Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . 277<br />

4.7.3 Diferenciação <strong>de</strong> Funções <strong>de</strong> Variação Limitada . . . . 285<br />

5 Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue 295<br />

5.1 A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 296<br />

5.2 Funções Mensuráveis e Integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . 309<br />

5.3 O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue . . . . . . . . . . . 319<br />

5.4 Os Espaços L p . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327<br />

5.5 Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz . . . . . . . . . . . . . . 338<br />

5.6 Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz . . . . . . . . . . . . . 352<br />

5.7 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . 358<br />

Índice Remissivo 368


Capítulo 1<br />

Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

A teoria da integração evoluiu rapidamente na segunda meta<strong>de</strong> do século<br />

XIX. Por um lado, e sobretudo como resultado das <strong>de</strong>scobertas fundamentais<br />

<strong>de</strong> Fourier sobre séries trigonométricas, hoje ditas séries <strong>de</strong> Fourier, a<br />

dificulda<strong>de</strong> dos problemas a esclarecer com esta teoria ultrapassou, <strong>de</strong>finitivamente,<br />

os recursos pouco sofisticados da teoria existente, até então assente,<br />

essencialmente, numa base informal e intuitiva. Em 1854, quando<br />

Riemann quis caracterizar as funções que po<strong>de</strong>m ser representadas por séries<br />

<strong>de</strong> Fourier, foi-lhe necessário analisar a noção <strong>de</strong> “função integrável” à luz<br />

<strong>de</strong> mais exigentes critérios <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, exactidão e rigor. A <strong>de</strong>finição<br />

que apresentou ainda hoje <strong>de</strong>ve ser conhecida por quem quer que <strong>de</strong>seje<br />

compreen<strong>de</strong>r os conceitos mais centrais da Análise Matemática.<br />

Por outro lado, em paralelo com estes estudos <strong>de</strong> Riemann, mas ainda no<br />

contexto da escola Alemã, o genial Cantor <strong>de</strong>scobriu a Teoria dos Conjuntos<br />

e, simultaneamente, atingiu-se um novo patamar <strong>de</strong> precisão na forma como<br />

são <strong>de</strong>finidos os próprios números reais. Ao procurar respostas a questões<br />

suscitadas tanto pela nova teoria <strong>de</strong> Riemann, como pela teoria <strong>de</strong> Fourier,<br />

retomaram-se problemas tão antigos como a própria Matemática, conhecidos<br />

da Geometria elementar, mas que podiam agora ser estudados à luz<br />

<strong>de</strong>stas novas i<strong>de</strong>ias. O que é a área <strong>de</strong> uma figura plana? O que é o volume<br />

<strong>de</strong> um sólido? Qualquer figura plana limitada tem área? Qualquer subcon-<br />

junto <strong>de</strong> uma recta tem comprimento?<br />

É possível calcular, por exemplo,<br />

o comprimento do conjunto dos números racionais? Uma primeira solução<br />

para este tipo <strong>de</strong> problemas foi <strong>de</strong>scoberta pelo matemático italiano Peano,<br />

já perto do final do século XIX. O próprio Peano compreen<strong>de</strong>u a relação directa<br />

entre a sua teoria, que <strong>de</strong>finia a medida <strong>de</strong> conjuntos, e a <strong>de</strong> Riemann,<br />

que <strong>de</strong>finia o integral <strong>de</strong> funções, e sabia que as duas teorias são, em certo<br />

sentido, completamente equivalentes.<br />

Neste primeiro capítulo, estudamos sobretudo as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Riemann e <strong>de</strong><br />

Peano, mas não seguimos a cronologia da sua <strong>de</strong>scoberta, nem usamos sempre<br />

os conceitos exactamente como originalmente <strong>de</strong>finidos. Procuramos,<br />

7


8 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

em vez disso, evi<strong>de</strong>nciar o mais directamente possível a sua equivalência.<br />

Apontaremos também algumas das <strong>de</strong>ficiências técnicas que apresentam e<br />

que estão na origem da sua substituição, já no século XX, pela teoria <strong>de</strong>scoberta<br />

por Henri Lebesgue.<br />

Uma observação simples sobre terminologia: é comum usar as palavras<br />

“medida” ou “conteúdo”, em vez <strong>de</strong> “comprimento”, “área” ou “volume”,<br />

porque estas últimas estão irremediavelmente associadas à dimensão dos<br />

conjuntos em causa (respectivamente, um, dois ou três), e a teoria que aqui<br />

estudamos é basicamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa dimensão e aplicável mesmo<br />

quando essa dimensão é superior a três. Neste capítulo, usaremos sobretudo<br />

o termo “conteúdo”, normalmente na forma “conteúdo-N”, on<strong>de</strong> N é a<br />

dimensão do espaço subjacente, reservando a palavra “medida”, que como<br />

veremos tem um sentido técnico muito preciso, para utilização posterior.<br />

1.1 Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N<br />

A <strong>de</strong>terminação do conteúdo-N <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> R N é muito simples<br />

para os conjuntos que são rectângulos ou uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos. O<br />

principal objectivo <strong>de</strong>sta secção é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o conteúdo dos conjuntos <strong>de</strong>ste<br />

tipo e i<strong>de</strong>ntificar e <strong>de</strong>monstrar as suas proprieda<strong>de</strong>s mais básicas.<br />

Figura 1.1.1: União finita <strong>de</strong> rectângulos.<br />

O cálculo da área <strong>de</strong> um rectângulo no plano é imediato, porque sabemos<br />

da geometria elementar que essa área é o produto dos comprimentos dos seus<br />

lados. Em particular, e como ilustrado na figura seguinte, um rectângulo<br />

bidimensional (em R 2 ) da forma R = I ×J, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em R,<br />

tem área igual ao produto dos comprimentos <strong>de</strong> I e <strong>de</strong> J.<br />

Claro que usaremos o termo “rectângulo” com um sentido mais geral,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da dimensão N do espaço R N em causa: qualquer produto<br />

cartesiano (finito) <strong>de</strong> intervalos na recta R é um rectângulo:


1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 9<br />

Figura 1.1.2:<br />

J<br />

I<br />

Área <strong>de</strong> R = (comprimento <strong>de</strong> I)×(comprimento <strong>de</strong> J).<br />

Definição 1.1.1 (Rectângulos em R N ). R ⊆ R N é um rectângulo se e<br />

só se R = I1 × I2 × · · · × IN, on<strong>de</strong> I1, I2, · · · , IN são intervalos em R.<br />

Sempre que nos referirmos a um rectângulo e for conveniente indicar<br />

explicitamente a dimensão N do respectivo espaço R N , usamos a expressão<br />

“rectângulo-N”. Em particular, um rectângulo-1 é um intervalo, um “rectângulo”<br />

no sentido mais usual do termo é, nesta terminologia, um rectângulo-2,<br />

e um rectângulo-3 é um prisma rectangular. Reservamos o termo<br />

“intervalo” apenas para rectângulos-1.<br />

Notamos que o conjunto vazio ∅ é um rectângulo-N para qualquer N.<br />

Na verda<strong>de</strong>, se R = I1 × I2 × · · · × IN, então um ou mais dos intervalos<br />

Ik po<strong>de</strong> conter apenas um ponto ou ser vazio, caso em que o rectângulo<br />

se diz <strong>de</strong>generado. Por exemplo, um rectângulo-2 <strong>de</strong>generado po<strong>de</strong> ser um<br />

segmento <strong>de</strong> recta, um ponto ou vazio.<br />

O comprimento ou conteúdo-1 do intervalo I ⊆ R <strong>de</strong>signa-se por<br />

c1(I). Se I é limitado com extremos a ≤ b, do tipo [a,b],[a,b[,]a,b] ou ]a,b[,<br />

então c1(I) = b − a. Se I é ilimitado, i.e., se a = −∞ e/ou b = +∞,<br />

então c1(I) = +∞. Se J é também um intervalo, então R = I × J é<br />

um rectângulo-2 e a sua área ou conteúdo-2 <strong>de</strong>signa-se por c2(R), on<strong>de</strong><br />

c2(R) = c1(I) × c1(J).<br />

Analogamente, o produto cartesiano <strong>de</strong> três intervalos I, J e K é um<br />

prisma rectangular P em R 3 e o seu volume ou conteúdo-3 é dado por<br />

R<br />

c3(P) = c1(I) × c1(J) × c1(K).<br />

Nestes como noutros produtos envolvendo factores que po<strong>de</strong>m ser infinitos,<br />

usaremos as seguintes convenções, salvo menção em contrário:<br />

• Qualquer produto que inclua pelo menos um factor nulo é nulo,<br />

mesmo que todos os outros factores sejam infinitos.


10 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

• Qualquer produto <strong>de</strong> factores não nulos que inclua pelo menos um<br />

factor infinito é infinito.<br />

• O sinal do produto é calculado pelas habituais “regras dos sinais”.<br />

A título <strong>de</strong> exemplo, o eixo dos yy em R 2 é um rectângulo-2 com conteúdo-2<br />

igual a 0, já que este eixo é o produto cartesiano R = [0,0]×] − ∞,+∞[, e<br />

portanto c2(R) = 0 × ∞ = 0.<br />

É imediato generalizar as observações anteriores para o caso <strong>de</strong> R N :<br />

Definição 1.1.2 (Conteúdo <strong>de</strong> Rectângulos em R N ). Se R = I1×I2×· · ·×IN<br />

é um rectângulo em R N , o conteúdo-N <strong>de</strong> R <strong>de</strong>signa-se por cN(R), ou<br />

apenas c(R), e é dado por<br />

cN(R) = c1(I1) × c1(I2) × · · · × c1(IN).<br />

O conteúdo-N é portanto uma função <strong>de</strong>finida numa classe <strong>de</strong> conjuntos,<br />

ou seja, é um exemplo do que chamamos uma função <strong>de</strong> conjuntos.<br />

Neste caso, é uma função com valores no intervalo [0,+∞] <strong>de</strong>finida, para já,<br />

na classe <strong>de</strong> todos os rectângulos-N.<br />

Uma das proprieda<strong>de</strong>s mais fundamentais da noção <strong>de</strong> conteúdo é a sua<br />

aditivida<strong>de</strong>. Especializada para rectângulos, esta proprieda<strong>de</strong> significa<br />

simplesmente que, quando um rectângulo R é dividido em dois rectângulos<br />

disjuntos A e B, a soma dos conteúdos <strong>de</strong> A e <strong>de</strong> B é o conteúdo <strong>de</strong> R, i.e.,<br />

c(R) = c(A) + c(B).<br />

Esta proprieda<strong>de</strong> é intuitivamente evi<strong>de</strong>nte para as noções usuais <strong>de</strong><br />

comprimento, área e volume, mas <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>monstrada como válida para<br />

o conteúdo-N, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> N. A proposição seguinte generalizaa<br />

para uma família finita <strong>de</strong> rectângulos e a respectiva <strong>de</strong>monstração está<br />

esboçada nos exercícios 13 a 16 <strong>de</strong>sta secção.<br />

Proposição 1.1.3 (Aditivida<strong>de</strong> do Conteúdo). Se R1, · · · ,Rm são rectângulos-N<br />

disjuntos e R = ∪ m i=1 Ri é também um rectângulo-N, temos<br />

cN(R) =<br />

m<br />

cN(Ri).<br />

i=1<br />

No cálculo <strong>de</strong> somas que po<strong>de</strong>m incluir parcelas infinitas, usamos as<br />

seguintes convenções:<br />

• Se a soma inclui parcelas infinitas todas com o mesmo sinal, então o<br />

seu resultado é infinito, com o sinal das parcelas em causa.


1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 11<br />

• Se a soma inclui parcelas infinitas com sinais diferentes, então o seu<br />

resultado não está <strong>de</strong>finido, ou seja, a soma é uma in<strong>de</strong>terminação.<br />

Quando R é um conjunto e P é uma família <strong>de</strong> conjuntos disjuntos cuja<br />

união é R, dizemos que P é uma partição <strong>de</strong> R. Se R é um rectângulo e P é<br />

uma partição finita <strong>de</strong> R em subrectângulos, po<strong>de</strong>mos escrever a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

em 1.1.3 na forma<br />

cN(R) = <br />

cN(r).<br />

r∈P<br />

O diâmetro <strong>de</strong> R ⊆ R N é <strong>de</strong>finido por<br />

diam(R) = sup {x − y : x,y ∈ R}.<br />

O diâmetro da partição P do conjunto R é <strong>de</strong>finido por<br />

diam(P) = sup {diam(r) : r ∈ P} .<br />

O diâmetro <strong>de</strong> uma partição é um indicador simples da sua granularida<strong>de</strong>.<br />

Exemplos 1.1.4.<br />

1. A família {[0, 1[, [1, 1], ]1, 2]} é uma partição <strong>de</strong> I = [0, 2].<br />

2. A família P = P1 = [0, 1] × [0, 1<br />

2 ], P2 = [0, 1]×] 1<br />

2 , 1], P3 =]1, 2] × [0, 1] é uma<br />

partição <strong>de</strong> R = [0, 2] ×[0, 1], com diam(P) = diam(P3) = √ 2, e está ilustrada<br />

na figura abaixo. É óbvio que<br />

c2(R) = c2(P1) + c2(P2) + c2(P3).<br />

P2<br />

P1<br />

P3<br />

diam = √ 2<br />

Figura 1.1.3: Partição P do rectângulo R = [0,2] × [0,1].<br />

refinar uma partição é, simplesmente, subdividir cada um dos conjuntos<br />

que a constituem. Mais formalmente, se P e R são partições <strong>de</strong> R, dizemos<br />

que R é um refinamento <strong>de</strong> P, ou que R é mais fina do que P, se e


12 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

R1 R2<br />

R3<br />

Figura 1.1.4: Refinamento R da partição P da figura 1.1.3.<br />

só se cada conjunto r ∈ R está contido em algum conjunto p ∈ P. Neste<br />

caso, Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} é uma partição <strong>de</strong> p. É claro que se R é um<br />

refinamento <strong>de</strong> P então diam(R) ≤ diam(P). Se P e Q são duas quaisquer<br />

partições do mesmo conjunto R, qualquer partição R <strong>de</strong> R simultaneamente<br />

mais fina do que P e do que Q diz-se um refinamento comum das partições<br />

P e Q. É fácil obter um refinamento comum <strong>de</strong> quaisquer duas partições do<br />

mesmo conjunto:<br />

Proposição 1.1.5. Se P e Q são partições <strong>de</strong> R, então<br />

é um refinamento comum <strong>de</strong> P e Q.<br />

R4<br />

R6<br />

R7<br />

R = {p ∩ q : p ∈ P,q ∈ Q}<br />

Se P e Q são partições <strong>de</strong> R em rectângulos, então o refinamento comum<br />

mencionado em 1.1.5 é também uma partição em rectângulos, porque a intersecção<br />

<strong>de</strong> dois rectângulos é sempre um rectângulo. Esta observação é<br />

aliás aplicável a qualquer família finita <strong>de</strong> partições <strong>de</strong> R em rectângulos.<br />

R5<br />

P Q R<br />

Figura 1.1.5: Partições P e Q, e um refinamento comum R.<br />

Se S ⊆ R é um subrectângulo <strong>de</strong> R, existem partições P <strong>de</strong> R em rectângulos<br />

que incluem o rectângulo S. A figura 1.1.6 ilustra esta i<strong>de</strong>ia, que<br />

implica em particular:


1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 13<br />

R<br />

S<br />

R1 R2<br />

R3 = S<br />

Figura 1.1.6: Rectângulos S ⊆ R e uma partição P <strong>de</strong> R com S ∈ P.<br />

Proposição 1.1.6. Se S e R são rectângulos, então R\S ( 1 ) é uma união<br />

finita <strong>de</strong> rectângulos.<br />

No que se segue, referimo-nos com frequência a conjuntos que são uniões<br />

finitas <strong>de</strong> rectângulos (é muito fácil mostrar, com base na proposição<br />

1.1.6, que estes rectângulos po<strong>de</strong>m sempre ser supostos disjuntos, como é<br />

referido no exercício 4).<br />

Definição 1.1.7 (As classes U(R N ) e E(R N )).<br />

a) U(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong><br />

rectângulos-N,<br />

b) E(R N ) é a classe formada pelos conjuntos limitados em U(R N ), ou<br />

seja, pelos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos limitados.<br />

Os conjuntos em E(R N ) dizem-se elementares,<br />

c) Mais geralmente, se S ⊆ R N então U(S) = E ∈ U(R N ) : E ⊆ S e<br />

analogamente E(S) = E ∈ E(R N ) : E ⊆ S .<br />

A proposição seguinte regista que as classes U(R N ) e E(R N ) são fechadas<br />

em relação às operações <strong>de</strong> união, intersecção e diferença <strong>de</strong> conjuntos. A<br />

respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 9.<br />

Proposição 1.1.8. Se C = U(R N ) ou C = E(R N ) então<br />

R4<br />

A,B ∈ C =⇒ A ∪ B,A ∩ B,A\B ∈ C.<br />

É fácil <strong>de</strong>finir o conteúdo <strong>de</strong> qualquer conjunto em U(R N ). Basta <strong>de</strong>compor<br />

o conjunto em causa numa união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos, i.e.,<br />

escolher uma sua partição em rectângulos, e adicionar os conteúdos <strong>de</strong>sses<br />

rectângulos. Por exemplo,<br />

• Se A = [0,1]∪]3,+∞[ então c1(A) = 1 + ∞ = ∞, e<br />

1 Se X e Y são conjuntos, X\Y = {x ∈ X : x ∈ Y } é a diferença <strong>de</strong> X e Y .<br />

R5


14 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

• Se B = [0,1]∪]2,5[, então c1(B) = 1 + 3 = 4.<br />

É no entanto evi<strong>de</strong>nte que a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> um dado conjunto S numa<br />

união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos po<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong> múltiplas maneiras,<br />

como ilustrado na figura 1.1.7. Portanto, a i<strong>de</strong>ia referida só po<strong>de</strong> ser a base<br />

<strong>de</strong> uma correcta <strong>de</strong>finição se a soma obtida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r apenas do próprio<br />

conjunto S, e não da partição utilizada para <strong>de</strong>compor S em subrectângulos.<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste facto assenta somente na aditivida<strong>de</strong> do conteúdo para<br />

rectângulos, expressa em 1.1.3, e está feita imediatamente a seguir.<br />

Figura 1.1.7: Partições distintas do conjunto S, e um refinamento comum.<br />

Proposição 1.1.9. Se P e Q são partições <strong>de</strong> S ∈ U(RN ) em rectângulos,<br />

então<br />

<br />

cN(p) = <br />

cN(q).<br />

p∈P<br />

Demonstração. A família R = {p ∩ q : p ∈ P,q ∈ Q} é um refinamento comum<br />

das partições P e Q (ver figura 1.1.7). Observamos que<br />

• Fixado p ∈ P, a família Rp = {r ∈ R : r ⊆ p} é uma partição <strong>de</strong> p e<br />

q∈Q<br />

• Fixado q ∈ Q, a família Rq = {r ∈ R : r ⊆ q} é uma partição <strong>de</strong> q.<br />

Segue-se <strong>de</strong> 1.1.3 que cN(p) = <br />

r∈Rp<br />

cN(r) e cN(q) = <br />

cN(r).<br />

r∈Rq<br />

Por agrupamento das parcelas das somas finitas em causa, temos<br />

<br />

cN(p) = <br />

cN(r) = <br />

cN(r) = <br />

cN(r) = <br />

cN(q).<br />

p∈P<br />

p∈P r∈Rp<br />

r∈R<br />

q∈Q r∈Rq<br />

Concluímos que a <strong>de</strong>finição seguinte não é ambígua e generaliza 1.1.2.<br />

q∈Q


1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 15<br />

Definição 1.1.10. Se U ∈ U(R N ) o conteúdo-N <strong>de</strong> U é dado por<br />

cN(U) = <br />

cN(r),<br />

r∈R<br />

on<strong>de</strong> R é uma qualquer partição finita <strong>de</strong> U em rectângulos-N.<br />

A proposição seguinte regista proprieda<strong>de</strong>s do conteúdo em U(R N ).<br />

Proposição 1.1.11. Se A,B e C são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos-N então:<br />

a) Aditivida<strong>de</strong>: A ∩ B = ∅ =⇒ cN(A ∪ B) = cN(A) + cN(B),<br />

b) Positivida<strong>de</strong>: cN(A) ≥ 0,<br />

c) Monotonia: A ⊆ B =⇒ cN(A) ≤ cN(B),<br />

d) Subaditivida<strong>de</strong>: A ⊆ B ∪ C =⇒ cN(A) ≤ cN(B) + cN(C).<br />

Demonstração. a) Se P e Q são partições finitas dos conjuntos A e B em<br />

rectângulos, então R = P ∪ Q é uma partição <strong>de</strong> A ∪ B e temos<br />

cN(A ∪ B) = <br />

cN(r) = <br />

cN(r) + <br />

cN(q) = cN(A) + cN(B).<br />

r∈R<br />

p∈P<br />

b) É evi<strong>de</strong>nte que cN(A) ≥ 0.<br />

As proprieda<strong>de</strong>s c) e d) nesta proposição po<strong>de</strong>m obter-se <strong>de</strong> a) e b) e das<br />

proprieda<strong>de</strong>s indicadas em 1.1.8. Temos assim:<br />

c) Se A ⊆ B então B = A ∪ (B\A), on<strong>de</strong> B\A é disjunto <strong>de</strong> A e B\A é<br />

uma união finita <strong>de</strong> rectângulos-N. Segue-se <strong>de</strong> a) e b) que<br />

q∈Q<br />

cN(B) = cN(A) + cN(B\A) ≥ cN(A).<br />

d) B ∪ C e C\B são uniões finitas <strong>de</strong> rectângulos e B ∪ C = B ∪ (C\B),<br />

on<strong>de</strong> B e C\B são disjuntos. Segue-se <strong>de</strong> a), b) e c) que<br />

cN(A) ≤ cN(B ∪ C) = cN(B) + cN(C\B) ≤ cN(B) + cN(C).<br />

A afirmação seguinte po<strong>de</strong> ser encarada como uma outra generalização<br />

da <strong>de</strong>finição 1.1.2, ou como uma generalização da regra elementar “o volume<br />

<strong>de</strong> um prisma é o produto da área da base pela altura”. Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um<br />

ponto <strong>de</strong> vista intuitivo, <strong>de</strong>ve ser tão natural e “óbvia” como a proprieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong>, mesmo quando N + M > 3. De um ponto <strong>de</strong> vista mais<br />

formal, é na verda<strong>de</strong> uma versão muito preliminar do Teorema <strong>de</strong> Fubini,<br />

que discutiremos repetidas vezes no que se segue.


16 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Proposição 1.1.12 (Conteúdo do Produto Cartesiano). Se A ∈ U(R N ) e<br />

B ∈ U(R M ), então A × B ∈ U(R N+M ) e cN+M(A × B) = cN(A) × cM(B).<br />

Além disso, se A e B são elementares então A × B é também elementar.<br />

Demonstração. O resultado é evi<strong>de</strong>nte quando A e B são rectângulos. Basta<br />

notar que se A = I1 × · · · × IN e B = J1 × · · · × JM, on<strong>de</strong> os conjuntos Ii e<br />

Jj são intervalos em R, então<br />

A × B = I1 × · · · × IN × J1 × · · · × JM é um rectângulo-(N + M), e<br />

cN+M(A × B) = c(I1) × · · · × c(IN) × c(J1) × · · · × c(JM) = cN(A) × cM(B).<br />

Se P e Q são partições finitas dos conjuntos A e B em rectângulos, é fácil<br />

verificar que R = {p × q : p ∈ P,q ∈ Q} é uma partição finita <strong>de</strong> A × B em<br />

rectângulos, e em particular A × B ∈ U(RN+M ). Temos assim<br />

⎛<br />

cN(A)cM(B) = ⎝ <br />

⎞ ⎛<br />

cN(p) ⎠ ⎝ <br />

⎞<br />

cM(q) ⎠ = <br />

cN (p)cM(q) =<br />

p∈P<br />

q∈Q<br />

p∈P q∈Q<br />

= <br />

cN+M (p × q) = <br />

cN+M(r) = cN+M(A × B)<br />

p∈P q∈Q<br />

S<br />

r∈R<br />

S + x<br />

x Translação <strong>de</strong> S<br />

Reflexão <strong>de</strong> S<br />

Figura 1.1.8: Translação e reflexão (em x2 = 0) do conjunto elementar S.<br />

Convencionamos aqui que, se S ⊆ R N e x ∈ R N , então S + x <strong>de</strong>signa<br />

a translação {y + x : y ∈ S}. Notamos que qualquer translação <strong>de</strong> um<br />

rectângulo é um rectângulo com o conteúdo do rectângulo original. A mesma<br />

observação é verda<strong>de</strong>ira para qualquer reflexão <strong>de</strong> um rectângulo num<br />

qualquer dos hiperplanos <strong>de</strong> equação xk = 0. A próxima proposição formaliza<br />

esta i<strong>de</strong>ia, ilustrada na figura 1.1.8 para conjuntos elementares. A sua<br />

<strong>de</strong>monstração é o exercício 17.


1.1. Rectângulos e Conjuntos Elementares em R N 17<br />

Proposição 1.1.13 (Invariância sob Translações e Reflexões). Se E ∈<br />

U(R N ) e T é uma translação <strong>de</strong> E ou a reflexão <strong>de</strong> E num dos hiperplanos<br />

xk = 0, então T ∈ U(R N ) e cN(T) = cN(E). Se E é elementar então T é<br />

igualmente elementar.<br />

Se I é um intervalo limitado <strong>de</strong> extremos a < b e b − a > 2ε > 0, os<br />

intervalos F = [a+ε,b−ε] e U =]a−ε,b+ε[ são, respectivamente, fechado e<br />

aberto, F ⊆ I ⊆ U e c(U\F) = 4ε. Dizemos por isso que qualquer intervalo<br />

po<strong>de</strong> ser aproximado, por <strong>de</strong>feito, por um intervalo fechado, e por excesso,<br />

por um intervalo aberto, com “erro arbitrariamente pequeno”. A generalização<br />

<strong>de</strong>sta afirmação para conjuntos elementares fica igualmente como<br />

exercício (18):<br />

cN(U) − ε<br />

cN(S)<br />

cN(F) + ε<br />

cN(F) cN(U)<br />

cN(S) − ε cN(S) + ε<br />

Proposição 1.1.14. Se S ⊆ R N é elementar e ε > 0, existem conjuntos<br />

elementares F (fechado) e U (aberto) tais que F ⊆ S ⊆ U e cN(U\F) < ε,<br />

don<strong>de</strong> cN(S) − ε < cN(F) ≤ cN(S) ≤ cN(U) < cN(S) + ε.<br />

Exercícios.<br />

1. Quantos vértices, arestas e faces tem um rectângulo-N?<br />

2. Existem 4 intervalos limitados com extremos a e b, que são [a, b], ]a, b], [a, b[,<br />

e ]a, b[. Quantos rectângulos-N limitados existem com os mesmos vértices?<br />

3. Existem conjuntos ilimitados E ⊂ R N com conteúdo finito arbitrário?<br />

4. Demonstre a proposição 1.1.6 e mostre que qualquer conjunto que seja uma<br />

união finita <strong>de</strong> rectângulos é uma união finita <strong>de</strong> rectângulos disjuntos.<br />

5. Calcule c4(U), on<strong>de</strong> U = R1 ∪ R2 ∪ R3, R1 = [0, 6] × [0, 5] × [0, 6] × [0, 10],<br />

R2 = [−1, 4] × [2, 6] × [3, 8] × [4, 12] e R3 = [−2, 3] × [−1, 4] × [−1, 4] × [−2, 7].<br />

6. Mostre que se E ∈ U(R N ) então cN(∂E) = 0. Conclua que cN(E) =<br />

cN(int(E)) e portanto int(E) = ∅ ⇔ cN(E) = 0.( 2 )<br />

2 Se X ⊆ R N , <strong>de</strong>signamos a fronteira <strong>de</strong> X por ∂X e o fecho <strong>de</strong> X por X. O<br />

interior e o exterior <strong>de</strong> X <strong>de</strong>signam-se, respectivamente, por int(X) e ext(X). Temos,<br />

em particular, que ∂X = X\int(X).


18 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

7. Mostre que se E ∈ U(R) então c(E) = 0 se e só se E é finito.<br />

8. Mostre que se E ⊂ R N é infinito numerável( 3 ) então E ∈ U(R N ).<br />

9. Demonstre a proposição 1.1.8.<br />

10. Generalize as alíneas 1.1.11 a) e 1.1.11 d) para famílias finitas <strong>de</strong> conjuntos.<br />

11. Sejam A e B rectângulos e consi<strong>de</strong>re R = A × B. Mostre que<br />

a) Se RA e RB são partições <strong>de</strong> A e <strong>de</strong> B, então R = {a × b : a ∈ RA, b ∈ RB}<br />

é uma partição <strong>de</strong> R.<br />

b) Se P é uma partição qualquer <strong>de</strong> R em rectângulos, existe um refinamento<br />

R para a partição P do tipo referido em a).<br />

12. Mostre que, se C ∈ U(R N+M ), então existem rectângulos-N R1, · · · , Rn,<br />

disjuntos e conjuntos Bi ∈ U(R M ) tais que<br />

C =<br />

n<br />

Ri × Bi.<br />

i=1<br />

13. Seja I ⊆ R um intervalo e I = {I1, I2, · · · , In} uma partição finita <strong>de</strong> I em<br />

intervalos. Prove que<br />

c(I) = <br />

c(i) =<br />

i∈I<br />

n<br />

c(Ik).<br />

14. Seja R = I × J ⊆ R 2 um rectângulo-2, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em<br />

R. Dadas partições P = {I1, I2, · · · , In} <strong>de</strong> I e Q = {J1, J2, · · · , Jm} <strong>de</strong><br />

J, on<strong>de</strong> os Ik e Jj são intervalos, <strong>de</strong>finimos ∆xk = c(Ik) e ∆yj = c(Jj) e<br />

R = {i × j : i ∈ P, j ∈ Q}. Prove que<br />

c2(R) =<br />

n<br />

k=1 j=1<br />

k=1<br />

m<br />

∆xk∆yj = <br />

c2(r).<br />

15. Sendo R = I × J ⊆ R2 um rectângulo, on<strong>de</strong> I e J são intervalos em R, e P<br />

uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos, prove que<br />

c2(R) = <br />

c2(p).<br />

p∈P<br />

Sugestão: Mostre que P tem um refinamento R do tipo referido no exercício<br />

anterior e no exercício 11. Aplique em seguida o resultado anterior ao<br />

rectângulo R e a cada rectângulo p ∈ P.<br />

3 O conjunto X é numerável se e só se existe uma função sobrejectiva φ : N → X,<br />

sendo que X po<strong>de</strong> ser finito ou infinito. X é infinito numerável se e só existe uma bijecção<br />

φ : N → X, e dizemos neste caso que φ é uma enumeração dos elementos <strong>de</strong> X.<br />

r∈R


1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 19<br />

16. Demonstre 1.1.3. sugestão: Proceda por indução em N, generalizando as<br />

i<strong>de</strong>ias nos exercícios 14 e 15 e aproveitando os exercícios 11 e 13.<br />

17. Demonstre a proposição 1.1.13.<br />

18. Demonstre a proposição 1.1.14.<br />

1.2 Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas<br />

Introduzimos nesta secção um conjunto <strong>de</strong> noções abstractas, mas relativamente<br />

elementares, que são úteis no estudo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> conjuntos e são<br />

extensivamente utilizadas na teoria da medida. Estas i<strong>de</strong>ias serão ainda<br />

enriquecidas e completadas nas secções 1.6 e 2.1. Começamos por uma classificação<br />

para classes <strong>de</strong> conjuntos, parcialmente inspirada em proprieda<strong>de</strong>s<br />

das classes E(R N ) e U(R N ).<br />

Definição 1.2.1 ( Álgebras e Semi-álgebras <strong>de</strong> Conjuntos). Seja X um conjunto<br />

arbitrário e S uma família não-vazia <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X. S diz-se<br />

uma semi-álgebra (em X) se e só se:<br />

a) Fecho em relação à união: A,B ∈ S ⇒ A ∪ B ∈ S, e<br />

b) Fecho em relação à diferença: A,B ∈ S ⇒ A\B ∈ S.<br />

A semi-álgebra S diz-se uma álgebra (em X) se, além disso,<br />

c) X ∈ S.<br />

Exemplos 1.2.2.<br />

1. As classes U(R N ) e E(R N ) são semi-álgebras, <strong>de</strong> acordo com 1.1.8.<br />

2. A classe E(R N ) não é uma álgebra, porque R N não é elementar.<br />

3. A classe U(R N ) é uma álgebra, porque R N é um rectângulo.<br />

4. Se S ⊆ R N , a classe E(S) é uma semi-álgebra. Se S é um conjunto elementar,<br />

então E(S) é uma álgebra em S.<br />

5. A classe dos rectângulos em R N não é uma semi-álgebra em R N , porque não<br />

é fechada nem para a união nem para a diferença.<br />

6. A classe dos conjuntos abertos em R N não é uma semi-álgebra em R N , porque<br />

não é fechada para a diferença (apesar <strong>de</strong> ser fechada para a união e a intersecção).<br />

O mesmo se passa com a classe dos conjuntos fechados em R N .<br />

7. Sendo X um qualquer conjunto, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong> X, que<br />

<strong>de</strong>signamos P(X), é a maior álgebra <strong>de</strong> conjuntos em X.<br />

8. A classe {∅, X} é a menor álgebra <strong>de</strong> conjuntos em X.


20 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

O próximo teorema indica proprieda<strong>de</strong>s algébricas que são comuns a<br />

qualquer semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos.<br />

Teorema 1.2.3. Seja S uma semi-álgebra no conjunto X. Temos, então:<br />

a) ∅ ∈ S.<br />

b) Fecho em relação à intersecção: A,B ∈ S ⇒ A ∩ B ∈ S.<br />

c) Fecho em relação a uniões e intersecções finitas:<br />

A1,A2, · · · ,An ∈ S ⇒<br />

n<br />

Ak,<br />

k=1<br />

Se S é uma álgebra em X, temos ainda:<br />

n<br />

Ak ∈ S.<br />

k=1<br />

d) Fecho em relação à complementação: A ∈ S ⇒ A c ∈ S.( 4 )<br />

Demonstração. a) A classe S é por <strong>de</strong>finição não-vazia. Sendo A ∈ S, temos<br />

∅ = A\A ∈ S.<br />

b) A ∩ B = A\(A\B) ∈ S.<br />

c) É facilmente <strong>de</strong>monstrável por indução.<br />

d) Como por hipótese X ∈ S, concluímos que Ac = X\A ∈ S.<br />

Alguma da terminologia <strong>de</strong>finida a seguir já foi informalmente utilizada<br />

na secção anterior. Note-se que nos referimos a funções <strong>de</strong> conjuntos com valores<br />

em [0,+∞], como por exemplo o conteúdo-N na classe dos rectângulos,<br />

ou com valores reais.<br />

Definição 1.2.4 (Proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> conjuntos). Seja λ : S → Y<br />

uma função, on<strong>de</strong> S é uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo X<br />

e Y = R ou Y = [0,+∞]. Supondo que as afirmações seguintes são válidas<br />

para quaisquer conjuntos A,B,C ∈ S, a função <strong>de</strong> conjuntos λ diz-se:<br />

a) Aditiva: Se A ∪B ∈ S e A e B disjuntos ⇒ λ(A ∪B) = λ(A)+λ(B).<br />

b) Subaditiva: Se C ⊆ A ∪ B ⇒ λ(C) ≤ λ(A) + λ(B).<br />

c) Monótona: Se A ⊆ B ⇒ λ(A) ≤ λ(B).<br />

d) Não-negativa: Se λ(A) ≥ 0.<br />

Exemplos 1.2.5.<br />

1. Conteúdo-N: O conteúdo-N, tal como o <strong>de</strong>finimos em E(R N ), é uma função<br />

aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa.<br />

4 Quando o conjunto “universal” X é evi<strong>de</strong>nte do contexto da discussão, usamos a<br />

notação A c = X\A.


1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 21<br />

2. Cardinal: Dado um conjunto Y , o cardinal <strong>de</strong> Y <strong>de</strong>signa-se por #(Y ) e<br />

é igual ao número <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> Y , se Y é finito, ou igual a +∞ , se Y é<br />

infinito. Qualquer que seja o conjunto X, o cardinal é uma função <strong>de</strong> conjuntos<br />

aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa <strong>de</strong>finida na classe P(X).<br />

3. Probabilida<strong>de</strong>s: Na Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s, associamos uma probabilida<strong>de</strong>,<br />

que é um número entre 0 e 1, a acontecimentos. Os acontecimentos são<br />

subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo X e formam uma álgebra A (porquê?). A<br />

probabilida<strong>de</strong> p : A → [0, 1] é portanto uma função <strong>de</strong> conjuntos, que é sempre<br />

aditiva, subaditiva, monótona e não-negativa. Por exemplo, o conjunto X, que<br />

é um acontecimento certo, tem probabilida<strong>de</strong> 1, ou seja, p(X) = 1.<br />

4. Muitas gran<strong>de</strong>zas físicas, ditas extensivas, como a massa, carga eléctrica,<br />

energia, entropia, momento linear, etc., po<strong>de</strong>m ser representadas por funções<br />

aditivas <strong>de</strong> conjuntos. Os conjuntos em causa são normalmente regiões do<br />

espaço ou partes <strong>de</strong> um dado corpo material.<br />

5. Introduzimos aqui uma família <strong>de</strong> exemplos que referiremos com frequência<br />

nos Capítulos seguintes. Consi<strong>de</strong>ramos:<br />

• A classe C formada pelos intervalos do tipo ]a, b] com −∞ < a ≤ b < ∞,<br />

• Uma qualquer função real f : R → R, e<br />

• A função <strong>de</strong> conjuntos λ : C → R dada por λ(]a, b]) = f(b) − f(a).<br />

A classe F(R) formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> intervalos em C é uma semiálgebra,<br />

como é fácil verificar. Para alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ a toda a classe<br />

F(R), basta observar que qualquer conjunto A ∈ F(R) é uma união finita <strong>de</strong><br />

intervalos disjuntos I1, I2, · · · , In em C e tomar<br />

λ(A) =<br />

n<br />

λ(Ik).<br />

k=1<br />

(Para mostrar que esta <strong>de</strong>finição não é ambígua, observe que λ é obviamente<br />

aditiva em C e adapte o argumento que utilizámos em 1.1.9.). É ainda imediato<br />

que<br />

• λ é aditiva em F(R) e<br />

• λ é não-negativa, monótona e subaditiva se e só se f é crescente.<br />

Casos típicos <strong>de</strong>sta família <strong>de</strong> exemplos são as distribuições <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> na<br />

recta real, on<strong>de</strong> é comum escolher para f a chamada distribuição (comulativa)<br />

<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Neste caso, o valor f(x) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />

E = {X ∈ R : X ≤ x}, e por isso f é uma função crescente em R tal que<br />

0 ≤ f ≤ 1. É também claro que f(b)−f(a) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />

A = {X ∈ R : a < X ≤ b}, que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>signar por λ(]a, b]).<br />

O próprio conteúdo <strong>de</strong> Jordan (restrito à classe F(R)) resulta <strong>de</strong> escolher<br />

f(x) = x.<br />

6. Os seguintes casos específicos do exemplo anterior são muito simples mas<br />

interessantes:


22 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

• Se f é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>( 5 ) (a função característica do intervalo<br />

[0, +∞[), então λ é o impulso, medida ou distribuição <strong>de</strong> dirac( 6 ).<br />

O cálculo <strong>de</strong> λ é imediato:<br />

λ(A) =<br />

1, se 0 ∈ A<br />

0, se 0 ∈ A<br />

• Se f(x) = int(x), on<strong>de</strong> int(x) = max{k ∈ Z : k ≤ x} é a parte inteira<br />

<strong>de</strong> x, então λ(A) conta os inteiros que pertencem a A, i.e., λ(A) =<br />

#(A ∩ Z) e λ tem o pitoresco nome <strong>de</strong> pente <strong>de</strong> dirac.<br />

Estes exemplos são frequentemente utilizados na Física para representar distribuições<br />

<strong>de</strong> massas (ou cargas) pontuais unitárias numa recta. Repare-se <strong>de</strong><br />

passagem que em qualquer <strong>de</strong>stes exemplos é fácil alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ<br />

à classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong> R, como é igualmente simples adaptar<br />

as respectivas <strong>de</strong>finições a contextos mais gerais (e.g., referindo outros pontos<br />

que não 0 e outros conjuntos que não Z, substituindo R por outro qualquer<br />

conjunto X, etc.).<br />

7. Continuando o exemplo 5, note-se que não só é verda<strong>de</strong> que qualquer função<br />

f : R → R <strong>de</strong>termina uma função <strong>de</strong> conjuntos λ aditiva na semi-álgebra<br />

F(R), como é igualmente verda<strong>de</strong> que qualquer função aditiva λ <strong>de</strong>finida e<br />

finita em F(R) <strong>de</strong>termina uma correspon<strong>de</strong>nte função f, que na realida<strong>de</strong> é<br />

única a menos <strong>de</strong> uma constante aditiva arbitrária. Para obter f, po<strong>de</strong>mos<br />

sempre tomar<br />

f(x) =<br />

B<br />

+λ(]0, x], se x ≥ 0<br />

−λ(]x, 0]), se x < 0<br />

A ∩ B<br />

A\B<br />

Figura 1.2.1: λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B)<br />

Indicamos abaixo proprieda<strong>de</strong>s comuns a quaisquer funções aditivas <strong>de</strong>finidas<br />

em semi-álgebras, <strong>de</strong> que a figura 1.2.1 ilustra um exemplo.<br />

Teorema 1.2.6. Se λ : S → Y é uma função aditiva <strong>de</strong>finida na semiálgebra<br />

S e Y = R ou Y = [0, ∞], então:<br />

5 De Oliver Heavisi<strong>de</strong> (1850 - 1925), engenheiro, físico e matemático inglês.<br />

6 Do célebre físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902 - 1984), prémio Nobel em<br />

1933. Foi um dos distintos ocupantes da Cátedra Lucasiana da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Cambridge<br />

(1932-1969), hoje ocupada pelo famoso físico Stephen Hawking. Terminou a sua vida nos<br />

Estados Unidos, on<strong>de</strong> ensinou nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Miami e do Estado da Flórida.<br />

A


1.2. Álgebras, Semi-Álgebras e Funções Aditivas 23<br />

a) λ(∅) = 0, ou λ(A) = +∞ para qualquer A ∈ S.( 7 )<br />

b) Se A,B ∈ S então ( 8 )<br />

λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) e λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B).<br />

c) λ é não-negativa ⇐⇒ λ é monótona ⇐⇒ λ é subaditiva.<br />

d) Se A1,A2, · · · ,An ∈ S e A1,A2, · · · ,An são disjuntos então<br />

λ(<br />

n<br />

Ak) =<br />

k=1<br />

n<br />

λ(Ak).<br />

k=1<br />

Demonstração. a) Se A ∈ S, segue-se, por aditivida<strong>de</strong>, que<br />

λ(A) = λ(A) + λ(∅).<br />

Se existe algum conjunto A tal que λ(A) = +∞, é claro que λ(∅) = 0.<br />

b) A\B e B são disjuntos e A ∪ B = (A\B) ∪ B, don<strong>de</strong><br />

(1) λ(A ∪ B) = λ(A\B) + λ(B).<br />

Analogamente, A ∩ B e A\B são disjuntos e A = (A ∩ B) ∪ (A\B), don<strong>de</strong><br />

Concluímos <strong>de</strong> (1) e (2) que<br />

(2) λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B).<br />

λ(A ∩ B) + λ(A ∪ B) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) + λ(B) = λ(A) + λ(B).<br />

c) Se λ é não-negativa e A ⊇ B, então λ(A\B) ≥ 0 e<br />

λ(A) = λ(A ∩ B) + λ(A\B) = λ(B) + λ(A\B) ≥ λ(B),<br />

i.e., λ é monótona. Se λ é monótona e C ⊆ A ∪ B então<br />

λ(C) ≤ λ(A ∪ B) = λ(A ∪ (B\A)) = λ(A) + λ(B\A) ≤ λ(A) + λ(B),<br />

ou seja, λ é subaditiva. Finalmente, se λ é subaditiva e como ∅ ⊆ A ∪ A<br />

então λ(∅) ≤ 2λ(A) e λ é não-negativa.<br />

d) A <strong>de</strong>monstração fica como exercício.<br />

No caso das funções subaditivas, <strong>de</strong>ixamos como exercício obter:<br />

7 Em geral, consi<strong>de</strong>ramos apenas funções λ que não são constantes e iguais a +∞.<br />

8 Estas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser manipuladas com cuidado quando λ toma valores infinitos.<br />

Note que só po<strong>de</strong>mos escrevê-las na forma λ(A ∪ B) = λ(A) + λ(B) − λ(A ∩ B) e<br />

λ(A\B) = λ(A) − λ(A ∩ B) quando não conduzem a in<strong>de</strong>terminações do tipo (∞ − ∞).


24 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Teorema 1.2.7. Se λ : S → Y é uma função subaditiva <strong>de</strong>finida na semiálgebra<br />

S e Y = R ou Y = [0, ∞], então:<br />

a) λ é não-negativa,<br />

b) A1,A2, · · · ,An ∈ S ⇒ λ(<br />

n<br />

Ak) ≤<br />

k=1<br />

c) Se λ(∅) = 0 então λ é monótona.<br />

Exercícios.<br />

n<br />

λ(Ak), e<br />

1. Sendo A uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X, prove que A é uma álgebra em<br />

X se e só se A é não-vazia, fechada em relação à união (ou intersecção), e à<br />

complementação.<br />

k=1<br />

2. Po<strong>de</strong> substituir-se a união pela intersecção na <strong>de</strong>finição 1.2.1?<br />

3. Mostre que a classe S dos conjuntos limitados é uma semi-álgebra em R N .<br />

Consi<strong>de</strong>re a função λ : S → R, dada por<br />

λ(A) = diam(A) = sup {x − y : x, y ∈ A} , para A ∈ S.<br />

Quais das proprieda<strong>de</strong>s referidas em 1.2.4 são satisfeitas por λ?<br />

4. Os subconjuntos finitos do conjunto X formam uma semi-álgebra? Uma<br />

álgebra?<br />

5. Sendo R um rectângulo-N limitado, mostre que E(R) é a menor álgebra em<br />

R que contém os subrectângulos <strong>de</strong> R.<br />

6. Demonstre as afirmações feitas no texto a respeito do exemplo 1.2.5.5.<br />

7. Generalize o exemplo 1.2.5.5 para o plano R 2 , sendo agora f uma função <strong>de</strong><br />

duas variáveis.<br />

8. Consi<strong>de</strong>re a seguinte experiência aleatória, para selecção <strong>de</strong> um número no<br />

intervalo [0, 6]. Primeiro, usamos uma moeda para <strong>de</strong>cidir um <strong>de</strong> dois métodos:<br />

no caso “caras”, escolhemos ao acaso um número no intervalo [0, 6] (com uma<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> constante); no caso “coroas”, rolamos um dado<br />

para escolher um número do conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Descreva a distribuição<br />

<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> λ associada a esta experiência, calculando a correspon<strong>de</strong>nte<br />

função <strong>de</strong> distribuição cumulativa f.<br />

9. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.2.6 e prove 1.2.7.


1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 25<br />

1.3 Conjuntos Jordan-Mensuráveis<br />

A teoria <strong>de</strong>senvolvida no início <strong>de</strong>ste Capítulo é manifestamente <strong>de</strong>masiado<br />

pobre para esclarecer <strong>de</strong> modo satisfatório a noção <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong> um conjunto.<br />

Afinal <strong>de</strong> contas, uma região tão simples como um triângulo não é<br />

elementar e portanto por enquanto ainda não <strong>de</strong>finimos a sua área! Nesta<br />

secção, <strong>de</strong>finimos o conteúdo-N para os conjuntos Jordan-mensuráveis( 9 ),<br />

que formam uma classe bastante mais extensa do que a classe dos conjuntos<br />

elementares. Veremos em particular que muitas figuras geométricas comuns<br />

(triângulos, círculos, elipses, etc.) são conjuntos Jordan-mensuráveis. Exploramos<br />

aqui a aproximação <strong>de</strong> conjuntos não-elementares por conjuntos<br />

elementares, tal como ilustrado na figura 1.3.1 para um círculo. Note-se<br />

Figura 1.3.1: 2 < π < 4<br />

que esta i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aproximação, se bem que formalizada por Jordan e Peano<br />

apenas no final do século XIX, é na realida<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scoberta fundamental<br />

muito antiga, usualmente atribuída a Arquime<strong>de</strong>s( 10 ).<br />

Observe-se a este respeito que, se J ⊆ R N é um conjunto limitado, então<br />

existem conjuntos elementares K e U tais que K ⊆ J ⊆ U. Os conjuntos K e<br />

U aproximam J, respectivamente, por <strong>de</strong>feito e por excesso. Por esta razão,<br />

qualquer <strong>de</strong>finição “razoável” <strong>de</strong> cN(J) <strong>de</strong>ve conduzir às <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

1.3.1. cN(K) ≤ cN(J) ≤ cN(U).<br />

Como K e U são elementares, sabemos <strong>de</strong> 1.1.11 c) que<br />

K ⊆ J ⊆ U =⇒ K ⊆ U =⇒ cN(K) ≤ cN(U).<br />

Tomando nesta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> o conjunto K como fixo, concluímos que, se<br />

K ∈ E(J), então<br />

cN(K) é minorante do conjunto cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />

9 De Camille M.E. Jordan (1838 - 1922), matemático francês, professor da Escola<br />

Politécnica <strong>de</strong> Paris. As i<strong>de</strong>ias apresentadas nesta secção foram, no entanto, introduzidas<br />

pelo matemático italiano Giuseppe Peano, 1858-1932, professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Turim.<br />

10 Arquime<strong>de</strong>s, matemático e engenheiro, viveu em Siracusa (Sicília) em 287-212 A.C.,<br />

no tempo em que esta cida<strong>de</strong> era uma colónia grega. Foi, certamente, um dos mais geniais<br />

cientistas <strong>de</strong> todos os tempos.


26 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

U<br />

K J<br />

Figura 1.3.2: K e U são aproximações <strong>de</strong> J.<br />

Como o ínfimo <strong>de</strong> um conjunto é o maior dos seus minorantes, temos<br />

cN(K) ≤ inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> anterior é válida para qualquer K ∈ E(J), ou seja,<br />

inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U é majorante <strong>de</strong> {cN(K) : K ∈ E(J)} .<br />

O supremo <strong>de</strong> um conjunto é o menor dos seus majorantes, e portanto<br />

sup {cN(K) : K ∈ E(J)} ≤ inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />

O supremo e o ínfimo mencionados acima merecem <strong>de</strong>signação especial:<br />

Definição 1.3.2 (Conteúdo Interior e Exterior). Se J ⊆ R N é um conjunto<br />

limitado, o seu conteúdo interior, <strong>de</strong>signado c N (J), e o seu conteúdo<br />

exterior, <strong>de</strong>signado cN(J), são dados por<br />

c N(J) = sup {cN(K) : K ∈ E(J)} e<br />

cN(J) = inf cN(U) : U ∈ E(R N ),J ⊆ U .<br />

Notamos agora que se cN(J) satisfaz 1.3.1 então temos igualmente<br />

c N (J) ≤ cN(J) ≤ cN(J).<br />

O ponto <strong>de</strong> partida para a teoria <strong>de</strong> Jordan é a seguinte observação, genial<br />

pela sua simplicida<strong>de</strong>:<br />

Se os conteúdos interior e exterior <strong>de</strong> J são iguais, então o<br />

conteúdo do conjunto J só po<strong>de</strong> ser igual a esse valor comum.<br />

Esta é a i<strong>de</strong>ia formalizada na próxima <strong>de</strong>finição.<br />

Definição 1.3.3 (Conteúdo <strong>de</strong> Jordan). ( 11 ) Se J ⊆ R N é limitado,<br />

11 Esta <strong>de</strong>finição foi primeiro apresentada por Peano em 1887 num trabalho muito original<br />

que inclui, igualmente pela primeira vez, as noções <strong>de</strong> interior, exterior e fronteira <strong>de</strong><br />

um subconjunto <strong>de</strong> R N e uma <strong>de</strong>finição abstracta <strong>de</strong> “função aditiva <strong>de</strong> conjuntos”, que<br />

Peano chamava “função distributiva”. O correspon<strong>de</strong>nte artigo <strong>de</strong> Jordan é <strong>de</strong> 1892.


1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 27<br />

a) Dizemos que J é jordan-mensurável se e só se c N(J) = cN(J).<br />

b) Neste caso, o conteúdo <strong>de</strong> jordan <strong>de</strong> J, <strong>de</strong>signado cN(J), é dado<br />

por cN(J) = c N(J) = cN(J).<br />

c) A classe dos conjuntos Jordan-mensuráveis <strong>de</strong> R N <strong>de</strong>signa-se por J (R N ).<br />

Mais geralmente, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos Jordan-mensuráveis<br />

<strong>de</strong> R ⊆ R N <strong>de</strong>signa-se por J (R).<br />

Se o próprio conjunto J referido em 1.3.3 é elementar, é indispensável<br />

verificar que esta <strong>de</strong>finição é compatível com a que apresentámos em 1.1.10<br />

para estes conjuntos. Por outras palavras, é necessário provar que:<br />

• Os conjuntos elementares são Jordan-mensuráveis e<br />

• O respectivo conteúdo po<strong>de</strong> ser indistintamente <strong>de</strong>terminado usando<br />

1.1.10 ou 1.3.3.<br />

Para isso, supomos J elementar e tomamos K = J = U, para observar que<br />

cN(K) ≤ c N(J) ≤ cN(J) ≤ cN(U) = cN(K).<br />

Quando J não é elementar, a <strong>de</strong>finição 1.3.3 po<strong>de</strong> ser difícil <strong>de</strong> aplicar directamente,<br />

porque exige o cálculo explícito dos conteúdos interior e exterior<br />

<strong>de</strong> J. É frequentemente mais prático utilizar a proposição seguinte:<br />

Teorema 1.3.4. J ∈ J (R N ) se e só se existem para cada ε > 0 conjuntos<br />

K,U ∈ E(R N ) tais que K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) < ε.<br />

K e U po<strong>de</strong>m ser supostos fechados ou abertos e temos ainda que<br />

cN(U) − ε < cN(K) ≤ cN(J) ≤ cN(U) < cN(K) + ε.<br />

Demonstração. Supomos que ε > 0 e os conjuntos elementares K e U são<br />

tais que<br />

K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) = cN(U) − cN(K) < ε.<br />

Como cN(K) ≤ c N(J) ≤ cN(J) ≤ cN(U), temos<br />

cN(J) − c N (J) ≤ cN(U) − cN(K) < ε, don<strong>de</strong><br />

0 ≤ cN(J) − c N (J) < ε<br />

Sendo esta última <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> válida para qualquer ε > 0, é claro que<br />

cN(J) = c N(J), i.e., J ∈ J (R N ). Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração<br />

para o exercício 4.


28 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

cN(J) − ε<br />

U<br />

cN(U) − ε<br />

K<br />

cN(K)<br />

cN(J)<br />

cN(U)<br />

J<br />

cN(K) + ε<br />

cN(J) + ε<br />

Figura 1.3.3: Aproximação <strong>de</strong> um conjunto Jordan-mensurável por conjuntos<br />

elementares.<br />

Concluímos que os conjuntos Jordan-mensuráveis são os conjuntos que<br />

po<strong>de</strong>m ser aproximados por <strong>de</strong>feito e por excesso por conjuntos elementares,<br />

“com erro arbitrariamente pequeno”. Po<strong>de</strong> também ser útil a seguinte alternativa<br />

a 1.3.4, cuja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ixamos para o exercício 5:<br />

Teorema 1.3.5. J ∈ J (R N ) se e só se existem sucessões <strong>de</strong> conjuntos<br />

elementares Kn e Un tais que Kn ⊆ J ⊆ Un e cN(Un\Kn) → 0 don<strong>de</strong><br />

Exemplo 1.3.6.<br />

lim<br />

n→+∞ cN(Kn) = lim<br />

n→+∞ cN(Un) = cN(J).<br />

Um dos problemas originalmente resolvidos por Arquime<strong>de</strong>s foi o do cálculo<br />

da área da região entre um arco da parábola y = x 2 e o eixo dos xx. Mostramos<br />

aqui que esta região é Jordan-mensurável, <strong>de</strong>ixando o cálculo da sua área para<br />

o exercício 2. Na verda<strong>de</strong>, provamos a seguir que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong><br />

qualquer função monótona é sempre Jordan-mensurável, se bem que o cálculo<br />

da respectiva área possa ser um problema <strong>de</strong> mais difícil resolução.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se a figura 1.3.4. A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função não-negativa f<br />

no intervalo [a, b] é o conjunto<br />

Ω = {(x, y) : a ≤ x ≤ b, 0 < y < f(x)} .<br />

Supomos que f é crescente, mas o argumento é aplicável com modificações<br />

evi<strong>de</strong>ntes a funções <strong>de</strong>crescentes. Fixado n ∈ N, dividimos o intervalo [a, b]<br />

em n subintervalos <strong>de</strong> comprimento ∆x = (b−a)<br />

n , utilizando pontos igualmente<br />

espaçados a = x0 < x1 < · · · < xn = b. Definimos intervalos Ik e rectângulos<br />

auxiliares Ak e Bk para 1 ≤ k ≤ n, tomando<br />

Ik = [xk−1, xk], Ak = Ik×]0, f(xk−1)[ e Bk = Ik×]0, f(xk)[.<br />

Sejam Kn e Un os conjuntos elementares dados por<br />

n<br />

n<br />

Kn = Ak e Un = Bk don<strong>de</strong> Kn ⊆ Ω ⊆ Un.<br />

k=1<br />

k=1


1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 29<br />

f(b)<br />

f(a)<br />

Bk<br />

Ak<br />

a b<br />

f(b) − f(a)<br />

∆x = b−a<br />

n<br />

Figura 1.3.4: A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f é Jordan-mensurável.<br />

Como a figura 1.3.4 sugere, é fácil verificar que<br />

(b − a)<br />

c2(Un\Kn) = (f(b) − f(a))∆x = (f(b) − f(a)) → 0.<br />

n<br />

Segue-se <strong>de</strong> 1.3.5 que Ω é Jordan-mensurável.<br />

O argumento anterior po<strong>de</strong> ser adaptado para provar que triângulos,<br />

círculos e, em geral, regiões limitadas por cónicas e/ou segmentos <strong>de</strong> recta<br />

são Jordan-mensuráveis. O próximo exemplo ilustra o cálculo do comprimento<br />

<strong>de</strong> subconjuntos da recta real R.<br />

Exemplo 1.3.7.<br />

∞<br />

Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto A = An, on<strong>de</strong> An = [<br />

n=1<br />

1<br />

2n ,<br />

1<br />

]. A não é<br />

2n − 1<br />

elementar, mas é natural aproximá-lo pelos conjuntos elementares<br />

KN =<br />

N<br />

An, on<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte que KN ⊂ A.<br />

n=1<br />

Por outro lado, temos ainda<br />

∞ 1<br />

An ⊆ [0, ] =⇒<br />

2n − 1<br />

n=N+1<br />

An ⊆ [0,<br />

1<br />

2N + 1 ] =⇒ A ⊆ KN<br />

1<br />

∪ [0,<br />

2N + 1 ].<br />

O conjunto UN = KN ∪[0, 1<br />

2N+1 ] é também elementar e temos KN ⊆ A ⊆ UN.<br />

Além disso,<br />

c(UN \KN) = c([0,<br />

1 1<br />

]) = → 0, quando N → ∞.<br />

2N + 1 2N + 1<br />

Concluímos <strong>de</strong> 1.3.5 que A é Jordan-mensurável, com comprimento dado por<br />

c(A) = lim<br />

N→∞ c(KN) = lim<br />

N→∞<br />

n=1<br />

N<br />

∞<br />

∞ 1<br />

c(An) = c(An) =<br />

2n(2n − 1) .<br />

n=1<br />

n=1


30 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Figura 1.3.5: Aproximação do conjunto A por conjuntos elementares.<br />

O seguinte corolário <strong>de</strong> 1.3.4 é útil para i<strong>de</strong>ntificar conjuntos Jordanmensuráveis<br />

<strong>de</strong> conteúdo nulo. A respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 8.<br />

Corolário 1.3.8. Sendo J ⊆ R N , então J é Jordan-mensurável e cN(J) = 0<br />

se e só se para qualquer ε > 0 existe um conjunto elementar U tal que<br />

Exemplo 1.3.9.<br />

J ⊆ U e cN(U) < ε.<br />

Introduzimos aqui o conjunto <strong>de</strong> Cantor( 12 ), um exemplo clássico que<br />

utilizaremos com frequência neste texto. Este conjunto obtém-se por um engenhoso<br />

processo iterativo <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> intervalos em três subintervalos iguais,<br />

seguido da remoção do subintervalo médio, como sugerido na figura 1.3.6.<br />

U4 U3 U4<br />

U2<br />

U4 U3 U4<br />

U1<br />

U4 U3 U4<br />

Figura 1.3.6: A construção <strong>de</strong> Cantor.<br />

U2<br />

U3<br />

K3<br />

U6<br />

K6<br />

U4 U3 U4<br />

Seja I um qualquer intervalo limitado fechado e ψ(I) o intervalo aberto <strong>de</strong> com-<br />

primento c(I)<br />

3 centrado no ponto médio <strong>de</strong> I. Definimos T(I) = I\ψ(I), e notamos<br />

que T(I) é a união <strong>de</strong> dois intervalos limitados fechados e c(T(I)) = 2<br />

3c(I). De forma análoga, se E = ∪n k=1Ik é uma união finita <strong>de</strong> intervalos limitados<br />

fechados disjuntos Ik, <strong>de</strong>finimos T(E) = ∪n k=1T(Ik), don<strong>de</strong> c(T(E)) = 2<br />

3c(E). 12 De Georg F.L. Cantor (1845 - 1918), matemático alemão nascido na Rússia, criador<br />

da Teoria dos Conjuntos. Este conjunto foi introduzido num trabalho <strong>de</strong> Cantor publicado<br />

em 1883. Note-se que a primeira referência à noção <strong>de</strong> conteúdo exterior, e mesmo o termo<br />

“conteúdo”, são igualmente <strong>de</strong> Cantor, e aparecem numa sua publicação <strong>de</strong> 1884.<br />

F0<br />

F1<br />

F2<br />

F3<br />

F4


1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 31<br />

O conjunto <strong>de</strong> Cantor, que <strong>de</strong>signamos C(I), é dado por<br />

C(I) =<br />

∞<br />

Fn, on<strong>de</strong> Fn =<br />

n=0<br />

[a, b], se n = 0,<br />

T(Fn−1) se n > 0.<br />

Fn é a união <strong>de</strong> 2 n intervalos disjuntos limitados e fechados, cada um com<br />

comprimento c(I)/3 n . Fn é portanto um conjunto elementar com c(Fn) =<br />

(2/3) n c(I) e temos por razões evi<strong>de</strong>ntes que<br />

C(I) =<br />

∞<br />

n=0<br />

Fn ⊂ Fn e c(Fn) = (2/3) n c(I) → 0.<br />

Segue-se assim do corolário anterior que C(I) é um conjunto Jordan-mensurável<br />

<strong>de</strong> conteúdo nulo. Deixamos para o exercício 16 verificar que C(I) é um<br />

conjunto fechado e infinito não-numerável. Note-se igualmente que se Un =<br />

Fn−1\Fn para n ≥ 1 então Un é um conjunto elementar aberto formado por 2n intervalos, cada um com comprimento 1<br />

3nc(I). Temos ainda que U = I\C(I) =<br />

∪∞ n=0Un é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos.<br />

Exemplo 1.3.10.<br />

É relativamente simples indicar conjuntos que não são Jordan-mensuráveis, e<br />

apresentamos a seguir o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet ( 13 ). Trata-se do conjunto<br />

formado pelos racionais num dado intervalo [a, b] que, para simplificar, supomos<br />

ser o intervalo [0, 1], ou seja, consi<strong>de</strong>ramos o conjunto D = Q ∩ [0, 1].<br />

Qualquer intervalo não <strong>de</strong>generado (i.e., com interior não-vazio) contém racionais<br />

e irracionais ( 14 ). Portanto, se um conjunto elementar E contém apenas<br />

racionais ou apenas irracionais, então E é formado por intervalos que se reduzem<br />

cada um a um só ponto. Neste caso, E é um conjunto finito e tem<br />

conteúdo nulo. Se D é o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet e K e U são quaisquer conjuntos<br />

elementares tais que K ⊆ D ⊆ U, então:<br />

• Como K é elementar e só contém racionais, temos c(K) = 0.<br />

• Como V = [0, 1]\U é elementar e só contém irracionais, temos c(V ) = 0<br />

e segue-se facilmente que c(U) ≥ 1.<br />

Concluímos que c(U) − c(K) ≥ 1 e portanto D não é Jordan-mensurável.<br />

Indicámos em 1.1.8 e 1.1.11 algumas proprieda<strong>de</strong>s elementares básicas da<br />

classe U(RN ) e do conteúdo-N, tal como <strong>de</strong>finido nesta classe. É importante<br />

verificar que essas proprieda<strong>de</strong>s se mantêm válidas na classe J (RN ).<br />

13 Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859), matemático alemão. O exemplo <strong>de</strong><br />

Dirichlet original é a função característica dos racionais, e foi publicado em 1829.<br />

14 Dizemos que o conjunto S ⊆ R N é <strong>de</strong>nso em R N se e só se qualquer conjunto aberto<br />

não-vazio U ⊆ R N contém pontos <strong>de</strong> S, i.e., se e só se S = R N . Nesta terminologia, os<br />

conjuntos Q e R\Q são <strong>de</strong>nsos em R.


32 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Proposição 1.3.11. A classe J (R N ) é uma semi-álgebra e o conteúdo <strong>de</strong><br />

Jordan é aditivo e não-negativo em J (R N ). Em particular, cN é monótono<br />

e subaditivo em J (R N ).<br />

Demonstração. a) Provamos apenas o fecho da classe J (R N ) em relação<br />

à união, <strong>de</strong>ixando o caso da diferença para os exercícios. Dados A,B ∈<br />

J (R N ), sabemos <strong>de</strong> 1.3.5 que existem sucessões <strong>de</strong> conjuntos elementares<br />

Kn,K ′ n,Un e U ′ n tais que<br />

Kn ⊆ A ⊆ Un, K ′ n ⊆ B ⊆ U ′ n,cN(Un\Kn) → 0,cN(U ′ n\K ′ n) → 0.<br />

Os conjuntos K ′′<br />

n = Kn ∪ K ′ n<br />

observamos que<br />

e U ′′<br />

n = Un ∪ U ′ n<br />

K ′′<br />

n ⊆ A ∪ B ⊆ U ′′<br />

n e<br />

são elementares, <strong>de</strong> 1.1.8, e<br />

U ′′<br />

n\K ′′<br />

n = [Un\(Kn ∪ K ′ n)] ∪ [U ′ n\(Kn ∪ K ′ n)] ⊆ (Un\Kn) ∪ (U ′ n\K ′ n).<br />

Temos <strong>de</strong> 1.1.11 que<br />

0 ≤ cN(U ′′<br />

n \K′′ n ) ≤ cN(Un\Kn) + cN(U ′ n \K′ n ) → 0,<br />

e concluímos <strong>de</strong> 1.3.5 que A ∪ B é Jordan-mensurável.<br />

b) Se A e B são disjuntos, os conjuntos Kn e K ′ n mencionados acima são<br />

igualmente disjuntos e portanto, <strong>de</strong> acordo com 1.3.5 e 1.1.11, temos<br />

cN(K ′′<br />

n ) → cN(A ∪ B) e cN(K ′′<br />

n ) = cN(Kn) + cN(K ′ n ) → cN(A) + cN(B),<br />

ou seja, cN(A ∪ B) = cN(A) + cN(B). É evi<strong>de</strong>nte que o conteúdo <strong>de</strong> Jordan<br />

é não-negativo, e as restantes afirmações seguem-se <strong>de</strong> 1.2.6.<br />

Deixamos para o exercício 9 a adaptação das proposições 1.1.12 e 1.1.13<br />

aos conjuntos Jordan-mensuráveis, que enunciamos da seguinte forma:<br />

Teorema 1.3.12. Se A ∈ J (R N ) e B ∈ J (R M ), então<br />

a) A × B ∈ J(R N+M ) e cN+M(A × B) = cN(A) × cM(B).<br />

b) Se x ∈ R N então A + x ∈ J (R N ) e cN(A + x) = cN(A).<br />

c) Se C é uma reflexão <strong>de</strong> A num dos hiperplanos xk = 0, então C ∈<br />

J (R N ) e cN(A) = cN(C).<br />

Os conjuntos Jordan-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser também caracterizados pelo<br />

conteúdo das respectivas fronteiras. Veremos mais adiante que esta condição<br />

é um caso particular do resultado que relaciona a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

função com o conjunto <strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> essa função é <strong>de</strong>scontínua.


1.3. Conjuntos Jordan-Mensuráveis 33<br />

Teorema 1.3.13. Se J ⊂ R N é limitado, então<br />

J ∈ J (R N ) ⇐⇒ cN(∂J) = 0.<br />

Em particular, se J é Jordan-mensurável temos cN(J) = cN(int(J)), e<br />

temos ainda cN(J) = 0 se e só se int(J) = ∅.<br />

Demonstração. Supomos que J ⊂ R N é Jordan-mensurável. Dado ε > 0,<br />

existem conjuntos elementares K e U tais que<br />

K ⊆ J ⊆ U e cN(U\K) < ε.<br />

Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que K é aberto e U é fechado. Neste<br />

caso, é fácil verificar que<br />

K ⊆ int(J) ⊆ J ⊆ U, don<strong>de</strong> ∂J ⊆ U\K.<br />

O conjunto U\K é elementar e cN(U\K) < ε, on<strong>de</strong> ε é arbitrário. Temos<br />

portanto, <strong>de</strong> acordo com 1.3.8, que cN(∂J) = 0. Deixamos para o exercício<br />

10 a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração.<br />

Exemplos 1.3.14.<br />

1. Note-se do anterior que os conjuntos Jordan-mensuráveis, tal como os conjuntos<br />

elementares, não po<strong>de</strong>m ter simultaneamente interior vazio e conteúdo<br />

positivo.<br />

2. Vimos já que o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet não é Jordan-mensurável, mas este facto<br />

é também consequência do resultado anterior, porque se D = Q ∩ [0, 1] então<br />

∂D = [0, 1], don<strong>de</strong> c(∂D) = 1 e D não é Jordan-mensurável.<br />

Exercícios.<br />

1. Generalize a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> 2 < π < 4 (ver figura 1.3.1) <strong>de</strong> R 2 para R N .<br />

2. Prove que a área da região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f(x) = x 2 no intervalo [0, 1] é 1<br />

3 .<br />

sugestão: Use a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>:<br />

n<br />

k=1<br />

k 2 = n3<br />

3<br />

+ n2<br />

2<br />

+ n<br />

6 .<br />

3. Mostre que J = 1<br />

n : n ∈ N é Jordan-mensurável e tem conteúdo nulo.<br />

4. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 1.3.4. Porque razão os conjuntos K e<br />

U po<strong>de</strong>m ser supostos abertos ou fechados?<br />

5. Demonstre o teorema 1.3.5.


34 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

6. Seja f : R N → R N dada por f(x) = rx. Prove que se K ∈ J (R N ) então<br />

f(K) ∈ J (R N ) e cN(f(K)) = r N cN(K).<br />

7. Prove que a área <strong>de</strong> um círculo <strong>de</strong> raio r é πr 2 e a área da região limitada<br />

por uma elipse <strong>de</strong> semi-eixos a e b é πab.( 15 )<br />

8. Prove o corolário 1.3.8.<br />

9. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.3.11 e prove o teorema 1.3.12.<br />

10. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.3.13. sugestão: Prove que se o rectângulo<br />

R intersecta tanto int(A) como ext(A) então R intersecta também ∂(A).<br />

11. Sendo A ⊆ R N limitado, prove que cN(A) − c N (A) = cN(∂A).<br />

12. Mostre que se A ⊂ R N , tanto A como A c são <strong>de</strong>nsos em R N e R é um<br />

rectângulo-N limitado com cN(R) > 0 então A ∩ R e R\A não são Jordanmensuráveis<br />

( 16 ).<br />

13. Mostre que se J ∈ J (R N ), cN(J) = 0 e K ⊆ J, então K ∈ J (R N ) e<br />

cN(K) = 0.<br />

14. Mostre que, se A ⊆ R N , B ⊆ R M , cN(A) = 0 e A e B são limitados, então<br />

A × B é Jordan-mensurável e cN+M(A × B) = 0.<br />

15. Suponha que K ∈ J (R 2 ) e seja V o sólido <strong>de</strong> revolução obtido rodando K<br />

em torno do eixo dos xx. Mostre que V ∈ J (R 3 ).<br />

16. Seja C(I) o conjunto <strong>de</strong> Cantor, tal como <strong>de</strong>finido no exemplo 1.3.9.<br />

a) Prove que C(I) é um conjunto limitado e fechado com interior vazio e<br />

conclua que C(I) é a fronteira do seu complementar.<br />

b) Verifique que C(I) é Jordan-mensurável, com conteúdo nulo.<br />

c) Mostre que os pontos <strong>de</strong> C(I) são os pontos <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> C(I),<br />

razão pela qual C(I) se diz um conjunto perfeito( 17 ).<br />

d) Prove que C(I) é infinito não-numerável e não é elementar. sugestão:<br />

Determine uma bijecção entre C(I) e o conjunto das sucessões binárias.<br />

e) Mostre que {x + y : x, y ∈ C(I)} = [0, 2].<br />

17. Dados vectores a1,a2, · · · ,aN em RN <br />

, consi<strong>de</strong>re o “paralelepípedo” P =<br />

. Prove que P é Jordan-mensurável, com cN(P) =<br />

N<br />

k=1 tkak : 0 ≤ tk ≤ 1<br />

| <strong>de</strong>t(a1,a2, · · · ,aN)| (o valor absoluto do <strong>de</strong>terminante da matriz formada<br />

pelos vectores a1, · · · ,aN). sugestão: Mostre que:<br />

15 π é naturalmente <strong>de</strong>finido como a área do círculo <strong>de</strong> raio 1.<br />

16 O exemplo <strong>de</strong> Dirichlet resulta <strong>de</strong> tomar A = Q e N = 1.<br />

17 O ponto x ∈ R N é ponto <strong>de</strong> acumulação do conjunto A ⊆ R N se e só se qualquer<br />

vizinhança <strong>de</strong> x contém pontos <strong>de</strong> A distintos <strong>de</strong> x. As noções <strong>de</strong> “ponto <strong>de</strong> acumulação”<br />

e <strong>de</strong> “conjunto perfeito” <strong>de</strong>vem-se igualmente a Cantor.


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 35<br />

a) Se a1, · · · ,aN são linearmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, então cN(P) = 0.<br />

sugestão: Consi<strong>de</strong>re equações cartesianas para P.<br />

b) P é Jordan-mensurável porque a sua fronteira tem conteúdo nulo.<br />

c) Se Q resulta <strong>de</strong> P substituindo ai por a ′ i = ai + λaj, com i = j, então<br />

cN(Q) = cN(P). sugestão: Suponha primeiro que 0 ≤ λ ≤ 1. Note que<br />

neste caso Q\P é uma translação <strong>de</strong> P \Q. Consi<strong>de</strong>re em seguida λ ∈ N.<br />

d) O conteúdo <strong>de</strong> P é o valor absoluto do <strong>de</strong>terminante indicado. sugestão:<br />

Reduza a matriz cujas linhas são os vectores ai à forma diagonal, pelo<br />

processo <strong>de</strong> eliminação <strong>de</strong> Gauss-Jordan.<br />

18. Seja T : R N → R N uma transformação linear, e K ∈ J (R N ). Mostre que<br />

T(K) ∈ J (R N ), e cN(T(K)) = |J|cN(K), on<strong>de</strong> J é o <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> T.<br />

1.4 O Integral <strong>de</strong> Riemann<br />

Como dissémos, o problema da <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> funções está directamente<br />

relacionado com o problema da <strong>de</strong>finição do conteúdo <strong>de</strong> conjuntos.<br />

Dada uma função f : I → R, on<strong>de</strong> para simplificar supomos que I = [a,b]<br />

é um intervalo, <strong>de</strong>signamos aqui por Ω + e Ω − os conjuntos ilustrados na<br />

figura 1.4.1, que são dados por<br />

Ω + = (x,y) ∈ R 2 : x ∈ I e 0 < y < f(x) e<br />

Ω − = (x,y) ∈ R 2 : x ∈ I e 0 > y > f(x) .<br />

O integral <strong>de</strong> f, dito unidimensional ou simples, porque f é função<br />

<strong>de</strong> uma variável real, e <strong>de</strong>signado usualmente por<br />

b b<br />

f(x)dx,<br />

a<br />

a<br />

<br />

f, f(x)dx ou<br />

I<br />

é a diferença das áreas ou conteúdos-2 dos conjuntos Ω + e Ω − . Estas<br />

i<strong>de</strong>ias generalizam-se facilmente a funções <strong>de</strong> N variáveis:<br />

Definição 1.4.1 (Região <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>nadas). Se R ⊆ S ⊆ R N e f : S → R,<br />

<strong>de</strong>finimos os conjuntos:<br />

• Ω + R (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ R,0 < y < f(x) , e<br />

• Ω − R (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ R,0 > y > f(x) .<br />

A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f no conjunto R é o conjunto<br />

ΩR(f) = Ω +<br />

R (f) ∪ Ω−<br />

R (f) ⊆ RN+1 .<br />

<br />

I<br />

f,


36 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

R<br />

a<br />

Figura 1.4.1:<br />

Ω +<br />

f R 2<br />

Ω −<br />

b<br />

f(x)dx = c2(Ω + ) − c2(Ω − ).<br />

Neste caso mais geral, <strong>de</strong>vemos ainda ter<br />

1.4.2.<br />

<br />

R<br />

a<br />

f(x)dx = cN+1(Ω +<br />

−<br />

R (f)) − cN+1(ΩR (f)).<br />

O integral é agora a diferença dos conteúdos-(N+1) dos conjuntos Ω +<br />

R (f)<br />

e Ω −<br />

R (f) e diz-se um integral-N. Por exemplo, um integral-2, ou duplo, é a<br />

diferença dos volumes, ou conteúdos-3, dos conjuntos Ω +<br />

R (f) e Ω−<br />

R (f). De<br />

acordo com 1.4.2, po<strong>de</strong>mos concluir que:<br />

1.4.3. As funções <strong>de</strong> N variáveis para as quais po<strong>de</strong>mos calcular<br />

o respectivo integral-N são <strong>de</strong>terminadas pelos conjuntos em R N+1<br />

cujo conteúdo-(N + 1) está <strong>de</strong>finido.<br />

Na secção anterior, <strong>de</strong>finimos o conteúdo <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora <strong>de</strong>finir o integral <strong>de</strong> funções para as quais os conjuntos<br />

Ω + R (f) e Ω− R (f) são Jordan-mensuráveis, i.e., para as quais o conjunto ΩR(f)<br />

é Jordan-mensurável( 18 ). São estas as funções Riemann-integráveis.<br />

Definição 1.4.4 (Integral <strong>de</strong> Riemann). Seja R ⊆ S ⊆ R N e f : S → R.<br />

a) f é riemann-integrável (em R) se e só se ΩR(f) é Jordan-mensurável.<br />

b) Neste caso, o integral <strong>de</strong> riemann <strong>de</strong> f em R é dado por<br />

<br />

f = cN+1(Ω<br />

R<br />

+ R (f)) − cN+1(Ω − R (f)).<br />

18 Deve verificar no exercício 1 <strong>de</strong>sta secção que ΩR(f) é Jordan-mensurável se e só se<br />

Ω +<br />

R (f) e Ω−<br />

R (f) são Jordan-mensuráveis.<br />

b


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 37<br />

c) O conjunto das funções <strong>de</strong>finidas em R e Riemann-integráveis em R é<br />

<strong>de</strong>signado por I(R).<br />

Se f é Riemann-integrável em R então, em particular, o conjunto ΩR(f)<br />

é necessariamente limitado, ou seja, f é limitada em R e o subconjunto <strong>de</strong><br />

R on<strong>de</strong> f é diferente <strong>de</strong> zero é também limitado.<br />

Não é fácil indicar critérios <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> razoavelmente gerais mas,<br />

recordando as observações feitas na secção anterior a propósito do exemplo<br />

1.3.6, quando mencionámos a parábola y = x 2 , é simples mostrar que<br />

Proposição 1.4.5. Se f é limitada e monótona no intervalo limitado I,<br />

então f é Riemann-integrável em I.<br />

Exemplos 1.4.6.<br />

1. A função f(x) = e x é integrável em qualquer intervalo limitado porque f é<br />

crescente em R.<br />

2. A função <strong>de</strong> Dirichlet dir é a função característica ( 19 ) do conjunto<br />

dos racionais, isto é,<br />

<br />

1, quando x ∈ Q,<br />

dir(x) =<br />

0, quando x ∈ Q.<br />

Deixamos como exercício verificar que esta função não é integrável em nenhum<br />

intervalo I com c(I) > 0.<br />

3. A função <strong>de</strong> Riemann( 20 ) r é <strong>de</strong>finida como se segue:<br />

⎧<br />

⎨ 0, quando x ∈ Q,<br />

r(x) = 1, quando x = 0,<br />

⎩<br />

, on<strong>de</strong> p e q são inteiros primos entre si e q > 0.<br />

1<br />

p<br />

q , quando x = q<br />

Deixamos também como exercício verificar que r é Riemann-integrável em<br />

qualquer intervalo limitado e o respectivo integral é nulo, apesar <strong>de</strong> r ser <strong>de</strong>scontínua<br />

em todos os pontos racionais.<br />

Sendo f : X → R uma função, <strong>de</strong>finimos as suas partes positiva e<br />

negativa, respectivamente f + e f − , por<br />

• f + (x) = max {f(x),0} e f − (x) = max {−f(x),0}, don<strong>de</strong><br />

• f = f + − f − e |f| = f + + f − .<br />

19 Se X é um conjunto arbitrário e A ⊆ X, a função característica <strong>de</strong> A é a função<br />

χA : X → R, que é constante e igual a 1 para x ∈ A, sendo igual a 0 para x ∈ A.<br />

20 Este exemplo foi <strong>de</strong>scoberto em 1875 pelo matemático alemão Johannes Karl Thomae,<br />

1840-1921, professor em Göttingen. Riemann foi no entanto o primeiro matemático a<br />

mostrar que existem funções integráveis <strong>de</strong>scontínuas em conjuntos <strong>de</strong>nsos, como é o caso<br />

da função r.


38 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

As proprieda<strong>de</strong>s do integral <strong>de</strong> Riemann que se seguem reflectem proprieda<strong>de</strong>s<br />

geométricas elementares do conteúdo.<br />

Teorema 1.4.7. Supondo R ⊆ S ⊆ R N e f,g : S → R, então<br />

a) f é Riemann-integrável em R se e só se f + e f − são Riemann-<br />

integráveis em R e neste caso<br />

<br />

f =<br />

R<br />

R<br />

f + <br />

− f<br />

R<br />

− ,<br />

b) Desigualda<strong>de</strong> triangular: Se f é Riemann-integrável em R, então |f|<br />

é Riemann-integrável em R e<br />

<br />

| f| ≤ |f| =<br />

R<br />

R<br />

R<br />

f + <br />

+ f<br />

R<br />

− ,<br />

c) Monotonia: Se f e g são Riemann-integráveis em R e f ≤ g então<br />

<br />

f ≤ g,<br />

R<br />

d) Homogeneida<strong>de</strong>: Se f é Riemann-integrável em R e c ∈ R, então cf<br />

é Riemann-integrável em R e<br />

<br />

(cf) = c f.<br />

R<br />

f |f|<br />

f + f −<br />

Figura 1.4.2: Regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f, f + , f − , e |f|.<br />

R<br />

R


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 39<br />

Demonstração. Provamos apenas, a título <strong>de</strong> exemplo, a afirmação a). Para<br />

isso, observe-se a figura 1.4.2. É evi<strong>de</strong>nte que:<br />

• Os conjuntos Ω +<br />

R (f) e Ω+<br />

R (f+ ) são iguais, e<br />

• O conjunto Ω +<br />

R (f − ) é a reflexão <strong>de</strong> Ω −<br />

R (f) no hiperplano xN+1 = 0.<br />

Deve ser claro que f é Riemann-integrável se e só se f + e f − são Riemannintegráveis<br />

e<br />

<br />

R<br />

f = cN+1(Ω +<br />

−<br />

R (f)) − cN+1(ΩR (f))<br />

= cN+1(Ω + R (f+ )) − cN+1(Ω + R (f − )) =<br />

<br />

R<br />

f + <br />

− f<br />

R<br />

− .<br />

Registe-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann apresentada<br />

em 1.4.4 é (essencialmente) equivalente à <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong><br />

1854, mas é distinta <strong>de</strong>sta. Actualmente, é aliás mais comum <strong>de</strong>finir o<br />

integral <strong>de</strong> Riemann usando uma terceira alternativa, com recurso às noções<br />

<strong>de</strong> integral superior e integral inferior, e que passamos a <strong>de</strong>screver.<br />

Para introduzir estas noções auxiliares, seja f : R → R uma função<br />

limitada no rectângulo-N limitado R. Se r ⊆ R, escrevemos<br />

mr = inf {f(x) : x ∈ r} e Mr = sup {f(x) : x ∈ r}.<br />

Quando P é uma partição finita <strong>de</strong> R em rectângulos não-vazios, <strong>de</strong>finimos<br />

as somas superior e inferior <strong>de</strong> Darboux( 21 ) da função f para a partição<br />

P, <strong>de</strong>signadas respectivamente por Sd(f, P) e Sd(f, P), por<br />

Sd(f, P) = <br />

MrcN(r) e Sd (f, P) = <br />

mrcN(r).<br />

r∈P<br />

Volterra( 22 ) introduziu as noções <strong>de</strong> integral superior e <strong>de</strong> integral<br />

inferior em 1881. São <strong>de</strong>finidas como se segue:<br />

Definição 1.4.8 (Integral Superior, Integral Inferior). Seja f limitada em R<br />

e <strong>de</strong>signe-se por PR a classe <strong>de</strong> todas as partições finitas <strong>de</strong> R em rectângulos.<br />

Os integrais superior <br />

<br />

f e inferior f são dados por:<br />

<br />

f = inf<br />

R<br />

<br />

Sd(f, P) : P ∈ PR e<br />

R<br />

<br />

R<br />

r∈P<br />

f = sup {Sd(f, P) : P ∈ PR}<br />

R<br />

21 Jean Gaston Darboux (1842 - 1917), matemático francês, professor na Escola Normal<br />

e na Sorbonne, e um dos principais divulgadores das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Riemann em França. Estas<br />

somas aparecem referidas em trabalhos <strong>de</strong> vários autores, todos publicados em 1875.<br />

22 Vito Volterra, 1860-1940, matemático italiano. Volterra criou a noção <strong>de</strong> “funcional”,<br />

e ensinou nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Pisa, Turim e Roma. Foi forçado a exilar-se (com 71<br />

anos!), por se recusar a prestar juramento <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao regime fascista <strong>de</strong> Mussolini.


40 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Estas noções reduzem-se facilmente aos conceitos que introduzimos na<br />

secção anterior. Em particular, o cálculo <strong>de</strong> somas <strong>de</strong> Darboux reduz-se ao<br />

cálculo do conteúdo <strong>de</strong> conjuntos elementares que aproximam a região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f. Para precisar esta última observação é apenas necessário<br />

interpretar as parcelas on<strong>de</strong> mr < 0 ou Mr < 0 como fazemos no próximo<br />

lema.<br />

Note que, sendo A ⊆ R N+1 , seguimos a convenção natural <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar<br />

por A + (e A − ), respectivamente, as partes <strong>de</strong> A acima (e abaixo) do<br />

hiperplano xN+1 = 0, ou seja, escrevendo x = (x1,x2, · · · ,xN+1), tomamos<br />

A + = {x ∈ A : xN+1 > 0} e A − = {x ∈ A : xN+1 < 0}<br />

K +<br />

U +<br />

U −<br />

K −<br />

Figura 1.4.3: Conjuntos K e U <strong>de</strong>terminados por uma partição R.<br />

Lema 1.4.9. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R, R é<br />

uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos e Ω = ΩR(f), então existem conjuntos<br />

elementares K ⊆ Ω ⊆ U tais que<br />

S d(f, R) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) e Sd(f, R) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ).<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos as seguintes subpartições <strong>de</strong> R:<br />

S + = {r ∈ R : Mr > 0}, S − = {r ∈ R : Mr < 0} e<br />

I + = {r ∈ P : mr > 0}, I − = {r ∈ P : mr < 0}.<br />

Os conjuntos elementares U + e K − são dados por (ver figura 1.4.3)<br />

U + = <br />

r∈S +<br />

r×]0,Mr[ e K − = <br />

r∈S −<br />

r×]Mr,0[


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 41<br />

Analogamente, os conjuntos elementares K + e U − são dados por<br />

K + = <br />

r∈I +<br />

r×]0,mr[ e U − = <br />

r∈I −<br />

r×]mr,0[<br />

É fácil constatar que K + ⊆ Ω + ⊆ U + , K − ⊆ Ω − ⊆ U − , e um cálculo<br />

imediato mostra que<br />

S d (f, R) = S d (f, I + ) + S d (f, I − ) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) e<br />

Sd(f, R) = Sd(f, S + ) + Sd(f, S − ) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ).<br />

O lema anterior conduz directamente a:<br />

Lema 1.4.10 (<strong>de</strong> Peano). Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado<br />

R e Ω = ΩR(f) então<br />

<br />

f = cN+1(Ω<br />

R<br />

+ ) − cN+1 (Ω − <br />

) e<br />

f = cN+1 (Ω<br />

R<br />

+ ) − cN+1(Ω − ).<br />

Demonstração. Se P é uma partição <strong>de</strong> R, segue-se do lema anterior e das<br />

<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> cN e c N que<br />

S d(f, P) = cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ≤ cN(Ω + ) − c N(Ω − ) e<br />

Sd(f, P) = cN+1(U + ) − cN+1(K − ) ≥ c N(Ω + ) − cN(Ω − ).<br />

Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />

<br />

(1)<br />

f ≤ cN+1 (Ω<br />

R<br />

+ ) − cN+1(Ω − ) ≤ cN+1(Ω + ) − cN+1 (Ω − <br />

) ≤<br />

Suponha-se agora que K − ,K + e V,W são conjuntos elementares tais que<br />

K + ⊆ Ω + ⊆ V e K − ⊆ Ω − ⊆ W. Po<strong>de</strong>mos sempre tomar V = U + e<br />

W = U − , on<strong>de</strong> U é elementar (porquê?), e recordamos do exercício 12 da<br />

secção 1.1 que existe uma partição P tal que<br />

K = <br />

r × Ir e U = <br />

r × Jr,<br />

r∈R<br />

on<strong>de</strong> os Ir e Jr são conjuntos elementares em R. Um momento <strong>de</strong> reflexão<br />

revela que, para qualquer r ∈ P, temos necessariamente<br />

r∈R<br />

f.<br />

R<br />

Ir ⊆]mr,Mr[⊆ Jr, don<strong>de</strong> Mr − mr ≤ c(Jr) − c(Ir) e portanto<br />

Sd(f, P) − Sd(f, P) = <br />

(Mr − mr)cN(r) ≤ <br />

[c(Jr) − c(Ir)] cN(r) =<br />

r∈P<br />

r∈P


42 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

<br />

c(Jr)cN(r) − <br />

c(Ir)cN(r) = cN+1(U) − cN+1(K).<br />

r∈P<br />

Segue-se facilmente que<br />

r∈P<br />

Sd(f, P)−S d(f, P) ≤ cN+1(U + ) − cN+1(K − ) − cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ,<br />

don<strong>de</strong> obtemos ainda<br />

<br />

f −<br />

R<br />

e finalmente<br />

<br />

(2) f −<br />

R<br />

f ≤<br />

R<br />

cN+1(U + ) − cN+1(K − ) − cN+1(K + ) − cN+1(U − ) ,<br />

f ≤<br />

R<br />

cN+1(Ω + ) − cN+1 (Ω − ) − cN+1 (Ω + ) − cN+1(Ω − ) .<br />

As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em (1) e (2) estabelecem a igualda<strong>de</strong> a provar.<br />

O próximo resultado é um corolário directo <strong>de</strong>ste lema. É o seu conteúdo<br />

que é actualmente a mais tradicional <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann.<br />

Corolário 1.4.11. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R<br />

então f é Riemann-integrável em R se e só se<br />

<br />

<br />

f = f, e neste caso f = f = f<br />

R R<br />

R R R<br />

Demonstração. De acordo com 1.4.10, temos <br />

Rf = f se e só se<br />

R<br />

cN+1(Ω + ) − c N+1(Ω − ) = c N+1(Ω + ) − cN+1(Ω − ) ⇐⇒<br />

⇐⇒ cN+1(Ω + ) − c N+1(Ω + ) = c N+1(Ω − ) − cN+1(Ω − ) = 0<br />

É portanto claro que <br />

Rf =<br />

Jordan-mensuráveis, e neste caso temos<br />

<br />

f =<br />

R<br />

R f se e só se os conjuntos Ω+ e Ω − são<br />

f = cN+1(Ω<br />

R<br />

+ ) − cN+1(Ω − ) =<br />

É também possível verificar a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f sem calcular explicitamente<br />

os seus integrais superior e inferior. Po<strong>de</strong>mos em vez disso recorrer<br />

à i<strong>de</strong>ia subjacente a 1.3.4, que referimos a propósito do problema análogo <strong>de</strong><br />

caracterização dos conjuntos Jordan-mensuráveis. Deixamos como exercício<br />

a <strong>de</strong>monstração da proposição seguinte.<br />

Proposição 1.4.12. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N limitado R<br />

então f é Riemann-integrável em R se e só se existe para cada ε > 0 uma<br />

partição P <strong>de</strong> R tal que Sd(f, P) − S d(f, P) < ε.<br />

<br />

R<br />

f.


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 43<br />

Em abono da verda<strong>de</strong> histórica, sublinhe-se a terminar que as i<strong>de</strong>ias<br />

sobre integrais <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> Riemann (1854), Darboux (1875) e Volterra<br />

(1881), obviamente prece<strong>de</strong>ram os trabalhos sobre o conteúdo <strong>de</strong> conjuntos<br />

<strong>de</strong> Cantor (1884), Peano (1887) e Jordan (1892). Quase certamente, os<br />

trabalhos <strong>de</strong> Darboux e Volterra foram inspiração <strong>de</strong>cisiva em especial para<br />

Cantor e Peano. Em qualquer caso, as i<strong>de</strong>ias abordadas nesta secção eram<br />

seguramente familiares a Peano, que conhecia, por exemplo, o lema 1.4.10,<br />

aqui i<strong>de</strong>ntificado com o seu nome. Mostrámos que a <strong>de</strong>finição 1.4.4 é equivalente<br />

à afirmação no corolário 1.4.11, mas a sua equivalência à <strong>de</strong>finição<br />

original <strong>de</strong> Riemann, que aliás ainda não apresentámos, só será estabelecida<br />

mais adiante.<br />

Exercícios.<br />

1. Prove que ΩR(f) é Jordan-mensurável se e só se os conjuntos Ω +<br />

R (f) e Ω−<br />

R (f)<br />

são ambos Jordan-mensuráveis.<br />

2. Mostre que se f = 0 apenas num subconjunto finito <strong>de</strong> R então f é Riemannintegrável<br />

em R e <br />

f = 0.<br />

R<br />

3. Suponha que o conjunto on<strong>de</strong> f = 0 é uma união <strong>de</strong> conjuntos Jordanmensuráveis<br />

disjuntos A1, A2, · · · , Am em R N , e que f(x) = ak, quando x ∈<br />

Ak. Mostre que<br />

<br />

R N<br />

f =<br />

m<br />

akcN(Ak).<br />

k=1<br />

4. Mostre que a função f(x) = sen( 1<br />

x ) é integrável em ]0, 1].<br />

5. Suponha que f está <strong>de</strong>finida em R, R ⊇ S, g é a restrição <strong>de</strong> f a S e f(x) = 0<br />

quando x ∈ S. Mostre que f é integrável em R se e só se g é integrável em S<br />

e que, neste caso, <br />

f = g.<br />

R S<br />

6. Prove que se f e g são funções Riemann-integráveis em R, então as funções<br />

m e M <strong>de</strong>finidas por m(x) = min {f(x), g(x)} e M(x) = max {f(x), g(x)} são<br />

igualmente integráveis em R.<br />

7. Suponha que f é Riemann-integrável no conjunto limitado R. Prove que<br />

o gráfico <strong>de</strong> f em R, i.e., o conjunto G = {(x, y) : x ∈ R, y = f(x)}, tem<br />

conteúdo nulo. Se o gráfico da função f tem conteúdo nulo, po<strong>de</strong>mos concluir<br />

que f é integrável?<br />

8. Seja f Riemann-integrável em R N , a ∈ R N e b ∈ R. O que po<strong>de</strong> dizer sobre<br />

a integrabilida<strong>de</strong> e o valor dos integrais das funções dadas por<br />

g(x) = f(x − a), h(x) = bf(x) e u(x) = f(bx)?


44 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

9. Calcule os integrais superior e inferior da função <strong>de</strong> Dirichlet num qualquer<br />

intervalo limitado I ⊂ R.<br />

10. Demonstre a proposição 1.4.12. Como se po<strong>de</strong> adaptar 1.4.12 para contemplar<br />

regiões <strong>de</strong> integração “arbitrárias”?<br />

11. Demonstre as seguintes proprieda<strong>de</strong>s da função <strong>de</strong> Riemann (exemplo 1.4.6.3):<br />

a) Se ε > 0, então o conjunto {x ∈ I : r(x) ≥ ε} é finito.<br />

b) A função <strong>de</strong> Riemann r é integrável em qualquer intervalo limitado I.<br />

sugestão: Dado ε > 0, e sendo Rε = I × [0, ε], mostre que Rε ∪ ΩI(r)<br />

é um conjunto elementar.<br />

c) A função r é contínua em x se e só se x é irracional.<br />

12. Se a função f é Riemann-integrável em R, os respectivos conjuntos <strong>de</strong> nível,<br />

i.e., os conjuntos {x ∈ R : f(x) = a} são sempre Jordan-mensuráveis? E os<br />

conjuntos {x ∈ R : f(x) > a}?<br />

13. Mostre que o produto <strong>de</strong> funções Riemann-integráveis é Riemann-integrável.<br />

sugestão: Comece por supor que as funções em causa não tomam valores<br />

negativos.<br />

14. Verifique que a composição <strong>de</strong> funções Riemann-integráveis po<strong>de</strong> não ser<br />

Riemann-integrável. sugestão: Determine uma função Riemann-integrável f<br />

tal que dir = f ◦ r.<br />

15. Sendo f Riemann-integrável em [0, R] e C = {(x, y) : x 2 +y 2 < R}, consi<strong>de</strong>re<br />

a função g <strong>de</strong>finida em C por g(x, y) = f( x 2 + y 2 ). Mostre que g é integrável<br />

em C e ( 23 )<br />

<br />

C<br />

R<br />

g(x, y)dxdy = 2π f(r)rdr.<br />

1.4.1 O Espaço das Funções Integráveis<br />

A aditivida<strong>de</strong> do integral em relação à função integranda é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<br />

(f + g) = f + g,<br />

R<br />

R<br />

que, como veremos, é válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que f e g sejam ambas Riemann-integráveis<br />

em R. A aditivida<strong>de</strong> do integral tem ainda um significado geométrico<br />

claro, mas já não é tão simples <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a partir <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s do<br />

conteúdo <strong>de</strong> Jordan. Provamo-la a seguir usando somas <strong>de</strong> Darboux para as<br />

23 Este cálculo é um exemplo simples <strong>de</strong> “mudança <strong>de</strong> variáveis” para coor<strong>de</strong>nadas po-<br />

lares, dadas por x = r cos θ, y = r sen θ.<br />

R<br />

0


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 45<br />

diversas funções integrandas. No que se segue, o integral <strong>de</strong>finido (<strong>de</strong><br />

Riemann, em R) é o funcional φ : I(R) → R, dado por ( 24 )<br />

<br />

φ(f) = f.<br />

Teorema 1.4.13. Sendo R ⊆ RN e f,g : R → R funções Riemannintegráveis<br />

em R, então f + g é Riemann-integrável em R e:<br />

<br />

(f + g) = f + g.<br />

R<br />

Temos ainda que I(R) é um espaço vectorial e o integral <strong>de</strong>finido φ : I(R) →<br />

R é um funcional linear.<br />

Demonstração. Supomos para simplificar que R é um rectângulo limitado.<br />

Designando aqui por Mr(h) o supremo da função h no conjunto r, e por<br />

mr(h) o ínfimo <strong>de</strong> h em r, <strong>de</strong>ve ser claro que, para qualquer r ⊆ R, temos<br />

mr(f) + mr(g) ≤ mr(f + g) ≤ Mr(f + g) ≤ Mr(f) + Mr(g).<br />

Resulta <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que se R é uma partição <strong>de</strong> R então<br />

S d(f, R) + S d(g, R) ≤ S d(f + g, R) ≤ Sd(f + g, R) ≤ Sd(f, R) + Sd(g, R)<br />

Concluímos que<br />

<br />

Sd(f, R) + Sd(g, R) ≤<br />

R<br />

<br />

(f + g) ≤<br />

R<br />

R<br />

R<br />

(f + g) ≤ Sd(f, R) + Sd(g, R)<br />

R<br />

Como R é uma partição arbitrária <strong>de</strong> R obtemos igualmente<br />

<br />

f + g ≤ (f + g) ≤ (f + g) ≤ f +<br />

R R R<br />

R<br />

R<br />

É portanto claro que se f e g são integráveis em R então f + g é também<br />

integrável em R e <br />

(f + g) = f + g.<br />

R<br />

R R<br />

Combinando este resultado com a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> estabelecida<br />

em 1.4.7, resulta finalmente que I(R) é um espaço vectorial( 25 ) e φ<br />

é um funcional linear.<br />

24 A função φ diz-se um funcional, precisamente porque o seu domínio é uma classe <strong>de</strong><br />

funções. Um funcional é linear se é uma transformação linear <strong>de</strong> espaços vectoriais.<br />

25 O conjunto <strong>de</strong> todas as funções f : X → R, por vezes <strong>de</strong>signado R X , é sempre um<br />

espaço vectorial real, com as operações usuais <strong>de</strong> soma <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> produto <strong>de</strong> funções<br />

por números reais, qualquer que seja o conjunto X. Portanto, qualquer subconjunto não<br />

vazio <strong>de</strong> R X que seja fechado em relação a estas operações é um seu subespaço vectorial.<br />

g<br />

R


46 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

f<br />

g<br />

Figura 1.4.4: f − g1 é o conteúdo da região entre os gráficos <strong>de</strong> f e g.<br />

O funcional ν : I(R) → R dado por ν(f) = f1 = <br />

R |f| tem também<br />

um papel importante na Análise, porque é frequentemente utilizado como<br />

medida da distância entre funções integráveis f e g, tomando essa distância<br />

como sendo f − g1. Este funcional diz-se a norma L1 <strong>de</strong> f, por razões<br />

que esclareceremos mais adiante( 26 ).<br />

A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> indicada em 1.4.13 a) po<strong>de</strong> ser generalizada<br />

para quaisquer somas finitas por um argumento elementar <strong>de</strong> indução.<br />

É no entanto fundamental reconhecer que não é facilmente generalizável a<br />

séries <strong>de</strong> funções, porque em geral as operações <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> passagem<br />

ao limite (implícita no cálculo da soma <strong>de</strong> uma série) não comutam, i.e.,<br />

<br />

<br />

fn(x)dx é distinto <strong>de</strong> lim<br />

n→+∞ fn(x)dx.<br />

lim<br />

n→+∞<br />

Exemplos 1.4.14.<br />

I<br />

1. Consi<strong>de</strong>rem-se as funções fn dadas por:<br />

<br />

n, se x ∈]0, 1/n[ e<br />

fn(x) =<br />

0, se x ∈]0, 1/n[.<br />

Como fn(x) → 0 para qualquer x ∈ R e 1<br />

0 fn(x)dx = 1 para qualquer n ∈ N,<br />

temos que<br />

1<br />

lim fn(x)dx = 1 é obviamente distinto <strong>de</strong><br />

n→+∞<br />

0<br />

Para obter funções Riemann-integráveis g e gn tais que<br />

∞<br />

1<br />

∞<br />

1<br />

g(x) = gn(x) e g(x)dx = gn(x)dx,<br />

n=1<br />

po<strong>de</strong>mos por exemplo tomar<br />

0<br />

I<br />

n=1<br />

1<br />

gn(x) = fn(x) − fn−1(x) com f0 = 0, e g(x) =<br />

0<br />

0<br />

lim<br />

n→+∞ fn(x)dx = 0.<br />

∞<br />

gn(x).<br />

26 Este funcional é na realida<strong>de</strong> uma semi-norma no espaço I(R). Veja a este respeito<br />

o exercício 6.<br />

n=1


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 47<br />

Note-se que a dificulda<strong>de</strong> ilustrada neste exemplo nada tem a ver com eventuais<br />

<strong>de</strong>ficiências técnicas da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann, porque os cálculos em causa são<br />

inteiramente elementares.<br />

2. A passagem ao limite sob o sinal <strong>de</strong> integral po<strong>de</strong> também ser impossível<br />

porque o limite f não é Riemann-integrável. Para ilustrar esta possibilida<strong>de</strong>,<br />

seja I = [0, 1] e D = {q1, · · · , qn, · · · } = Q∩I o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet. Tomamos<br />

Qn = {qk : k ≤ n} e <strong>de</strong>finimos fn : [0, 1] → R por<br />

Deve ser quase óbvio que<br />

fn(x) =<br />

1, se x ∈ Qn e<br />

0, se x ∈ Qn.<br />

• fn é Riemann-integrável em qualquer intervalo e tem integral nulo, porque<br />

é diferente <strong>de</strong> zero apenas num conjunto finito, mas<br />

• fn(x) → f(x) = dir(x) para qualquer x ∈ R, e esta função não é Riemann-integrável<br />

em nenhum intervalo com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />

A dificulda<strong>de</strong> exibida neste exemplo está directamente ligada com insuficiências<br />

da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann, e veremos adiante como é minimizada pela introdução<br />

da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lebesgue. O exemplo po<strong>de</strong> ser igualmente adaptado para<br />

ilustrar dificulda<strong>de</strong>s do mesmo tipo com a integração <strong>de</strong> séries, ou seja, para<br />

<strong>de</strong>terminar funções Riemann-integráveis gn tais que<br />

∞ ∞<br />

1<br />

1<br />

g(x) = gn(x), gn(x)dx converge e g(x)dx não existe,<br />

n=1<br />

n=1<br />

porque g não é Riemann-integrável.<br />

Exercícios.<br />

0<br />

1. Sendo R = [0, 1], <strong>de</strong>termine funções fn, gn ∈ I(R), tais que:<br />

a) g(x) =<br />

<br />

b) lim<br />

n→∞<br />

<br />

c) lim<br />

n→∞<br />

∞<br />

gn(x) ∈ I(R), mas<br />

n=1<br />

∞<br />

1<br />

gn(x)dx converge.<br />

n=1<br />

0<br />

fn = 0, mas lim<br />

R<br />

n→∞ fn(x) não existe, para nenhum x ∈ R.<br />

fn não existe, mas lim<br />

R<br />

n→∞ fn(x) existe, para qualquer x ∈ R.<br />

2. Mostre que a função <strong>de</strong> Dirichlet dir é dada por:<br />

dir(x) = lim<br />

m→∞ lim<br />

n→∞ (cosm!πx)2n .<br />

3. Suponha que a série <strong>de</strong> potências ∞<br />

n=1 anx n converge para |x| < r, e mostre<br />

que esta série po<strong>de</strong> ser integrada termo-a-termo em qualquer intervalo [a, b] ⊂<br />

] − r, r[. sugestão: Prove que a série converge uniformemente em [a, b].<br />

0


48 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

4. A função f(x) = ∞ n=0<br />

o conjunto <strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> f é contínua?<br />

(−1) n<br />

2 n int(nx) é Riemann-integrável em [0, 1]? Qual é<br />

5. Sendo H a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> (a função característica do intervalo [0, ∞[),<br />

e Q ∩ [0, 1] = {qn : n ∈ N}, consi<strong>de</strong>re-se:<br />

f(x) =<br />

∞ (−1) n<br />

H(x − qn).<br />

2n n=1<br />

A função f é Riemann-integrável em [0, 1]? Qual é o seu conjunto <strong>de</strong> pontos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>?<br />

Recor<strong>de</strong> que se V é um espaço vectorial real, ou complexo, então uma função<br />

ν : V → R diz-se uma norma se e só se ν tem as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

a) Desigualda<strong>de</strong> triangular: ν(u+v) ≤ ν(u)+ν(v), para quaisquer vectores<br />

u,v ∈ V,<br />

b) Homogeneida<strong>de</strong>: ν(αu) = |α|ν(u), para qualquer vector u e escalar α,<br />

c) Positivida<strong>de</strong>: ν(u) ≥ 0, e ν(u) = 0 se e só se u = 0.<br />

Sendo ν uma norma no espaço vectorial V, que se diz neste caso um espaço<br />

vectorial normado, a distância entre vectores u e v em V é <strong>de</strong>finida por<br />

d(u,v) = ν(u − v). Se o funcional ν goza das proprieda<strong>de</strong>s acima indicadas,<br />

com a única excepção que po<strong>de</strong>m existir vectores não-nulos u para os quais<br />

ν(u) = 0, então ν diz-se uma semi-norma.<br />

6. Mostre que o funcional ν(f) = f1 é uma semi-norma em I(R).<br />

1.4.2 Integrais In<strong>de</strong>finidos<br />

É usual dizer que a função real <strong>de</strong> variável real f é um “integral in<strong>de</strong>finido”<br />

quando f é da forma<br />

x<br />

f(x) = g(t)dt,<br />

a<br />

on<strong>de</strong> g é uma função Riemann-integrável num dado intervalo I, a variável<br />

x ∈ I e a ∈ I está fixo. Respeitamos aqui a usual convenção <strong>de</strong> tomar<br />

x a<br />

g(t)dt = − g(t)dt quando x < a.<br />

a<br />

x<br />

A mesma terminologia aplica-se a funções <strong>de</strong> várias variáveis, usando agora<br />

integrais em rectângulos, e.g., quando<br />

x y<br />

F(x,y) = G(s,t)dsdt.<br />

a<br />

Introduzimos aqui uma i<strong>de</strong>ia ligeiramente mais geral, que correspon<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar<br />

o integral in<strong>de</strong>finido como uma função <strong>de</strong> conjuntos, cuja variável<br />

b


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 49<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é uma região <strong>de</strong> integração “arbitrária”, que em particular não<br />

é necessariamente um intervalo ou um rectângulo. Mais especificamente, e<br />

dada uma qualquer função f : R → R, consi<strong>de</strong>ramos a classe dos subconjuntos<br />

<strong>de</strong> R on<strong>de</strong> f é Riemann-integrável, que <strong>de</strong>signamos por Jf(R), notamos<br />

que Jf(R) nunca é uma classe vazia (porquê?), e introduzimos<br />

Definição 1.4.15 (Integral In<strong>de</strong>finido). O integral in<strong>de</strong>finido (<strong>de</strong> Riemann)<br />

<strong>de</strong> f em R é a função <strong>de</strong> conjuntos λ : Jf(R) → R dada por:<br />

<br />

λ(E) = f.<br />

Se a função f é Riemann-integrável em R, é fácil verificar que f é igualmente<br />

integrável pelo menos em qualquer subconjunto Jordan-mensurável<br />

<strong>de</strong> R, i.e., temos neste caso que J (R) ⊆ Jf(R).<br />

Teorema 1.4.16. Seja f : R → R uma função Riemann-integrável em<br />

R ⊆ RN . Se E ⊆ R é Jordan-mensurável, então f é Riemann-integrável<br />

em E, e <br />

f = fχE.<br />

E<br />

ΩR(f)<br />

E<br />

E × J<br />

Figura 1.4.5: ΩE(f) = ΩR(f) ∩ (E × J) = ΩR(fχE).<br />

R<br />

E<br />

J<br />

ΩE(f)<br />

Demonstração. A função f é limitada em R, i.e., existe m ∈ R tal que<br />

−m < f(x) < m. Se J = [−m,m], então E×J é Jordan-mensurável, porque<br />

é um produto <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis (veja-se 1.3.12). Deve ser<br />

evi<strong>de</strong>nte que<br />

ΩE(f) = ΩR(f) ∩ (E × J) = ΩR(fχE).<br />

O conjunto ΩR(f) ∩ (E × J) é portanto Jordan-mensurável, porque é a<br />

intersecção <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis (1.3.11). Por outras palavras,<br />

f é Riemann-integrável em E e é óbvio que<br />

<br />

f = fχE.<br />

E<br />

R


50 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Po<strong>de</strong>mos generalizar a qualquer integral in<strong>de</strong>finido os resultados indicados<br />

para o conteúdo <strong>de</strong> Jordan em 1.3.11.<br />

Teorema 1.4.17. Jf(R) é uma semi-álgebra e λ é aditivo em Jf(R).<br />

Temos ainda que:<br />

a) Se f ≥ 0 em R então λ é não-negativo, monótono e subaditivo,<br />

b) Se f é integrável em R então Jf(R) ⊇ J (R) é uma álgebra.<br />

Demonstração. Tal como fizémos em 1.3.11, verificamos apenas a título <strong>de</strong><br />

exemplo que a classe Jf(R) é fechada em relação à união e provamos a<br />

aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> λ. Simplificamos a notação, escrevendo abreviadamente, e.g.,<br />

ΩA em vez <strong>de</strong> ΩA(f). Sendo C = A ∪ B, on<strong>de</strong> A,B ∈ Jf(R), temos então<br />

que (ver Figura 1.4.6):<br />

• f é Riemann-integrável em A e em B, i.e., os conjuntos ΩA e ΩB são<br />

Jordan-mensuráveis.<br />

• O conjunto ΩC = ΩA ∪ ΩB é igualmente Jordan-mensurável.<br />

• Portanto, f é Riemann-integrável em C, i.e., C ∈ Jf(R).<br />

Se A e B são disjuntos, então Ω +<br />

A e Ω+<br />

B são igualmente disjuntos, assim<br />

. Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é aditivo, temos<br />

como Ω −<br />

A<br />

e Ω−<br />

B<br />

cN+1(Ω +<br />

+<br />

C ) = cN+1(Ω<br />

A<br />

cN+1(Ω −<br />

C<br />

−<br />

) = cN+1(ΩA ∪ Ω+<br />

B<br />

∪ Ω−<br />

B<br />

), e<br />

+ +<br />

) = cN+1(Ω<br />

A ) + cN+1(Ω<br />

B<br />

−<br />

−<br />

) = cN+1(ΩA ) + cN+1(ΩB ).<br />

Subtraindo estas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, concluímos que λ(C) = λ(A) + λ(B).<br />

A B A ∪ B<br />

Figura 1.4.6: Regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas em A, B e A ∪ B.<br />

A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> uma função característica χE é o produto<br />

cartesiano E×]0,1[. Se E ⊆ R ⊆ RN é Jordan-mensurável, temos portanto:<br />

<br />

χE = cN+1(E×]0,1[) = cN(E) × 1 = cN(E).<br />

R<br />

Não é difícil mostrar que se χE é integrável em R N então E é Jordanmensurável,<br />

pelo que temos na verda<strong>de</strong>:


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 51<br />

Teorema 1.4.18. O conteúdo-N é o integral in<strong>de</strong>finido da função f i<strong>de</strong>nticamente<br />

igual a 1 no conjunto R N .<br />

O teorema acima é <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> quase trivial, mas encerra uma<br />

i<strong>de</strong>ia que complementa <strong>de</strong> forma muito interessante o que dissémos em 1.4.3.<br />

De um ponto <strong>de</strong> vista intuitivo, e como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cN+1(ΩR ) = cN(E)×1 =<br />

cN(E) <strong>de</strong>ve ser sempre válida, é também natural esperar que a seguinte<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> seja sempre válida:<br />

<br />

cN(E) = χE.<br />

Por outras palavras, <strong>de</strong>terminar o conteúdo-N do conjunto E <strong>de</strong>ve ser equivalente<br />

a <strong>de</strong>terminar o integral-N da respectiva função característica χE e,<br />

portanto, também é verda<strong>de</strong> que<br />

1.4.19. Os conjuntos em R N para os quais po<strong>de</strong>mos calcular o respectivo<br />

conteúdo-N são <strong>de</strong>terminados pelas funções (<strong>de</strong> N variáveis)<br />

cujo integral-N está <strong>de</strong>finido.<br />

Exemplos 1.4.20.<br />

1. A teoria <strong>de</strong>senvolvida até aqui não atribui um integral à função <strong>de</strong> Dirichlet,<br />

por exemplo, quando a região <strong>de</strong> integração é o intervalo [0, 1]. De forma<br />

equivalente, não atribui um comprimento ao conjunto Q ∩[0, 1], formado pelos<br />

racionais do mesmo intervalo.<br />

2. Recor<strong>de</strong>-se do exemplo 1.3.7 que se<br />

A =<br />

∞<br />

[ 1<br />

2n ,<br />

1<br />

2n − 1 ], então A ∈ J (RN ) e c(A) =<br />

n=1<br />

R<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

2n(2n − 1) .<br />

Portanto, se f é a função característica do conjunto A, temos igualmente<br />

∞ 1<br />

f =<br />

2n(2n − 1) .<br />

Exercícios.<br />

R<br />

n=1<br />

1. Complete a <strong>de</strong>monstração da proposição 1.4.17.<br />

2. Suponha que f é Riemann-integrável no conjunto R e que g é limitada em<br />

R. Mostre que, se o conjunto {x ∈ R : f(x) = g(x)} tem conteúdo nulo, então<br />

g é integrável em R e <br />

f = R g.<br />

R<br />

3. Demonstração a proposição 1.4.18. sugestão: Mostre que S(χE, P) ≤<br />

c N (E) ≤ cN(E) ≤ S(χE, P).


52 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

1.4.3 Continuida<strong>de</strong> e Integrabilida<strong>de</strong><br />

Des<strong>de</strong> cedo se suspeitou que a integrabilida<strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> uma<br />

função limitada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fortemente da “extensão” do conjunto <strong>de</strong> pontos<br />

on<strong>de</strong> a função é <strong>de</strong>scontínua. Por outras palavras, se f : R → R é limitada<br />

num rectângulo compacto R e <strong>de</strong>scontínua apenas em S ⊂ R, on<strong>de</strong> S é<br />

“pequeno”, esperava-se que f fosse integrável em R. O exemplo <strong>de</strong> Riemann<br />

1.4.6.3 mostra no entanto que não é fácil tornar rigorosa esta i<strong>de</strong>ia. Afinal <strong>de</strong><br />

contas, a função <strong>de</strong> Riemann é <strong>de</strong>scontínua no conjunto dos racionais, que<br />

não é Jordan-mensurável. Por outro lado, o conjunto dos racionais é <strong>de</strong>nso<br />

em R e era também opinião corrente entre muitos matemáticos que qualquer<br />

teoria razoável sobre a “extensão” <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong>via consi<strong>de</strong>rar os conjuntos<br />

<strong>de</strong>nsos como “gran<strong>de</strong>s”. Não é por isso surpreen<strong>de</strong>nte que o esclarecimento<br />

da relação entre continuida<strong>de</strong> e integrabilida<strong>de</strong> tenha sido uma fonte <strong>de</strong> trabalhos<br />

inovadores, que revelaram muitas das pistas conduzindo à mo<strong>de</strong>rna<br />

teoria da medida.<br />

Supomos aqui conhecida a seguinte famosa caracterização dos conjuntos<br />

compactos em R N :<br />

Teorema 1.4.21 (Heine-Borel). ( 27 )O conjunto K ⊆ R N é compacto se e<br />

só se é limitado e fechado. Em particular, os rectângulos compactos são os<br />

rectângulos limitados e fechados.<br />

É conveniente introduzir a noção <strong>de</strong> oscilação <strong>de</strong> uma função f : R → R.<br />

Se s ⊆ R ⊆ R N é não-vazio, <strong>de</strong>signamos por Ms e ms, como usualmente,<br />

respectivamente o supremo e ínfimo <strong>de</strong> f em s, e <strong>de</strong>finimos a função (<strong>de</strong><br />

conjuntos) Oscf por:<br />

1.4.22. Oscf(s) = Ms − ms.<br />

Dado x ∈ R N e r > 0, <strong>de</strong>signamos por B(x,r) ou Br(x) a Bola Aberta<br />

<strong>de</strong> raio r e centro em x, ou seja,<br />

B(x,r) = Br(x) = {y ∈ R N : x − y < r}.<br />

Se x ∈ R, a função φ(x,r) = Oscf(Br(x) ∩ R) ≥ 0 está <strong>de</strong>finida para r > 0<br />

e é crescente em r. Em particular, com x fixo existe sempre o limite <strong>de</strong><br />

φ(x,r) quando r → 0:<br />

27<br />

Heinrich Eduard Heine, matemático alemão, 1821-1881, referiu pela primeira vez a<br />

i<strong>de</strong>ia subjacente a este teorema, ao provar que uma função contínua num intervalo limitado<br />

e fechado é uniformemente contínua. Félix Edouard Justine Émile Borel, matemático<br />

e político francês, 1871-1956, <strong>de</strong>ixou uma obra muita extensa, e foi um dos principais<br />

criadores da Teoria da <strong>Medida</strong>. Borel introduziu este teorema na sua tese, publicada como<br />

Sur quelques points <strong>de</strong> la théorie <strong>de</strong>s fonctions, em Annales Scientifiques <strong>de</strong> l’E.N.S., 3 e<br />

série, tome 12 (1895), pp. 9-55. O teorema <strong>de</strong> Heine-Borel, na sua forma actual, em R N ,<br />

foi apresentado por Vitali em 1905, num dos principais artigos sobre a mo<strong>de</strong>rna teoria da<br />

integração.


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 53<br />

Definição 1.4.23 (Oscilação <strong>de</strong> uma função limitada). Se f : R → R é uma<br />

função limitada, a sua oscilação é a função ωf : R → R dada por:<br />

ωf(x) = lim<br />

r→0 φ(x,r) = lim<br />

r→0 Oscf(Br(x) ∩ R).<br />

Note-se para posterior referência que <strong>de</strong>finimos igualmente:<br />

lim supf(y)<br />

= lim sup {f(z) : z ∈ Br(x) ∩ R}, e<br />

y→x r→0<br />

lim inf<br />

y→x<br />

Exemplos 1.4.24.<br />

1. Se f(x) = x, então Oscf(Br(x)) = 2r, e<br />

f(y) = lim<br />

r→0 inf {f(z) : z ∈ Br(x) ∩ R}.<br />

ωf(x) = lim<br />

r→0 Oscf(Br(x)) = 0.<br />

2. Se f é a função <strong>de</strong> Dirichlet e I é um conjunto aberto não-vazio, temos<br />

sup {f(x) : x ∈ I} = 1 e inf {f(x) : x ∈ I} = 0. Concluímos que Oscf(I) = 1 e<br />

ωf(x) = 1, para qualquer x ∈ R.<br />

3. Se f é uma função limitada, então:<br />

ωf(x) = limsup f(y) − liminf<br />

y→x y→x f(y).<br />

A <strong>de</strong>monstração das seguintes proprieda<strong>de</strong>s fica como exercício.<br />

Lema 1.4.25. Se R ⊆ R N e f : R → R é limitada em R então:<br />

a) Para qualquer x ∈ R, f é contínua em x se e só se ωf(x) = 0, e nesse<br />

caso lim supf(y)<br />

= lim inf f(y) = f(x).<br />

y→x y→x<br />

b) Se U é aberto e x ∈ U ∩ R, então ωf(x) ≤ Oscf(U ∩ R),<br />

c) Para qualquer x ∈ R, se ωf(x) < ε então existe um aberto U tal que<br />

x ∈ U e ωf(y) < ε para qualquer y ∈ U ∩ R, e<br />

d) O conjunto {x ∈ R : ωf(x) ≥ ε} é fechado.<br />

Demonstração. Deixamos a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) e b) para o exercício 3.<br />

• Para provar c), notamos que existe ρ > 0 tal que Oscf(Bρ(x)∩R) < ε,<br />

e tomamos U = Bρ(x).<br />

• Para provar d), seja Uε = {x ∈ R : ωf(x) < ε}. Temos <strong>de</strong> c) que,<br />

se ωf(x) < ε, então existe ρx > 0 tal que Oscf(B(x,ρx) ∩ R) < ε.<br />

Notamos que<br />

V = <br />

B(x,ρx) é aberto e {x ∈ R : ωf(x) < ε} = V ∩ R.<br />

x∈Uε<br />

F = V c é fechado e {x ∈ R : ωf(x) ≥ ε} = F ∩ R é também fechado.


54 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Convencionamos que se R é uma partição <strong>de</strong> R e T ⊆ R então RT =<br />

{r ∈ R : r ∩T = ∅}, e notamos que T ⊆ K = <br />

r. O seguinte resultado<br />

r∈RT<br />

auxiliar será muito útil no que se segue.<br />

Lema 1.4.26. Se ωf < ε em T ⊆ R e T é compacto, então existe δ > 0 tal<br />

que, para qualquer partição R <strong>de</strong> R em subrectângulos,<br />

diam(R) < δ =⇒ Sd(f, RT) − Sd(f, RT) ≤ εcN(K), on<strong>de</strong> K = <br />

r.<br />

Demonstração. De acordo com a <strong>de</strong>finição 1.4.23,<br />

∀x∈T ∃ρx>0 0 < ρ < ρx ⇒ Oscf(Bρ(x) ∩ R) < ε.<br />

r∈RT<br />

A família <strong>de</strong> bolas abertas B(x, ρx<br />

2 ) é uma cobertura <strong>de</strong> T. Como T é<br />

compacto, existe uma subfamília finita <strong>de</strong> bolas centradas em x1,x2, · · · ,xn,<br />

que é, ainda, uma cobertura <strong>de</strong> T. Tomamos δ = 1<br />

2 min {ρx1 ,ρx2 , · · · ,ρxn}<br />

e supomos que R é uma partição <strong>de</strong> T com diam(R) < δ.<br />

Fixado r ∈ RT, existe x ∈ r ∩ T, e portanto existe xi tal que x ∈<br />

). Para qualquer y ∈ r (mesmo que y ∈ T), temos então<br />

B(xi, ρx i<br />

2<br />

y − xi ≤ y − x + x − xi < δ + ρxi<br />

2<br />

Concluímos que Oscf(r) < ε, ou Mr − mr < ε, e portanto<br />

r∈RT<br />

< ρxi , i.e., r ⊆ B(xi,ρxi ).<br />

Sd(f, RT) − Sd(f, RT) = <br />

(Mr − mr)cN(r) ≤ ε <br />

cN(r) = εcN(K).<br />

r∈RT<br />

Se f : R → R é uma função limitada num rectângulo-N compacto e D é<br />

o seu conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, então segue-se <strong>de</strong> 1.4.25 que<br />

D =<br />

∞<br />

Dn, on<strong>de</strong> Dn =<br />

n=1<br />

<br />

x ∈ R : ωf(x) ≥ 1<br />

<br />

.<br />

n<br />

A condição <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> indicada abaixo está enunciada em termos<br />

dos conjuntos Dn. Mostra que o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma função Riemann-integrável não é necessariamente Jordan-mensurável,<br />

mas é sempre uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />

Teorema 1.4.27 (Integrabilida<strong>de</strong> e Continuida<strong>de</strong>). Se f : R → R é limitada<br />

no rectângulo-N compacto R, as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) f é Riemann-integrável em R, e


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 55<br />

b) Os conjuntos Dn são Jordan-mensuráveis e têm conteúdo nulo.<br />

Demonstração. a) =⇒ b): Como f é integrável, para quaisquer n ∈ N e<br />

ε > 0 existe uma partição P <strong>de</strong> R em rectângulos tal que<br />

(1) Sd(f, P) − S d (f, P) < ε<br />

n .<br />

Dado qualquer rectângulo r ∈ P, segue-se <strong>de</strong> 1.4.25 b) que<br />

x ∈ int(r) =⇒ ωf(x) ≤ Oscf(int(r)) ≤ Oscf(r) = Mr − mr.<br />

Definimos agora A = {r ∈ P : Mr − mr < 1<br />

n }, B = {r ∈ P : Mr − mr ≥ 1<br />

n },<br />

A = <br />

int(r),B = <br />

r e ˜ B = R\A.<br />

r∈A<br />

Observamos que ωf(x) < 1<br />

n para qualquer x ∈ A, e portanto Dn ⊆ ˜ B. Por<br />

outro lado, é claro que ˜ B\B ⊆ ∂A e cN(∂A) = 0, don<strong>de</strong><br />

r∈B<br />

(2) cN(Dn) ≤ cN( ˜ B) = cN(B).<br />

Para estimar cN(B), notamos primeiro que<br />

(3) Sd(f, B) − Sd(f, B) = <br />

(Mr − mr)cN(r) ≥ 1<br />

n cN(r) = 1<br />

n cN(B).<br />

r∈B<br />

Temos por outro lado <strong>de</strong> (1) que<br />

r∈B<br />

(4) Sd(f, B) − S d(f, B) ≤ Sd(f, P) − S d(f, P) < ε<br />

n .<br />

Segue-se <strong>de</strong> (3) e (4) que cN(B) < ε, e <strong>de</strong> (2) que cN(Dn) < ε. Como ε é<br />

arbitrário, concluímos que cN(Dn) = 0.<br />

Para provar a implicação b) =⇒ a), supomos que todos os conjuntos Dn<br />

têm conteúdo nulo. Observamos que:<br />

• Fixado n e dado ε > 0, existe um conjunto elementar aberto U tal que<br />

Dn ⊆ U e cN(U) < ε.<br />

• T = R\U é compacto (e elementar) e ωf(x) < 1<br />

n<br />

para x ∈ T.<br />

• Pelo lema 1.4.26, existe δ > 0 tal que se R é uma partição <strong>de</strong> R em<br />

rectângulos com diam(R) < δ então<br />

Sd(f, RT) − S d(f, RT) ≤ 1<br />

n cN(K), on<strong>de</strong> K = <br />

r∈RT<br />

r ⊇ T.<br />

• Como f é limitada, existe M tal que |f(x)| ≤ M para x ∈ R.


56 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

• Sendo ˜ R = R\RT e Ũ = R\K, é claro que Ũ ⊆ U, don<strong>de</strong> cN( Ũ) ≤<br />

cN(U) < ε, e ˜ R é uma partição <strong>de</strong> Ũ. Temos portanto<br />

Sd(f, R) − Sd(f, R) =Sd(f, RT) − Sd(f, RT) + Sd(f, ˜ R) − Sd(f, ˜ R)<br />

≤ 1<br />

n cN(K)<br />

1<br />

+ 2McN( Ũ) ≤<br />

n cN(R) + 2Mε.<br />

Como ε e n são arbitrários, concluímos que f é Riemann-integrável.<br />

É fácil adaptar a <strong>de</strong>monstração do resultado anterior para obter um<br />

resultado intimamente relacionado com a <strong>de</strong>finição original do integral <strong>de</strong><br />

Riemann. Deixamos a sua verificação para o exercício 11.<br />

Corolário 1.4.28. Se f : R → R é limitada no rectângulo-N compacto R,<br />

então f é Riemann-integrável em R se e só se<br />

Sd(f, P) − S d(f, P) → 0 quando diam(P) → 0<br />

Vimos que se f é Riemann-integrável em R então os conjuntos Dn são<br />

Jordan-mensuráveis e têm conteúdo nulo. Se ε > 0, existem conjuntos elementares<br />

En ⊇ Dn tais que cN(En) < ε<br />

2n. Po<strong>de</strong>mos supor sem perda <strong>de</strong><br />

generalida<strong>de</strong> que os conjuntos En são abertos e temos:<br />

D ⊆<br />

∞<br />

n=1<br />

En e<br />

∞<br />

cN(En) <<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

ε<br />

= ε.<br />

2n Foi a propósito <strong>de</strong> conjuntos com esta proprieda<strong>de</strong> que Borel introduziu( 28 )<br />

a noção <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula, ou conjunto nulo:<br />

Definição 1.4.29 (Conjunto Nulo). E ⊆ R N é um conjunto nulo se e<br />

só se para qualquer ε > 0 existem rectângulos abertos Rn tais que:<br />

Exemplos 1.4.30.<br />

E ⊆<br />

∞<br />

n=1<br />

Rn e<br />

∞<br />

cN(Rn) < ε.<br />

n=1<br />

1. Se f é Riemann-integrável em R, então o conjunto D dos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> f é evi<strong>de</strong>ntemente um conjunto nulo.<br />

2. Qualquer conjunto numerável E é nulo, e em particular Q é nulo. Sendo<br />

x1, x2, · · · , xn, · · · os elementos <strong>de</strong> E, e dado ε > 0, tomamos 0 < ε ′ < ε e,<br />

supondo para simplificar que E ⊂ R,<br />

Un =]xn − ε′<br />

2n+1 , xn + ε′<br />

2<br />

n+1[, don<strong>de</strong> E ⊆<br />

∞<br />

Un, e<br />

n=1<br />

∞<br />

c(Un) = ε ′ < ε.<br />

28 Em 1895, no artigo que já referimos a propósito do teorema <strong>de</strong> Heine-Borel.<br />

n=1


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 57<br />

3. Deve notar-se (exercício 8) que a <strong>de</strong>finição 1.4.29 não se altera, se nela referirmos<br />

rectângulos quaisquer, em lugar <strong>de</strong> rectângulos abertos. Por esta razão, é<br />

inteiramente óbvio que qualquer conjunto numerável é <strong>de</strong> medida nula, já que<br />

cada um dos rectângulos Rn se po<strong>de</strong> reduzir a um ponto.<br />

É claro que qualquer conjunto Jordan-mensurável <strong>de</strong> conteúdo nulo é<br />

nulo no sentido <strong>de</strong> Borel, mas o exemplo do conjunto dos racionais mostra<br />

que existem conjuntos nulos no sentido <strong>de</strong> Borel que não são Jordan-mensuráveis.<br />

A este respeito, registamos que<br />

Proposição 1.4.31. Se K ⊂ R N é compacto, então K é nulo no sentido<br />

<strong>de</strong> Borel se e só se K é Jordan-mensurável e cN(K) = 0.<br />

Demonstração. Suponha-se que K é compacto e nulo no sentido <strong>de</strong> Borel e<br />

seja ε > 0. Existem rectângulos abertos Rn tais que<br />

∞ ∞<br />

K ⊆ Rn e cN(Rn) < ε.<br />

n=1<br />

Como K é compacto e os Rn’s são abertos, existe um natural m tal que<br />

m m<br />

∞<br />

K ⊆ Rn e cN(Rn) ≤ cN(Rn) < ε.<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

É evi<strong>de</strong>nte que ∪ m n=1 Rn é elementar e segue-se imediatamente que K é<br />

Jordan-mensurável e tem conteúdo nulo.<br />

Lebesgue introduziu a sugestiva convenção <strong>de</strong> usar a expressão “quase em<br />

toda a parte”, abreviada “qtp”, como sinónimo <strong>de</strong> “excepto num conjunto<br />

nulo”( 29 ). Nesta terminologia, o teorema 1.4.27 enuncia-se <strong>de</strong> forma sucinta:<br />

Teorema 1.4.32 (Integrabilida<strong>de</strong> e Continuida<strong>de</strong>). Se f : R → R é limitada<br />

no rectângulo-N compacto R, então<br />

n=1<br />

f é Riemann-integrável em R ⇐⇒ f é contínua qtp em R.<br />

Demonstração. Resta-nos provar que se o conjunto D dos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong><br />

é nulo, então f é Riemann-integrável. Recor<strong>de</strong>-se que<br />

∞<br />

<br />

D = Dn, on<strong>de</strong> Dn = x ∈ R : ωf(x) ≥ 1<br />

<br />

.<br />

n<br />

n=1<br />

Os conjuntos Dn são nulos no sentido <strong>de</strong> Borel, porque D é nulo, e são<br />

compactos, pelo lema 1.4.25. Concluímos <strong>de</strong> 1.4.31 que os conjuntos Dn<br />

têm conteúdo nulo, e <strong>de</strong> 1.4.27 que f é Riemann-integrável.<br />

29 No francês original, diz-se “presque partout”, abreviado “pp”, e em inglês usa-se a<br />

expressão “almost everywhere”, que se abrevia para “ae”.


58 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Terminamos esta secção com uma breve referência à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> integral<br />

introduzida por Riemann em 1854, que recorre ao que chamamos “somas <strong>de</strong><br />

Riemann”. Dada uma partição P do rectângulo R, para calcular uma soma<br />

<strong>de</strong> Riemann é necessário seleccionar em cada rectângulo r um ponto xr ∈ r,<br />

ou seja, fixar uma função “<strong>de</strong> escolha” φ : P → R tal que xr = φ(r) ∈ r<br />

para qualquer r ∈ P. A soma <strong>de</strong> riemann <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> P e <strong>de</strong> φ e é dada<br />

por<br />

SR(f, P,φ) = <br />

f(φ(r))cN(r) = <br />

f(xr)cN(r).<br />

r∈P<br />

r∈P<br />

A <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> 1854 é a seguinte( 30 ):<br />

Definição 1.4.33 (Integral <strong>de</strong> Riemann). Supondo que R é um rectângulo<br />

limitado e f : R → R, então f é integrável (em R) se e só se existe α ∈ R<br />

tal que SR(f, P,φ) → α quando diam(P) → 0( 31 ). Neste caso,<br />

<br />

f = α.<br />

R<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Riemann é na realida<strong>de</strong> uma generalização <strong>de</strong> uma prévia<br />

<strong>de</strong>finição, formulada por Cauchy( 32 ) em 1821, apenas para funções contínuas<br />

f : [a,b] → R. Cauchy <strong>de</strong>monstrou que, dada uma partição P <strong>de</strong> [a,b]<br />

<strong>de</strong>terminada por pontos a = x0 < x1 < · · · < xn = b, se xk−1 ≤ x ∗ k<br />

então existe α ∈ R tal que<br />

n<br />

k=1<br />

f(x ∗ k )(xk − xk−1) → α, quando diam(P) → 0.<br />

≤ xk<br />

O valor <strong>de</strong> α <strong>de</strong>fine assim o integral <strong>de</strong> f. Na terminologia <strong>de</strong> Riemann,<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que Cauchy <strong>de</strong>monstrou que as funções contínuas em intervalos<br />

limitados e fechados são Riemann-integráveis. Em certo sentido, também<br />

é verda<strong>de</strong> que Riemann se limitou a consi<strong>de</strong>rar a classe <strong>de</strong> todas as funções<br />

às quais a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Cauchy po<strong>de</strong>ria ser aplicável, uma generalização que<br />

hoje nos po<strong>de</strong> parecer pouco significativa. Mas, ao fazê-lo, levou a discussão<br />

sobre as noções básicas da Análise, incluindo a própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “função”,<br />

a níveis superiores <strong>de</strong> abstracção e rigor. Pelo menos por esta razão, foi<br />

certamente um importante factor <strong>de</strong> progresso e renovação na Matemática<br />

da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX.<br />

30 Neste como em muitos outros casos que temos referido, os trabalhos originais contemplam<br />

apenas funções reais <strong>de</strong>finidas em intervalos. Os integrais múltiplos só foram<br />

estudados com rigor bastante mais tar<strong>de</strong>, em particular por Jordan.<br />

31 Ou seja, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que para qualquer partição P e qualquer<br />

função <strong>de</strong> escolha φ : P → R, temos |SR(f, P, φ) − α| < ε quando diam(P) < δ.<br />

32 Augustin Louis Cauchy, 1789-1857, francês, foi um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos <strong>de</strong> sempre,<br />

como o atesta o facto do seu nome aparecer ligado a i<strong>de</strong>ias fundamentais, em tantos<br />

domínios distintos. O matemático Abel, que Cauchy tratou <strong>de</strong> forma particularmente<br />

injusta, disse <strong>de</strong>le que “é louco, mas é o único que sabe como se <strong>de</strong>ve fazer a Matemática”.


1.4. O Integral <strong>de</strong> Riemann 59<br />

A equivalência entre as <strong>de</strong>finições 1.4.33 e 1.4.4 resulta facilmente do<br />

corolário 1.4.28, mas <strong>de</strong>ixamos o esclarecimento <strong>de</strong>sta observação para o<br />

exercício 11.<br />

Exercícios.<br />

1. Calcule a oscilação da função <strong>de</strong> Riemann.<br />

2. Consi<strong>de</strong>re a função f, dada por:<br />

<br />

1 sen(<br />

f(x) = sen( 1<br />

1<br />

x )), quando x = 0, e sen( x ) = 0,<br />

.<br />

0, em todos os outros casos<br />

Calcule a oscilação ωf. A função f é integrável em [0, 1]?<br />

3. Demonstre as alíneas a) e b) do lema 1.4.25.<br />

4. Mostre que o teorema 1.3.13 é um caso particular do teorema 1.4.27.<br />

5. Prove que se J ∈ J (R N ) é fechado, então as funções contínuas em J são<br />

integráveis em J.<br />

6. Prove que se f é limitada no rectângulo compacto R, então<br />

<br />

<br />

f − f = ωf.<br />

R R R<br />

7. Prove que se os conjuntos An ⊂ R N são nulos no sentido <strong>de</strong> Borel, então<br />

A = ∪ ∞ n=1 An é igualmente nulo no mesmo sentido.<br />

8. Mostre que a <strong>de</strong>finição 1.4.29 não se altera se consi<strong>de</strong>rarmos rectângulos<br />

quaisquer, em lugar <strong>de</strong> rectângulos abertos.<br />

9. Mostre que se E ∈ J (R N ), então E é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel se e só se<br />

cN(E) = 0.<br />

10. Seja D o conjunto on<strong>de</strong> f : R → R é <strong>de</strong>scontínua. Prove que<br />

a) Se U ⊆ R é aberto, então f −1 (U) = (R ∩ V ) ∪ N, on<strong>de</strong> V é aberto e<br />

N ⊆ D.<br />

b) Se f ≥ 0 e <br />

R f = 0, então f(x) = 0 qtp em R. sugestão: Mostre que<br />

{x ∈ R : f(x) > 0} ⊆ D.<br />

c) Se f(x) = 0 qtp em R e f é integrável em R então <br />

R f = 0. A hipótese<br />

“f é integrável em R” é mesmo necessária?<br />

11. Prove o corolário 1.4.28, e conclua que as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> integral em 1.4.33 e<br />

1.4.4 são equivalentes.


60 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

1.5 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo<br />

As operações <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> diferenciação são inversas uma da outra.<br />

Esta i<strong>de</strong>ia central da Análise, vislumbrada já por alguns dos precursores <strong>de</strong><br />

Newton e Leibnitz, é tradicionalmente <strong>de</strong>scrita em dois resultados, ditos os<br />

Teoremas Fundamentais do Cálculo. De forma por enquanto pouco precisa,<br />

estes teoremas reduzem-se aos seguintes enunciados, que <strong>de</strong>screvem respectivamente<br />

a diferenciação <strong>de</strong> um integral e a integração <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>rivada.<br />

1.5.1 (1 o Teorema Fundamental do Cálculo).<br />

d<br />

dx<br />

x<br />

f(t)dt = f(x)<br />

a<br />

1.5.2 (2 o Teorema Fundamental do Cálculo, ou Regra <strong>de</strong> Barrow( 33 )).<br />

x<br />

F ′ (t)dt = F(x) − F(a)<br />

a<br />

Diferenciação<br />

Integrais in<strong>de</strong>finidos Funções integráveis<br />

Integração<br />

Figura 1.5.1: Os Teoremas Fundamentais do Cálculo.<br />

Nenhum <strong>de</strong>stes resultados é particularmente surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um ponto<br />

<strong>de</strong> vista intuitivo. Supondo<br />

x<br />

F(x) = f(t)dt e h > 0,<br />

então <strong>de</strong>vemos ter<br />

x+h<br />

F(x + h) − F(x) = f(t)dt ≃ f(x)h,<br />

a<br />

33 De Isaac Barrow, 1630-1677, o primeiro professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Cambridge<br />

nomeado para a Cátedra Lucasiana. Barrow tomou a extraordinária iniciativa <strong>de</strong> se <strong>de</strong>mitir,<br />

para dar o lugar ao seu aluno Newton, em quem justamente reconhecia qualida<strong>de</strong>s<br />

excepcionais.<br />

x


1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 61<br />

= f(x). Analogamente, se F ′ (t) = f(t)<br />

e a = x0 < x1 < · · · < xn = x é uma partição do intervalo [a,x], então<br />

don<strong>de</strong> F ′ (x) = limh→0 F(x+h)−F(x)<br />

h<br />

F(x) − F(a) =<br />

n<br />

[F(xk) − F(xk−1)] ≃<br />

k=0<br />

n<br />

x<br />

f(xk−1)∆xk ≃ f(t)dt.<br />

Não é difícil <strong>de</strong>monstrar resultados <strong>de</strong>ste tipo usando a teoria <strong>de</strong> Riemann,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se coloquem suficientes hipóteses sobre a regularida<strong>de</strong> das funções<br />

f e F. Começamos por provar:<br />

Lema 1.5.3. Se f é Riemann-integrável em I, a ∈ I e F é dada em I por<br />

x<br />

F(x) = f(t)dt + F(a), temos então que:<br />

a) F é uniformemente contínua em I, e<br />

a<br />

k=0<br />

b) Se f é contínua em c ∈ I então F ′ (c) = f(c).<br />

Demonstração. A função F está bem <strong>de</strong>finida, porque f é integrável em<br />

qualquer subintervalo <strong>de</strong> I, e temos para quaisquer x,y ∈ I que<br />

y<br />

(1) F(y) − F(x) = f(t)dt.<br />

a) f é limitada em I, ou seja, existe M tal que |f(x)| ≤ M para x ∈ I.<br />

Supondo sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que y > x, temos<br />

<br />

<br />

y <br />

|F(y) − F(x)| = <br />

f(t)dt<br />

≤<br />

y<br />

|f(t)|dt ≤ M|y − x|.<br />

x<br />

Concluímos que F é (uniformemente) contínua em I.<br />

b) Sendo ρ > 0, <strong>de</strong>signamos por Mρ e mρ respectivamente o supremo e o<br />

ínfimo <strong>de</strong> f em Bρ(c) ∩ I. Se x ∈ Bρ(x) ∩ I é imediato verificar que<br />

mρ ≤<br />

F(x) − F(c)<br />

x − c<br />

x<br />

= 1<br />

x − c<br />

x<br />

x<br />

f(t)dt ≤ Mρ<br />

Se f é contínua em c temos <strong>de</strong> 1.4.25 que Mρ → f(c) e mρ → f(c) quando<br />

ρ → 0, e é portanto óbvio que<br />

F(x) − F(c)<br />

lim = f(c), ou seja, F<br />

x→c x − c<br />

′ (c) = f(c).<br />

Combinando este lema com o teorema 1.4.32, obtemos imediatamente:<br />

c<br />

a


62 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Teorema 1.5.4 (1o Teorema Fundamental do Cálculo (I)). Se f é Riemannintegrável<br />

em I = [a,b] e F é dada em I por<br />

x<br />

F(x) = f(t)dt + F(a),<br />

então F é contínua em I e F ′ (x) = f(x) qtp em I.<br />

a<br />

É mais difícil i<strong>de</strong>ntificar hipóteses igualmente “naturais” para o 2 o Teorema<br />

Fundamental, uma questão que tem sido fonte <strong>de</strong> problemas sofisticados<br />

muito interessantes. Demonstramos a seguir uma versão do 2 o Teorema,<br />

por enquanto longe <strong>de</strong> ser o recíproco <strong>de</strong> 1.5.4, porque não contempla a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> F não ser diferenciável num conjunto “excepcional”.<br />

Teorema 1.5.5 (2o Teorema Fundamental do Cálculo (I)). Se F é contínua<br />

em I = [a,b], diferenciável em ]a,b[, F ′ = f é Riemann-integrável em I e<br />

c,d ∈ I então( 34 )<br />

d<br />

F(d) − F(c) = f(x)dx.<br />

Demonstração. Dada uma qualquer partição <strong>de</strong> [c,d] em intervalos Ik, on<strong>de</strong><br />

supomos que Ik tem extremos xk−1 < xk e c = x0 < x1 < · · · < xn = d,<br />

observamos que<br />

n<br />

F(d) − F(c) = [F(xk) − F(xk−1)],<br />

k=0<br />

porque a soma à direita é telescópica. Do Teorema <strong>de</strong> Lagrange ( 35 ), temos<br />

F(xk) − F(xk−1) = F ′ (x ∗ k )(xk − xk−1), on<strong>de</strong> xk−1 < x ∗ k < xk, e portanto<br />

F(d) − F(c) =<br />

n<br />

k=0<br />

c<br />

f(x ∗ k )(xk − xk−1).<br />

F(d) − F(c) é assim uma soma <strong>de</strong> Riemann da função f, e é claro que<br />

S d(f, P) ≤ F(d) − F(c) ≤ Sd(f, P).<br />

Como a partição P é arbitrária, po<strong>de</strong>mos também concluir que<br />

d<br />

d<br />

f ≤ F(d) − F(c) ≤ f.<br />

c<br />

d<br />

Como f é integrável, segue-se que F(d) − F(c) = f(x)dx.<br />

34 Note que a existência <strong>de</strong> F ′ (x) nos pontos x = a e x = b é irrelevante.<br />

35 Se F é contínua em [a, b] e diferenciável em ]a, b[, existe θ tal que a < θ < b e<br />

F(b) − F(a) = F ′ (θ)(b − a). Este teorema tem o nome <strong>de</strong> Joseph-Louis Lagrange, (1736-<br />

1813), matemático francês <strong>de</strong> origem italiana, um dos primeiros professores das Escolas<br />

Politécnica e Normal <strong>de</strong> Paris.<br />

c<br />

c


1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 63<br />

A respeito <strong>de</strong>ste teorema, o próximo exemplo exibe uma função f que<br />

não é integrável, apesar <strong>de</strong> ter uma primitiva contínua. É evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ste<br />

exemplo que a hipótese <strong>de</strong> integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f é indispensável no resultado<br />

que acabámos <strong>de</strong> provar. Entenda-se também do mesmo exemplo que a operação<br />

<strong>de</strong> integração é distinta da operação <strong>de</strong> primitivação e, em particular,<br />

a integração e a diferenciação não são exactamente operações inversas uma<br />

da outra.<br />

Exemplo 1.5.6.<br />

Definimos g : R → R por<br />

g(x) =<br />

x 2 sen( 1<br />

x 2), quando x = 0, e<br />

0, quando x = 0<br />

A função g é diferenciável em R e a sua <strong>de</strong>rivada é dada por<br />

g ′ <br />

1 2xsen(<br />

(x) =<br />

x2) − 2 1<br />

x cos( x2), quando x = 0, e<br />

.<br />

0, quando x = 0<br />

A função g é diferenciável em R, mas o integral da sua <strong>de</strong>rivada g ′ em qualquer<br />

intervalo I que contenha a origem não existe, porque g ′ é ilimitada em I.<br />

De um ponto <strong>de</strong> vista “prático”, <strong>de</strong>ve ser em qualquer caso claro que o 2 o<br />

Teorema Fundamental é, antes do mais, um processo <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> integrais<br />

pela <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> primitivas cuja importância é difícil <strong>de</strong> sobrestimar.<br />

Desta perspectiva, o enunciado em 1.5.5 é evi<strong>de</strong>ntemente pouco satisfatório,<br />

porque é <strong>de</strong>masiado restritivo e portanto difícil <strong>de</strong> aplicar directamente,<br />

excepto em casos muito simples. Em geral, é simplesmente impossível <strong>de</strong>terminar<br />

uma “primitiva” F que seja diferenciável e igual à integranda em<br />

todo o intervalo <strong>de</strong> integração, aliás como o 1 o Teorema fortemente sugere.<br />

No entanto, tal não impe<strong>de</strong> que a regra <strong>de</strong> Barrow se mantenha aplicável.<br />

Exemplos 1.5.7.<br />

1. Seja f(x) = sgn(x) a função sinal <strong>de</strong> x, dada por<br />

<br />

+1 para x ≥ 0, e<br />

sgn(x) =<br />

−1 para x < 0.<br />

A função sgn não é contínua na origem, mas é integrável em qualquer intervalo<br />

[a, b]. Se F(x) = |x|, então F ′ (x) = sgn(x) para x = 0 e F(x) = x<br />

a f(t)dt +<br />

F(a) para qualquer x.<br />

2. Se f é a função <strong>de</strong> Riemann e F = 0, então F é diferenciável em R, mas<br />

F ′ (x) = f(x) apenas se x ∈ Q. Apesar disso, temos novamente F(x) =<br />

x<br />

f(t)dt+F(a), para qualquer x. Este exemplo evi<strong>de</strong>ncia também que a con-<br />

a<br />

tinuida<strong>de</strong> da integranda é uma condição suficiente, mas não necessária, para a<br />

diferenciabilida<strong>de</strong> do integral in<strong>de</strong>finido.<br />

.


64 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

É simples generalizar o teorema 1.5.5 para o caso em que a igualda<strong>de</strong><br />

F ′ (x) = f(x) falha apenas num conjunto finito <strong>de</strong> pontos, o que bem entendido<br />

é suficiente para justificar cálculos elementares como os referidos no<br />

exemplo 1.5.7.1. Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração da seguinte<br />

versão do 2 o Teorema.<br />

Teorema 1.5.8 (2 o Teorema Fundamental do Cálculo (II)). Se F é contínua<br />

em I = [a,b], f é Riemann-integrável em I e F ′ (t) = f(t) excepto num<br />

conjunto finito D, então<br />

x<br />

F(x) − F(a) = f(t)dt.<br />

Claro que mesmo nesta forma o 2o Teorema Fundamental é ainda insatisfatório.<br />

É inteiramente evi<strong>de</strong>nte que, se a função f é Riemann-integrável<br />

no intervalo I, então existem “primitivas” <strong>de</strong> f apropriadas ao cálculo do<br />

integral <strong>de</strong> f por aplicação da regra <strong>de</strong> Barrow, ou seja, existem sempre<br />

funções contínuas F tais que F ′ = f qtp em I e que satisfazem<br />

d<br />

F(d) − F(c) = f(x)dx, para quaisquer c,d ∈ I,<br />

c<br />

porque basta para isso tomar, e.g., F(x) = x<br />

f(t)dt. Seria aqui especial-<br />

a<br />

mente conveniente substituir em 1.5.8 a expressão “excepto num conjunto<br />

finito D” por “qtp em I”, o que aliás teria a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o 2o Teorema num perfeito e elegante recíproco do 1o Teorema. No entanto, e surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />

o exemplo seguinte revela que esta alteração <strong>de</strong> hipóteses<br />

conduz a uma afirmação incorrecta.<br />

Exemplo 1.5.9.<br />

A função aqui <strong>de</strong>finida, a chamada “escada do diabo”, função <strong>de</strong> Cantor<br />

ou <strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, é outro exemplo clássico( 36 ). Recor<strong>de</strong>-se que<br />

o conjunto <strong>de</strong> Cantor foi <strong>de</strong>finido como C(I) = ∩ ∞ n=0Fn, on<strong>de</strong> os conjuntos<br />

Fn formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente obtida pelo processo <strong>de</strong> “remoção do<br />

intervalo médio” <strong>de</strong>scrito em 1.3.3. Tomando I = F0 = [0, 1], então o comprimento<br />

<strong>de</strong> Fn é c(Fn) = <br />

2 n.<br />

3 Sendo fn a função característica do conjunto<br />

Fn, <strong>de</strong>finimos as funções gn por<br />

gn(x) =<br />

n x<br />

3<br />

fn(t)dt, don<strong>de</strong> gn(1) =<br />

2 0<br />

a<br />

n 1<br />

3<br />

fn(t)dt = 1.<br />

2 0<br />

As funções gn são contínuas e crescentes, satisfazendo ainda gn(1) = 1. A<br />

figura 1.5.2 ilustra os gráficos das funções gn, para 0 ≤ n ≤ 5. É simples<br />

mostrar que a sucessão gn converge uniformemente para uma função F, que é<br />

contínua e crescente, com F(0) = 0 e F(1) = 1, e F é a “escada do Diabo”.


1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 65<br />

g0 g1 g2<br />

g3 g4 g5<br />

Figura 1.5.2: |gn(x) − gn−1(x)| < 1<br />

2n e |gn(x) − F(x)| < 1<br />

2n. Os segmentos<br />

horizontais pertencem ao gráfico <strong>de</strong> F.<br />

Deixamos para o exercício 8 a verificação <strong>de</strong>talhada do seguinte resultado:<br />

Proposição 1.5.10. A “escada do Diabo” F satisfaz F ′ (x) = 0 quando<br />

x ∈ C, on<strong>de</strong> C é o conjunto <strong>de</strong> Cantor.<br />

Se F é a “escada do Diabo” e f é uma qualquer função limitada em R<br />

tal que f(x) = 0 quando x ∈ C, é evi<strong>de</strong>nte que f é Riemann-integrável e<br />

F ′ (x) = f(x) quando x ∈ C, ou seja, F ′ (x) = f(x) excepto num conjunto<br />

<strong>de</strong> conteúdo nulo. Apesar disso, é também evi<strong>de</strong>nte que<br />

1<br />

1 = F(1) − F(0) = f(t)dt = 0.<br />

A <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> “primitivas” F apropriadas ao cálculo do integral <strong>de</strong><br />

uma função integrável f por aplicação da regra <strong>de</strong> Barrow revela-se, assim,<br />

um problema bem mais difícil do que uma leitura rápida do 1 o Teorema<br />

Fundamental na forma 1.5.4 nos po<strong>de</strong> fazer supor. Resumimos a questão<br />

com que nos <strong>de</strong>paramos na seguinte forma:<br />

36 Para uma aplicação talvez surpreen<strong>de</strong>nte, mas “prática”, <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> funções, veja-se<br />

por exemplo o artigo Devil’s Staircase-Type Faceting of a Cubic Lyotropic Liquid Crystal,<br />

<strong>de</strong> Pawel Pieranski, Paul Sotta, Daniel Rohe, e Marianne Imperor-Clerc, em Phys. Rev.<br />

Lett. 84, 2409, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2000.<br />

0


66 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Quando f é integrável em [a,b], existem funções F tais que F ′ = f<br />

qtp em [a,b]. Quais <strong>de</strong>ssas funções satisfazem a regra <strong>de</strong> Barrow<br />

b<br />

F(b) − F(a) = f(x)dx?<br />

Mais geralmente, que funções F são integrais in<strong>de</strong>finidos?<br />

Concluímos para já, do exemplo da “escada do Diabo”, que<br />

• Existem funções contínuas em toda a parte e diferenciáveis qtp (aliás,<br />

diferenciáveis excepto num conjunto <strong>de</strong> conteúdo nulo), como a função<br />

<strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, que não são o integral da respectiva <strong>de</strong>rivada.<br />

• Dadas funções F e G contínuas em toda a parte e diferenciáveis qtp,<br />

é falso que<br />

•<br />

F ′ (x) = G ′ (x) qtp =⇒ F(x) = G(x) + C,<br />

porque F − G po<strong>de</strong> ser, em particular, a função <strong>de</strong> Cantor-Lebesgue.<br />

É portanto evi<strong>de</strong>nte que a expressão “excepto num conjunto finito D”<br />

em 1.5.8 não po<strong>de</strong> ser substituída por “qtp em I”.<br />

Estudaremos adiante as soluções encontradas pela teoria <strong>de</strong> Lebesgue<br />

para estas questões, que envolvem <strong>de</strong> forma crucial a noção <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />

absoluta e o gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação do próprio Lebesgue, <strong>de</strong>scoberto<br />

em 1904.<br />

É também muito interessante reconhecer que o cálculo do comprimento<br />

do gráfico <strong>de</strong> uma função F está intimamente relacionado com a questão<br />

<strong>de</strong> saber se F é ou não o integral da sua <strong>de</strong>rivada. Para <strong>de</strong>finir o comprimento<br />

do gráfico <strong>de</strong> F, observamos que, se F é uma função real <strong>de</strong>finida<br />

pelo menos no intervalo J ⊆ R, a selecção <strong>de</strong> um qualquer conjunto finito<br />

P = {x0,x1, · · · ,xn} ⊆ J <strong>de</strong>termina uma linha poligonal L(F, P) inscrita<br />

no gráfico <strong>de</strong> F, formada pelos segmentos <strong>de</strong> recta que unem pontos Pk =<br />

(xk,F(xk)) consecutivos (ver a figura 1.5.3)( 37 ). Supondo que x0 ≤ x1 ≤<br />

· · · ≤ xn, esta linha poligonal tem comprimento<br />

n <br />

s(L(F, P)) = (xk − xk−1) 2 + (F(xk) − F(xk−1)) 2<br />

k=1<br />

O comprimento da linha poligonal L(F, P) é uma aproximação por <strong>de</strong>feito<br />

do comprimento do gráfico <strong>de</strong> F, sendo por isso o erro menor quando<br />

s(L(F, P)) é maior. Segue-se que a melhor aproximação do comprimento do<br />

gráfico <strong>de</strong> F que po<strong>de</strong>mos obter a partir <strong>de</strong>stas linhas poligonais é o supremo<br />

dos seus comprimentos, o que formalizamos na próxima <strong>de</strong>finição:<br />

37 Note-se a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> que os gráficos na figura 1.5.2 são linhas poligonais<br />

inscritas no gráfico da “escada do diabo”.<br />

a


1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 67<br />

P1<br />

P2<br />

P3<br />

P4<br />

P5<br />

P6<br />

P7<br />

P8<br />

P9 P10<br />

Figura 1.5.3: Aproximação do gráfico <strong>de</strong> F pela linha poligonal L(F, P).<br />

Definição 1.5.11 (Comprimento do gráfico <strong>de</strong> F). Se F : I → R e o<br />

intervalo J ⊆ I então o comprimento do gráfico <strong>de</strong> F em J é dado por( 38 )<br />

ΛJ(F) = sup{s(L(F, P)) : P ⊆ J, P finito }.<br />

Se ΛJ(F) < ∞ dizemos que o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em J.<br />

Mostramos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já como calcular o comprimento do gráfico <strong>de</strong> uma<br />

função que satisfaz as condições do 2 o Teorema Fundamental na forma 1.5.5.<br />

É também possível mostrar que a fórmula em causa é válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que F<br />

seja o integral da sua <strong>de</strong>rivada F ′ , mas <strong>de</strong>ixamos o completo esclarecimento<br />

<strong>de</strong>sta questão para <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvermos a teoria <strong>de</strong> Lebesgue, dada a<br />

especial elegância dos resultados que são apenas possíveis nesse contexto.<br />

Teorema 1.5.12. Se F é contínua em I = [a,b], diferenciável em ]a,b[ e<br />

F ′ é integrável em I então<br />

k=1<br />

b<br />

ΛI(F) =<br />

a<br />

1 + F ′ (x) 2 dx.<br />

Demonstração. Dada uma qualquer partição P = {x0,x1, · · · ,xn} do intervalo<br />

I = [a,b], on<strong>de</strong> a = x0 < x1 < · · · < xn = b, escrevemos ∆xk =<br />

xk − xk−1, yk = F(xk) e ∆yk = yk − yk−1, don<strong>de</strong><br />

n <br />

s(L(F, P)) = (∆xk) 2 + (∆yk) 2 <br />

n<br />

2 ∆yk<br />

= 1 + ∆xk.<br />

∆xk<br />

38 Esta <strong>de</strong>finição adapta-se sem dificulda<strong>de</strong>s a curvas em R N , on<strong>de</strong> uma “curva” é a<br />

imagem <strong>de</strong> uma função F : I → R N e I ⊆ R é um intervalo.<br />

k=1


68 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Pelo Teorema <strong>de</strong> Lagrange, existe x ∗ k ∈]xk−1,xk[ tal que<br />

s(L(F, P)) =<br />

e temos<br />

∆yk<br />

∆xk<br />

n<br />

k=1<br />

= F(xk) − F(xk−1)<br />

xk − xk−1<br />

= F ′ (x ∗ k ) e portanto<br />

<br />

1 + F ′ (x ∗ k )2 ∆xk é uma soma <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> g = √ 1 + F ′2 ,<br />

(1) S d( 1 + F ′2 , P) ≤ s(L(F, P)) ≤ Sd( 1 + F ′2 , P)<br />

Deixamos a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração para o exercício 7.<br />

Exemplos 1.5.13.<br />

1. É fácil mostrar que o teorema anterior é igualmente válido quando F satisfaz<br />

apenas as hipóteses <strong>de</strong> 1.5.8. Como dissémos, o resultado mantém-se mesmo no<br />

contexto da teoria <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a função F seja o integral in<strong>de</strong>finido<br />

da sua <strong>de</strong>rivada, mas a verificação <strong>de</strong>ste facto já não é tão simples.<br />

2. O gráfico <strong>de</strong> qualquer integral in<strong>de</strong>finido é rectificável em intervalos limitados<br />

(exercício 3).<br />

3. O gráfico <strong>de</strong> qualquer função monótona é rectificável em intervalos limitados<br />

(exercício 6). Em particular, a “escada do Diabo” é uma função contínua com<br />

gráfico rectificável à qual a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do teorema 1.5.12 não se aplica (exercício<br />

8), tal como não se aplica o 2 o Teorema Fundamental.<br />

Descrevemos aqui mais um exemplo clássico, <strong>de</strong>vido a van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n(<br />

39 ), <strong>de</strong> uma função contínua em toda a parte que não é diferenciável<br />

em ponto nenhum. Este exemplo sugere fortemente que a usual noção <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> é pouco útil para i<strong>de</strong>ntificar as funções que são “integrais<br />

in<strong>de</strong>finidos” mas, como veremos, ilustra também a existência <strong>de</strong> funções<br />

contínuas com outras proprieda<strong>de</strong>s apenas aparentemente paradoxais:<br />

• O gráfico <strong>de</strong>sta função não é rectificável em nenhum intervalo com<br />

mais <strong>de</strong> um ponto (exercício 9), e em particular<br />

• A função não é monótona em nenhum intervalo com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />

Exemplo 1.5.14.<br />

a<br />

função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n: A função f0 : R → R dada por f0(x) =<br />

x − int(x + 1<br />

2 ) , on<strong>de</strong> int(x) é a parte inteira <strong>de</strong> x, exprime a distância <strong>de</strong> x<br />

ao inteiro mais próximo. Observamos que<br />

39 De Bartel Leen<strong>de</strong>rt van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 1903-1996, matemático holandês, gran<strong>de</strong> algebrista<br />

contemporâneo, que estudou e ensinou na Alemanha até à 2 a Guerra Mundial.<br />

Era <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1951 professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Zurique. O exemplo aqui referido foi publicado<br />

em 1930. Na literatura em língua inglesa, é comum i<strong>de</strong>ntificar funções como a <strong>de</strong>ste<br />

exemplo pela sigla ecnd, <strong>de</strong> “everywhere continuous nowhere differentiable”.


1.5. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo 69<br />

• f0 é uma função contínua, com período 1.<br />

• 0 ≤ f0(x) ≤ 1<br />

2 e f0(k) = 0 para qualquer inteiro k ∈ Z.<br />

Tomando fn(x) = 1<br />

2 n f0(2 n x) para n ≥ 0, temos igualmente<br />

• fn é uma função contínua, com período 1<br />

2n ,<br />

• 0 ≤ fn(x) ≤ 1<br />

2n+1, e fn( k<br />

2n ) = 0, para qualquer k ∈ Z e n ∈ N.<br />

A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é <strong>de</strong>finida por<br />

∞<br />

∞ 1<br />

f(x) = fn(x) don<strong>de</strong> 0 ≤ f(x) ≤ = 1.<br />

2n+1 n=0<br />

A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é contínua em R, porque as funções fn são<br />

contínuas e a respectiva série é uniformemente convergente. A figura 1.5.4<br />

ilustra os gráficos das funções fn para 0 ≤ n ≤ 3 e sugere o gráfico <strong>de</strong> f( 40 ).<br />

10<br />

fn<br />

n=0<br />

f0<br />

f1<br />

n=0<br />

Figura 1.5.4: As funções fn(0 ≤ n ≤ 3) e<br />

O gráfico <strong>de</strong> cada função fn é “em <strong>de</strong>nte <strong>de</strong> serra”, formado por segmentos <strong>de</strong><br />

recta <strong>de</strong> <strong>de</strong>clive ±1, e <strong>de</strong>ste facto resulta que:<br />

Proposição 1.5.15. A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n não é diferenciável em<br />

ponto nenhum.<br />

f2<br />

f3<br />

10<br />

n=0<br />

Demonstração. Fixado x ∈ R, se in = int(2 n x) para n ∈ N então:<br />

fn.<br />

an = in<br />

2 n ≤ x < in + 1<br />

2 n = bn = an + 1<br />

2 n e an → x, bn → x.<br />

Se a função f é diferenciável em x teremos portanto:<br />

f(bn) − f(an)<br />

lim<br />

= f<br />

n→∞ bn − an<br />

′ (x).<br />

40 10 1<br />

Note que |f(x)− n=0 fn| ≤ , diferença que na escala <strong>de</strong>sta figura é imperceptível.<br />

2048


70 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

A função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n é fácil <strong>de</strong> calcular nos pontos da forma i<br />

2n com<br />

i ∈ Z, porque para k ≥ n temos fk( i<br />

2n ) = 0. Dito doutra forma, a série que<br />

<strong>de</strong>fine a função f reduz-se nestes pontos a uma soma finita com n termos:<br />

f( i<br />

n−1 <br />

) = fk(<br />

2n k=0<br />

i<br />

2n ) e f(bn)<br />

n−1<br />

− f(an) <br />

n−1<br />

fk(bn) − fk(an) <br />

=<br />

= ck,n.<br />

bn − an bn − an<br />

k=0<br />

k=0<br />

Fixado k, os <strong>de</strong>clives ck,n são constantes para n > k, ou seja, ck,n = dk, on<strong>de</strong><br />

dk = ±1, porque o gráfico <strong>de</strong> fk (um “<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> serra”, como referimos) é linear<br />

i i+1<br />

em qualquer intervalo da forma [ 2k+1, 2k+1 ] com <strong>de</strong>clive ±1. Temos assim<br />

n−1<br />

f(bn) − f(an) <br />

= dk.<br />

bn − an<br />

k=0<br />

Como dk = ±1 não ten<strong>de</strong> para zero quando k → ∞, o limite<br />

f(bn) − f(an)<br />

lim<br />

=<br />

n→∞ bn − an<br />

∞<br />

dk,<br />

não po<strong>de</strong> existir e ser finito. Portanto, f não é diferenciável em x.<br />

Exercícios.<br />

f(t)dt é convergente. A função<br />

f(t)dt para x ∈ R é uniformemente contínua em R?<br />

1. Suponha que o integral impróprio( 41 ) ∞<br />

−∞<br />

F(x) = x<br />

a<br />

2. Demonstre a versão do 2 o Teorema Fundamental indicada em 1.5.8.<br />

3. Suponha que f é integrável no intervalo I, a ∈ I e F(x) = x<br />

f(t)dt para<br />

a<br />

x ∈ I. Mostre que o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em qualquer intervalo limitado<br />

em I.<br />

4. Mostre que o gráfico da função <strong>de</strong>finida no exemplo 1.5.6 não é rectificável<br />

no intervalo [0, 1], e portanto a função em causa não é um integral in<strong>de</strong>finido.<br />

5. Suponha que F é uma função crescente no intervalo I, e F(x) = x<br />

a f(t)dt +<br />

F(a), on<strong>de</strong> f é Riemann-integrável em I. Mostre que se A ⊆ I e c(A) = 0,<br />

então c(F(A)) = 0. Prove igualmente que se A é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel,<br />

então F(A) é também nulo.<br />

6. Suponha que f está <strong>de</strong>finida num intervalo compacto I. Mostre que<br />

k=0<br />

a) Se f é monótona em I então o seu gráfico é rectificável em I.<br />

b) Se x < y < z são pontos <strong>de</strong> I então Λ [x,z](f) = Λ [x,y](f) + Λ [y,z](f).<br />

41 ∞<br />

O integral impróprio <strong>de</strong> Riemann −∞<br />

Riemann F(x, y) = y<br />

x<br />

f(t)dt diz-se convergente se o integral <strong>de</strong><br />

f(t)dt existe para quaisquer −∞ < x ≤ y < ∞ e a função F tem<br />

limite finito quando x → −∞ e y → +∞.


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 71<br />

7. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.5.12 (verifique as afirmações feitas no final<br />

do argumento apresentado, que envolvem somas <strong>de</strong> Darboux da integranda em<br />

causa).<br />

8. Consi<strong>de</strong>re a <strong>de</strong>finição da “escada do Diabo” F apresentada em 1.5.9.<br />

a) Calcule o máximo <strong>de</strong> |gn(x)−gn−1(x)|. Conclua que a sucessão <strong>de</strong> funções<br />

gn converge uniformemente para uma função contínua e crescente F.<br />

b) Demonstre a proposição 1.5.10.<br />

c) Calcule o integral <strong>de</strong> F sobre o intervalo [0, 1].<br />

d) Calcule o comprimento do gráfico <strong>de</strong> F no intervalo [0, 1].<br />

e) Sendo C(I) o conjunto <strong>de</strong> Cantor, mostre que F(C(I)) = I. Conclua<br />

directamente do exercício 5 que F não é um integral in<strong>de</strong>finido.<br />

f) Prove que F não é diferenciável em nenhum ponto <strong>de</strong> C(I).<br />

9. Prove que o gráfico da função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) não é<br />

rectificável em qualquer intervalo I não trivial, i.e., com mais <strong>de</strong> um ponto.<br />

Conclua em particular que esta função não é monótona em nenhum intervalo<br />

não trivial. sugestão: Na notação do exemplo 1.5.14, seja<br />

m<br />

gm(x) = fn(x).<br />

n=0<br />

Note que o gráfico <strong>de</strong> gm é uma linha poligonal inscrita no gráfico <strong>de</strong> f. Sendo<br />

Γm o comprimento <strong>de</strong>ssa linha no intervalo I = [0, 1], note que<br />

1<br />

Γm ≥ λm = |g ′ m |.<br />

Mostre que λm → ∞. Po<strong>de</strong> aqui ser conveniente usar a aproximação <strong>de</strong> Stirling<br />

para o factorial <strong>de</strong> n, na forma:<br />

lim<br />

n→∞<br />

0<br />

n!en nn√ = 1<br />

2πn<br />

10. Sendo f a função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) mostre que o conjunto<br />

on<strong>de</strong> f tem extremos locais é <strong>de</strong>nso.<br />

11. Suponha que f : I → R é diferenciável em I e ε > 0. Mostre que existem<br />

funções contínuas g : I → R que não são diferenciáveis em ponto nenhum <strong>de</strong> I<br />

e satisfazem |f(x) − g(x)| < ε, para qualquer x ∈ I.<br />

1.6 O Problema <strong>de</strong> Borel<br />

É justo sublinhar que a noção <strong>de</strong> “aditivida<strong>de</strong>”, reconhecidamente na forma<br />

algo vaga <strong>de</strong> princípios como “o todo é a soma das partes”, é uma questão<br />

já intensamente <strong>de</strong>batida por filósofos gregos da Antiguida<strong>de</strong> Clássica, e.g.,<br />

em torno dos famosos paradoxos <strong>de</strong> Zenão. O chamado paradoxo da seta( 42 )<br />

42 “Imagine-se uma seta em voo. Em cada instante <strong>de</strong> tempo, que não tem duração, a<br />

seta não se move. Como o tempo é uma sucessão <strong>de</strong> instantes, a seta nunca se move!”


72 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

observa essencialmente que um segmento <strong>de</strong> recta <strong>de</strong> comprimento positivo<br />

é formado por pontos <strong>de</strong> comprimento zero. Portanto, neste caso não é<br />

razoável sustentar que “o comprimento do todo é a soma dos comprimentos<br />

das partes”. O paradoxo do corredor( 43 ) envolve por sua vez a partição <strong>de</strong><br />

um segmento <strong>de</strong> recta numa família numerável <strong>de</strong> subintervalos. A título<br />

<strong>de</strong> ilustração, consi<strong>de</strong>re-se a partição <strong>de</strong> I =]0,1] dada por<br />

P = {Ik =] 1 1<br />

,<br />

2k 2k−1] : k ∈ N}, on<strong>de</strong> c(I) = 1 =<br />

∞<br />

k=1<br />

1<br />

=<br />

2k ∞<br />

c(Ik).<br />

Pelo menos neste caso, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> é aplicável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

se consi<strong>de</strong>rem séries em lugar das usuais somas com um número finito <strong>de</strong><br />

parcelas, ou seja, continua a ser verda<strong>de</strong> que “o comprimento do todo é a<br />

soma (da série) dos comprimentos das partes”. Muito naturalmente, este<br />

facto não parece ter sido entendido pelos Antigos, que nunca dominaram a<br />

noção <strong>de</strong> limite, sem a qual é impossível o correcto tratamento <strong>de</strong> séries,<br />

e não terão suspeitado da subtil diferença entre o infinito numerável e o<br />

infinito não-numerável( 44 ), que é a verda<strong>de</strong>ira justificação para a diferença<br />

<strong>de</strong> conclusões nos dois paradoxos referidos.<br />

Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, o paradoxo do corredor é especialmente notável<br />

porque a sua solução sugere como se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o “conteúdo” <strong>de</strong> alguns<br />

conjuntos que não são Jordan-mensuráveis. A i<strong>de</strong>ia em causa é a base<br />

conceptual da mo<strong>de</strong>rna Teoria da <strong>Medida</strong> e aparece explicitamente na tese <strong>de</strong><br />

doutoramento <strong>de</strong> Borel. Consiste em observar que a aditivida<strong>de</strong> do conteúdo<br />

se aplica igualmente a partições infinitas numeráveis( 45 ), um resultado que<br />

po<strong>de</strong> ser enunciado como se segue:<br />

43<br />

O corredor <strong>de</strong>ve correr uma distância fixa. Demora um tempo finito a percorrer a<br />

primeira meta<strong>de</strong>, um tempo finito a percorrer meta<strong>de</strong> do restante, e assim sucessivamente.<br />

O tempo da corrida é uma soma infinita <strong>de</strong> termos positivos, à qual se julgava <strong>de</strong>ver atribuir<br />

um valor infinito. Ambos os paradoxos, entre muitos outros, são atribuídos ao filósofo<br />

Zenão (<strong>de</strong> Eleia, no sul <strong>de</strong> Itália), que viveu no século V AC. Os paradoxos parecem<br />

ter sido criados para exibir dificulda<strong>de</strong>s lógicas da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “contínuo”, hoje ubíqua na<br />

Matemática, através <strong>de</strong> exemplos como a recta real R.<br />

44<br />

Foi apenas em 1873 que Cantor esclareceu esta diferença, provando em particular que<br />

Q é numerável e R é não-numerável.<br />

45<br />

A tese <strong>de</strong> Borel, <strong>de</strong> 1895, que curiosamente não faz qualquer referência à teoria da<br />

integração, introduz pelo menos três i<strong>de</strong>ias relacionadas entre si e fundamentais para essa<br />

teoria: a aditivida<strong>de</strong> do conteúdo para partições numeráveis (na realida<strong>de</strong>, o lema 1.6.2<br />

para intervalos), o teorema <strong>de</strong> Heine-Borel, e a noção <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula. O<br />

teorema <strong>de</strong> Heine-Borel é indispensável para provar a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> referida<br />

e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> medida nula usa partições numeráveis para atribuir uma<br />

“medida” a conjuntos que po<strong>de</strong>m não ser Jordan-mensuráveis. Esta última <strong>de</strong>finição tem<br />

aliás um domínio <strong>de</strong> aplicação tão geral que cedo conduziu Borel a <strong>de</strong>licadas reflexões<br />

sobre a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “conjunto”. Registe-se a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> que o orientador <strong>de</strong> tese <strong>de</strong><br />

Borel foi o já referido Darboux.<br />

k=1


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 73<br />

Teorema 1.6.1. Se os conjuntos An ∈ J (R N ) são disjuntos, então<br />

A =<br />

∞<br />

An ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) =<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An).<br />

Este teorema é uma consequência imediata dos dois lemas que passamos<br />

a enunciar e <strong>de</strong>monstrar (1.6.2 e 1.6.3):<br />

Lema 1.6.2. Dados conjuntos An ∈ J (R N ), então<br />

A ⊆<br />

n=1<br />

∞<br />

An e A ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An).<br />

Demonstração. Seja ε > 0. De acordo com 1.3.4, existem conjuntos elementares<br />

K (compacto) e U (aberto) tais que<br />

n=1<br />

(i) K ⊆ A ⊆ U e cN(U\K) < ε don<strong>de</strong> cN(A) − ε < cN(K).<br />

Pela mesma razão, existem conjuntos elementares Kn (compactos) e Un<br />

(abertos), tais que Kn ⊆ An ⊆ Un e<br />

cN(Un\Kn) < ε<br />

2n e cN(Un) < cN(An) + ε<br />

don<strong>de</strong><br />

2n ∞<br />

∞ <br />

(ii) cN(Un) < cN(An) + ε<br />

2n ∞<br />

= cN(An) + ε.<br />

n=1<br />

n=1<br />

Como K é compacto, segue-se do teorema <strong>de</strong> Heine-Borel que existe m ∈ N<br />

tal que<br />

∞ ∞<br />

m<br />

(iii) K ⊆ A ⊆ An ⊆ Un =⇒ K ⊆ Un.<br />

n=1<br />

Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é subaditivo, concluímos <strong>de</strong> (i), (ii) e (iii) que<br />

cN(A) − ε < cN(K) ≤<br />

Temos assim que<br />

cN(A) − ε <<br />

n=1<br />

m<br />

cN(Un) ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(Un) <<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An) + ε, ou cN(A) <<br />

n=1<br />

on<strong>de</strong> finalmente fazemos ε → 0.<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An) + ε.<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An) + 2ε,<br />

n=1<br />

Lema 1.6.3. Se os conjuntos An ∈ J (R N ) são disjuntos, então<br />

A ⊇<br />

∞<br />

An e A ∈ J (R N ) =⇒ cN(A) ≥<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An).<br />

n=1


74 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Demonstração. Notamos que, como cN é aditivo,<br />

Bk =<br />

k<br />

An =⇒ cN(Bk) =<br />

n=1<br />

k<br />

cN(An).<br />

Como cN é monótono e Bk ⊆ A, temos também cN(Bk) ≤ cN(A), don<strong>de</strong><br />

n=1<br />

k<br />

cN(An) ≤ cN(A) para qualquer k ∈ N e portanto<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An) ≤ cN(A).<br />

Conforme dissémos, é evi<strong>de</strong>nte que os lemas 1.6.2 e 1.6.3 estabelecem o<br />

teorema 1.6.1. Este último resultado permite <strong>de</strong>finir o “conteúdo” <strong>de</strong> alguns<br />

conjuntos que não são Jordan-mensuráveis por razões fáceis <strong>de</strong> explicar.<br />

Observamos que, <strong>de</strong> acordo com 1.6.1, se os conjuntos An ∈ J (RN ) são<br />

disjuntos e A = ∞ n=1 An, então uma das seguintes alternativas é sempre<br />

válida:<br />

∞<br />

1) A é Jordan-mensurável e neste caso cN(A) = cN(An), ou<br />

n=1<br />

n=1<br />

2) A não é Jordan-mensurável e neste caso não po<strong>de</strong>mos ter<br />

cN(A) =<br />

∞<br />

cN(An),<br />

n=1<br />

apenas porque o lado esquerdo <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não está <strong>de</strong>finido.<br />

(Fazemos aqui a convenção natural <strong>de</strong> atribuir à série a soma +∞,<br />

se esta divergir no sentido usual do termo.)<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel é muito simples: No caso 2),<br />

a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cN(A) =<br />

Exemplo 1.6.4.<br />

∞<br />

cN(An) <strong>de</strong>ve ser a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cN(A).<br />

n=1<br />

Seja A = Q = {q1, q2, · · · , qn, · · · } e An = {qn}. É óbvio que os conjuntos An<br />

são Jordan-mensuráveis e c(An) = 0. O conjunto Q não é Jordan-mensurável,<br />

mas a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel sugere que se <strong>de</strong>fina c(Q) = 0.<br />

É naturalmente necessário verificar que esta i<strong>de</strong>ia não conduz a ambiguida<strong>de</strong>s,<br />

mas isso resulta <strong>de</strong> uma adaptação simples do argumento que<br />

utilizámos a propósito dos conjuntos elementares, já na proposição 1.1.9.


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 75<br />

Lema 1.6.5. Se P = {An : n ∈ N} e P ′ = {Bm : m ∈ N} são partições do<br />

conjunto A ⊆ R N em conjuntos Jordan-mensuráveis, então<br />

∞<br />

cN(An) =<br />

n=1<br />

Demonstração. Observamos que<br />

A =<br />

∞<br />

n=1<br />

An =<br />

∞<br />

m=1<br />

Bm =⇒ An =<br />

∞<br />

cN(Bm).<br />

m=1<br />

∞<br />

m=1<br />

An ∩ Bm e Bm =<br />

∞<br />

An ∩ Bm.<br />

Como os conjuntos An ∩ Bm são Jordan-mensuráveis e disjuntos e os conjuntos<br />

An e Bm são Jordan-mensuráveis, obtemos <strong>de</strong> 1.6.1 que:<br />

cN(An) =<br />

∞<br />

cN(An ∩ Bm) e cN(Bm) =<br />

m=1<br />

Segue-se imediatamente que<br />

∞<br />

cN(An) =<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

∞<br />

cN(An ∩ Bm) =<br />

∞<br />

m=1 n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An ∩ Bm).<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(An ∩ Bm) =<br />

∞<br />

cN(Bm).<br />

m=1<br />

A seguinte terminologia complementa a introduzida na secção 1.2.<br />

Definição 1.6.6 (Funções σ-Aditivas e σ-Subaditivas). Seja S uma classe<br />

<strong>de</strong> subconjuntos do conjunto X e λ : S → [0,+∞] uma função. Então λ é<br />

a) σ-aditiva se e só se, para quaisquer conjuntos An ∈ S disjuntos,<br />

∞<br />

∞<br />

An ∈ S =⇒ λ( An) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

λ(An).<br />

b) σ-subaditiva ( 46 ) se e só se para quaisquer conjuntos C,An ∈ S,<br />

C ⊆<br />

∞<br />

An =⇒ λ(C) ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

λ(An).<br />

46 Recor<strong>de</strong>-se que a soma da série ∞<br />

n=1 λ(An) está sempre <strong>de</strong>finida, po<strong>de</strong>ndo, claro, ser<br />

+∞. A noção <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong> também se aplica a funções com valores reais ou complexos,<br />

mas, nestes casos, é necessário supôr que as séries em causa são sempre convergentes no<br />

sentido usual do termo. É fácil verificar que a noção <strong>de</strong> σ-subaditivida<strong>de</strong> requer λ ≥ 0<br />

(porquê?), e mais uma vez a questão da convergência da série em questão é irrelevante.<br />

n=1


76 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Nesta terminologia, o teorema 1.6.1 afirma que o conteúdo <strong>de</strong> Jordan cN<br />

é σ-aditivo na classe J (R N ), e o lema 1.6.2 diz que cN é σ-subaditivo na<br />

mesma classe J (R N ). Deixamos como exercício a <strong>de</strong>monstração do resultado<br />

seguinte, que po<strong>de</strong> ser usado para exibir muitos outros exemplos <strong>de</strong> funções<br />

σ-aditivas e σ-subaditivas em classes <strong>de</strong> conjuntos apropriadas.<br />

Teorema 1.6.7. Se R ⊆ R N e f : R → R, então o integral in<strong>de</strong>finido λ <strong>de</strong><br />

f é σ-aditivo em Jf(R). Se f ≥ 0 em R, então λ é σ-subaditivo.<br />

Exemplo 1.6.8.<br />

Apresentamos aqui um conjunto aberto limitado que não é Jordan-mensurável.<br />

Seja D = {q1, q2, · · · , qn, · · · } = Q ∩ [0, 1] o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet, ε > 0, e<br />

consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos abertos<br />

Un =]qn − ε<br />

2n , qn + ε<br />

∞<br />

[ e U = Un.<br />

2n Como o conteúdo <strong>de</strong> Jordan é σ-subaditivo, se U é Jordan-mensurável então:<br />

∞<br />

∞ ε<br />

c(U) ≤ c(Un) = = 2ε.<br />

2n−1 n=1<br />

É evi<strong>de</strong>nte que D ⊆ U e sabemos que c(D) = 1. Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />

c(U) ≥ 1. Segue-se que, se ε < 1<br />

2 , então U não é Jordan-mensurável. Note-se<br />

<strong>de</strong> passagem que U não contém o intervalo [0, 1], contrariamente ao que a nossa<br />

intuição nos po<strong>de</strong> fazer supor.<br />

Qualquer união numerável <strong>de</strong> conjuntos em E(R N ) ou J (R N ) é uma<br />

união <strong>de</strong> conjuntos disjuntos na classe em questão, porque estas classes são<br />

semi-álgebras. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Borel permite por isso atribuir um “conteúdo”, ou<br />

“extensão”, que <strong>de</strong>signamos temporariamente por ˜cN, pelo menos aos conjuntos<br />

que são uniões numeráveis <strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis, conforme<br />

registamos na próxima <strong>de</strong>finição:<br />

Definição 1.6.9 (As classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) e a função ˜cN).<br />

a) Jσ(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões numeráveis<br />

<strong>de</strong> conjuntos Jordan-mensuráveis em R N ,<br />

b) Eσ(R N ) é a classe formada pelos conjuntos que são uniões numeráveis<br />

<strong>de</strong> conjuntos elementares em R N . Os conjuntos E ∈ Eσ(R N ) dizem-se<br />

σ-elementares.<br />

c) Se A ∈ Jσ(RN ) então existem conjuntos An ∈ J (RN ) disjuntos tais<br />

que A = ∞ n=1 An, e <strong>de</strong>finimos<br />

∞<br />

˜cN(A) = cN(An).<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 77<br />

Exemplos 1.6.10.<br />

1. Qualquer conjunto numerável é σ-elementar. Se E = {x1, x2, · · · , xn, · · · },<br />

então E = ∪ ∞ n=1En, on<strong>de</strong> os conjuntos En = {xn} são elementares. Dado que<br />

cN(En) = 0, temos ˜cN(E) = 0. Em particular, Q é σ-elementar.<br />

2. Mais geralmente, E ⊆ R N é σ-elementar se e só se E é uma união numerável<br />

<strong>de</strong> rectângulos limitados.<br />

3. É fácil verificar que RN é um conjunto σ-elementar, e ˜cN(R N ) = ∞.<br />

4. O conjunto (aberto) do exemplo 1.6.8 é σ-elementar, mas não é Jordan-mensurável.<br />

5. A função ˜cN é uma extensão( 47 ) do conteúdo <strong>de</strong> Jordan, i.e., se A ⊆ R N é<br />

Jordan-mensurável, então ˜cN(A) = cN(A).<br />

6. Seja f : R → R limitada e contínua qtp no rectângulo compacto R, e D o<br />

conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f. Recor<strong>de</strong>-se que D é uma união<br />

numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo, don<strong>de</strong> D ∈ Jσ(R N ) e ˜cN(D) = 0.<br />

As observações seguintes são úteis no que se segue.<br />

Proposição 1.6.11. Seja E ∈ Jσ(R N ). Temos então:<br />

a) Se E ∈ Eσ(R), então ˜c(E) = 0 ⇐⇒ E é numerável.<br />

b) ˜cN(E) = 0 ⇐⇒ int(E) = ∅.<br />

c) ˜cN é σ-subaditiva em Jσ(R N ), ou seja, se E,Fn ∈ Jσ(R N ) então<br />

E ⊆<br />

∞<br />

Fn =⇒ ˜cN(E) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

˜cN(Fn).<br />

Demonstração. Deixamos a verificação <strong>de</strong> a) e b) para o exercício 9. Relativamente<br />

a c), consi<strong>de</strong>ramos partições <strong>de</strong> E e dos conjuntos Fn em conjuntos<br />

Jordan-mensuráveis Ei e Fnk, don<strong>de</strong><br />

E =<br />

∞<br />

Ei,Fn =<br />

i=1<br />

∞<br />

k=1<br />

n=1<br />

Fnk.<br />

Como os conjuntos E ′ m = ∪m i=1 Ei ⊆ E são Jordan-mensuráveis, segue-se do<br />

lema 1.6.2 que<br />

E ′ m ⊆<br />

∞<br />

n=1<br />

Fn =<br />

∞<br />

n=1 k=1<br />

∞<br />

Fnk =⇒ cN(E ′ m) ≤<br />

∞<br />

∞<br />

n=1 n=1<br />

cN(Fnk) =<br />

∞<br />

˜cN(Fn)<br />

É imediato que cN(E ′ m) → ˜cN(E), e portanto ˜cN(E) ≤ ∞<br />

n=1 ˜cN(Fn).<br />

47 A função g : B → Y diz-se uma extensão <strong>de</strong> f : A → X se e só se A ⊆ B, X ⊆ Y e<br />

g(x) = f(x) para qualquer x ∈ A.<br />

n=1


78 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Exemplos 1.6.12.<br />

1. O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) não é σ-elementar porque tem conteúdo nulo e<br />

não é numerável.<br />

2. O conjunto U = [0, 1] \C(I) é σ-elementar, porque U = ∪ ∞ n=1En, on<strong>de</strong> En é<br />

um conjunto elementar formado por 2 n−1 subintervalos, cada um <strong>de</strong> comprimento<br />

1<br />

3 n . Repare-se por isso que Eσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />

O próximo teorema indica mais algumas proprieda<strong>de</strong>s das classes Eσ(R N )<br />

e Jσ(R N ) e da função ˜cN:<br />

Teorema 1.6.13. As classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) são fechadas em relação a<br />

uniões finitas ou numeráveis e intersecções finitas, e a função ˜cN é aditiva<br />

e σ-aditiva em Jσ(R N ).<br />

Demonstração. Para mostrar que a classe Jσ(R N ) é fechada relativamente<br />

a uniões numeráveis, consi<strong>de</strong>ramos conjuntos En ∈ Jσ(R N ) e notamos que<br />

existem conjuntos Enm ∈ J (R N ) tais que En = ∪ ∞ m=1 Enm. Segue-se que<br />

E =<br />

∞<br />

n=1<br />

En =<br />

∞<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

Enm<br />

é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos Enm ∈ J (R N ), i.e., E ∈ Jσ(R N ).<br />

(Note que este argumento se aplica sem alterações à classe Eσ(R N ).)<br />

Para verificar a σ-aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ˜cN, supomos que os conjuntos En são<br />

disjuntos e que para cada n os conjuntos Enm são igualmente disjuntos. É<br />

imediato da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ˜cN(E) e <strong>de</strong> ˜cN(En) que<br />

∞<br />

˜cN(E) = ˜cN(<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

Enm) =<br />

∞<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

cN(Enm) =<br />

∞<br />

˜cN(En).<br />

É muito simples verificar a aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cN e o fecho das classes Eσ(R N )<br />

e Jσ(R N ) relativamente a intersecções finitas.<br />

De acordo com a observação feita no exemplo 1.6.10.5 acima, e para<br />

evitar sobrecarregar a notação utilizada, passamos a escrever “cN(E)” em<br />

lugar <strong>de</strong> “˜cN(E)” mesmo quando E ∈ Jσ(R N ).<br />

Exemplo 1.6.14.<br />

Seja D o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet e I = [0, 1] \D o conjunto dos irracionais em<br />

[0, 1]. Sabemos que D é σ-elementar, c(D) = 0 e c([0, 1]) = 1. Se I ∈ Jσ(R),<br />

segue-se pela proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong> referida no teorema anterior que<br />

1 = c([0, 1]) = c(I) + c(D) ⇒ c(I) = 1.<br />

Sabemos que int(I) = ∅ e, como referimos acima, se I ∈ Jσ(R) então c(I) = 0.<br />

Concluímos que I ∈ Jσ(R). Em particular, Jσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />

n=1


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 79<br />

Eσ(R N )<br />

Jσ(R N )<br />

E(R N ) J (R N )<br />

Figura 1.6.1: As classes E(R N ), Eσ(R N ), J (R N ) e Jσ(R N ).<br />

O próximo exemplo é um conjunto perfeito muito semelhante ao <strong>de</strong> Cantor,<br />

mas uma aparentemente ligeira modificação na sua construção faz com<br />

que não pertença a Jσ(R). Este conjunto revela que Jσ(R) não contém<br />

todos os conjuntos compactos, e po<strong>de</strong> ser usado, tal como o exemplo <strong>de</strong><br />

Dirichlet, para mostrar que Jσ(R) não é uma semi-álgebra.<br />

Exemplo 1.6.15.<br />

o conjunto <strong>de</strong> volterra( 48 ) - O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) (exemplo 1.3.9)<br />

é C(I) = ∩∞ n=0Fn, on<strong>de</strong> Fn é uma união <strong>de</strong> 2n intervalos fechados disjuntos<br />

Ik,n, e F0 = I = [a, b] é o “intervalo inicial”. A sucessão <strong>de</strong> conjuntos Fn<br />

foi <strong>de</strong>finida recursivamente: dividimos cada subintervalo Ik,n <strong>de</strong> Fn em três<br />

intervalos <strong>de</strong> igual comprimento 1<br />

3c(Ik,n), e <strong>de</strong>signamos por Jk,n o subintervalo<br />

médio (aberto) Jk,n ⊂ Ik,n. O conjunto Fn+1 resulta <strong>de</strong> extrair <strong>de</strong> Fn os<br />

subintervalos Jk,n, i.e.,<br />

Fn+1 = Fn\Un, on<strong>de</strong> Un =<br />

2 n<br />

<br />

k=1<br />

Jk,n.<br />

É claro que nada nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> extrair, em cada passo e <strong>de</strong> cada subintervalo<br />

Ik,n, um intervalo aberto Jk,n, ainda centrado no ponto médio <strong>de</strong> Ik,n, mas<br />

agora com comprimento c(Jk,n) = 1<br />

3 c(Ik,n). Exactamente como no procedimento<br />

original <strong>de</strong> Cantor, é fácil verificar que (exercício 14)<br />

V =<br />

∞<br />

Fn é um conjunto perfeito não-numerável com interior vazio.<br />

n=o<br />

Sendo I = F0 o intervalo inicial, temos igualmente que<br />

∞<br />

U = I\V = Un é σ-elementar e aberto.<br />

n=0<br />

48 Vito Volterra <strong>de</strong>scobriu exemplos análogos a este e à “função <strong>de</strong> Volterra” <strong>de</strong>scrita<br />

mais adiante em 1881, quando era ainda estudante. Actualmente é comum dizer que<br />

conjuntos <strong>de</strong>ste tipo são “<strong>de</strong> Cantor”.


80 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Para simplificar a notação, escrevemos an = c(Jk,n). A escolha da sucessão an<br />

é em larga medida arbitrária, mas para efeitos do presente exemplo é suficiente<br />

seleccionar primeiro um qualquer 0 ≤ ε < 1 e <strong>de</strong>finir:<br />

<br />

1−εc(I),<br />

se n = 0,<br />

an =<br />

3<br />

1<br />

3an−1, se n > 0.<br />

Dizemos que V é um conjunto <strong>de</strong> volterra, que passamos a <strong>de</strong>signar por<br />

Cε(I) (nesta notação, o conjunto <strong>de</strong> Cantor do exemplo 1.3.9 é C0(I)). O<br />

conjunto U é σ-elementar e por isso é fácil calcular o seu conteúdo. Cada<br />

conjunto Un é formado por 2n subintervalos <strong>de</strong> comprimento an = 1−ε<br />

3n+1c(I), don<strong>de</strong> c(Un) = (1 − ε) 2n<br />

3n+1c(I) e<br />

c(U) =<br />

∞<br />

n=0<br />

1 − ε<br />

c(Un) = (<br />

3 )c(I)<br />

∞<br />

n=0<br />

n 2<br />

= (1 − ε)c(I).<br />

3<br />

Designando o conjunto U por Uε(I) para maior clareza, observamos que, se<br />

Cε(I) ∈ Jσ(R N ), então<br />

• c(I) = c(Cε(I)) + c(Uε(I)) ⇒ c(Cε(I)) = c(I) − (1 − ε)c(I) = εc(I), e<br />

• Como Cε(I) tem interior vazio, temos c(Cε(I)) = 0.<br />

Concluímos assim que Cε(I) ∈ Jσ(R N ) quando ε > 0.<br />

U4<br />

U3<br />

U4<br />

U2<br />

U4<br />

U3<br />

U4<br />

U1<br />

Figura 1.6.2: A construção <strong>de</strong> Volterra com ε = 1<br />

4 .<br />

A função cN : Jσ(R N ) → [0, ∞] é claramente uma extensão não-trivial<br />

do conteúdo <strong>de</strong> Jordan, mas os exemplos 1.6.14 e 1.6.15 revelam que não é<br />

ainda uma base satisfatória para o <strong>de</strong>senvolvimento da teoria. Na verda<strong>de</strong>,<br />

quando A ⊆ B ⊆ R N e cN(A) e cN(B) estão <strong>de</strong>finidos, então <strong>de</strong>vemos ter, tal<br />

como observámos acima, cN(B\A) = cN(B)−cN(A). No entanto, vimos em<br />

ambos os exemplos referidos que po<strong>de</strong>mos ter B\A ∈ Jσ(R N ), mesmo que<br />

A,B ∈ Jσ(R N ). Em particular, estes exemplos sugerem que uma extensão<br />

apropriada da função cN <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong>finida numa classe <strong>de</strong> conjuntos que<br />

seja uma semi-álgebra, além <strong>de</strong> ser fechada em relação a uniões numeráveis.<br />

U4<br />

U3<br />

U4<br />

U2<br />

U4<br />

U3<br />

U4<br />

F0<br />

F1<br />

F2<br />

F3<br />

F4


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 81<br />

Borel teve o enorme mérito <strong>de</strong> analisar e i<strong>de</strong>ntificar com total clareza<br />

estas dificulda<strong>de</strong>s e enunciar com muita precisão o problema que entendia<br />

<strong>de</strong>ver ser resolvido, listando o que referia como “proprieda<strong>de</strong>s essenciais”( 49 )<br />

a satisfazer. Borel foi assim um notável pioneiro do tipo <strong>de</strong> procedimento<br />

que hoje chamamos <strong>de</strong> “axiomático”.<br />

1.6.16 (Problema <strong>de</strong> Borel). Determinar uma classe MN <strong>de</strong> subconjuntos<br />

<strong>de</strong> R N e uma função κN : MN → [0, ∞] tais que:<br />

a) A classe MN contém os conjuntos elementares.<br />

b) Se E ⊂ R N é elementar então κN(E) = cN(E).<br />

c) MN é uma álgebra fechada em relação a uniões numeráveis.<br />

d) κN é uma função σ-aditiva.<br />

Repare-se que a referência neste enunciado a uma álgebra em vez <strong>de</strong> semiálgebra<br />

é fácil <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r: como R N é σ-elementar, qualquer semi-álgebra<br />

em R N fechada relativamente a uniões numeráveis e que contenha os conjuntos<br />

elementares contém R N , ou seja, é uma álgebra.<br />

Eσ(R N )<br />

E(R N )<br />

MN = ?<br />

Figura 1.6.3: O Problema <strong>de</strong> Borel<br />

κN = ?<br />

Não vamos <strong>de</strong>screver imediatamente a solução que Borel <strong>de</strong>scobriu para<br />

este problema( 50 ). Estudamos para já alguns resultados auxiliares importantes,<br />

em especial o seguinte, <strong>de</strong>scoberto por Cantor em 1883:<br />

49 As suas palavras, em Leçons sur la théorie <strong>de</strong>s fonctions, são muito claras: “... <strong>de</strong>finir<br />

os elementos novos que são introduzidos a partir das suas proprieda<strong>de</strong>s essenciais, ou seja,<br />

daquelas que são estritamente indispensáveis aos raciocínios que se seguem”.<br />

50 Veremos adiante que a classe MN = B(R N ) <strong>de</strong>scoberta por Borel, formada pelos conjuntos<br />

que hoje se dizem Borel-mensuráveis, é a menor solução <strong>de</strong>ste problema. Esta<br />

classe é uma extensão <strong>de</strong> Eσ(R N ), mas não contém todos os conjuntos Jordan-mensuráveis,<br />

facto que Borel conhecia e sublinhava com cuidado, porventura em sinal <strong>de</strong> pru<strong>de</strong>nte respeito<br />

por Jordan, que gozava <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência.<br />

cN


82 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Teorema 1.6.17 (<strong>de</strong> Cantor). Qualquer aberto é uma união numerável <strong>de</strong><br />

rectângulos abertos limitados e por isso é um conjunto σ-elementar.<br />

Demonstração. Seja Q(R) = {]q,r[: q,r ∈ Q} a classe formada pelos intervalos<br />

abertos <strong>de</strong> extremos racionais e, mais geralmente, consi<strong>de</strong>rem-se as<br />

classes Q(R N ), formadas pelos rectângulos-N com vértices <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas<br />

racionais, i.e., os rectângulos da forma I1 × I2 × · · · × IN, com Ik ∈ Q(R).<br />

Como Q é numerável, as classes Q(R N ) são igualmente numeráveis.<br />

Se U ⊆ R N é um aberto e x ∈ U, existe um rectângulo aberto limitado<br />

Rx, tal que x ∈ Rx ⊆ U. Suponha-se que<br />

Rx = I1 × I2 × · · · × IN, on<strong>de</strong> Ik =]ak,bk[ e x = (x1,x2, · · · ,xN).<br />

É claro que existem racionais qk e rk tais que<br />

É também evi<strong>de</strong>nte que<br />

ak < qk < xk < rk < bk e Jk =]qk,rk[∈ Q(R).<br />

J1 × J2 × · · · × JN = Qx ∈ Q(R N ) e x ∈ Qx ⊆ Rx ⊆ U.<br />

Concluímos assim que U = <br />

Qx.<br />

b2<br />

r2<br />

x2<br />

q2<br />

a2<br />

a1<br />

x∈U<br />

q1<br />

(x1, x2)<br />

x1<br />

Qx<br />

r1<br />

Rx<br />

Figura 1.6.4: Os rectângulos Qx e Rx.<br />

Os rectângulos Qx são limitados e abertos e a classe U = {Qx : x ∈ U} ⊆<br />

Q(R N ). Como Q(R N ) é numerável, a classe U só po<strong>de</strong> ser numerável.<br />

Do nosso ponto <strong>de</strong> vista nesta secção e nos termos da <strong>de</strong>finição 1.6.9, concluímos<br />

que cN(U) está <strong>de</strong>finida para qualquer conjunto aberto U ⊆ R N .<br />

b1


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 83<br />

Além disso, e <strong>de</strong> acordo com as condições a) e c) no enunciado do “Problema<br />

<strong>de</strong> Borel”, resulta que qualquer solução MN <strong>de</strong>ste problema contém<br />

necessariamente todos os conjuntos abertos e todos os conjuntos fechados.<br />

É muito interessante notar que o argumento usado para <strong>de</strong>monstrar<br />

1.6.17 é igualmente válido se substituirmos os intervalos abertos <strong>de</strong> extremos<br />

racionais ]q,r[ pelos correspon<strong>de</strong>ntes intervalos fechados, e portanto compactos,<br />

[q,r]. O próximo teorema indica esta e outras proprieda<strong>de</strong>s análogas,<br />

a <strong>de</strong>monstrar nos exercícios <strong>de</strong>sta secção.<br />

Teorema 1.6.18. Seja U ⊆ R N um aberto. Então,<br />

a) U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos compactos( 51 ).<br />

b) U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos limitados disjuntos.<br />

c) Se N = 1, então U é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos<br />

disjuntos( 52 ).<br />

O próximo exemplo, que chamamos <strong>de</strong> função <strong>de</strong> Volterra, é análogo ao<br />

que vimos em 1.5.6, porque é uma função diferenciável em toda a parte cuja<br />

<strong>de</strong>rivada não é Riemann-integrável. Mais uma vez, a regra <strong>de</strong> Barrow não é<br />

aplicável a f = F ′ porque o integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f não existe, apesar <strong>de</strong><br />

f ter uma primitiva. A função <strong>de</strong> Volterra é particularmente interessante<br />

porque F ′ é limitada, o que sugere que o facto <strong>de</strong> F ′ não ser integrável não<br />

reflecte uma dificulda<strong>de</strong> “natural” como a do exemplo 1.5.6, mas reflecte em<br />

vez disso uma <strong>de</strong>ficiência da própria <strong>de</strong>finição do integral <strong>de</strong> Riemann( 53 ).<br />

Exemplo 1.6.19.<br />

a função <strong>de</strong> volterra - Consi<strong>de</strong>ramos primeiro a função f <strong>de</strong>finida por<br />

f(x) =<br />

<br />

2 1 x sen( x<br />

), se x = 0,<br />

0, se x = 0.<br />

A função f é diferenciável em R e a sua <strong>de</strong>rivada é<br />

f ′ <br />

1 1<br />

2xsen(<br />

(x) =<br />

x ) − cos( x ), se x = 0,<br />

0, se x = 0.<br />

Por razões evi<strong>de</strong>ntes, f ′ não é contínua em 0, on<strong>de</strong> a respectiva oscilação é 2.<br />

No entanto, f ′ é limitada em qualquer intervalo limitado.<br />

51 As uniões numeráveis <strong>de</strong> conjuntos compactos dizem-se conjuntos σ-compactos.<br />

52 Este é o resultado <strong>de</strong>scoberto por Cantor em 1883. Note (exercício 7) que esta <strong>de</strong>composição<br />

em intervalos abertos disjuntos é única.<br />

53 O próprio Henri Lebesgue consi<strong>de</strong>rava este exemplo como uma das suas mais importantes<br />

motivações na busca <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> integração mais geral do que a <strong>de</strong> Riemann.<br />

Como veremos mais adiante, a regra <strong>de</strong> Barrow é válida para a função <strong>de</strong> Volterra na<br />

teoria da integração <strong>de</strong> Lebesgue. Veja-se aliás no exercício 15 <strong>de</strong>sta secção que a região<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> F ′ é σ-elementar e o gráfico <strong>de</strong> F é rectificável.


84 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Dado a > 0, po<strong>de</strong>mos facilmente adaptar esta <strong>de</strong>finição para obter uma função<br />

g : R → R, nula fora do intervalo ]0, a[, diferenciável em R, com <strong>de</strong>rivada<br />

limitada, mas <strong>de</strong>scontínua nos pontos x = 0 e x = a, on<strong>de</strong> ωg ′(0) = ωg ′(a) = 2.<br />

Para isso, escolhemos um ponto 0 < b < a/2 tal que f ′ (b) = 0 e tomamos<br />

⎧<br />

⎪⎨<br />

f(x), se 0 < x < b,<br />

f(b), se b ≤ x ≤ c = a − b,<br />

g(x) =<br />

⎪⎩<br />

f(a − x), se c < x < a,<br />

0, se x ∈ ]0, a[.<br />

g é diferenciável em R mas g ′ é <strong>de</strong>scontínua tanto em x = 0 como x = a, on<strong>de</strong><br />

tem oscilação igual a 2.<br />

f(b)<br />

b<br />

c<br />

a<br />

Figura 1.6.5: Os gráfico <strong>de</strong> g e g ′ .<br />

Designamos por U = I\Cε(I) o complementar do conjunto <strong>de</strong> Volterra no inter-<br />

valo I e recordamos que U = ∞<br />

n=1 ]an, bn[ é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos<br />

abertos disjuntos, obviamente limitados. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> g po<strong>de</strong> ser modificada<br />

para obter uma função gn nula fora do intervalo ]an, bn[, diferenciável em R,<br />

com <strong>de</strong>rivada limitada, mas <strong>de</strong>scontínua nos pontos x = an e x = bn, on<strong>de</strong> a<br />

oscilação é 2. A função <strong>de</strong> volterra F é então dada por:<br />

F(x) =<br />

∞<br />

gn(x).<br />

n=1<br />

Deixamos para o exercício 15 mostrar que<br />

• F é diferenciável em R, com F ′ (x) = 0 quando x ∈ U, e<br />

• F ′ é <strong>de</strong>scontínua em todos os pontos <strong>de</strong> Cε(I) e por isso não é Riemannintegrável<br />

em I quando ε > 0.<br />

No entanto, e em última análise, este exemplo apenas ilustra novamente<br />

a fragilida<strong>de</strong> da integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Riemann em relação a operações <strong>de</strong> passagem<br />

ao limite. Afinal <strong>de</strong> contas, F ′ é o limite pontual <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong><br />

b<br />

c<br />

a


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 85<br />

funções Riemann-integráveis, porque<br />

F ′ F(x + h) − F(x)<br />

(x) = lim<br />

= lim<br />

h→0 h n→∞<br />

F(x + 1)<br />

− F(x)<br />

n<br />

1<br />

n<br />

= lim<br />

n→∞ gn(x), on<strong>de</strong> gn(x) = n(F(x + 1<br />

) − F(x)).<br />

n<br />

As funções gn são Riemann-integráveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que F o seja, mas daqui não<br />

po<strong>de</strong>mos concluir a integrabilida<strong>de</strong> da função limite F ′ , como bem sabemos.<br />

Observamos ainda, para posterior referência, que a proposição 1.3.12 se<br />

generaliza sem dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior às classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ):<br />

Lema 1.6.20. Se U ∈ Jσ(R N ) e V ∈ Jσ(R M ), então<br />

a) Fecho em relação ao produto: U × V ∈ Jσ(R N+M ) e<br />

cN+M(U × V ) = cN(U)cM(V ).<br />

b) Invariância sob translacções: Se x ∈ R N então U + x ∈ Jσ(R N ) e<br />

cN(U + x) = cN(U),<br />

c) Invariância sob reflexões: Se W é uma reflexão <strong>de</strong> U num dos hiperplanos<br />

xk = 0, então W ∈ Jσ(R N ) e cN(W) = cN(U).<br />

Estas afirmações são igualmente verda<strong>de</strong>iras substituindo Jσ(R N ), Jσ(R M )<br />

e Jσ(R N+M ) respectivamente por Eσ(R N ), Eσ(R M ) e Eσ(R N+M ).<br />

Demonstração. As afirmações b) e c) são consequências imediatas <strong>de</strong> 1.3.12.<br />

Para provar a), supomos que<br />

U =<br />

∞<br />

Un e V =<br />

n=1<br />

∞<br />

m=1<br />

on<strong>de</strong> os conjuntos Un ∈ J (RN ) e Vm ∈ J (RM ) formam partições, respectivamente,<br />

<strong>de</strong> U e <strong>de</strong> V . É evi<strong>de</strong>nte que<br />

U × V =<br />

∞<br />

e segue-se <strong>de</strong> 1.3.12 que<br />

n=1<br />

Un<br />

<br />

×<br />

∞<br />

m=1<br />

Vm<br />

<br />

=<br />

Vm,<br />

∞<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

Un × Vm,<br />

Un × Vm ∈ J (R N+M ) e cN+M(Un × Vm) = cN(Un)cM(Vm).


86 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann<br />

Concluímos que U × V ∈ Jσ(R N+M ). Como os conjuntos Un × Vm formam<br />

uma partição <strong>de</strong> U × V , temos<br />

cN+M(U × V ) =<br />

=<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

∞<br />

cN+M(Un × Vm) =<br />

∞<br />

cN(Un)<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

∞<br />

cM(Vm) = cN(U)cM(V ).<br />

m=1<br />

∞<br />

cN(Un)cM(Vm) =<br />

A adaptação <strong>de</strong>stes argumentos a conjuntos σ-elementares é muito simples.<br />

Exercícios.<br />

1. Seja C uma classe <strong>de</strong> conjuntos tal que ∅ ∈ C e λ : C → [0, +∞] uma função<br />

σ-aditiva em C.<br />

a) Mostre que λ(∅) = 0, ou λ é i<strong>de</strong>nticamente +∞.<br />

b) Prove que λ é aditiva.<br />

2. Seja S uma semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos e λ : S → [0, +∞] uma função aditiva.<br />

Mostre que λ é σ-aditiva se e só se λ é σ-subaditiva.<br />

3. Prove que qualquer conjunto numerável tem conteúdo nulo.<br />

4. Mostre que E ∈ Jσ(R N ) é nulo no sentido <strong>de</strong> Borel se e só se cN(E) = 0.<br />

5. Suponha que 0 ≤ anm ≤ ∞ para quaisquer n, m ∈ N e prove que<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

=<br />

<br />

.<br />

n=1<br />

m=1<br />

anm<br />

m=1<br />

n=1<br />

anm<br />

6. Sendo R ⊆ R N e f : R → R Riemann-integrável em R, mostre que o integral<br />

in<strong>de</strong>finido λ <strong>de</strong> f é σ-aditivo em Jf(R). (teorema 1.6.7).<br />

7. Demonstre o teorema 1.6.18. sugestão: No caso <strong>de</strong> c) e dado x ∈ U, seja Ix<br />

a união <strong>de</strong> todos os intervalos abertos abertos V tais que x ∈ V ⊆ U. Mostre<br />

que os conjuntos Ix formam uma família <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos, que<br />

só po<strong>de</strong> ser numerável. Mostre em particular que a <strong>de</strong>composição referida em<br />

c) é única.<br />

8. Prove que, se E ∈ J (R), então E tem subconjuntos que não são Jordanmensuráveis<br />

se e só se c(E) > 0. sugestão: Mostre que qualquer intervalo<br />

aberto não-vazio contém subconjuntos que não são Jordan-mensuráveis.<br />

9. Prove que se E ∈ Jσ(R N ) então cN(E) = 0 se e só se int(E) = ∅. Mostre<br />

igualmente que se E ∈ Eσ(R), então cN(E) = 0 se e só se E é numerável.


1.6. O Problema <strong>de</strong> Borel 87<br />

10. Mostre que as classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ) são fechadas em relação a intersecções<br />

finitas. Estas classes são fechadas em relação a intersecções numeráveis?<br />

11. Verifique que cN é monótona, aditiva e subaditiva em Jσ(R N ).<br />

12. Suponha que E ∈ Jσ(R N ) é limitado e prove que c N (E) ≤ cN(E) ≤ cN(E).<br />

13. Determine o cardinal da classe dos abertos em R N . ( 54 )<br />

14. Consi<strong>de</strong>re o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) (exemplo 1.6.15).<br />

a) O conjunto Fn é elementar e é formado por 2 n intervalos. Sendo J um<br />

<strong>de</strong>sses 2 n subintervalos, mostre que J ∩ Cε(I) = Cδ(J), on<strong>de</strong> δ é um<br />

parâmetro que <strong>de</strong>ve calcular. Conclua em particular que J\Cε(I) é σelementar<br />

e calcule o seu conteúdo.<br />

b) Mostre que Cε(I) é perfeito não-numerável e tem interior vazio.<br />

c) Calcule c(Cε(I)), c(Cε(I)), c(Uε(I)) e c(Uε(I)).<br />

15. Verifique as afirmações feitas no texto a propósito da função <strong>de</strong> Volterra.<br />

Em particular, mostre que<br />

a) g é diferenciável em R e g ′ é limitada em R, com oscilação 2 em 0 e a.<br />

b) F é diferenciável em R, com F ′ limitada em R e F ′ (x) = 0 para x ∈ U.<br />

sugestão: Suponha que x ∈ U e estabeleça a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> seguinte:<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

F(x + h) − F(x) <br />

<br />

h ≤ |h|.<br />

c) O gráfico <strong>de</strong> F é rectificável em [0, 1].<br />

d) F ′ é <strong>de</strong>scontínua em Cε(I). sugestão: Recor<strong>de</strong> que qualquer ponto <strong>de</strong><br />

Cε(I) é limite <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> pontos fronteira dos Fn.<br />

e) F ′ não é Riemann-integrável, i.e., a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas não é Jordanmensurável,<br />

mas é um conjunto σ-elementar limitado. Como <strong>de</strong>finiria e<br />

calcularia o integral <strong>de</strong> F ′ em I?<br />

16. Consi<strong>de</strong>re a função f <strong>de</strong>finida tal como a “escada do diabo”, mas utilizando<br />

o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) com ε > 0 em vez do conjunto <strong>de</strong> Cantor C0(I).<br />

Calcule o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no intervalo I = [0, 1]. Po<strong>de</strong> existir<br />

alguma função Riemann-integrável g que satisfaça f ′ (x) = g(x) qtp em I?<br />

Quais são os possíveis valores <strong>de</strong> f ′ (x) nos pontos on<strong>de</strong> esta <strong>de</strong>rivada exista?<br />

17. O conjunto U do exemplo 1.6.8 é Jordan-mensurável quando ε = 1<br />

2 ?<br />

18. Seja U ainda o aberto referido no exemplo 1.6.8 e F a função <strong>de</strong> Volterra<br />

nula fora <strong>de</strong> U. O que po<strong>de</strong> concluir sobre a integrabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> F ′ ?<br />

54 Usamos as seguintes <strong>de</strong>signações para cardinais infinitos: ℵ0 é o cardinal <strong>de</strong> N, ℵ1 é o<br />

cardinal <strong>de</strong> R, ℵ2 é o cardinal <strong>de</strong> P(R), ℵ3 é o cardinal <strong>de</strong> P(P(R)), etc.


88 Capítulo 1. Integrais <strong>de</strong> Riemann


Capítulo 2<br />

A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

As dificulda<strong>de</strong>s técnicas associadas ao integral <strong>de</strong> Riemann, algumas das<br />

quais temos vindo a apontar, eram bem conhecidas no final do século XIX,<br />

mas certamente prevalecia a opinião que eram inevitáveis, e inultrapassáveis.<br />

Apenas um grupo restrito <strong>de</strong> jovens matemáticos( 1 ) parece ter-se apercebido,<br />

por volta <strong>de</strong> 1900, que era possível e <strong>de</strong>sejável alargar a classe das funções<br />

às quais atribuímos um integral, e que <strong>de</strong>ssa forma se podiam ultrapassar<br />

algumas das limitações do integral <strong>de</strong> Riemann. Por um lado, os trabalhos<br />

<strong>de</strong> Jordan e Peano tinham revelado que este problema se reduz ao<br />

<strong>de</strong> alargar a classe <strong>de</strong> conjuntos aos quais atribuímos um conteúdo. Por<br />

outro lado, e como vimos, Borel tinha <strong>de</strong>scoberto que certos conjuntos que<br />

não são Jordan-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser “medidos” usando partições infinitas<br />

numeráveis em rectângulos, e tinha igualmente i<strong>de</strong>ntificado com muito rigor<br />

e clareza o que ele próprio consi<strong>de</strong>rava como as “proprieda<strong>de</strong>s essenciais” a<br />

satisfazer por qualquer possível extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />

Em 1902, o então jovem professor <strong>de</strong> liceu Henri Léon Lebesgue apresentou<br />

a sua própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis e <strong>de</strong> medida, numa<br />

excepcional tese <strong>de</strong> doutoramento, com o título “Integral, área, volume”,<br />

que submeteu à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Nancy. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lebesgue combinava<br />

<strong>de</strong> forma muito natural o trabalho <strong>de</strong> Jordan com o <strong>de</strong> Borel, retomando<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aproximação usada por Jordan, mas substituindo os conjuntos<br />

elementares pelos conjuntos σ-elementares, cuja medida Lebesgue calculava<br />

pela técnica <strong>de</strong> Borel. Os conjuntos mensuráveis “no sentido <strong>de</strong> Lebesgue”<br />

dizem-se conjuntos <strong>de</strong> Lebesgue, ou conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />

e formam a classe L(R N ), que inclui a classe J (R N ). A medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

<strong>de</strong>signa-se “mN”, ou apenas “m”, é uma função mN : L(R N ) → [0, ∞],<br />

e é uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan cN.<br />

1 Além <strong>de</strong> Henri Leon Lebesgue, 1875-1941, formado em 1897 pela École Normale<br />

Supérieure, don<strong>de</strong> conhecia Borel, pelo menos o matemático italiano Giuseppe Vitali,<br />

1875-1941, na altura assistente na Scuola Normale <strong>de</strong> Pisa, e o matemático inglês William<br />

Henry Young, 1863-1942, então em Göttingen.<br />

89


90 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Em 1913, Radon( 2 ) <strong>de</strong>u um passo <strong>de</strong>cisivo no caminho da generalização<br />

crescente, ao aperceber-se que a medida <strong>de</strong> Lebesgue é apenas um exemplo<br />

<strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> objecto matemático que hoje tem o nome genérico <strong>de</strong> medida,<br />

e que qualquer medida po<strong>de</strong> ser utilizada para <strong>de</strong>finir integrais <strong>de</strong> funções.<br />

Na realida<strong>de</strong>, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Borel, Lebesgue e Radon, acompanharam, e frequentemente<br />

prece<strong>de</strong>ram, a vaga <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> abstracção que começou a<br />

varrer os mais diversos domínios da Matemática no início do século XX, e<br />

rapidamente conduziram à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma base axiomática apropriada<br />

para a chamada Teoria da <strong>Medida</strong>.<br />

Na teoria axiomática da medida, os conjuntos mensuráveis são, simplesmente,<br />

elementos <strong>de</strong> álgebras <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> um tipo especial, ditas<br />

σ-álgebras, das quais a classe L(R N ), <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue, é apenas<br />

um exemplo, se bem que <strong>de</strong> importância capital. As medidas são funções<br />

aditivas <strong>de</strong>finidas em σ-álgebras, mas para as quais a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aditivida<strong>de</strong><br />

é ainda válida para partições numeráveis.<br />

O principal objectivo <strong>de</strong>ste Capítulo é a <strong>de</strong>finição da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

propriamente dita, e a i<strong>de</strong>ntificação das suas proprieda<strong>de</strong>s mais relevantes.<br />

Aqui introduzimos também a base axiomática da Teoria da <strong>Medida</strong>, uma<br />

das mais importantes ferramentas <strong>de</strong> trabalho em todo este texto, e que em<br />

muitos aspectos simplifica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o nosso estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

2.1 Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s<br />

Esta secção apresenta algumas das i<strong>de</strong>ias mais básicas da Teoria da <strong>Medida</strong>,<br />

todas relacionadas com a noção <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>, e em gran<strong>de</strong> parte sugeridas<br />

pelo enunciado do “Problema <strong>de</strong> Borel”. A primeira <strong>de</strong>finição que<br />

apresentamos resume-se aliás a abstrair a condição (c) <strong>de</strong>sse problema:<br />

Definição 2.1.1 (σ-Álgebra). Seja M uma classe <strong>de</strong> subconjuntos em X.<br />

Dizemos que M é uma σ-álgebra (em X) se e só se M é uma álgebra <strong>de</strong><br />

conjuntos fechada em relação a uniões numeráveis, i.e.,<br />

Exemplos 2.1.2.<br />

E1,E2, · · · ,En, · · · ∈ M =⇒ E =<br />

∞<br />

En ∈ M.<br />

1. Nesta terminologia, a condição c) do Problema <strong>de</strong> Borel po<strong>de</strong> enunciar-se:<br />

“MN é uma σ-álgebra em R N ”.<br />

2. Sendo I = [0, 1], a classe J (I) é uma álgebra, mas o conjunto <strong>de</strong> Dirichlet<br />

D = Q ∩ I mostra que J (I) não é fechada em relação a uniões numeráveis, e<br />

portanto não é uma σ-álgebra.<br />

2 Johann Radon (1887-1956), matemático austríaco. Foi professor em diversas universida<strong>de</strong>s<br />

alemãs, e terminou a sua carreira na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Viena, on<strong>de</strong> se tinha<br />

doutorado em 1910.<br />

n=1


2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 91<br />

3. A classe Jσ(R N ) é fechada em relação a uniões numeráveis, mas não é uma<br />

σ-álgebra, porque não é uma semi-álgebra.<br />

4. Qualquer semi-álgebra em RN que contenha os rectângulos limitadas e seja<br />

fechada em relação a uniões numeráveis contém necessariamente o próprio<br />

conjunto RN . É por isso uma álgebra e uma σ-álgebra.<br />

5. De acordo com o teorema <strong>de</strong> Cantor (1.6.17), qualquer σ-álgebra em R N<br />

que contenha os rectângulos limitadas contém todos os conjuntos abertos e<br />

portanto todos os conjuntos fechados.<br />

6. Sendo X um qualquer conjunto, a classe <strong>de</strong> todos os subconjuntos <strong>de</strong><br />

X, <strong>de</strong>signada P(X), é, por razões óbvias, a maior σ-álgebra em X. A classe<br />

{∅, X} é a menor σ-álgebra em X.<br />

A <strong>de</strong>finição 2.1.1 é complementada pela seguinte:<br />

Definição 2.1.3 (Espaço Mensurável, Conjuntos Mensuráveis). Um espaço<br />

mensurável é um par (X, M), on<strong>de</strong> M é uma σ-álgebra no conjunto X.<br />

Se E ⊆ X, dizemos que E é M-mensurável se e só se E ∈ M.<br />

Quando a σ-álgebra M é óbvia do contexto da discussão, dizemos apenas<br />

que o conjunto E é “mensurável”, em vez <strong>de</strong> “M-mensurável”. Das<br />

proprieda<strong>de</strong>s seguintes, apenas o fecho em relação a intersecções numeráveis<br />

requer ainda <strong>de</strong>monstração, o que fica como exercício.<br />

Teorema 2.1.4 (Proprieda<strong>de</strong>s Algébricas <strong>de</strong> σ-Álgebras). Se M é uma<br />

σ-álgebra em X, i.e., se (X, M) é um espaço mensurável, temos:<br />

a) ∅, X ∈ M.<br />

b) Fecho em relação à diferença: E, F ∈ M =⇒ E\F ∈ M.<br />

c) Fecho em relação a uniões e intersecções, finitas e numeráveis:<br />

m m ∞ ∞<br />

En ∈ M, ∀n∈N =⇒ En, En, En, En ∈ M.<br />

n=1<br />

O objectivo da teoria da medida é o estudo <strong>de</strong> funções σ-aditivas, <strong>de</strong>finidas<br />

em σ-álgebras, e são estas as funções que chamamos medidas.<br />

Definição 2.1.5 (<strong>Medida</strong>s: Reais, Complexas e Positivas). Supondo que<br />

Y = R, Y = C ou Y = [0,+∞] e (X, M)) é um espaço mensurável, dizemos<br />

que µ é uma medida se e só se µ : M → Y é uma função σ-aditiva com<br />

µ(∅) = 0( 3 ). A medida µ diz-se, respectivamente, real, complexa ou<br />

positiva se Y = R, Y = C ou Y = [0,+∞]. A medida positiva µ é finita<br />

se e só se µ(E) = ∞ para todos os E ∈ M.<br />

3 Esta condição só não se segue automaticamente da σ-aditivida<strong>de</strong> quando Y = [0, +∞],<br />

e nesse caso é equivalente à condição <strong>de</strong> µ não ser constante e igual a +∞.<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1


92 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Observações 2.1.6.<br />

1. As medidas reais não-negativas são as medidas positivas finitas.<br />

2. Se π e ν são medidas positivas finitas, então µ = π − ν é uma medida real.<br />

3. Qualquer medida complexa α é da forma α = µ+iλ, on<strong>de</strong> µ e λ são medidas<br />

reais.<br />

4. Só as medidas positivas po<strong>de</strong>m tomar valores infinitos, e mesmo neste caso<br />

apenas o valor +∞.<br />

As relações entre estes tipos <strong>de</strong> medidas ilustram-se na figura 2.1.1.<br />

Positivas<br />

finitas<br />

Positivas<br />

Reais Complexas<br />

Figura 2.1.1: Tipos <strong>de</strong> medidas.<br />

Demonstraremos mais adiante o chamado Teorema da Decomposição <strong>de</strong><br />

Hahn-Jordan. Este resultado mostra que qualquer medida real µ é da forma<br />

µ = µ + − µ − , on<strong>de</strong> µ + e µ − são medidas positivas finitas. De acordo com<br />

as observações acima e o teorema <strong>de</strong> Hahn-Jordan, as medidas positivas são<br />

naturalmente elementos base da teoria da <strong>Medida</strong>.<br />

Exemplos 2.1.7.<br />

1. A distribuição <strong>de</strong> dirac δ, <strong>de</strong>finida em P(R) por<br />

<br />

1, se 0 ∈ A, e<br />

δ(A) =<br />

0, se 0 ∈ A,<br />

é uma medida em P(R), e diz-se, também, a medida <strong>de</strong> dirac. Conforme referimos<br />

no exemplo 1, é frequentemente utilizada para representar a distribuição<br />

<strong>de</strong> massa associada a um único ponto material, <strong>de</strong> massa unitária, colocado<br />

na origem. Mais geralmente, se X é um conjunto e x0 ∈ X, a distribuição <strong>de</strong><br />

Dirac (em x0) <strong>de</strong>fine-se por<br />

e é uma medida em P(X).<br />

δx0(A) =<br />

1, se x0 ∈ A, e<br />

0, se x0 ∈ A,


2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 93<br />

2. Sendo X um conjunto, o cardinal é uma medida em P(X). O cardinal<br />

é uma medida positiva, que é finita se e só se o conjunto X é finito. Diz-se,<br />

frequentemente, a medida <strong>de</strong> contagem, e é aqui <strong>de</strong>signada por “#”.<br />

3. Uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> π no conjunto X = ∅ é, simplesmente,<br />

uma medida positiva satisfazendo a condição π(X) = 1. Em certo sentido, é<br />

legítimo dizer que a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s não passa <strong>de</strong> um subcapítulo da<br />

Teoria da <strong>Medida</strong>! Um dos exemplos mais simples <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />

resulta <strong>de</strong> tomar π(E) = #(E)/#(X), para qualquer E ∈ P(X), on<strong>de</strong> X é<br />

um conjunto finito. Neste caso, os diversos elementos <strong>de</strong> X correspon<strong>de</strong>m a<br />

acontecimentos igualmente prováveis, o que é o mo<strong>de</strong>lo mais comum no estudo<br />

<strong>de</strong> muitas questões elementares sobre, por exemplo, jogos <strong>de</strong> azar com cartas<br />

e dados. A própria medida <strong>de</strong> Dirac é um exemplo trivial <strong>de</strong> medida <strong>de</strong><br />

probabilida<strong>de</strong>.<br />

4. O usual pente <strong>de</strong> Dirac em R é a medida positiva π(E) = #(E ∩ Z).<br />

Definição 2.1.8 (Espaço <strong>de</strong> <strong>Medida</strong>). Um espaço <strong>de</strong> medida é um terno<br />

(X, M,µ), on<strong>de</strong> (X, M) é um espaço mensurável e µ é uma medida positiva<br />

<strong>de</strong>finida em M.<br />

Exemplos 2.1.9.<br />

1. (R, P(R), δ) é um espaço <strong>de</strong> medida.<br />

2. O espaço da medida <strong>de</strong> contagem em N é (N, P(N), #).<br />

3. Um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> é um espaço <strong>de</strong> medida (X, M, µ) em que<br />

µ(X) = 1, ou seja, em que µ é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Neste caso, é<br />

tradicional dizer que os conjuntos mensuráveis, i.e., os conjuntos E ∈ M, são<br />

os acontecimentos.<br />

Utilizaremos, no que se segue, a seguinte terminologia:<br />

Definição 2.1.10 (Espaço <strong>de</strong> <strong>Medida</strong> Finito, σ-Finito). O espaço <strong>de</strong> medida<br />

(X, M,µ) diz-se finito se e só se µ é finita. Diz-se σ-finito, se e só se<br />

existem conjuntos Xn ∈ M, tais que<br />

µ(Xn) < ∞ e X =<br />

∞<br />

Xn.<br />

n=1<br />

Dizemos também neste último caso que a medida µ é σ-finita.<br />

Exemplos 2.1.11.<br />

1. Qualquer espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s é um espaço <strong>de</strong> medida finito, porque,<br />

neste caso, µ(X) = 1.<br />

2. O espaço (N, P(N), #) da medida <strong>de</strong> contagem em N é σ-finito mas não é<br />

finito. Sendo Xn = {1, 2, · · · , n}, é claro que #(N) = +∞, #(Xn) < +∞ e<br />

N = ∞<br />

n=1 Xn.


94 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

3. O pente <strong>de</strong> Dirac (exemplo 2.1.7.4) é uma medida σ-finita que não é finita.<br />

4. O espaço da medida <strong>de</strong> contagem (X, P(X), #), em qualquer conjunto X<br />

infinito não-numerável, não é σ-finito. Basta notar que, se os conjuntos Xn ⊆<br />

X têm medida finita, i.e., se são conjuntos finitos, então o conjunto ∪ ∞ n=1 Xn é<br />

finito, ou infinito numerável, e portanto X = ∪ ∞ n=1 Xn.<br />

Os próximos teoremas indicam proprieda<strong>de</strong>s válidas para qualquer medida,<br />

que utilizaremos quase constantemente no que se segue. Começamos<br />

por resumir alguns dos resultados elementares que já apresentámos até aqui.<br />

Teorema 2.1.12. Seja µ uma medida <strong>de</strong>finida na σ-álgebra M em X. Se<br />

os conjuntos E,F,E1,E2, · · · ,En, · · · são M-mensuráveis, temos:<br />

a) µ(∅) = 0.<br />

b) Aditivida<strong>de</strong> e σ-aditivida<strong>de</strong>: Se os conjuntos En são disjuntos,<br />

m<br />

µ( En) =<br />

n=1<br />

m<br />

∞<br />

µ(En) e µ( En) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(En).<br />

Se µ é não-negativa, i.e., se µ é uma medida positiva, temos ainda:<br />

c) Monotonia: E ⊆ F =⇒ µ(E) ≤ µ(F).<br />

d) Subaditivida<strong>de</strong> e σ-subaditivida<strong>de</strong>:<br />

m<br />

µ( En) ≤<br />

n=1<br />

m<br />

∞<br />

µ(En) e µ( En) ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(En).<br />

Recordamos que o conjunto R = [−∞,+∞] se diz a “recta acabada”,<br />

e escrevemos analogamente R + = [0,+∞]. Qualquer sucessão monótona em<br />

R converge para algum α ∈ R, e introduzimos aqui as seguintes convenções:<br />

• Se a sucessão <strong>de</strong> termo geral xn é crescente, então α = supxn, e<br />

escrevemos “xn ր α”.<br />

• Quando a sucessão é <strong>de</strong>crescente, α = inf xn, e escrevemos “xn ց α”.<br />

n=1<br />

Se os conjuntos En formam uma sucessão crescente, escrevemos<br />

En ր E, on<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> que E =<br />

∞<br />

En.<br />

n=1<br />

Se os conjuntos En formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, escrevemos<br />

En ց E, on<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong> que E =<br />

∞<br />

En.<br />

n=1


2.1. Espaços Mensuráveis e <strong>Medida</strong>s 95<br />

Se os conjuntos En são M-mensuráveis e formam uma sucessão crescente,<br />

é possível usar indirectamente a σ-aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> µ para calcular a medida<br />

do conjunto ∪ ∞ n=1 En.<br />

Teorema 2.1.13 (da Convergência Monótona <strong>de</strong> Lebesgue). Se os conjuntos<br />

En ∈ M e En ր E, então E ∈ M e µ(En) → µ(E).<br />

Demonstração. Sendo Fk+1 = Ek+1\Ek e F1 = E1, notamos que os conjuntos<br />

Fk são disjuntos e verificam<br />

En =<br />

n<br />

Fk e E =<br />

k=1<br />

∞<br />

n=1<br />

En =<br />

∞<br />

Fk.<br />

Como os conjuntos Fk são disjuntos e µ é aditiva e σ-aditiva, temos<br />

µ(En) = µ(<br />

n<br />

Fk) =<br />

k=1<br />

k=1<br />

n<br />

∞<br />

µ(Fk) e µ(E) = µ( Fk) =<br />

k=1<br />

É portanto óbvio que µ(En) → µ(E).<br />

k=1<br />

∞<br />

µ(Fk).<br />

k=1<br />

Se os conjuntos En formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, temos<br />

Teorema 2.1.14. Se os conjuntos En ∈ M e En ց E, então E ∈ M. Se,<br />

além disso, µ(E1) = +∞, então µ(En) → µ(E).<br />

Demonstração. Os conjuntos Fn = E1\En são M-mensuráveis e formam<br />

uma sucessão crescente. Portanto,<br />

Por outro lado,<br />

∞<br />

∞<br />

µ(Fn) → µ( Fn), ou seja, µ(E1\En) → µ( (E1\En)).<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

∞<br />

∞<br />

(E1\En) = E1\ En =⇒ µ(E1\En) → µ(E1\ En).<br />

Dado que En ⊆ E1 e ∩ ∞ n=1 En ⊆ E1, se todos os conjuntos em causa têm<br />

medida finita, é claro que<br />

∞<br />

∞<br />

µ(En) = µ(E1) − µ(E1\En) e µ( En) = µ(E1) − µ(E1\ En).<br />

n=1<br />

∞<br />

Obtemos imediatamente que µ(En) → µ( En).<br />

A hipótese adicional µ(E1) = +∞, referida no teorema anterior, só não<br />

é automaticamente satisfeita quando µ é uma medida positiva. O exemplo<br />

seguinte mostra que, neste caso, a hipótese é indispensável.<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1


96 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exemplo 2.1.15.<br />

Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos En = {k ∈ N : k ≥ n} no espaço <strong>de</strong> medida (<strong>de</strong><br />

contagem) (N, P(N), #). É claro que<br />

En ց<br />

Exercícios.<br />

∞<br />

En = ∅ mas #(En) = +∞ não converge para #(∅) = 0.<br />

n=1<br />

1. Seja X um conjunto infinito. Diga, para cada um dos exemplos seguintes,<br />

se a função <strong>de</strong> conjuntos em causa µ : P(X) → [0, +∞] é aditiva, subaditiva,<br />

σ-aditiva, σ-subaditiva.<br />

a) µ(E) = 0, se E é finito, com µ(E) = 1, se E é infinito,<br />

b) µ(E) = 0, se E é finito, com µ(E) = +∞, se E é infinito.<br />

2. Suponha que M é uma σ-álgebra em X e E1, E2, · · · , En, · · · são conjuntos<br />

em M. Prove que E = ∩ ∞ n=1 En pertence igualmente a M (Teorema 2.1.4).<br />

3. Suponha que µ é uma medida <strong>de</strong>finida na σ-álgebra M e E é M-mensurável.<br />

Prove que a função λ <strong>de</strong>finida por λ(F) = µ(F ∩E) é igualmente uma medida.<br />

4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a função µ : P(X) → [0, +∞]<br />

dada é uma medida na σ-álgebra P(X).<br />

a) A medida <strong>de</strong> contagem #.<br />

b) a medida <strong>de</strong> Dirac δx0, on<strong>de</strong> x0 ∈ X.<br />

5. Suponha que (X, M) é um espaço mensurável e µ é uma medida complexa<br />

<strong>de</strong>finida em M. Prove que<br />

a) Existem medidas reais α e β tais que µ = α + iβ.<br />

b) µ(∅) = 0.<br />

c) µ é aditiva.<br />

6. Suponha que, para cada n ∈ N, µn : Mn → [0, +∞] é uma medida positiva<br />

na σ-álgebra Mn em X. Consi<strong>de</strong>re<br />

∞<br />

∞<br />

M = Mn e µ : M → [0, +∞] dada por µ(E) = µn(E), para E ∈ M.<br />

n=1<br />

Prove que M é uma σ-álgebra em X e µ é uma medida positiva em M.<br />

7. (O Lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli)( 4 ): Seja (X, M, µ) um espaço <strong>de</strong> medida.<br />

Suponha que os conjuntos En são M-mensuráveis e ∞<br />

n=1 µ(En) < ∞. Sendo<br />

4 De Borel, e Francesco Paolo Cantelli, 1875-1966, matemático italiano, professor na<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Roma.<br />

n=1


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 97<br />

E o conjunto dos x ∈ X que pertencem a um número infinito <strong>de</strong> conjuntos<br />

En’s, prove que E ∈ M e µ(E) = 0. Sugestão: Prove primeiro que<br />

E =<br />

∞<br />

n=1 k=n<br />

∞<br />

Ek.<br />

8. Existe alguma σ-álgebra infinita numerável? Sugestão: Comece por provar<br />

que qualquer σ-álgebra infinita contém uma família infinita <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />

disjuntos.<br />

2.2 A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Passamos a <strong>de</strong>screver a solução do Problema <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue,<br />

que envolve:<br />

• A classe L(R N ), dos conjuntos ditos Lebesgue-mensuráveis, e<br />

• A medida <strong>de</strong> Lebesgue mN, que é uma função mN : L(R N ) → [0,+∞].<br />

Notamos primeiro que qualquer solução (MN,κN) do Problema <strong>de</strong> Borel é<br />

uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan tal como o <strong>de</strong>finimos em 1.6.9 para<br />

a classe dos conjuntos σ-elementares:<br />

• Por um lado, como MN é uma σ-álgebra que contém os conjuntos<br />

elementares, temos necessariamente Eσ(R N ) ⊂ MN.<br />

• Por outro lado, se E ∈ Eσ(R N ), existem conjuntos elementares disjuntos<br />

En tais que E = ∞<br />

n=1 En, don<strong>de</strong><br />

κN(E) =<br />

∞<br />

κN(En) =<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(En) = cN(E).<br />

Como R N é σ-elementar, é também claro que qualquer subconjunto <strong>de</strong> R N<br />

po<strong>de</strong> ser aproximado por excesso por conjuntos σ-elementares, i.e.,<br />

n=1<br />

Se E ⊆ R N , existe U ∈ Eσ(R N ) tal que E ⊆ U.<br />

Se κN(E) é uma qualquer solução do Problema <strong>de</strong> Borel, temos então, por<br />

monotonia,<br />

κN(E) ≤ κN(U) = cN(U).<br />

Concluímos que cN(U) é uma aproximação por excesso <strong>de</strong> κN(E), i.e.,<br />

κN(E) é minorante do conjunto cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .


98 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Como já mencionámos, a próxima <strong>de</strong>finição (<strong>de</strong> Lebesgue) para o que<br />

hoje chamamos <strong>de</strong> medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue resulta da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Jordan<br />

e Peano para o conteúdo exterior pela simples substituição dos conjuntos<br />

elementares pelos conjuntos σ-elementares. Resume-se a observar que a<br />

melhor aproximação por excesso que po<strong>de</strong>mos calcular para κN(E) usando<br />

apenas conjuntos σ-elementares é<br />

inf cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .<br />

Definição 2.2.1 (<strong>Medida</strong> Exterior <strong>de</strong> Lebesgue ). A medida exterior <strong>de</strong><br />

Lebesgue em R N é a função m ∗ N : P(RN ) → [0,+∞], dada por<br />

m ∗ N(E) = inf cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) .<br />

A próxima proposição compara a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue com o<br />

conteúdo interior, exterior, e com a função cN.<br />

Proposição 2.2.2. Se E ⊆ R N , então<br />

a) Se E é limitado, cN(E) ≤ m∗ N (E) ≤ cN(E),<br />

b) Se E ∈ J (RN ), m∗ N (E) = cN(E).<br />

Demonstração. Sendo E limitado, consi<strong>de</strong>ramos os conjuntos<br />

A = {cN(K) : K ⊆ E,K ∈ E(R N )},B = {cN(U) : U ⊇ E,U ∈ E(R N )} e<br />

C = {cN(U) : U ⊇ E,U ∈ Eσ(R N )}.<br />

a) É evi<strong>de</strong>nte que B ⊆ C, e portanto m∗ N (E) = inf C ≤ inf B = cN(E).<br />

Para provar que cN (E) ≤ m∗ N (E), supomos que K ⊆ E ⊆ U, on<strong>de</strong> K é<br />

elementar e U é σ-elementar. Existem conjuntos elementares disjuntos Un<br />

tais que U = ∞ n=1 Un, e segue-se da σ-subaditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cN que<br />

cN(K) ≤<br />

∞<br />

cN(Un) = cN(U), ou seja,<br />

n=1<br />

cN(K) é minorante <strong>de</strong> C, don<strong>de</strong> cN(K) ≤ inf C = m∗ N (E). Temos assim<br />

que m∗ N (E) é majorante <strong>de</strong> A, e concluímos que m∗ N (E) ≥ supA = cN(E). b) É uma consequência evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> a).<br />

Exemplos 2.2.3.<br />

1. O conjunto Q é σ-elementar, e portanto 0 ≤ m ∗ (Q) ≤ c1(Q) = 0, ou seja,<br />

m ∗ (Q) = 0. Note-se que escrevemos m ∗ em vez <strong>de</strong> m ∗ 1.


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 99<br />

2. Sendo D = Q ∩ [0, 1] o exemplo <strong>de</strong> Dirichlet, temos<br />

0 = c(D) = c1(D) = m ∗ (D) < c(D) = 1.<br />

As proprieda<strong>de</strong>s mais essenciais da medida exterior da Lebesgue são as<br />

seguintes, que veremos mais adiante serem a base da <strong>de</strong>finição axiomática<br />

<strong>de</strong> “medida exterior”.<br />

Proposição 2.2.4. Dados E,En,F ⊆ R N , temos:<br />

a) Monotonia: Se E ⊆ F então m ∗ N (E) ≤ m∗ N (F),<br />

b) m∗ N (∅) = 0,<br />

c) σ-subaditivida<strong>de</strong>: E ⊆<br />

∞<br />

En =⇒ m ∗ N(E) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

m ∗ N(En).<br />

Demonstração. As afirmações em a) e b) são muito fáceis <strong>de</strong> verificar. Relativamente<br />

a c), dados conjuntos σ-elementares Un tais que En ⊆ Un, temos<br />

E ⊆<br />

∞<br />

n=1<br />

En ⊆<br />

∞<br />

Un = U.<br />

O conjunto U é σ-elementar, e segue-se <strong>de</strong> 1.6.11 c) (σ-subaditivida<strong>de</strong>) que:<br />

n=1<br />

m ∗ N(E) ≤ cN(U) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

cN(Un).<br />

Como os conjuntos Un são arbitrários, po<strong>de</strong>mos agora concluir que:<br />

Observação 2.2.5.<br />

m ∗ N(E) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

m ∗ N(En).<br />

n=1<br />

A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue coinci<strong>de</strong> com o conteúdo <strong>de</strong> Jordan em Jσ(R N ):<br />

Se E ∈ Jσ(R N ), existem conjuntos disjuntos En ∈ J (R N ) tais que<br />

E =<br />

∞<br />

n=1<br />

Segue-se <strong>de</strong> 2.2.2 que<br />

(1)<br />

∞<br />

n=1<br />

m ∗ N (En) =<br />

En, don<strong>de</strong> m ∗ N (E) ≤<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

m ∗ N (En), <strong>de</strong> 2.2.4.<br />

cN(En) = cN(E), e por isso m ∗ N (E) ≤ cN(E).


100 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Por outro lado, como Fm = m<br />

n=1 En é Jordan-mensurável e Fm ⊆ E, temos<br />

(2) m ∗ N (E) ≥ m∗ N (Fm) = cN(Fm) =<br />

m<br />

∞<br />

cN(En) → cN(En) = cN(E).<br />

n=1<br />

Concluímos <strong>de</strong> (1) e (2) que cN(E) = m ∗ (E).<br />

É por vezes conveniente calcular a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue usando<br />

procedimentos distintos do que optámos por referir em 2.2.1.<br />

Proposição 2.2.6. Dado E ⊆ RN , temos:<br />

m ∗ <br />

∞<br />

∞<br />

<br />

N(E) = inf cN(Rn) : E ⊆ Rn, Rn rectângulo limitado ,<br />

n=1<br />

n=1<br />

inf cN(U) : E ⊆ U ⊆ R N ,U aberto .<br />

Demonstração. Escrevemos para simplificar<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

R = cN(Rn) : E ⊆ Rn, Rn rectângulo limitado ,<br />

n=1<br />

n=1<br />

A = cN(U) : E ⊆ U ⊆ R N , U aberto .<br />

Dados rectângulos limitados Rn tais que E ⊆ ∞ n=1 Rn, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />

existem rectângulos limitados disjuntos ˜ Rn tais que<br />

(1) E ⊆<br />

∞<br />

n=1<br />

Rn =<br />

Ũ =<br />

∞<br />

n=1<br />

˜Rn on<strong>de</strong><br />

∞<br />

n=1<br />

O conjunto Ũ é σ-elementar, e temos assim que<br />

∞<br />

(2) m ∗ N (E) ≤ cN( Ũ) ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

cN( ˜ Rn) = cN( Ũ) ≤<br />

∞<br />

cN(Rn).<br />

n=1<br />

cN(Rn) don<strong>de</strong> m ∗ N (E) ≤ inf R.<br />

Qualquer conjunto σ-elementar U é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos Rn<br />

disjuntos, e como cN(U) = ∞<br />

n=1 cN(Rn) ≥ inf R, segue-se também que<br />

m ∗ N(E) ≥ inf R, ou seja, m ∗ N(E) = inf R.<br />

É fácil verificar que, dado ε > 0, existem rectângulos abertos R ′ n ⊇ Rn tais<br />

que cN(R ′ n\Rn) < ε/2 n . O conjunto V = ∞<br />

n=1 R′ n é aberto e portanto<br />

inf A ≤ cN(V ) ≤<br />

∞<br />

cN(R ′ n) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

<br />

cN(Rn) + ε<br />

2n <br />

Como inf A ≤ cN(U)+ε, concluímos que inf A ≤ m∗ N<br />

para obter inf A ≤ m∗ N<br />

don<strong>de</strong> é óbvio que m∗ N (E) ≤ inf A, e portanto m∗ N<br />

= cN(U) + ε.<br />

(E)+ε, e fazemos ε → 0<br />

(E). Por outro lado, qualquer aberto é σ-elementar,<br />

(E) = inf A.


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 101<br />

Observação 2.2.7.<br />

Segue-se do resultado anterior que E é um conjunto nulo no sentido <strong>de</strong> Borel<br />

se e só se m∗ N (E) = 0.<br />

A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue provi<strong>de</strong>ncia apenas uma aproximação por<br />

excesso da medida <strong>de</strong> Lebesgue. Lebesgue <strong>de</strong>scobriu, igualmente, uma aproximação<br />

por <strong>de</strong>feito apropriada, dita hoje a medida interior <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

e <strong>de</strong>finiu os conjuntos Lebesgue-mensuráveis, imitando Jordan e Peano,<br />

como os conjuntos cujas medidas interior e exterior <strong>de</strong> Lebesgue são iguais.<br />

No entanto, não se <strong>de</strong>ve inferir da relativa facilida<strong>de</strong> com que introduzimos<br />

a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue que a <strong>de</strong>finição da correspon<strong>de</strong>nte medida<br />

interior é imediata, e <strong>de</strong>ixamos para os exercícios 8 e 10 <strong>de</strong>sta secção verificar<br />

que esta questão não é trivial, e a sua solução está longe das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Jordan<br />

e Peano. Preferimos aqui não seguir exactamente o procedimento original<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, e observar que:<br />

Seja qual for a “correcta” <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> medida interior <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

<strong>de</strong>vemos ter, para os conjuntos Lebesgue-mensuráveis, que<br />

mN(E) = m ∗ N (E),<br />

exactamente como temos, para os conjuntos Jordan-mensuráveis, que<br />

cN(E) = cN(E).<br />

De acordo com esta observação, a medida exterior m∗ N <strong>de</strong>ve coincidir<br />

com a medida positiva mN na classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />

L(RN ) e será portanto σ-aditiva em L(RN ). Por outras palavras, a medida<br />

exterior <strong>de</strong> Lebesgue é aditiva na classe L(RN ). Por esta razão, e em vez <strong>de</strong><br />

nos ocuparmos da <strong>de</strong>finição da medida interior <strong>de</strong> Lebesgue, propomo-nos<br />

resolver o seguinte problema:( 5 )<br />

2.2.8 (O Problema “Fácil” <strong>de</strong> Lebesgue). Determinar uma σ-álgebra<br />

MN ⊇ E(R N ) on<strong>de</strong> a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue seja aditiva.<br />

Começamos o nosso estudo <strong>de</strong>talhado do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue<br />

2.2.8 por uma observação muito simples, sugerida pela figura 2.2.1.<br />

5 Recor<strong>de</strong> aliás do exercício 2 da secção 1.6 que a medida exterior, que é σ-subaditiva,<br />

é também σ-aditiva em qualquer semi-álgebra on<strong>de</strong> seja aditiva.


102 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

E<br />

R ∩ E<br />

R\E<br />

Figura 2.2.1: Decomposição do rectângulo R.<br />

Proposição 2.2.9. Se MN é solução do problema 2.2.8 então, para qualquer<br />

E ∈ MN e qualquer rectângulo-N limitado R, temos:<br />

R<br />

cN(R) = m ∗ N(R ∩ E) + m ∗ N(R\E).<br />

Demonstração. Seja MN uma solução do problema 2.2.8. Temos então:<br />

(1) R ∩ E,R\E ∈ MN, porque MN é uma semi-álgebra que contém o<br />

conjunto E e o rectângulo limitado R.<br />

(2) m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ E) + m∗ N (R\E), porque m∗ N é aditiva em MN, os<br />

conjuntos R ∩ E e R\E são disjuntos e R = (R ∩ E) ∪ (R\E).<br />

(3) cN(R) = m∗ N (R) = m∗N (R ∩ E) + m∗N (R\E), <strong>de</strong> acordo com 2.2.2.<br />

A condição referida em 2.2.9 po<strong>de</strong> ser reformulada <strong>de</strong> diversas maneiras,<br />

e é especialmente útil reconhecer que o rectângulo R po<strong>de</strong> ser substituído<br />

por um qualquer subconjunto arbitrário <strong>de</strong> R N . Neste caso, esta reformulação<br />

é uma consequência directa e quase trivial da <strong>de</strong>finição da medida<br />

exterior <strong>de</strong> Lebesgue. No entanto, a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é, como<br />

já mencionámos, apenas um exemplo concreto <strong>de</strong> uma noção mais abstracta<br />

<strong>de</strong> medida exterior e, nesse contexto mais geral, o resultado abaixo sugere<br />

i<strong>de</strong>ias muito úteis para a <strong>de</strong>finição e estudo <strong>de</strong> outras medidas <strong>de</strong> interesse.<br />

Proposição 2.2.10. Se E ⊆ R N as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) cN(R) = m∗ N (R∩E)+m∗ N (R\E), para qualquer rectângulo-N limitado<br />

R.<br />

b) m ∗ N (F) = m∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E), para qualquer F ⊆ RN .


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 103<br />

Demonstração.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que b) ⇒ a) e portanto limitamo-nos a provar<br />

é subaditiva, don<strong>de</strong><br />

que a) ⇒ b). Recordamos que m ∗ N<br />

m ∗ N(F) ≤ m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E).<br />

Por esta razão, temos a provar apenas a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

m ∗ N(F) ≥ m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E).<br />

Consi<strong>de</strong>rem-se rectângulos limitados Rn tais que F ⊆ ∪∞ n=1Rn. É claro que<br />

Como m ∗ N<br />

F ∩ E ⊆<br />

∞<br />

(Rn ∩ E) e F \E ⊆<br />

n=1<br />

é σ-subaditiva, sabemos que<br />

m ∗ N(F ∩ E) ≤<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

(Rn\E).<br />

n=1<br />

m ∗ N(Rn ∩ E) e m ∗ N(F \E) ≤<br />

Adicionando as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s prece<strong>de</strong>ntes, obtemos<br />

m ∗ N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

m ∗ N(Rn\E).<br />

n=1<br />

[m ∗ N (Rn ∩ E) + m ∗ N (Rn\E)].<br />

Por hipótese, temos m ∗ N (Rn ∩ E) + m ∗ N (Rn\E) = cN(Rn). Concluímos que<br />

m ∗ N (F ∩ E) + m∗N (F \E) ≤<br />

∞<br />

cN(Rn).<br />

Segue-se da proposição 2.2.6 que m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) ≤ m∗ N (F).<br />

n=1<br />

As <strong>de</strong>finições fundamentais da teoria <strong>de</strong> Lebesgue são as seguintes:<br />

Definição 2.2.11 (Conjuntos <strong>de</strong> Lebesgue, <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />

E ⊆ R N ,<br />

a) E diz-se Lebesgue-mensurável (em R N ) se e só se( 6 )<br />

m ∗ N(F) = m ∗ N(F ∩ E) + m ∗ N(F \E), para qualquer F ⊆ R N .<br />

b) L(R N ) é a classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis em R N .<br />

6 O trabalho original <strong>de</strong> Lebesgue contemplava conjuntos E ⊆ I, on<strong>de</strong> I é um intervalo<br />

limitado. A medida interior <strong>de</strong> E é neste caso c(I)−m ∗ (I\E), e a igualda<strong>de</strong> entre medida<br />

interior e medida exterior é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> c(I) = m ∗ (E) + m ∗ (I\E), que é claramente um<br />

caso especial da aqui referida. Por outras palavras, a i<strong>de</strong>ia original <strong>de</strong> Lebesgue estava<br />

certamente muito próxima da que aqui optámos por seguir.


104 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

c) A medida <strong>de</strong> Lebesgue mN : L(R N ) → [0, ∞] é a restrição <strong>de</strong> m ∗ N<br />

a L(R N ).<br />

Exemplos 2.2.12.<br />

1. R N é Lebesgue-mensurável: Tomando E = R N na <strong>de</strong>finição 2.2.11, é claro<br />

que F ∩ E = F e F \E = ∅, don<strong>de</strong><br />

m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) = m∗ N (F) + m∗ N (∅) = m∗ N (F).<br />

2. Qualquer conjunto com medida exterior nula é Lebesgue-mensurável: Se F ⊆<br />

RN e m∗ N (E) = 0 e então m∗N (F ∩E) = 0, porque F ∩E ⊆ E e m∗N é monótona.<br />

Temos assim que<br />

Por outro lado, e como m ∗ N<br />

m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) = m∗ N (F \E) ≤ m∗ N (F).<br />

é subaditiva, temos<br />

m ∗ N (F ∩ E) + m∗ N (F \E) ≥ m∗ N (F).<br />

3. O conjunto Q dos racionais é Lebesgue-mensurável: porque tem medida exterior<br />

nula, como vimos no exemplo 2.2.3.<br />

4. Qualquer conjunto Jordan-mensurável é Lebesgue-mensurável: se E ∈ J (R N )<br />

e R é um rectângulo-N limitado então<br />

cN(R) = cN(R ∩ E) + cN(R\E) = m ∗ N(R ∩ E) + m ∗ N(R\E).<br />

5. A classe L(R N ) é fechada relativamente a complementações: porque a condição<br />

em 2.2.11 a) é evi<strong>de</strong>ntemente simétrica em E e E c .<br />

Passamos a mostrar que L(R N ) é solução do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

começando por alguns resultados parciais mais fáceis <strong>de</strong> estabelecer:<br />

Proposição 2.2.13. Sejam A,B ⊆ R N :<br />

a) L(R N ) é uma álgebra.<br />

b) Aditivida<strong>de</strong>:<br />

A ∩ B = ∅ e A ∈ L(R N ) =⇒ m ∗ N (A ∪ B) = m∗ N (A) + m∗ N (B).<br />

c) Em particular, se A1, · · · ,An ∈ L(R N ) são disjuntos então<br />

n<br />

Ak ∈ L(R N ) e m ∗ N (<br />

n<br />

Ak) =<br />

k=1<br />

k=1<br />

n<br />

k=1<br />

m ∗ N (Ak).<br />

Demonstração. Vimos nos exemplos 2.2.12 que R N ∈ L(R N ) e que L(R N )<br />

é fechada relativamente a complementações. Basta-nos por isso provar que<br />

L(R N ) é fechada em relação à intersecção (ver figura 2.2.2).


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 105<br />

A B<br />

R ∩ A\B<br />

A ∩ B<br />

R\A<br />

Figura 2.2.2: R\(A ∩ B) = (R ∩ A\B) ∪ (R\A).<br />

a) Usamos 2.2.11 a) <strong>de</strong> duas formas:<br />

(1) E = A e F = R ⇒ m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ A) + m∗ N (R\A).<br />

(2) E = B e F = R∩A ⇒ m ∗ N (R∩A) = m∗ N (R∩A∩B)+m∗ N (R∩A\B).<br />

Usamos (2) em (1), para obter:<br />

(3) m ∗ N (R) = m∗ N (R ∩ A ∩ B) + m∗ N (R ∩ A\B) + m∗ N (R\A).<br />

Como sugerido na figura 2.2.2, temos R\(A∩B) = (R\A)∪(R∩A\B),<br />

e portanto, como a medida exterior é subaditiva,<br />

(4) m ∗ N (R\(A ∩ B)) ≤ m∗ N (R ∩ A\B) + m∗ N (R\A).<br />

Segue-se agora <strong>de</strong> (3) e (4) que<br />

m ∗ N (R) ≥ m∗N (R ∩ A ∩ B) + m∗N (R\(A ∩ B)),<br />

e concluímos que A ∩ B ∈ L(R N ).<br />

b) Tomamos E = A e F = A ∪ B em 2.2.11 a), e obtemos<br />

m ∗ N (A ∪ B) = m∗ N ((A ∪ B) ∩ A) + m∗N ((A ∪ B)\A).<br />

É claro que (A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B, ou seja,<br />

R<br />

m ∗ N(A ∪ B) = m ∗ N(A) + m ∗ N(B).<br />

c) Segue-se <strong>de</strong> uma indução evi<strong>de</strong>nte que se os conjuntos A1, · · · ,An ∈<br />

L(R N ) são disjuntos, então<br />

n<br />

k=1<br />

Ak ∈ L(R N ) e m ∗ N (<br />

n<br />

Ak) =<br />

k=1<br />

n<br />

k=1<br />

m ∗ N (Ak).


106 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

O próximo teorema mostra que L(R N ) é efectivamente uma solução do<br />

problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue, dita a σ-álgebra <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Teorema 2.2.14. m ∗ N é σ-aditiva em L(RN ) e L(R N ) é uma σ-álgebra.<br />

Demonstração. Dados conjuntos En ∈ L(R N ), <strong>de</strong>finimos<br />

E =<br />

∞<br />

En e Fn =<br />

n=1<br />

n<br />

Ek.<br />

Os conjuntos Fn são Lebesgue-mensuráveis, porque L(R N ) é uma álgebra<br />

(2.2.13 c)), e po<strong>de</strong>mos supor que os conjuntos En são disjuntos sem per<strong>de</strong>r<br />

generalida<strong>de</strong> (porquê?). Para provar que m ∗ N é σ-aditiva em L(RN ), bastanos<br />

notar que<br />

∞<br />

n=1<br />

m ∗ N(En) ≥ m ∗ N(E) ≥ m ∗ N(Fn) =<br />

k=1<br />

n<br />

m ∗ N(Ek) →<br />

k=1<br />

∞<br />

m ∗ N(En).<br />

Para verificar que E ∈ L(R N ), seja R um rectângulo limitado. Observamos<br />

primeiro que, como Fn ∈ L(R N ) e E ⊇ Fn, temos<br />

(i) cN(R) = m ∗ N (R ∩ Fn) + m ∗ N (R\Fn) ≥ m ∗ N (R ∩ Fn) + m ∗ N (R\E).<br />

Como os conjuntos R∩Ek são mensuráveis e disjuntos, usamos a σ-aditivida<strong>de</strong><br />

que acabámos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar para obter<br />

(ii) m ∗ N(R ∩ Fn) =<br />

n<br />

m ∗ N(R ∩ Ek) →<br />

k=1<br />

∞<br />

n=1<br />

n=1<br />

m ∗ N(R ∩ En) = m ∗ N(R ∩ E).<br />

Concluímos <strong>de</strong> (i) e (ii) que cN(R) ≥ m∗ N (R ∩ E) + m∗ N (R\E), o que, como<br />

já observámos, garante que E é Lebesgue-mensurável.<br />

Usando o resultado anterior, registamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que:<br />

Observações 2.2.15.<br />

1. A classe L(R N ) contém as classes Eσ(R N ) e Jσ(R N ): Qualquer conjunto Jordan-mensurável<br />

é Lebesgue-mensurável, como vimos no exemplo 2.2.12.4. Como<br />

L(R N ) é uma σ-álgebra, é claro que Eσ(R N ) ⊆ Jσ(R N ) ⊆ L(R N ).<br />

2. Os conjuntos abertos são Lebesgue-mensuráveis, porque são σ-elementares.<br />

Os conjuntos fechados, que são os respectivos complementares, são igualmente<br />

Lebesgue-mensuráveis, porque L(R N ) é uma álgebra.


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 107<br />

3. O conjunto do exemplo 1.6.8 é Lebesgue-mensurável: O conjunto é da forma<br />

Uε =<br />

∞<br />

]qn − ε<br />

n=1<br />

2 n , qn + ε<br />

2 n[,<br />

on<strong>de</strong> q1, q2, · · · , qn, · · · são os racionais <strong>de</strong> [0, 1]. Uε é Lebesgue-mensurável,<br />

porque é aberto, mas não é Jordan-mensurável, pelo menos quando ε < 1/2,<br />

4. O conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) é Lebesgue-mensurável, porque é fechado. Sendo<br />

Uε(I) = I\Cε(I), temos m(Uε(I)) = (1−ε)c(I), e como m(I) = m(Cε(I))+<br />

m(Uε(I)) é claro que m(Cε(I)) = εc(I). Recor<strong>de</strong> que Cε(I) ∈ Jσ(R N ) quando<br />

ε > 0.<br />

5. (L(RN ), mN) é uma solução do problema <strong>de</strong> Borel. Po<strong>de</strong>rão existir outras<br />

soluções (MN, κN) do problema <strong>de</strong> Borel com κN = m∗ N , mas teremos sempre<br />

(E) para qualquer E ∈ MN.<br />

κn(E) ≤ m ∗ N<br />

6. L(R N ) é a maior solução do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue, como verificámos<br />

na proposição 2.2.9.<br />

O próximo resultado revela uma relação essencial entre os conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />

e os conjuntos abertos: os conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />

são os que po<strong>de</strong>m ser aproximados por excesso por conjuntos abertos<br />

com erro arbitrariamente pequeno, sendo este erro quantificado pela medida<br />

exterior do conjunto diferença.<br />

Teorema 2.2.16. E ∈ L(RN ) se e só se para qualquer ε > 0 existe um<br />

conjunto aberto U ⊆ RN tal que E ⊆ U e m∗ N (U\E) < ε.<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos as afirmações<br />

(1) ∀ε>0 ∃U⊆RN tal que U é aberto, E ⊆ U e m∗ N (U\E) < ε, e<br />

(2) E ∈ L(R N ).<br />

• (1) ⇒ (2): Existem neste caso abertos Un ⊇ E tais que m ∗ N (Un\E) <<br />

1/n, e <strong>de</strong>finimos B = ∞<br />

n=1 Un. Note-se que (figura 2.2.3)<br />

B ∈ L(R N ),B ⊇ E e B\E ⊆ Un\E.<br />

Como m∗ N (B\E) ≤ m∗ N (Un\E) < 1/n → 0, temos m∗ N (B\E) = 0, e<br />

portanto B\E ∈ L(RN ), don<strong>de</strong> E = B\(B\E) ∈ L(RN ).<br />

• (2) ⇒ (1):<br />

É conveniente separar o argumento em dois subcasos,<br />

a) mN(E) < +∞: <strong>de</strong> acordo com 2.2.6, existe para qualquer ε > 0<br />

um aberto U tal que E ⊆ U, e<br />

m ∗ N(E) = mN(E) ≤ cN(U) = mN(U) ≤ mN(E) + ε.<br />

Temos <strong>de</strong> 2.2.13 b) que mN(U) = mN(E)+mN(U\E), e portanto<br />

m ∗ N(U\E) = mN(U\E) = mN(U) − mN(E) < ε.


108 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) mN(E) = +∞: tomamos En = E∩Rn, on<strong>de</strong> Rn é, por exemplo, o<br />

rectângulo formado pelos x = (x1, · · · ,xN) com |xk| ≤ n. Como<br />

En ∈ L(RN ) e tem medida finita, temos <strong>de</strong> a) que existe um<br />

aberto Un ⊇ En tal que mN(Un\En) < ε/2n . É claro que<br />

E =<br />

∞<br />

n=1<br />

En ⊆<br />

∞<br />

Un = U, e U\E =<br />

n=1<br />

∞<br />

(Un\E) ⊆<br />

n=1<br />

∞<br />

(Un\En).<br />

n=1<br />

U é aberto, e como a medida exterior é σ-subaditiva, temos<br />

m ∗ N<br />

∞<br />

(U\E) ≤ mN( Un\En) ≤<br />

n=1<br />

Un<br />

E B<br />

∞<br />

mN(Un\En) <<br />

n=1<br />

Um<br />

Figura 2.2.3: Os conjuntos E, B, e os abertos Un.<br />

O teorema anterior é muitas vezes utilizado na forma<br />

∞<br />

n=1<br />

ε<br />

< ε.<br />

2n Corolário 2.2.17. E ∈ L(R N ) se e só se existem conjuntos abertos Un ⊆<br />

R N tais que E ⊆ Un e m ∗ N (Un\E) → 0, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E). Os<br />

conjuntos Un po<strong>de</strong>m sempre ser supostos formar uma sucessão <strong>de</strong>crescente.<br />

Demonstração. De acordo com o teorema anterior, E ∈ L(R N ) se e só se<br />

existe uma sucessão <strong>de</strong> abertos Un ⊇ E tais que m ∗ N (Un\E) → 0. A sucessão<br />

po<strong>de</strong> ser suposta <strong>de</strong>crescente, porque po<strong>de</strong>mos substituir os conjuntos Un<br />

pelos conjuntos Vn = ∩ n k=1 Uk. Temos ainda que<br />

mN(E) ≤ mN(Un) = mN(E) + mN(Un\E) =⇒ mN(Un) → mN(E).


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 109<br />

Este corolário permite-nos obter facilmente um resultado <strong>de</strong> unicida<strong>de</strong><br />

parcial para as soluções do Problema <strong>de</strong> Borel.<br />

Corolário 2.2.18. Se (MN,κN) é solução do Problema <strong>de</strong> Borel, então<br />

κN(E) = m ∗ N (E) para qualquer E ∈ MN ∩ L(R N ).<br />

Demonstração. Qualquer solução κN do Problema <strong>de</strong> Borel coinci<strong>de</strong> com cN<br />

nos rectângulos limitados, e portanto, por σ-subaditivida<strong>de</strong>, κN(U) = cN(U)<br />

para qualquer aberto U ⊆ R N . Como κN é monótona, temos ainda, para<br />

qualquer E ∈ MN,( 7 )<br />

κN(E) ≤ inf{mN(U) : E ⊆ U, U aberto } = m ∗ N(E)<br />

De acordo com 2.2.17, se E ∈ MN ∩ L(R N ) existem conjuntos abertos<br />

Un ⊇ E tais que mN(Un\E) → 0, e notamos que<br />

κN(E) + κN(Un\E) = κN(Un) = mN(Un) = mN(E) + mN(Un\E).<br />

Dado que κN(Un\E) ≤ m ∗ N (Un\E) = mN(Un\E), é claro que κN(Un\E) →<br />

0, e concluímos que κN(E) = mN(E).<br />

Antes <strong>de</strong> generalizar a proposição 1.3.12, sobre produtos cartesianos, e<br />

a invariância do conteúdo sob translações e reflexões, aos conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />

investigamos as correspon<strong>de</strong>ntes proprieda<strong>de</strong>s da medida<br />

exterior <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Proposição 2.2.19. Sejam E ⊆ R N , F ⊆ R M e x ∈ R N . Seja ainda R a<br />

reflexão <strong>de</strong> E no hiperplano xk = 0. Temos então:<br />

a) Invariância sob translações: m ∗ N (E + x) = m∗ N (E).<br />

b) Invariância sob reflexões: m ∗ N (R) = m∗ N (E).<br />

c) <strong>Medida</strong> exterior do produto: m ∗ N+M (E × F) ≤ m∗ N (E) × m∗ M (F).(8 )<br />

Demonstração. A verificação <strong>de</strong> a) e <strong>de</strong> b) é um exercício muito simples.<br />

Por exemplo, é muito fácil mostrar que<br />

cN(U) : E ⊆ U,U ∈ Eσ(R N ) = cN(V ) : E + x ⊆ V,V ∈ Eσ(R N ) ,<br />

porque os conjuntos V são da forma V = (U + x), e cN(U + x) = cN(U).<br />

Para provar c), sejam Un ⊆ R N e Vn ⊆ R M conjuntos abertos tais que<br />

Un ⊇ E,Vn ⊇ F,cN(Un) → m ∗ N(E) e cM(Vn) → m ∗ M(F).<br />

7 Existem soluções do problema <strong>de</strong> Borel que não são soluções do problema “fácil” <strong>de</strong><br />

Lebesgue, i.e., para as quais existem conjuntos E ∈ MN tais que κN(E) < m ∗ N(E).<br />

Veremos adiante que as soluções do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue se dizem as soluções<br />

regulares do problema <strong>de</strong> Borel.<br />

8 Temos na realida<strong>de</strong> que m ∗ N+M(E × F) = m ∗ N(E) × m ∗ M(F), mas só estabeleceremos<br />

esta afirmação no próximo Capítulo.


110 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

É claro que E × F ⊆ Un × Vn, e portanto, usando o lema 1.6.20, temos<br />

(i) m ∗ N+M (E × F) ≤ cN+M(Un × Vn) = cN(Un)cM(Vn) → m ∗ N (E)m∗ M (F),<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o produto m∗ N (E)m∗ M (F) não corresponda a uma in<strong>de</strong>terminação<br />

do tipo (0)(∞).<br />

Suponha-se agora que o produto m∗ N (E) × m∗ M<br />

que m∗ N (E) = 0 e m∗ M (F) = ∞ (o argumento para o caso m∗ N<br />

m∗ M<br />

(F) é da forma 0 × ∞, e<br />

(E) = ∞ e<br />

(F) = 0 é inteiramente análogo). Definimos os conjuntos auxiliares<br />

Fn = {y ∈ F : y ≤ n}, don<strong>de</strong> F =<br />

∞<br />

Fn e E × F =<br />

n=1<br />

∞<br />

E × Fn.<br />

Os conjuntos Fn têm medida exterior finita, porque são limitados. Segue-se<br />

<strong>de</strong> (i) que m ∗ N+M (E × Fn) = 0 × m ∗ M (Fn) = 0 e portanto<br />

Exemplo 2.2.20.<br />

m ∗ N+M(E × F) ≤<br />

∞<br />

n=1<br />

m ∗ N+M(E × Fn) = 0.<br />

Se E ⊂ R N tem medida exterior nula e F ⊆ R M é arbitrário, então E × F<br />

é Lebesgue-mensurável, porque tem medida exterior nula, como acabámos <strong>de</strong><br />

verificar.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora generalizar a proposição 1.3.12 aos conjuntos Lebesguemensuráveis.<br />

Teorema 2.2.21. Sejam A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ).<br />

n=1<br />

a) Invariância sob translacções: Se x ∈ R N , A + x ∈ L(R N ) e<br />

mN(A + x) = mN(A),<br />

b) Invariância sob reflexões: Se C é a reflexão <strong>de</strong> A no hiperplano xk =<br />

0, então C ∈ L(R N ), e mN(A) = mN(C), e<br />

c) Fecho em relação ao produto: A × B ∈ L(R N+M ) e<br />

mN+M(A × B) = mN(A) × mM(B).


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 111<br />

Demonstração. As afirmações a) e b) são consequências muito simples das<br />

correspon<strong>de</strong>ntes afirmações em 2.2.19 e a sua verificação fica para o exercício<br />

12. Passamos a provar apenas a afirmação c).<br />

De acordo com 2.2.17, existem conjuntos abertos Un ⊇ A e Vn ⊇ B, tais<br />

que mN(Un\A) → 0 e mM(Vn\B) → 0. Notamos que<br />

Un × Vn é aberto, A × B ⊆ Un × Vn e<br />

(Un × Vn)\(A × B) = [Un × (Vn\B)] ∪ [(Un\A) × Vn].<br />

Se os conjuntos A e B têm ambos medida finita, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />

m ∗ N+M (Un × (Vn\B)) → 0 e m ∗ N+M ((Un\A) × Vn) → 0, e portanto<br />

m ∗ N+M ((Un × Vn)\(A × B)) → 0.<br />

Segue-se do corolário 2.2.17 que A × B é Lebesgue-mensurável e<br />

mN+M(Un × Vn) → mN+M(A × B).<br />

É também claro que mN+M(Un × Vn) = cN(Un)cM(Vn) → mN(A)mM(B) e<br />

temos assim que<br />

mN+M(A × B) = mN(A)mM(B).<br />

Se A ou B têm medida infinita, basta-nos consi<strong>de</strong>rar os conjuntos An =<br />

{x ∈ A : ||x|| < n} e Bn = {x ∈ B : ||x|| < n}, e notar que An ր A,<br />

Bn ր B e An × Bn ր A × B. Aplicando o teorema da convergência<br />

monótona 2.1.13 e o resultado que <strong>de</strong>monstrámos para conjuntos <strong>de</strong> medida<br />

finita, concluímos que A × B é mensurável e( 9 )<br />

mN+M(An × Bn) = mN(An)mM(Bn) ր mN(A)mM(B) = mN+M(A × B).<br />

Relativamente a produtos <strong>de</strong> conjuntos, a seguinte proposição é também<br />

útil. É aliás válida para qualquer B ∈ L(RM ) (ver o exercício 14), e como<br />

já dissémos é mesmo válida para quaisquer conjuntos, observação que será<br />

verificada no próximo Capítulo.<br />

Proposição 2.2.22. Se A ⊆ R N e B ⊆ R M é um rectângulo-M então<br />

m ∗ N+M (A × B) = m∗ N (A)mM(B).<br />

9 Neste caso não há qualquer in<strong>de</strong>terminação, porque se mN(A)mM(B) = (0)(∞) então<br />

mN(An)mM(Bn) = 0 para qualquer n.


112 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Temos a provar que m∗ N+M (A × B) ≥ m∗ N (A) × mM(B).<br />

Supomos primeiro que B é um rectângulo compacto. Dado um aberto U ⊇<br />

A × B, sabemos que<br />

U =<br />

∞<br />

Rn × Tn, on<strong>de</strong> Rn ⊂ R N e Tn ⊂ R M são rectângulos abertos.<br />

n=1<br />

Fixado x ∈ A, notamos que a classe T = {Tn : x ∈ Rn} é, por razões óbvias,<br />

uma cobertura aberta do compacto B. Existe por isso uma subcobertura<br />

finita T ′ = {Tn1 ,Tn2 , · · · ,Tnk } ⊆ T <strong>de</strong> B. Observamos que<br />

Qx =<br />

k<br />

i=1<br />

Rni =⇒ Qx × B ⊆<br />

k<br />

i=1<br />

Rni<br />

× Tni ⊆ U.<br />

O conjunto V = <br />

Qx é aberto, e A × B ⊆ V × B ⊆ U. É evi<strong>de</strong>nte que<br />

x∈A<br />

m∗ N (A) ≤ mN(V ) e portanto<br />

m ∗ N(A)mM(B) ≤ mN(V )mM(B) = mN+M(V × B) ≤ mN+M(U).<br />

Por outras palavras, m∗ N (A)mM(B) ≤ mN+M(U) para qualquer aberto U ⊇<br />

A × B, don<strong>de</strong> m∗ N (A)mM(B) ≤ m∗ N+M (A × B). Deixamos como exercício<br />

a generalização <strong>de</strong>ste resultado para qualquer conjunto mensurável B.<br />

Exercícios.<br />

B<br />

x<br />

Qx<br />

A<br />

Qx × B<br />

A × B U<br />

Figura 2.2.4: Qx × B ⊆ U.


2.2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue 113<br />

1. Prove que a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob translacções, e conclua<br />

que a classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis é igualmente invariante<br />

sob translacções.<br />

2. Prove que qualquer conjunto numerável E ⊆ RN verifica m∗ N (E) = 0.<br />

3. Determine conjuntos E ⊆ R tais que<br />

c(E) < m ∗ (E) = c(E) e c(E) < m ∗ (E) < c(E).<br />

4. Prove que se m∗ N (E) = 0 então qualquer subconjunto <strong>de</strong> E é Lebesguemensurável.<br />

5. Prove que se I ⊆ R é um intervalo ilimitado então I ∈ L(R) e m(I) = +∞.<br />

6. Prove que R\Q é Lebesgue-mensurável, com m(R\Q) = ∞.<br />

7. Prove que se K é compacto, então m∗ N (K) = cN(K).<br />

8. Mostre que po<strong>de</strong>mos ter mN(E) > 0 e intE = ∅.<br />

9. Determine o cardinal das classes J (R N ) e L(R N ). sugestão: Consi<strong>de</strong>re o<br />

conjunto <strong>de</strong> Cantor.<br />

10. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir a medida interior <strong>de</strong> Lebesgue do conjunto E ⊆ R N usando<br />

sup{cN(K) : K ∈ Eσ(E)}?<br />

11. Suponha que E ⊆ R ⊂ R N , e R é um rectângulo limitado. Mostre que E é<br />

Lebesgue-mensurável se e só se m ∗ N (E) + m∗ N (R\E) = cN(R).( 10 )<br />

12. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.2.21.<br />

13. Generalize a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue da seguinte<br />

forma: suponha que os conjuntos En ⊆ R N são mensuráveis e disjuntos, e consi<strong>de</strong>re<br />

quaisquer conjuntos An ⊆ En. Mostre que:<br />

m ∗ ∞<br />

∞<br />

( An) = m ∗ (An).<br />

n=1<br />

Aproveite para mostrar que se os conjuntos Fn são mensuráveis e Fn ր F então<br />

m ∗ N (A ∩ Fn) ր m ∗ N (A ∩ F) para qualquer A ⊆ RN . sugestão: Consi<strong>de</strong>re<br />

primeiro o caso <strong>de</strong> uma união finita.<br />

14. Seja A ⊆ R N e B ∈ L(R M ). Mostre que m ∗ N+M (A × B) = m∗ N (A)mM(B).<br />

sugestão: Use a proposição 2.2.22, e suponha primeiro que B é aberto. Po<strong>de</strong><br />

ser conveniente usar o exercício anterior.<br />

10 Mostramos assim que a <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Lebesgue, aplicável apenas a conjuntos<br />

limitados, é nesse caso equivalente à <strong>de</strong>finição que referimos em 2.2.11.<br />

n=1


114 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

15. Suponha que ∞<br />

n=1 |cn| < ∞, seja D = {xn : n ∈ N} um conjunto infinito<br />

numerável em R, e consi<strong>de</strong>re a função f : R → R nula fora <strong>de</strong> D, tal que<br />

f(xn) = cn.<br />

a) Prove que f ′ (x) = 0 qtp em R. sugestão: Aplique o lema <strong>de</strong> Borel-<br />

Cantelli aos conjuntos:<br />

<br />

<br />

∞ ∞<br />

|cn| 1<br />

An,k = x ∈ R : > , e Ak = An,k.<br />

|x − xn| k<br />

m=1 n=m<br />

b) Mostre que a conclusão anterior é igualmente válida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, para<br />

qualquer intervalo limitado I, e tomando K = {n ∈ N : xn ∈ I}, se tenha<br />

<br />

|cn| < ∞.<br />

n∈K<br />

2.3 Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Passamos a <strong>de</strong>finir os conjuntos <strong>de</strong> Borel a que já aludimos diversas vezes,<br />

e esclarecemos a relação entre estes conjuntos e os conjuntos Lebesguemensuráveis.<br />

Não usamos aqui a <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Borel, que é construtiva(<br />

11 ), e bastante complexa. Sabemos hoje que os conjuntos <strong>de</strong> Borel<br />

formam a menor σ-álgebra em R N que contém os conjuntos abertos, e este<br />

facto permite uma <strong>de</strong>finição muito mais sucinta. Precisamos apenas <strong>de</strong><br />

provar um resultado abstracto preliminar:<br />

Proposição 2.3.1. Se {Mα : α ∈ J} é uma família não-vazia <strong>de</strong> σ-álgebras<br />

em X, a classe M = ∩a∈JMα é uma σ-álgebra em X.<br />

Demonstração. Sabemos que qualquer σ-álgebra Mα ⊇ {∅,X}, e portanto<br />

M ⊇ {∅,X}. Em particular, M = ∅. Para verificar que M é fechada em<br />

relação à complementação, basta-nos notar que, como cada σ-álgebra Mα<br />

é fechada em relação à complementação,<br />

A ∈ M ⇔ A ∈ Mα, ∀α∈J ⇒ A c ∈ Mα, ∀α∈J ⇔ A c ∈ M.<br />

Analogamente, e para <strong>de</strong>monstrar que M é fechado em relação a uniões numeráveis,<br />

observamos que cada σ-álgebra Mα é fechada em relação a uniões<br />

numeráveis, don<strong>de</strong><br />

∞<br />

∞<br />

An ∈ M ⇐⇒ An ∈ Mα, ∀α∈J =⇒ An ∈ Mα, ∀α∈J ⇐⇒ An ∈ M.<br />

n=1<br />

11 A opção <strong>de</strong> Borel parece ter sido motivada, pelo menos parcialmente, por razões filosóficas.<br />

Borel revela algum <strong>de</strong>sconforto com noções <strong>de</strong>masiado abstractas da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “conjunto”,<br />

e prefere referir conjuntos que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidos usando apenas rectângulos, e<br />

operações <strong>de</strong> intersecção, união e complementação sobre famílias numeráveis <strong>de</strong> conjuntos.<br />

Naturalmente, este facto não o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer que a sua própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

conjunto <strong>de</strong> medida nula não se coaduna com estas reservas.<br />

n=1


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 115<br />

Se C é uma família inteiramente arbitrária <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X, então<br />

a σ-álgebra P(X) que contém todos os subconjuntos <strong>de</strong> X contém certamente<br />

todos os conjuntos em C. Portanto, existem sempre σ-álgebras <strong>de</strong> X<br />

que contém todos os conjuntos em C. A intersecção <strong>de</strong> todas as σ-álgebras<br />

que contêm C é, <strong>de</strong> acordo com a proposição anterior, a menor σ-álgebra<br />

<strong>de</strong> X que contém C (porquê?). Introduzimos por isso:<br />

Definição 2.3.2 (σ-Álgebra Gerada pela Classe C). Se C é uma classe <strong>de</strong><br />

subconjuntos do conjunto X, a intersecção <strong>de</strong> todas as σ-álgebras em X que<br />

contêm a classe C diz-se a σ-álgebra gerada por C.<br />

Exemplo 2.3.3.<br />

Se C = {E}, on<strong>de</strong> E ⊆ X, a σ-álgebra gerada por C é M = {∅, E, E c , X}.<br />

Definimos os conjuntos Borel-mensuráveis usando 2.3.2, com X = R N ,<br />

e sendo C a classe dos subconjuntos abertos <strong>de</strong> R N :<br />

Definição 2.3.4 (Conjuntos Borel-Mensuráveis). A σ-álgebra gerada pelos<br />

subconjuntos abertos <strong>de</strong> R N diz-se a σ-álgebra <strong>de</strong> borel, e <strong>de</strong>signa-se<br />

por B(R N ). Os conjuntos em B(R N ) dizem-se borel-mensuráveis, ou<br />

conjuntos <strong>de</strong> borel.( 12 )<br />

Exemplos 2.3.5.<br />

1. Qualquer conjunto aberto (ou fechado) é Borel-mensurável. Em particular,<br />

sendo S ⊆ R N um conjunto qualquer, o seu interior, exterior e fronteira são<br />

sempre Borel-mensuráveis.<br />

2. O conjunto <strong>de</strong> Cantor C(I) e o conjunto <strong>de</strong> Volterra Cε(I) são Borel-mensuráveis,<br />

porque são fechados.<br />

3. Se os conjuntos Un são abertos, então G = ∩ ∞ n=1 Un é Borel-mensurável,<br />

apesar <strong>de</strong> G não ser necessariamente aberto, ou fechado. Analogamente, se os<br />

conjuntos Fn são fechados, então F = ∪ ∞ n=1 Fn é Borel-mensurável, apesar <strong>de</strong><br />

F não ser necessariamente fechado, ou aberto.<br />

4. Se B = {x1, x2, · · · , xn, · · · } é um conjunto numerável em R N , tomamos<br />

Fn = {xn} (um conjunto fechado, logo Borel-mensurável), e notamos que<br />

B = ∪ ∞ n=1 Fn é Borel-mensurável.<br />

Os conjuntos dos tipos mencionados em 2.3.5.3 têm nomes especiais:<br />

Definição 2.3.6 (Conjuntos Fσ e Gδ). Se E ⊆ R N , dizemos que<br />

a) E é um conjunto Fσ, ou <strong>de</strong> tipo Fσ, se e só se E é a união <strong>de</strong> uma<br />

família numerável <strong>de</strong> fechados, e<br />

12 Esta <strong>de</strong>finição é aplicável em qualquer espaço topológico (X, O): sendo O a família<br />

dos conjuntos abertos em X, B(X) é a σ-álgebra gerada por O.


116 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) E é um conjunto Gδ, ou <strong>de</strong> tipo Gδ, se e só se E é a intersecção <strong>de</strong><br />

uma família numerável <strong>de</strong> abertos.( 13 )<br />

Exemplos 2.3.7.<br />

1. De acordo com 1.6.18, qualquer conjunto aberto em R N é um conjunto Fσ.<br />

2. O conjunto dos racionais é um conjunto Fσ, porque é numerável.<br />

3. O conjunto dos irracionais é um conjunto Gδ, porque é o complementar dum<br />

conjunto Fσ.<br />

Sabemos que L(R N ) é uma σ-álgebra que contém os abertos. Como a<br />

σ-álgebra <strong>de</strong> Borel é a menor σ-álgebra que contém os abertos, temos<br />

Corolário 2.3.8. B(R N ) ⊆ L(R N ).<br />

Note-se em particular que<br />

• Se MN é solução do problema <strong>de</strong> Borel, temos B(R N ) ⊆ MN, porque<br />

MN é uma σ-álgebra que contém os abertos.<br />

• Se MN é solução do problema <strong>de</strong> Lebesgue, temos B(R N ) ⊆ MN ⊆<br />

L(R N ), porque (R N , MN,mN) é uma solução do problema <strong>de</strong> Borel,<br />

e porque L(R N ) é a maior solução do problema <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

• Veremos na próxima secção que B(R N ) = L(R N ) = P(R N ).<br />

Vimos no teorema 2.2.16 que os conjuntos Lebesgue-mensuráveis po<strong>de</strong>m<br />

ser aproximados por excesso por conjuntos abertos. Obtemos a seguir mais<br />

alguns tipos <strong>de</strong> aproximações <strong>de</strong> conjuntos Lebesgue-mensuráveis, mostrando<br />

em particular que estes conjuntos:<br />

• Po<strong>de</strong>m ser aproximados por <strong>de</strong>feito por conjuntos fechados, e<br />

• Diferem <strong>de</strong> conjuntos Borel-mensuráveis por conjuntos <strong>de</strong> medida nula.<br />

Teorema 2.3.9. As seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) E ⊆ R N é Lebesgue-mensurável.<br />

b) Para qualquer ε > 0, existem F (fechado), e U (aberto), tais que<br />

F ⊆ E ⊆ U, e mN(U\F) < ε.<br />

c) Existem A,B ∈ B(R N ), on<strong>de</strong> A é um Fσ, e B um Gδ, tais que<br />

A ⊆ E ⊆ B e mN(B\A) = 0.<br />

13 As letras “s” (σ) e “d” (δ) são as iniciais <strong>de</strong> “união” e “intersecção” na língua alemã.


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 117<br />

Demonstração. a) ⇒ b) Se E é Lebesgue-mensurável então E c é, igualmente,<br />

Lebesgue-mensurável. Dado ε > 0 temos, <strong>de</strong> acordo com 2.2.16, que<br />

• Existe um aberto U tal que E ⊆ U e mN(U\E) < ε<br />

2 , e<br />

• Existe um aberto V tal que E c ⊆ V e mN(V \E c ) < ε<br />

2 .<br />

É claro que F = V c é fechado e F ⊆ E. Basta-nos agora notar que<br />

U\F = (U\E) ∪ (E\F) = (U\E) ∪ (V \E c ) ⇒ mN(U\F) < ε ε<br />

+ = ε.<br />

2 2<br />

b) ⇒ c): Se n ∈ N, existem conjuntos Fn (fechado) e Un (aberto) tais que<br />

Fn ⊆ E ⊆ Un e mN(Un\Fn) < 1<br />

n .<br />

Os conjuntos A = ∪ ∞ n=1 Fn e B = ∩ ∞ n=1 Un são, respectivamente, um Fσ e<br />

um Gδ, temos A ⊆ E ⊆ B e B\A ⊆ Un\Fn, don<strong>de</strong><br />

mN(B\A) ≤ mN(Un\Fn) < 1<br />

n , para qualquer n ⇒ mN(B\A) = 0.<br />

c) ⇒ a): E = A ∪ D, on<strong>de</strong> D = E\A ⊆ B\A. A é Borel-mensurável,<br />

logo Lebesgue-mensurável, e D é Lebesgue-mensurável, porque m∗ N (D) = 0.<br />

Segue-se que E é Lebesgue-mensurável.<br />

Os conjuntos com medida finita po<strong>de</strong>m ainda ser aproximados por conjuntos<br />

compactos, e mesmo por conjuntos elementares:<br />

Teorema 2.3.10. Se E ⊆ RN e m∗ N (E) < +∞, então as seguintes afirmações<br />

são equivalentes:<br />

a) E é Lebesgue-mensurável.<br />

b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que<br />

K ⊆ E ⊆ U e mN(U\K) < ε.<br />

c) Para qualquer ε > 0, existe um conjunto elementar J tal que ( 14 )<br />

m ∗ N(E∆J) < ε.<br />

Demonstração. É evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 2.3.9 que b) ⇒ a), e <strong>de</strong>ixamos para o exercício<br />

5 mostrar que a) ⇒ b), ou seja, que o conjunto fechado referido em 2.3.9<br />

po<strong>de</strong> ser substituído por um compacto.<br />

14 Se A e B são conjuntos, o conjunto A∆B = (A\B)∪(B\A) é a diferença simétrica<br />

<strong>de</strong> A e B.


118 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Para provar que b) ⇒ c), notamos que o aberto U é uma união numerável<br />

<strong>de</strong> rectângulos abertos limitados Rn. Os rectângulos Rn formam,<br />

por razões óbvias, uma cobertura aberta do compacto K. Existe por isso<br />

uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos R1, · · · ,Rm, e o conjunto<br />

J = ∪ m n=1 Rn é elementar. Observamos que (ver figura 2.3.1)<br />

K ⊆ E ⊆ U e K ⊆ J ⊆ U =⇒ E∆J ⊆ U\K =⇒ m ∗ N (E∆J) < ε.<br />

U E<br />

J<br />

K<br />

Figura 2.3.1: E∆J ⊆ U\K<br />

• m ∗ N (E\A) ≤ m∗N (E\Jn) < ε<br />

2n, don<strong>de</strong> m∗N (E\A) = 0, e<br />

• m ∗ N (A\E) = m∗ N (<br />

∞<br />

(Jn\E)) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

m ∗ N (Jn\E) <<br />

∞<br />

n=1<br />

ε<br />

= ε<br />

2n B = A∪(E\A) é Lebesgue-mensurável, contém E e m∗ N (B\E) < ε. Provámos<br />

assim que, para qualquer ε > 0, existe um conjunto Lebesgue-mensurável<br />

B ⊇ E tal que m∗ N (B\E) < ε. É fácil concluir daqui que E é igualmente<br />

Lebesgue-mensurável (exercício 5).<br />

As proprieda<strong>de</strong>s dos conjuntos Jordan- e Lebesgue-mensuráveis relacionadas<br />

com produtos cartesianos e com a invariância sob translacções e reflexões,<br />

que vimos em 1.3.12 e 2.2.21, são também comuns aos conjuntos <strong>de</strong><br />

Borel.<br />

Teorema 2.3.11. Sejam A ∈ B(R N ), B ∈ B(R M ) e x ∈ R N .<br />

a) Fecho em relação ao produto: A × B ∈ B(R N+M ).<br />

b) Invariância sob translacções: A + x ∈ B(R N ).<br />

c) Invariância sob reflexões: Se C é a reflexão <strong>de</strong> A no hiperplano xk =<br />

0, então C ∈ B(R N ).


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 119<br />

Demonstração. Demonstramos aqui a), <strong>de</strong>ixando as observações em b) e c)<br />

para o exercício 9. Suponha-se primeiro que U ⊆ R N é um conjunto aberto,<br />

e consi<strong>de</strong>re-se a classe <strong>de</strong> conjuntos BU, dada por:<br />

Deve ser claro que neste caso<br />

BU = V ⊆ R M : U × V ∈ B(R N+M ) .<br />

(1) A classe BU contém todos os subconjuntos abertos <strong>de</strong> R M .<br />

Temos, por razões óbvias, que<br />

V =<br />

∞<br />

m=1<br />

Vm ⇒ U × V =<br />

∞<br />

m=1<br />

U × Vm.<br />

Se os conjuntos Vm ∈ BU, então os conjuntos U ×Vm são Borel-mensuráveis.<br />

Como B(R N+M ) é uma σ-álgebra, é claro que, neste caso, U ×V é igualmente<br />

Borel-mensurável. Por outras palavras,<br />

(2) A classe BU é fechada em relação a uniões numeráveis.<br />

Por outro lado, temos que U × V c = (U × V ) c ∩ U × R M . Se V ∈ BU,<br />

então (U × V ) c é Borel-mensurável, porque é o complementar do conjunto<br />

Borel-mensurável U × V . Sendo U aberto, <strong>de</strong>ve ser evi<strong>de</strong>nte que U × R M é<br />

aberto, e concluímos que U × V c é Borel-mensurável. Temos assim,<br />

(3) A classe BU é fechada em relação a complementações.<br />

Po<strong>de</strong>mos concluir <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que:<br />

(4) A classe BU é uma σ-álgebra que contém os abertos, e portanto contém<br />

os conjuntos Borel-mensuráveis. Dito doutra forma,<br />

(5) Se U ∈ R N é aberto e B ∈ B(R M ), então U × B ∈ B(R N+M ).<br />

Para terminar a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a), supomos que B ∈ B(RM ) e consi<strong>de</strong>ramos<br />

a classe <strong>de</strong> conjuntos B∗ B dada por:<br />

B ∗ B = U ⊆ R N : U × B ∈ B(R N+M ) .<br />

Como vimos em (5), a classe B ∗ B contém os abertos <strong>de</strong> RN , e é simples<br />

adaptar os argumentos acima para mostrar que esta classe é, também, uma<br />

σ-álgebra:<br />

• U = ∞ n=1 Un ⇒ U × B = ∞ relação a uniões numeráveis.<br />

n=1 Un × B e, por isso, B ∗ B<br />

é fechada em<br />

• Uc × B = (U × B) c ∩ RN × B , don<strong>de</strong> B∗ B é fechada em relação a<br />

complementações.


120 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Po<strong>de</strong>mos concluir, mais uma vez, que<br />

(6) A classe B ∗ B<br />

é uma σ-álgebra que contém os abertos, e portanto contém<br />

os conjuntos Borel-mensuráveis. Dito doutra forma,<br />

(7) Se A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ), então A × B ∈ B(R N+M ).<br />

Vimos em 2.2.6 que a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> ser calculada<br />

recorrendo apenas a conjuntos abertos. Como os conjuntos abertos são<br />

mensuráveis, esta observação po<strong>de</strong> ser reformulada como se segue:<br />

Teorema 2.3.12. Se E ∈ L(R N ), então<br />

mN(E) = inf mN(U) : E ⊆ U ⊆ R N ,U aberto .<br />

Esta proprieda<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue é na realida<strong>de</strong> partilhada por<br />

muitas outras medidas <strong>de</strong>finidas em R N , e é por isso conveniente introduzir<br />

a seguinte:<br />

Definição 2.3.13 (<strong>Medida</strong> Regular). Seja µ uma medida positiva <strong>de</strong>finida<br />

na σ-álgebra M ⊇ B(R N ). Dizemos que µ é regular( 15 ) em N ⊆ M se e<br />

só se<br />

µ(E) = inf µ(U) : E ⊆ U,U ⊆ R N aberto , para qualquer E ∈ N.<br />

Se N é uma σ-álgebra, dizemos também que o espaço (R N , N,µ) é regular.<br />

Exemplos 2.3.14.<br />

1. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é regular em L(R N ).<br />

2. A medida <strong>de</strong> Dirac é regular em P(R).<br />

3. Se a medida µ é o cardinal, temos inf {µ(U) : E ⊆ U, U aberto } = +∞ para<br />

qualquer E = ∅, porque qualquer aberto não-vazio é não-numerável. Como<br />

qualquer conjunto finito é Borel-mensurável, µ não é regular em B(R N ).<br />

4. O pente <strong>de</strong> Dirac dado por µ(E) = #(E ∩ Z) é regular. Em contrapartida,<br />

o pente dado por λ(E) = #(E ∩ Q) não é regular.<br />

5. As soluções do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue são as soluções regulares do<br />

problema <strong>de</strong> Borel.<br />

15 Mais exactamente, esta proprieda<strong>de</strong> diz-se a regularida<strong>de</strong> exterior da medida µ.<br />

Esta noção é efectivamente aplicável em qualquer espaço topológico (X, O), e a qualquer<br />

medida µ <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(X) ⊇ O, tal como a <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> interior,<br />

que é a afirmação que µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E,K compacto }. A distinção entre<br />

regularida<strong>de</strong>, regularida<strong>de</strong> interior e regularida<strong>de</strong> exterior não é especialmente importante<br />

em R N , e em particular <strong>de</strong>ve estabelecer-se no exercício 4 a regularida<strong>de</strong> interior da medida<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, mas é mais relevante noutros espaços topológicos.


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 121<br />

Veremos mais adiante que muitas das proprieda<strong>de</strong>s da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

indicadas nesta secção, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> convenientemente reformuladas,<br />

são comuns a todas as medidas regulares σ-finitas <strong>de</strong>finidas em B(R N ), e<br />

em especial são comuns a todas as medidas que são finitas em conjuntos<br />

compactos <strong>de</strong> R N .( 16 )<br />

Se E é um conjunto Lebesgue-mensurável <strong>de</strong> medida nula e F ⊆ E,<br />

sabemos que F é igualmente Lebesgue-mensurável, por razões muito simples.<br />

Esta é uma proprieda<strong>de</strong> do espaço <strong>de</strong> Lebesgue que não é partilhada por<br />

todos os espaços <strong>de</strong> medida, e introduzimos a este respeito a<br />

Definição 2.3.15 (Espaço Completo). O espaço (X, M,µ) é completo se<br />

e só se todos os subconjuntos <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> medida nula são mensuráveis,<br />

ou seja, se µ(C) = 0 e N ⊆ C ⇒ N ∈ M, don<strong>de</strong> µ(N) = 0. Dizemos<br />

também que a medida µ é completa.<br />

Exemplos 2.3.16.<br />

1. O espaço <strong>de</strong> medida <strong>de</strong> Lebesgue é completo.<br />

2. Veremos na próxima secção que o espaço <strong>de</strong> Borel não é completo.<br />

É fácil mostrar que qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ) tem uma extensão<br />

completa. Começamos por <strong>de</strong>finir a classe <strong>de</strong> conjuntos( 17 )<br />

Mµ = {E ⊆ X : Existem A,B ∈ M tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0} .<br />

Passamos a verificar que a medida dos conjuntos A e B referidos acima<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas do conjunto E ∈ Mµ. Sejam A1,A2,B1,B2 ∈ M tais que<br />

Ai ⊆ E ⊆ Bi e µ(Bi\Ai) = 0 para i = 1 e i = 2.<br />

Com A ′ = A1 ∪ A2 e B ′ = B1 ∩ B2, temos por razões óbvias que<br />

Ai ⊆ A ′ ⊆ E ⊆ B ′ ⊆ Bi don<strong>de</strong> µ(Ai) = µ(A ′ ) = µ(B ′ ) = µ(Bi).<br />

Definimos µ : Mµ → R + tomando µ(E) = µ(A), sempre supondo que<br />

A ⊆ E ⊆ B, A,B ∈ M e µ(B\A) = 0, e observamos que µ é uma evi<strong>de</strong>nte<br />

extensão <strong>de</strong> µ.<br />

Teorema 2.3.17 (Menor Extensão Completa). (X, Mµ,µ) é a menor extensão<br />

completa <strong>de</strong> (X, M,µ). Mais especificamente,<br />

a) (X, Mµ,µ) é uma extensão completa <strong>de</strong> (X, M,µ),<br />

16 Estas proprieda<strong>de</strong>s são também frequentes em medidas <strong>de</strong>finidas em σ-álgebras B(X)<br />

noutros espaços topológicos, mas a sua aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições adicionais<br />

sobre o espaço X.<br />

17 Quando M = B(R N ) e µ = mN, é claro que Mµ = L(R N ), como vimos em 2.3.9.


122 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) Qualquer extensão completa <strong>de</strong> (X, M,µ) é uma extensão <strong>de</strong> (X, Mµ,µ),<br />

c) Se (X, N,ρ) é uma extensão <strong>de</strong> (X, M,µ), então ρ(E) = µ(E), para<br />

os conjuntos E ∈ N ∩ Mµ.<br />

N<br />

M<br />

N ρ<br />

Mµ<br />

Figura 2.3.2: Extensões do espaço (X, M,µ)<br />

Demonstração. Começamos por mostrar que (X, Mµ,µ) é um espaço <strong>de</strong><br />

medida.<br />

(1) Mµ é fechada em relação a uniões numeráveis: Supomos que os conjuntos<br />

En ∈ Mµ, ou seja, existem conjuntos An,Bn ∈ M tais que:<br />

ρ<br />

ρ<br />

µ<br />

µ<br />

An ⊆ En ⊆ Bn e µ(Bn\An) = 0.<br />

Sendo E = ∞ n=1 En,A = ∞ n=1 An e B = ∞ n=1 Bn, é claro que A ⊆<br />

E ⊆ B, A,B ∈ M, e<br />

B\A ⊆<br />

∞<br />

(Bn\An) , don<strong>de</strong> 0 ≤ µ(B\A) ≤<br />

n=1<br />

Concluímos que E ∈ Mµ.<br />

∞<br />

µ(Bn\An) = 0.<br />

(2) µ é σ-aditiva em Mµ: Se os conjuntos En são disjuntos, então os<br />

conjuntos An são igualmente disjuntos, e temos<br />

∞<br />

µ(E) = µ(A) = µ( An) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(An) =<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(En).<br />

(3) Mµ é fechada em relação a uniões numeráveis: Se A ⊆ E ⊆ B e<br />

µ(B\A) = 0 então B c ⊆ E c ⊆ A c e A c \B c = B\A.<br />

Provámos assim que (X, Mµ,µ) é um espaço <strong>de</strong> medida e uma extensão <strong>de</strong><br />

(X, M,µ). Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração para o exercício 6.<br />

n=1


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 123<br />

Aproveitamos para sumarizar aqui diversas proprieda<strong>de</strong>s interessantes<br />

das soluções dos problemas <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Observações 2.3.18. Se (MN, κN) é solução do problema <strong>de</strong> Borel, então:<br />

1. Unicida<strong>de</strong>: κN(E) = mN(E), para qualquer E ∈ MN ∩ L(R N ). Em particular,<br />

κN(E) = mN(E) quando E ∈ B(R N ). Esta observação é o corolário<br />

2.2.18.<br />

2. Soluções regulares: Se κN é regular, i.e., se κN é solução do problema “fácil”<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, então κN é uma restrição <strong>de</strong> mN, tal como <strong>de</strong>finida em L(R N )( 18 ).<br />

Em particular, (L(R N ), mN) é a maior solução regular do problema <strong>de</strong> Borel.<br />

Esta observação é, como notámos, consequência imediata <strong>de</strong> 2.2.9 e 2.2.10.<br />

3. Soluções completas: Se κN é completa, então κN é uma extensão <strong>de</strong> mN, tal<br />

como <strong>de</strong>finida em L(R N ). (L(R N ), mN) é portanto a menor solução completa<br />

do problema <strong>de</strong> Borel. Esta observação resulta do teorema 2.3.17 e da c) do<br />

teorema 2.3.9.<br />

4. (L(R N ), mN) é a única solução completa e regular do problema <strong>de</strong> Borel,<br />

como é evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 2. e 3. acima.<br />

Exemplo 2.3.19.<br />

o conjunto <strong>de</strong> Volterra generalizado - Introduzimos aqui um outro<br />

exemplo interessante, que é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> Volterra no<br />

sentido em que estes conjuntos foram <strong>de</strong>finidos em 1.6.15, e é por isso Borelmensurável.<br />

Começamos por observar que o procedimento usado para <strong>de</strong>finir o conjunto<br />

<strong>de</strong> Volterra Cε(I) é igualmente aplicável mesmo quando o conjunto inicial I é<br />

uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos In, i.e.,<br />

∞<br />

∞<br />

Se I = In, tomamos Cε(I) = Cε(In), e temos ainda m(Cε(I)) = εm(I).<br />

n=1<br />

n=1<br />

Sendo Jn = Cε(In) ⊂ In, é claro que I\Cε(I) = ∞<br />

n=1 (In\Jn). Deve notar-se<br />

que o conjunto In\Jn é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tipo <strong>de</strong> cada um dos intervalos In, e portanto o conjunto<br />

I\Cε(I) é também uma união numerável <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos. Esta<br />

operação po<strong>de</strong> assim ser aplicada recursivamente, i.e.,<br />

• Fixamos um “intervalo inicial” U1 = I = [a, b].<br />

• Seleccionamos uma sucessão <strong>de</strong> reais 0 < εn < 1.<br />

• Definimos, para n ∈ N, Fn = Cεn(Un), e Un+1 = Un\Fn.<br />

18 Registe-se, a este respeito, as extensões não regulares da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

a σ-álgebras M ⊃ L(R N ), M = L(R N ), <strong>de</strong>scobertas em 1950 (Kakutani,S. e Oxtoby,<br />

J., Construction of a non-separable invariant extension of the Lebesgue measure space, e<br />

Kodaira, K., Kakutani, S., A non-separable translation invariant extension of the Lebesgue<br />

measure space, ambos em Ann. of Math. (2) 52, (1950).


124 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

O exemplo que <strong>de</strong>sejamos introduzir aqui é o conjunto<br />

∞<br />

∞<br />

F(I) = Fn, e referimos igualmente G(I) = Un.<br />

n=1<br />

O mecanismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do conjunto G(I) é análogo ao que usámos para<br />

<strong>de</strong>finir os conjuntos <strong>de</strong> Cantor e <strong>de</strong> Volterra. A diferença está em que, em<br />

vez <strong>de</strong> extrair, em cada passo, uma união finita <strong>de</strong> “intervalos médios”, aqui<br />

extraímos, em cada passo, uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> Volterra. Por<br />

esta razão, para n > 1 os conjuntos Un são abertos que não são elementares.<br />

Segue-se que G(I) é <strong>de</strong> tipo Gδ, F(I) é <strong>de</strong> tipo Fσ, e G(I) e F(I) são Borelmensuráveis.<br />

Note-se <strong>de</strong> passagem que os conjuntos ∪ N n=1 Fn são compactos.<br />

U1 U2 U3 U4<br />

Figura 2.3.3: Fn = Cεn(Un), Un+1 = Un\Fn, F(I) =<br />

n=1<br />

F1 = Cε1(U1)<br />

F2 = Cε2(U2)<br />

F3 = Cε3(U3)<br />

F4 = Cε4(U4)<br />

∞<br />

Cεn(Un).<br />

A medida dos conjuntos G(I) e F(I) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sucessão ε1, ε2, · · ·, mas em<br />

qualquer caso m(F(I)) = ∞<br />

n=1 m(Fn). Fixado 0 < ε < 1, po<strong>de</strong>mos tomar<br />

ε1 = 1<br />

2 ε, e é simples <strong>de</strong>finir εn para n > 1 <strong>de</strong> forma a que( 19 )<br />

m(Fn) = 1<br />

2 m(Fn−1) = 1<br />

2nεc(I), que resulta <strong>de</strong> εn+1 = 1<br />

2<br />

Passamos a escrever Fε(I) e Gε(I), e obtemos:<br />

m(Fε(I)) =<br />

∞<br />

n=1<br />

n=1<br />

εn<br />

.<br />

1 − εn<br />

1<br />

2 n εc(I) = εc(I), e m(Gε(I)) = (1 − ε)c(I).<br />

O que torna este exemplo notável é a seguinte proprieda<strong>de</strong>, aparentemente<br />

paradoxal: qualquer subintervalo não-trivial <strong>de</strong> I intercepta tanto Fε(I) como<br />

Gε(I) em conjuntos <strong>de</strong> medida positiva. Registamos este facto na:<br />

19 Se ε1 = 1<br />

2<br />

é fácil mostrar que εn ց 0, mas é também simples<br />

calcular explicitamente o valor <strong>de</strong> εn.<br />

ε < 1<br />

2<br />

1 εn e εn+1 = 2 1−εn


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 125<br />

Proposição 2.3.20. Se J ⊆ I, e c(J) > 0, então<br />

m(J ∩ Fε(I)) > 0 e m(J ∩ Gε(I)) > 0.<br />

Demonstração. Apenas esboçamos a <strong>de</strong>monstração, <strong>de</strong>ixando os <strong>de</strong>talhes<br />

para o exercício 7. É necessário verificar cada uma das seguintes afirmações:<br />

(1) O interior <strong>de</strong> Gε(I) é vazio, e portanto Fε(I) é <strong>de</strong>nso em I, porque<br />

o comprimento <strong>de</strong> cada um dos intervalos abertos que constituem Un<br />

não exce<strong>de</strong> 1/3 n .<br />

(2) Sendo Un = ∞ Fε(I) ∩ K = Fε ′(K) e Gε(I) ∩ K = Gε ′(K). Temos em particular<br />

k=1 In,k, e tomando K = In,k, existe ε ′ > 0 tal que<br />

m(Fε(I) ∩ K) = ε ′ c(K) > 0 e m(Gε(I) ∩ K) = (1 − ε ′ )c(K) > 0<br />

O cálculo <strong>de</strong> ε ′ , que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> ε e <strong>de</strong> n, fica como exercício.<br />

(3) Se ∅ = J ⊂ I é aberto então existem naturais n ′ ,k ′ tais que In ′ ,k ′ ⊂ J.<br />

• De acordo com (1), Fε(I) é <strong>de</strong>nso em I e portanto se ∅ = J ⊂ I<br />

então existe x ∈ J ∩ Fε(I).<br />

• Como Fε(I) = ∞ n=1 Fn, é claro que existe n tal que x ∈ Fn.<br />

Fn = ∞ k=1 Cεn(In,k), e portanto existe k tal que x ∈ Cεn(In,k).<br />

• O conjunto Cεn(In,k) é um conjunto <strong>de</strong> Volterra “normal”. Restanos<br />

mostrar que, como x ∈ J, então J contém um dos intervalos<br />

abertos que constituem o conjunto In,k\Cεn(In,k) ⊂ Un+1. Esse<br />

intervalo é claramente do tipo In+1,k ′.<br />

Observamos agora que J∩Fε(I) ⊇ In+1,k ′∩Fε(I) e J∩Gε(I) ⊇ In+1,k ′∩Gε(I)<br />

e aplicamos (2).<br />

Conforme referimos no Capítulo anterior, existem noções sobre a “extensão”<br />

<strong>de</strong> conjuntos que não são baseadas na Teoria da <strong>Medida</strong>, mas usam<br />

em lugar <strong>de</strong>la conceitos <strong>de</strong> natureza topológica, sobretudo o <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>,<br />

e estão associadas às chamadas categorias <strong>de</strong> Baire( 20 ), que afloramos<br />

aqui. Começamos por observar que, <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista topológico, os<br />

conjuntos E ⊆ R N mais “insignificantes” são os que satisfazem a condição<br />

int(E) = ∅, i.e., os que não são <strong>de</strong>nsos em nenhum conjunto aberto nãovazio.<br />

Dizemos por isso que estes conjuntos são raros( 21 ), e apresentamos<br />

a seguir alguns exemplos <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> conjuntos:<br />

20 René-Louis Baire, 1874-1932, matemático francês, foi professor nas universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Montpellier e <strong>de</strong> Dijon. As suas obras mais conhecidas são Théorie <strong>de</strong>s Nombres Irrationels,<br />

<strong>de</strong>s Limites et <strong>de</strong> la Continuité, <strong>de</strong> 1905, e Leçons sur les Théories Générales <strong>de</strong><br />

l’Analyse, <strong>de</strong> 1907-1908. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “categorias <strong>de</strong> Baire” (2.3.22) é naturalmente<br />

aplicável em qualquer espaço topológico.<br />

21 O termo “raro” tem sido usado em Português, mas afasta-se um pouco da terminologia<br />

usada noutras línguas para <strong>de</strong>signar o mesmo tipo <strong>de</strong> conjuntos: “nowhere <strong>de</strong>nse”, “nulle<br />

part <strong>de</strong>nse”, “<strong>de</strong>nso en ninguna parte”, etc.


126 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exemplos 2.3.21.<br />

1. Os conjuntos finitos.<br />

2. Os conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />

3. Qualquer conjunto fechado <strong>de</strong> interior vazio, em particular os conjuntos <strong>de</strong><br />

Cantor e <strong>de</strong> Volterra.<br />

As seguintes <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>vem-se a Baire.<br />

Definição 2.3.22 (Categorias <strong>de</strong> Baire). E ⊆ R N é <strong>de</strong> primeira categoria<br />

se e só se E é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos raros. Caso contrário,<br />

E é <strong>de</strong> segunda categoria.<br />

É fácil apresentar exemplos <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria:<br />

Exemplos 2.3.23.<br />

1. Qualquer conjunto numerável, em particular Q. Note que um conjunto <strong>de</strong><br />

primeira categoria po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nso.<br />

2. O conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função Riemann-integrável,<br />

porque é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> conteúdo nulo. Mais geralmente,<br />

qualquer conjunto nulo em Jσ(R N ) é um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria.<br />

3. O conjunto Fε(I) do exemplo 2.3.19, porque é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos<br />

<strong>de</strong> Volterra, no sentido do exemplo 1.6.15.<br />

O principal resultado sobre categorias <strong>de</strong> Baire <strong>de</strong>ve-se ao próprio Baire,<br />

e é hoje usualmente enunciado em termos abstractos numa das seguintes<br />

formas:( 22 )<br />

Teorema 2.3.24 (<strong>de</strong> Baire). Seja X um espaço métrico completo, ou um<br />

espaço <strong>de</strong> Hausdorff( 23 ) localmente compacto. Temos então que:<br />

a) A intersecção <strong>de</strong> qualquer família numerável <strong>de</strong> conjuntos abertos <strong>de</strong>nsos<br />

em X é um conjunto <strong>de</strong>nso em X.<br />

b) X é <strong>de</strong> segunda categoria.<br />

22 N<br />

Note que o teorema é válido quando X é um qualquer subconjunto fechado <strong>de</strong> R ,<br />

em particular quando X = R N .<br />

23<br />

Felix Hausdorff, 1868-1942, matemático alemão <strong>de</strong> origem judaica, criou as bases<br />

da Topologia Geral. Forçado a reformar-se em 1935 pelo regime nazi, suicidou-se com a<br />

família mais próxima em 1942, para evitar o transporte para um dos campos <strong>de</strong> extermínio.


2.3. Os Espaços <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue 127<br />

Sendo certo que os conjuntos nulos e os conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria<br />

são, em certo sentido, “pequenos”, <strong>de</strong>ve ser claro que estas noções são distintas(<br />

24 ). Por exemplo, o conjunto Fε(I) do exemplo 2.3.19 é <strong>de</strong> primeira<br />

categoria, mas é difícil sustentar a “pequenez” <strong>de</strong> Fε(I) do ponto <strong>de</strong> vista da<br />

Teoria da <strong>Medida</strong>! Existem também conjuntos <strong>de</strong> segunda categoria que são<br />

nulos, como passamos a mostrar. Em particular, existem conjuntos nulos<br />

que não pertencem a Jσ(R N ), o que certamente não é um facto óbvio.<br />

Exemplos 2.3.25.<br />

1. Tal como no exemplo 1.6.8, tomamos<br />

Uε =<br />

∞<br />

]qn − ε<br />

n=1<br />

2 n , qn + ε<br />

2 n[,<br />

on<strong>de</strong> q1, q2, · · · , qn, · · · são agora todos os racionais <strong>de</strong> R. Tomamos<br />

Vk = U 1/k e G =<br />

∞<br />

k=1<br />

Vk, don<strong>de</strong> m(Vk) < 2<br />

k<br />

e m(G) = 0.<br />

Sendo F = R\G = G c , é claro que F é um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria (V c<br />

k<br />

é raro, porque é fechado e não contém qualquer racional). É fácil verificar que<br />

a união (finita ou numerável) <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> primeira categoria é ainda <strong>de</strong><br />

primeira categoria. Como R é <strong>de</strong> segunda categoria (pelo teorema <strong>de</strong> Baire),<br />

segue-se que G não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> primeira categoria. G é portanto um conjunto<br />

nulo <strong>de</strong> segunda categoria.( 25 )<br />

2. Continuando o exemplo anterior, observamos que R = F ∪ G, ou seja, R é a<br />

união <strong>de</strong> um conjunto nulo com um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria, observação<br />

que mostra mais uma vez como estas noções <strong>de</strong>vem ser interpretadas e usadas<br />

com precaução.<br />

24 Existe, apesar disso, um resultado fascinante <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong> entre os conjuntos <strong>de</strong><br />

primeira categoria e os conjuntos nulos (que requer a hipótese do contínuo!), e que se<br />

<strong>de</strong>ve a Sierpinski e ao extraordinário matemático húngaro Paul Erdös, 1913-1996. A referência<br />

essencial aqui é o livro Measure and Category, <strong>de</strong> 1971, do já mencionado John<br />

Oxtoby. Erdös é um dos personagens mais interessantes da Matemática do século XX,<br />

em nome <strong>de</strong> quem se inventou o “número <strong>de</strong> Erdös” (o número <strong>de</strong> Erdös <strong>de</strong> um qualquer<br />

matemático é 1 se esse matemático publicou um artigo com Erdös, e <strong>de</strong> n + 1 se publicou<br />

um artigo com algum matemático com número <strong>de</strong> Erdös n). Mais <strong>de</strong> 1.000 matemáticos<br />

atingiram o número <strong>de</strong> Erdös 1! Entre muitas outras i<strong>de</strong>ias originais e saudavelmente<br />

excêntricas, Erdös é recordado pelo seu mítico e divino “Livro”, on<strong>de</strong> Deus supostamente<br />

escreveu as <strong>de</strong>monstrações “correctas” para todos os teoremas relevantes da Matemática<br />

(Erdös achava mais importante acreditar na existência do Livro do que na existência <strong>de</strong><br />

Deus!). Recomenda-se vivamente a obra O Homem Que Só Gostava <strong>de</strong> Números, <strong>de</strong> Paul<br />

Hoffman, já publicada em Português.<br />

25 Este facto parece ter sido usado por ilustres matemáticos dos finais do século XIX para<br />

atacar as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Borel, precisamente por permitirem consi<strong>de</strong>rar como “insignificantes”<br />

conjuntos <strong>de</strong> segunda categoria. Curiosamente, a primeira aplicação que Borel <strong>de</strong>u à sua<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> medida nula, na sua tese <strong>de</strong> doutoramento, envolveu um conjunto <strong>de</strong> segunda<br />

categoria.


128 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que os conjuntos elementares são <strong>de</strong> tipo Gδ.<br />

2. Supondo que f : K → R é limitada no rectângulo-N compacto K, mostre<br />

que o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f é um Fσ.<br />

3. Qual é a σ-álgebra gerada em R N pelos conjuntos finitos?<br />

4. Prove que se E ∈ L(R N ) então mN(E) = sup{mN(K) : K ⊆ E, K compacto },<br />

o que dizemos ser a regularida<strong>de</strong> interior da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

5. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.10. sugestão:<br />

• Verifique que se F é um conjunto fechado com medida finita então existem<br />

conjuntos compactos Kn ր tais que Kn ⊆ F e mN(F \Kn) → 0. Conclua<br />

que 2.3.10 a) ⇒ 2.3.10 b).<br />

• Para concluir a <strong>de</strong>monstração, mostre que se existem conjuntos mensuráveis<br />

Bn ⊇ E tais que m ∗ N (Bn\E) → 0 então E é Lebesgue-mensurável.<br />

6. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.17.<br />

7. Este exercício diz respeito ao exemplo 2.3.19, e à proposição 2.3.20.<br />

a) Mostre que εn = 1 ε<br />

2 2n−1 ց 0, quando ε < 1. Calcule o valor<br />

(1 − ε) + ε<br />

<strong>de</strong> ε ′ referido no ponto (2) da <strong>de</strong>mosntração <strong>de</strong> 2.3.20.<br />

b) Cada conjunto Un é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos In,k.<br />

Calcule αn = max{c(In,k) : k ∈ N} e mostre que αn → 0 quando n → ∞.<br />

Conclua que G(I) tem interior vazio.<br />

c) Calcule m(Fε(I) ∩In,k) > 0 e m(Gε(I) ∩In,k) > 0, para quaisquer n, k ∈<br />

N.<br />

d) Para provar o ponto (3) da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 2.3.20, mostre que se J é um<br />

intervalo aberto, Cε(I) ∩ J = ∅ e I\Cε(I) = Uε(I) = ∞<br />

n=1 In, on<strong>de</strong> os<br />

I ′ ns são intervalos abertos disjuntos não-vazios, então existe um intervalo<br />

In ⊂ J.<br />

8. Determine uma função f : R → R tal que, se g(x) = f(x) qtp em R, então g<br />

é <strong>de</strong>scontínua em todos os pontos x ∈ R. sugestão: Suponha primeiro que f<br />

é a função característica <strong>de</strong> Fε(I).<br />

9. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.3.11.<br />

10. Mostre que o complementar <strong>de</strong> um conjunto raro é <strong>de</strong>nso, mas o complementar<br />

<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong>nso não é necessariamente raro. O que po<strong>de</strong> dizer<br />

sobre o complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> primeira categoria?


2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 129<br />

11. Suponha que a) do teorema 2.3.24 é válido quando X é um subconjunto<br />

fechado <strong>de</strong> R N , e mostre que nesse caso qualquer rectângulo com medida positiva<br />

é um conjunto <strong>de</strong> segunda categoria em R N .<br />

2.4 Conjuntos Não-Mensuráveis<br />

É fácil enunciar múltiplas questões sobre os problemas <strong>de</strong> Borel e <strong>de</strong> Lebesgue<br />

para as quais ainda não obtivémos qualquer tipo <strong>de</strong> resposta:<br />

• Existem conjuntos que não são Lebesgue-mensuráveis, ou seja, temos<br />

L(R N ) = P(R N )?<br />

• Existem conjuntos Lebesgue-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />

ou seja, temos B(R N ) = L(R N )?<br />

• Existem soluções do problema <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong>finidas na classe P(R N )?<br />

Veremos nesta secção que as duas primeiras questões acima têm resposta<br />

afirmativa, i.e.,<br />

B(R N ) = L(R N ) = P(R N ).<br />

Relativamente à última questão, passamos a estudar um problema análogo,<br />

mas reforçado com a usual invariância sob translacções, enunciado pelo<br />

próprio Lebesgue em 1904, e que aqui chamamos( 26 ):<br />

2.4.1 (O Problema “Difícil” <strong>de</strong> Lebesgue). Determinar uma função m :<br />

P(R) → [0, ∞] com as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

1. Normalização: Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos a,b, m(I) = b − a.<br />

2. Invariância sob translacções: Se x é um real e E ⊆ R,<br />

m(E + x) = m(E).<br />

3. σ-aditivida<strong>de</strong>: Se {En} é uma sucessão <strong>de</strong> conjuntos disjuntos em R,<br />

∞<br />

∞<br />

m( En) = m(En).<br />

n=1<br />

Vitali( 27 ) rapidamente <strong>de</strong>scobriu que este problema não tem solução,<br />

pelo menos no contexto da Teoria dos Conjuntos tal como é normalmente<br />

concebida hoje.<br />

26 Em “Leçons Sur L’Integration et La Recherche <strong>de</strong> Fonctions Primitives”, <strong>de</strong> H. Lebesgue,<br />

Paris 1904 e 1928. Lebesgue enunciou a condição 1. na forma (equivalente) <strong>de</strong><br />

“m([0,1]) = 0”.<br />

27 Vitali, G.: Sul problema <strong>de</strong>lla misura <strong>de</strong>i gruppi di punti di una retta. Bologna<br />

(1905). De Giuseppe Vitali, 1875-1941, matemático italiano, professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s<br />

<strong>de</strong> Pádua e Bolonha. Também publicado em “Mo<strong>de</strong>rna Teoria Delle Funzioni di Variabile<br />

Reale”, <strong>de</strong> G.Vitali e G.Sansone, 1935, Parte 1, pp. 58-60 da edição <strong>de</strong> 1943.<br />

n=1


130 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exemplo 2.4.2.<br />

o exemplo <strong>de</strong> Vitali: A relação ∼ <strong>de</strong>finida em R por<br />

x ∼ y ⇔ x − y ∈ Q<br />

é <strong>de</strong> equivalência. Fixado um real x, a classe <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> x é o conjunto<br />

[x] = {x + q : q ∈ Q} e, por isso, tem representantes (elementos) em qualquer<br />

intervalo aberto não-vazio. Em particular, existe um racional q tal que<br />

−x < q < −x + 1, i.e., 0 < x + q < 1.<br />

Se tomarmos v = x + q, então x ∼ v e v ∈ ]0, 1[. Por outras palavras,<br />

2.4.3. Qualquer classe <strong>de</strong> equivalência [x] tem pelo menos um representante v<br />

no intervalo ]0, 1[.<br />

De acordo com o axioma da escolha, ( 28 )<br />

2.4.4. Existe um conjunto V que contém exactamente um representante <strong>de</strong><br />

cada classe <strong>de</strong> equivalência [x], representante esse sempre em ]0, 1[.<br />

Sendo r1, · · · , rn, · · · os racionais <strong>de</strong> ] − 1, 1[, <strong>de</strong>finimos<br />

Provamos, em seguida, que<br />

Vn = V + rn = {v + rn : v ∈ V } , e G =<br />

∞<br />

Vn.<br />

2.4.5. Os conjuntos Vn são disjuntos entre si, i.e., Vn ∩ Vm = ∅ ⇒ n = m.<br />

Demonstração. Se x ∈ Vn ∩ Vm, existe v ∈ V tal que v + rn = x, porque<br />

x ∈ Vn, e existe também v ∗ ∈ V tal que v ∗ + rm = x, porque x ∈ Vm. Mas<br />

x = v + rn = v ∗ + rm ⇒ v − v ∗ = rm − rn ∈ Q ⇒ v ∼ v ∗ ⇒ [v] = [v ∗ ].<br />

Como V tem exactamente um representante <strong>de</strong> cada classe [v], temos v = v ∗<br />

e rn = rm, don<strong>de</strong> n = m.<br />

Suponha-se que o Problema 2.4.1 tem solução. Como m é invariante sob<br />

translacções (proprieda<strong>de</strong> 2), temos m(Vn) = m(V ). Como os conjuntos Vn<br />

são disjuntos entre si, temos, por σ-aditivida<strong>de</strong>, (proprieda<strong>de</strong> 3), que:<br />

∞<br />

∞<br />

m(G) = m(Vn) = m(V ).<br />

n=1<br />

Concluímos que m(G) só po<strong>de</strong> tomar um <strong>de</strong> dois valores, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do valor<br />

<strong>de</strong> m(V ):<br />

(1) m(V ) = 0 =⇒ m(G) = +∞, ou<br />

(2) m(V ) = 0 =⇒ m(G) = 0.<br />

28 Ver nota complementar sobre o axioma da escolha, no final <strong>de</strong>sta secção.<br />

n=1<br />

n=1


2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 131<br />

Demonstramos que o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue não tem solução, verificando<br />

que qualquer uma <strong>de</strong>stas alternativas conduz a contradições. Provamos<br />

primeiro que a alternativa (1) é impossível:<br />

2.4.6. G ⊆] − 1, 2[, don<strong>de</strong> m(G) ≤ m(] − 1, 2[) = 3 < +∞.<br />

Demonstração. Basta observar que V ⊆ ]0, 1[ e −1 < rn < +1, don<strong>de</strong> Vn ⊆<br />

] − 1, 2[ e G ⊆] − 1, 2[. Como m é monótona, temos m(G) ≤ m(] − 1, 2[) e, <strong>de</strong><br />

acordo com 1. (Normalização), m(] − 1, 2[) = 3.<br />

Provamos, finalmente, que a alternativa (2) é igualmente impossível, porque<br />

2.4.7. ]0, 1[⊆ G, don<strong>de</strong> 1 ≤ m(G) e m(G) = 0.<br />

Se x ∈ ]0, 1[, existe algum v ∈ V que é equivalente a x, porque V contém um<br />

representante <strong>de</strong> qualquer classe, incluindo [x]. Naturalmente, x = v + r, on<strong>de</strong><br />

r ∈ Q. Sabemos também que v ∈ ]0, 1[. Como também x ∈ ]0, 1[, é claro que<br />

r = x − v ∈] − 1, 1[. Por outras palavras, existe um natural n tal que r = rn e<br />

x ∈ Vn, don<strong>de</strong> x ∈ G.<br />

Como acabámos <strong>de</strong> ver, o problema 2.4.1 não tem solução, ou seja, não<br />

é possível atribuir um comprimento a todos os subconjuntos da recta real <strong>de</strong><br />

modo a satisfazer as três proprieda<strong>de</strong>s que indicámos. Como também vimos,<br />

a medida <strong>de</strong> Lebesgue satisfaz as condições (1), (2) e (3) do Problema 2.4.1,<br />

pelo que po<strong>de</strong>mos concluir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que L(R) = P(R). Por outras palavras,<br />

Existem subconjuntos <strong>de</strong> R que não são Lebesgue-mensuráveis.<br />

A medida <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob translacções, e sabemos que se V é<br />

Lebesgue-mensurável então V +x é igualmente Lebesgue-mensurável. Seguese<br />

imediatamente que<br />

o conjunto V do exemplo <strong>de</strong> Vitali não é Lebesgue-mensurável.<br />

Deixamos como exercício verificar que o argumento <strong>de</strong> Vitali po<strong>de</strong> ser adaptado<br />

para <strong>de</strong>monstrar o seguinte<br />

Teorema 2.4.8. Existem conjuntos não-mensuráveis VE ⊆ E ⊆ R se e só<br />

se m∗ N (E) > 0.<br />

Aproveitamos para uma breve <strong>de</strong>scrição do chamado axioma da escolha<br />

da Teoria dos Conjuntos, e para esclarecer um pouco melhor o seu<br />

papel na <strong>de</strong>finição do exemplo <strong>de</strong> Vitali. Uma das maneiras <strong>de</strong> enunciar este<br />

axioma é a seguinte:<br />

2.4.9 (Axioma da Escolha). Seja F uma família <strong>de</strong> conjuntos não-vazios, e<br />

T = ∪C∈FC. Então existe uma função f : F → T tal que f(C) ∈ C, para<br />

qualquer C ∈ F.


132 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Intuitivamente, a função f “escolhe” um elemento <strong>de</strong> cada conjunto C<br />

que pertence à família F, e daí o nome do axioma. É por isso comum<br />

referirmo-nos a f como uma “função <strong>de</strong> escolha”.<br />

No caso do exemplo <strong>de</strong> Vitali, começamos por tomar Cx = [x]∩]0,1[ para<br />

qualquer x ∈ R. Temos, então, (porquê?)<br />

Para qualquer x ∈ R, Cx = {y ∈ ]0,1[: x ∼ y}, Cx = ∅, e ainda<br />

T = <br />

x∈R<br />

Cx =]0,1[.<br />

Seja agora F = {Cx : x ∈ R}. Pelo axioma da escolha, existe uma função<br />

f : F →]0,1[ tal que f(C) ∈ C, para qualquer C ∈ F. O conjunto A usado<br />

no exemplo <strong>de</strong> Vitali é, exactamente,<br />

A = f(F) = {f(C) : C ∈ F} .<br />

Este conjunto verifica as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

(1) A contém um representante <strong>de</strong> cada classe <strong>de</strong> equivalência: Se x ∈ R,<br />

existe a ∈ A tal que a ∼ x: basta consi<strong>de</strong>rar a = f(Cx).<br />

(2) A contém apenas um representante <strong>de</strong> cada classe <strong>de</strong> equivalência: Se<br />

a,a ∗ ∈ A, então a = f(C), e a ∗ = f(C ∗ ). Se a = a ∗ então C = C ∗ .<br />

Como a e a ∗ pertencem a classes <strong>de</strong> equivalência distintas, não po<strong>de</strong>m<br />

ser equivalentes entre si.<br />

A relação entre o axioma da escolha e o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue<br />

é uma questão <strong>de</strong>licada, e não completamente compreendida, envolvendo os<br />

fundamentos da Teoria dos Conjuntos. Sabe-se ( 29 ) que a existência <strong>de</strong> uma<br />

solução para o problema “difícil” <strong>de</strong> Lebesgue é compatível com a negação<br />

do axioma da escolha, mas não é consequência <strong>de</strong>ssa negação. Existem,<br />

mesmo, diferenças subtis em questões semelhantes em R N , <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />

dimensão N. Por exemplo, se substituirmos no problema <strong>de</strong> Lebesgue a<br />

σ-aditivida<strong>de</strong> pela aditivida<strong>de</strong>, então existem soluções em R e R 2 ( 30 ), mas,<br />

sempre como consequência do axioma da escolha, não há solução em R 3 . A<br />

este respeito, é conhecido o:<br />

2.4.10 (Paradoxo <strong>de</strong> Banach-Tarski). ( 31 ) Se A é uma esfera em R 3 <strong>de</strong> raio<br />

R, existem conjuntos Cn,Dn, 1 ≤ n ≤ 6, tais que:<br />

29<br />

Solovay, R.M.: A mo<strong>de</strong>l of set-theory in which every set of reals is Lebesgue measurable,<br />

Ann. of Math. 92 (1970).<br />

30<br />

Banach, S. “Sur le Problème <strong>de</strong> la Mesure”, Fundamenta Mathematicae, 1923, 4, pp.6-<br />

33. Stefan Banach, 1892-1945, polaco, foi um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos do século XX. A<br />

sua tese <strong>de</strong> doutoramento (1920), intitulada “Sobre Operações em Conjuntos Abstractos<br />

e as suas Aplicações a Equações Integrais” é frequentemente tomada como marcando a<br />

criação da Análise Funcional.<br />

31<br />

Alfred Tarski, 1902-1983, também <strong>de</strong> origem polaca, foi professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s<br />

<strong>de</strong> Varsóvia e Harvard, e associou-se à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Berkeley, na Califórnia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1942.<br />

O trabalho original <strong>de</strong> Banach e Tarski é “Sur la décomposition <strong>de</strong>s ensembles <strong>de</strong> points<br />

en parties respectivement congruentes”, Fundamenta Mathematicae, 1924, 6, pp.244-277.


2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 133<br />

a) Os conjuntos Cn são disjuntos, e a sua união é a esfera A,<br />

b) Os conjuntos Dn são disjuntos, e a sua união consiste em duas esferas<br />

disjuntas B e C, cada uma <strong>de</strong> raio R.<br />

c) Os conjuntos Cn e Dn são isométricos (i.e., existem funções bijectivas<br />

fn : Cn → Dn tais que f(x) − f(y) = x − y).<br />

B(R N )<br />

L(R N )<br />

Eσ(R N ) Jσ(R N )<br />

Figura 2.4.1: Relações entre classes <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> R N .<br />

É muito interessante reconhecer que L(R) = P(R) implica B(R) = L(R).<br />

Antes <strong>de</strong> estabelecermos este facto, provamos alguns resultados auxiliares<br />

que nos serão também úteis mais adiante, quando estudarmos outras medidas<br />

na recta real.<br />

Lema 2.4.11. Se f : R → R é contínua e crescente e M é uma σ-álgebra<br />

em R que contém os intervalos (e.g., M = B(R) ou M = L(R)), então a<br />

classe A = {E ∈ R : f(E) ∈ M} é uma σ-álgebra que contém B(R).<br />

Demonstração. É claro que B(R) ⊆ M, e passamos a mostrar que A é uma<br />

σ-álgebra que contém os intervalos, para concluir que B(R) ⊆ A. Notamos<br />

primeiro que:<br />

(1) A contém todos os intervalos: As funções contínuas transformam intervalos<br />

em intervalos( 32 ), e por hipótese qualquer intervalo pertence<br />

a M.<br />

(2) A é fechada para uniões numeráveis: Para qualquer função f, temos<br />

f<br />

∞<br />

n=1<br />

En<br />

<br />

=<br />

∞<br />

f (En).<br />

n=1<br />

32 Esta afirmação é o clássico Teorema do Valor Intermédio.


134 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

y<br />

A função f po<strong>de</strong> não ser injectiva, e <strong>de</strong>signamos por N o conjunto dos<br />

y ∈ R para os quais a equação y = f(x) tem múltiplas soluções x ∈ R<br />

(os pontos y ∈ N correspon<strong>de</strong>m a segmentos horizontais no gráfico <strong>de</strong><br />

f). Temos então:<br />

(3) N é finito ou infinito numerável, don<strong>de</strong> N é Borel-mensurável: y ∈ N<br />

se e só se existem x1 = x2 tais que f(x1) = f(x2) = y. Supomos<br />

sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que x1 < x2 e notamos que, como f é<br />

crescente, temos f(x) = y para qualquer x ∈ [x1,x2]. Existe por isso<br />

um racional ry tal que x1 < ry < x2, don<strong>de</strong> f(ry) = y (figura 2.4.2).<br />

A função ψ : N → Q dada por ψ(y) = ry é obviamente injectiva, e<br />

portanto o cardinal <strong>de</strong> N não exce<strong>de</strong> o cardinal <strong>de</strong> Q.<br />

y ′′<br />

y ′<br />

x1 ry x2 ry ′ ry ′′<br />

Figura 2.4.2: Os pontos y,y ′ ,y ′′ ∈ N, e os pontos ry,ry ′,ry ′′ ∈ Q<br />

(4) A é fechada para complementações: Dado E ⊆ R, o conjunto K =<br />

f(E) ∩ f(E c ) ⊆ N, por razões evi<strong>de</strong>ntes, e K é finito ou infinito<br />

numerável, <strong>de</strong> acordo com (3). Segue-se que K é Borel-mensurável,<br />

don<strong>de</strong> K ∈ M. Como f(E)∪f(E c ) = f(R), temos então (figura 2.4.3)<br />

f(E c ) = [f(R)\f(E)] ∪ K<br />

f(R) é um intervalo, porque R o é, e f(E) ∈ M quando E ∈ A.<br />

Po<strong>de</strong>mos neste caso concluir que f(E c ) ∈ M, ou seja, E c ∈ A.<br />

Concluímos <strong>de</strong> (1), (2) e (4) que A é uma σ-álgebra que contém os intervalos,<br />

e portanto A contém os abertos e os conjuntos Borel-mensuráveis.<br />

Tomando M = B(R) concluímos em particular que as funções contínuas<br />

crescentes transformam conjuntos Borel-mensuráveis em conjuntos Borelmensuráveis,<br />

ou seja,


2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 135<br />

f(E) K = f(E) ∩ f(E c )<br />

f(E c )<br />

Figura 2.4.3: f(E c ) = [f(R)\f(E)] ∪ K, e K ⊆ N é numerável.<br />

Teorema 2.4.12. Se f : R → R é uma função contínua crescente e E ∈<br />

B(R) então f(E) ∈ B(R).<br />

Exemplo 2.4.13.<br />

O resultado anterior permite-nos apresentar um conjunto E nulo, e por isso<br />

Lebesgue-mensurável, que não é Borel-mensurável. Usamos um engenhoso<br />

argumento indirecto, que combina diversos exemplos que já mencionámos: a<br />

“escada do diabo” F (1.5.9), o conjunto <strong>de</strong> Cantor C (1.3.9), e o exemplo <strong>de</strong><br />

Vitali V (2.4.4). Limitamo-nos a observar que:<br />

a) Como F(C) = [0, 1] e V ⊂ [0, 1], existe E ⊂ C tal que F(E) = V .<br />

b) E ⊂ C é um conjunto Jordan-mensurável <strong>de</strong> conteúdo nulo, e portanto<br />

E é Lebesgue-mensurável. C é evi<strong>de</strong>ntemente um conjunto <strong>de</strong> Borel <strong>de</strong><br />

medida nula.<br />

c) Pelo teorema 2.4.12, se E ∈ B(R) então F(E) ∈ B(R).<br />

d) V = F(E) não é Borel-mensurável, já que nem sequer é Lebesgue-mensurável.<br />

Segue-se <strong>de</strong> c) que E não é Borel-mensurável.<br />

Mostrámos assim que<br />

• Existem conjuntos Lebesgue-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />

• Existem conjuntos Jordan-mensuráveis que não são Borel-mensuráveis,<br />

• O espaço <strong>de</strong> Borel não é completo, e<br />

•<br />

É possível que uma função contínua transforme conjuntos Lebesgue-mensuráveis<br />

em conjuntos não-mensuráveis.<br />

Exemplo 2.4.14.<br />

O Exemplo <strong>de</strong> Sierpinski( 33 ): Retomamos a relação <strong>de</strong> equivalência referida<br />

no exemplo <strong>de</strong> Vitali, ou seja, se x, y ∈ R, então x ∼ y se e só se x − y ∈ Q.<br />

Notamos que, se x ∈ Q, então x ∼ −x, ou seja, as classes <strong>de</strong> equivalência<br />

33 Este exemplo é uma adaptação do apresentado em Sierpinski, W. Sur un problème<br />

conduisant à un ensemble non mesurable. Fund. Math. 10 (1927) 177-179. Waclaw<br />

Sierpinski, 1882-1969, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Varsóvia, foi um dos mais produtivos<br />

matemáticos polacos do século XX.


136 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

[x] e [−x] são distintas, porque x − (−x) = 2x ∈ Q é equivalente a x ∈ Q.<br />

Designamos o conjunto <strong>de</strong> todas as classes [x] por R/Q ( 34 ).<br />

• Consi<strong>de</strong>ramos a família W = {{[x], [−x]} : x ∈ R}, e mais uma vez<br />

usamos o axioma <strong>de</strong> escolha para seleccionar em cada conjunto {[x], [−x]}<br />

uma das classes <strong>de</strong> equivalência que o constituem (claro que quando x ∈ Q<br />

existe apenas uma classe para seleccionar, que é [0]). Mais precisamente,<br />

observamos que existe uma função “<strong>de</strong> escolha” f : W → R/Q tal que<br />

f(ω) ∈ ω para qualquer ω ∈ W.<br />

• O exemplo <strong>de</strong> Sierpinski é o conjunto S = {x ∈ R : [x] ∈ f(W)},<br />

ou seja, é formado pelos reais cujas classes <strong>de</strong> equivalência foram seleccionadas<br />

pela função <strong>de</strong> escolha f. Note-se que, se r ∈ Q,<br />

(1) S + r = S e S c + r = S c , e<br />

(2) Se x ∈ Q, então r + x ∈ S ⇐⇒ r − x ∈ S c .<br />

É fácil obter <strong>de</strong> (2) que a reflexão do conjunto S em qualquer racional<br />

é o conjunto Q ∪ S c , e a reflexão <strong>de</strong> S c em qualquer racional é o conjunto<br />

S\Q. Como a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob reflexões e Q é<br />

um conjunto nulo, po<strong>de</strong>mos alargar esta observação para<br />

Lema 2.4.15. Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos racionais, então<br />

m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S c ∩ I).<br />

Demonstração. Seja F = I\Q, q ∈ Q o ponto médio do intervalo I, e F − e<br />

F + os conjuntos formados pelos pontos <strong>de</strong> F respectivamente à esquerda e<br />

à direita <strong>de</strong> q, ou seja,<br />

F − = {x ∈ F : x < q} e F + = {x ∈ F : x > q}.<br />

Sendo ρ : R → R a reflexão em q, i.e., ρ(q + x) = q − x, notamos que<br />

q + x ∈ S ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S c ∩ F − , ou seja, S c ∩ F − = ρ(S ∩ F + )<br />

q + x ∈ S c ∩ F + ⇐⇒ q − x ∈ S ∩ F − , ou seja, S c ∩ F + = ρ(S ∩ F − )<br />

Como a medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é invariante sob reflexões, temos<br />

m ∗ (S c ∩ F − ) = m ∗ (S ∩ F + ) e m ∗ (S c ∩ F + ) = m ∗ (S ∩ F − ).<br />

Os conjuntos F + e F − são mensuráveis, disjuntos e F = F + ∪F − , e portanto<br />

m ∗ (S ∩ F) = m ∗ (S ∩ F + ) + m ∗ (S ∩ F − ) =<br />

= m ∗ (S c ∩ F − ) + m ∗ (S c ∩ F + ) = m ∗ (S c ∩ F).<br />

m ∗ (I\F) = 0, don<strong>de</strong> m ∗ (S ∩I) = m ∗ (S ∩F) = m ∗ (S c ∩F) = m ∗ (S c ∩I).<br />

34 R/Q é na verda<strong>de</strong> um grupo quociente do grupo aditivo dos reais, porque Q é um<br />

subgrupo normal <strong>de</strong> R, mas não usamos esse facto aqui.


2.4. Conjuntos Não-Mensuráveis 137<br />

A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é também invariante sob translacções, o<br />

que nos permite obter<br />

Lema 2.4.16. Se I é um intervalo <strong>de</strong> extremos racionais então m ∗ (S ∩I) =<br />

λ m(I), on<strong>de</strong> λ = m ∗ (S ∩ [0,1]) ≥ 1/2.<br />

Demonstração. No que se segue, I e J são intervalos <strong>de</strong> extremos racionais.<br />

Começamos por mostrar que<br />

(i) m(I) = m(J) =⇒ m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S ∩ J).<br />

É claro que se m(I) = m(J) então J é uma translacção <strong>de</strong> I, e no caso<br />

presente existe r ∈ Q tal que J = I + r. Notámos em (2) que S e S c<br />

são invariantes sob translacções racionais, e concluímos que S ∩ J é uma<br />

translacção <strong>de</strong> S ∩ I, já que<br />

(S ∩ I) + r = (S + r) ∩ (I + r) = S ∩ J, don<strong>de</strong> m ∗ (S ∩ I) = m ∗ (S ∩ J).<br />

Mostramos agora que, se n ∈ N,<br />

(ii) m(I) = n m(J) =⇒ m ∗ (S ∩ I) = n m ∗ (S ∩ J).<br />

É claro que existe uma partição <strong>de</strong> I em n subintervalos I1,I2, · · · ,In, cada<br />

um <strong>de</strong> extremos racionais e comprimento m(J), e temos assim que<br />

m ∗ (S ∩ I) =<br />

n<br />

m ∗ (S ∩ Ik) =<br />

k=1<br />

n<br />

k=1<br />

m ∗ (S ∩ J) = n m ∗ (S ∩ J).<br />

Para terminar, continuamos a supor que I é um intervalo <strong>de</strong> extremos<br />

racionais, e notamos sucessivamente <strong>de</strong> (i) e (ii) que<br />

• Se m(I) = n então m ∗ (S ∩ I) = n m ∗ (S ∩ [0,1]) = n λ,<br />

• Se m(I) = 1/n então m ∗ (S ∩ I) = λ/n, e<br />

• Em qualquer caso, m ∗ (S ∩ I) = λ m(I).<br />

É evi<strong>de</strong>nte que m ∗ (S ∩ [0,1]) ≤ 1, i.e., λ ≤ 1, mas temos também<br />

m(I) ≤ m ∗ (S ∩ I) + m ∗ (S c ∩ I) = 2λ m(I) =⇒ λ ≥ 1/2.<br />

Os resultados anteriores po<strong>de</strong>m ser generalizados na seguinte forma:<br />

Lema 2.4.17. Se E ∈ L(R) então m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = λ m(E).


138 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Observamos primeiro que se A ⊂ B são conjuntos mensuráveis<br />

e T é um conjunto arbitrário então<br />

m ∗ (T ∩ B) = m ∗ (T ∩ A) + m ∗ (T ∩ (B\A)) ≤ m ∗ (T ∩ A) + m(B\A).<br />

Em particular, se m(B\A) < ε então<br />

(i) m ∗ (T ∩ A) ≤ m ∗ (T ∩ B) ≤ m ∗ (T ∩ A) + ε.<br />

Se I é um qualquer intervalo limitado é evi<strong>de</strong>nte que existem intervalos <strong>de</strong><br />

extremos racionais In ⊇ I tais que m(In\I) → 0. Tomando em (i) A = I e<br />

B = In obtemos m ∗ (T ∩ In) → m ∗ (T ∩ I). Concluímos dos lemas 2.4.15 e<br />

2.4.16 que<br />

(ii) Se I é um intervalo limitado então m ∗ (S ∩ I) = λ m(I) = m ∗ (S c ∩ I).<br />

É imediato generalizar (ii) para intervalos ilimitados.<br />

Qualquer aberto U ⊆ R é uma união numerável <strong>de</strong> intervalos disjuntos<br />

In. De acordo com o exercício 13 da secção 2.2 e (ii) temos<br />

m ∗ (S ∩ U) =<br />

∞<br />

m ∗ (S ∩ In) =<br />

n=1<br />

∞<br />

λ m(In) = λ m(U).<br />

n=1<br />

A mesma observação é válida substituindo S por S c e portanto<br />

(iii) Se U é um aberto então m ∗ (S ∩ U) = λ m(I) = m ∗ (S c ∩ U).<br />

A conclusão da <strong>de</strong>monstração é parte do exercício 5.<br />

O principal resultado sobre o exemplo <strong>de</strong> Sierpinski é o seguinte:<br />

Teorema 2.4.18. Se E ∈ L(R) então m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = m(E).<br />

Em particular, S não é Lebesgue-mensurável.<br />

Demonstração. Sabemos que 1/2 ≤ λ ≤ 1, e provamos que na realida<strong>de</strong><br />

λ = 1, argumentando por contradição. Supomos assim que m ∗ (S ∩ [0,1]) =<br />

λ < 1.<br />

É claro que existe um aberto U ⊇ S ∩ [0,1] tal que m(U) < 1, e consi<strong>de</strong>ramos<br />

o conjunto K = [0,1]\U. Notamos que K é fechado, m(K) > 0 e<br />

K ∩ S = ∅, e concluímos que λ = 1, porque<br />

0 = λ m(K) = m ∗ (S ∩ K) = m ∗ (∅) = 0 é impossível.<br />

Para mostrar que S não é mensurável, argumentamos igualmente por<br />

contradição: Se S é mensurável e E é também mensurável com 0 < m(E) <<br />

∞ então m(E) = m(S ∩ E) + m(S c ∩ E) = 2 m(E), o que é impossível.


2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 139<br />

O conjunto <strong>de</strong> Sierpinski S permite-nos construir outros exemplos interessantes,<br />

alguns dos quais referidos no próximo teorema, cuja <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong>ixamos para o exercício 5.<br />

Teorema 2.4.19. Definimos a classe M e a função µ : M → [0, ∞] por<br />

M = {(E ∩ S) ∪ (F ∩ S c ) : E,F ∈ L(R)} e<br />

µ(A) = 1<br />

2 m∗ (A ∩ S) + 1<br />

2 m∗ (A ∩ S c ).<br />

Temos então que (R, M,µ) é um espaço <strong>de</strong> medida, uma extensão não trivial<br />

do espaço <strong>de</strong> Lebesgue e uma solução não regular do Problema <strong>de</strong> Borel.<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que o conjunto A referido na discussão do exemplo <strong>de</strong> Vitali não é<br />

Lebesgue-mensurável.<br />

2. Mostre que o conjunto A indicado na discussão do exemplo <strong>de</strong> Vitali po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> modo que m ∗ (A) < ε, on<strong>de</strong> ε > 0 é arbitrário.<br />

3. Adapte a <strong>de</strong>finição do exemplo <strong>de</strong> Vitali para obter um subconjunto nãomensurável<br />

<strong>de</strong> um qualquer conjunto E ⊆ RN com m∗ N (E) > 0. Conclua que<br />

(E) > 0.<br />

E tem subconjuntos não-mensuráveis se e só se m ∗ N<br />

4. Suponha que f : R → R é uma função contínua crescente. Prove que f<br />

transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos se e só se transforma conjuntos<br />

Lebesgue-mensuráveis em conjuntos Lebesgue-mensuráveis.<br />

5. Este exercício refere-se ao exemplo <strong>de</strong> Sierpinski S:<br />

a) Mostre que m ∗ (S ∩ E) = m ∗ (S c ∩ E) = λ m(E) para qualquer E ∈ R,<br />

para concluir a <strong>de</strong>monstração do lema 2.4.17. sugestão: Recor<strong>de</strong> que a<br />

afirmação está <strong>de</strong>monstrada quando E é um aberto.<br />

b) Mostre que os conjuntos T ⊆ S com m ∗ (T) > 0 não são Lebesguemensuráveis.<br />

Observe que se m(E) > 0 então E ∩ S é um subconjunto<br />

<strong>de</strong> E que não é Lebesgue-mensurável, o que é outra forma <strong>de</strong> esclarecer<br />

a questão do exercício 3.<br />

c) Qual é a σ-álgebra gerada por S e pelos conjuntos elementares?<br />

d) Demonstre o teorema 2.4.19. sugestão: Verifique que M é uma σálgebra<br />

e µ é uma medida.<br />

2.5 <strong>Medida</strong>s Exteriores<br />

A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue é apenas um exemplo concreto <strong>de</strong> uma classe<br />

<strong>de</strong> funções σ-subaditivas, ditas medidas exteriores, que têm um papel auxiliar,<br />

mas importante, na Teoria da <strong>Medida</strong>. São <strong>de</strong>finidas como se segue:


140 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Definição 2.5.1 (<strong>Medida</strong>s Exteriores). A função λ : P(X) → [0,+∞] diz-se<br />

uma medida exterior em X se e só se λ é σ-subaditiva, e λ(∅) = 0.<br />

A principal restrição na <strong>de</strong>finição anterior é, para além da σ-subaditivida<strong>de</strong>,<br />

o facto <strong>de</strong> λ estar <strong>de</strong>finida para todos os subconjuntos <strong>de</strong> X. A<br />

importância das medidas exteriores resulta, como veremos nesta secção, <strong>de</strong><br />

que qualquer medida exterior λ <strong>de</strong>termina uma σ-álgebra <strong>de</strong> conjuntos, ditos<br />

λ-mensuráveis, e a restrição <strong>de</strong> λ a essa classe é sempre uma medida. De<br />

forma mais sucinta,<br />

Qualquer medida exterior <strong>de</strong>termina um espaço <strong>de</strong> medida.<br />

Exemplos 2.5.2.<br />

1. A função λ : P(X) → [0, +∞], dada por<br />

<br />

0, se E = ∅, e<br />

λ(E) =<br />

1, se E = ∅,<br />

é uma medida exterior. A função λ não é aditiva, e não é uma medida, excepto<br />

nos casos triviais em que X é vazio, ou tem apenas um elemento.<br />

2. Se R é um subconjunto limitado <strong>de</strong> R N , o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan está<br />

<strong>de</strong>finido para qualquer subconjunto E <strong>de</strong> R, e vimos, nos exercícios do capítulo<br />

anterior, que é uma função subaditiva. Deixamos para os exercícios<br />

<strong>de</strong>sta secção verificar que, no entanto, o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan não é<br />

σ-subaditivo, e, portanto, não é uma medida exterior em R.<br />

O próximo resultado é muito simples <strong>de</strong> provar.<br />

Teorema 2.5.3. Qualquer medida exterior é monótona e subaditiva.<br />

Utilizaremos com alguma frequência o seguinte procedimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> medidas exteriores.<br />

Teorema 2.5.4. Seja X um conjunto, S uma classe <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> X,<br />

e λ : S → [0, ∞] uma função. Suponha-se que:<br />

a) ∅ ∈ S, e λ(∅) = 0,<br />

b) Existem conjuntos Sn ∈ S, tais que X = ∪ ∞ n=1 Sn( 35 ), e<br />

c) λ ∗ : P(X) → [0, ∞] é dada por<br />

λ ∗ <br />

∞<br />

(E) = inf λ(Sn) : E ⊆<br />

n=1<br />

∞<br />

<br />

Sn,Sn ∈ S .<br />

n=1<br />

35 Dizemos neste caso que S é uma cobertura sequencial <strong>de</strong> X.


2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 141<br />

Então λ ∗ é uma medida exterior em X.<br />

Demonstração. Como ∅ ∈ S, tomamos Sn = ∅ para qualquer n ∈ N, para<br />

concluir que λ ∗ (∅) = 0. Para provar que λ ∗ é σ-subaditivo, consi<strong>de</strong>ramos<br />

conjuntos E,En ⊆ X, on<strong>de</strong><br />

E ⊆<br />

∞<br />

En.<br />

Dado ε > 0 arbitrário, existem conjuntos Smn, com n,m ∈ N, tais que<br />

∞<br />

En ⊆ Smn, e λ ∗ ∞<br />

(En) ≤ λ(Smn) ≤ λ ∗ (En) + ε<br />

2n. m=1<br />

n=1<br />

m=1<br />

A família {Smn : n,m ∈ N} é uma cobertura numerável <strong>de</strong> E por conjuntos<br />

em S, i.e., E ⊆ ∪ ∞ n=1 ∪∞ m=1 Smn, e portanto<br />

λ ∗ (E) ≤<br />

∞<br />

n=1 m=1<br />

∞<br />

∞<br />

λ(Smn) ≤ [λ ∗ (En) + ε<br />

∞<br />

] ≤ ε + λ<br />

2n ∗ (En).<br />

n=1<br />

Fazendo ε → 0, obtemos o resultado pretendido.<br />

Exemplos 2.5.5.<br />

1. Designando por R(R N ) a classe dos rectângulos-N limitados, é claro que<br />

R(R N ) é uma cobertura sequencial <strong>de</strong> X = R N . A medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue<br />

em R N po<strong>de</strong> ser obtida fazendo S = R(R N ), e λ = cN.<br />

2. Generalizando o exemplo anterior, qualquer função λ : R(R N ) → [0, ∞] que<br />

n=1<br />

satisfaça λ(∅) = 0 <strong>de</strong>termina uma medida exterior λ ∗ em R N , dada por<br />

λ ∗ <br />

∞<br />

∞<br />

(E) = inf λ(Rn) : E ⊆<br />

n=1<br />

n=1<br />

Rn, Rn ∈ R(R N )<br />

3. A classe F(R) formada pelos intervalos da forma ]a, b] é uma cobertura sequencial<br />

<strong>de</strong> R. Vimos no exemplo 1.2.5.5 que qualquer função F : R → R<br />

<strong>de</strong>termina uma função λ : F(R) → R, dada por λ(]a, b]) = F(b) − F(a). Supondo<br />

que F é crescente, a função λ∗ : P(R) → [0, ∞], dada por<br />

λ ∗ <br />

∞<br />

∞<br />

<br />

(E) = inf [F(bn) − F(an)] : E ⊆ ]an, bn],<br />

n=1<br />

é uma medida exterior em R.<br />

4. Dados espaços <strong>de</strong> medida (X, M, µ) e (Y, N, ν), é por vezes conveniente<br />

<strong>de</strong>finir uma medida “produto” em X × Y , que aqui <strong>de</strong>signaremos por µ ⊗ ν.<br />

Esta medida <strong>de</strong>ve ser tal que( 36 )<br />

n=1<br />

se A ∈ M e B ∈ N então (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B).<br />

36 Note que a condição indicada é especialmente natural quando os espaços em causa<br />

são espaços <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

<br />

.


142 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Para <strong>de</strong>finir a medida µ ⊗ν, consi<strong>de</strong>raremos primeiro a classe S formada pelos<br />

conjuntos que são produtos cartesianos da forma A×B, com A ∈ M e B ∈ N.<br />

Esta classe contém o conjunto X ×Y , e é portanto uma cobertura sequencial <strong>de</strong><br />

X ×Y . Definimos λ : S → [0, ∞] por λ(A×B) = µ(A)ν(B). A medida exterior<br />

λ ∗ <strong>de</strong>terminada pela função λ nos termos do teorema 2.5.4 será utilizada para<br />

<strong>de</strong>finir os conjuntos mensuráveis em X × Y e a medida µ ⊗ ν.<br />

5. Seja µ uma medida positiva em R N <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M que contém<br />

os abertos. Se E ⊆ R N , <strong>de</strong>finimos µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }.<br />

É fácil verificar que µ ∗ é uma medida exterior (exercício 5), e notamos da<br />

<strong>de</strong>finição 2.3.13 que µ é regular em N ⊆ M se e só se µ(E) = µ ∗ (E), para<br />

qualquer E ∈ N.<br />

Os resultados <strong>de</strong>sta secção são como dissémos aplicáveis a qualquer medida<br />

exterior, e <strong>de</strong>vem-se sobretudo a Caratheodory( 37 ). Dada uma medida<br />

exterior µ ∗ , propomo-nos aqui:<br />

• Definir os conjuntos ditos “µ ∗ -mensuráveis”,<br />

• Mostrar que µ ∗ é aditiva na classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, e<br />

• Provar que a classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis é uma σ-álgebra.<br />

Deve ser claro que neste caso a restrição <strong>de</strong> µ ∗ à classe dos conjuntos µ ∗ -<br />

mensuráveis é uma medida, ou seja, a medida exterior µ ∗ <strong>de</strong>termina um<br />

espaço <strong>de</strong> medida, como referimos no início <strong>de</strong>sta secção. Começamos por<br />

abstrair do problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue (2.2.8) o que chamamos:<br />

2.5.6 (Problema <strong>de</strong> Caratheodory). Dada uma medida exterior µ ∗ em X,<br />

<strong>de</strong>terminar uma σ-álgebra M on<strong>de</strong> µ ∗ seja aditiva.<br />

Resolveremos este problema usando uma i<strong>de</strong>ia directamente sugerida<br />

pela <strong>de</strong>finição 2.2.11.<br />

Definição 2.5.7 (Conjuntos µ ∗ -Mensuráveis). Dada uma medida exterior<br />

µ ∗ em X, o conjunto E ⊆ X diz-se µ ∗ -mensurável se e só se<br />

µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E), para qualquer conjunto F em X.<br />

Designamos a classe dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis por Mµ ∗.<br />

Exemplos 2.5.8.<br />

1. No caso da medida exterior <strong>de</strong> Lebesgue, os conjuntos m∗ N-mensuráveis são,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, os conjuntos que são Lebesgue-mensuráveis no sentido <strong>de</strong> 2.2.11.<br />

37 Constantin Caratheodory (1873-1950), matemático alemão, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> Munique.


2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 143<br />

2. A medida <strong>de</strong> Dirac δ num qualquer conjunto X está <strong>de</strong>finida em toda a classe<br />

P(X), e é σ-subaditiva, porque é σ-aditiva. É, portanto, também uma medida<br />

exterior. Neste caso, qualquer conjunto E ⊆ X é δ-mensurável, porque sendo<br />

δ aditiva em P(X), a condição em 2.5.7 é satisfeita por qualquer E ⊆ X.<br />

3. Se X = ∅ é um conjunto e E ⊆ X, <strong>de</strong>finimos<br />

µ ∗ <br />

0, se E = ∅, e<br />

(E) =<br />

1, se E = ∅.<br />

É simples verificar que µ ∗ é uma medida exterior no conjunto X (trata-se do<br />

exemplo 2.5.2.1 referido atrás). Sendo E ⊆ X µ ∗ -mensurável, tomamos F = X<br />

em 2.5.7, para concluir que µ ∗ (X) = µ ∗ (E) + µ ∗ (E c ).<br />

Como X = ∅, sabemos que µ ∗ (X) = 1, e a igualda<strong>de</strong> anterior só po<strong>de</strong> ser válida<br />

se µ ∗ (E) = 0 ou µ ∗ (E c ) = 0, ou seja, se E = ∅ ou E c = ∅ ( i.e., se E = X).<br />

Por outras palavras, os únicos conjuntos que po<strong>de</strong>m ser µ ∗ -mensuráveis são ∅<br />

e X. Como estes conjuntos são sempre µ ∗ -mensuráveis (porquê?), neste caso<br />

os conjuntos µ ∗ -mensuráveis reduzem-se exactamente a ∅ e X.<br />

Passamos a <strong>de</strong>monstrar que Mµ ∗ é sempre uma álgebra, utilizando<br />

uma adaptação óbvia do argumento que usámos na proposição 2.2.13.<br />

Teorema 2.5.9. A classe Mµ ∗ é uma álgebra em X, i.e.,<br />

a) X ∈ Mµ ∗,<br />

b) Fecho em relação à complementação: A ∈ Mµ ∗ =⇒ Ac ∈ Mµ ∗, e<br />

c) Fecho em relação à intersecção: A,B ∈ Mµ ∗ =⇒ A ∩ B ∈ Mµ ∗.<br />

Demonstração. Deixamos as <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> a) e b) como exercício. Para<br />

provar c), temos a mostrar que se A,B ∈ Mµ ∗ então A ∩B ∈ Mµ ∗, ou seja,<br />

µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ), para qualquer F ⊆ X.<br />

Como µ ∗ é, por hipótese, subaditiva, temos apenas que mostrar que<br />

µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ (A ∩ B)) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />

Para estimar µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ), notamos que<br />

F ∩ (A ∩ B) c = (F ∩ A c ) ∪ (F ∩ A ∩ B c ).<br />

(Observe-se a figura 2.2.2). Como µ ∗ é subaditiva, temos<br />

µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥ µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />

Somando µ ∗ (F ∩ A ∩ B) a ambos os membros <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, temos<br />

(i ) µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) ≥<br />

≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).


144 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Como B ∈ Mµ ∗ e F ∩ A ⊆ X, usamos a <strong>de</strong>finição 2.5.7, com B em vez<br />

<strong>de</strong> E e F ∩ A em vez <strong>de</strong> F, para concluir que<br />

µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ A ∩ B c ) = µ ∗ (F ∩ A).<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (i) po<strong>de</strong>, portanto, escrever-se na forma<br />

(ii) µ ∗ (F ∩ A c ) + µ ∗ (F ∩ A) ≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />

Como A ∈ Mµ ∗ e F ⊆ X, temos µ∗ (F ∩A c ))+µ ∗ (F ∩A) = µ ∗ (F), e segue-se<br />

finalmente <strong>de</strong> (ii) que µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ A ∩ B) + µ ∗ (F ∩ (A ∩ B) c ).<br />

Mµ<br />

É extremamente simples mostrar que a função µ ∗ é aditiva na álgebra<br />

∗, e é sobretudo <strong>de</strong> sublinhar que, para que seja válida a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B), com A e B disjuntos,<br />

basta que um dos conjuntos A e B seja µ ∗ -mensurável.<br />

Lema 2.5.10. Se A e B são disjuntos e A ∈ Mµ ∗, então<br />

µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B).<br />

Demonstração. Utilizamos a <strong>de</strong>finição 2.5.7, com A no lugar <strong>de</strong> E e A ∪ B<br />

no lugar <strong>de</strong> F. Sendo A e B disjuntos, temos<br />

(A ∪ B) ∩ A = A e (A ∪ B)\A = B,<br />

don<strong>de</strong>, como A é mensurável, se segue que<br />

µ ∗ (A ∪ B) = µ ∗ ((A ∪ B) ∩ A) + µ ∗ ((A ∪ B)\A) = µ ∗ (A) + µ ∗ (B).<br />

Este resultado po<strong>de</strong> ser generalizado, fazendo intervir um segundo conjunto<br />

arbitrário C, que também não necessita ser µ ∗ -mensurável.<br />

A B<br />

C<br />

Figura 2.5.1: B e C são arbitrários, A ∈ Mµ ∗.<br />

Proposição 2.5.11. Se A e B são disjuntos, C ⊆ X e A ∈ Mµ ∗, então<br />

µ ∗ (C ∩ (A ∪ B)) = µ ∗ (C ∩ A) + µ ∗ (C ∩ B).


2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 145<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto D dado por:<br />

D = C ∩ (A ∪ B) = (C ∩ A) ∪ (C ∩ B).<br />

Por hipótese, A ∈ Mµ ∗, don<strong>de</strong> temos, mais uma vez, que<br />

µ ∗ (D) = µ ∗ (D ∩ A) + µ ∗ (D\A).<br />

Como, obviamente, D ∩ A = C ∩ A, e D\A = C ∩ B, concluímos que<br />

µ ∗ (D) = µ ∗ (D ∩ A) + µ ∗ (D ∩ B).<br />

Este último resultado generaliza-se, por um simples argumento <strong>de</strong> indução<br />

finita, ao seguinte:<br />

Corolário 2.5.12. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos e F ⊆ X,então<br />

µ ∗ m<br />

( (F ∩En)) =<br />

n=1<br />

m<br />

n=1<br />

µ ∗ (F ∩En) e em particular µ ∗ (<br />

m<br />

En) =<br />

n=1<br />

m<br />

µ ∗ (En).<br />

É claro do lema 2.5.10 que a função µ ∗ é aditiva na álgebra Mµ ∗. Provamos<br />

a seguir uma forma generalizada da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>( 38 ),<br />

com a particularida<strong>de</strong> muito interessante <strong>de</strong> não necessitarmos supor, no seu<br />

enunciado, que o conjunto E = ∪∞ n=1En é µ ∗-mensurável. Teorema 2.5.13. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos e F ⊆ X, então<br />

µ ∗ ∞<br />

∞<br />

( (F ∩En)) = µ ∗ (F ∩En) e em particular µ ∗ ∞<br />

∞<br />

( En) = µ ∗ (En).<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

Demonstração. Mais uma vez, temos a provar apenas que<br />

µ ∗ (F ∩ E) ≥<br />

∞<br />

µ ∗ (F ∩ En).<br />

n=1<br />

Tomamos ˜ Em = ∪ m n=1 En. Usamos o corolário 2.5.12, com ˜ Em no lugar <strong>de</strong><br />

E, para concluir que µ ∗ (F ∩ ˜ Em) = m<br />

n=1 µ∗ (F ∩ En). Notamos que<br />

˜Em ⊆ E ⇒ F ∩ ˜ Em ⊆ F ∩ E ⇒<br />

Obtemos, finalmente, que<br />

m<br />

m<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

µ ∗ (F ∩ En) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) ≤ µ ∗ (F ∩ E).<br />

lim µ<br />

m→+∞<br />

n=1<br />

∗ (F ∩ En) ≤ µ ∗ (F ∩ E), i.e., µ<br />

n=1<br />

∗ (F ∩ En) ≤ µ ∗ (F ∩ E).<br />

38 Recor<strong>de</strong> o exercício 13 da secção 2.2.<br />


146 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Já <strong>de</strong>monstrámos para qualquer medida exterior µ ∗ que:<br />

• Mµ ∗ é uma álgebra,<br />

• µ ∗ é aditiva, e portanto σ-aditiva, em Mµ ∗.<br />

Para mostrar que Mµ ∗ é solução do Problema 2.5.6, resta-nos provar que<br />

• Mµ ∗ é uma σ-álgebra, i.e., é fechada em relação a uniões numeráveis.<br />

É precisamente o facto <strong>de</strong> termos <strong>de</strong>monstrado o teorema anterior sem<br />

supor que ∪∞ n=1En ∈ Mµ ∗ que agora nos permite provar que, na realida<strong>de</strong>,<br />

temos sempre ∪∞ n=1En ∈ Mµ ∗. Começamos por verificar esta afirmação, no<br />

caso especial <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> conjuntos disjuntos.<br />

Lema 2.5.14. Se os conjuntos En ∈ Mµ ∗ são disjuntos, então<br />

E =<br />

∞<br />

En ∈ Mµ ∗.<br />

n=1<br />

Demonstração. Sendo F ⊆ X arbitrário, temos a provar que<br />

µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />

Definimos, novamente, ˜ Em = ∪m n=1En, e notamos que ˜ Em ∈ Mµ ∗, porque<br />

Mµ ∗ é uma álgebra. Temos portanto µ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ ˜ Ec m).<br />

É evi<strong>de</strong>nte da monotonia <strong>de</strong> µ ∗ que<br />

µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ ˜ E c m) ≥ µ ∗ (F ∩ ˜ Em) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />

De acordo com 2.5.12, temos µ ∗ (F ∩ ˜ Em) = m<br />

n=1 µ∗ (F ∩ En) e, por isso,<br />

µ ∗ (F) ≥<br />

m<br />

n=1<br />

Fazendo m → +∞, obtemos µ ∗ (F) ≥<br />

µ ∗ (F ∩ En) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />

n=1<br />

Observamos finalmente <strong>de</strong> 2.5.13 que µ ∗ (F ∩ E) = ∞ n=1 µ∗ (F ∩ En), e<br />

concluímos assim que µ ∗ (F) ≥ µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F ∩ Ec ).<br />

∞<br />

µ ∗ (F ∩ En) + µ ∗ (F ∩ E c ).<br />

O principal resultado <strong>de</strong>sta secção é agora quase evi<strong>de</strong>nte.<br />

Teorema 2.5.15. Mµ ∗ é uma σ-álgebra e a restrição <strong>de</strong> µ∗ a Mµ ∗ é uma<br />

medida positiva.


2.5. <strong>Medida</strong>s Exteriores 147<br />

Demonstração. Para verificar que Mµ ∗ é fechada em relação a uniões numeráveis,<br />

supomos que os conjuntos En ∈ Mµ ∗, e <strong>de</strong>finimos<br />

˜E1 = E1 e, para m > 1, ˜ m−1 <br />

Em = Em\ En.<br />

Os conjuntos ˜ Em pertencem a Mµ ∗, porque Mµ ∗ é uma álgebra. Estes<br />

conjuntos são, evi<strong>de</strong>ntemente, disjuntos. Como E = ∞ n=1 ˜ En = ∞ n=1 En,<br />

n=1<br />

concluímos <strong>de</strong> 2.5.14 que E ∈ Mµ ∗, i.e., Mµ ∗ é uma σ-álgebra.<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que, se µ ∗ é uma medida exterior e µ ∗ (E) = 0, então F ⊆ E ⇒ F é<br />

µ ∗ -mensurável e µ(F) = 0.<br />

2. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 2.5.9.<br />

3. Se R é um subconjunto limitado <strong>de</strong> R N , o conteúdo exterior <strong>de</strong> Jordan está<br />

<strong>de</strong>finido para qualquer subconjunto E <strong>de</strong> R. Verifique que o conteúdo exterior<br />

<strong>de</strong> Jordan, apesar <strong>de</strong> subaditivo, não é σ-subaditivo e portanto não é uma<br />

medida exterior em R.(Exemplo 2.5.2.2)<br />

4. Em cada um dos casos seguintes, prove que a função µ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />

dada é uma medida exterior e <strong>de</strong>screva os conjuntos µ ∗ -mensuráveis.<br />

a) µ ∗ (E) = #(E).<br />

b) µ ∗ <br />

0, se E é finito ou numerável,<br />

(E) =<br />

1, se E é não-numerável.<br />

(Suponha, aqui, X infinito não-numerável.)<br />

5. Seja µ uma medida positiva em R N <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M que contém<br />

os abertos. Sendo µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }, mostre que µ ∗ é<br />

uma medida exterior.<br />

6. Suponha que µ ∗ é uma medida exterior em X, F ⊆ X, e λ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />

é dada por λ ∗ (E) = µ ∗ (E ∩ F). Mostre que λ ∗ é uma medida exterior. Qual<br />

é a relação entre os conjuntos µ ∗ -mensuráveis e os conjuntos λ ∗ -mensuráveis?<br />

7. Suponha que µ ∗ n : P(X) → [0, +∞] é uma medida exterior para qualquer<br />

n ∈ N e prove que µ ∗ , dada por µ ∗ (E) = ∞ n=1 µ∗n (E), é igualmente uma<br />

medida exterior em X.<br />

8. Dado o espaço <strong>de</strong> medida (X, M, µ), <strong>de</strong>finimos a função λ ∗ : P(X) → [0, +∞]<br />

por λ ∗ (E) = inf {µ(S) : E ⊆ S, S ∈ M}. Prove as seguintes afirmações:<br />

a) λ ∗ é uma medida exterior e, sendo Mλ ∗ a classe dos conjuntos λ∗ -<br />

mensuráveis, M ⊆ Mλ ∗,


148 Capítulo 2. A <strong>Medida</strong> <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) λ ∗ (F) = 0 se e só se existe E ∈ M tal que F ⊆ E e µ(E) = 0. Em<br />

particular, (X, M, µ) é completo se e só se λ ∗ (E) = 0 ⇒ E ∈ M.<br />

c) Se o espaço (X, M, µ) é finito e λ é a restrição <strong>de</strong> λ∗ a Mλ∗, prove que<br />

(X, Mλ∗, λ) = (X, Mµ, µ), tal como este espaço foi <strong>de</strong>finido em 2.3.17.<br />

d) Mostre que a conclusão da alínea anterior é ainda válida, supondo apenas<br />

que o espaço (X, M, µ) é σ-finito.<br />

e) Verifique que, quando (X, M, µ) não é σ-finito, po<strong>de</strong>mos ter (X, Mλ ∗, λ) =<br />

(X, Mµ, µ).


Capítulo 3<br />

Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

A exposição que se segue é, em certo sentido, uma adaptação directa das<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Jordan e Peano apresentadas no Capítulo 1: resulta <strong>de</strong>stas pela<br />

simples substituição do conteúdo <strong>de</strong> Jordan pela medida <strong>de</strong> Lebesgue. A correspon<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>finição do integral é a que Lebesgue chamava <strong>de</strong> “geométrica”,<br />

e tem como principal vantagem a <strong>de</strong> tornar evi<strong>de</strong>nte a relação entre alguns<br />

dos principais resultados da Teoria da <strong>Medida</strong> e da Teoria da Integração.<br />

Neste contexto, as funções Lebesgue-mensuráveis são as funções cujas<br />

regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas são conjuntos Lebesgue-mensuráveis. Analogamente,<br />

as funções Borel-mensuráveis são aquelas cujas regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas são conjuntos<br />

Borel-mensuráveis. Os respectivos integrais <strong>de</strong> Lebesgue são <strong>de</strong>finidos<br />

usando a medida <strong>de</strong> Lebesgue das suas regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, e dizem-se, por<br />

isso, “em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue”.<br />

Estabelecemos muito rapidamente algumas das proprieda<strong>de</strong>s mais relevantes<br />

do integral <strong>de</strong> Lebesgue, usando frequentemente argumentos conhecidos<br />

do Capítulo 1. As vantagens técnicas do integral <strong>de</strong> Lebesgue começarão<br />

a tornar-se aparentes quando estudarmos os resultados clássicos sobre limites<br />

e integrais, hoje conhecidos como o teorema da convergência monótona,<br />

ou <strong>de</strong> Beppo Levi, e o teorema da convergência dominada, ou <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Estes resultados são centrais na mo<strong>de</strong>rna teoria da integração, e são reflexos<br />

directos das “proprieda<strong>de</strong>s essenciais” i<strong>de</strong>ntificadas no enunciado do<br />

Problema <strong>de</strong> Borel.<br />

Estudamos, em seguida, o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue. Este teorema<br />

estabelece a mensurabilida<strong>de</strong> das secções <strong>de</strong> qualquer conjunto mensurável, e<br />

exprime a medida <strong>de</strong>sse conjunto como o integral da medida das suas secções,<br />

convenientemente escolhidas. Um corolário directo, mas fundamental, do<br />

teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue permite-nos caracterizar as funções mensuráveis<br />

<strong>de</strong> uma forma mais conveniente para o <strong>de</strong>senvolvimento da teoria: as<br />

funções mensuráveis são limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções simples mensuráveis.<br />

Os integrais <strong>de</strong>stas funções simples <strong>de</strong>sempenham, na teoria <strong>de</strong> Lebesgue, o<br />

papel das somas <strong>de</strong> Darboux na teoria <strong>de</strong> Riemann.<br />

149


150 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

A aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções simples, combinada<br />

com a relativa facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo das próprias funções simples, vai-nos<br />

ainda permitir provar neste Capítulo mais algumas proprieda<strong>de</strong>s importantes<br />

das funções mensuráveis e dos respectivos integrais. Repetimos aqui<br />

argumentos conhecidos do Capítulo 1 mas, neste caso, os teoremas sobre integração<br />

e passagem ao limite conduzem-nos a resultados muito elegantes e<br />

fáceis <strong>de</strong> aplicar, em particular sobre a integração <strong>de</strong> séries. Como corolário<br />

<strong>de</strong>stes, obtemos uma versão preliminar do clássico Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer.<br />

Terminamos o Capítulo estudando a aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis<br />

por funções contínuas. Como veremos, os resultados associados a esta questão<br />

reflectem, essencialmente, os que já estudámos sobre a aproximação <strong>de</strong><br />

conjuntos mensuráveis por conjuntos fechados e por conjuntos abertos, ou<br />

seja, reflectem a regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

3.1 O Integral <strong>de</strong> Lebesgue<br />

A figura 3.1.1 é o ponto <strong>de</strong> partida da teoria <strong>de</strong> Lebesgue, como o foi para<br />

a teoria <strong>de</strong> Riemann. É <strong>de</strong> notar que, em resultado directo <strong>de</strong> substituir os<br />

R<br />

E<br />

Figura 3.1.1:<br />

Ω +<br />

<br />

f<br />

Ω −<br />

R N+1<br />

R N<br />

fdmN = mN+1(Ω<br />

E<br />

+ ) − mN+1(Ω − )<br />

conjuntos Jordan-mensuráveis, e o conteúdo <strong>de</strong> Jordan, pelos conjuntos Lebesgue-mensuráveis,<br />

e pela medida <strong>de</strong> Lebesgue, as nossas <strong>de</strong>finições básicas<br />

passam a ser aplicáveis a funções ilimitadas, ou mesmo com valores infinitos,<br />

e po<strong>de</strong>ndo ser, além disso, diferentes <strong>de</strong> zero em conjuntos igualmente ilimitados.<br />

Em particular, e como veremos, muitos dos integrais que se dizem<br />

impróprios na teoria <strong>de</strong> Riemann são integrais <strong>de</strong> Lebesgue, no sentido aqui<br />

<strong>de</strong>finido.


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 151<br />

Definição 3.1.1 (Funções mensuráveis, Integrais <strong>de</strong> Lebesgue). Se E ⊆<br />

S ⊆ R N , e f : S → R, então<br />

a) f é lebesgue-mensurável em E se e só se o conjunto ΩE(f) é Lebesgue-mensurável<br />

em R N+1 . Analogamente, f é borel-mensurável<br />

em E se e só se o conjunto ΩE(f) é Borel-mensurável em R N+1 .<br />

b) Se f é Lebesgue-mensurável em E, e pelo menos um dos conjuntos<br />

Ω +<br />

E (f) e Ω+<br />

E (f) tem medida finita, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f<br />

(em or<strong>de</strong>m a mN) em E é dado por<br />

<br />

fdmN =<br />

E<br />

E<br />

f(x)dx = mN+1(Ω +<br />

−<br />

E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />

c) f é lebesgue-somável em E se e só f é Lebesgue-mensurável em E,<br />

e mN+1(ΩE(f)) < ∞.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que as funções Borel-mensuráveis são Lebesgue-mensuráveis,<br />

e é simples exibir funções Lebesgue-mensuráveis, e mesmo Riemannintegráveis,<br />

que não são Borel-mensuráveis (exercício 4).<br />

Exemplificamos abaixo o cálculo <strong>de</strong> alguns integrais <strong>de</strong> Lebesgue:<br />

Exemplos 3.1.2.<br />

1. Funções Riemann-integráveis: A função f : E → R é Riemann-integrável<br />

em E se e só se ΩE(f) é Jordan-mensurável. Neste caso, ΩE(f) é, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

Lebesgue-mensurável, e portanto f é Lebesgue-mensurável em E. O<br />

integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f sobre E é dado por<br />

<br />

E<br />

f = cN+1(Ω +<br />

−<br />

+<br />

−<br />

E (f)) − cN+1(ΩE (f)) = mN+1(Ω<br />

E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />

Por outras palavras, qualquer integral <strong>de</strong> Riemann é um integral <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

e o integral <strong>de</strong> Lebesgue é uma extensão do integral <strong>de</strong> Riemann, tal como a<br />

medida <strong>de</strong> Lebesgue é uma extensão do conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />

2. Se os conjuntos An ր B ⊆ RN e a função f está <strong>de</strong>finida pelo menos em<br />

B, é evi<strong>de</strong>nte que ΩAn(f) ր ΩB(f). Em particular, se f é mensurável e<br />

não-negativa em cada conjunto An então segue-se do teorema da convergência<br />

monótona <strong>de</strong> Lebesgue que f é mensurável em B e<br />

<br />

<br />

f = mN(ΩAn(f)) = mN(ΩAn(f)) ր mN(ΩB(f)) = fdmN.<br />

An<br />

Esta observação permite-nos calcular múltiplos exemplos <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

que não são integrais <strong>de</strong> Riemann:<br />

a) f(x) = 1<br />

√ x ≥ 0 é Riemann-integrável em An =] 1<br />

n , 1], e B = ∪∞ n=1 An =<br />

]0, 1]. Concluímos que f é Lebesgue-mensurável em ]0, 1], e que<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

√ dm = lim √ dx = lim<br />

x n→∞ x n→∞ 2√x x=1 x= 1 = lim<br />

n n→∞ 2<br />

<br />

1 − 1<br />

<br />

√ = 2.<br />

n<br />

0<br />

1<br />

n<br />

B


152 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) A função f(x) = e −x é Riemann-integrável em An = [0, n] ր [0, +∞[, e<br />

<br />

An<br />

e −x n<br />

dx =<br />

0<br />

e −x dx = 1 − e −n → 1 =<br />

∞<br />

e −x dx.<br />

O integral à direita é um integral <strong>de</strong> Lebesgue, e f é Lebesgue-somável<br />

em [0, ∞[.<br />

3. A função <strong>de</strong> Dirichlet dir em R não é Riemann-integrável em nenhum intervalo<br />

não-trivial. No entanto, dir é a função característica dos racionais Q, e,<br />

portanto, a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas é ΩR(dir) = Q×]0, 1[. O conjunto ΩR(dir)<br />

é Borel-mensurável, porque é um produto cartesiano <strong>de</strong> conjuntos Borel-mensuráveis.<br />

Temos, ainda, m2(ΩR(dir)) = 0 × 1 = 0. Concluímos que a função<br />

<strong>de</strong> Dirichlet é Borel-mensurável, e<br />

<br />

dir dm = 0.<br />

R<br />

4. Mais geralmente, se f é a função característica <strong>de</strong> um conjunto E ⊆ RN Borel-mensurável (respectivamente, Lebesgue-mensurável), então f é uma função<br />

Borel-mensurável (respectivamente, Lebesgue-mensurável), e o seu integral é<br />

a medida do conjunto E:<br />

<br />

fdmN = mN(E).<br />

R N<br />

5. integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann: As <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> integral que referimos<br />

no Capítulo 1 não contemplam a integração <strong>de</strong> funções que são ilimitadas na<br />

região <strong>de</strong> integração e/ou que são diferentes <strong>de</strong> zero em regiões <strong>de</strong> integração<br />

ilimitadas. Apesar disso, e ainda antes da introdução da teoria <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

os chamados integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann foram usados para ultrapassar<br />

este tipo <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, pelo menos em alguns casos particulares( 1 ). A sua<br />

<strong>de</strong>finição (quando a região <strong>de</strong> integração B ⊆ R N , N > 1) supõe que<br />

i) Existem conjuntos Jordan-mensuráveis An ր B, tais que f é Riemannintegrável,<br />

no sentido usual, em cada conjunto An.<br />

ii) Existe α ∈ R tal que, se a sucessão <strong>de</strong> conjuntos An satisfaz i), então<br />

<br />

α = lim f<br />

n→∞<br />

iii) Neste caso, o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em B é dado por:<br />

<br />

<br />

f = α = lim f<br />

B<br />

n→∞<br />

An<br />

1 O integral impróprio diz-se <strong>de</strong> primeira espécie se a integranda é ilimitada, e <strong>de</strong><br />

segunda espécie se a região <strong>de</strong> integração é ilimitada. Os integrais impróprios simultaneamente<br />

<strong>de</strong> 1 a e 2 a espécie dizem-se mistos. Cauchy introduziu integrais impróprios<br />

em R, mas em R N a teoria é mais complexa, e <strong>de</strong>ve-se sobretudo ao matemático alemão<br />

Harnack, que a <strong>de</strong>senvolveu nos finais do século XIX.<br />

An<br />

0


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 153<br />

Quando f ≥ 0, e <strong>de</strong> acordo com a observação no exemplo 2, a condição ii) é<br />

automática, e o valor <strong>de</strong> α é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f em B. Dito doutra<br />

forma, se f ≥ 0 e a condição i) é satisfeita, o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong><br />

f em B existe, e é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f em B. Temos assim que qualquer<br />

integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> uma função não-negativa é um integral <strong>de</strong><br />

Lebesgue, e po<strong>de</strong> ser calculado usando uma qualquer sucessão <strong>de</strong> conjuntos<br />

Jordan-mensuráveis que satisfaça i).<br />

Deixamos para o exercício 5 a análise do caso em que f muda <strong>de</strong> sinal, mas<br />

resumimos aqui as principais conclusões:<br />

• O integral impróprio <strong>de</strong> f existe, e é finito, no sentido indicado acima,<br />

se e só se o integral impróprio <strong>de</strong> |f| também existe, e é finito. Dizemos<br />

neste caso que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f é absolutamente<br />

convergente e, mais uma vez, qualquer integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />

absolutamente convergente é um integral <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

• Se f : R → R, o integral impróprio <strong>de</strong> f po<strong>de</strong> existir no sentido que<br />

referimos no exercício 1 da secção 1.5 sem ser absolutamente convergente.<br />

Neste caso, f não é Lebesgue-somável, e o seu integral <strong>de</strong> Lebesgue não<br />

está <strong>de</strong>finido.<br />

No que se segue, e para simplificar a nossa terminologia, escreveremos<br />

com frequência “B-mensurável”, e “L-mensurável”, em lugar <strong>de</strong> “Borel-mensurável”,<br />

e “Lebesgue-mensurável”. Usaremos esta convenção com funções,<br />

e com conjuntos. Por outro lado, muitos dos teoremas, <strong>de</strong>monstrações e<br />

<strong>de</strong>finições que estudamos são aplicáveis, sem qualquer alteração, quando a<br />

expressão “Lebesgue-mensurável” é substituída, em todas as suas ocorrências,<br />

por “Borel-mensurável”.<br />

É este o caso da própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> função “Le-<br />

besgue-mensurável/Borel-mensurável”, que apresentámos em 3.1.1 a). Mais<br />

uma vez para simplificar a nossa terminologia, e evitar repetições óbvias e<br />

triviais, convencionamos que, até menção em contrário, a utilização da expressão<br />

“mensurável”, sem mais qualificativos, no contexto <strong>de</strong> um teorema,<br />

<strong>de</strong>monstração, ou <strong>de</strong>finição, significa que esta po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>nticamente substituída,<br />

em todas as suas ocorrências nesse mesmo contexto, tanto por “Lmensurável”,<br />

como por “B-mensurável”. Também até menção em contrário,<br />

a palavra “somável” enten<strong>de</strong>-se como “Lebesgue-somável”, no sentido <strong>de</strong><br />

3.1.1 c). Seguimos estas convenções já na próxima <strong>de</strong>finição, que generaliza<br />

3.1.1 a funções vectoriais f : S → R M .<br />

Definição 3.1.3 (Funções Vectoriais: Mensurabilida<strong>de</strong> e Integral). Se E ⊆<br />

S ⊆ R N , e f : S → R M , don<strong>de</strong> f = (f1,f2, · · · ,fM), com fk : S → R, então<br />

a) f é mensurável em E se e só se as funções fk são mensuráveis em<br />

E, para 1 ≤ k ≤ M, no sentido <strong>de</strong> 3.1.1.<br />

b) f é somável em E se e só as funções fk são somáveis em E.


154 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

c) Se f é mensurável em E, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f (em or<strong>de</strong>m<br />

a mN) em E é dado por<br />

<br />

fdmN = f1dmN, f2dmN, · · · , fMdmN ,<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E<br />

sempre que todos os integrais <strong>de</strong> Lebesgue à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />

Exemplo 3.1.4.<br />

funções mensuráveis complexas: Seja f : R N → C uma função complexa,<br />

don<strong>de</strong> f(x) = u(x) + iv(x), com u, v : R N → R. A função f é mensurável se<br />

e só se as funções u, e v são mensuráveis, e o integral <strong>de</strong> f é dado por<br />

<br />

fdmN = udmN + i vdmN,<br />

E<br />

sempre que existem os integrais <strong>de</strong> u e <strong>de</strong> v no conjunto E.<br />

E<br />

Se as funções f e g estão <strong>de</strong>finidas pelo menos no conjunto E ⊆ R N ,<br />

dizemos que f e g são equivalentes em E, e escrevemos “f ≃ g”, se e só<br />

se f(x) = g(x), qtp em E. Note-se a seguir que a substituição <strong>de</strong> uma<br />

função por outra que lhe seja equivalente, ou seja, a modificação dos seus<br />

valores num conjunto <strong>de</strong> medida nula, não altera a sua L-mensurabilida<strong>de</strong><br />

nem o valor do respectivo integral. Em particular, a L-mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

f em E po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidida mesmo quando f está apenas <strong>de</strong>finida qtp em E:<br />

Proposição 3.1.5. Sejam G ⊆ E ⊆ R N , f : E → R, g : G → R, on<strong>de</strong><br />

mN(E\G) = 0 e f ≃ g em G. Temos então:<br />

a) f é L-mensurável em E ⇐⇒ g é L-mensurável em G. Neste caso,<br />

b) O integral <strong>de</strong> f em E existe ⇐⇒ o integral <strong>de</strong> g em G existe, e<br />

<br />

fdmN = gdmN.<br />

E<br />

Demonstração. Se D = {x ∈ G : f(x) = g(x)} ∪ (E\G) então mN(D) = 0.<br />

Seja F a “faixa vertical” em R N+1 dada por F = D ×R. Temos mN+1(F) =<br />

mN(D)m1(R) = 0, e é fácil verificar que<br />

ΩE(f)∆ΩG(g) = (ΩE(f)\ΩG(g)) ∪ (ΩG(g)\ΩE(f)) ⊆ F.<br />

As regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f e g diferem assim por um conjunto nulo.<br />

Concluímos que ΩF(f) é L-mensurável se e só se ΩE(g) é L-mensurável, e<br />

neste caso os integrais <strong>de</strong> f (em F) e g (em E) são iguais, sempre que algum<br />

<strong>de</strong>les exista.<br />

Observações 3.1.6.<br />

G<br />

E


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 155<br />

1. A relação “f ≃ g” é efectivamente <strong>de</strong> equivalência, por exemplo na classe<br />

das funções reais <strong>de</strong>finidas em E ⊆ R N . Deve ser evi<strong>de</strong>nte que é reflexiva, ou<br />

seja, f ≃ f, e simétrica, i.e., f ≃ g ⇐⇒ g ≃ f. Para verificar que a relação é<br />

transitiva, suponha-se que f ≃ g e g ≃ h, e sejam A = {x ∈ E : f(x) = g(x)}<br />

e B = {x ∈ E : g(x) = h(x)}. Como A ∪ B tem medida nula e f(x) = g(x) =<br />

h(x) quando x ∈ A ∪ B, é claro que f ≃ h.<br />

2. Se fn(x) → f(x) qtp em E e gn ≃ fn também em E, então gn(x) → f(x)<br />

qtp em E. Para verificar esta afirmação, sejam<br />

B = {x ∈ E : lim<br />

n→∞ fn(x) = f(x)}, An = {x ∈ E : fn(x) = gn(x)}, A =<br />

∞<br />

An.<br />

Os conjuntos An e C = E\B são nulos por hipótese, e é claro que A e A ∪ C<br />

são igualmente nulos. Temos além disso que<br />

x ∈ A ∪ C =⇒ gn(x) = fn(x) → f(x), ou seja, gn(x) → f(x) qtp em E.<br />

3. As seguintes observações são úteis, e.g., na <strong>de</strong>monstração das proposições<br />

3.1.9 e 3.1.10.<br />

a) Se f é L-mensurável em E e f(x) ≥ 0 qtp em E, então existe uma função<br />

˜f ≃ f tal que ˜ f é L-mensurável em E e ˜ f(x) ≥ 0 para qualquer x ∈ E.<br />

Basta consi<strong>de</strong>rar<br />

˜f(x) =<br />

f(x), se f(x) ≥ 0<br />

0, se f(x) < 0<br />

b) Se f e g são L-mensuráveis em E e f(x) ≤ g(x) qtp em E, existem<br />

funções ˜ f ≃ f e ˜g ≃ g, ambas L-mensuráveis em E, tais que ˜ f(x) ≤ ˜g(x)<br />

para qualquer x ∈ E. Tome-se agora<br />

˜f(x) =<br />

f(x), se f(x) ≤ g(x)<br />

0, se f(x) > g(x)<br />

˜g(x) =<br />

g(x), se f(x) ≤ g(x)<br />

0, se f(x) > g(x)<br />

4. A proposição 3.1.5 não é válida para funções B-mensuráveis: se f ≃ g e<br />

g é B-mensurável então f po<strong>de</strong> não ser B-mensurável (exercício 4), porque o<br />

espaço <strong>de</strong> Borel (R N , B(R N ), mN) não é completo.<br />

Se E ⊆ R N e f : R N → R, é evi<strong>de</strong>nte que as regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f<br />

em E, e <strong>de</strong> fχE em R N , são iguais. Concluímos que<br />

Proposição 3.1.7. Se E ⊆ R N , e f : R N → R, então<br />

a) f é mensurável em E se e só se fχE é mensurável em R N .<br />

b) Se f é mensurável em E, e algum dos seguintes integrais existe, o<br />

outro existe igualmente, e<br />

<br />

fdmN = fχEdmN.<br />

E<br />

R N<br />

n=1


156 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

O resultado seguinte inclui a usual <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. A sua <strong>de</strong>monstração,<br />

uma adaptação directa da <strong>de</strong> 1.4.7), é o exercício 9.<br />

Proposição 3.1.8. Se E ⊆ R N , e f : E → R, então<br />

a) f é mensurável em E se e só se as funções f + e f − são mensuráveis<br />

em E. Neste caso, a função |f| é mensurável em E, e<br />

<br />

E<br />

<br />

|f|dmN =<br />

E<br />

f + <br />

dmN + f<br />

E<br />

− dmN.<br />

b) f é somável em E se e só se as funções f + e f − são somáveis em E.<br />

Neste caso,<br />

<br />

E<br />

<br />

fdmN =<br />

E<br />

f + <br />

dmN − f<br />

E<br />

− dmN, e<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

E<br />

<br />

<br />

fdmN <br />

≤<br />

<br />

E<br />

|f|dmN.<br />

As duas proposições seguintes indicam as proprieda<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong><br />

monotonia do integral <strong>de</strong> Lebesgue, em relação à região <strong>de</strong> integração, e em<br />

relação à função integranda.<br />

Proposição 3.1.9. Se E ⊆ R N , f : E → R é mensurável em E, e F ⊆ E<br />

é mensurável, então f é mensurável em F. Se f ≥ 0 qtp, temos ainda<br />

<br />

F<br />

<br />

fdmN ≤<br />

E<br />

fdmN.<br />

Demonstração. Se G = F × R, é claro que ΩF(f) = ΩE(f) ∩ G ⊆ ΩE(f).<br />

Como os conjuntos ΩE(f) e G são mensuráveis, segue-se que ΩF(f) é mensurável,<br />

i.e., f é mensurável em F. Caso f ≥ 0 qtp, seja ˜ f a função <strong>de</strong>finida<br />

como na observação 3.1.6.3 a). Temos então<br />

<br />

F<br />

<br />

fdmN =<br />

F<br />

˜fdmN = mN+1(Ω +<br />

F ( ˜ f)) ≤ mN+1(Ω +<br />

E ( ˜ f)), e<br />

mN+1(Ω +<br />

E ( ˜ <br />

f)) =<br />

E<br />

<br />

˜fdmN =<br />

E<br />

fdmN.<br />

Proposição 3.1.10. Se E ⊆ R N , f,g : E → R são mensuráveis em E,<br />

f(x) ≤ g(x) qtp em E, e os integrais <strong>de</strong> f e <strong>de</strong> g em E existem, então<br />

<br />

E<br />

<br />

fdmN ≤<br />

E<br />

gdmN.


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 157<br />

Demonstração. Supomos primeiro que f(x) ≤ g(x), para qualquer x ∈ E.<br />

Temos, então, Ω +<br />

E (f) ⊆ Ω+<br />

E (g) e Ω−<br />

E (g) ⊆ Ω−<br />

E (f), don<strong>de</strong> se segue que<br />

<br />

fdmN =mN+1(Ω<br />

E<br />

+<br />

−<br />

E (f)) − mN+1(ΩE (f)) ≤<br />

<br />

gdmN.<br />

≤mN+1(Ω + E (g)) − mN+1(Ω − E (g)) =<br />

Para adaptar este argumento ao caso em que f(x) ≤ g(x) apenas qtp em<br />

E, consi<strong>de</strong>ramos funções ˜ f e ˜g <strong>de</strong>finidas como em 3.1.6.3 b). Aplicando o<br />

resultado que acabámos <strong>de</strong> provar a ˜ f e ˜g, temos<br />

<br />

fdmN = ˜fdmN ≤ ˜gdmN = gdmN.<br />

E<br />

E<br />

As seguintes proprieda<strong>de</strong>s são fáceis <strong>de</strong> estabelecer (exercício 6), e serão<br />

utilizadas com muita frequência:<br />

Proposição 3.1.11. Se f ≥ 0 é uma função mensurável em E ⊆ R N , então<br />

a) f é somável em E =⇒ f é finita qtp em E.<br />

b) <br />

E fdmN = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 em E.<br />

Note-se em particular que se f : E → R é somável então existe ˜ f : E → R<br />

tal que f ≃ ˜ f.<br />

A mensurabilida<strong>de</strong> e o integral da função f no conjunto E foram <strong>de</strong>finidos<br />

(f) ∪ Ω−<br />

E (f), on<strong>de</strong><br />

em termos do conjunto ΩE(f) = Ω +<br />

E<br />

Ω + E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, 0 < y < f(x)}, e<br />

Ω −<br />

E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, 0 > y > f(x)}.<br />

O gráfico <strong>de</strong> f em E é GE(f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, y = f(x)}. É evi<strong>de</strong>nte<br />

que ΩE(f) não inclui quaisquer pontos <strong>de</strong> GE(f), mas na realida<strong>de</strong> a<br />

inclusão ou exclusão <strong>de</strong> pontos do gráfico <strong>de</strong> f no conjunto ΩE(f) é em larga<br />

medida irrelevante porque, como veremos, o gráfico <strong>de</strong> uma função mensurável<br />

tem sempre medida nula( 2 ). Em alternativa a ΩE(f), consi<strong>de</strong>rem-se<br />

os conjuntos ΣE(f) = Σ +<br />

E (f) ∪ Σ−<br />

E (f), on<strong>de</strong><br />

Σ +<br />

E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, e 0 < y ≤ f(x)}, e<br />

Σ −<br />

E (f) = {(x,y) ∈ RN+1 : x ∈ E, e 0 > y ≥ f(x)}.<br />

Notamos que ΓE(f) = ΣE(f)\ΩE(f) ⊆ GE(f), porque ΓE(f) é o gráfico <strong>de</strong><br />

f no subconjunto <strong>de</strong> E on<strong>de</strong> f(x) = 0. Passamos a provar:<br />

2 Aliás, analogamente ao que ocorre para as funções Riemann-integráveis, cujo gráfico<br />

é sempre um conjunto <strong>de</strong> conteúdo nulo.<br />

E<br />

E<br />

E


158 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Teorema 3.1.12. Se E ⊆ R N , e f : E → R, então<br />

a) ΩE(f) é mensurável se e só se ΣE(f) é mensurável.<br />

b) Se f é mensurável então ΓE(f) é mensurável e mN+1(GE(f)) = 0.<br />

Em particular, mN+1(ΣE(f)) = mN+1(ΩE(f)).<br />

Demonstração. Seja g a função <strong>de</strong>finida por g(x) = f(x), quando x ∈ E, e<br />

g(x) = 0, quando x ∈ E. A função g é mensurável em R N , e <strong>de</strong>finimos<br />

Ω = ΩE(f) = Ω R N(g),Σ = ΣE(f) = Σ R N(g), e Γ = ΓE(f) = Γ R N(g).<br />

Mostramos primeiro que:<br />

(1) Se g ≥ 0 e Ω é mensurável então Σ é mensurável:<br />

) : (x,y) ∈ Ω} é uma translação vertical<br />

<strong>de</strong> Ω. Ωn é mensurável, e mN+1(Ωn) = mN+1(Ω). ∆n = Ω ∪ Ωn é<br />

mensurável e ∆n ց Σ, don<strong>de</strong> Σ é mensurável.<br />

O conjunto Ωn = {(x,y + 1<br />

n<br />

(2) Se g ≥ 0 e Σ é mensurável então Ω é mensurável:<br />

Σn = {(x,y − 1<br />

n ) : (x,y) ∈ Σ} é uma translação vertical <strong>de</strong> Σ, e é por<br />

isso mensurável. O conjunto ˜ ∆n = Σn ∩ Σ é mensurável e ˜ ∆n ր Ω,<br />

don<strong>de</strong> Ω é mensurável. Notamos <strong>de</strong> passagem que<br />

(3) Se g ≥ 0 então mN+1( ˜ ∆n) → mN+1(Ω), porque ˜ ∆n ր Ω.<br />

As implicações (1) e (2) concluem a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) para g ≥ 0.<br />

Provamos agora b), mantendo a restrição g ≥ 0. Um cálculo simples<br />

mostra que<br />

(4) mN+1(Σ) = mN+1(Σn) = mN+1( ˜ ∆n) + mN+1 (Σn\Σ) e<br />

(5) (Σn\Σ) ⊆ E×] − 1<br />

n ,0]<br />

Supondo que E tem medida exterior finita, po<strong>de</strong>mos concluir <strong>de</strong> (5) que<br />

mN+1 (Σn\Σ) → 0, e segue-se então <strong>de</strong> (4) que mN+1(˜∆n) → mN+1(Σ), e<br />

<strong>de</strong> (3) que mN+1(Ω) = mN+1(Σ).<br />

Se suposermos além disso que g é somável, po<strong>de</strong>mos ainda concluir que<br />

mN+1(Γ) = mN+1(Σ) − mN+1(Ω) = 0. Estabelecemos assim em particular<br />

(6) m ∗ N (E) < ∞ e g somável =⇒ mN+1(Σ) = mN+1(Ω) e mN+1(Γ) = 0.<br />

Para eliminar as restrições que fizémos sobre E e g, consi<strong>de</strong>ramos rectângulos<br />

limitados Rk ր RN , on<strong>de</strong> k ∈ N, e <strong>de</strong>finimos<br />

<br />

0, se x ∈ Rk<br />

gk(x) =<br />

min{k,g(x)}, se x ∈ Rk


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 159<br />

A função gk é mensurável, porque Ω R N(gk) = Ω R N(g) ∩ (Rk×]0,k[). Como<br />

gk é limitada (não exce<strong>de</strong> k) e é nula fora <strong>de</strong> Rk, é óbvio que é somável.<br />

Escrevendo para simplificar<br />

˜Ωk = Ω R N(gk), ˜ Σk = Σ R N(gk) e ˜ Γk = Γ R N(gk), temos <strong>de</strong> (6) que<br />

(7) mN+1( ˜ Γk) = mN+1( ˜ Σk) − mN+1( ˜ Ωk) = 0.<br />

Notamos que ˜ Σk ր Σ, ˜ Ωk ր Ω e Γ ⊆ ∞<br />

k=1 ˜ Γk, don<strong>de</strong><br />

mN+1(Σ) = mN+1(Ω) e mN+1(Γ) = 0.<br />

O conjunto GE(f)\ΓE(f) é nulo em R N+1 , e por isso é L-mensurável. Seguese<br />

que GE(f) é L-mensurável e tem medida nula. Observe-se também que<br />

quando g muda <strong>de</strong> sinal basta aplicar os resultados já obtidos a g + e g − .<br />

A noção <strong>de</strong> integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> também ser introduzida<br />

por uma adaptação óbvia do que fizémos a propósito do integral <strong>de</strong> Riemann.<br />

Supondo f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , seja Lf(E) a classe dada por:<br />

<br />

Lf(E) = {A ⊆ E : f é L-mensurável em A e f existe }<br />

O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f é a função λ : Lf(E) → R,<br />

on<strong>de</strong>:<br />

<br />

λ(E) = fdmN.<br />

Teorema 3.1.13. Seja f : E → R mensurável em E ⊆ R N , on<strong>de</strong> f ≥ 0 qtp<br />

em E e/ou f é somável em E. Temos então que<br />

a) L(E) ⊆ Lf(E) e Lf(E) é uma σ-álgebra em E,<br />

b) λ é uma medida em Lf(E),<br />

c) Para qualquer E ∈ L(E), mN(E) = 0 =⇒ λ(E) = 0.<br />

Demonstração. Se f ≥ 0 qtp em E e/ou f é somável em E e A ⊆ E, <strong>de</strong>ve<br />

ser claro que <br />

f existe se e só se f é mensurável em A, ou seja,<br />

A<br />

Lf(E) = {A ⊆ E : f é mensurável em A}<br />

a) Se B,An ∈ Lf(E), os conjuntos ΩB(f) e ΩAn(f) são L-mensuráveis.<br />

Para mostrar que Lf(E) é uma σ-álgebra em E, consi<strong>de</strong>ramos C = E\B e<br />

A = ∞<br />

n=1 An, e notamos que ΩC(f) e ΩA(f) são L-mensuráveis, porque<br />

ΩC(f) = ΩE(f)\ΩB(f) e ΩA(f) =<br />

E<br />

A<br />

∞<br />

ΩAn(f).<br />

n=1


160 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

A inclusão L(E) ⊆ Lf(E) foi estabelecida em 3.1.9.<br />

b) Consi<strong>de</strong>ramos apenas o caso f ≥ 0 qtp em E. É evi<strong>de</strong>nte que λ ≥ 0 e<br />

λ(∅) = 0, e supomos que os conjuntos An referidos em a) são disjuntos. Os<br />

conjuntos ΩAn(f) são igualmente disjuntos, e temos<br />

<br />

A<br />

∞<br />

f = mN+1(ΩA(f)) = mN+1( ΩAn(f)) =<br />

<br />

λ(A) =<br />

A<br />

f =<br />

n=1<br />

∞<br />

mN+1(ΩAn(f)) =<br />

n=1<br />

Concluímos que λ é uma medida positiva.<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

∞<br />

mN+1(ΩAn(f)), ou<br />

n=1<br />

An<br />

f =<br />

Deixamos a conclusão da <strong>de</strong>monstração para o exercício 10.<br />

Exercícios.<br />

∞<br />

λ(An).<br />

1. Seja f : R N → R contínua em R N , e E ⊆ R N B-mensurável. Prove que f é<br />

Borel-mensurável em E.<br />

2. Mostre que se E ⊆ R N , e mN(E) = 0, então qualquer função f : R N → R é<br />

somável em E, e <br />

E fdmN = 0.<br />

3. Em cada um dos seguintes casos, diga<br />

• Se f é B-mensurável em E, e<br />

• Se o integral <br />

f existe, como um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann e/ou<br />

E<br />

como um integral <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

a) f(x) = 1<br />

x 2, E = [1, +∞[.<br />

b) f(x) = log(|x|), E = [−1, +1].<br />

c) f(x) = 1,<br />

E = [0, +∞[.<br />

d) f(x) =<br />

x<br />

sen x<br />

x<br />

, E = [0, +∞[.<br />

e) f(x) = (+∞)dir(x), E = R.<br />

f) f(x, y) = log(x 2 + y 2 ), E = B1(0).<br />

g) f(x) = g ′ (x), on<strong>de</strong> g(x) = x 2 sen( 1<br />

x 2), para x = 0, e g(0) = 0, com<br />

E = [−1, 1].<br />

4. Prove que a função <strong>de</strong> Volterra (exemplo 1.6.19) satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow,<br />

se o integral <strong>de</strong> F ′ for interpretado no sentido da <strong>de</strong>finição 3.1.1.<br />

5. Suponha que f : R N → R é Riemann-integrável em qualquer E ∈ J (R N ).<br />

a) Mostre que f é contínua qtp em R N .<br />

n=1


3.1. O Integral <strong>de</strong> Lebesgue 161<br />

b) Prove que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em R N existe e é finito<br />

se e só se é absolutamente convergente.<br />

c) Mostre que as funções f : R N → R com integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />

em R N absolutamente convergente formam um espaço vectorial, on<strong>de</strong> o<br />

integral impróprio é uma transformação linear.<br />

d) Prove que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f em R N existe e é finito se<br />

e só se f é somável em R N , e neste caso o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />

<strong>de</strong> f é o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f.<br />

e) Determine uma função f : R → R tal que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann<br />

∞<br />

−∞ f(x)dx (no sentido referido no exercício 1 da secção 1.5) existe<br />

e é finito, mas f não é somável.<br />

6. Demonstre a proposição 3.1.11. sugestão: Sendo Fα = {x ∈ E : f(x) ≥ α}<br />

e α > 0, aplique a proposição 2.2.22 ao conjunto Fα × ]0, α[.<br />

7. Mostre que E ⊆ R N é L-mensurável se e só se χE é L-mensurável, e nesse<br />

caso,<br />

<br />

R N<br />

χEdmN = mN(E).<br />

sugestão: Recor<strong>de</strong> a <strong>de</strong>monstração da proposição 2.2.22.<br />

8. Seja f : R → R Lebesgue-mensurável.<br />

a) Se f ≃ g e g é contínua em R, f é sempre contínua qtp?<br />

b) Se f é contínua qtp, existe sempre g contínua em R tal que f ≃ g?<br />

9. Demonstre a proposição 3.1.8. sugestão: Como referido no texto, adapte<br />

a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 1.4.7.<br />

10. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 3.1.13.<br />

11. Seja f : R → R somável, e F(x) = x<br />

−∞ fdm. Mostre que F é uniformemente<br />

contínua em R. Generalize este resultado para RN . sugestão: Mostre<br />

que F é contínua em R e tem limites em ±∞.<br />

12. Seja f ≥ 0 uma função L-mensurável em R N e λ : Lf(R N ) → [0, ∞] o<br />

respectivo integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

a) Mostre que λ é uma medida completa.<br />

b) λ é sempre regular em B(R N )? sugestão: Consi<strong>de</strong>re o integral in<strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong> f(x) = 1/x 2 em R, e o conjunto E = {0}.<br />

c) Suponha que f é somável em qualquer compacto K ⊂ R N (dizemos<br />

neste caso que f é localmente somável em R N ). Mostre que o integral<br />

in<strong>de</strong>finido λ é regular em L(R N ).


162 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

3.2 Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais<br />

As vantagens técnicas do integral <strong>de</strong> Lebesgue sobre o integral <strong>de</strong> Riemann<br />

tornam-se evi<strong>de</strong>ntes quando reconhecemos a facilida<strong>de</strong> com que a teoria <strong>de</strong><br />

Lebesgue trata diversas operações <strong>de</strong> passagem <strong>de</strong> limite. Esta facilida<strong>de</strong><br />

advém, naturalmente, das proprieda<strong>de</strong>s da própria medida <strong>de</strong> Lebesgue e<br />

da classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis. A título <strong>de</strong> exemplo, vimos<br />

na secção anterior que o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue é uma medida,<br />

simplesmente porque a medida <strong>de</strong> Lebesgue também o é (3.1.13). Veremos<br />

nesta secção como os teoremas sobre sucessões monótonas <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />

(2.1.13 e 2.1.14) têm como consequência directa três resultados<br />

clássicos sobre integrais e limites:<br />

• O teorema <strong>de</strong> Beppo Levi,<br />

• O lema <strong>de</strong> Fatou, e<br />

• O teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

R<br />

f<br />

g<br />

Figura 3.2.1: ΩE(m) = ΩE(f) ∩ ΩE(g),ΩE(M) = ΩE(f) ∪ ΩE(g)<br />

Os resultados referidos aplicam-se, essencialmente sem quaisquer alterações,<br />

tanto a funções Lebesgue-mensuráveis, como a funções Borel-mensuráveis,<br />

porque resultam <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s comuns a qualquer espaço <strong>de</strong> medida. Por<br />

esta razão, e como veremos mais adiante, o seu domínio <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> é<br />

muito mais geral do que esta primeira exposição po<strong>de</strong>ria fazer supor.<br />

Notámos ainda no Capítulo 1 que, se f e g são funções não-negativas, as<br />

regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas das funções<br />

R N<br />

m(x) = min{f(x),g(x)} e M(x) = max{f(x),g(x)}<br />

são, respectivamente, a intersecção e a união das regiões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f e<br />

<strong>de</strong> g. Convenientemente generalizada, esta observação é válida para qualquer<br />

família numerável <strong>de</strong> funções e é a chave para mostrar que a mensurabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> funções é sempre preservada em operações <strong>de</strong> passagem ao limite.


3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 163<br />

Lema 3.2.1. Dadas funções fn : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ R N , sejam<br />

Temos então:<br />

g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N}, e h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N}.<br />

a) ΩE(g + ) =<br />

b) ΣE(h + ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

ΩE(f + n ), e ΣE(g − ) =<br />

ΣE(f + n ), e ΩE(h − ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

ΣE(f − n<br />

ΩE(f − n ).<br />

Demonstração. Supomos primeiro que fn ≥ 0 para qualquer n e escrevemos<br />

para simplificar:<br />

), e<br />

Ωn = ΩE(fn),Ω = ΩE(g),Σn = ΣE(fn) e Σ = ΣE(h).<br />

Notamos como óbvio que<br />

Temos agora<br />

(1) Ω ⊇<br />

∞<br />

Ωn e Σ ⊆<br />

n=1<br />

∞<br />

Σn.<br />

(2) Se (x,y) ∈ Ω então 0 < y < g(x), e existe n tal que 0 < y < fn(x) ≤<br />

g(x), ou seja, (x,y) ∈ Ωn. Segue-se assim que Ω ⊆ ∞<br />

n=1 Ωn.<br />

(3) Se (x,y) ∈ ∞<br />

n=1 Σn então 0 < y ≤ fn(x) para qualquer n, e portanto<br />

0 < y ≤ h(x), ou seja, (x,y) ∈ Σ. Por outras palavras, ∞<br />

n=1 Σn ⊆ Σ.<br />

Concluímos <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que<br />

∞<br />

Ω = Ωn e Σ =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

Σn.<br />

Se as funções fn mudam <strong>de</strong> sinal, o lema resulta <strong>de</strong> aplicar as observações<br />

que acabámos <strong>de</strong> provar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> observar (ver exercício 1) que<br />

n=1<br />

g + = supf + n , g− = inf f − n , h+ = inf f + n e h− = supf − n .<br />

O próximo teorema é uma consequência directa <strong>de</strong>ste lema.<br />

Teorema 3.2.2. Se as funções fn : E → R são mensuráveis em E, então<br />

as seguintes funções são mensuráveis em E:<br />

a) g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N},h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N},<br />

b) G(x) = lim supfn(x)<br />

e H(x) = lim inf<br />

n→∞<br />

n→∞ fn(x).<br />

Se f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) para qualquer x ∈ E, então f é mensurável em E, e<br />

se a convergência é apenas válida qtp, então f é L-mensurável em E.


164 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Para verificar a) no que diz respeito à função g, observamos<br />

que, <strong>de</strong> acordo com o lema anterior,<br />

ΩE(g + ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

ΩE(f + n ) e ΣE(g − ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

ΣE(f − n ).<br />

• Como as funções fn são mensuráveis, os conjuntos ΩE(f + n ) e ΣE(f − n )<br />

são mensuráveis.<br />

) são mensuráveis, os conjuntos<br />

• Como os conjuntos ΩE(f + n ) e ΣE(f − n<br />

ΩE(g + ) e ΣE(g− ) são mensuráveis, porque as uniões e intersecções<br />

numeráveis <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis são conjuntos mensuráveis.<br />

Concluímos que as funções g + e g − são mensuráveis, ou seja, g é mensurável.<br />

O caso da função h é inteiramente análogo, e resulta <strong>de</strong> recordar que<br />

ΣE(h + ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

ΣE(f + n ) e ΩE(h − ) =<br />

∞<br />

n=1<br />

ΩE(f − n ).<br />

A alínea b) <strong>de</strong>ste teorema é uma consequência directa <strong>de</strong> a). Tomamos<br />

gn(x) = sup{fk(x) : k ≥ n} e hn(x) = inf{fk(x) : k ≥ n},<br />

e observamos <strong>de</strong> a) que gn e hn são mensuráveis.<br />

mentar das sucessões numéricas que<br />

É uma proprieda<strong>de</strong> ele-<br />

G(x) = lim sup fn(x) = lim<br />

n→∞ n→∞ gn(x) = inf{gn(x) : n ∈ N}, e<br />

H(x) = lim inf<br />

n→∞ fn(x) = lim<br />

n→∞ hn(x) = sup{hn(x) : n ∈ N}.<br />

Concluímos que as funções G e H são mensuráveis, ainda em consequência<br />

<strong>de</strong> a). A afirmação final é uma consequência óbvia <strong>de</strong>ste facto, porque<br />

f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) em E =⇒ f(x) = G(x) = H(x) em E,<br />

e se a convergência é válida apenas qtp então f ≃ G em E.<br />

Vimos logo no início do capítulo 1 que a operação <strong>de</strong> integração não<br />

po<strong>de</strong> ser sempre trocada com a <strong>de</strong> passagem ao limite. Existem no entanto<br />

circunstâncias razoavelmente gerais on<strong>de</strong> essa troca é possível, e passamos<br />

a enunciar e <strong>de</strong>monstrar um conjunto <strong>de</strong> resultados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância<br />

que formalizam e tornam precisa esta observação. Estes resultados são, em<br />

larga medida, consequência directa do teorema da convergência monótona<br />

<strong>de</strong> Lebesgue (2.1.13), ou seja, da proprieda<strong>de</strong> “essencial” <strong>de</strong> σ-aditivida<strong>de</strong>.


3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 165<br />

Teorema 3.2.3 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi). ( 3 ) Se as funções fn : E →<br />

[0,+∞] são mensuráveis em E ⊆ RN e formam uma sucessão crescente,<br />

então fn(x) ր f(x), on<strong>de</strong> f é mensurável em E e<br />

<br />

lim<br />

n→∞ fndmN<br />

<br />

= lim fndmN.<br />

n→∞<br />

E<br />

Demonstração. Sabemos que f(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} é mensurável, <strong>de</strong><br />

acordo com 3.2.2, precisamente porque<br />

∞<br />

ΩE(f) = ΩE(fn).<br />

n=1<br />

As funções fn ≥ 0 formam uma sucessão crescente, don<strong>de</strong> ΩE(fn) ր ΩE(f).<br />

Segue-se do teorema da convergência monótona (2.1.13) que<br />

<br />

mN+1(ΩE(fn)) → mN+1(ΩE(f)), ou seja, fndmN → fdmN.<br />

Exemplo 3.2.4.<br />

Seja f a função nula fora <strong>de</strong> ]0, 1[, e tal que f(x) = 1<br />

√ x , quando 0 < x < 1.<br />

Observámos no exemplo 3.1.2.2 que o integral 1<br />

0 f(x)dx existe e é igual a 2.<br />

Sendo Q ∩ ]0, 1[ = {q1, q2, · · · }, consi<strong>de</strong>ramos<br />

n 1<br />

gn(x) =<br />

2k f(x − qk)<br />

∞ 1<br />

ր g(x) = f(x − qk).<br />

2k k=1<br />

É relativamente simples verificar (ver, por exemplo, o exercício 5 da secção<br />

anterior) que as funções gn são B-mensuráveis, os integrais 2<br />

0 gn(x)dx existem,<br />

e po<strong>de</strong>m ser calculados como integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann:<br />

2 2<br />

n 1<br />

gndm = gn(x)dx =<br />

2k 2<br />

n 1<br />

f(x − qk)dx = ր 1.<br />

2k−1 0<br />

0<br />

k=1<br />

Concluímos do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi que g é B-mensurável e 2<br />

gdm = 1. 0<br />

Em particular, g é finita qtp, um facto que à partida po<strong>de</strong> parecer difícil <strong>de</strong><br />

estabelecer. A função G(x) = x<br />

gdm po<strong>de</strong> ser calculada integrando a série<br />

−∞<br />

termo-a-termo, e é dada por<br />

∞ 1<br />

G(x) =<br />

2<br />

n=1<br />

nF(x − qn),<br />

⎧<br />

x ⎨ 0, se x ≤ 0<br />

on<strong>de</strong> F(x) = fdm = 2<br />

−∞ ⎩<br />

√ x, se 0 ≤ x ≤ 1 .<br />

2, se x ≥ 1<br />

Note-se que g é ilimitada em qualquer subintervalo não trivial <strong>de</strong> [0, 1], e portanto<br />

o seu integral <strong>de</strong> Lebesgue não é um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann.<br />

3 Beppo Levi, 1875-1961, matemático italiano <strong>de</strong> origem judaica, estudou em Turim,<br />

on<strong>de</strong> teve como professores, entre outros, Vito Volterra e Giuseppe Vitali. Foi professor das<br />

universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Cagliari, Parma e Bolonha, don<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>mitido em 1938 pelo regime <strong>de</strong><br />

Mussolini. Emigrou para a Argentina em 1939, e teve um papel central no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da Matemática no seu país <strong>de</strong> adopção. Este teorema foi publicado em 1906.<br />

0<br />

E<br />

E<br />

k=1<br />

k=1<br />

E


166 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

O teorema <strong>de</strong> Beppo Levi é aplicável a sucessões <strong>de</strong>crescentes <strong>de</strong> funções,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as funções em causa sejam somáveis a partir <strong>de</strong> certa or<strong>de</strong>m.<br />

Teorema 3.2.5 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II)). Se as funções fn : E →<br />

[0,+∞] são mensuráveis em E ⊆ RN e formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente,<br />

então fn(x) ց f(x), on<strong>de</strong> f é mensurável em E. Se f1 é somável, então<br />

<br />

lim<br />

n→∞ fndmN<br />

<br />

= lim fndmN.<br />

n→∞<br />

E<br />

Demonstração. f(x) = inf{fn(x) : n ∈ N} é mensurável, <strong>de</strong> acordo com<br />

3.2.2, porque<br />

∞<br />

ΣE(f) = ΣE(fn).<br />

n=1<br />

As funções fn ≥ 0 formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente, don<strong>de</strong> ΣE(fn) ց<br />

ΣE(f). Como f1 é somável temos mN+1(ΣE(f1)) < +∞ e concluímos <strong>de</strong><br />

2.1.14 e 3.1.12 que:<br />

<br />

mN+1(ΣE(fn)) → mN+1(ΣE(f)), i.e., fndmN → fdmN.<br />

O limite inferior <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong> funções é sempre o limite <strong>de</strong> uma<br />

sucessão crescente, à qual po<strong>de</strong>mos aplicar o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi. Obtemos,<br />

assim, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> conhecida como<br />

Lema 3.2.6 (Lema <strong>de</strong> Fatou). ( 4 ) Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />

mensuráveis em E ⊆ RN , então<br />

<br />

lim inf<br />

n→∞ fndmN<br />

<br />

≤ lim inf fndmN.<br />

n→∞<br />

E<br />

Demonstração. Conforme notámos na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.2.2,<br />

se hn(x) = inf{fk(x) : k ≥ n} então hn(x) ր lim inf<br />

n→∞ fn(x).<br />

Como hn ≥ 0, segue-se do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi que<br />

<br />

(1) hndmN → lim inf<br />

n→∞ fndmN.<br />

E<br />

Da monotonia do integral em relação à integranda segue-se que<br />

<br />

hndmN ≤ fkdmN, para qualquer k ≥ n, ou<br />

E<br />

E<br />

4 Pierre Joseph Louis Fatou, 1878-1929, matemático francês. Fatou referiu um lema<br />

muito semelhante a este num artigo publicado em 1906.<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E


3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 167<br />

<br />

<br />

(2) hndmN ≤ inf{ fkdmN : k ≥ n}.<br />

E<br />

E<br />

Deve ser claro das observações feitas na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.2.2 que<br />

<br />

<br />

inf{ fkdmN : k ≥ n} → lim inf<br />

n→∞<br />

fndmN.<br />

E<br />

Passando ao limite na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (2) e usando (1), obtemos<br />

<br />

lim inf<br />

n→∞ fndmN<br />

<br />

≤ lim inf fndmN.<br />

n→∞<br />

E<br />

Deixamos como exercício a seguinte versão do lema <strong>de</strong> Fatou para o<br />

limite superior <strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong> funções, que é consequência <strong>de</strong> 3.2.5.<br />

Teorema 3.2.7 (Lema <strong>de</strong> Fatou (II)). Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />

mensuráveis em E ⊆ RN , e existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal<br />

que fn(x) ≤ F(x), qtp em E, então<br />

<br />

lim sup<br />

n→∞<br />

E<br />

fndmN ≤<br />

E<br />

E<br />

E<br />

lim sup fndmN.<br />

n→∞<br />

Este resultado, e o lema <strong>de</strong> Fatou, permitem-nos obter uma versão preliminar<br />

do que é, seguramente, um dos resultados mais centrais da teoria<br />

da integração <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Teorema 3.2.8 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). ( 5 )<br />

Suponha-se que<br />

a) As funções fn : E → R são L-mensuráveis em E,<br />

b) Existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal que |fn(x)| ≤ F(x),<br />

qtp em E, e<br />

c) f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) qtp em E.<br />

Neste caso, f é L-mensurável e somável em E, e<br />

<br />

<br />

fdmN = lim fndmN.<br />

n→∞<br />

E<br />

Demonstração. Supomos que as funções fn são não-negativas, <strong>de</strong>ixando o<br />

caso geral para os exercícios. Os limites superior e inferior da sucessão dos<br />

integrais <strong>de</strong> fn existem sempre, e satisfazem<br />

<br />

<br />

lim inf<br />

n→∞<br />

E<br />

fndmN ≤ lim sup<br />

n→∞<br />

5 Publicado por Lebesgue, em 1908.<br />

E<br />

E<br />

fndmN ≤<br />

E<br />

FdmN < ∞.


168 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Aplicamos os teoremas 3.2.6 e 3.2.7 à sucessão <strong>de</strong> funções fn, para obter<br />

<br />

lim inf<br />

E<br />

n→∞ fndmN<br />

<br />

≤lim inf<br />

n→∞<br />

fndmN ≤<br />

E<br />

<br />

≤lim sup<br />

n→∞<br />

fndmN ≤ lim sup fndmN.<br />

n→∞<br />

O resultado é agora imediato, porque, por hipótese,<br />

Observações 3.2.9.<br />

E<br />

lim inf<br />

n→∞ fn ≃ lim sup fn ≃ f em E.<br />

n→∞<br />

1. No enunciado do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi po<strong>de</strong>mos supor que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

0 ≤ fn(x) ≤ fn+1(x) e a relação fn(x) ր f(x) são válidas apenas qtp em E.<br />

Definindo os conjuntos An e A por<br />

An = {x ∈ E : fn(x) < 0 ou fn+1(x) < fn(x)} e A =<br />

é claro que mN(A) = 0. Definindo também<br />

<br />

fn(x), se x ∈ A<br />

gn(x) =<br />

0, se x ∈ A<br />

E<br />

∞<br />

An,<br />

temos 0 ≤ gn(x) ≤ gn+1(x) e gn(x) ր g(x) para qualquer x ∈ E. É imediato<br />

que gn ≃ fn em E, e portanto as funções gn e g são L-mensuráveis em E.<br />

É também claro que se x ∈ A então fn(x) = gn(x) → g(x), e em particular<br />

g ≃ f em E. Segue-se do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi na forma 3.2.3 que<br />

<br />

fndmN = gndmN → gdmN = fdmN.<br />

E<br />

E<br />

2. É igualmente simples adaptar <strong>de</strong> forma análoga o enunciado do teorema <strong>de</strong><br />

Beppo Levi (II).<br />

Deve também notar-se que estes resultados sobre limites e integrais são<br />

com frequência indispensáveis ao estudo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong>finidas como integrais<br />

paramétricos, ou seja, funções φ dadas por expressões do tipo:<br />

<br />

φ(x) = f(x,y)dy.<br />

E<br />

Por exemplo, supondo que x ∈ A ⊆ R N , y ∈ E ⊆ R M e f é contínua em<br />

A × E, a questão da continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> φ em x0 ∈ A reduz-se ao estudo da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

lim<br />

x→x0<br />

<br />

E<br />

<br />

f(x,y)dy =<br />

E<br />

E<br />

E<br />

n=1<br />

<br />

lim f(x,y)dy = f(x0,y)dy.<br />

x→x0<br />

E


3.2. Limites, Mensurabilida<strong>de</strong> e Integrais 169<br />

Para aplicar resultados que enunciámos e <strong>de</strong>monstrámos para sucessões <strong>de</strong><br />

funções a problemas <strong>de</strong>ste tipo, <strong>de</strong>ve recordar-se que a usual <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

limite <strong>de</strong> funções po<strong>de</strong> formular-se em termos <strong>de</strong> limites <strong>de</strong> sucessões, e.g.,:<br />

3.2.10. Se f : U → R, U ⊆ R N é aberto e a ∈ U, então limx→a f(x) = b se<br />

e só se, para qualquer sucessão com termo geral xn ∈ U\{a},<br />

xn → a =⇒ f(xn) → b.<br />

A título <strong>de</strong> ilustração, seja I ⊆ R aberto, E ⊆ R e f : I ×E → R. Para cada<br />

s ∈ I, <strong>de</strong>finimos fs : I → R por fs(t) = f(s,t). Suponha-se que ψ : E → R<br />

é somável em E e, para qualquer s ∈ I, fs é mensurável em E e |fs| ≤ ψ.<br />

Se s0 ∈ I, temos então que<br />

<br />

lim f(s,t) = g(t) =⇒ f(s,t)dt → g(t)dt.<br />

s→s0<br />

Para provar esta afirmação, basta consi<strong>de</strong>rar sucessões sn → s0, e aplicar o<br />

teorema 3.2.8 às funções gn dadas por gn(t) = f(sn,t).<br />

Exemplos 3.2.11.<br />

1. continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um integral paramétrico: Vimos já que a função<br />

dada por ψ(t) = e−t2 é somável em R. Estudamos agora a continuida<strong>de</strong> do<br />

integral paramétrico dado por( 6 )<br />

<br />

F(s) = e −t2<br />

cos(st)dt.<br />

R<br />

Com f(s, t) = e−t2 cos(st), temos |f(s, t)| = |e−t2 cos(st)| ≤ e−t2 = ψ(t) e, em<br />

particular, F está <strong>de</strong>finida em R. Temos igualmente para qualquer s0 ∈ R que<br />

f(s, t) → f(s0, t) quando s → s0, porque f é contínua em R 2 . Po<strong>de</strong>mos por<br />

isso concluir que<br />

lim F(s) =<br />

s→s0<br />

<br />

s→s0 R<br />

E<br />

lim e −t2<br />

<br />

cos(st)dt =<br />

R<br />

E<br />

e −t2<br />

cos(s0t)dt = F(s0)<br />

2. <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um integral paramétrico: Quando ω > 0, o integral<br />

∞<br />

G(ω) = e −ωt sen(t 2 )dt<br />

0<br />

é um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann absolutamente convergente, porque<br />

|e −ωt sen(t 2 )| ≤ e −ωt ∞<br />

e e −ωt dt = 1<br />

ω .<br />

6 Este integral é, como veremos, a parte real da transformada <strong>de</strong> Fourier <strong>de</strong> ψ.<br />

Note do exercício 9 que po<strong>de</strong>mos facilmente estabelecer a sua continuida<strong>de</strong> uniforme em<br />

R sem invocar o teorema 3.2.8.<br />

0


170 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Para calcular a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> G, consi<strong>de</strong>ramos o quociente<br />

∞<br />

G(ω + s) − G(ω) e<br />

=<br />

s<br />

−(ω+s)t − e−ωt sen(t<br />

s<br />

2 ∞<br />

)dt =<br />

0<br />

0<br />

e−st − 1<br />

e<br />

s<br />

−ωt sen(t 2 )dt.<br />

Repare-se que neste cálculo o limite em questão é calculado com ω > 0 fixo.<br />

Um cálculo elementar mostra que<br />

f(s, t) = e−st − 1<br />

e<br />

s<br />

−ωt sen(t 2 ) → −te −ωt sen(t 2 ) quando s → 0 e,<br />

supondo agora que |s| ≤ ω/2, temos igualmente<br />

|f(s, t)| = | e−st − 1<br />

e<br />

s<br />

−ωt sen(t 2 )| ≤ te −ωt/2 = ψ(t).<br />

A função ψ é também somável em E = [0, ∞[ (porquê?), e po<strong>de</strong>mos portanto<br />

concluir <strong>de</strong> 3.2.8 que<br />

G ′ ∞<br />

e<br />

(ω) = lim<br />

s→0<br />

−(ω+s)t − e−ωt sen(t<br />

s<br />

2 ∞<br />

)dt = − te −ωt sen(t 2 )dt.<br />

Exercícios.<br />

0<br />

1. Suponha que fn : E → R, g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} e h(x) = inf{fn(x) :<br />

n ∈ N}. Mostre que<br />

g + (x) = sup{f + n (x) : n ∈ N}, g− (x) = inf{f − n<br />

h + (x) = inf{f + n (x) : n ∈ N}, h− (x) = sup{f − n<br />

0<br />

(x) : n ∈ N}, e<br />

(x) : n ∈ N}.<br />

2. Mostre que o teorema <strong>de</strong> Beppo Levi é válido para funções fn : E → R,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <br />

E f1dmN > −∞.<br />

3. Mostre que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função g <strong>de</strong>finida no exemplo 3.2.4 é<br />

σ-elementar, e portanto g é Borel-mensurável.<br />

4. Demonstre o teorema 3.2.7.<br />

5. Mostre que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> estrita é possível no lema <strong>de</strong> Fatou e em 3.2.7.<br />

6. O Lema <strong>de</strong> Fatou (II) tem como uma das hipóteses a condição<br />

(i) fn(x) ≤ F(x), qtp em E, on<strong>de</strong> F é somável em E.<br />

Verifique se esta condição po<strong>de</strong> ser substituída por<br />

(ii) <br />

E fndmN < K < ∞, para qualquer n ∈ N.<br />

7. Demonstre o teorema da convergência dominada para fn : E → R.<br />

8. Suponha que f : R → R é diferenciável em R, e mostre que f ′ é B-mensurável<br />

em R.


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 171<br />

9. Verifique os <strong>de</strong>talhes dos cálculos indicados na discussão dos exemplos 3.2.11.<br />

Mostre igualmente que a função F é uniformemente contínua em R sem invocar<br />

o teorema 3.2.8.<br />

10. Calcule<br />

n<br />

lim<br />

n→+∞<br />

0<br />

<br />

1 − x<br />

n<br />

n<br />

e x<br />

2 dx.<br />

11. Calcule a <strong>de</strong>rivada da função<br />

∞<br />

e<br />

F(s) =<br />

−t<br />

sen(st)dt.<br />

t<br />

3.3 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />

0<br />

A teoria <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> Lebesgue inclui uma solução particularmente elegante<br />

para o problema do cálculo da medida <strong>de</strong> um conjunto por integração<br />

da medida das suas secções. Trata-se do Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue( 7 ),<br />

que passamos a estudar.<br />

As secções <strong>de</strong> um conjunto E ⊆ R N resultam <strong>de</strong> intersectar E com<br />

“planos” <strong>de</strong> dimensão M < N <strong>de</strong> tipo especial. Antes <strong>de</strong> apresentarmos<br />

uma <strong>de</strong>finição mais precisa <strong>de</strong>sta noção <strong>de</strong> secção, é conveniente analisarmos<br />

alguns casos mais específicos.<br />

Exemplos 3.3.1.<br />

1. Se E ⊆ R 2 , as secções <strong>de</strong> E resultam fixar uma das duas coor<strong>de</strong>nadas dos<br />

pontos <strong>de</strong> E, ou seja, <strong>de</strong> intersectar E com rectas horizontais ou verticais (ver<br />

figura 3.3.1). Designando por α e β, respectivamente, as rectas com equações<br />

x = a e y = b, obtemos os conjuntos<br />

E a 1 = E ∩ α = {(a, y) : (a, y) ∈ E} e E b 2<br />

= E ∩ β = {(x, b) : (x, b) ∈ E}<br />

É no entanto mais conveniente consi<strong>de</strong>rar as projecções <strong>de</strong>stes conjuntos em R<br />

como as verda<strong>de</strong>iras “secções” <strong>de</strong> E, ou seja, tomar como secções os conjuntos<br />

E a 1 = {y ∈ R : (a, y) ∈ E} e Eb 2<br />

= {x ∈ R : (x, b) ∈ E}<br />

Repare-se que neste caso Et i<br />

coor<strong>de</strong>nada i igual a t e Et i é a projecção (evi<strong>de</strong>nte) <strong>de</strong> Et i<br />

é o conjunto formado pelos pontos <strong>de</strong> E com<br />

em R.<br />

2. Se E ⊆ R 3 , e escrevendo x ∈ R 3 na forma x = (x1, x2, x3), as secções <strong>de</strong> E<br />

obtém-se agora <strong>de</strong> fixar uma ou duas das coor<strong>de</strong>nadas dos pontos <strong>de</strong> E, ou seja,<br />

7 De Guido Fubini, 1879-1943, matemático italiano <strong>de</strong> origem judaica, refugiado nos<br />

EUA em 1939, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitido da sua posição na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Turim. A versão<br />

mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>ste teorema foi <strong>de</strong>scoberta no período 1906-1907 por Fubini e Beppo Levi, mas<br />

o princípio subjacente, dito “<strong>de</strong> Cavalieri”, do matemático italiano Bonaventura Francesco<br />

Cavalieri, 1598 - 1647, já era conhecido por Arquime<strong>de</strong>s.


172 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

E a 1<br />

E b 2<br />

Figura 3.3.1: E a 1 e Eb 2<br />

x = a<br />

E<br />

y = b<br />

são secções do conjunto E.<br />

<strong>de</strong> intersectar E com planos paralelos a um dos planos coor<strong>de</strong>nados (equação<br />

xi = a) ou com rectas paralelas a dois dos planos coor<strong>de</strong>nados (sistema xi = a<br />

e xj = b). Adaptando a notação introduzida no exemplo anterior, temos, e.g.,<br />

E c 3 = {(x, y) ∈ R 2 : (x, y, c) ∈ E} e E (a,b)<br />

(1,2) = {z ∈ R3 : (a, b, z) ∈ E}<br />

a) Se E ⊂ R3 √<br />

3<br />

é a esfera centrada na origem <strong>de</strong> raio 4, então E3<br />

é o círculo<br />

unitário em R 2 , porque<br />

E<br />

√<br />

3<br />

3 = {(x, y) ∈ R2 : x 2 + y 2 + 3 ≤ 4} = {(x, y) ∈ R 2 : x 2 + y 2 ≤ 1}.<br />

Analogamente, a secção E (0,√ 3)<br />

(1,3) é o intervalo [−1, +1], porque<br />

E (0,√ 3)<br />

(1,3) = {y ∈ R : 0 + y2 + 3 ≤ 4} = {y ∈ R : y 2 ≤ 1} = [−1, +1].<br />

b) Se E ⊂ R3 é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f : R2 → R dada por f(x, y) =<br />

x2 + |y|, então E −1<br />

2 é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas em R da função que po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>signar g = f −1<br />

2 : R → R, dada por f −1<br />

1 (x) = f(x, −1) = g(x) = x2 + 1,<br />

porque<br />

E<br />

√<br />

3<br />

1 = {(y, z) ∈ R2 : 0 < z < f( √ 3, y)} = {(y, z) ∈ R 2 : 0 < z < 3 + |y|}<br />

Neste caso, as secções do tipo E λ 3 têm um significado muito particular,<br />

porque, e.g.,<br />

E 1 3 = {(x, y) ∈ R2 : 0 < 1 < f(x, y)} = f −1 (]1, ∞])<br />

Por palavras, a secção Eλ 3<br />

E (a,b)<br />

(1,2)<br />

é o conjunto on<strong>de</strong> f > λ. As secções do tipo<br />

são especialmente simples, porque são sempre intervalos:<br />

E (a,b)<br />

(1,2) = {z ∈ R : 0 < λ < f(a, b)} =]0, f(a, b)[


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 173<br />

3. Quando a dimensão do espaço em causa é superior a 3, a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjuntos<br />

a que po<strong>de</strong>mos chamar “secções” é ainda maior. Supondo E ⊆ R 5 ,<br />

é razoável fixar, por exemplo, a 2 a e a 4 a coor<strong>de</strong>nada, o que correspon<strong>de</strong> a<br />

intersectar E com um “plano” <strong>de</strong> dimensão 3, para obter uma secção do tipo<br />

E (a,b)<br />

(2,4) = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, a, y, b, z) ∈ E}.<br />

As usuais funções “<strong>de</strong> projecção” πi : RN → R, on<strong>de</strong> 1 ≤ i ≤ N e<br />

πi(x) = xi quando x = (x1,x2, · · · ,xN), são úteis para tornarmos estas<br />

noções mais precisas. Na realida<strong>de</strong>, é fácil ver que se E ⊆ R2 então, quando<br />

(i,j) = (1,2) e quando (i,j) = (2,1),<br />

E a i<br />

= π−1<br />

i (a) ∩ E e E a i<br />

= πj<br />

E a i<br />

<br />

= πj<br />

π −1<br />

i (a) ∩ E <br />

O caso <strong>de</strong> secções <strong>de</strong> conjuntos em espaços <strong>de</strong> dimensão superior a 2 requer<br />

no entanto a generalização das noções <strong>de</strong> índice i e <strong>de</strong> projecção πi<br />

subjacentes à observação que acabámos <strong>de</strong> fazer para R 2 .<br />

Definição 3.3.2 ( Índices e projecções). Um índice-K (em RN ) é um Ktuplo<br />

<strong>de</strong> naturais I = (i1,i2, · · · ,iK), on<strong>de</strong> 1 ≤ i1 < i2 < · · · < iK ≤ N.<br />

Dizemos neste caso que a função πI : R N → R K dada por<br />

πI(x) = (πi1 (x), · · · ,πiK (x)).<br />

é uma projecção. Sendo N = K + M, o índice complementar <strong>de</strong> I,<br />

<strong>de</strong>signado I c , é o índice-M formado pelos naturais j1 < · · · < jM ≤ N que<br />

não estão em {i1,i2, · · · ,iK}.<br />

Exemplo 3.3.3.<br />

Se N = 5 e I = (2, 4), temos I c = (1, 3, 5). Repare-se que a secção <strong>de</strong> E ⊆ R 5<br />

referida no exemplo 3.3.1.3 é<br />

E (a,b) −1<br />

(2,4) = πIc πI (E)<br />

Qualquer elemento x ∈ RN fica unicamente <strong>de</strong>terminado pelas suas projecções<br />

t = πI(x) ∈ RK e y = πIc(x) ∈ RM , porque as componentes <strong>de</strong> x<br />

resultam <strong>de</strong> uma simples permutação das componentes <strong>de</strong> u = (t,y). É por<br />

isso conveniente introduzir<br />

Definição 3.3.4. Seja I um índice-K em R N e N = K + M. As funções<br />

ΠI : R N → R K × R M e ρI : R K × R M → R N ( 8 ) são dadas por<br />

ΠI(x) = (πI(x),πI c(x)) e ρI = Π −1<br />

I .<br />

8 Os símbolos πI e ρI não incluem qualquer referência ao espaço R N subjacente, para<br />

não sobrecarregar excessivamente a notação, mas note que esta opção causa ambiguida<strong>de</strong>.


174 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

x = ρI(t,y) ⇐⇒ (t,y) = ΠI(x) ⇐⇒ t = πI(x) e y = πI c(x).<br />

Exemplos 3.3.5.<br />

1. Se I = (2, 4), πI : R 5 → R 2 é dada por<br />

πI(x) = (x2, x4), on<strong>de</strong> x = (x1, x2, x3, x4, x5).<br />

Neste caso, I c = (1, 3, 5), πI c : R5 → R 3 e πI c(x) = (x1, x3, x5). A função<br />

ρI : R 2 × R 3 → R 5 é dada por<br />

ρI(t, y) = ρI((t1, t2), (y1, y2, y3)) = (y1, t1, y2, t2, y3).<br />

2. As secções <strong>de</strong> um dado conjunto E po<strong>de</strong>m ser facilmente expressas em termos<br />

das funções <strong>de</strong> projecção que acabámos <strong>de</strong> referir. Se E ⊆ R 2 e x0, y0 ∈ R então<br />

3. Se E ⊆ R 3 e y0 ∈ R, então<br />

{x ∈ R : (x, y0) ∈ E} = π1(π −1<br />

2 (y0) ∩ E), e<br />

{y ∈ R : (x0, y) ∈ E} = π2(π −1<br />

1 (x0) ∩ E).<br />

{(x, z) ∈ R 2 : (x, y, z) ∈ E} = π (1,3)(π −1<br />

2 (y0) ∩ E).<br />

4. Se E ⊆ R 5 e (y0, u0) ∈ R 2 , e escrevendo α = (2, 4), α c = (1, 3, 5), então<br />

{(x, z, v) ∈ R 3 : (x, y0, z, u0, v) ∈ E} = π (1,3,5)(π −1<br />

(2,4) (u0, v0) ∩ E).<br />

A <strong>de</strong>finição seguinte formaliza estas i<strong>de</strong>ias.<br />

Definição 3.3.6 (Secções <strong>de</strong> E ⊆ R N ). Seja E ⊆ R N , I = (i1,i2, · · · ,iK)<br />

um índice-K em R N , t ∈ R K , e M = N −K. Dizemos então que o conjunto<br />

E t I<br />

= πI c(π−1<br />

I (t) ∩ E) = {y ∈ RM : ρI(t,y) ∈ E}.<br />

é uma secção-M <strong>de</strong> E, ou mais simplesmente uma secção <strong>de</strong> E.<br />

Exemplos 3.3.7.<br />

1. Seja Ω ⊂ R 3 a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f : R 2 → R. Escrevemos os pontos <strong>de</strong><br />

R 3 na forma v = (x, y, z) e observamos que se f ≥ 0 então:<br />

• Ω x0<br />

1 = π (2,3)({(x0, y, z) ∈ Ω}) = {(y, z) : 0 < z < f(x0, y)} é a região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas da função gx0 : R → R, dada por gx0(y) = f(x0, y).<br />

• Ω y0<br />

2 = π (1,3)({(x, y0, z) ∈ Ω}) = {(x, z) : 0 < z < f(x, y0)} é a região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas da função hy0 : R → R, dada por hy0(x) = f(x, y0).<br />

• Ω z0<br />

3 = π (1,2)({(x, y, z0) ∈ Ω}) = {(x, y) : 0 < z0 < f(x, y)} é o conjunto<br />

<strong>de</strong> pontos on<strong>de</strong> f é maior do que z0.<br />

• Ω (x0,y0)<br />

(1,2) = π3({(x0, y0, z) ∈ Ω} = {z : 0 < z < f(x0, y0)}


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 175<br />

x0<br />

R<br />

R<br />

Figura 3.3.2: A secção Ω x0<br />

1<br />

z = f(x0,y) = fx0 (y)<br />

R<br />

é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> fx0 .<br />

• Ω (x0,z0)<br />

(1,3) = π2({(x0, y, z0) ∈ Ω} = {y : 0 < z0 < f(x0, y) é o conjunto on<strong>de</strong><br />

a função fx0 dada por fx0(t) = f(x0, t) é maior do que z0.<br />

• Ω (y0,z0)<br />

(2,3) = π1({(x, y0, z0) ∈ Ω} = {x : 0 < z0 < f(x, y0) é o conjunto on<strong>de</strong><br />

a função f y0 dada por f y0 (t) = f(t, y0) é maior do que z0.<br />

2. Consi<strong>de</strong>re-se a bola S = x ∈ R N : x ≤ R ⊂ R N e seja y ∈ R K , on<strong>de</strong><br />

K < N e y < R. Se I é um qualquer índice-K, é fácil reconhecer que a<br />

é igualmente uma bola, dada por<br />

secção S y<br />

I<br />

S y<br />

I = z ∈ R N−K : z 2 + y 2 ≤ R 2 =<br />

<br />

z ∈ R N−K : z 2 ≤ R2 − y2 <br />

.<br />

Se as secções E t I ⊆ RM são mensuráveis, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar as respectivas<br />

medidas AI(t) = mM(E t I ) e AI é uma função em R K . O teorema <strong>de</strong><br />

Fubini-Lebesgue que passamos a enunciar garante que, se o conjunto E é<br />

L-mensurável, então o integral <strong>de</strong> AI existe e é a medida <strong>de</strong> E.<br />

Teorema 3.3.8 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I)). Seja E ∈ L(R N ), 1 ≤<br />

K < N, t ∈ R K , M = N − K e seja ainda I = (i1,i2, · · · ,iK) um índice-K<br />

em R N . Temos então que<br />

a) Os conjuntos E t I ⊂ RM são L-mensuráveis, para quase todo o t ∈ R K ,<br />

b) A função AI(t) = mM(E t I ) é L-mensurável em RK e<br />

Exemplo 3.3.9.<br />

<br />

R K<br />

AIdmK = mN(E).


176 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Designamos por E a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função f : R 2 → R dada por<br />

f(x, y) = log(x2 + y2 ), no conjunto B1(0). Se z < 0, as secções Ez 3 são<br />

círculos, <strong>de</strong> raio r = e z<br />

2 , don<strong>de</strong> A3(z) = πez . Supondo provado o teorema<br />

3.3.8, a medida do conjunto E é dada, portanto, por<br />

0<br />

m3(E) =<br />

−∞<br />

0<br />

A3(z)dm =<br />

−∞<br />

πe z dm,<br />

que po<strong>de</strong> ser calculado como um integral impróprio <strong>de</strong> Riemann. Temos, assim,<br />

0<br />

m3(E) = lim πe<br />

z→−∞<br />

t dm = lim<br />

z→−∞ π et 0<br />

= π. z<br />

z<br />

ACRESCENTAR AQUI O EXEMPLO DA LEI DE GAUSS A DUAS DI-<br />

MENS ÕES: Consi<strong>de</strong>re-se a função f(x, y) = ex2.y2, e seja Bn = Bn(0) a bola<br />

centrada na origem com raio n. A função f é Riemann-integrável em Bn, e<br />

po<strong>de</strong>mos calcular o respectivo integral usando, por exemplo, as secções obtidas<br />

com z constante: Como Bn . R2, concluímos que o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong><br />

f em R2 é igual a . Observe-se que o mesmo cálculo, mas executado agora<br />

com os conjuntos An = [.n, n] ¡¿ [.n, n], conduz necessariamente ao mesmo<br />

resultado, i.e., Obtemos assim a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> clássica:<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue é imediato quando E é um rectângulo-N.<br />

Suponha-se que E = R = I1 × · · · IN, on<strong>de</strong> os conjuntos Ik são intervalos<br />

em R, e seja I um índice-K em RN , com I = (i1,i2, · · · ,iK), e Ic =<br />

(j1,j2, · · · ,jM). É natural dizer que os conjuntos<br />

RI = πI(R) = Ii1 × · · · IiK ⊆ RK e RIc = πIc(R) = Ij1 × · · · IjM ⊆ RM<br />

são projecções <strong>de</strong> R, e é evi<strong>de</strong>nte que mN(R) = mK(RI)mM(RIc). O cálculo<br />

das secções R t I e da função AI é muito simples, e conduz a<br />

R t I =<br />

<br />

RIc, quando t ∈ RI<br />

∅, quando t ∈ RI<br />

Concluímos que<br />

<br />

<br />

AI(t)dmK =<br />

R k<br />

RI<br />

don<strong>de</strong> A t I =<br />

<br />

mM(RIc), quando t ∈ RI<br />

0, quando t ∈ RI<br />

mM(RI c)dmK = mM(RI c)mK(RI) = mN(R).<br />

Note que po<strong>de</strong>mos escrever AI(t) = mM(RI c)χRI (t), e portanto a<br />

função AI é múltipla da função característica <strong>de</strong> RI. Obtivémos assim<br />

o seguinte resultado preliminar:<br />

Lema 3.3.10. Seja R um rectângulo-N, e I um índice-K em RN . Sejam<br />

ainda RI e RIc as projecções acima referidas. Temos então que:<br />

a) As secções R t I são rectângulos-M para qualquer t ∈ RK , sendo que<br />

R t I = RI c quando t ∈ RI, e R t I = ∅ quando t ∈ RI. Portanto,


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 177<br />

<br />

b) AI = mM(RIc)χRI é B-mensurável, e<br />

Rk AI(t)dmK = mN(R).<br />

Usaremos com frequência as seguintes observações elementares.<br />

Lema 3.3.11. Suponha-se que I é um índice-K em R N e t ∈ R K . Se<br />

Eα ⊆ R N para qualquer α ∈ J, temos:<br />

a) Se A = <br />

α∈J<br />

b) Se B = <br />

α∈J<br />

Eα, então A t I = <br />

Eα, então B t I<br />

α∈J<br />

= <br />

α∈J<br />

c) Se E ⊆ R N então (E c ) t<br />

I = E t I<br />

(Eα) t<br />

I .<br />

c.<br />

(Eα) t<br />

I .<br />

Demonstração. Provamos apenas a), a título <strong>de</strong> exemplo. Seja ρI : RK ×<br />

RM → RN a bijecção <strong>de</strong>finida em 3.3.4. Notamos que<br />

y ∈ A t I ⇔ ρI(t,y) ∈ <br />

Eα ⇔ Existe α ∈ J tal que ρI(t,y) ∈ Eα ⇔<br />

α∈J<br />

⇔ Existe α ∈ J tal que y ∈ (Eα) t <br />

I ⇔ y ∈<br />

α∈J<br />

As restantes afirmações são também <strong>de</strong> verificação imediata.<br />

(Eα) t<br />

I .<br />

Para <strong>de</strong>monstrar o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I) na forma 3.3.8, provaremos<br />

sucessivamente lemas auxiliares (3.3.12 a 3.3.15) aplicáveis a conjuntos<br />

E <strong>de</strong> diversos tipos, começando pelo caso em que E ⊂ R N é elementar.<br />

Em todos estes resultados, supomos que<br />

E ⊆ R N , I é um índice-K em R N ,t ∈ R K e N = K + M.<br />

Lema 3.3.12. Se E é elementar então:<br />

a) Os conjuntos E t I ⊆ RM são elementares para qualquer t ∈ R K .<br />

b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é B-mensurável em RK , e<br />

<br />

R K<br />

AI(t)dmK = mN(E).<br />

Demonstração. Como E é elementar, existe uma partição R <strong>de</strong> E em rectângulos<br />

limitados disjuntos. Notamos do lema anterior que<br />

E = <br />

=<br />

Notamos agora que<br />

R∈R<br />

R =⇒ E t I<br />

R∈R<br />

R t I .


178 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• Como as secções Rt I<br />

secções Et I<br />

• Os rectângulos R t I<br />

são rectângulos (lema 3.3.10), é claro que as<br />

são elementares, o que prova a).<br />

são disjuntos (com t e I fixos), e portanto<br />

AI(t) = mM(E t <br />

I ) = mM(R<br />

R∈R<br />

t I ).<br />

Tal como no lema 3.3.10, se RI = πI(R) e RIc = πIc(R), então<br />

AI(t) = <br />

mM(R t I) = <br />

R∈R<br />

R∈R<br />

mM(RIc)χRI (t).<br />

A função AI é assim uma combinação linear <strong>de</strong> funções características<br />

<strong>de</strong> rectângulos limitados, a sua região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas é elementar, e AI<br />

é B-mensurável. O cálculo do seu integral (que existe no sentido <strong>de</strong><br />

Riemann e se reduz a uma soma <strong>de</strong> Darboux)( 9 ) é imediato:<br />

<br />

AI(t)dmK = <br />

<br />

mM(RIc)χRI (t)dmK =<br />

R K<br />

= <br />

R∈R<br />

R∈R<br />

R K<br />

<br />

mK(RI)mM(RIc) = mN(R) = mN(E).<br />

R∈R<br />

Passamos a consi<strong>de</strong>rar o caso dos conjuntos σ-elementares:<br />

Lema 3.3.13. Se E é σ-elementar então:<br />

a) Os conjuntos E t I ⊂ RM são σ-elementares para qualquer t ∈ R K .<br />

b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é B-mensurável em RK , e<br />

<br />

R K<br />

AIdmK = mN(E).<br />

Demonstração. E é uma união numerável <strong>de</strong> rectângulos limitados Rj, e<br />

Os conjuntos (Rj) t<br />

E =<br />

∞<br />

j=1<br />

Rj =⇒ E t I =<br />

∞<br />

j=1<br />

(Rj) t<br />

I .<br />

é também σ-<br />

I são rectângulos limitados, portanto Et I<br />

elementar e a função AI(t) = mM(Et I ) está <strong>de</strong>finida em RK . Consi<strong>de</strong>ramos<br />

os conjuntos elementares auxiliares Un = n j=1 Rj, e observamos que:<br />

(1) Un ր E, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E), e<br />

(2) (Un) t<br />

I ր Et t<br />

I , don<strong>de</strong> mM((Un) I ) → mM(Et I ), para qualquer t ∈ RK .<br />

9 Recor<strong>de</strong> que ainda não estabelecemos a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> Lebesgue em relação<br />

à integranda!


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 179<br />

<br />

Definimos An,I(t) = mM (Un) t<br />

<br />

<br />

I e AI(t) = mM Et I . Como Un é elementar,<br />

segue-se <strong>de</strong> 3.3.12 que An,I <br />

é B-mensurável, e é claro <strong>de</strong> (2) que<br />

An,I(t) ր AI(t) = mM Et I e AI é B-mensurável. Concluímos:<br />

<br />

(3) Do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi:<br />

RK <br />

An,IdmK →<br />

RK <br />

AIdmK.<br />

(4) De 3.3.12 e (1): An,IdmK = mN(Un) → mN(E).<br />

<br />

Temos <strong>de</strong> (3) e (4) que<br />

R K<br />

R K<br />

Consi<strong>de</strong>ramos em seguida o caso:<br />

AdmK = mN(E).<br />

Lema 3.3.14. Se E é <strong>de</strong> tipo Gδ e mN(E) < ∞ então:<br />

a) Os conjuntos E t I ⊆ RM são <strong>de</strong> tipo Gδ para qualquer t ∈ R K .<br />

b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é L-mensurável em RK , e<br />

<br />

R K<br />

AIdmK = mN(E).<br />

Demonstração. Existem conjuntos abertos Un <strong>de</strong> medida finita tais que<br />

Definimos An,I(t) = mM((Un) t<br />

I<br />

(i) Un ց E, don<strong>de</strong> mN(Un) → mN(E).<br />

(ii)<br />

<br />

R K<br />

), e observamos do lema 3.3.13, e (i), que<br />

An,IdmK = mN(Un) → mN(E).<br />

As funções An,I são evi<strong>de</strong>ntemente somáveis, e em particular a função A1,I<br />

é finita qtp. É também claro que<br />

E =<br />

∞<br />

n=1<br />

Un =⇒ E t I =<br />

∞<br />

n=1<br />

(Un) t<br />

t<br />

I , i.e., (Un) I ց Et I , e Et I<br />

é um Gδ.<br />

A função AI(t) = mM(Et I ) está, portanto, <strong>de</strong>finida para qualquer t ∈ RK .<br />

Como A1,I(t) < ∞ é finita qtp, temos An,I(t) ց AI(t) qtp, e segue-se do<br />

teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II) que AI é L-mensurável, e<br />

<br />

<br />

(iii) An,IdmK → AIdmK.<br />

R K<br />

O resultado segue-se <strong>de</strong> comparar (ii) e (iii).<br />

O caso dos conjuntos <strong>de</strong> medida nula é um corolário directo do anterior.<br />

R K


180 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Lema 3.3.15. Se E ⊆ R N e mN(E) = 0 então:<br />

a) Os conjuntos E t I são nulos para quase todo o t ∈ RK .<br />

b) A função AI dada por AI(t) = mM(E t I ) é nula qtp em RK , don<strong>de</strong> AI<br />

é L-mensurável, e<br />

<br />

R K<br />

AIdmK = mN(E) = 0.<br />

Demonstração. É claro que existe um conjunto B <strong>de</strong> tipo Gδ tal que mK(B) =<br />

0 e E ⊆ B. Sendo ÃI(t) = mM(Bt I ), temos do lema anterior que<br />

<br />

R K<br />

Como Et I ⊆ Bt I , é evi<strong>de</strong>nte que<br />

ÃIdmK = mN(B) = 0, don<strong>de</strong> ÃI ≃ 0 em R K .<br />

ÃI(t) = 0 ⇐⇒ mM(B t I) = 0 =⇒ mM(E t I) = 0 ⇐⇒ AI(t) = 0.<br />

Concluímos que AI ≃ 0 em R K , o que termina a <strong>de</strong>monstração.<br />

Provamos finalmente o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I) para conjuntos<br />

com medida finita.<br />

Demonstração. Recordamos que existe um conjunto B ⊇ E, <strong>de</strong> tipo Gδ, tal<br />

que mN(B − E) = 0. Com Z = B − E, temos<br />

B = E ∪ Z, e B t I = E t I ∪ Z t I.<br />

Os conjuntos B t I são <strong>de</strong> tipo Gδ, como observámos em 3.3.14, e vimos, em<br />

3.3.15, que Z t I é um conjunto nulo, qtp em RK . Concluímos assim que E t I<br />

é L-mensurável qtp em R K , e<br />

AI(t) = mM(E t I) ≃ mM(B t I) = ÃI(t), em R K .<br />

Supondo que mN(E) < ∞, temos também que mN(B) < ∞, e segue-se do<br />

lema 3.3.14 que a função ÃI, e portanto AI, são L-mensuráveis, e<br />

<br />

AIdmk = ÃIdmk = mN(B) = mN(E).<br />

R K<br />

R K<br />

Deixamos a generalização para conjuntos <strong>de</strong> medida infinita para o exercício<br />

2.<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini refere-se usualmente ao cálculo <strong>de</strong> integrais múltiplos<br />

por iteração <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> mais baixa dimensão. Dada uma função


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 181<br />

f <strong>de</strong>finida em R N+M , e supondo x ∈ R N e y ∈ R M , o teorema <strong>de</strong> Fubini<br />

esclarece condições em que são válidas as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s:<br />

<br />

R N+M<br />

<br />

f(x,y)dxdy =<br />

R M<br />

<br />

(<br />

RN <br />

f(x,y)dx)dy =<br />

RN <br />

(<br />

RM f(x,y)dy)dx.<br />

Claro que esta é apenas um caso especial entre muitas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s análogas,<br />

e por exemplo se N = 1 e M = 2 temos igualmente<br />

<br />

R 3<br />

<br />

f(x,y,x)dxdydz =<br />

R 2<br />

<br />

<br />

( f(x,y,z)dy)dxdz = (<br />

R<br />

R R2 f(x,y,z)dxdz)dy.<br />

Adaptamos a notação já introduzida para secções <strong>de</strong> conjuntos ao problema<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar funções quando fixamos alguns dos seus argumentos.<br />

Exemplos 3.3.16.<br />

1. Dados x, z ∈ R, seja g(y) = f(x, y, z).<br />

É natural escrever g = f(x,z)<br />

(1,3) .<br />

2. Dado y ∈ R, se h(x, z) = f(x, y, z) então escrevemos h = f y<br />

2 .<br />

Mais geralmente, se f : R N → R, I é um índice-K em R N , N = K + M<br />

e t ∈ R K , então f t I : RM → R é a função dada por<br />

f t I (y) = f(x) on<strong>de</strong> πI(x) = t e πIc(x) = y, i.e., ft I (y) = f(ρI(t,y)),<br />

on<strong>de</strong> ρI : RK × RM → RN é a bijecção referida na <strong>de</strong>finição 3.3.4. É fácil<br />

mostrar que a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas da função ft I é uma secção da região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f (figura 3.3.2), e na realida<strong>de</strong><br />

Se E = Ω R N(f) então Ω R M(f t I) = E t I.<br />

As formas mais clássicas do teorema <strong>de</strong> Fubini são por isso corolários directos<br />

do teorema 3.3.8, e po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já <strong>de</strong>monstrar um resultado aplicável a<br />

funções mensuráveis não negativas.<br />

Teorema 3.3.17 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : R N → [0,+∞]<br />

é L-mensurável, I é um índice-K em R N e N = K + M então<br />

a) As funções f t I são L-mensuráveis em RM , para quase todo o t ∈ R K .<br />

b) Sendo A(t) = <br />

R M f t I dmM, então A é L-mensurável em R K , e<br />

<br />

R K<br />

<br />

A(t)dmK =<br />

R N<br />

f(x)dmN.


182 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f, i.e.,<br />

E = Ω R N(f) = (x,z) ∈ R N+1 : x ∈ R N e 0 < z < f(x) .<br />

E é L-mensurável, porque f é L-mensurável. Conforme já observámos, I é<br />

também um índice-K em R N+1 , e se t ∈ R K temos<br />

E t I = Ω R M(f t I).<br />

Como a secção E t I é L-mensurável para quase todo o t ∈ RK , é evi<strong>de</strong>nte<br />

que f t I é igualmente L-mensurável para quase todo o t ∈ RK , e a função AI<br />

dada por<br />

AI(t) = mM+1(E t I) = mM+1(Ω R M(f t I)) =<br />

<br />

R M<br />

f t IdmM,<br />

que está <strong>de</strong>finida qtp em RK , é também L-mensurável. Sempre <strong>de</strong> acordo<br />

com o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma 3.3.8, temos finalmente que<br />

<br />

<br />

fdmN = mN+1(E) = AIdmK = f t <br />

IdmM dmK.<br />

R N<br />

Exemplo 3.3.18.<br />

R K<br />

A aplicação mais simples <strong>de</strong>ste resultado correspon<strong>de</strong> ao caso em que escrevemos<br />

os elementos <strong>de</strong> R N na forma (x, y) com x ∈ R K e y ∈ R M e tomamos<br />

I = (1, 2, · · · , K), ou seja,<br />

<br />

f x I (y) = f(x, y), AI(x) =<br />

R N<br />

<br />

f(x, y)dmN =<br />

R K<br />

<br />

R K<br />

RM f x I dmM =<br />

<br />

AIdmK =<br />

R K<br />

<br />

R M<br />

<br />

R M<br />

R M<br />

f(x, y)dy<br />

<br />

f(x, y)dy dx.<br />

Tomando Π = (K + 1, K + 2, · · · , N), que é um índice-M, temos então<br />

<br />

f(x, y)dx<br />

<br />

f y<br />

Π (x) = f(x, y), AΠ(y) =<br />

R N<br />

<br />

f(x, y)dmN =<br />

R M<br />

R K<br />

<br />

AΠdmM =<br />

f y<br />

Π dmK =<br />

R M<br />

<br />

R K<br />

R K<br />

<br />

f(x, y)dx dy.<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções somáveis é, igualmente, um<br />

corolário simples <strong>de</strong>ste último resultado. No entanto, requer para a sua<br />

<strong>de</strong>monstração a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> Lebesgue, que ainda não estabelecemos.<br />

Será por isso enunciado e <strong>de</strong>monstrado apenas na secção 3.5. A<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>sse resultado utilizará o seguinte corolário <strong>de</strong> 3.3.17.


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 183<br />

Corolário 3.3.19. Se f : RN → R é L-mensurável, então f é somável<br />

se e só se existe um índice-K em RN , aqui <strong>de</strong>signado I, tal que a função<br />

AI : RM → R, on<strong>de</strong> M = N − K, dada por<br />

<br />

AI(t) = |f| t IdmM é somável.<br />

R M<br />

Neste caso, se Π é um qualquer índice-P em R N , e N = P + Q, temos que<br />

a) As funções f t Π são somáveis em RQ , para quase todo o t ∈ R P , e<br />

b)<br />

<br />

R P<br />

<br />

R Q<br />

|f| t ΠdmQ <br />

dmP =<br />

Demonstração. Se I é um índice-K em RN tal que<br />

<br />

AI(t) =<br />

R N<br />

|f(x)|dmN.<br />

RM |f| t IdmM é somável em R K ,<br />

segue-se do teorema 3.3.17 que f é somável em RN .<br />

Se f é somável, Π é um qualquer índice-P em RN , N = P +Q, e t ∈ RP ,<br />

temos <strong>de</strong> acordo com o teorema 3.3.17 que<br />

<br />

AΠ(t) = |f| t <br />

<br />

IdmQ =⇒ AI(t)dmP = |f|dmN < ∞.<br />

R Q<br />

R P<br />

Segue-se imediatamente que AΠ é finita qtp em R P , ou seja, as funções f t Π<br />

são somáveis em R Q , para quase todo o t ∈ R P .<br />

A seguinte consequência do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue é menos óbvia,<br />

mas muito útil, como veremos na próxima secção. A proprieda<strong>de</strong> em causa<br />

não tem paralelo na teoria <strong>de</strong> Riemann, como já sabemos.<br />

Teorema 3.3.20. Seja E ⊆ R N , e f : E → R uma função L-mensurável<br />

em E. Então os conjuntos F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E :<br />

f(x) < −λ} são L-mensuráveis para quaisquer λ ≥ 0.<br />

Demonstração. Quando λ > 0 é claro que<br />

• F(λ) é uma secção <strong>de</strong> Ω + E (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ E e 0 < y < f(x) .<br />

• G(λ) é uma secção <strong>de</strong> Ω −<br />

E (f) = (x,y) ∈ R N+1 : x ∈ E e 0 > y > f(x) .<br />

Concluímos <strong>de</strong> 3.3.8 que F(λ) e G(λ) são L-mensuráveis, para quase<br />

todo o λ > 0, e existe por isso uma sucessão λn ց λ ≥ 0 tais que F(λn) e<br />

G(λn) são L-mensuráveis. É simples constatar que, se λn ց λ, então<br />

∞<br />

∞<br />

F(λ) = F(λn), e G(λ) = G(λn).<br />

n=1<br />

Concluímos que F(λ) e G(λ) são L-mensuráveis, para qualquer λ ≥ 0.<br />

n=1<br />

R N


184 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

R<br />

λ<br />

F(λ)<br />

Figura 3.3.3: F(λ) = {x ∈ R N : f(x) > λ} é uma secção da região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f.<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue tem um enunciado mais simples para conjuntos<br />

e funções Borel-mensuráveis. Apresentaremos e <strong>de</strong>monstraremos mais<br />

adiante uma versão abstracta <strong>de</strong>ste teorema esclarecendo esta observação,<br />

mas introduzimos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o seguinte resultado, que é relativamente fácil <strong>de</strong><br />

provar (exercício 3).<br />

Teorema 3.3.21. Se E é B-mensurável, os conjuntos Et i são B-mensuráveis,<br />

para todo o t ∈ RK . Se f : E → R é B-mensurável, então os conjuntos<br />

F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ} são B-mensuráveis<br />

para qualquer λ ≥ 0.<br />

Observe-se <strong>de</strong> passagem que os conjuntos F(λ) e G(λ) são imagens inversas<br />

<strong>de</strong> intervalos <strong>de</strong> tipo especial, ou seja,<br />

R N<br />

F(λ) = f −1 (]λ,+∞]) e G(λ) = f −1 ([−∞, −λ[).<br />

Estudaremos na próxima secção a classe <strong>de</strong> conjuntos cuja imagem inversa<br />

por uma função mensurável é mensurável. O exercício 6 <strong>de</strong>sta secção indica<br />

para já outros tipos <strong>de</strong> intervalos que pertencem a essa classe.<br />

Exercícios.<br />

1. Send f somável em E, prove que as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) f ≃ 0 em E.<br />

b) <br />

F fdmN = 0, para qualquer conjunto L-mensurável F ⊆ E.<br />

2. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, generalizando o<br />

resultado para conjuntos <strong>de</strong> medida infinita.<br />

3. Demonstre o teorema 3.3.21. sugestão: Mostre que a classe dos conjuntos<br />

E ⊆ RN tais que as secções Et I são Borel-mensuráveis é uma σ-álgebra que<br />

contém os abertos.<br />

4. Mostre que χE é B-mensurável se e só se E é B-mensurável. Aproveite para<br />

mostrar que existem funções Riemann-integráveis que não são Borel-mensuráveis<br />

e funções f ≃ 0 em R que não são Borel-mensuráveis.


3.3. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 185<br />

5. Sendo f : R N → [0, +∞] L-mensurável, e F(λ) = {x ∈ R N : f(x) > λ},<br />

<strong>de</strong>finimos φ(λ) = mN(F(λ)) para λ ≥ 0. Mostre que φ é L-mensurável, e<br />

∞ <br />

φdm = fdmN.<br />

Prove que se f é somável então λφ(λ) ≤ A < ∞.<br />

0<br />

6. Sendo f : E → R mensurável, mostre que os seguintes conjuntos são mensuráveis.<br />

R N<br />

a) f −1 ([λ, +∞]) e f −1 ([−∞, −λ]), se λ > 0.<br />

b) f −1 ({λ}) (que é um conjunto <strong>de</strong> nível <strong>de</strong> f), se λ = 0.<br />

c) A imagem inversa f −1 (I) <strong>de</strong> qualquer intervalo I ⊆ R, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que 0 ∈ I.<br />

sugestão: No caso em que f é B-mensurável, <strong>de</strong>ve usar o teorema 3.3.21.<br />

7. Seja f : E → R uma função mensurável em E, e S = {x ∈ E : f(x) = 0}.<br />

a) Prove que S é mensurável.<br />

b) Prove que f é mensurável em F ⊆ E se e só se F = A ∪ N, on<strong>de</strong> A ⊆ S<br />

é mensurável, e N ∩ S = ∅.<br />

c) Suponha que f ≥ 0 em E, e mostre que o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é uma<br />

medida regular em Lf(E) = {A ⊆ E : f é L-mensurável em A}.falso!<br />

8. Consi<strong>de</strong>re a função f : RN → [0, +∞[ dada por f(x) = e−|x|2 <br />

. Calcule<br />

RN fdmN. sugestão: Consi<strong>de</strong>re primeiro o caso N = 2.<br />

9. Calcule o integral <br />

RN |x| 2e−|x|2dmN. 10. Suponha que f : R N → R é somável, seja λ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido,<br />

e En = {x ∈ R N : f(x) > n}.<br />

a) Prove que mN(En) → 0, e λ(En) → 0, quando n → ∞.<br />

b) Mostre que para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que<br />

<br />

<br />

mN(E) < δ =⇒ <br />

<br />

<br />

<br />

fdmN <br />

≤<br />

<br />

|f|dmN < ε.<br />

c) Suponha que N = 1, e F(x) = x<br />

E<br />

−∞<br />

ε > 0 existe δ > 0 tal que, se os intervalos Ik =]xk, yk[ são disjuntos,<br />

1 ≤ k ≤ n,( 10 )<br />

n<br />

(yk − xk) < δ =⇒<br />

k=1<br />

E<br />

fdm. Mostre que para qualquer<br />

n<br />

|F(yk) − F(xk)| < ε.<br />

10 Esta proprieda<strong>de</strong> é mais forte do que a continuida<strong>de</strong> uniforme, como os exemplos em<br />

d) e e) mostram, e foi primeiro observada por Harnack, ainda no século XIX, a propósito<br />

<strong>de</strong> integrais impróprios absolutamente convergentes. Diz-se continuida<strong>de</strong> absoluta,<br />

conforme proposto por Vitali em 1905.<br />

k=1


186 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

d) Verifique que a função dada por f(x) = xsen(1/x) para x = 0 não verifica<br />

a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita na alínea anterior no intervalo ]0, 1].<br />

e) Verifique que a “escada do diabo”, que é uniformemente contínua em R,<br />

não verifica a proprieda<strong>de</strong> referida no intervalo [0, 1].<br />

3.4 Funções Mensuráveis<br />

y4<br />

y3<br />

y2<br />

y1<br />

E4<br />

f<br />

E2<br />

Figura 3.4.1: Aproximação do integral <strong>de</strong> f por uma soma finita.<br />

Os integrais <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m ser aproximados por somas finitas, que<br />

generalizam as somas inferiores <strong>de</strong> Darboux referidas no Capítulo 1. Curiosamente,<br />

a técnica utilizada, <strong>de</strong>scoberta por Lebesgue e ilustrada na figura<br />

3.4.1, utiliza, tal como na teoria <strong>de</strong> Riemann, partições em intervalos, mas<br />

agora no contradomínio da função f. Sendo f : E → [0,+∞] uma função<br />

mensurável, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , consi<strong>de</strong>ramos uma partição finita 0 < y1 ≤<br />

y2 ≤ · · · ≤ yn < +∞ do intervalo [0,+∞]. Recordamos que os conjuntos<br />

F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} são mensuráveis quando λ ≥ 0, e <strong>de</strong>finimos os<br />

conjuntos (ver figura 3.4.1):<br />

⎧<br />

⎨ F(yk)\F(yk+1) = {x ∈ E : yk < f(x) ≤ yk+1}, se 1 ≤ k < n<br />

Ek =<br />

⎩<br />

E3<br />

s<br />

E1<br />

F(yn) = {x ∈ E : yn < f(x)}, se k = n.<br />

Os conjuntos Ek ⊆ R N são claramente mensuráveis e disjuntos. Consi<strong>de</strong>ramos<br />

igualmente os correspon<strong>de</strong>ntes conjuntos Rk = Ek×]0,yk[⊆ R N+1 , que<br />

estão contidos na região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas Ω <strong>de</strong> f. Como a medida <strong>de</strong> Rk é dada<br />

por mN+1(Rk) = ykmN(Ek) e estes conjuntos são também disjuntos, <strong>de</strong>ve


3.4. Funções Mensuráveis 187<br />

ser evi<strong>de</strong>nte que<br />

<br />

n<br />

<br />

≤ mN+1(Ω), i.e.,<br />

mN+1<br />

k=1<br />

Rk<br />

n<br />

k=1<br />

mN+1(Rk) =<br />

n<br />

<br />

ykmN(Ek) ≤<br />

A soma n k=1 ykmN(Ek)( 11 ) é na verda<strong>de</strong> um integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong><br />

uma função <strong>de</strong> tipo muito especial. Definindo s : E → R por<br />

⎧<br />

yk, se x ∈ Ek<br />

⎪⎨<br />

s(x) =<br />

n ,<br />

⎪⎩ 0, se x ∈ Ek<br />

é claro que s é mensurável em E, porque n k=1 Rk é a região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas<br />

<strong>de</strong> s em E, e temos por isso<br />

<br />

n<br />

s = mN+1<br />

<br />

n<br />

n<br />

= mN+1(Rk) = ykmN(Ek).<br />

E<br />

k=1<br />

Rk<br />

k=1<br />

k=1<br />

k=1<br />

k=1<br />

A função s aproxima f por <strong>de</strong>feito, e é o que chamamos uma<br />

Definição 3.4.1 (Função simples). Se E ⊆ S ⊆ R N , e s : S → R, então<br />

dizemos que s é uma função simples em E se e só se s assume um número<br />

finito <strong>de</strong> valores em E, i.e., se e só se o conjunto s(E) é finito.<br />

Quando s é uma função simples em E então s assume nesse conjunto n<br />

valores distintos α1 < α2 < · · · < αn e os conjuntos Ak = {x ∈ E : s(x) =<br />

αk} são disjuntos. Mais geralmente, diremos que os conjuntos disjuntos<br />

E1,E2, · · · ,Em formam uma partição apropriada à função simples s se<br />

e só se s é constante em cada um dos conjuntos Ek, e é nula fora da sua<br />

união. Neste caso, s é uma combinação linear das funções características<br />

dos conjuntos Ek (restritas a E), porque se s(x) = βk quando x ∈ Bk então<br />

s =<br />

m<br />

k=1<br />

βkχEk .<br />

As funções simples mensuráveis po<strong>de</strong>m caracterizar-se da seguinte forma:<br />

Lema 3.4.2. Se s é simples em E, então s é mensurável em E se e só<br />

existe uma partição apropriada a s formada por conjuntos mensuráveis.<br />

Demonstração. Seja s simples e mensurável. Se s é nula nada temos a<br />

provar, e supomos assim que s assume n valores não nulos α1 < α2 < · · · <<br />

αn, além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r eventualmente assumir também o valor zero. Sendo<br />

11 As somas <strong>de</strong> Darboux mencionadas anteriormente são também somas da forma<br />

n<br />

k=1 ykmN(Ek), mas nesse caso os conjuntos Ek são rectângulos limitados.<br />

E<br />

f.


188 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Ak = {x ∈ E : s(x) = αk}, os conjuntos A1,A2, · · · ,An formam uma<br />

partição apropriada a s, porque são disjuntos e s é nula fora <strong>de</strong>sses conjuntos.<br />

Sabemos do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue que as secções da região <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> s são mensuráveis, e é fácil verificar que neste caso os conjuntos<br />

Ak são mensuráveis.<br />

Supomos agora que existe uma partição apropriada a s formada pelos conjuntos<br />

mensuráveis disjuntos E1,E2, · · · ,Em tais que s(x) = βk quando<br />

x ∈ Ek. A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> s em E é dada por<br />

ΩE(s) =<br />

⎧<br />

m<br />

⎨ ]0,βk[, se βk > 0<br />

Rk, on<strong>de</strong> Rk = Ek × Ik e Ik = ∅, se βk = 0, e<br />

⎩<br />

k=1<br />

]βk,0[, se βk < 0.<br />

Concluímos que ΩE(s) é uma união finita <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis Rk, e é<br />

mensurável, assim como a função s.<br />

Quando s é uma função simples mensurável, passamos a dizer que P =<br />

{A1,A2, · · · ,An} é uma partição apropriada à função s apenas quando<br />

P é formada por conjuntos mensuráveis. Para evitar a introdução <strong>de</strong> índices<br />

supérfluos, <strong>de</strong>signaremos o valor da função s no conjunto c ∈ P por sc.<br />

Exemplos 3.4.3.<br />

1. A função <strong>de</strong> Dirichlet é uma função simples mensurável, porque é a função<br />

característica do conjunto mensurável Q.<br />

2. Mais geralmente, as funções simples mensuráveis são combinações lineares<br />

finitas <strong>de</strong> funções características <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis.<br />

Os integrais <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> funções simples mensuráveis são efectivamente<br />

somas finitas semelhantes a somas <strong>de</strong> Darboux.<br />

Proposição 3.4.4. Seja s : E → R simples e mensurável em E ⊆ RN . Se<br />

P é uma partição apropriada a s então:<br />

a) s é somável em E se e só se <br />

|sc|mN(c) < +∞.<br />

c∈P<br />

b) Se o integral <strong>de</strong> s em E existe, em particular se s ≥ 0 qtp em E, ou<br />

se s é somável em E, então<br />

<br />

sdmN = <br />

scmN(c).<br />

E<br />

Demonstração. Se s é uma função simples não-negativa, o conjunto Ω − E (s)<br />

é vazio, e o conjunto Ω + E (s) é a união (finita) dos produtos cartesianos disjuntos<br />

Rc = c×]0,sc[, on<strong>de</strong> supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que sc > 0<br />

para c ∈ P. Temos neste caso<br />

c∈P<br />

mN+1(Rc) = mN+1 (c×]0,sc[) = mN(c)m1(]0,sc[) = scmN(c).


3.4. Funções Mensuráveis 189<br />

sc<br />

sc ′<br />

sc ′′<br />

mN(c)<br />

Rc<br />

c c ′<br />

Rc ′<br />

c ′′<br />

Rc ′′<br />

Figura 3.4.2: mN+1(Rc) = |sc|mN(c)<br />

Concluímos que<br />

<br />

sdmN = mN+1( <br />

Rc) = <br />

mN+1(Rc) = <br />

scmN(c).<br />

E<br />

c∈P<br />

c∈P<br />

Deixamos as restantes afirmações para o exercício 1.<br />

Exemplo 3.4.5.<br />

Num caso como o da figura 3.4.1, existe uma partição P apropriada à função<br />

s ≤ f formada por rectângulos limitados r, e o integral <strong>de</strong> s é uma soma<br />

(inferior) <strong>de</strong> Darboux <strong>de</strong> f, já que<br />

<br />

αrmN(r) = <br />

αrcN(r), on<strong>de</strong> αr = inf{f(x) : x ∈ r}.<br />

r∈P<br />

r∈P<br />

As seguintes proprieda<strong>de</strong>s elementares das funções simples mensuráveis,<br />

e do respectivo integral <strong>de</strong> Lebesgue, são muito fáceis <strong>de</strong> estabelecer e serão<br />

<strong>de</strong>pois generalizadas a outras funções mensuráveis.<br />

Proposição 3.4.6. Seja E ⊆ R N , c ∈ R, e s,t : S → R funções simples<br />

mensuráveis em E. Temos então:<br />

c∈P<br />

a) cs, s + , s − , |s|, s + t, e st são simples, e mensuráveis em E.<br />

Se s e t são não-negativas em E, ou se s e t são somáveis em E, temos<br />

ainda<br />

<br />

<br />

b) Aditivida<strong>de</strong>: (s + t)dmN = sdmN + tdmN.<br />

E<br />

E<br />

E


190 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

c) Homogeneida<strong>de</strong>:<br />

<br />

(cs)dmN = c(<br />

E<br />

E<br />

sdmN).<br />

Demonstração. Sejam P e Q partições apropriadas, respectivamente, a s e<br />

a t. A partição P é apropriada a qualquer uma das funções cs, s + , s − , e |s|,<br />

que são, por isso, simples e mensuráveis. Sendo<br />

A = <br />

r ⊇ {x ∈ E : s(x) = 0},B = <br />

r ⊇ {x ∈ E : t(x) = 0},<br />

r∈P<br />

juntamos o conjunto B\A (on<strong>de</strong> s = 0) a P para formar P ′ e juntamos A\B<br />

(on<strong>de</strong> t = 0) a Q para formar Q ′ . O refinamento comum R = {p ∩ q : p ∈<br />

P ′ ,q ∈ Q ′ } é uma partição apropriada às funções s + t e st, que são, por<br />

isso, simples e mensuráveis.<br />

Se s e t são não-negativas, e c ≥ 0, então s + t e cs são, também, nãonegativas.<br />

Segue-se <strong>de</strong> 3.4.4 b) que:<br />

(i)<br />

<br />

E<br />

r∈Q<br />

(s + t)dmN = <br />

(s + t)rmN(r) = <br />

(sr + tr)mN(r) =<br />

r∈R<br />

<br />

srmN(r) + <br />

<br />

trmN(r) =<br />

r∈R<br />

r∈R<br />

E<br />

r∈R<br />

<br />

sdmN +<br />

E<br />

tdmN.<br />

Se s e t são somáveis então |s + t| é somável, porque |s + t| ≤ |s| + |t|, e<br />

<br />

E<br />

<br />

|s + t|dmN ≤<br />

E<br />

<br />

(|s| + |t|)dmN =<br />

E<br />

<br />

|s|dmN + |t|dmN,<br />

E<br />

<strong>de</strong> acordo com (i). Concluímos, novamente <strong>de</strong> 3.4.4 b), que (i) também é<br />

válida para funções simples somáveis.<br />

O próximo teorema introduz uma outra caracterização das funções mensuráveis,<br />

e permite com frequência estabelecer proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas funções por<br />

generalização das correspon<strong>de</strong>ntes proprieda<strong>de</strong>s das funções simples mensuráveis.<br />

De acordo com este resultado,<br />

as funções mensuráveis são limites pontuais <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções<br />

simples mensuráveis.<br />

Teorema 3.4.7. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ RN , então f é mensurável<br />

em E se e só existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples mensuráveis em E,<br />

sn : E → R tais que sn(x) → f(x), e |sn(x)| ր |f(x)|, para qualquer x ∈ E.<br />

Neste caso, se f ≥ 0 ou se f é somável temos ainda que<br />

<br />

sndmN → fdmN.<br />

E<br />

E


3.4. Funções Mensuráveis 191<br />

Demonstração. Se existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples mensuráveis sn,<br />

tais que sn(x) → f(x), para qualquer x ∈ E, então f é mensurável, <strong>de</strong><br />

acordo com o teorema 3.2.2. Como |sn(x)| ր |f(x)|, aplicamos o Teorema<br />

<strong>de</strong> Beppo Levi (se f ≥ 0) ou o Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong><br />

Lebesgue (se f é somável) para obter<br />

<br />

sndmN → fdmN.<br />

E<br />

Supomos, portanto, que f é mensurável em E, e passamos a <strong>de</strong>finir a sucessão<br />

<strong>de</strong> funções simples mensuráveis sn em causa. Consi<strong>de</strong>ramos primeiro<br />

o caso f ≥ 0, e recordamos do início <strong>de</strong>sta secção que, dados pontos<br />

0 < y1 < · · · < ym < +∞, é fácil <strong>de</strong>terminar uma função simples mensurável<br />

s ≤ f tomando<br />

s =<br />

m<br />

k=1<br />

E<br />

ykχEk , on<strong>de</strong> Ek = f −1 (]yk,yk+1]) se k < m e Em = f −1 (]ym,+∞]).<br />

Escrevendo P = {y1,y2, · · · ,ym}, <strong>de</strong>signamos por ∆(P) o máximo comprimento<br />

dos intervalos [yk,yk+1], ou seja, ∆(P) = max{yk+1−yk : 1 ≤ k < m}.<br />

Definimos aqui a sucessão <strong>de</strong> funções sn a partir <strong>de</strong> uma sucessão apropriada<br />

<strong>de</strong> partições Pn = {yn,k : 1 ≤ k ≤ mn}, on<strong>de</strong> 0 < yn,k < yn,k+1. Os <strong>de</strong>talhes<br />

da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Pn são em larga medida irrelevantes, e para efeitos <strong>de</strong>sta<br />

<strong>de</strong>monstração é apenas necessário garantir que:<br />

(1) As partições Pn resultam <strong>de</strong> sucessivos refinamentos, i.e., Pn ⊂ Pn+1,<br />

(2) max Pn ր +∞ e min Pn ց 0, e<br />

(3) ∆(Pn) → 0.<br />

Estas condições são satisfeitas tomando, por exemplo,<br />

min Pn = 1<br />

2 n,max Pn = n e yn,k = k<br />

2 n,1 ≤ k ≤ n2n , don<strong>de</strong> mn = n2 n .<br />

Por outras palavras, dividimos o intervalo ]0,n] em n2n subintervalos <strong>de</strong><br />

comprimento 1<br />

2n, do tipo ] k k+1<br />

2n, 2n ], on<strong>de</strong> 0 ≤ k < n2n . A correspon<strong>de</strong>nte<br />

função sn : E → [0,+∞[ é dada por<br />

n2n ⎧<br />

<br />

⎨<br />

sn =<br />

k=1<br />

k<br />

2 nχEn,k , com En,k =<br />

⎩<br />

{x ∈ E : k<br />

2 n < f(x) ≤ k+1<br />

2 n }, se k < n2 n<br />

{x ∈ E : f(x) > n}, se k = n2 n<br />

As funções sn são simples e mensuráveis, e é quase evi<strong>de</strong>nte que<br />

(4) Como Pn ⊂ Pn+1, temos sn(x) ≤ sn+1(x) para qualquer x ∈ E.<br />

Para mostrar que sn(x) → f(x), consi<strong>de</strong>ramos os seguintes casos:


192 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

(5) Se f(x) = 0, então sn(x) = 0 → 0 = f(x).<br />

(6) Se f(x) = +∞, então sn(x) = n → +∞ = f(x).<br />

(7) Se 0 < f(x) < +∞ e n > f(x) existe k < n2 n tal que<br />

k k + 1<br />

< f(x) ≤<br />

2n 2n , don<strong>de</strong> sn(x) ≤ f(x) < sn(x)+ 1<br />

2n e sn(x) → f(x).<br />

Concluímos <strong>de</strong> (4) a (7) que sn(x) ր f(x) para qualquer x ∈ E.<br />

Se f : E → R é mensurável, existem funções simples mensuráveis<br />

un(x) ր f + (x) e vn(x) ր f − (x), don<strong>de</strong> sn(x) = un(x) − vn(x) → f(x)<br />

para qualquer x ∈ E. É claro que<br />

|sn(x)| = |un(x) − vn(x)| = un(x) + vn(x) ր f + (x) + f − (x) = |f(x)|.<br />

Sublinhe-se que a <strong>de</strong>monstração do teorema anterior não usa directamente a<br />

mensurabilida<strong>de</strong> da função f, mas apenas a mensurabilida<strong>de</strong> dos conjuntos<br />

f −1 (]λ,+∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) para λ > 0. Po<strong>de</strong>mos por isso provar<br />

Lema 3.4.8. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ R N , então as seguintes afirmações<br />

são equivalentes:<br />

a) f é mensurável em E,<br />

b) f −1 (]λ,+∞]) e f −1 ([−∞, −λ[) são mensuráveis para qualquer λ > 0,<br />

c) Existem funções simples mensuráveis sn : E → R tais que sn(x) →<br />

f(x) para qualquer x ∈ E.<br />

Demonstração. Notamos apenas que<br />

• a) ⇒ b), <strong>de</strong> acordo com 3.3.20 e 3.3.21.<br />

• b) ⇒ c), <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>monstração do teorema 3.4.7.<br />

• c) ⇒ a), <strong>de</strong> acordo com 3.2.2.<br />

Passamos a estabelecer diversas proprieda<strong>de</strong>s básicas da classe das funções<br />

mensuráveis e do integral <strong>de</strong> Lebesgue. Baseamo-nos aqui em larga medida<br />

na aproximação <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue por integrais <strong>de</strong> funções simples,<br />

que como já dissémos substitui a aproximação <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Riemann por<br />

somas <strong>de</strong> Darboux.<br />

Teorema 3.4.9. Se f,g : E → R são mensuráveis em E e c ∈ R, então


3.4. Funções Mensuráveis 193<br />

a) As funções fg e cf são mensuráveis em E.<br />

b) As funções f + g e f − g são mensuráveis nos conjuntos on<strong>de</strong> estão<br />

<strong>de</strong>finidas. Em particular,<br />

c) Se f,g ≥ 0 em E, então f + g é mensurável em E.<br />

d) Se f e g são finitas em E, então f +g e f −g são mensuráveis em E.<br />

Demonstração. Existem funções simples mensuráveis sn,tn tais que<br />

sn(x) → f(x),tn(x) → g(x), |sn(x)| ր |f(x)|, e |tn(x)| ր |g(x)|.<br />

Temos sn(x)tn(x) → f(x)g(x), para qualquer x ∈ E, já que a in<strong>de</strong>terminação<br />

0 × ∞ po<strong>de</strong> ser trivialmente levantada( 12 ). Concluímos que fg<br />

é uma função mensurável em E. Temos também csn(x) → cf(x), para<br />

qualquer x ∈ E, o que termina a verificação <strong>de</strong> a).<br />

Os casos da soma e da diferença são semelhantes, e ilustramos o tipo <strong>de</strong><br />

argumento necessário com a soma, que está <strong>de</strong>finida em E\F, on<strong>de</strong><br />

F = {x ∈ E : |f(x)| = ∞, e g(x) = −f(x)} .<br />

Deixamos para o exercício 7 verificar que o conjunto F é mensurável. Supomos<br />

as funções sn e tn <strong>de</strong>finidas como na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.7, e observamos<br />

que<br />

• Quando x ∈ E\F, é óbvio que sn(x) + tn(x) → f(x) + g(x).<br />

• Quando x ∈ F, temos f(x) = +∞ e g(x) = −∞, ou f(x) = −∞<br />

e g(x) = +∞. No primeiro caso, sn(x) = n e tn(x) = −n, e no<br />

segundo caso sn(x) = −n e tn(x) = n. Em ambos os casos, temos<br />

sn(x) + tn(x) = 0 → 0.<br />

Concluímos que sn(x) + tn(x) → h(x) para qualquer x ∈ E, on<strong>de</strong> h é<br />

mensurável em E e a função f + g é a restrição <strong>de</strong> h a E\F. Como h é nula<br />

fora <strong>de</strong> E\F, temos ainda que h = f + g é mensurável em E\F.<br />

As afirmações c) e d) são consequências evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> b).<br />

A aditivida<strong>de</strong> e homogeneida<strong>de</strong> do integral, estabelecidas em 3.4.6 para<br />

as funções simples, po<strong>de</strong>m ser generalizadas como se segue.<br />

Teorema 3.4.10. Sejam f,g : E → R mensuráveis em E, e c ∈ R. Se<br />

f,g ≥ 0 em E, ou se f e g são finitas e somáveis em E, então<br />

<br />

<br />

a) Aditivida<strong>de</strong>: (f + g)dmN = fdmN + gdmN.<br />

E<br />

12 Recor<strong>de</strong> que fg está <strong>de</strong>finido em E, e convencionámos que 0 × (±∞) = 0.<br />

E<br />

E


194 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

b) Homogeneida<strong>de</strong>:<br />

<br />

(cf)dmN = c<br />

E<br />

E<br />

fdmN<br />

Demonstração. De acordo com o teorema 3.4.7, existem funções simples<br />

mensuráveis sn e tn tais que sn(x) → f(x),tn(x) → g(x), |sn(x)| ր |f(x)|<br />

e |tn(x)| ր |g(x)|. Por outro lado, a aditivida<strong>de</strong> do integral <strong>de</strong> funções<br />

simples (estabelecida na proposição 3.4.6) permite-nos concluir que<br />

<br />

<br />

(1) (sn + tn)dmN = sndmN + tndmN → fdmN + gdmN.<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E E<br />

Para terminar a verificação <strong>de</strong> a), basta-nos mostrar que<br />

<br />

<br />

(2) (sn + tn)dmN → (f + g)dmN.<br />

E<br />

E<br />

Notamos que sn + tn → f + g para qualquer x ∈ E, e dividimos a <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> (2) em dois casos:<br />

(i) Se f e g são não-negativas, então sn +tn ր f +g, e (2) é consequência<br />

da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beppo Levi.<br />

(ii) Se as funções f e g são somáveis, então |sn+tn| ≤ |sn|+|tn| ≤ |f|+|g|,<br />

e a função |f| + |g| é somável, porque, <strong>de</strong> acordo com (i),<br />

<br />

<br />

(|f| + |g|)dmN = |f|dmN + |g|dmN < ∞.<br />

E<br />

E<br />

A afirmação (2) resulta agora do teorema da convergência dominada<br />

<strong>de</strong> Lebesgue.<br />

A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> provar-se para qualquer função<br />

f para a qual exista o respectivo integral <strong>de</strong> Lebesgue (exercício 5).<br />

Provámos a aditivida<strong>de</strong> do integral para funções somáveis apenas quando<br />

estas são finitas na região <strong>de</strong> integração, mas esta restrição é em certo sentido<br />

supérflua. Qualquer função somável é finita qtp, e portanto a soma f + g<br />

está <strong>de</strong>finida, e é mensurável e finita em F ⊆ E, on<strong>de</strong> mN(E\F) = 0. Se h<br />

é mensurável em E e h ≃ f + g em F, é evi<strong>de</strong>nte que<br />

<br />

hdmN = hdmN = (f + g)dmN =<br />

<br />

=<br />

F<br />

E<br />

<br />

fdmN +<br />

F<br />

F<br />

<br />

gdmN =<br />

E<br />

F<br />

<br />

.<br />

E<br />

<br />

fdmN +<br />

E<br />

gdmN.<br />

Veremos na próxima secção como tornear estas dificulda<strong>de</strong>s usando classes<br />

<strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>terminadas pela relação “≃”.<br />

Registe-se ainda o seguinte corolário do teorema 3.4.7:


3.4. Funções Mensuráveis 195<br />

Corolário 3.4.11. Se f é somável em E ⊆ RN e ε > 0 existe uma função<br />

s, simples e somável em E, tal que |f − s|dmN < ε.<br />

E<br />

Demonstração. Como vimos em 3.4.7, existem funções simples mensuráveis<br />

sn tais que sn → f, e |sn| ≤ |f|. A função |f − sn| está <strong>de</strong>finida e é<br />

mensurável em E, e é também somável, porque<br />

|f − sn| ≤ |f| + |sn| ≤ 2|f|.<br />

Como |f − sn| → 0, segue-se do teorema da convergência dominada que<br />

<br />

E |f − sn|dmN → 0, o que conclui a <strong>de</strong>monstração.<br />

Os dois resultados seguintes são ainda consequências do teorema 3.4.7.<br />

O primeiro é um complemento interessante do teorema 3.2.2, e a sua <strong>de</strong>monstração<br />

é referida nos exercícios 8 e 9. A <strong>de</strong>monstração do segundo está<br />

esboçada no exercício 10.<br />

Teorema 3.4.12. Se as funções fn : E → R são mensuráveis em E ⊆ RN ,<br />

F ⊆ E é o conjunto on<strong>de</strong> existe lim<br />

n→∞ fn(x) e f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) para x ∈ F,<br />

então f é mensurável em F.<br />

Teorema 3.4.13. f : E → R é L-mensurável em E se e só se existe uma<br />

função g : E → R, B-mensurável em E, tal que g ≃ f em E.<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “função mensurável” que usámos até aqui é a <strong>de</strong>finição<br />

original <strong>de</strong> Lebesgue, mas não é a única possível, e é útil conhecer e explorar<br />

outras alternativas. Recor<strong>de</strong>-se do lema 3.4.8 que f : E → R é mensurável<br />

se e só se, para qualquer λ > 0,<br />

f −1 (A) é mensurável quando A =]λ, ∞] e quando A = [−∞, −λ[.<br />

Propomo-nos agora estudar a classe dos conjuntos A ⊆ R com imagem<br />

inversa f −1 (A) mensurável, e começamos com um lema abstracto.<br />

Lema 3.4.14. Seja (X, M) um espaço mensurável, E ∈ M um conjunto<br />

M-mensurável, Y um conjunto qualquer, e f : E → Y uma função. Se<br />

então A é uma σ-álgebra em Y .<br />

A = A ⊆ Y : f −1 (A) ∈ M ,<br />

Demonstração. Basta-nos observar que:<br />

• Como f −1 (Y ) = E ∈ M, temos Y ∈ A.<br />

• f −1 (A c ) = E\f −1 (A), don<strong>de</strong> A ∈ A ⇒ A c ∈ A.


196 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• f −1<br />

∞<br />

n=1<br />

An<br />

<br />

=<br />

∞<br />

f −1 (An) e, por isso,<br />

n=1<br />

An ∈ A ⇒ f −1 (An) ∈ M ⇒<br />

∞<br />

f −1 (An) ∈ M ⇒<br />

n=1<br />

∞<br />

An ∈ A.<br />

Este lema po<strong>de</strong> ser aplicado a funções f : E → R, supondo que E ⊆ R N<br />

é mensurável, e conduz facilmente a<br />

Teorema 3.4.15. Seja E ⊆ R N um conjunto mensurável. Se f : E → R,<br />

então as seguintes condições são equivalentes:<br />

a) {x ∈ E : f(x) > λ} é mensurável, para qualquer λ ∈ R.<br />

b) f −1 (I) é mensurável, para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />

c) f é mensurável em E.<br />

Demonstração. A classe A = {A ⊆ R : f −1 (A) é mensurável } é uma σálgebra<br />

em R, pelo lema 3.4.14.<br />

a) ⇒ b): A σ-álgebra A contém os intervalos ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R.<br />

Portanto contém igualmente:<br />

n=1<br />

• Os intervalos ]α,β] =]α, ∞]\[β, ∞], para quaisquer α,β ∈ R.<br />

• Os conjuntos {β} =<br />

∞<br />

]β − 1<br />

,β], para qualquer β ∈ R.<br />

n<br />

n=1<br />

Deixamos como exercício mostrar que A contém todos os intervalos I ⊆ R.<br />

b) ⇒ c): A σ-álgebra A contém evi<strong>de</strong>ntemente os intervalos [−∞, −λ[ e<br />

]λ, ∞], para qualquer λ. Concluímos do lema 3.4.8 que f é mensurável em<br />

E.<br />

c) ⇒ a): Sabemos <strong>de</strong> 3.4.8 que a σ-álgebra A contém os intervalos<br />

[−∞, −λ[ e ]λ, ∞], para qualquer λ > 0. Deixamos como exercício mostrar<br />

que A contém os intervalos da forma ]λ, ∞], para qualquer λ ∈ R.<br />

O resultado anterior po<strong>de</strong> também ser adaptado como se segue.<br />

Teorema 3.4.16. Se E ⊆ R N é mensurável e f : E → R M , então f é<br />

mensurável se e só se f −1 (B) é mensurável, para qualquer B ∈ B(R M ).<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>ramos novamente a classe<br />

A = B ⊆ R M : f −1 (B) é mensurável .


3.4. Funções Mensuráveis 197<br />

Supomos primeiro que f = (f1,f2, · · · ,fM) é mensurável: Seja B = I1 ×<br />

I2 × · · · × IM um rectângulo aberto, on<strong>de</strong> os conjuntos Ik são intervalos<br />

abertos. Como cada função fk é mensurável, temos<br />

f −1 (B) = {x ∈ E : fk(x) ∈ Ik,1 ≤ k ≤ n} =<br />

M<br />

k=1<br />

f −1<br />

k (Ik) é mensurável.<br />

Concluímos que a σ-álgebra A contém todos os rectângulos abertos, e consequentemente,<br />

todos os conjuntos Borel-mensuráveis.<br />

Supomos agora que f −1 (B) é mensurável, para qualquer B ∈ B(R M ): Sendo<br />

B = I1 × I2 × · · · × IM , on<strong>de</strong> Ik = R, para k = j, e Ij = I é um intervalo<br />

arbitrário, o conjunto B é B-mensurável, e portanto f −1 (B) é mensurável.<br />

Como<br />

f −1 (B) = {x ∈ E : fk(x) ∈ Ik} =<br />

M<br />

k=1<br />

f −1<br />

k (Ik) = f −1<br />

j (I),<br />

concluímos que fj é mensurável, para qualquer j, don<strong>de</strong> f é mensurável.<br />

Po<strong>de</strong>mos ainda mostrar que a composição <strong>de</strong> uma função B-mensurável<br />

com qualquer função mensurável é mensurável:<br />

Corolário 3.4.17. Seja E ⊆ R N mensurável e f = (f1,f2, · · · ,fM) : E →<br />

R M mensurável em E. Se g : R M → R é B-mensurável em R M , então a<br />

composta h = g ◦ f é mensurável em E.<br />

Demonstração. Se A ⊆ R é B-mensurável, então B = g −1 (A) é B-mensurável,<br />

e portanto h −1 (A) = f −1 (g −1 (A)) = f −1 (B) é mensurável, e a função<br />

h é mensurável.<br />

É muito comum usar a afirmação a) no teorema 3.4.15 como a <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> “função mensurável”, supondo que a função em causa está <strong>de</strong>finida num<br />

conjunto mensurável. Esta alternativa tem as seguintes vantagens:<br />

• Torna evi<strong>de</strong>nte que as funções contínuas são Borel-mensuráveis,<br />

• É directamente aplicável a funções f : E → RM , mesmo quando E ⊆<br />

X, on<strong>de</strong> (X, M) é um espaço mensurável “arbitrário”.<br />

O seu principal inconveniente, e uma das razões pela qual não foi aqui adoptada,<br />

é a <strong>de</strong> obscurecer as relações muito directas que existem entre as noções<br />

<strong>de</strong> mensurabilida<strong>de</strong> para conjuntos, e para funções, e entre as noções <strong>de</strong> medida<br />

para conjuntos, e integral para funções. Veremos no Capítulo 5 como a<br />

<strong>de</strong>finição 3.1.1, que adoptámos neste texto, po<strong>de</strong> ser generalizada para um<br />

qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ).


198 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Aproveitamos para estabelecer uma versão da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jensen( 13 ).<br />

Recordamos para isso alguns factos elementares relacionados com as noções<br />

<strong>de</strong> convexida<strong>de</strong>, e concavida<strong>de</strong>, tais como se aplicam a funções reais <strong>de</strong><br />

variável real.<br />

f(x)<br />

f(y)<br />

αf(x) + (1 − α)f(y)<br />

f(αx + (1 − α)y)<br />

f<br />

g(y)<br />

g(x)<br />

g(αx + (1 − α)y)<br />

αg(x) + (1 − α)g(y)<br />

x αx + (1 − α)y y x αx + (1 − α)y y<br />

Figura 3.4.3: f (à esquerda) é convexa, g (à direita) é côncava.<br />

Definição 3.4.18 (Funções Convexas, Côncavas). Se f : I → R está<br />

<strong>de</strong>finida num intervalo I ⊆ R, então f é convexa em I se e só se<br />

s,t ∈ I,α,β ≥ 0, e α + β = 1 =⇒ f(αs + βt) ≤ αf(s) + βf(t).<br />

A função f diz-se côncava se e só se −f é convexa.( 14 )<br />

O significado geométrico <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>finições é ilustrado na figura 3.4.3: f<br />

é convexa se e só se o seu gráfico está sob qualquer uma das suas cordas, e<br />

côncava se o seu gráfico está sobre as respectivas cordas.<br />

Deixamos para o exercício 14 a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado auxiliar:<br />

Lema 3.4.19. Se f é convexa no intervalo aberto I então f é contínua em<br />

I e<br />

f(y) − f(x) f(z) − f(y)<br />

Se x < y < z ∈ I, então ≤ .<br />

y − x z − y<br />

Teorema 3.4.20 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jensen). Seja I ⊆ R um intervalo aberto<br />

e φ uma função real convexa em I. Se E ⊆ RN , mN(E) < ∞, f : E → R é<br />

somável em E e f(E) ⊆ I, então<br />

φ<br />

1<br />

mN(E)<br />

<br />

E<br />

<br />

fdmN ≤<br />

<br />

1<br />

φ(f)dmN.<br />

mN(E) E<br />

13 De Johan Jensen, 1859-1925, matemático dinamarquês.<br />

14 z = αs+βt diz-se uma combinação convexa <strong>de</strong> s e t. Note-se que se f tem segunda<br />

<strong>de</strong>rivada f ′′ então é côncava se e só se f ′′ ≤ 0.<br />

g


3.4. Funções Mensuráveis 199<br />

Demonstração. Definimos<br />

<br />

1<br />

α =<br />

mN(E)<br />

E<br />

f(x)dmN e K = inf<br />

y>α<br />

φ(y) − φ(α)<br />

.<br />

y − α<br />

Supondo que x < α < y, segue-se facilmente do lema 3.4.19 que<br />

φ(α) − φ(x)<br />

α − x<br />

≤ K ≤<br />

φ(y) − φ(α)<br />

.<br />

y − α<br />

Temos assim que φ(y) − φ(α) ≥ K(y − α), para qualquer y ∈ R. Tomando<br />

agora y = f(x), concluímos que<br />

φ(f(x)) ≥ φ(α) + K(f(x) − α), para qualquer x ∈ R.<br />

A função φ ◦ f é mensurável, pelo corolário 3.4.17, e é fácil verificar que o<br />

seu integral em E está <strong>de</strong>finido. Temos portanto:<br />

<br />

<br />

φ(f(x))dmN ≥ φ(α)mN(E) + K (f(x) − α)dmN = φ(α)mN(E).<br />

E<br />

Exercícios.<br />

1. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.4.<br />

2. Mostre que as funções simples mensuráveis em R N formam o menor espaço<br />

vectorial que contém as funções características dos conjuntos mensuráveis.<br />

3. Suponha que f : E → R é mensurável, e finita qtp. Mostre que existe uma<br />

função mensurável g : E → R tal que f ≃ g.<br />

4. Seja s : R N → R uma função simples mensurável não-negativa, ou somável,<br />

em R N . Supondo que s assume os valores α1, α2, · · · , αn, respectivamente, nos<br />

conjuntos mensuráveis A1, A2, · · · , An, e E ∈ L(R N ), mostre que<br />

<br />

E<br />

sdmN =<br />

E<br />

n<br />

αkmN(Ak ∩ E).<br />

k=1<br />

5. Mostre que se o integral <strong>de</strong> Lebesgue <br />

E fdmN existe e c ∈ R então o integral<br />

<br />

<br />

(cf)dmN também existe, e (cf)dmN = c fdmN .<br />

E<br />

E<br />

6. Sendo f : R → R L-mensurável e diferenciável qtp, mostre que a <strong>de</strong>rivada f ′<br />

é L-mensurável.<br />

7. Mostre que o conjunto F referido na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.9 é mensurável.<br />

E


200 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

8. Sendo f, g : E → R mensuráveis, mostre que D = {x ∈ E : f(x) = g(x)} é<br />

mensurável, e que se E é mensurável então {x ∈ E : f(x) = g(x)} é também<br />

mensurável. sugestão: Mostre que existe uma função mensurável h : E → R<br />

tal que D = {x ∈ E : h(x) = 0}.<br />

9. Demonstre o teorema 3.4.12. Mostre que o conjunto on<strong>de</strong> o limite existe é<br />

mensurável, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o conjunto E seja mensurável. sugestão: Aplique o<br />

exercício anterior às funções limsup fn e liminf<br />

n→∞ n→∞ fn.<br />

10. Mostre que f é L-mensurável em E se e só se existe uma função g, Bmensurável<br />

em E, tal que f ≃ g em E. sugestão: Existem funções simples<br />

L-mensuráveis sn tais que sn(x) → f(x) para qualquer x ∈ E. Observe<br />

que existem funções simples B-mensuráveis tn tais que sn ≃ tn em E, don<strong>de</strong><br />

tn(x) → f(x) qtp em E.<br />

11. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.15.<br />

12. Sendo f : R N → R M mensurável, e g(x) = |f(x)|, prove que g é mensurável.<br />

Supondo que o integral à esquerda existe, <strong>de</strong>monstre ainda a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

triangular, na forma: <br />

E<br />

<br />

<br />

fdmN <br />

≤<br />

<br />

E<br />

|f| dmN.<br />

13. Prove que se E ⊆ RN , e f : E → [0, +∞] é mensurável em E, então<br />

<br />

<br />

fdmN = sup sdmN : s simples e mensurável, com s ≤ f .<br />

E<br />

E<br />

14. Demonstre o lema 3.4.19. sugestão: Sendo m(u, v) o <strong>de</strong>clive da corda que<br />

passa pelos pontos do gráfico <strong>de</strong> f com abcissas u e v, observe que m(x, y) ≤<br />

m(x, z) ≤ m(y, z).<br />

15. A função φ◦f referida na <strong>de</strong>monstração do teorema 3.4.20 é necessariamente<br />

somável em E? O seu integral está sempre <strong>de</strong>finido?<br />

3.5 Funções Somáveis<br />

O estudo das funções finitas qtp é simplificado i<strong>de</strong>ntificando (i.e., tratando<br />

como um único objecto) funções mensuráveis que diferem entre si num conjunto<br />

<strong>de</strong> medida nula. Esta i<strong>de</strong>ntificação resume-se a consi<strong>de</strong>rar, no lugar do<br />

espaço <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis e finitas qtp f : E → R, o respectivo<br />

conjunto quociente pela relação “≃”, que <strong>de</strong>signaremos aqui F(E). Por<br />

outras palavras, se F(E) é o conjunto <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis e<br />

finitas qtp f : E → R, e se para f ∈ F(E) temos [f] = {g ∈ F(E) : g ≃ f}<br />

então<br />

F(E) = F(E)<br />

= { [f] : f ∈ F(E) }.<br />


3.5. Funções Somáveis 201<br />

Dadas classes <strong>de</strong> equivalência [f],[g] ∈ F(E), existem representantes ˜ f ∈ [f]<br />

e ˜g ∈ [g], i.e., funções ˜ f ≃ f e ˜g ≃ g, tais que ˜ f, ˜g : E → R, e po<strong>de</strong>mos<br />

por isso <strong>de</strong>finir [f] + [g] = [ ˜ f + ˜g]. Se c ∈ R, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir directamente<br />

c[f] = [cf]. É muito simples verificar que, com estas operações algébricas,<br />

Teorema 3.5.1. F(E) é um espaço vectorial.<br />

Repare-se que se f : F → R é mensurável e finita qtp em F ⊆ E, on<strong>de</strong><br />

mN(E\F) = 0, então f <strong>de</strong>termina uma única classe em F(E), <strong>de</strong> acordo<br />

com a proposição 3.1.5. Po<strong>de</strong>mos por isso usar o símbolo “[f]”, mesmo<br />

quando f não está <strong>de</strong>finida em todo o conjunto E. Em geral, escreveremos<br />

mesmo apenas f, no lugar <strong>de</strong> [f]. Bem entendido, <strong>de</strong>vemos sempre verificar<br />

que as noções que associamos a uma qualquer classe [f] são efectivamente<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do representante f escolhido.<br />

Exemplos 3.5.2.<br />

1. A soma [f]+[g] = [f +g] está bem <strong>de</strong>finida, porque se f ≃ f ∗ e g ≃ g ∗ então<br />

f + g ≃ f ∗ + g ∗ . Repare-se que a soma [f] + [g] está bem <strong>de</strong>finida, mesmo que<br />

a soma usual f + g esteja apenas <strong>de</strong>finida qtp em E, o que resolve a questão<br />

da soma <strong>de</strong> funções somáveis que mencionámos na secção anterior.<br />

2. É razoável referirmo-nos a classes <strong>de</strong> equivalência “somáveis”, e ao respectivo<br />

integral, porque se uma dada classe tem um representante somável f, então<br />

qualquer outro representante da mesma classe é igualmente somável, e tem o<br />

mesmo integral. Em particular, o integral está bem <strong>de</strong>finido no conjunto das<br />

classes somáveis.<br />

3. A convergência pontual qtp está também bem <strong>de</strong>finida em F(E). Por outras<br />

palavras,<br />

f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) qtp em E e ˜ fn ≃ fn =⇒ f(x) = lim ˜fn(x), qtp em E.<br />

n→∞<br />

Se as classes [f] e [g] são somáveis, e c ∈ R, é claro que [f + g] e [cf] são<br />

somáveis, i.e., as classes <strong>de</strong> funções somáveis formam um subespaço vectorial<br />

<strong>de</strong> F(E).<br />

Definição 3.5.3 (Espaço L1 ). L1 (E) é formado pelas classes <strong>de</strong> funções<br />

f : E → R somáveis, i.e.,<br />

L 1 <br />

<br />

(E) = [f] ∈ F(E) : f1 = |f|dmN < ∞ .<br />

A função [f]1 = f1 = <br />

E |f|dmN é uma norma em L1 (E), e L1 (E)<br />

é um espaço vectorial normado, porque<br />

• Se f,g ∈ L 1 (E), a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f+g1 ≤ f1+g1 é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

triangular.<br />

E


202 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• Se f ∈ L 1 (E) e c ∈ R, é óbvio que cf1 = |c|f1.<br />

• f1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f] = [0].<br />

Como em qualquer espaço vectorial normado, uma sucessão <strong>de</strong> termo<br />

geral fn ∈ L 1 (E) diz-se<br />

• convergente (em L 1 ) se e só se existe f ∈ L 1 (E) tal que fn − f 1 →<br />

0, quando n → ∞, e<br />

• fundamental ou <strong>de</strong> Cauchy (em L1 ) se e só se fn − fm1 → 0,<br />

quando n,m → ∞.<br />

De acordo com o teorema 3.4.10, po<strong>de</strong>mos dizer que φ(f) = <br />

E fdmN<br />

é um funcional linear em L1 (E). É óbvio da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular<br />

usual que<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

|φ(f) − φ(g)| = |φ(f − g)| = <br />

(f − g) dmN<br />

<br />

≤<br />

<br />

|f − g| dmN = f − g1 ,<br />

E<br />

e portanto φ é também um funcional linear contínuo( 15 ). O teorema<br />

da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue (3.2.8) po<strong>de</strong> ser reforçado como se<br />

segue, e o exercício 6 revela que esta observação não é trivial.<br />

Teorema 3.5.4 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />

fn ∈ L 1 (E), suponha-se que<br />

• Existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal que |fn(x)| ≤ F(x),<br />

qtp em E, e<br />

• f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x), qtp em E.<br />

Temos então:<br />

a) f ∈ L 1 (E),<br />

b) fn → f em L1 , e em particular,<br />

<br />

c) fndmN → fdmN, quando n → ∞.<br />

E<br />

E<br />

Demonstração. Po<strong>de</strong>mos supor, sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> (porquê?), que<br />

• As funções fn e F são finitas em E,<br />

• f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x), para qualquer x ∈ E, e<br />

• |fn(x)| ≤ F(x), também para qualquer x ∈ E.<br />

15 L 1 (E) é em geral um espaço vectorial <strong>de</strong> dimensão infinita, e como tal existem transformações<br />

lineares em L 1 (E) que não são contínuas.<br />

E


3.5. Funções Somáveis 203<br />

f é L-mensurável em E, e é somável e finita em E porque |f(x)| ≤ F(x).<br />

Como as funções gn = |fn − f| satisfazem gn ≤ 2F, e lim<br />

n→∞ gn(x) = 0,<br />

segue-se <strong>de</strong> 3.2.8 que<br />

Exemplo 3.5.5.<br />

lim<br />

n→∞<br />

<br />

E<br />

<br />

gndmN = lim |fn − f|dmN = 0.<br />

n→∞<br />

E<br />

a transformada <strong>de</strong> fourier: Se f : R → R é somável, a sua transformada<br />

<strong>de</strong> Fourier é a função T(f) : R → C dada por:<br />

∞<br />

T(f)(ω) = f(x)e −iωx ∞<br />

dm =<br />

−∞<br />

−∞<br />

∞<br />

f(x)cos(ωx)dm−i f(x)sen(ωx)dm.<br />

−∞<br />

A função T(f) está bem <strong>de</strong>finida, porque a integranda acima é mensurável, por<br />

ser um produto <strong>de</strong> funções mensuráveis, e somável, dado que f(x)e −iωx ≤<br />

|f(x)|. Por outro lado, se ωn → ω, segue-se da continuida<strong>de</strong> da exponencial<br />

complexa que f(x)e −iωnx → f(x)e −iωx .<br />

Concluímos do teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue que T(f)(ωn) →<br />

T(f)(ω). Por outras palavras, a transformada <strong>de</strong> Fourier <strong>de</strong> uma função<br />

somável é uma função contínua. O exercício 3 refere mais algumas proprieda<strong>de</strong>s<br />

da transformada <strong>de</strong> Fourier.<br />

A aditivida<strong>de</strong> do integral para somas finitas <strong>de</strong> funções mensuráveis nãonegativas,<br />

ou para somas finitas em L 1 (E), estabelece-se facilmente por<br />

indução. A sua generalização a séries <strong>de</strong> funções não-negativas é surpreen<strong>de</strong>ntemente<br />

simples, e livre dos problemas técnicos existentes na teoria<br />

<strong>de</strong> Riemann:<br />

Qualquer série <strong>de</strong> funções mensuráveis não-negativas po<strong>de</strong> ser integrada<br />

termo-a-termo.<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste facto é uma ligeira adaptação do argumento que utilizámos<br />

a propósito do exemplo 3.2.4.<br />

Teorema 3.5.6. Se as funções fn : E → [0,+∞] são mensuráveis em E,<br />

∞<br />

então a função fn é mensurável em E, e<br />

n=1<br />

<br />

E<br />

∞<br />

n=1<br />

fn<br />

<br />

dmN =<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

E<br />

fndmN<br />

<br />

.


204 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Observamos que<br />

m<br />

gm(x) = fn(x) ր f(x), on<strong>de</strong> f(x) =<br />

n=1<br />

∞<br />

fn(x).<br />

n=1<br />

Como gm ≥ 0, segue-se, do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, que<br />

<br />

gmdmN ր fdmN.<br />

E<br />

Pela aditivida<strong>de</strong> do integral para somas finitas,<br />

m<br />

m<br />

<br />

gmdmN = ( fn)dmN = ( fndmN) ր<br />

E<br />

Exemplos 3.5.7.<br />

E<br />

n=1<br />

n=1<br />

E<br />

E<br />

∞<br />

<br />

(<br />

n=1<br />

1. Se as funções fn ≥ 0 são somáveis em R N , tomamos an = <br />

E<br />

fndmN).<br />

R N fndmN, e<br />

supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que an > 0. Escolhemos uma qualquer<br />

série convergente ∞<br />

n=1 bn com bn > 0. De acordo com o resultado anterior,<br />

f(x) =<br />

∞<br />

bn<br />

an<br />

n=1<br />

<br />

fn(x) =⇒<br />

R N<br />

fdmN =<br />

∞<br />

bn<br />

an<br />

n=1<br />

<br />

R N<br />

fn(x) =<br />

∞<br />

bn < ∞.<br />

É muito fácil obter por este processo muitos exemplos semelhantes a 3.2.4.<br />

2. O teorema anterior po<strong>de</strong> também ser usado para analisar a convergência<br />

pontual <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> funções fn ≥ 0. Como<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

fn(x) dmN = fn(x)dmN, então<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

R N<br />

R N<br />

n=1<br />

fn(x)dmN < ∞ =⇒ f(x) =<br />

n=1<br />

R N<br />

n=1<br />

R N<br />

n=1<br />

∞<br />

fn(x) é somável e por isso é finita qtp.<br />

n=1<br />

Temos em particular que<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

fn(x)dmN < ∞ =⇒ fn(x) converge qtp.<br />

3. A i<strong>de</strong>ia acima é aplicável a funções somáveis fn : RN → R, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

|fn(x)| dmN = fn1 < ∞.<br />

n=1<br />

R N<br />

Observamos que<br />

∞<br />

<br />

g(x) = |fn(x)| =⇒<br />

A série f(x) =<br />

n=1<br />

R N<br />

n=1<br />

n=1<br />

g(x)dmN =<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

R N<br />

|fn(x)| dmN < ∞.<br />

∞<br />

fn(x) converge absolutamente qtp, porque g é finita qtp.<br />

n=1


3.5. Funções Somáveis 205<br />

As séries <strong>de</strong> funções somáveis não são automaticamente integráveis<br />

termo-a-termo, como as <strong>de</strong> funções mensuráveis não-negativas, mas temos,<br />

mesmo assim, o seguinte resultado:<br />

Teorema 3.5.8. Dadas funções L-mensuráveis fn : E → R, se<br />

então:<br />

a) A série<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

E<br />

<br />

|fn|dmN =<br />

∞<br />

fn1 < +∞,<br />

n=1<br />

∞<br />

fn(x) converge absolutamente qtp em E,<br />

n=1<br />

b) A função f(x) =<br />

∞<br />

fn(x) é L-mensurável e somável em E,<br />

n=1<br />

<br />

m<br />

<br />

m<br />

<br />

c) fn − f<br />

= | fn − f|dmN → 0, e em particular,<br />

<br />

n=1<br />

E<br />

1 n=1<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

d) fn dmN = fndmN .<br />

E<br />

n=1<br />

n=1<br />

E<br />

Demonstração. Observámos no exemplo 3.5.7.3 que a função g, dada por<br />

g(x) = ∞<br />

n=1 |fn(x)|, é somável, e finita qtp, porque<br />

<br />

E<br />

gdmN =<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

E<br />

|fn|dmN < ∞.<br />

Por outras palavras, a série ∞<br />

n=1 fn(x) converge absolutamente qtp em E.<br />

Definindo gm(x) = m<br />

n=1 fn(x), temos:<br />

• gm(x) → ∞<br />

n=1 fn(x), qtp em E.<br />

• |gm(x)| ≤ g(x).<br />

Po<strong>de</strong>mos assim aplicar o teorema da convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

na forma 3.5.4, à sucessão <strong>de</strong> funções gm. Usando ainda a aditivida<strong>de</strong> do<br />

integral para somas finitas, temos:<br />

<br />

∞<br />

E n=1<br />

<br />

fndmN = lim gmdmN = lim<br />

m→∞<br />

E<br />

m<br />

<br />

m→∞<br />

n=1<br />

E<br />

fndmN =<br />

∞<br />

<br />

n=1<br />

O teorema 3.5.8 po<strong>de</strong> ser parcialmente reformulado com se segue:<br />

E<br />

fndmN.


206 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Corolário 3.5.9. Se fn ∈ L1 (E) então<br />

∞<br />

fn1 < +∞ =⇒ existe f ∈ L<br />

n=1<br />

1 <br />

m<br />

<br />

<br />

<br />

(E) tal que fn − f<br />

→ 0.<br />

<br />

n=1 1<br />

Se an ∈ R, a série <strong>de</strong> termos reais ∞<br />

n=1 an diz-se absolutamente conver-<br />

gente se e só se ∞ n=1 |an| < ∞. Sabemos que neste caso a série ∞ n=1 an<br />

é igualmente convergente, o que é aliás um dos mais comuns critérios <strong>de</strong><br />

convergência <strong>de</strong> séries reais. Por analogia com as séries reais, e quando<br />

fn ∈ L1 (E), dizemos que a série<br />

∞<br />

fn é absolutamente convergente em L 1 quando<br />

n=1<br />

O corolário 3.5.9 po<strong>de</strong> resumir-se dizendo que<br />

∞<br />

fn1 < +∞.<br />

As séries absolutamente convergentes em L 1 são convergentes em L 1 .<br />

Po<strong>de</strong>mos usar este facto para mostrar que L 1 (E) é um espaço <strong>de</strong> banach,<br />

i.e., é um espaço vectorial normado em que as sucessões <strong>de</strong> Cauchy, ou<br />

fundamentais, são convergentes.<br />

Teorema 3.5.10 (<strong>de</strong> Riesz-Fischer). L 1 (E) é um espaço <strong>de</strong> Banach.( 16 )<br />

Demonstração. Se a sucessão <strong>de</strong> termo geral fn ∈ L 1 (E) é <strong>de</strong> Cauchy, i.e.,<br />

fn − fm 1 → 0, quando n,m → ∞, então existem (porquê?) naturais<br />

n=1<br />

nk ր ∞ tais que n,m ≥ nk ⇒ fn − fm1 ≤ 1<br />

.<br />

2k Temos fnk − fk1 → 0, e tomamos gk = fnk+1 − fnk , don<strong>de</strong><br />

gk 1 = fnk+1<br />

− fnk<br />

<br />

≤<br />

1 1<br />

, e<br />

2k ∞<br />

gk1 ≤ 1.<br />

A série ∞ k=1 gk é telescópica, e portanto m k=1 gk = fnm+1 − fn1 . Concluímos<br />

<strong>de</strong> 3.5.9 que existe g ∈ L1 (E) tal que<br />

<br />

m <br />

<br />

gk − g<br />

→ 0, ou seja,<br />

<br />

k=1 1<br />

fnm+1 − fn1 − g . 1<br />

Definindo f = fn1 + g, temos fnk − f1 → 0. Observamos finalmente que<br />

k=1<br />

fk − f1 ≤ fk − fnk1 + fnk − f1 → 0.<br />

16 Este resultado é uma versão preliminar do Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer.


3.5. Funções Somáveis 207<br />

Concluímos aqui a apresentação do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, com<br />

um enunciado aplicável a funções somáveis.<br />

Teorema 3.5.11 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (III)). Seja f : R N → R<br />

uma função somável, I um índice-K em R N , N = K + M e t ∈ R K .<br />

Temos, então,<br />

a) As funções ft I : RM → R são somáveis para quase todos os t ∈ RK .<br />

<br />

b) Sendo AI(t) = f t IdmM então AI é somável em RK e<br />

<br />

R K<br />

R M<br />

<br />

AIdmK =<br />

R K<br />

<br />

R M<br />

f t <br />

IdmM dmK =<br />

Deixamos a <strong>de</strong>monstração para o exercício 7.<br />

Exemplos 3.5.12.<br />

R N<br />

fdmN.<br />

1. Supondo que f é somável e I = (1, 2, · · · , K), ou I = (K +1, K +2, · · · , N),<br />

escrevemos os elementos x ∈ R N na forma x = (t, y) com t ∈ R K e y ∈ R M ,<br />

para concluir que<br />

<br />

fdmN =<br />

R N<br />

R K<br />

<br />

R M<br />

<br />

f(t, y)dy dt =<br />

RM <br />

RK <br />

f(t, y)dt dy.<br />

2. produto <strong>de</strong> convolução: Se f, g : RN → R, é por vezes útil formar o<br />

respectivo produto <strong>de</strong> convolução, que é a função f ∗ g dada por:<br />

<br />

(f ∗ g)(x) = f(x − y)g(y)dmN.<br />

R N<br />

Se f e g são L-mensuráveis, e x está fixo, a função h(y) = f(x − y) é Lmensurável,<br />

e o produto hg é, igualmente, L-mensurável. Por outro lado,<br />

existe uma função B-mensurável ˜ f ≃ f em R N e, para efeitos do cálculo do<br />

integral indicado acima, po<strong>de</strong>mos substituir a função f por ˜ f, sem modificar o<br />

resultado final, i.e., sem alterar a função f ∗ g. Supomos, assim, e sem perda<br />

<strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, que f é B-mensurável. A função G : R 2N → R, dada por<br />

˜F(x, y) = f(x − y) é B-mensurável em R 2N (porquê?). Concluímos, assim,<br />

que a função F : R 2N → R, dada por F(x, y) = f(x − y)g(y), é L-mensurável<br />

em R 2N . Em particular, o teorema <strong>de</strong> Fubini, na forma 3.5.11, é aplicável à<br />

função F.<br />

Deixamos para o exercício 9 explorar esta i<strong>de</strong>ia, para verificar que, se f e g<br />

são somáveis, então a função f ∗ g está bem <strong>de</strong>finida qtp em R N , é somável, e<br />

satisfaz:<br />

f ∗ g 1 ≤ f 1 g 1 .<br />

Sendo T a transformada <strong>de</strong> Fourier que <strong>de</strong>finimos no exemplo 3.5.5, po<strong>de</strong>mos<br />

ainda mostrar que T(f ∗ g) = T(f)T(g).


208 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que se f(x) = limn→∞ fn(x), qtp em E, e ˜ fn ≃ fn, então temos<br />

também f(x) = limn→∞ ˜ fn(x), qtp em E.<br />

2. Suponha que B 1 (E) é o quociente do espaço das funções f : E → R Bmensuráveis<br />

pela relação “≃”, e L 1 (E) é o quociente do espaço das funções<br />

f : E → R, finitas qtp e L-mensuráveis, pela relação análoga. Qual é a relação<br />

entre B 1 (E) e L 1 (E)?<br />

3. Supondo que f : R → R é somável, <strong>de</strong>signamos aqui por T(f) a transformada<br />

<strong>de</strong> Fourier da função f. Demonstre os seguintes resultados:<br />

a) Se ˜ f(x) = f(x − x0), então T( ˜ f)(ω) = T(f)(ω)e −iωx0 .<br />

b) Se a função h dada por h(x) = xf(x) é somável, então T(f) é diferenciável,<br />

e T(f) ′ = −iT(h).<br />

1 − 4. Seja f(x) = x 3, para x = 0. Dada uma enumeração dos racionais, Q =<br />

{q1, · · · , qn, · · · }, mostre que a série ∞ n=1 1<br />

n2f(x−qn) converge absolutamente<br />

qtp em R. Mostre que f(x) = ∞ n=1 1<br />

n2f(x − qn) é Borel-mensurável no conjunto<br />

on<strong>de</strong> a série converge simplesmente.<br />

5. Consi<strong>de</strong>re o espaço L 1 (R). Mostre que<br />

a) Qualquer classe em L 1 (R) tem representantes B-mensuráveis f : R → R.<br />

b) Existem classes em L 1 (R) cujos representantes são <strong>de</strong>scontínuos em toda<br />

a parte.<br />

c) Existem classes em L 1 (R) cujos representantes são ilimitados em qualquer<br />

intervalo aberto não-vazio em R.<br />

6. Consi<strong>de</strong>ramos aqui uma sucessão <strong>de</strong> funções fn tais que<br />

<br />

fndm → fdm para qualquer E ⊆ X mensurável,<br />

E<br />

mas on<strong>de</strong> não é verda<strong>de</strong> que<br />

<br />

E<br />

X<br />

|fn − f|dm → 0.<br />

Tomamos E ⊆ X = [0, 2π], fn(x) = sen nx, e f = 0. Prove o seguinte:<br />

a) Se E é um intervalo ou um conjunto elementar, então <br />

E fndm → 0.<br />

b) Se E é um conjunto mensurável, então <br />

E fndm → 0.<br />

c) Suponha que g é somável, e prove que <br />

<br />

d) Calcule lim |fn|dm.<br />

n→+∞<br />

X<br />

X gfndm → 0. ( 17 )<br />

17 Este resultado, que é importante na teoria das séries <strong>de</strong> Fourier, diz-se o Lema <strong>de</strong><br />

Riemann-Lebesgue.


3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 209<br />

<br />

e) Calcule lim<br />

n→+∞<br />

também as funções cos 2 nx.<br />

E<br />

f 2 ndm, quando E é mensurável. Sugestão: Consi<strong>de</strong>re<br />

f) Prove que se nk ր ∞ então sen nkx diverge qtp.<br />

7. Demonstre o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma 3.5.11.<br />

8. Calcule os dois integrais iterados para as funções indicadas. O que po<strong>de</strong><br />

concluir?<br />

x − y<br />

a) f(x, y) = 3 , em [0, 1] × [0, 1].<br />

(x + y)<br />

xy<br />

b) g(x, y) = 2 , em [−1, 1] × [−1, 1].<br />

(x 2 + y 2 )<br />

9. Suponha que as funções f, g, e h são somáveis em R N . Mostre que<br />

a) O produto <strong>de</strong> convolução (Exemplo 3.5.12.2)<br />

<br />

(f ∗ g)(x) = f(x − y)g(y)dmN,<br />

R N<br />

está bem <strong>de</strong>finido (qtp em R N ) e f ∗ g é uma função somável em R N ,<br />

porque<br />

f ∗ g 1 ≤ f 1 g 1 .<br />

sugestão: Consi<strong>de</strong>re a função F(x, y) = f(x − y)g(y), e aplique o<br />

teorema <strong>de</strong> Fubini.<br />

b) O produto <strong>de</strong> convolução é comutativo e associativo.<br />

c) Sendo T a transformada <strong>de</strong> Fourier, temos T(f ∗ g) = T(f)T(g).<br />

sugestão: Use o teorema <strong>de</strong> Fubini.<br />

3.6 Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong><br />

Vimos como as funções mensuráveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções<br />

simples mensuráveis. Mostramos nesta secção que as funções mensuráveis<br />

po<strong>de</strong>m ser também aproximadas por funções contínuas. Veremos que este<br />

facto é consequência essencialmente dos seguintes três resultados:<br />

• A já referida aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções simples,<br />

• A regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue, sobretudo na forma do teorema<br />

2.3.10 b), e<br />

• Um resultado <strong>de</strong> natureza topológica, aqui a proposição 3.6.1, que é<br />

um corolário do chamado Lema <strong>de</strong> Urysohn.


210 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Designamos o conjunto das funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto<br />

f : R N → R por Cc(R N )( 18 ). Designaremos por C0(R N ) o conjunto das<br />

funções contínuas f : R N → R com limite nulo quando |x| → ∞, e por<br />

C k c (RN ), on<strong>de</strong> k ∈ N, a classe das funções <strong>de</strong> suporte compacto, que são<br />

continuamente diferenciáveis até à or<strong>de</strong>m k ∈ N. C ∞ c (RN ) é a classe das<br />

funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto que têm <strong>de</strong>rivadas contínuas <strong>de</strong> qualquer<br />

or<strong>de</strong>m. Usaremos a mesma notação para qualquer conjunto U ⊆ R N ,<br />

e.g., C k c (U) é a classe das funções <strong>de</strong> suporte compacto em U, que são continuamente<br />

diferenciáveis até à or<strong>de</strong>m k ∈ N.<br />

O corolário do “Lema <strong>de</strong> Urysohn” aqui utilizado é o seguinte:<br />

Proposição 3.6.1. Se K ⊆ U ⊆ R N , on<strong>de</strong> K é compacto e U é aberto,<br />

então existe f ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ f ≤ χU.( 19 )<br />

Demonstração. Dado x ∈ K, existem rectângulos abertos limitados Rx e<br />

Sx tais que<br />

x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Sx ⊂ Sx ⊂ U.<br />

Existe portanto uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos Rxi , on<strong>de</strong><br />

1 ≤ i ≤ m. É simples mostrar que (exercício 2)<br />

(i) Existem funções gi ∈ Cc(R N ) tais que χRx i ≤ gi ≤ χSx i ≤ χU.<br />

Seja g : R N → R dada por<br />

g(x) =<br />

m<br />

gi(x), don<strong>de</strong> g ≥ χK, e g tem suporte compacto em U.<br />

i=1<br />

Sendo agora h : R → [0,1] uma qualquer função contínua e crescente, com<br />

h(0) = 0 e h(1) = 1, tomamos f(x) = h(g(x)).<br />

Esta proposição, combinada com a regularida<strong>de</strong> da medida <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

permite mostrar que as funções características <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> medida finita<br />

po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto.<br />

Proposição 3.6.2. Se E ⊆ R N é um conjunto mensurável <strong>de</strong> medida finita,<br />

e ε > 0, existe f ∈ Cc(R N ) tal que<br />

0 ≤ f ≤ 1, e mN({x ∈ R N : f(x) = χE(x)}) < ε.<br />

18 O suporte da função f é o fecho do conjunto on<strong>de</strong> a função não é nula.<br />

19 O “Lema <strong>de</strong> Urysohn” da Topologia Geral é um exemplo <strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

separação. Dados conjuntos fechados A e B disjuntos num espaço topológico normal<br />

X, o Lema garante a existência <strong>de</strong> uma função contínua f : X → [0, 1] tal que A ⊆<br />

f −1 (1) e B ⊆ f −1 (0). O resultado <strong>de</strong>ve-se a Pavel Urysohn, 1898 - 1924, matemático<br />

ucraniano, que apesar da sua morte trágica ainda muito jovem <strong>de</strong>u importantes contributos<br />

à então nascente Topologia. Deve notar-se no exercício 3 que no caso da proposição aqui<br />

apresentada po<strong>de</strong>mos na verda<strong>de</strong> seleccionar f ∈ C ∞ c (R N ).


3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 211<br />

Demonstração. De acordo com o teorema 2.3.10 b), existem conjuntos<br />

K ⊆ E ⊆ U,K compacto, U aberto, e mN(U\K) < ε.<br />

Pela proposição anterior, existe f ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ f ≤ χU, e <strong>de</strong>ve<br />

ser evi<strong>de</strong>nte que:<br />

x ∈ R N : f(x) = χE(x) ⊆ U\K.<br />

Exploramos aqui diversas consequências <strong>de</strong>sta proposição, que são em<br />

cada caso resultados sobre a aproximação <strong>de</strong> funções mensuráveis por funções<br />

contínuas. É conveniente para já mostrar que as funções mensuráveis limitadas,<br />

que são como sabemos limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções simples mensuráveis,<br />

po<strong>de</strong>m ser também expressas como séries uniformemente convergentes<br />

<strong>de</strong> funções simples mensuráveis.<br />

Teorema 3.6.3. Se f : E → [0,M] é mensurável e M < ∞, existem<br />

conjuntos mensuráveis Tn ⊆ E tais que, se tn = M<br />

2 nχTn, então<br />

f(x) =<br />

∞<br />

tn(x).<br />

n=1<br />

Em particular, a série indicada converge uniformemente para f.<br />

Demonstração. Sendo g = f/M, existem funções simples sn : E → R + ,<br />

n ∈ N, <strong>de</strong>finidas como na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.4.7, e tais que sn(x) ր g(x).<br />

Definimos s0 = 0 e, para n ∈ N, tn = sn − sn−1 ≥ 0. É evi<strong>de</strong>nte que<br />

∞<br />

n=1<br />

tn(x) = lim<br />

n→∞ sn(x) = g(x) = f(x)/M, para qualquer x ∈ E.<br />

Como 0 ≤ g(x) < 1, para qualquer x ∈ E, é fácil mostrar (exercício 1) que<br />

tn = sn − sn−1 só toma os valores 0 e 1/2 n , ou seja,<br />

<br />

tn = 1<br />

2n χTn,<br />

2<br />

on<strong>de</strong> Tn =<br />

n−1−1 k=1<br />

En,2k+1, e f(x) =<br />

∞<br />

n=1<br />

M<br />

χTn(x).<br />

2n O próximo resultado é um teorema clássico sobre a aproximação <strong>de</strong><br />

funções mensuráveis por funções contínuas.


212 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Teorema 3.6.4 (Teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin). ( 20 ) Seja f : RN → R uma<br />

função mensurável limitada, que é nula fora <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida<br />

finita. Se ε > 0 e |f(x)| ≤ M para qualquer x ∈ RN , então existe g ∈<br />

Cc(RN ) tal que<br />

<br />

N<br />

0 ≤ |g(x)| ≤ M, e mN x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />

Demonstração. Supomos primeiro que 0 ≤ f(x) ≤ 1, e f(x) = 0 quando<br />

x ∈ U, on<strong>de</strong> mN(U) < ∞. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que U ⊂ R N<br />

é um aberto. Observamos <strong>de</strong> 3.6.3 que existem funções simples mensuráveis<br />

tn : R N → [0,1], tais que<br />

f(x) =<br />

∞<br />

n=1<br />

tn(x), on<strong>de</strong> tn = 1<br />

2 nχTn.<br />

Os conjuntos Tn são mensuráveis e <strong>de</strong> medida finita, e estão contidos em<br />

U. Pela proposição 3.6.2, existem funções hn : R N → [0,1], contínuas e <strong>de</strong><br />

suporte compacto em U , tais que<br />

É claro que<br />

mN (En) < ε<br />

2 n+1, on<strong>de</strong> En = x ∈ R N : hn(x) = χTn(x) .<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

2 nhn(x) ≤<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

= 1,<br />

2n e portanto a série à esquerda converge uniformemente. Concluímos que a<br />

função h dada por h(x) = ∞ n=1 1<br />

2nhn(x) é contínua, e 0 ≤ h ≤ 1. Deve<br />

ser também claro que h(x) = 0 quando x ∈ U. Por outro lado, e tomando<br />

E = ∞ n=1 En, temos mN(E) < ε/2 e<br />

x ∈ E ⇒ hn(x) = χTn(x), para qualquer n ∈ N ⇒ f(x) = h(x).<br />

Temos por outras palavras que<br />

N<br />

x ∈ R : f(x) = ˜g(x) ≤ mN(E) < ε/2.<br />

mN<br />

Como mN(U) < ∞, existe um compacto K ⊂ U tal que mN(U\K) < ε/2, e<br />

existe igualmente uma função h0 ∈ Cc(R N ) tal que χK ≤ h0 ≤ χU. Tomamos<br />

finalmente g = hh0, que é contínua e <strong>de</strong> suporte compacto em U. Dado que<br />

g(x) = h(x) apenas quando x ∈ U\K, temos<br />

x ∈ R N : f(x) = g(x) ⊆ E ∪ (U\K)<br />

Temos assim que mN({x ∈ R N : g(x) = f(x)}) < ε. Deixamos para o<br />

exercício 4 generalizar a <strong>de</strong>monstração para o caso |f(x)| ≤ M.<br />

20 De Nikolai Luzin, 1883-1950, matemático russo, professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

Moscovo, on<strong>de</strong> aliás teve Urysohn como aluno.


3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 213<br />

O resultado anterior po<strong>de</strong> ser adaptado a casos em que f é ilimitada<br />

e/ou não é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita, mas<br />

naturalmente per<strong>de</strong>ndo alguns aspectos da sua conclusão. Por exemplo,<br />

Corolário 3.6.5. Seja f : RN → R mensurável, finita qtp, e nula no complementar<br />

<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita. Então para qualquer ε > 0<br />

existe g ∈ Cc(RN ) tal que<br />

<br />

N<br />

x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />

mN<br />

Demonstração. Seja Fn = {x ∈ R N : |f(x)| ≥ n}, don<strong>de</strong> Fn ց A, on<strong>de</strong><br />

A = {x ∈ R N : |f(x)| = ∞} é nulo. Como os conjuntos Fn têm medida<br />

finita, temos mN(Fn) → 0, e existe k tal que mN(Fk) < ε/2.<br />

Com h = fχF c k , e pelo teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin, existe g ∈ Cc(R N ) tal<br />

que<br />

mN<br />

x ∈ R N : h(x) = g(x) < ε/2.<br />

<br />

É claro que mN x ∈ RN : f(x) = g(x) < ε.<br />

Eliminando a hipótese sobre o conjunto on<strong>de</strong> f = 0, po<strong>de</strong>mos ainda obter<br />

o seguinte resultado, cuja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ixamos para o exercício (5).<br />

Corolário 3.6.6. Seja f : RN → R uma função mensurável e finita qtp.<br />

Então para qualquer ε > 0 existe uma função contínua g : RN → R tal que<br />

N<br />

x ∈ R : f(x) = g(x) < ε.<br />

mN<br />

Este corolário po<strong>de</strong> agora ser usado para mostrar que as funções mensuráveis<br />

e finitas qtp são limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções contínuas.<br />

Corolário 3.6.7. Se f : R N → R é finita qtp, então f é L-mensurável se<br />

e só se existem funções contínuas fn : R N → R tais que fn(x) → f(x) qtp<br />

em R N .<br />

Demonstração. Pelo corolário 3.6.6, existem funções contínuas fn tais que<br />

mN (En) < 1<br />

2 n, on<strong>de</strong> En = x ∈ R N : fn(x) = f(x) .<br />

Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos<br />

E =<br />

∞<br />

∞<br />

k=1 n=k<br />

En =<br />

∞<br />

Fk, on<strong>de</strong> Fk =<br />

k=1<br />

∞<br />

En.<br />

Note-se que mN(Fk) → 0 e Fk ց E, don<strong>de</strong> mN(E) = 0( 21 ). Para finalizar<br />

este argumento, resta-nos observar que:<br />

n=k<br />

x ∈ E ⇔ ∃k∈N tal que x ∈ Fk ⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ x ∈ En ⇔<br />

21 Esta é mais uma aplicação do lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli que referimos no exercício 7 da<br />

secção 2.1.


214 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

⇔ ∃k∈N tal que n ≥ k ⇒ fn(x) = f(x).<br />

Dito doutra forma, quando x ∈ E então fn(x) → f(x). Como vimos<br />

que mN(E) = 0, po<strong>de</strong>mos concluir que fn(x) → f(x) qtp em R.<br />

Sabemos já que que as funções somáveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por<br />

funções simples, e aproveitamos agora este facto para mostrar que po<strong>de</strong>m<br />

também ser aproximadas por funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto:<br />

Corolário 3.6.8. Se f : R N → R é somável e ε > 0, então existe g ∈<br />

Cc(R N ) tal que f − g 1 < ε.<br />

Demonstração. De acordo com 3.4.11, existe uma função simples s ∈ L1 (RN )<br />

tal que f − s1 < ε/2. É claro que s é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto<br />

<strong>de</strong> medida finita, e existe M < ∞ tal que |s(x)| ≤ M para qualquer<br />

x ∈ RN .<br />

Pelo teorema 3.6.4, existe g ∈ Cc(RN ) com |g(x)| ≤ M para x ∈ RN , e<br />

mN( x ∈ R N : s(x) = g(x) ) < ε/4M.<br />

Escrevemos E = x ∈ RN : s(x) = g(x) , e notamos como óbvio que<br />

|s(x) − g(x)| ≤ 2M para x ∈ E, don<strong>de</strong><br />

<br />

s − g1 = |s − g| ≤ 2Mε/4M = ε/2.<br />

Concluímos que f − g 1 ≤ f − s 1 + s − g 1 < ε.<br />

Exemplo 3.6.9.<br />

E<br />

Designamos também por Cc(R N ) o subespaço <strong>de</strong> L 1 (R N ) formado pelas classes<br />

<strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> funções contínuas <strong>de</strong> suporte compacto. O resultado anterior<br />

po<strong>de</strong> exprimir-se dizendo que<br />

Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ).<br />

Se <strong>de</strong>signarmos por R 1 (R N ) o subespaço formado pelas classes <strong>de</strong> equivalência<br />

<strong>de</strong> funções f : R N → R tais que o integral impróprio <strong>de</strong> Riemann <br />

R N f(x)dx<br />

é absolutamente convergente, é evi<strong>de</strong>nte que R 1 (R N ) ⊇ Cc(R N ), e portanto<br />

R 1 (R N ) é igualmente <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ).<br />

Já vimos que L 1 (R N ) é completo, i.e., é um espaço <strong>de</strong> Banach. Como<br />

R 1 (R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ), concluímos que L 1 (R N ) é o espaço completo<br />

<strong>de</strong>terminado por R 1 (R N ). Por outras palavras, o espaço L 1 (R N ) está para o<br />

espaço R 1 (R N ) exactamente como o conjunto R está para o conjunto Q.<br />

Exercícios.


3.6. Continuida<strong>de</strong> e Mensurabilida<strong>de</strong> 215<br />

1. Complete o cálculo da função tn = sn − sn−1 referido na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

3.6.3. sugestão: Observe que En−1,k = En,2k ∪ En,2k+1.<br />

2. Para completar a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 3.6.1, mostre que dados rectângulos abertos<br />

limitados R e S, tais que R ⊂ R ⊂ S, existe uma função contínua f,<br />

0 ≤ f ≤ 1, tal que f(x) = 1 para x ∈ R, e f(x) = 0 para x ∈ S, don<strong>de</strong> f tem<br />

suporte compacto. sugestão: Comece por provar a afirmação em R.<br />

1 −<br />

3. Verifique que a função f : R → R dada por f(x) = e x2 para x > 0,<br />

e por f(x) = 0 para x ≤ 0 é <strong>de</strong> classe C∞. Conclua que g ∈ C ∞ c<br />

(R), se<br />

g(x) = f(x)f(1 − x). Aproveite para mostrar que po<strong>de</strong>mos supor no exercício<br />

anterior que f é <strong>de</strong> classe C ∞ .<br />

4. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin (3.6.4) tomando agora<br />

como hipótese que |f| ≤ M. Verifique também que, se E ⊆ U, on<strong>de</strong> U é um<br />

aberto, então a função g po<strong>de</strong> ser suposta ter suporte compacto em U.<br />

5. Demonstre o corolário 3.6.6. sugestão: Recor<strong>de</strong> que R N é σ-compacto.<br />

6. Seja f : RN → R uma função L-mensurável e somável. Prove que<br />

<br />

lim |f(x + y) − f(x)| dmN = 0.<br />

y→0<br />

R N<br />

sugestão: Suponha primeiro que f é contínua <strong>de</strong> suporte compacto.<br />

7. Mostre que C0(R N ) é um espaço <strong>de</strong> Banach, com a norma “<strong>de</strong> L ∞ ”, dada<br />

por f ∞ = sup |f(x)| : x ∈ R N . Prove que Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em C0(R N ),<br />

com esta norma.<br />

8. continuida<strong>de</strong> da transformada <strong>de</strong> Fourier: Prove que se f ∈ L 1 (R) e<br />

T(f) é a sua transformada <strong>de</strong> Fourier, então T(f) ∈ C0(R), on<strong>de</strong> aqui C0(R N )<br />

<strong>de</strong>signa a classe das funções contínuas com valores complexos, tais que |f(x)| →<br />

0, quando x → ∞. Aproveite para mostrar que T : L 1 (R) → C0(R) é um<br />

operador (uniformemente) contínuo, porque<br />

T(f) − T(g) ∞ ≤ f − g 1 .<br />

sugestão: Sabemos que T(f) é contínua. Comece por mostrar que T(f) ∞ ≤<br />

f1 . Consi<strong>de</strong>re a função fα(x) = f(x − π<br />

α ), e a respectiva transformada <strong>de</strong><br />

Fourier Fα. Aplique o exercício 6 à diferença fα − f.


216 Capítulo 3. Integrais <strong>de</strong> Lebesgue


Capítulo 4<br />

Outras <strong>Medida</strong>s<br />

A teoria da medida não se esgota com o estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue, nem<br />

a teoria da integração se esgota com o estudo dos integrais “em or<strong>de</strong>m à<br />

medida <strong>de</strong> Lebesgue”. Estudamos neste Capítulo outros espaços <strong>de</strong> medida,<br />

<strong>de</strong>ixando para mais tar<strong>de</strong> a questão da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “integrais <strong>de</strong> Lebesgue”<br />

em or<strong>de</strong>m a qualquer medida.<br />

Começamos por complementar as i<strong>de</strong>ias e resultados gerais sobre medi-<br />

das que referimos no capítulo 2.<br />

É indispensável aqui esclarecer a estrutura<br />

das medidas reais, i.e., provar o Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan,<br />

que mostra que as medidas reais são diferenças <strong>de</strong> medidas positivas finitas,<br />

e leva ao conceito <strong>de</strong> variação total <strong>de</strong> uma medida.<br />

Vimos que qualquer integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue é uma medida. Estas<br />

medidas gozam <strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> especial, dita continuida<strong>de</strong> absoluta, que<br />

estudaremos no que se segue. Esta i<strong>de</strong>ia, primeiro referida por Harnack( 1 )<br />

nos finais do século XIX, a propósito dos integrais impróprios <strong>de</strong> Riemann<br />

<strong>de</strong> 1 a espécie que ele próprio estudou, e formalmente <strong>de</strong>finida por Vitali<br />

em 1905, quando lhe atribuiu o nome que hoje utilizamos, é aplicável a<br />

medidas e a funções, e é a chave para o entendimento actual dos Teoremas<br />

Fundamentais do Cálculo.<br />

Muitos dos exemplos relevantes nas aplicações envolvem medidas <strong>de</strong>finidas<br />

pelo menos na classe B(R N ), que chamaremos aqui “medidas <strong>de</strong><br />

Lebesgue-Stieltjes”. A questão da sua regularida<strong>de</strong> é frequentemente muito<br />

importante, e provaremos diversos resultados sobre este assunto. Veremos<br />

em particular que qualquer medida <strong>de</strong>finida em B(R N ) e finita nos conjuntos<br />

compactos tem uma única extensão regular completa, um facto que usaremos<br />

repetidamente no que se segue. Mostraremos também que as medidas <strong>de</strong><br />

Lebesgue-Stieltjes regulares e σ-finitas têm proprieda<strong>de</strong>s muito semelhantes<br />

às da medida <strong>de</strong> Lebesgue, tal como as estudámos no Capítulo 2.<br />

As medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finitas na recta real são<br />

especialmente fáceis <strong>de</strong> caracterizar e estudar, e estão associadas a funções<br />

1 Carl Gustav Axel Harnack, 1851-1888.<br />

217


218 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

reais <strong>de</strong> variável real, que chamaremos as suas funções <strong>de</strong> distribuição. Esta<br />

dualida<strong>de</strong> entre medidas e funções enriquece simultaneamente a teoria da<br />

medida e a teoria das funções. Introduzimos e estudamos aqui as classes<br />

das funções <strong>de</strong> variação limitada e das funções absolutamente contínuas, e<br />

provamos um resultado clássico sobre funções absolutamente contínuas: o<br />

Teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretsky.<br />

Terminamos o Capítulo provando o gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, a partir do “Lema do Sol Nascente” <strong>de</strong> F.Riesz, e obtemos<br />

finalmente versões mo<strong>de</strong>rnas dos Teoremas Fundamentais do Cálculo em R,<br />

relacionando estes resultados com uma das questões mais centrais da Teoria<br />

da <strong>Medida</strong>: a <strong>de</strong> caracterizar as medidas que são integrais in<strong>de</strong>finidos.<br />

4.1 A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan<br />

Qualquer função real f : X → R po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>composta na forma f = f + −f − ,<br />

on<strong>de</strong> f + e f − são as funções f + = fχP e f − = −fχN e P e N são os<br />

conjuntos P = {x ∈ X : f(x) > 0} e N = {x ∈ X : f(x) < 0}. É claro<br />

que f + e f − são positivas e distintas <strong>de</strong> zero em conjuntos disjuntos. Antes<br />

<strong>de</strong> apresentarmos uma <strong>de</strong>composição análoga a esta para medidas reais, é<br />

necessário introduzir uma noção auxiliar:<br />

Definição 4.1.1 (<strong>Medida</strong> Concentrada em S). Se µ é uma medida <strong>de</strong>finida<br />

em M e S ∈ M, dizemos que µ está concentrada em S se e só se µ(E) =<br />

µ(E ∩ S) para qualquer E ∈ M.<br />

E\S<br />

E ∩ S<br />

Figura 4.1.1: µ concentrada em S ⇐⇒ µ(E) = µ(E ∩ S) para E ∈ M.<br />

Provamos nesta secção que qualquer medida real µ é a diferença <strong>de</strong> duas<br />

medidas positivas finitas, µ = µ + −µ − , que estão concentradas em conjuntos<br />

disjuntos. Esta é a chamada <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan, que simplifica o<br />

estudo <strong>de</strong> medidas reais e complexas, porque o reduz em larga medida ao<br />

estudo <strong>de</strong> medidas positivas finitas. A <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> µ,<br />

que é, como veremos, essencialmente equivalente à <strong>de</strong> Jordan, é formada<br />

por conjuntos disjuntos P e N = P c tais que µ + e µ − estão concentradas<br />

respectivamente em P e em N.<br />

S<br />

X


4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 219<br />

Exemplos 4.1.2.<br />

1. A medida <strong>de</strong> Dirac em R está concentrada em A = {0}. Está igualmente<br />

concentrada em B = [0, 1], ou mais geralmente em qualquer conjunto C tal<br />

que A ⊆ C.<br />

2. A medida <strong>de</strong> Lebesgue em R está concentrada no conjunto dos irracionais.<br />

Po<strong>de</strong>mos também dizer que m está concentrada em R\Z, em R\ {0}, etc.<br />

3. Se f é mensurável e não-negativa, ou somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido<br />

está concentrado no conjunto x ∈ R N : f(x) = 0 (ver o exercício 7).<br />

No que se segue nesta secção, salvo menção em contrário, supomos que<br />

todas as medidas referidas estão <strong>de</strong>finidas num dado espaço mensurável<br />

(X, M). Observamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que, como os exemplos acima tornam evi<strong>de</strong>nte,<br />

o conjunto on<strong>de</strong> uma dada medida está concentrada não é único. A<br />

<strong>de</strong>terminação dos conjuntos on<strong>de</strong> µ está concentrada é aliás equivalente à<br />

i<strong>de</strong>ntificação dos:<br />

Definição 4.1.3 (Conjuntos µ-Nulos). E ∈ M é µ-nulo se e só se, para<br />

qualquer F ∈ M, temos F ⊆ E ⇒ µ(F) = 0.<br />

Temos, portanto, que E é µ-nulo se e só se é mensurável e todos os<br />

seus subconjuntos mensuráveis têm medida nula. Quando µ é uma medida<br />

positiva, esta condição reduz-se, por razões óbvias, à condição µ(E) = 0.<br />

Exemplos 4.1.4.<br />

1. Seja A = ]−1, 0[, B = ]0, 1[, e µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B). Então<br />

µ([−1, 1]) = 0, mas [−1, 1] não é µ-nulo, porque, por exemplo, A ⊂ [−1, 1], e<br />

µ(A) = 0.<br />

2. A função f(x) = e −|x| sen(x) é somável em R. Se µ é o seu integral in<strong>de</strong>finido,<br />

então µ([−π, π]) = 0, mas [−π, π] não é µ-nulo, porque µ([0, π]) > 0.<br />

Usamos expressões como “µ-quase em toda a parte”, abreviada “µ-qtp”,<br />

para significar “excepto num conjunto µ-nulo”. Quando a medida µ é óbvia<br />

do contexto, em especial quando µ é a medida <strong>de</strong> Lebesgue, eliminamos o<br />

prefixo “µ” <strong>de</strong>stas expressões.<br />

Exemplos 4.1.5.<br />

1. A função f(x) = x é nula, δ-qtp.<br />

2. Sendo µ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função f : R → R somável, o conjunto<br />

dos racionais é µ-nulo. Mais geralmente, qualquer conjunto nulo é µ-nulo.<br />

Deixamos para o exercício 1 mostrar que


220 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Proposição 4.1.6. µ está concentrada em S se e só se S c é µ-nulo.<br />

No caso <strong>de</strong> uma medida µ <strong>de</strong>finida pelo menos em B(R N ), e apesar do<br />

que dissémos acima, é possível i<strong>de</strong>ntificar o menor conjunto fechado on<strong>de</strong> µ<br />

está concentrada, e é este conjunto que se diz o suporte da medida µ( 2 ).<br />

Teorema 4.1.7. Se µ é uma medida <strong>de</strong>finida pelo menos em B(R N ), V =<br />

U ⊆ R N : U é aberto e µ-nulo , V = <br />

U∈V U e F = V c , temos que<br />

a) V é o maior conjunto aberto µ-nulo,<br />

b) µ está concentrada no conjunto fechado F = V c e<br />

c) Se G ⊂ F é fechado e G = F, então µ não está concentrada em G.<br />

Em particular, se µ ≥ 0 é finita então µ(G) < µ(F).<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste resultado é o exercício 13.<br />

Exemplos 4.1.8.<br />

1. No caso da medida <strong>de</strong> Lebesgue, qualquer aberto U ⊆ R N não-vazio satisfaz<br />

mN(U) > 0. Portanto, V = U ⊆ R N : U é aberto e nulo = {∅} e V = ∅,<br />

don<strong>de</strong> F = R N . Por outras palavras, o suporte <strong>de</strong> mN é R N .<br />

2. Se δ é a medida <strong>de</strong> Dirac na origem, então V = R\{0} é evi<strong>de</strong>ntemente o<br />

maior aberto δ-nulo, e portanto F = {0}, ou seja, o suporte <strong>de</strong> δ é {0}.<br />

3. No caso do exemplo 4.1.4.1, é fácil ver que F = [−1, +1].<br />

4. Se µ é o exemplo 4.1.4.2, então F = R.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora introduzir a<br />

Definição 4.1.9 (Decomposição <strong>de</strong> Jordan). Uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> jordan<br />

da medida real µ é um par (π,ν) <strong>de</strong> medidas positivas finitas tais que<br />

• µ(E) = π(E) − ν(E), para qualquer E ∈ M, e<br />

• π e ν estão concentradas em conjuntos disjuntos.<br />

Exemplos 4.1.10.<br />

1. Se A e B são quaisquer conjuntos disjuntos em L(R) com medida finita e<br />

µ(E) = m(E ∩ A) − m(E ∩ B), é fácil ver que as medidas dadas por π(E) =<br />

m(E ∩ A) e ν(E) = m(E ∩ B) são uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan para µ.<br />

2. Se f : RN → R é somável em RN e µ, π e ν são, respectivamente, os integrais<br />

in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f, f + e <strong>de</strong> f − , então π e ν são medidas positivas finitas e<br />

Observamos que<br />

<br />

µ(E) =<br />

E<br />

<br />

f =<br />

E<br />

f + <br />

−<br />

E<br />

f − = π(E) − ν(E).<br />

2 Referiremos na secção 4.4 a generalização <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia a contextos mais gerais.


4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 221<br />

• π e ν estão concentradas, respectivamente, em P = x ∈ R N : f(x) > 0 <br />

e N = x ∈ R N : f(x) < 0 ,<br />

• P e N são, evi<strong>de</strong>ntemente, conjuntos disjuntos.<br />

Concluímos que (π, ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ. Em particular,<br />

a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan do integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f correspon<strong>de</strong> à usual<br />

<strong>de</strong>composição f = f + − f − .<br />

As medidas π e ν que formam uma qualquer <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan<br />

estão concentradas em conjuntos disjuntos P e N. É claro que N é πnulo,<br />

porque está contido no complementar <strong>de</strong> P, e P é ν-nulo, porque está<br />

contido no complementar <strong>de</strong> N. Introduzimos a este respeito a seguinte<br />

terminologia:<br />

Definição 4.1.11 (<strong>Medida</strong>s Singulares). Se π está concentrada num conjunto<br />

ν-nulo, π diz-se singular (em relação a ν), e escrevemos π⊥ν.<br />

No caso <strong>de</strong> medidas em R N , dizemos simplesmente que π é singular, sem<br />

mais qualificativos, quando π é singular em relação à medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

A <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado não apresenta quaisquer dificulda<strong>de</strong>s:<br />

Proposição 4.1.12. π⊥ν se e só se π e ν estão concentradas em conjuntos<br />

disjuntos. Em particular, π⊥ν se e só se ν⊥π.<br />

Exemplos 4.1.13.<br />

1. A medida <strong>de</strong> Dirac δ em R é singular (em relação à medida <strong>de</strong> Lebesgue),<br />

porque tem suporte em S = {0}, e S é um conjunto m-nulo.<br />

2. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é singular em relação à medida <strong>de</strong> Dirac, porque a<br />

medida <strong>de</strong> Lebesgue está concentrada em B = R\ {0} = A c e δ(B) = 0.<br />

3. Note-se que as medidas <strong>de</strong> Lebesgue e <strong>de</strong> Dirac estão concentradas em conjuntos<br />

disjuntos mas não têm suportes disjuntos.<br />

Supondo que (π,ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan da medida µ on<strong>de</strong> π<br />

está concentrada num conjunto ν-nulo P, é claro que ν está concentrada no<br />

conjunto π-nulo N = P c . Notamos que:<br />

• Se E ⊆ P então µ(E) ≥ 0, porque µ(E) = π(E) − ν(E) = π(E) ≥ 0, e<br />

• Se E ⊆ N então µ(E) ≤ 0, porque µ(E) = π(E) −ν(E) = −ν(E) ≤ 0.<br />

Por outras palavras, todos os subconjuntos <strong>de</strong> P têm medida não-negativa,<br />

e todos os subconjuntos <strong>de</strong> N têm medida não-positiva. Os conjuntos com<br />

estas proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>signam-se:


222 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Definição 4.1.14 (Conjuntos µ-Positivos, µ-Negativos). Sendo µ uma medida<br />

real, dizemos que E ∈ M é µ-positivo (respectivamente, µ-negativo)<br />

se e só se para qualquer F ∈ M temos F ⊆ E ⇒ µ(F) ≥ 0 (respectivamente,<br />

µ(F) ≤ 0).<br />

Exemplos 4.1.15.<br />

1. O conjunto ∅ é simultaneamente µ-positivo, µ-negativo e µ-nulo.<br />

2. Se µ é o exemplo 4.1.4.1, é fácil ver que A = [−1, 0] é µ-positivo e B = [0, +1]<br />

é µ-negativo.<br />

3. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido da função somável f e E é mensurável, então E é<br />

µ-positivo (respectivamente, µ-negativo) se e só se f(x) ≥ 0 (respectivamente,<br />

f(x) ≤ 0) qtp em E.<br />

A <strong>de</strong>monstração das seguintes proprieda<strong>de</strong>s é o exercício 4.<br />

Proposição 4.1.16. Seja µ uma medida real e P,Q,Pn ∈ M.<br />

a) P é µ-positivo e Q ⊆ P =⇒ Q é µ-positivo e µ(Q) ≤ µ(P),<br />

b) P é µ-negativo e Q ⊆ P =⇒ Q é µ-negativo e µ(Q) ≥ µ(P),<br />

c) Pn µ-positivo para qualquer n ∈ N =⇒<br />

P =<br />

∞<br />

Pn é µ-positivo e µ(P) ≥ µ(Pn), para qualquer n ∈ N.<br />

n=1<br />

Sempre supondo que (π,ν) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan da medida µ,<br />

π está concentrada no conjunto ν-nulo P e N = P c , os conjuntos P e N<br />

formam uma partição <strong>de</strong> X on<strong>de</strong> P é µ-positivo e N é µ-negativo, o que nos<br />

conduz à seguinte<br />

Definição 4.1.17 (Decomposição <strong>de</strong> Hahn). Se µ é uma medida real e<br />

P,N ∈ M, o par (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ se e só se<br />

P é µ-positivo, N é µ-negativo, X = P ∪ N e P ∩ N = ∅.<br />

Po<strong>de</strong>mos portanto dizer que se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan então<br />

tem igualmente uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn. É também muito fácil mostrar<br />

que se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn então tem necessariamente uma<br />

<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan. Para isso, e supondo que (P,N) é uma <strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> Hahn, <strong>de</strong>finimos<br />

π(E) = µ(E ∩ P) e ν(E) = −µ(E ∩ N).<br />

As medidas π e ν são positivas e finitas, π⊥ν e temos (figura 4.1.2)<br />

µ(E) = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) = π(E) − ν(E), i.e., µ = π − ν.


4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 223<br />

E ∩ N<br />

E ∩ P<br />

P<br />

N X<br />

Figura 4.1.2: µ(E) = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) = π(E) − ν(E).<br />

Se µ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn (P,N), é ainda muito simples mostrar<br />

que µ tem mínimo e máximo finitos, que são exactamente os valores µ(N) e<br />

µ(P). Basta notar que, como P é µ-positivo e N é µ-negativo, segue-se da<br />

proposição 4.1.16 que, para qualquer E ∈ M,<br />

Concluímos que<br />

0 ≤ µ(E ∩ P) ≤ µ(P) e µ(N) ≤ µ(E ∩ N) ≤ 0.<br />

µ(N) ≤ µ(E ∩ N) ≤ µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) ≤ µ(E ∩ P) ≤ µ(P),<br />

ou seja, µ(N) ≤ µ(E) ≤ µ(P), e µ tem máximo em P e mínimo em N.<br />

A técnica que vamos utilizar para estabelecer a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>composições<br />

<strong>de</strong> Hahn e <strong>de</strong> Jordan é sugerida por esta observação elementar. Tem os<br />

seguintes passos essenciais:<br />

(I) Mostrar que qualquer medida real µ tem máximo na classe dos conjuntos<br />

µ-positivos,<br />

(II) Provar que se o máximo referido em (1) é atingido no conjunto P então<br />

N = P c é µ-negativo, i.e., (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> µ.<br />

A próxima proposição correspon<strong>de</strong> ao passo (I) acima indicado:<br />

Proposição 4.1.18. Se µ é uma medida real então existe um conjunto µpositivo<br />

P tal que µ(P) = max {µ(Q) : Q ∈ M,Q µ-positivo }.<br />

Demonstração. O conjunto ∅ é µ-positivo, e portanto a classe dos conjuntos<br />

µ-positivos não é vazia. Temos em particular que<br />

0 ≤ α = sup {µ(Q) : Q ∈ M,Q µ-positivo } ≤ ∞.


224 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Existem naturalmente conjuntos µ-positivos Qn tais que µ(Qn) → α, e temos<br />

<strong>de</strong> 4.1.16 c) que<br />

P =<br />

∞<br />

Qn é µ-positivo e µ(P) ≥ µ(Qn), para qualquer n.<br />

n=1<br />

Como µ(Qn) ≤ µ(P) ≤ α e µ(Qn) → α é evi<strong>de</strong>nte que µ(P) = α.<br />

Antes <strong>de</strong> mostrar que N = P c é µ-negativo, que é o passo (II) que<br />

referimos, precisamos <strong>de</strong> estabelecer um resultado auxiliar, aliás com um<br />

argumento muito interessante, on<strong>de</strong> provamos que qualquer conjunto com<br />

medida estritamente positiva contém um subconjunto µ-positivo, também<br />

com medida estritamente positiva.<br />

Lema 4.1.19. Se µ(E) > 0, existe um conjunto µ-positivo P ⊆ E com<br />

µ(P) ≥ µ(E) > 0.<br />

Demonstração. Dado A ∈ M, seja ν(A) = inf {µ(F) : F ∈ M,F ⊆ A}( 3 ).<br />

Notamos que ν(A) ≤ 0, porque po<strong>de</strong>mos sempre tomar F = ∅. Observamos<br />

igualmente que<br />

(1) A é µ-positivo se e só se ν(A) = 0.<br />

(2) Se B ⊆ A e B ∈ M então ν(B) ≥ ν(A).<br />

Notamos também que se ν(A) > −∞ então<br />

Basta-nos consi<strong>de</strong>rar dois casos:<br />

(3) Existe B ⊆ A tal que ν(B) ≤ 1<br />

2 ν(A).<br />

• Se ν(A) = 0 então po<strong>de</strong>mos tomar B = ∅, e<br />

• se ν(A) < 0 então ν(A)/2 > ν(A) = inf {µ(F) : F ∈ M,F ⊆ A}.<br />

Se ν(A) = −∞ a observação (3) é obviamente falsa, porque µ(B) = −∞,<br />

mas neste caso existe B ⊆ A tal que µ(B) ≤ −1. Concluímos que<br />

(4) Se A ∈ M, então existe B ⊆ A tal que B ∈ M e<br />

<br />

µ(B) ≤ max −1, 1<br />

2 ν(Pn)<br />

<br />

.<br />

Definimos duas sucessões <strong>de</strong> conjuntos Pn e Fn por indução como se<br />

segue (ver figura 4.1.3):<br />

3 Veremos imediatamente a seguir que −ν é na realida<strong>de</strong> uma das medidas que formam<br />

a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ.


4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 225<br />

P1 = E P2 P3 P4<br />

(a) P1 = E e,<br />

Figura 4.1.3: F =<br />

para qualquer n ∈ N,<br />

∞<br />

Fn,P =<br />

n=1<br />

∞<br />

Pn e E = P ∪ F.<br />

(b) Para a sucessão dos Fn, e <strong>de</strong> acordo com (4), seleccionamos um conjunto<br />

Fn ∈ M tal que<br />

<br />

(5) Fn ⊆ Pn e µ(Fn) ≤ max −1, 1<br />

2 ν(Pn)<br />

<br />

≤ 0.<br />

n=1<br />

(c) Para a sucessão dos Pn, tomamos Pn+1 = Pn\Fn.<br />

Deve ser evi<strong>de</strong>nte que os conjuntos Fn são disjuntos e os conjuntos Pn formam<br />

uma sucessão <strong>de</strong>crescente, on<strong>de</strong><br />

Pn ց P =<br />

∞<br />

Pn e E = P ∪ F com F =<br />

n=1<br />

Como µ(Fn) ≤ 0 e os conjuntos Fn são disjuntos, temos<br />

(6) − ∞ < µ(F) =<br />

∞<br />

Fn.<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(Fn) ≤ 0 e µ(Fn) → 0.<br />

n=1<br />

Para n suficientemente gran<strong>de</strong> temos <strong>de</strong> (6) que µ(Fn) > −1 e <strong>de</strong> (5) que<br />

(7) 0 ≥ ν(Pn)<br />

2 ≥ µ(Fn) → 0, ou seja, ν(Pn) → 0.<br />

Como P ⊆ Pn, obtemos <strong>de</strong> (2) e <strong>de</strong> (7) que 0 ≥ ν(P) ≥ ν(Pn) → 0. Temos<br />

assim que ν(P) = 0, i.e., P é µ-positivo. Para concluir a <strong>de</strong>monstração,<br />

notamos que µ(P) = µ(E) − µ(F) ≥ µ(E) > 0, porque E = P ∪ F.<br />

F1<br />

F2<br />

F3<br />

F4


226 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Passamos a <strong>de</strong>monstrar o principal resultado <strong>de</strong>sta secção:<br />

Teorema 4.1.20 (da Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan). Qualquer medida<br />

real tem <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Hahn e <strong>de</strong> Jordan.<br />

E P ∗<br />

N = X\P X<br />

Figura 4.1.4: Demonstração <strong>de</strong> 4.1.20.<br />

Demonstração. De acordo com 4.1.18, existe um conjunto µ-positivo P tal<br />

que<br />

µ(P) = α = max {µ(E) : E ∈ M, E µ-positivo } < +∞.<br />

A <strong>de</strong>monstração resume-se a mostrar que N = X\P é µ-negativo, conforme<br />

dissémos na observação (II) acima, e argumentamos por contradição.<br />

Se N não é µ-negativo, existe E ⊆ N com µ(E) > 0. De acordo com<br />

4.1.19, existe neste caso um conjunto µ-positivo P ∗ ⊆ E com µ(P ∗ ) > 0. O<br />

conjunto P ∪ P ∗ é portanto µ-positivo e µ(P ∪ P ∗ ) = µ(P) + µ(P ∗ ) > α, o<br />

que contradiz a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> α.<br />

Concluímos assim que N é µ-negativo e (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />

Hahn para µ. Por esta razão, e como já observámos, existe também uma<br />

<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan (π,ν) para µ, on<strong>de</strong> as medidas em causa são dadas<br />

por π(E) = µ(E ∩ P) e ν(E) = −µ(E ∩ N).<br />

A questão da unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>composições é bastante mais simples<br />

<strong>de</strong> analisar, e por isso a sua verificação fica para os exercícios 5 e 6.<br />

Teorema 4.1.21. Seja µ uma medida real, e suponha-se que (π,ν) e (P,N)<br />

são, respectivamente, <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para µ. Então,<br />

a) Se π ∗ e ν ∗ são medidas positivas finitas tais que µ = π ∗ − ν ∗ , então<br />

π ≤ π ∗ e ν ≤ ν ∗ .<br />

b) Em particular, se (π ∗ ,ν ∗ ) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ, então<br />

π ∗ = π, e ν = ν ∗ .<br />

P


4.1. A Decomposição <strong>de</strong> Hahn-Jordan 227<br />

c) Se (P ∗ ,N ∗ ) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ, então P ∩ N ∗ e<br />

P ∗ ∩ N são µ-nulos.<br />

Sendo µ uma medida real, a respectiva <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan (π,ν)<br />

existe, <strong>de</strong> acordo com o resultado acima, e é única, <strong>de</strong> acordo com 4.1.21.<br />

Passamos a escrever µ + , em lugar <strong>de</strong> π, e µ − , em lugar <strong>de</strong> ν.<br />

Exercícios.<br />

1. Prove que µ está concentrada em S se e só se S c é µ-nulo (proposição 4.1.6).<br />

2. Demonstre a proposição 4.1.12.<br />

3. Sendo I = [0, 2] e J = [1, 3], <strong>de</strong>termine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn<br />

para a medida µ dada por µ(E) = m(E ∩ I) − m(E ∩ J).<br />

4. Seja µ uma medida real no espaço mensurável (X, M). Demonstre 4.1.16,<br />

ou seja:<br />

a) Se P é µ-positivo, Q ∈ M, e Q ⊆ P, então Q é µ-positivo, e µ(Q) ≤ µ(P).<br />

b) Se P é µ-negativo, Q ∈ M, e Q ⊆ P, então Q é µ-negativo, e µ(Q) ≥<br />

µ(P).<br />

c) Se Pn é µ-positivo para qualquer n ∈ N, então ∪ ∞ n=1 Pn é µ-positivo, e<br />

µ(∪ ∞ n=1Pn) ≥ µ(Pn).<br />

5. Mostre que, se µ : M → R é uma medida real, (π, ν) é uma <strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> Jordan para µ, e π ∗ , ν ∗ : M → [0, +∞[ são medidas positivas finitas tais<br />

que µ = π ∗ − ν ∗ , então π ≤ π ∗ e ν ≤ ν ∗ . Em particular, a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />

Jordan <strong>de</strong> (X, M, µ) é única (teorema 4.1.21, a), e b)).<br />

6. Prove que se (P, N) e (P ′ , N ′ ) são <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Hahn <strong>de</strong> (X, M, µ),<br />

então P ∩ N ′ e P ′ ∩ N são µ-nulos (teorema 4.1.21, b)).<br />

7. Seja f : R N → R localmente somável, e µ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido.<br />

a) Mostre que µ está concentrada em P = x ∈ R N : f(x) > 0 quando<br />

f ≥ 0.<br />

b) Suponha agora que f = f + − f − muda <strong>de</strong> sinal em R N , e é somável em<br />

R N . Sejam π e ν os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f + e f − . Mostre que (π, ν)<br />

é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ = π − ν.<br />

c) Continuando a alínea anterior, as medidas π, ν e µ estão <strong>de</strong>finidas respectivamente<br />

nas σ-álgebras L f +, L f −, e Lf. Mostre que Lf = L |f| =<br />

L f + ∩ L f −.<br />

8. Sendo n ∈ N, suponha que δn é a medida <strong>de</strong> Dirac com suporte em {n}, e<br />

µ =<br />

∞ (−1) n<br />

δn.<br />

2n n=1<br />

Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a medida µ.


228 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

9. Seja λ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f(x) = e−x2 sen(πx), e µ a medida referida no<br />

exercício anterior. Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para λ + µ.<br />

10. Seja µ uma medida real no espaço (X, M) e E ∈ M. Mostre que<br />

a) µ + (E) = sup {µ(F) : F ∈ M, F ⊆ E}, e<br />

b) µ − (E) = − inf {µ(F) : F ∈ M, F ⊆ E}.<br />

b<br />

11. Existe alguma medida real µ tal que µ([a, b]) =<br />

a<br />

sen(x)<br />

dx?<br />

x<br />

12. Suponha que µ é uma medida real em B(R), e f(x) = µ(] − ∞, x]). Prove<br />

que f(x) = g(x) − h(x), on<strong>de</strong> g e h são funções crescentes e limitadas em R.<br />

13. Demonstre o teorema 4.1.7. sugestão: Verifique que po<strong>de</strong> substituir<br />

a classe V referida no teorema 4.1.7 pela classe (numerável) formada pelos<br />

rectângulos abertos com vértices <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas racionais que são µ-nulos.<br />

14. Suponha que Q = {q1, · · · , qn, · · · } e<br />

µ =<br />

∞ (−1) n<br />

δqn.<br />

2n n=1<br />

Determine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a medida µ. Mostre que<br />

(<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da enumeração dos racionais em causa) os suportes <strong>de</strong> µ + e <strong>de</strong><br />

µ − po<strong>de</strong>m ser iguais.<br />

15. Suponha que µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função somável f. As medidas<br />

µ + e µ − po<strong>de</strong>m ter o mesmo suporte?<br />

4.2 A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong><br />

A noção <strong>de</strong> variação total <strong>de</strong> uma medida real ou positiva µ é análoga à<br />

<strong>de</strong> oscilação <strong>de</strong> uma função real, num dado conjunto. Se µ está <strong>de</strong>finida na<br />

σ-álgebra M, temos<br />

Definição 4.2.1 (Variação Total). A variação total <strong>de</strong> µ é a função |µ|<br />

<strong>de</strong>finida em M por:( 4 )<br />

|µ|(E) = sup {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} − inf {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} .<br />

4 A utilização do símbolo |µ| para <strong>de</strong>signar a variação total <strong>de</strong> µ é tradicional, mas é<br />

ambígua, porque se presta a confusões com o simples valor absoluto da função µ. Convencionamos<br />

a este respeito que o valor absoluto <strong>de</strong> µ(E) será sempre <strong>de</strong>signado por |µ(E)|.


4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 229<br />

Conforme sugerido no exercício 10 da secção anterior, a variação total <strong>de</strong><br />

uma medida real µ calcula-se facilmente das suas <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan<br />

e <strong>de</strong> Hahn. Sempre supondo que F ⊆ E e F ∈ M, temos<br />

e analogamente<br />

µ(F) = µ + (F) − µ − (F) ≤ µ + (F) ≤ µ + (E) = µ(E ∩ P),<br />

µ(F) = µ + (F) − µ − (F) ≥ −µ − (F) ≥ −µ − (E) = µ(E ∩ N).<br />

Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />

max {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} = µ(E ∩ P) = µ + (E), e<br />

min {µ(F) : F ⊆ E,F ∈ M} = µ(E ∩ N) = −µ − (E).<br />

A variação total <strong>de</strong> µ em E é portanto dada por |µ|(E) = µ + (E) + µ − (E),<br />

ou seja, |µ| = µ + + µ − . Passamos também a dizer que µ + e µ − são, respectivamente,<br />

a variação positiva e a variação negativa <strong>de</strong> µ. Note-se que |µ|,<br />

µ + e µ − são medidas positivas, que são finitas quando µ é uma medida<br />

real. Quando µ é positiva, é claro que a variação total <strong>de</strong> µ po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida<br />

como em 4.2.1, mas nesse caso temos obviamente µ = |µ|, e esta medida não<br />

é necessariamente finita.<br />

Exemplos 4.2.2.<br />

1. Se f : R N → R é somável e µ é o respectivo integral in<strong>de</strong>finido, então µ + e<br />

µ − são os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f + e f − . A variação total <strong>de</strong> µ é portanto<br />

dada por<br />

|µ|(E) = µ + (E) + µ − (E) =<br />

<br />

E<br />

f + <br />

+ f<br />

E<br />

− <br />

= (f<br />

E<br />

+ + f − <br />

) = |f|.<br />

E<br />

Por outras palavras, a variação total |µ| é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> |f|.<br />

2. Se µ = δ1 − δ−1, então a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ é (δ1, δ−1), don<strong>de</strong><br />

|µ| = δ1 + δ−1.<br />

3. Observe-se ainda que<br />

µ =<br />

∞ (−1) n<br />

n=1<br />

2 n δn ⇒ µ + =<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

2 2n δ2n, µ − =<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

2 2n−1 δ2n−1 e |µ| =<br />

∞<br />

n=1<br />

1<br />

δn.<br />

2n A variação total <strong>de</strong> uma medida real po<strong>de</strong> ser também calculada pela:<br />

Proposição 4.2.3. Se µ é uma medida real, ou positiva, então<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

|µ| (E) = sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />

n=1<br />

n=1


230 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Demonstração. O resultado é evi<strong>de</strong>nte quando µ é uma medida positiva. Se<br />

µ é uma medida real então temos para qualquer partição {En} que<br />

∞<br />

∞<br />

|µ(En)| = |µ + (En) − µ − (En)| ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

µ + (En) + µ − (En) =<br />

= µ + (E) + µ − (E) = |µ|(E), i.e.,<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos ≤ |µ|(E).<br />

n=1<br />

Por outro lado, e supondo que (P,N) é uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para µ,<br />

tomamos E1 = E ∩ P,E2 = E ∩ N e En = ∅, para n > 2, don<strong>de</strong><br />

∞<br />

|µ(En)| = |µ(E1)| + |µ(E2)| = µ(E ∩ P) + µ(E ∩ N) =<br />

n=1<br />

= µ + (E) + µ − (E) = |µ|(E), e<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

|µ| (E) ≤ sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />

n=1<br />

De acordo com este resultado, po<strong>de</strong>mos substituir a <strong>de</strong>finição 4.2.1 pela<br />

seguinte, agora aplicável a qualquer medida real, positiva ou complexa:<br />

Definição 4.2.4 (Variação Total). Se µ é uma medida (positiva, real ou<br />

complexa) <strong>de</strong>finida em M, a variação total <strong>de</strong> µ é a função |µ| : M →<br />

[0, ∞], dada por:<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

|µ| (E) = sup |µ(En)| : En ∈ M,E = En,En’s disjuntos .<br />

Exemplo 4.2.5.<br />

n=1<br />

Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir “pentes <strong>de</strong> Dirac” em qualquer conjunto X, e na σ-álgebra<br />

P(X). Dado um conjunto numerável S = {x1, x2, · · · , xn, · · · } ⊆ X e uma<br />

sucessão <strong>de</strong> reais ou complexos c1, c2, · · ·, se existe uma medida π concentrada<br />

em S e tal que π({xn}) = cn, escrevemos<br />

π =<br />

∞<br />

cnδxn e temos π(E) = <br />

cn, on<strong>de</strong> IE = {n ∈ N : xn ∈ E} e E ⊆ X.<br />

n=1<br />

n∈IE<br />

Deixamos para o exercício 1 verificar que a medida π existe se e só se se verifica<br />

um dos seguintes casos:<br />

n=1<br />

n=1<br />

• cn ≥ 0 para qualquer n ∈ N, ou<br />

• a série ∞<br />

n=1 cn é absolutamente convergente.


4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 231<br />

Dizemos então que π é um “pente <strong>de</strong> Dirac”, ou uma medida discreta. A<br />

variação total <strong>de</strong> π é dada por:<br />

|π| (E) = <br />

|cn|.<br />

n∈IE<br />

O próximo teorema agrupa algumas observações elementares, todas <strong>de</strong><br />

muito simples verificação. Note-se que mesmo quando µ é uma medida<br />

complexa é ainda verda<strong>de</strong> que |µ| é uma medida positiva finita.<br />

Teorema 4.2.6. Se µ é uma medida real ou complexa, então:<br />

a) |µ(E)| ≤ |µ|(E) ≤ |µ| (F), para quaisquer E,F ∈ M com E ⊆ F.<br />

b) E é µ-nulo ⇐⇒ |µ|(E) = 0.<br />

c) |µ| é uma medida positiva finita, don<strong>de</strong> µ é <strong>de</strong> variação limitada.<br />

d) µ está concentrada em S ⇐⇒ |µ| está concentrada em S.<br />

e) Se µ e λ são medidas reais (resp., complexas) e c ∈ R (resp., c ∈ C),<br />

então µ + λ e cµ são medidas reais (resp., complexas). Em particular,<br />

o conjunto das medidas reais (resp., complexas) <strong>de</strong>finidas em (X, M)<br />

é um espaço vectorial real (resp., complexo).( 5 )<br />

Demonstração. Para provar a), tomamos na <strong>de</strong>finição (4.2.4) E1 = E e<br />

En = ∅ para n > 1, para concluir que |µ(E)| ≤ |µ|(E). É igualmente fácil<br />

verificar que se E ⊆ F então |µ|(E) ≤ |µ|(F).<br />

Se |µ| (E) = 0, F ∈ M e F ⊆ E segue-se <strong>de</strong> a) que µ(F) = 0, e portanto E<br />

é µ-nulo. Por outro lado, se E é µ-nulo então é óbvio da <strong>de</strong>finição (4.2.4)<br />

que |µ|(E) = 0.<br />

Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c). Supondo verificad esta<br />

afirmação, é evi<strong>de</strong>nte que d) é equivalente a b).<br />

A afirmação e) resume proprieda<strong>de</strong>s elementares <strong>de</strong> séries convergentes.<br />

A medida µ diz-se <strong>de</strong> variação limitada se e só se |µ| (X) < +∞, sendo<br />

claro que apenas as medidas positivas, que aliás coinci<strong>de</strong>m com a sua variação<br />

total, po<strong>de</strong>m não ter variação limitada. Passamos a <strong>de</strong>signar por M(M,Y )<br />

o espaço das medidas µ : M → Y , on<strong>de</strong> Y = R ou Y = C, que por vezes<br />

simplificamos para M(M) quando Y é evi<strong>de</strong>nte do contexto, e <strong>de</strong>ixamos<br />

para os exercícios 4 e 5 a verificação do seguinte resultado:<br />

5 As medidas reais (resp., complexas) em (X, M) são funções µ : M → R (resp.,<br />

µ : M → C) <strong>de</strong> tipo especial, e formam assim um subespaço do espaço <strong>de</strong> todas as funções<br />

f reais (resp., complexas) <strong>de</strong>finidas em M. Este último <strong>de</strong>signa-se usualmente por R M<br />

(resp., C M ).


232 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Proposição 4.2.7. A aplicação <strong>de</strong>finida em M(M, C) por µ = |µ|(X) é<br />

uma norma, e com esta norma M(M, C) é um espaço <strong>de</strong> Banach complexo.<br />

Analogamente, M(M, R) é um espaço <strong>de</strong> Banach real.<br />

Observações 4.2.8.<br />

1. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função somável f : RN → R, então<br />

µ = |µ|(R N <br />

) = |f|dmN = f1 .<br />

2. Seja M(B(R N )) o espaço <strong>de</strong> Banach formado por todas as medidas reais<br />

<strong>de</strong>finidas em B(R N ), que se diz o espaço das medidas <strong>de</strong> Borel( 6 ). O<br />

operador Ψ : L 1 (R N ) → M(B(R N )) que associa a cada classe [f] o integral<br />

in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é linear e preserva normas, <strong>de</strong> acordo com a observação acima.<br />

O espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N )) contém por isso um subespaço <strong>de</strong> Banach<br />

isomorfo a L 1 (R N ). Dizemos portanto que o espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N ))<br />

é uma extensão do espaço <strong>de</strong> Banach L 1 (R N ), se bem que esta afirmação<br />

pressuponha que “i<strong>de</strong>ntificamos”, ou seja, tratamos como se fossem o mesmo<br />

objecto, tanto a classe [f] como o seu integral in<strong>de</strong>finido( 7 ).<br />

Aproveitamos para generalizar a medidas reais e complexas a noção <strong>de</strong><br />

medida completa que introduzimos em 2.3.15:<br />

R N<br />

Definição 4.2.9 (<strong>Medida</strong> Completa). A medida µ é completa se e só se<br />

todos os subconjuntos <strong>de</strong> conjuntos µ-nulos são mensuráveis, i.e., se e só se<br />

o espaço (X, M, |µ|) é completo, no sentido <strong>de</strong> 2.3.15.<br />

Exemplos 4.2.10.<br />

1. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f é completo, se tomarmos M = Lf.<br />

2. Se µ é uma medida complexa <strong>de</strong>finida em M, a sua menor extensão completa<br />

está <strong>de</strong>finida da forma óbvia na σ-álgebra Mµ = M |µ|, dada por:<br />

Exercícios.<br />

Mµ = {E ⊆ X : Existem A, B ∈ M, A ⊆ E ⊆ B, |µ|(B\A) = 0}.<br />

6 Mais geralmente, se X é um espaço topológico, as medidas <strong>de</strong>finidas em B(X) dizem-se<br />

<strong>de</strong> Borel em X.<br />

7 Os elementos <strong>de</strong> M(B(R N )) são também distribuições, que por vezes se chamam<br />

funções generalizadas. Esta terminologia reflecte exactamente a i<strong>de</strong>ntificação entre<br />

funções e os respectivos integrais in<strong>de</strong>finidos, no sentido que certas medidas são (i.e., correspon<strong>de</strong>m<br />

a) funções “normais”, e outras são apenas “funções generalizadas”. O espaço<br />

M(B(R N )) é igualmente referido num dos célebres Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz,<br />

neste texto o teorema 5.5.11, que aliás i<strong>de</strong>ntifica os elementos <strong>de</strong> M(B(R N )) com um tipo<br />

especial <strong>de</strong> distribuições.


4.2. A Variação Total <strong>de</strong> uma <strong>Medida</strong> 233<br />

1. Recor<strong>de</strong> o exemplo 4.2.5. Verifique que existe uma medida π concentrada em<br />

S e tal que π({xn}) = cn se e só se cn ≥ 0, ou a série ∞<br />

n=1 cn é absolutamente<br />

convergente, e calcule a variação total <strong>de</strong> π.<br />

2. Conclua a <strong>de</strong>monstração do teorema 4.2.6. Sugestão: Para provar c),<br />

comece por mostrar que |µ| é σ-subaditiva.<br />

3. Seja µ uma medida <strong>de</strong>finida no espaço mensurável (X, M). Prove que<br />

a) |µ| = 0 se e só se µ = 0,<br />

b) Se λ é uma medida <strong>de</strong>finida em M, então µ⊥λ ⇔ |µ| ⊥ |µ|.<br />

4. Seja V = M(M, C) o espaço vectorial das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em<br />

(X, M), com as operações óbvias <strong>de</strong> soma e produto por escalares. Sendo<br />

µ, λ ∈ V, e α ∈ C, mostre que<br />

a) |µ + λ| ≤ |µ| + |λ|, e |αµ| = |α| |µ|.<br />

b) µ = |µ| (X) é uma norma em V, i.e., V é um espaço vectorial normado.<br />

c) Suponha que µ = α + iβ, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais. Mostre que<br />

max{α, β} ≤ µ ≤ α + β.<br />

Sendo µn = αn + iβn, on<strong>de</strong> αn e βn são medidas reais, conclua que<br />

µn − µ → 0 ⇐⇒ αn − α → 0 e βn − β → 0.<br />

d) Po<strong>de</strong>mos também adoptar no espaço( 8 ) V a norma da convergência uniforme,<br />

dada por µ∞ = sup{|µ(E)| : E ∈ M}. Mostre que neste caso<br />

estas normas são equivalentes, i.e., existem números reais positivos nãonulos<br />

a, b tais que<br />

aµ∞ ≤ µ ≤ bµ∞, para qualquer µ ∈ V.<br />

sugestão: Suponha que µ é real, e use a sua <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn.<br />

e) Mostre que po<strong>de</strong>mos ter µn(E) → µ(E) para qualquer E ∈ M sem<br />

que µn − µ → 0, ou seja, existem sucessões em V que convergem pontualmente,<br />

mas não convergem no sentido <strong>de</strong> qualquer das normas que<br />

referimos. sugestão: Recor<strong>de</strong> o exercício 6 da secção 3.5.<br />

5. Continuando o exercício anterior, mostre que V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

sugestão: Po<strong>de</strong> ser conveniente proce<strong>de</strong>r da seguinte forma:<br />

a) Mostre que se µn − µm → 0 então µn converge uniformemente para<br />

uma função limitada µ : M → C.<br />

b) Prove que µ é uma função aditiva, e use o facto <strong>de</strong> µn − µ∞ → 0 para<br />

concluir que µ é σ-aditiva, ou seja, é uma medida.<br />

c) Conclua que µn − µ → 0, e portanto V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

8 V é um subespaço do espaço das funções limitadas f : M → C.


234 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

6. Seja ainda V o espaço vectorial das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em (X, M),<br />

com as operações já referidas.<br />

a) Sendo λ ∈ V, mostre que U = {µ ∈ V : µ⊥λ} é um subespaço vectorial<br />

normado <strong>de</strong> V. U é um espaço <strong>de</strong> Banach?<br />

b) Verifique que o conjunto W formado pelas medidas discretas é igualmente<br />

um espaço vectorial normado <strong>de</strong> V. W é um espaço <strong>de</strong> Banach?<br />

4.3 <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas<br />

Sabemos que se a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue da função<br />

f, então:<br />

mN(E) = 0 =⇒ µ(E) = 0.<br />

Introduzimos a noção <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> absoluta para exprimir esta relação<br />

entre medidas. O exemplo que acabámos <strong>de</strong> mencionar é especialmente<br />

simples, porque mN é uma medida positiva, mas é fácil frasear a <strong>de</strong>finição<br />

correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> modo a ser aplicável a qualquer tipo <strong>de</strong> medidas.<br />

Definição 4.3.1 (Continuida<strong>de</strong> Absoluta). Se µ e λ são medidas em M,<br />

dizemos que µ é absolutamente contínua (em relação a λ) e escrevemos<br />

µ ≪ λ se e só se qualquer conjunto λ-nulo é igualmente µ-nulo. Quando λ<br />

é a medida <strong>de</strong> Lebesgue, é usual omitir a referência “em relação a λ”.<br />

Exemplos 4.3.2.<br />

1. Como dissemos acima, se a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido da função f em<br />

R N , então µ ≪ mN.<br />

2. A medida <strong>de</strong> Dirac não é absolutamente contínua. Por exemplo, o conjunto<br />

A = {0} é m-nulo, mas não é δ-nulo.<br />

3. Se µ é uma medida real em (X, M), temos µ ≪ |µ|, µ + ≪ |µ| e µ − ≪ |µ|.<br />

Em particular, |µ| = 0 se e só se µ = 0, ou seja,<br />

|µ|(X) = 0 ⇐⇒ µ(E) = 0 para qualquer E ∈ M.<br />

A continuida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> µ em relação a λ po<strong>de</strong> ser expressa <strong>de</strong> diversas<br />

formas equivalentes, e analisaremos algumas <strong>de</strong>las nos exercícios. Observamos<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que<br />

Teorema 4.3.3. Se µ e λ são medidas em M, então:<br />

µ ≪ λ ⇔ |µ| ≪ |λ| ⇔ Para qualquer E ∈ M, |λ|(E) = 0 ⇒ |µ|(E) = 0.<br />

O resultado seguinte generaliza o exercício 10 da secção 3.3 a qualquer<br />

medida complexa.


4.3. <strong>Medida</strong>s Absolutamente Contínuas 235<br />

Teorema 4.3.4. Se µ e λ são medidas em M e µ é <strong>de</strong> variação limitada,<br />

então µ ≪ λ se e só se<br />

(1) ∀ε>0 ∃δ>0 ∀E∈M |λ|(E) < δ =⇒ |µ(E)| < ε.<br />

Demonstração. Supomos primeiro que a condição (1) é falsa, i.e.,<br />

∃ε>0 ∀δ>0 ∃E∈M tal que |λ|(E) < δ e |µ(E)| ≥ ε.<br />

Passamos a provar que µ não é absolutamente contínua em relação a λ.<br />

Para isso, notamos que existem conjuntos En tais que<br />

|λ|(En) < 1<br />

2 n e |µ(En)| ≥ ε, don<strong>de</strong> |µ|(En) ≥ ε.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos os conjuntos<br />

Fn =<br />

∞<br />

Ek e F =<br />

k=n<br />

∞<br />

Fn on<strong>de</strong> Fn ց F.<br />

n=1<br />

Recordamos do lema <strong>de</strong> Borel-Cantelli que<br />

∞<br />

|λ|(En) < ∞ =⇒ |λ|(F) = 0, ou seja, F é λ-nulo.<br />

n=1<br />

Por outro lado, como Fn ց F e, por hipótese, |µ| é uma medida finita,<br />

temos que |µ|(Fn) → |µ|(F)|. É claro que En ⊆ Fn, e por isso<br />

|µ|(Fn) ≥ |µ|(En) ≥ |µ(En)| ≥ ε =⇒ |µ|(F)| ≥ ε > 0.<br />

É portanto evi<strong>de</strong>nte que F é λ-nulo mas não é µ-nulo, ou seja, µ não é absolutamente<br />

contínua em relação a λ. Deixamos a conclusão <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>monstração,<br />

que envolve verificar que (1) ⇒ µ ≪ λ, para o exercício 4.<br />

Exercícios.<br />

1. Sendo µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M, quais <strong>de</strong>stas afirmações são equivalentes<br />

a µ ≪ λ?<br />

a) Para qualquer E ∈ M, λ(E) = 0 ⇒ µ(E) = 0.<br />

b) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ µ(E) = 0.<br />

c) Para qualquer E ∈ M, |λ| (E) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0.<br />

d) Para qualquer P ∈ M, se λ está concentrada em P então µ está concentrada<br />

em P.<br />

2. Consi<strong>de</strong>re as medidas dadas em M = P(R) por µ1(E) = δ(E), µ2(E) =<br />

#(E ∩ Z) e µ3(E) = #(E ∩ Q). Mostre que µ1 ≪ µ2 ≪ µ3.


236 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

3. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M. Dizemos que (µa, µs) é a <strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> µ em or<strong>de</strong>m a λ se e só se µa e µs são medidas <strong>de</strong>finidas em<br />

M tais que<br />

µ = µa + µs, com µa ≪ λ e µs⊥λ.<br />

Prove que esta <strong>de</strong>composição, a existir, é única( 9 ). Conclua em particular que<br />

µ ≪ λ e µ⊥λ =⇒ µ = 0.<br />

4. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong>finidas em M, on<strong>de</strong> µ é <strong>de</strong> variação limitada.<br />

a) Prove que se µ e λ satisfazem a condição (1) referida no teorema 4.3.4<br />

então µ ≪ λ, o que conclui a <strong>de</strong>monstração do referido teorema.<br />

b) Prove que se µ é absolutamente contínua em relação a λ e |λ|(En) → 0<br />

então µ(En) → 0.<br />

c) Verifique que a afirmação b) é falsa se µ não é <strong>de</strong> variação limitada.<br />

5. Sendo µ o integral in<strong>de</strong>finido da função somável (ou não-negativa) f : R N →<br />

R, mostre que mN ≪ µ se e só se f(x) = 0 qtp.<br />

6. Seja V o espaço vectorial normado das medidas complexas <strong>de</strong>finidas em<br />

(X, M) referido no exercício 4 da secção anterior. Dado λ ∈ V, mostre que<br />

U = {µ ∈ V : µ ≪ λ} é um subespaço <strong>de</strong> Banach <strong>de</strong> V.<br />

4.4 <strong>Medida</strong>s Regulares<br />

Passamos a dizer que µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes se e só se µ<br />

está <strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(R N ). Recor<strong>de</strong>-se que se M = B(R N )<br />

dizemos também que µ é uma medida <strong>de</strong> Borel( 10 ). A noção <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong><br />

(exterior) foi <strong>de</strong>finida em 2.3.13 para medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes<br />

positivas, on<strong>de</strong> indicámos exemplos <strong>de</strong>stas medidas, regulares ou não.<br />

Exemplos 4.4.1.<br />

1. Se f ≥ 0 é localmente somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido é uma medida<br />

<strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes σ-finita e regular.<br />

2. Se f(x) = x −2 em R, e µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, então µ é σ-finita, mas<br />

não é regular em B(R), porque<br />

µ({0}) = 0 = inf{µ(U) : 0 ∈ U ⊆ R, U aberto } = ∞.<br />

3. Conforme já observámos, o cardinal em R N é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes que não é regular nos conjuntos finitos não-vazios.<br />

9<br />

A existência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>composições será estabelecida, mais adiante, no Teorema<br />

<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue.<br />

10<br />

É também comum dizer que a restrição da medida <strong>de</strong> Lebesgue à σ-álgebra <strong>de</strong> Borel<br />

é A medida <strong>de</strong> Borel.


4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 237<br />

Para estudar a possível regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma medida <strong>de</strong> Borel µ ≥ 0, é<br />

conveniente introduzir a função µ ∗ : P(R N ) → [0, ∞] dada por<br />

µ ∗ (E) = inf {µ(U) : E ⊆ U,U aberto } ,<br />

que é uma medida exterior, como vimos no exemplo 2.5.5.5.<br />

É claro que µ<br />

é regular em N ⊆ M se e só se µ(E) = µ ∗ (E) para qualquer E ∈ N, mas<br />

exibimos já múltiplos exemplos em que µ = µ ∗ . Deixamos para o exercício<br />

1 a <strong>de</strong>monstração das seguintes relações entre µ e µ ∗ :<br />

Lema 4.4.2. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva <strong>de</strong>finida na<br />

σ-álgebra M então<br />

a) µ(E) ≤ µ ∗ (E) para qualquer E ∈ M.<br />

b) µ(U) = µ ∗ (U), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />

A teoria <strong>de</strong>senvolvida no Capítulo II mostra que µ ∗ <strong>de</strong>termina a σ-álgebra<br />

dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, que <strong>de</strong>signaremos Lµ(R N ), e sabemos que<br />

E ⊆ R N é µ ∗ -mensurável se e só se<br />

µ ∗ (F) = µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E), para qualquer F ⊆ R N .<br />

A restrição <strong>de</strong> µ ∗ a Lµ(R N ) é, como sabemos, uma medida, que neste caso<br />

é evi<strong>de</strong>ntemente regular, e que <strong>de</strong>signaremos por µr. Temos naturalmente<br />

que, em geral, M = Lµ(R N ) e µ = µr.<br />

Muitos dos argumentos que utilizámos no Capítulo II no estudo da medida<br />

<strong>de</strong> Lebesgue são facilmente adaptados a este contexto mais abstracto.<br />

Por exemplo, na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) na proposição seguinte basicamente<br />

repetimos i<strong>de</strong>ias utilizadas na proposição 2.2.10.<br />

Lema 4.4.3. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva então:<br />

a) E ∈ Lµ(R N ) se e só se<br />

(1) µ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />

b) B(R N ) ⊆ Lµ(R N ), ou seja, µr é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes.<br />

Demonstração. a) Qualquer conjunto µ ∗ -mensurável satisfaz a condição (1),<br />

tendo em conta a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lµ(R N ) e 4.4.2 b). Suponha-se portanto que<br />

E satisfaz a condição referida e F ⊆ R N . Dado qualquer aberto U tal que<br />

F ⊆ U ⊆ R N , é claro que:<br />

µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E) ≤ µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E) = µ(U).<br />

Segue-se que µ ∗ (F ∩ E) + µ ∗ (F \E) ≤ µ ∗ (F) e portanto E é µ ∗ -mensurável.


238 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

b) Para provar que B(R N ) ⊆ Lµ(R N ), é suficiente estabelecer que qualquer<br />

aberto V ⊆ R N é µ ∗ -mensurável. De acordo com a) e com 4.4.2 b),<br />

basta-nos verificar que, se U e V são abertos, don<strong>de</strong> U ∩V é também aberto,<br />

temos:<br />

(2) µ(U) ≥ µ ∗ (U ∩ V ) + µ ∗ (U\V ) = µ(U ∩ V ) + µ ∗ (U\V ).<br />

Recordamos <strong>de</strong> 1.6.18 que existem conjuntos compactos Kn ր V , e observamos<br />

que<br />

U\Kn é aberto e U\Kn ⊇ U\V =⇒ µ(U\Kn) ≥ µ ∗ (U\V )<br />

Como µ é uma medida, temos<br />

µ(U) = µ(U ∩ Kn) + µ(U\Kn) ≥ µ(U ∩ Kn) + µ ∗ (U\V ).<br />

É claro que µ(U ∩ Kn) ր µ(U ∩ V ), don<strong>de</strong> obtemos (2).<br />

Exactamente como concluímos no Capítulo II que a medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

é a maior solução regular do Problema <strong>de</strong> Borel, po<strong>de</strong>mos estabelecer que<br />

Corolário 4.4.4. Se µ está <strong>de</strong>finida e é regular na σ-álgebra A então A ⊆<br />

Lµ(R N ) e µ é uma restrição <strong>de</strong> µr.<br />

Demonstração. Se E ∈ A e U é aberto, e dado que µ = µ ∗ em A, temos<br />

µ(U) = µ(U ∩ E) + µ(U\E), i.e., µ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U\E),<br />

ou seja, E ∈ Lµ(R N ).<br />

O próximo lema i<strong>de</strong>ntifica conjuntos E ∈ M∩L(R N ) para os quais temos<br />

µ(E) = µr(E) = µ ∗ (E), ou seja, conjuntos on<strong>de</strong> a medida µ é necessariamente<br />

regular.<br />

Lema 4.4.5. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva. Se µ ∗ (E) <<br />

+∞ e E ∈ M ∩ Lµ(R N ) então µ(E) = µr(E) = µ ∗ (E).<br />

Demonstração. Existem conjuntos abertos Un ⊆ R N tais que<br />

E ⊆ Un e µ(Un) = µr(Un) → µ ∗ (E) = µr(E).<br />

Po<strong>de</strong>mos supor sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />

µ(Un) = µr(Un) < +∞ e Un ց B =<br />

∞<br />

Un, on<strong>de</strong> é óbvio que B ⊇ E.<br />

Aplicamos o teorema da convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue às medidas µ<br />

e µr para concluir que<br />

n=1


4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 239<br />

• Como Un ց B, temos µ(Un) → µ(B) e µr(Un) → µr(B). Como<br />

µ(Un) → µr(E) e µ(Un) = µr(Un), segue-se que<br />

µr(E) = µ(B) = µr(B) < +∞ e µr(B\E) = 0 = µ ∗ (B\E).<br />

• Como 0 ≤ µ(B\E) ≤ µ ∗ (B\E) = 0, é claro que µ(B\E) = 0 e portanto<br />

µ(E) = µ(B) = µr(E).<br />

É evi<strong>de</strong>nte do lema anterior que se µ é uma medida <strong>de</strong> Borel positiva<br />

finita, por exemplo se µ é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, então µ é regular.<br />

Veremos imediatamente a seguir que o mesmo resultado é válido se µ é finita<br />

em conjuntos compactos( 11 ), caso em que µ se diz localmente finita.<br />

Exemplos 4.4.6.<br />

1. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é localmente finita.<br />

2. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função localmente somável e não negativa é<br />

uma medida positiva localmente finita.<br />

3. O pente <strong>de</strong> Dirac em R dado por π(E) = #(E ∩ Z) é uma medida positiva<br />

localmente finita.<br />

4. O integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f(x) = x −2 é uma medida σ-finita que não é localmente<br />

finita e não é regular em B(R).<br />

Teorema 4.4.7. Qualquer medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, localmente<br />

finita e <strong>de</strong>finida em M é regular em M ∩ Lµ(R N ) ⊇ B(R N ). Em particular,<br />

qualquer medida <strong>de</strong> Borel positiva e localmente finita é regular.<br />

Demonstração. Seja E ∈ M ∩ Lµ(RN ) e Bn a bola aberta <strong>de</strong> raio n e centro<br />

na origem. É claro que<br />

E ∩ Bn ∈ M ∩ Lµ(R N ) e µ ∗ (E ∩ Bn) ≤ µ(Bn+1) ≤ µ(Bn+1) < +∞.<br />

Segue-se do lema 4.4.5 que µ(E ∩ Bn) = µr(E ∩ Bn). Como E ∩ Bn ր<br />

E, concluímos que µ(E) = µr(E) quando E ∈ M ∩ Lµ(R N ). Por outras<br />

palavras, µ é regular em M ∩ Lµ(R N ) ⊇ B(R N ).<br />

A questão da aproximação <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis por conjuntos abertos<br />

é, como sabemos, muito relevante no estudo da medida <strong>de</strong> Lebesgue, e<br />

é natural procurar resultados análogos para outras medidas <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes. A próxima proposição <strong>de</strong>ve ser comparada com o teorema 2.2.16.<br />

11 No contexto <strong>de</strong> R N , os conjuntos compactos po<strong>de</strong>m ser substituídos nesta <strong>de</strong>finição<br />

por conjuntos elementares, ou limitados. A referência a compactos reflecte a adaptação<br />

da <strong>de</strong>finição a outros espaços topológicos.


240 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Proposição 4.4.8. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σfinita<br />

e regular em M, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) E ∈ Lµ(R N ),<br />

b) Para qualquer ε > 0 existe um aberto U ⊇ E tal que µ ∗ (U\E) < ε,<br />

c) E = B\N, on<strong>de</strong> B é <strong>de</strong> tipo Gδ e µ ∗ (N) = 0.<br />

Demonstração. Como µ é σ-finita, existem conjuntos Xn ∈ M tais que<br />

Xn ր R N e µ(Xn) < +∞. Como µ é regular, existem abertos Vn ⊇ Xn tais<br />

que µ(Vn) < +∞ e Vn ր R N .<br />

a) ⇒ b): Dado ε > 0, existem abertos Un ⊇ E ∩ Vn tais que<br />

µ(Un) < µ ∗ (E ∩ Vn) + ε<br />

2 n, já que µ∗ (E ∩ Vn) ≤ µ(Vn) < +∞.<br />

Como µ(Un) = µ ∗ (Un) e Un,E ∩ Vn ∈ Lµ(R N ), concluímos que<br />

µ ∗ (Un\(E ∩ Vn)) = µ(Un) − µ ∗ (E ∩ Vn) < ε<br />

.<br />

2n Se U = ∞<br />

n=1 Un então E ⊆ U, U é aberto e<br />

µ ∗ (U\E) ≤<br />

∞<br />

µ ∗ (Un\E ∩ Vn) < ε<br />

n=1<br />

b) ⇒ c): Existem abertos Un tais que E ⊆ Un e µ ∗ (Un\E) < 1<br />

n<br />

B = ∞<br />

n=1 Un e notamos que<br />

E ⊆ B, B é <strong>de</strong> tipo Gδ e µ ∗ (B\E) = 0.<br />

. Tomamos<br />

c) ⇒ a): Se E = B\N on<strong>de</strong> B ∈ B(R N ) ⊆ Lµ(R N ) e µ ∗ (N) = 0, então<br />

N,E ∈ Lµ(R N ).<br />

Po<strong>de</strong>mos adaptar o teorema 2.3.18 a este contexto mais geral:<br />

Corolário 4.4.9. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Borel positiva, σ-finita e regular<br />

(e.g., se µ é localmente finita) então µr é a maior extensão regular <strong>de</strong> µ, a<br />

menor extensão completa <strong>de</strong> µ, e a única extensão completa e regular <strong>de</strong><br />

µ.<br />

Demonstração. Vimos em 4.4.3 c) que µr é a maior extensão regular <strong>de</strong> µ.<br />

Por outro lado, é fácil concluir <strong>de</strong> 4.4.8 c) que qualquer extensão completa<br />

<strong>de</strong> µ está <strong>de</strong>finida pelo menos em Lµ(R N ), e coinci<strong>de</strong> com µ nessa classe <strong>de</strong><br />

conjuntos.


4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 241<br />

É por vezes útil aplicar estas i<strong>de</strong>ias na seguinte forma:<br />

Corolário 4.4.10. Sejam µ e λ medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positivas e<br />

localmente finitas, <strong>de</strong>finidas respectivamente em M e N. Se µ e λ coinci<strong>de</strong>m<br />

nos conjuntos abertos, então coinci<strong>de</strong>m igualmente em qualquer conjunto<br />

E ∈ M ∩ N ∩ Lµ(R N ).<br />

Exemplo 4.4.11.<br />

Sejam f e g funções não-negativas, e localmente somáveis em R. Suponhase<br />

que b<br />

a fdm = b<br />

gdm, para quaisquer a, b ∈ R. Designando por φ e γ<br />

a<br />

respectivamente os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> f e <strong>de</strong> g na σ-álgebra L(R), é claro<br />

que φ(U) = γ(U), para qualquer aberto U, e tanto φ como γ são localmente<br />

finitas. De acordo com o resultado anterior, φ e γ coinci<strong>de</strong>m na σ-álgebra<br />

L(R), i.e., <br />

E fdm = E gdm, para qualquer E ∈ L(R). Temos por isso que<br />

f ≃ g.<br />

O próximo resultado é uma generalização <strong>de</strong> 2.3.9 e 2.3.10.<br />

Teorema 4.4.12. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita<br />

e regular em M então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) E ∈ Lµ(R N ).<br />

b) Para qualquer ε > 0 existem F (fechado), e U (aberto), tais que F ⊆<br />

E ⊆ U, e µ(U\F) < ε.( 12 )<br />

c) Existem A,B ∈ B(R N ) tais que A ⊆ E ⊆ B e µ(B\A) = 0.<br />

Demonstração.<br />

É uma adaptação directa das i<strong>de</strong>ias em 2.3.9 e 2.3.10:<br />

a) ⇒ b): De acordo com a proposição 4.4.8, existem abertos U ⊇ E e<br />

V ⊇ E c tais que<br />

µ ∗ (U\E) < ε<br />

2 e µ∗ (V \E c ) < ε<br />

2 .<br />

Tomamos F = V c , e notamos que F ⊆ E ⊆ U e µ(U\F) < ε.<br />

b) ⇒ c): Existem conjuntos fechados Fn e abertos Un tais que<br />

Fn ⊆ E ⊆ Un e µ(Un\Fn) < 1<br />

n .<br />

Tomamos A = ∞<br />

n=1 Fn e B = ∞<br />

n=1 Un, don<strong>de</strong><br />

A,B ∈ B(R N ),A ⊆ E ⊆ B, e µ(B\A) = 0.<br />

12 A regularida<strong>de</strong> interior <strong>de</strong> µ é a condição µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto }.<br />

Como R N é σ-compacto, este resultado mostra que em R N a regularida<strong>de</strong> exterior implica<br />

a regularida<strong>de</strong> interior para medidas σ-finitas.


242 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

c) ⇒ a): Temos E = B\N, on<strong>de</strong> N ⊆ B\A, e recordamos a proposição<br />

4.4.8.<br />

Tal como no caso da medida <strong>de</strong> Lebesgue, po<strong>de</strong>mos complementar este<br />

teorema 4.4.12 com as seguintes observações:<br />

Teorema 4.4.13. Se µ é uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes positiva, σ-finita<br />

e regular, e µ ∗ (E) < +∞, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) E ∈ Lµ(R N ).<br />

b) Para qualquer ε > 0, existem K (compacto) e U (aberto) tais que<br />

K ⊆ E ⊆ U e µ(U\K) < ε.<br />

c) Para qualquer ε > 0, existe J ∈ E(R N ) tal que µ ∗ (E∆J) < ε.<br />

É útil adaptar as i<strong>de</strong>ias expostas nesta secção a medidas <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes reais ou complexas. A regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas medidas po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida<br />

como se segue:<br />

Definição 4.4.14. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes, <strong>de</strong>finida pelo<br />

menos em A. Dizemos que µ é regular em A se e só se |µ| é regular em<br />

A, no sentido da <strong>de</strong>finição 2.3.13.<br />

Como as medidas complexas são limitadas, é muito fácil verificar as<br />

seguintes observações, que <strong>de</strong>ixamos como exercício:<br />

Lema 4.4.15. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes complexa, <strong>de</strong>finida<br />

pelo menos em A. Então µ é regular em A se e só se, para qualquer E ∈ A,<br />

existem conjuntos abertos Un ⊇ E tais que |µ|(Un\E) → 0. Em particular,<br />

a) Se µ é real, então µ é regular se e só se µ + e µ − são regulares, e<br />

b) Se µ = α + iβ é complexa, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais, então µ é<br />

regular se e só se α e β são regulares.<br />

De acordo com 4.4.9, quando µ é uma medida <strong>de</strong> Borel complexa então |µ|<br />

tem uma única extensão regular e completa, que está <strong>de</strong>finida na σ-álgebra<br />

L |µ|(R N ). Para simplificar a notação, escrevemos:<br />

Lµ(R N ) = L |µ|(R N ) =<br />

<br />

E ⊆ R N <br />

: ∃A,B∈B(RN ) A ⊆ E ⊆ B, |µ|(B\A) = 0 .<br />

O próximo lema relaciona as extensões regulares <strong>de</strong> uma medida real µ<br />

com as extensões regulares da sua variação total |µ|.


4.4. <strong>Medida</strong>s Regulares 243<br />

Lema 4.4.16. Seja µ uma medida <strong>de</strong> Borel real e ρ uma extensão regular<br />

<strong>de</strong> µ. Então |ρ|, ρ + e ρ − são extensões regulares, respectivamente, <strong>de</strong> |µ|,<br />

µ + e µ − .<br />

Demonstração. Designamos por A o domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ρ, e por λ a<br />

restrição <strong>de</strong> |ρ| a B(RN ). É claro que |ρ| é uma extensão finita e regular <strong>de</strong><br />

λ, e segue-se <strong>de</strong> 4.4.10 que A ⊆ Lλ(RN ), on<strong>de</strong><br />

Lλ(R N <br />

) = E ⊆ R N <br />

: ∃A,B∈B(RN )A ⊆ E ⊆ B,λ(B\A) = 0 .<br />

A medida ρ tem uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn na σ-álgebra A ⊆ Lλ(R N ).<br />

Por outras palavras, as medidas ρ + e ρ − estão concentradas em conjuntos<br />

disjuntos P,N ∈ Lλ(R N ). Existem, por isso, conjuntos A + , B + , A − , B − ∈<br />

B(R N ) tais que<br />

A + ⊆ P ⊆ B + ,A − ⊆ N ⊆ B − , e λ(B + \A + ) = λ(B − \A − ) = 0.<br />

Sendo (ρ + ,ρ − ) a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> ρ, concluímos que ρ + e ρ −<br />

estão concentradas, respectivamente, em A + e A − , que são disjuntos e Borelmensuráveis.<br />

Como µ = ρ = ρ + − ρ − em B(R N ), as restrições <strong>de</strong> ρ + e ρ −<br />

a B(R N ) formam a única <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ em B(R N ), i.e.,<br />

coinci<strong>de</strong>m com µ + e µ − em B(R N ). Portanto ρ + , ρ − e |ρ| são extensões <strong>de</strong><br />

µ + , µ − e |µ|. A regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ρ + e ρ − resulta do lema 4.4.15.<br />

O próximo teorema adapta para medidas complexas em B(R N ) i<strong>de</strong>ias<br />

já referidas para medidas positivas. Mais uma vez, estas medidas são unicamente<br />

<strong>de</strong>terminadas em B(R N ) pelos seus valores nos conjuntos abertos,<br />

mas notem-se a este respeito as observações feitas no exercício 4.<br />

Teorema 4.4.17. Se µ é uma medida complexa <strong>de</strong> Borel então:<br />

a) µ é regular em B(R N ).<br />

b) µ tem uma única extensão completa e regular µr, <strong>de</strong>finida em Lµ(R N ).<br />

As extensões não regulares <strong>de</strong> medidas complexas po<strong>de</strong>m ter proprieda<strong>de</strong>s<br />

surpreen<strong>de</strong>ntes, e indicamos um exemplo interessante no exercício 11. Esse<br />

exercício mostra em particular que λ po<strong>de</strong> ser extensão <strong>de</strong> uma medida<br />

complexa µ sem que |λ| seja extensão <strong>de</strong> |µ|.<br />

Como já referimos, a noção <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> é aplicável a medidas <strong>de</strong>finidas<br />

em qualquer espaço topológico. Os teoremas <strong>de</strong>monstrados nesta secção<br />

foram-no sempre no contexto <strong>de</strong> R N , mas não é difícil generalizá-los. Na<br />

verda<strong>de</strong>, só invocámos proprieda<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> R N nas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong><br />

• 4.4.3, quando referimos que os abertos (em particular R N ) são σcompactos<br />

(Teorema <strong>de</strong> Cantor 1.6.18), e


244 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

• 4.4.7, porque utilizámos a compacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bn.<br />

É na verda<strong>de</strong> fácil mostrar que os teoremas <strong>de</strong>sta secção são aplicáveis pelo<br />

menos em qualquer espaço topológico localmente compacto on<strong>de</strong> os abertos<br />

sejam σ-compactos.<br />

Recor<strong>de</strong> ainda que a noção <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes foi referida a propósito do teorema 4.1.7. O exercício 9 adapta esta<br />

noção a medidas regulares <strong>de</strong>finidas em espaços topológicos mais gerais.<br />

Exercícios.<br />

1. Seja µ ≥ 0 uma medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R N , e µ ∗ : P(R N ) → [0, ∞]<br />

dada por µ ∗ (E) = inf {µ(U) : E ⊆ U, U aberto }. Prove as afirmações a), b) e<br />

c) da proposição 4.4.2.<br />

2. Suponha que µ é regular, mas não é σ-finita, e mostre que µr não é necessariamente<br />

a menor extensão completa <strong>de</strong> µ.<br />

3. Mostre que existem medidas σ-finitas distintas em B(R), que coinci<strong>de</strong>m nos<br />

conjuntos abertos.<br />

4. Suponha que µ e λ são medidas <strong>de</strong> Borel, e consi<strong>de</strong>re as afirmações:<br />

a) µ(U) = λ(U), para qualquer aberto U.<br />

b) µ(U) = λ(U), para qualquer rectângulo compacto U.<br />

c) µ(U) = λ(U), para qualquer rectângulo aberto limitado U.<br />

Mostre que se µ e λ são medidas complexas então todas as afirmações acima<br />

são equivalentes. E se µ e λ são medidas positivas? A resposta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> µ<br />

e λ serem σ-finitas?<br />

5. Demonstre o corolário 4.4.10.<br />

6. Seja f ≥ 0 uma função Riemann-integrável em qualquer rectângulo limitado<br />

<strong>de</strong> R N , e λ : J (R N ) → R o seu integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Riemann. Mostre que o<br />

integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> Lebesgue em Lf é a única extensão regular e completa<br />

<strong>de</strong> λ.<br />

7. Demonstre o teorema 4.4.13.<br />

8. Demonstre o lema 4.4.15.<br />

9. Suponha que µ é uma medida positiva num qualquer espaço topológico X,<br />

<strong>de</strong>finida numa σ-álgebra M ⊇ B(X). Seja U a união <strong>de</strong> todos os abertos<br />

µ-nulos, e F = U c . Mostre que se µ é regular, no sentido em que<br />

µ(E) = sup{µ(K) : K ⊆ E, K compacto } para qualquer E ∈ B(X),<br />

então F é o menor conjunto fechado on<strong>de</strong> µ está concentrada. É este conjunto<br />

que se diz neste caso o suporte <strong>de</strong> µ.


4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 245<br />

10. Recor<strong>de</strong> o teorema 2.3.17, sobre a menor extensão completa <strong>de</strong> um dado<br />

espaço <strong>de</strong> medida. Mostre que quando µ é uma medida <strong>de</strong> Borel regular e<br />

σ-finita temos, usando a notação <strong>de</strong> 2.3.17,<br />

Bµ(R N ) = Lµ(R N ) e µ = µr.<br />

11. Recor<strong>de</strong> o teorema 2.4.18 e o exercício 5 da mesma secção. Na notação do<br />

exercício referido, consi<strong>de</strong>re a medida real µ(U) = ρ(U ∩A)−ρ(U ∩B). Mostre<br />

que µ é uma extensão não regular da medida <strong>de</strong> Borel nula. Porque razão este<br />

exemplo não contradiz o teorema 4.4.17?<br />

4.5 <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R<br />

As medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finitas são fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />

em termos das respectivas funções <strong>de</strong> distribuição. No caso mais simples,<br />

que é o <strong>de</strong> uma medida µ finita em R, consi<strong>de</strong>ramos a função dada por<br />

f(x) = µ(] − ∞,x]), e observamos que<br />

(4.5.1) µ(]a,b]) = f(b) − f(a), para quaisquer a ≤ b ∈ R.<br />

Dizemos que f é função <strong>de</strong> distribuição da medida µ se e só se satisfaz<br />

4.5.1, e é fácil verificar que<br />

• Se µ é localmente finita em R, existe uma função f : R → R que<br />

satisfaz 4.5.1.<br />

• As funções <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> µ são da forma g(x) = f(x) + C, on<strong>de</strong><br />

C ∈ R é arbitrário.<br />

• A função f <strong>de</strong>termina a medida µ unicamente em B(R). Dizemos que<br />

µ é a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes <strong>de</strong>terminada por f, ou a <strong>de</strong>rivada<br />

generalizada <strong>de</strong> f( 13 ).<br />

A expressão “<strong>de</strong>rivada generalizada”, análoga à <strong>de</strong> “função generalizada”,<br />

tem origem na Teoria das Distribuições. Repare-se que se a função f é<br />

diferenciável qtp e satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow, então<br />

b<br />

µ(]a,b]) = f(b) − f(a) = f ′ dm, para quaisquer a ≤ b ∈ R.<br />

a<br />

Neste caso, é claro que a medida µ é o integral in<strong>de</strong>finido da <strong>de</strong>rivada usual<br />

<strong>de</strong> f( 14 ). Mais uma vez i<strong>de</strong>ntificando a função f ′ com o respectivo integral<br />

in<strong>de</strong>finido, po<strong>de</strong>mos dizer que a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> f no sentido usual coinci<strong>de</strong><br />

13 Diz-se também “<strong>de</strong>rivada no sentido das distribuições”.<br />

14 Como µ e o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ coinci<strong>de</strong>m nos intervalos, coinci<strong>de</strong>m igualmente<br />

em B(R N ), e em qualquer σ-álgebra on<strong>de</strong> ambas sejam regulares.


246 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

com a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f se e só se a função f satisfaz a regra <strong>de</strong><br />

Barrow. Dito doutra forma, o objectivo do 2o Teorema Fundamental do<br />

Cálculo po<strong>de</strong> resumir-se como se segue:<br />

<br />

Esclarecer as condições em que µ(E) = f ′ dm.<br />

Exemplos 4.5.1.<br />

1. A função f(x) = x é função <strong>de</strong> distribuição da medida <strong>de</strong> Lebesgue em R,<br />

i.e., a medida m é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f. Note-se que m é o integral<br />

in<strong>de</strong>finido da <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong> f, e é absolutamente contínua.<br />

2. Se µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g(x) = ex2, que é localmente somável em R,<br />

po<strong>de</strong>mos tomar para f, por exemplo, a função dada por<br />

x<br />

b<br />

f(x) = gdm, don<strong>de</strong> f(b) − f(a) = gdm.<br />

0<br />

µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g, que é a <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong> f, e é mais uma vez<br />

absolutamente contínua.<br />

3. A função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> é função <strong>de</strong> distribuição da medida <strong>de</strong> Dirac δ, i.e., δ é<br />

a <strong>de</strong>rivada generalizada da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>. A medida <strong>de</strong> Dirac não é um<br />

integral in<strong>de</strong>finido, porque a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> não é contínua. A <strong>de</strong>rivada<br />

usual da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong> é nula qtp, e δ é uma medida singular.<br />

Como dissemos, é fácil mostrar que se µ é uma medida localmente finita<br />

em R então existem funções f que satisfazem a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> 4.5.1. No entanto,<br />

se encararmos esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como um problema em que f é um dado e µ<br />

é a incógnita, já não é tão simples caracterizar as funções f para as quais o<br />

problema tem solução. Enunciamos este problema, para posterior referência,<br />

como o<br />

4.5.2 (Problema <strong>de</strong> Stieltjes). Dada uma função f : R → R, <strong>de</strong>terminar uma<br />

σ-álgebra Sf contendo os intervalos do tipo ]a,b] e uma medida µ <strong>de</strong>finida<br />

em Sf tal que µ e f satisfazem 4.5.1.<br />

A resolução do problema <strong>de</strong> Stieltjes po<strong>de</strong> ser muito útil, em particular<br />

no contexto da Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. Recor<strong>de</strong>-se que se X é uma<br />

variável aleatória real, então a sua função distribuição <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> é<br />

a função f : R → R, tal que f(x) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />

{X ∈ R : X ≤ x}. A figura 4.5.1 exibe o exemplo clássico do dado i<strong>de</strong>al,<br />

on<strong>de</strong> a função f é uma função em escada. A probabilida<strong>de</strong> do acontecimento<br />

{X ∈ R : a < X ≤ b} é dada por f(b) − f(a), mas a teoria <strong>de</strong>ve esclarecer:<br />

• Quais são os subconjuntos <strong>de</strong> R aos quais po<strong>de</strong>mos associar uma probabilida<strong>de</strong>,<br />

i.e., quais são os acontecimentos, e<br />

a<br />

E


4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 247<br />

1<br />

1 2 3 4 5 6<br />

Figura 4.5.1: Distribuição <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> do dado i<strong>de</strong>al.<br />

• Como calcular a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento A, quando A não é<br />

um intervalo do tipo ]a,b].<br />

Qualquer medida µ que coincida com a probabilida<strong>de</strong> nos intervalos<br />

]a,b] é solução <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> Stieltjes, e po<strong>de</strong> ser usada para resolver<br />

questões da Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s com técnicas e resultados da Teoria<br />

da <strong>Medida</strong>.<br />

m(f(E))<br />

m(E)<br />

y = f(x)<br />

Figura 4.5.2: µ(E) = m(f(E)), quando f é contínua e crescente.<br />

Começamos por mostrar que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem sempre solução<br />

quando f é crescente e contínua, revisitando e expandindo i<strong>de</strong>ias que introduzimos<br />

a propósito do exemplo 2.4.13 (ver figura 4.5.2). Este resultado<br />

é interessante, em especial porque revela, como veremos, a existência algo<br />

inesperada <strong>de</strong> medidas que não são integrais in<strong>de</strong>finidos, e também não são<br />

“pentes <strong>de</strong> Dirac”. Dada uma qualquer função f : R → R, consi<strong>de</strong>ramos a


248 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

classe dos conjuntos cuja imagem é mensurável, i.e.,<br />

Sf = {E ⊆ R : f(E) ∈ L(R)} .<br />

Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir µf : Sf → [0, ∞] por µf(E) = m(f(E)), e notamos que se<br />

f é contínua e crescente e E =]a,b] é um intervalo <strong>de</strong> extremos a ≤ b então<br />

• f(E) é um intervalo <strong>de</strong> extremos f(a) e f(b), pelo que E ∈ Sf, e<br />

• µf(E) = m(f(E)) = f(b) − f(a).<br />

Por outras palavras, a função µf satisfaz a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> 4.5.1, e é solução do<br />

problema <strong>de</strong> Stieltjes para a função f se e só se (R, Sf,µf) é um espaço <strong>de</strong><br />

medida, o que passamos a verificar no próximo teorema.<br />

Teorema 4.5.3. Se f : R → R é contínua e crescente então:<br />

a) Sf é uma σ-álgebra e B(R) ⊆ Sf.<br />

b) µf é uma medida positiva.<br />

c) m ∗ (f(E)) = inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } para qualquer E ⊆ R.<br />

d) (R, Sf,µf) é a única solução completa e regular do problema 4.5.2.<br />

Demonstração. a) é uma consequência directa do lema 2.4.11. Para provar<br />

b), notamos como óbvio que µf(∅) = 0 e µf é monótona. A função µf é<br />

também σ-subaditiva, porque<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

µfF = m(f ) = m f(En) ≤<br />

n=1<br />

En<br />

≤<br />

n=1<br />

En<br />

∞<br />

m(f(En)) =<br />

n=1<br />

Recordamos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 2.4.11 que<br />

n=1<br />

∞<br />

µf(En)<br />

• Se f é crescente, então o conjunto N, formado pelos y ∈ R para os quais<br />

a equação f(x) = y tem múltiplas soluções, é numerável e portanto<br />

nulo.<br />

Se A e B são disjuntos, então F(A) ∩F(B) está contido em N, e é portanto<br />

nulo. Supondo que A,B ∈ Sf, temos então<br />

n=1<br />

µf(A ∪ B) = m(f(A ∪ B)) = m(f(A) ∪ f(B)) =<br />

= m(f(A)) + m(f(B)) − m(f(A) ∩ f(B)) = µf(A) + µf(B).<br />

Dito doutra forma, µf é aditiva, além <strong>de</strong> monótona e σ-subaditiva, e é por<br />

isso σ-aditiva (a) do exercício 3).


4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 249<br />

Para verificar c), seja E ⊆ R e consi<strong>de</strong>rem-se conjuntos abertos Vn tais<br />

que<br />

Vn ⊇ F(E) e m(Vn) → m ∗ (f(E)).<br />

Os conjuntos Un = f −1 (Vn) ⊇ E são abertos (porquê?) e f(E) ⊆ f(Un) ⊆<br />

Vn. Concluímos que<br />

m ∗ (f(E)) ≤ m(f(Un)) = µf(Un) ≤ m(Vn) → m ∗ (f(E)),<br />

don<strong>de</strong> µf(Un) → m ∗ (f(E)).<br />

É claro em qualquer caso que<br />

m ∗ (f(E)) ≤ inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } ,<br />

pelo que a igualda<strong>de</strong> em c) está estabelecida. Finalmente, se E ∈ Sf é<br />

também imediato que<br />

µf(E) = m(f(E)) = m ∗ (f(E)) = inf {µf(U) : E ⊆ U,U aberto } .<br />

A verificação <strong>de</strong> d) é a b) do exercício 3.<br />

Exemplo 4.5.4.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se a função<br />

⎧<br />

1<br />

1<br />

⎨ π arcsen(x) + 2 , para − 1 ≤ x ≤ +1,<br />

f(x) = 0, para x < −1, e<br />

⎩<br />

1, para x > 1.<br />

f é uma função contínua e crescente, e a respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes µf é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, sabendo que um<br />

“oscilador harmónico linear” qualquer( 15 ), por exemplo, um pêndulo simples,<br />

se <strong>de</strong>sloca em unida<strong>de</strong>s normalizadas <strong>de</strong> acordo com x = sen(t), po<strong>de</strong>mos<br />

concluir que µf(E) é a probabilida<strong>de</strong> do acontecimento “x ∈ E”, quando o<br />

oscilador é observado num instante <strong>de</strong> tempo t escolhido ao acaso.<br />

A “escada do Diabo” é uma função contínua e crescente na recta real, à<br />

qual po<strong>de</strong>mos naturalmente aplicar o teorema 4.5.3.<br />

Exemplo 4.5.5.<br />

a medida <strong>de</strong> cantor, <strong>de</strong>signada aqui ξ, é a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes<br />

<strong>de</strong>terminada pela “escada do Diabo”, e é uma medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>.<br />

A seguinte proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ξ é particularmente relevante no que se segue:<br />

Proposição 4.5.6. ξ é uma medida singular, porque tem suporte no conjunto<br />

<strong>de</strong> Cantor C.<br />

15 “Clássico”, por oposição a “quântico”. No caso quântico, a <strong>de</strong>terminação da função<br />

f requer a solução prévia da equação <strong>de</strong> Schrödinger apropriada.


250 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Demonstração.<br />

É claro que ξ(R) = ξ(]0,1]) = f(1) − f(0) = 1, e portanto<br />

ξ está concentrada em I = [0,1]. Por outro lado, sendo U = I\C, sabemos<br />

que U = ∪ ∞ n=1 ]an,bn[ é um conjunto aberto, e a “escada do Diabo” f é<br />

constante em cada um dos intervalos [an,bn]. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />

0 = f(bn) − f(an) = ξ(]an,bn]) ≥ ξ(]an,bn[) ≥ 0. Segue-se assim que:<br />

ξ(U) =<br />

∞<br />

ξ(]an,bn[) = 0, e ξ(C) = ξ(C) + ξ(U) = ξ(C ∪ U) = ξ(I) = 1<br />

n=1<br />

Concluímos que ξ está concentrada em C, e é por isso singular.<br />

Registe-se <strong>de</strong>ste exemplo que a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função<br />

contínua po<strong>de</strong> ser uma medida singular não-nula, que por esta razão não é<br />

um integral in<strong>de</strong>finido.<br />

O próximo lema indica condições necessárias para a existência <strong>de</strong> soluções<br />

do problema <strong>de</strong> Stieltjes aplicáveis a qualquer função F.<br />

Lema 4.5.7. Se o problema <strong>de</strong> Stieltjes para f tem solução µ, então:<br />

a) A função f é contínua à direita em R,<br />

b) O limite <strong>de</strong> f à esquerda <strong>de</strong> x é f(x) − µ({x}), e, em particular<br />

c) f é contínua em x se e só se µ({x}) = 0.<br />

Demonstração. Deixamos para o exercício 2 as afirmações b) e c). Para<br />

provar a), supomos que In =]a,xn], on<strong>de</strong> os xn <strong>de</strong>crescem para a. Como<br />

os conjuntos In ց ∅, e µ(In) = ∞, temos µ(In) = f(xn) − f(a) → 0, i.e.,<br />

f(xn) → f(a).<br />

Repare-se que se µ é um “pente <strong>de</strong> Dirac” e f é uma sua função <strong>de</strong><br />

distribuição, então existem pontos x1,x2, · · · , tais que µ({xn}) = 0, e f<br />

não é contínua em qualquer um <strong>de</strong>stes pontos. Em particular, a medida <strong>de</strong><br />

Cantor ξ, que como vimos não é um integral in<strong>de</strong>finido, também não é um<br />

“pente <strong>de</strong> Dirac”, porque é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função contínua.<br />

Mostraremos a seguir, ainda nesta secção, que na realida<strong>de</strong> todas as medidas<br />

positivas localmente finitas em R são da forma µ = µc + µd, on<strong>de</strong> qualquer<br />

uma <strong>de</strong>stas medidas po<strong>de</strong> ser nula, e:<br />

• µc, dita a parte contínua <strong>de</strong> µ, é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma<br />

função contínua crescente, que dizemos ser uma medida contínua, e<br />

• µd, dita a parte discreta <strong>de</strong> µ, é uma série ou soma finita <strong>de</strong> medidas<br />

<strong>de</strong> Dirac (um pente <strong>de</strong> Dirac), i.e., é uma medida discreta.<br />

Exemplo 4.5.8.


4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 251<br />

Seja f(x) = x + int(x), on<strong>de</strong> int(x) é a usual “parte inteira” do real x. A<br />

<strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f é dada por:<br />

µ(E) = m(E) + <br />

δn(E),<br />

on<strong>de</strong> δn é a medida <strong>de</strong> Dirac em x = n, com δn({n}) = 1. A medida ρ =<br />

<br />

n∈Z δn é o pente <strong>de</strong> Dirac propriamente dito. A medida <strong>de</strong> Lebesgue é a<br />

parte contínua <strong>de</strong> µ, e ρ é a sua parte discreta.<br />

Estabeleceremos a existência da <strong>de</strong>composição µ = µc+µd provando uma<br />

correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>composição para funções: qualquer função monótona f é<br />

da forma f = g + s, on<strong>de</strong> g e s são monótonas, g é contínua, e s é o que<br />

dizemos ser uma função discreta( 16 ), i.e., é uma soma, ou série, <strong>de</strong> funções<br />

do tipo da função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>. Mais exactamente,<br />

Definição 4.5.9 (Função Discreta). s : R → R é uma função discreta<br />

se e só se existem sucessões <strong>de</strong> reais xn,an,yn,bn, tais que<br />

⎧<br />

∞<br />

⎨ an, para x < xn,<br />

s(x) = hn(x) para x ∈ R, on<strong>de</strong> hn(x) = yn, para x = xn,<br />

⎩<br />

n=1<br />

bn, para x > xn.<br />

As funções g e s dizem-se, respectivamente, a parte contínua e a<br />

parte discreta, <strong>de</strong> f. Os pontos xn referidos em 4.5.9 são, como veremos,<br />

os pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f.<br />

d1<br />

f = g + s Parte contínua g Parte discreta s<br />

x1<br />

d2<br />

x2<br />

x1<br />

x2<br />

n∈Z<br />

Figura 4.5.3: Parte contínua e parte discreta <strong>de</strong> F.<br />

Qualquer função monótona f : R → R tem, por razões elementares,<br />

limites laterais em qualquer ponto a ∈ R e limites em ±∞. Supondo por<br />

exemplo que f é crescente e a ∈ R, temos na verda<strong>de</strong><br />

f(a + ) = lim<br />

xցa f(x) = inf{f(x) : x > a} e analogamente<br />

f(a − ) = lim<br />

xրa f(x) = sup{f(x) : x < a}.<br />

16 Estas funções dizem-se também <strong>de</strong> saltos, por vezes na forma latina “saltus”.<br />

d1<br />

x1<br />

d2<br />

x2


252 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Temos igualmente, com S = sup{f(x) : x ∈ R} e I = inf{f(x) : x ∈ R}, que<br />

f(+∞) = lim f(x) = S e f(−∞) = lim f(x) = I.<br />

x→+∞ x→−∞<br />

Caso f seja <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong>vemos apenas trocar as referências a sup e a inf<br />

nas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s acima. Note-se também que os limites em a ∈ R são finitos,<br />

por razões óbvias, mas é claro que f(+∞) e/ou f(−∞) po<strong>de</strong>m ser infinitos.<br />

Sendo x ∈ R, escrevemos também<br />

Provamos agora que:<br />

∆f(x) = f(x + ) − f(x − ).<br />

Proposição 4.5.10. Qualquer função monótona é contínua excepto num<br />

conjunto numerável.<br />

Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que f : R → R é crescente.<br />

Designamos por D o conjunto on<strong>de</strong> f é <strong>de</strong>scontínua. Sendo x ∈ R,<br />

<strong>de</strong>finimos Ix =]f(x − ),f(x + )[, don<strong>de</strong> D = {x ∈ R : Ix = ∅}. Temos, então:<br />

• Se x = y então Ix e Iy são disjuntos (supondo x < y, é óbvio que<br />

F(x + ) ≤ F(y−)).<br />

Para cada x ∈ D escolhemos um racional qx no intervalo Ix, <strong>de</strong>finindo <strong>de</strong>sta<br />

forma uma função injectiva f : D → Q, dada por f(x) = qx. Concluímos<br />

que D é numerável.<br />

Teorema 4.5.11. Se F : R → R é monótona em R, existem funções<br />

monótonas g,s : R → R, tais que g é contínua, s é discreta e F = g + s. As<br />

funções g e s são únicas, a menos <strong>de</strong> uma constante aditiva.<br />

Demonstração. Supomos F : R → R crescente em R, e contínua excepto<br />

em D = {x1,x2, · · · ,xn, · · · }. Para simplificar o argumento, supomos F<br />

limitada, e contínua à direita, em R. (Deixamos o caso geral para o exercício<br />

6). Definimos bn = F(xn) − F(x− n ). Sendo D∩]x,y] = {xnk : k ∈ N}, é fácil<br />

verificar que<br />

(i)<br />

∞<br />

k=1<br />

bnk<br />

≤ F(y) − F(x), e<br />

∞<br />

n=1<br />

bn ≤ lim F(y) − lim F(x) < ∞.<br />

y→∞ x→−∞<br />

Seja agora δxn a medida <strong>de</strong> Dirac no ponto xn, com δxn({xn}) = bn > 0. É<br />

claro que ρ = ∞ n=1 δxn é também uma medida positiva, que é igualmente<br />

finita, <strong>de</strong> acordo com (i). A função <strong>de</strong> distribuição s <strong>de</strong> ρ é dada por<br />

s(x) = ρ(]−∞,x]) =<br />

∞<br />

δxn(]−∞,x]) =<br />

n=1<br />

∞<br />

hn(x), com hn(x) = δxn(]−∞,x]).<br />

n=1


4.5. <strong>Medida</strong>s <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes em R 253<br />

Em particular, s é uma função discreta crescente. De acordo com 4.5.7 a) e<br />

b), s é contínua à direita em R, e<br />

(ii) s(xn) − s(x − n ) = ρ({xn}) = δxn({xn}) = bn = F(xn) − F(x − n ).<br />

Definimos g(x) = F(x) − s(x), don<strong>de</strong> g é, igualmente, contínua à direita em<br />

R. Concluímos <strong>de</strong> (ii) que<br />

g(xn) − g(x − n ) = [F(xn) − F(x − n )] − [s(xn) − s(x − n )] = 0.<br />

Concluímos que g é também contínua à esquerda em R, logo contínua em<br />

R. Note-se ainda que g é crescente, porque, sendo D∩]x,y] = {xnk : k ∈ N},<br />

segue-se <strong>de</strong> (i) que<br />

s(y) − s(x) =<br />

∞<br />

k=1<br />

bnk<br />

≤ F(y) − F(x) =⇒ g(x) ≤ g(y).<br />

Se g1 + s1 = g2 + s2, on<strong>de</strong> as funções gi são contínuas, e as funções si<br />

discretas, então h = g1 − g2 = s2 − s1 é uma função contínua e discreta, e<br />

portanto h é, evi<strong>de</strong>ntemente, constante.<br />

O próximo corolário usa a <strong>de</strong>composição em parte contínua e parte discreta<br />

para mostrar que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução para F crescente<br />

quando F é contínua à direita.<br />

Corolário 4.5.12. Seja F : R → R crescente, e contínua à direita em R.<br />

Suponha-se, ainda, que<br />

• F é contínua excepto em D = {x1, · · · ,xn, · · · },<br />

• δxn é a medida <strong>de</strong> Dirac com δxn ({xn}) = F(xn) − F(x − n ),<br />

• F = g + s é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> F referida em 4.5.11,<br />

• Sg = {E ⊆ R : g(E) ∈ L(R)}, e µF : Sg → [0, ∞] é dada por<br />

∞<br />

∞<br />

µF(E) = m(g(E)) + δxn(E) = µg(E) + δxn(E).<br />

n=1<br />

Então (R, Sg,µF) é a única solução completa e regular do problema 4.5.2.<br />

Demonstração. (R, Sg,µF) é uma solução do problema <strong>de</strong> Stieltjes 4.5.2,<br />

porque é um espaço <strong>de</strong> medida, <strong>de</strong> acordo com 4.5.3, e<br />

n=1<br />

µF(]a,b]) = g(b) − g(a) + s(b) − s(a) = F(b) − F(a).<br />

É muito simples verificar que (R, Sg,µF) é completo e regular.


254 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Combinado com o lema 4.5.7, este resultado encerra a análise do problema<br />

<strong>de</strong> Stieltjes quando F é crescente: é agora claro que neste caso o<br />

problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução se e só se F é contínua à direita em R.<br />

Veremos na próxima secção as condições em que o problema <strong>de</strong> Stieltjes tem<br />

solução quando F não é crescente.<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que qualquer medida positiva em R localmente finita é <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

<strong>de</strong> F : R → R. Mostre igualmente que:<br />

a) Se as funções F e G têm a mesma <strong>de</strong>rivada generalizada µ então G(x) =<br />

F(x) + C, para qualquer x ∈ R.<br />

b) Se F : R → R é crescente e tem uma <strong>de</strong>rivada generalizada µ, então µ é<br />

única em B(R), e regular em B(R).<br />

2. Suponha que o problema 4.5.2 tem uma solução µ para a função F.<br />

a) Prove que se an → b pela esquerda então F(an) → F(b)−µ({b}). Conclua<br />

que F é contínua em b se e só se µ({b}) = 0. (Lema 4.5.7).<br />

b) Suponha que µ é uma medida real, e prove que existem os limites<br />

lim F(x), e lim<br />

x→−∞ x→+∞ F(x).<br />

c) Em que condições temos µ(]a, b[) = µ(]a, b]) = µ([a, b[) = µ([a, b])?<br />

3. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 4.5.3. sugestão:<br />

a) Verifique que µF é σ-aditiva, adaptando o argumento usado em 2.2.14.<br />

b) Mostre que (R, SF , µF) é completo.<br />

4. Seja F : R → R a “escada do Diabo”, e ξ a respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-<br />

Stieltjes. Mostre que o conjunto <strong>de</strong> Cantor é o suporte <strong>de</strong> ξ.<br />

5. Suponha que F : R → R é crescente e contínua. Mostre que L(R) ⊆ SF se e<br />

só se F transforma conjuntos nulos em conjuntos nulos, i.e., se e só se<br />

m(E) = 0 =⇒ m ∗ (F(E)) = 0.<br />

6. Conclua a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 4.5.11. Em particular, prove a afirmação (i) da<br />

<strong>de</strong>monstração referida, e mostre que o resultado é igualmente válido quando f<br />

não é limitada nem contínua à direita.<br />

7. Determine as partes contínua e discreta da função F <strong>de</strong>finida abaixo, e da<br />

respectiva medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes.<br />

⎧<br />

⎨ 0, para x < 0,<br />

F(x) = 2x + 1, para 0 ≤ x < 3, e<br />

⎩<br />

x2 , para x ≥ 3.<br />

8. Determine uma função crescente, contínua à direita na recta real, e <strong>de</strong>scontínua<br />

nos racionais. Determine igualmente uma função contínua, diferenciável<br />

em x se e só se x é irracional.


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 255<br />

4.6 Funções <strong>de</strong> Variação Limitada<br />

A análise do problema <strong>de</strong> Stieltjes quando F não é crescente é facilitada pela<br />

introdução da classe das funções <strong>de</strong> variação limitada. Suponha-se para isso<br />

que µ é uma medida real, e F uma sua função <strong>de</strong> distribuição. Sabemos<br />

que µ tem variação total limitada, e este facto restringe <strong>de</strong> forma muito<br />

significativa a função F, como passamos a mostrar.<br />

Se I é um intervalo, qualquer conjunto finito P = {x0, · · · ,xn} ⊂ I, on<strong>de</strong><br />

supomos xk ր, <strong>de</strong>termina uma partição finita <strong>de</strong> J =]x0,xn] em subintervalos<br />

Ik =]xk−1,xk], com 1 ≤ k ≤ n. Como µ é <strong>de</strong> variação limitada, temos<br />

n<br />

|F(xk) − F(xk−1)| =<br />

k=1<br />

n<br />

|µ(Ik)| ≤ |µ| (J) ≤ |µ|(R) < +∞.<br />

k=1<br />

Po<strong>de</strong>mos assim concluir que<br />

<br />

n<br />

<br />

sup |F(xk) − F(xk−1)| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn,xk ∈ R < +∞.<br />

k=1<br />

Definição 4.6.1 (Funções <strong>de</strong> Variação Limitada). Se F : S → R e I ⊆ S ⊆<br />

R é um intervalo, a variação total <strong>de</strong> F em I, <strong>de</strong>signada VF(I), é dada<br />

por<br />

<br />

n<br />

<br />

VF(I) = sup |F(xk) − F(xk−1)| : x0 < x1 < x2 < · · · < xn,xk ∈ I .<br />

k=1<br />

F diz-se <strong>de</strong> variação limitada em I se e só se VF(I) < +∞. BV (I) é a<br />

classe das funções F : I → R <strong>de</strong> variação limitada em I, e NBV (R) ( 17 ) é a<br />

subclasse <strong>de</strong> BV (R) formada pelas funções que satisfazem ainda a condição<br />

F(x) → 0 quando x → −∞.<br />

Exemplos 4.6.2.<br />

1. Se F : R → R é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>, então n<br />

k=1 |F(xk) − F(xk−1)| é 1,<br />

se x0 < 0 e xn ≥ 0, ou 0, caso contrário. Portanto, VF(R) = 1.<br />

2. Se F(x) = x<br />

a fdm, on<strong>de</strong> f é somável, então F é <strong>de</strong> variação limitada, porque<br />

se P = {x0, · · · , xn} ⊂ I, então<br />

n<br />

|F(xk) − F(xk−1)| =<br />

k=1<br />

n<br />

k=1<br />

xk<br />

|<br />

xk−1<br />

fdm| ≤<br />

n<br />

<br />

xk<br />

|f|dm ≤ |f|dm.<br />

3. A função f(x) = xsen(1/x) (com f(0) = 0) é contínua, e portanto uniformemente<br />

contínua, em [0, 2π]. Apesar disso, f não é <strong>de</strong> variação limitada em<br />

[0, 2π] (exercício 10).<br />

17 BV e NBV são iniciais para as expressões inglesas “Boun<strong>de</strong>d Variation” e “Normalized<br />

Boun<strong>de</strong>d Variation”.<br />

k=1<br />

xk−1<br />

I


256 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

4. Sendo f : [a, b] → R, é relativamente simples verificar que f é <strong>de</strong> variação<br />

limitada em I se e só se o gráfico <strong>de</strong> f é rectificável (exercício 8).<br />

Para simplificar a notação, e supondo que P = {x0,x1, · · · ,xn}, on<strong>de</strong><br />

x0 ≤ x1 ≤ · · · ≤ xn, escrevemos<br />

SV (f, P) =<br />

n<br />

|f(xk) − f(xk−1)|, e Vf(x) = Vf (]−∞,x]) .<br />

k=1<br />

Registamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />

• P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ).<br />

• Vf é sempre uma função crescente.<br />

• Se I = [x,y] então Vf(I) ≥ |f(y) − f(x)|.<br />

• f é <strong>de</strong> variação limitada se e só se Vf é limitada. Neste caso, f é<br />

limitada.<br />

Passamos a <strong>de</strong>monstrar<br />

Lema 4.6.3. Sendo f : R → R então:<br />

a) Se y ≥ x, então Vf(y) = Vf(x) + Vf ([x,y]) ≥ Vf(x) + |f(y) − f(x)|.<br />

b) Lema <strong>de</strong> Jordan: f ∈ BV (R) se e só se existem funções crescentes e<br />

limitadas g,h : R → R tais que f = g − h.<br />

c) Se f ∈ BV (R) então f é contínua à direita em x se e só se Vf é<br />

contínua à direita em x.<br />

Demonstração. a) Dados conjuntos finitos P1 ⊂ ]−∞,x] e P2 ⊂ [x,y] é claro<br />

que P = P1 ∪ P2 ∪ {x} é um subconjunto finito <strong>de</strong> ] − ∞,y], e<br />

SV (f, P1) + SV (f, P2) = SV (f, P) ≤ Vf(y).<br />

Como P1 e P2 são arbitrários, concluímos que<br />

(i) Vf(x) + Vf([x,y]) ≤ Vf(y).<br />

Por outro lado, se P é um subconjunto finito <strong>de</strong> ]−∞,y], tomamos P ′ =<br />

P ∪ {x}, P1 = P ′ ∩ ]−∞,x] e P2 = P ′ ∩ [x,y]. Temos então que<br />

SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ) = SV (f, P1) + SV (f, P2) ≤ Vf(x) + Vf ([x,y]) .<br />

Como P é arbitrário, concluímos <strong>de</strong>sta vez que<br />

(ii) Vf(y) ≤ Vf(x) + Vf ([x,y]),


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 257<br />

As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em (i) e (ii) e a observação já referida que |f(y) − f(x)| ≤<br />

Vf ([x,y]) estabelecem a afirmação em a).<br />

Para <strong>de</strong>monstrar b), suponha-se primeiro que f ∈ BV (R). As funções f<br />

e Vf são limitadas, e <strong>de</strong>finimos<br />

g = 1<br />

2 (Vf + f) e h = 1<br />

2 (Vf − f) don<strong>de</strong> f = g − h e Vf = g + h.<br />

Tanto g como h são limitadas, e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> Vf(y)−Vf(x) ≥ |f(y) − f(x)|<br />

mostra que g e h são ambas crescentes.<br />

Suponha-se agora que f = g − h on<strong>de</strong> g e h são funções limitadas e<br />

crescentes, e note-se que SV (f, P) ≤ SV (g, P) + SV (h, P), para qualquer<br />

conjunto finito P ⊂ R. Temos portanto Vf(R) ≤ Vg(R) + Vh(R) < ∞.<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c) é o exercício 3.<br />

Po<strong>de</strong>mos finalmente estabelecer a existência <strong>de</strong> soluções do problema <strong>de</strong><br />

Stieltjes 4.5.2, quando a função em causa não é crescente.<br />

Teorema 4.6.4. Se f : R → R, então as seguintes afirmações são equivalentes:<br />

a) f é <strong>de</strong> variação limitada e contínua à direita em R, e<br />

b) Existe uma medida real µ tal que µ(]a,b]) = f(b)−f(a), para quaisquer<br />

a ≤ b ∈ R.<br />

Neste caso, as medidas |µ|, µ + e µ − são as <strong>de</strong>rivadas generalizadas <strong>de</strong> Vf,<br />

g = 1<br />

2 (Vf + f) e h = 1<br />

2 (Vf − f).( 18 )<br />

Demonstração. Começamos por provar que a) ⇒ b): Recor<strong>de</strong>-se da <strong>de</strong>monstração<br />

do lema anterior que as funções g e h são crescentes e limitadas.<br />

Como f é contínua à direita, notamos também <strong>de</strong> c) no mesmo lema que Vf<br />

é contínua à direita, e segue-se que g e h são igualmente contínuas à direita.<br />

O problema <strong>de</strong> Stieltjes tem solução para as funções g e h, conforme<br />

verificámos em 4.5.12. Sendo π e ν as <strong>de</strong>rivadas generalizadas <strong>de</strong> g e h, e<br />

dado que f = g − h e Vf = g + h, é então claro que<br />

• π e ν são medidas finitas,<br />

• µ = π − ν é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e<br />

• τ = π + ν é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> Vf.<br />

Se µ = µ + − µ − é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> µ, temos do teorema<br />

4.1.21 que µ + ≤ π e µ − ≤ ν. Notamos que<br />

18 A igualda<strong>de</strong> entre medidas aqui referida pressupõe a selecção prévia <strong>de</strong> um domínio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finição apropriado e comum. Recor<strong>de</strong> que a igualda<strong>de</strong> é válida em qualquer σ-álgebra<br />

on<strong>de</strong> as medidas em causa sejam regulares, por exemplo, em Lµ(R).


258 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

• |µ|(]x,y]) ≤ τ(]x,y]) = Vf(y) − Vf(x), porque µ + ≤ π e µ − ≤ ν, e<br />

• Vf(y) − Vf(x) = Vf ([x,y]) e Vf ([x,y]) ≤ |µ|(]x,y]), como notámos no<br />

início <strong>de</strong>sta secção.<br />

Concluímos que τ(I) = |µ|(I) para qualquer intervalo I =]x,y], don<strong>de</strong> se<br />

segue que τ = |µ|. Segue-se igualmente que π = µ + e ν = µ − .<br />

Para mostrar que b) ⇒ a), observe-se que f é contínua à direita pelo lema<br />

4.5.7, e é <strong>de</strong> variação limitada porque, como notámos, Vf (R) ≤ µ.<br />

Passamos a analisar em mais <strong>de</strong>talhe as funções <strong>de</strong> variação limitada que<br />

são contínuas. Começamos por provar que a variação total <strong>de</strong> uma função<br />

contínua po<strong>de</strong> ser calculada como se segue:<br />

Lema 4.6.5. Se f é contínua em R, I ⊆ R é um intervalo, e P(I) é a<br />

família <strong>de</strong> todas as partições finitas <strong>de</strong> I em intervalos, então<br />

<br />

<br />

<br />

(1) Vf(I) = sup m(f(i)) : R ∈ P(I) .<br />

i∈R<br />

Temos além disso que, se I é um intervalo compacto,<br />

(2) diam(R) → 0 =⇒ <br />

m(f(i)) → Vf(I).<br />

i∈R<br />

Demonstração. Supomos I = [a,b], e escrevemos<br />

<br />

<br />

<br />

Φ(I) = sup m(f(i)) : R ∈ P(I) .<br />

i∈R<br />

Para evitar sobrecarregar a notação, usaremos aqui o mesmo símbolo para<br />

<strong>de</strong>signar uma partição R <strong>de</strong> I em subintervalos, e para <strong>de</strong>signar o conjunto<br />

dos extremos dos subintervalos em R (a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f torna irrelevante<br />

saber a que subintervalo pertence cada extremo). Notamos que<br />

• Sendo R uma partição <strong>de</strong> I, então<br />

(i) SV (f, R) ≤ <br />

m(f(i)) ≤ Φ(I), don<strong>de</strong> se segue que Vf(I) ≤ Φ(I).<br />

i∈R<br />

• Dado um subintervalo i ∈ R, sejam xi e yi pontos on<strong>de</strong> f atinge o<br />

seu máximo e mínimo no fecho i. Seja R ′ o refinamento <strong>de</strong> R com os<br />

pontos xi e yi. Um momento <strong>de</strong> reflexão mostra que<br />

Vf(I) ≥ SV (f, R ′ ) ≥ <br />

|f(yi) − f(xi)| = <br />

m(f(i)),<br />

i∈R<br />

i∈R<br />

don<strong>de</strong> Vf(I) ≥ Φ(I), e concluímos <strong>de</strong> (i) que Vf(I) = Φ(I).


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 259<br />

Para provar (2), suponha-se Vf(I) < ∞ e ε > 0. Sendo R0 ⊂ I uma<br />

qualquer partição fixa tal que<br />

(ii) SV (f, R0) > Vf(I) − ε/2,<br />

<strong>de</strong>finimos n como o número <strong>de</strong> pontos em R0. Como I é compacto, f é<br />

uniformemente contínua em I, e existe δ > 0 tal que<br />

|x − y| < δ ⇒ |f(x) − f(y)| < ε/4n.<br />

Provamos em seguida que se adicionarmos um ponto a qualquer partição<br />

com diâmetro inferior a δ, a soma SV aumenta menos <strong>de</strong> ε<br />

2n , ou seja,<br />

(iii) Se R é uma partição <strong>de</strong> I, diam(R) < δ, z ∈ I e R ′ = R ∪ {z}, então<br />

SV (R,f) ≤ SV (R ′ ,f) ≤ SV (R,f) + ε<br />

2n<br />

Para verificar esta afirmação, supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />

z ∈ R e x,y ∈ R são pontos consecutivos <strong>de</strong> R tais que x < z < y. Temos<br />

neste caso que<br />

SV (f, R ′ ) = SV (f, R) − |f(x) − f(y)| + |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)|.<br />

Como |x − y| < δ, é óbvio que |x − z| < δ e |z − y| < δ, don<strong>de</strong><br />

SV (f, R ′ ) − SV (f, R) = −|f(x) − f(y)| + |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)| ≤<br />

≤ |f(x) − f(z)| + |f(z) − f(y)| < ε/2n.<br />

Seja finalmente R ′′ = R ∪ R0, que resulta <strong>de</strong> adicionar n pontos a R, e<br />

observe-se <strong>de</strong> (ii) e (iii) que<br />

Vf(I) − ε/2 < SV (f, R0) ≤ SV (f, R ′′ ) < SV (f, R) + ε<br />

2 .<br />

Dito doutra forma, temos para qualquer partição R com diam(R) < δ que<br />

Vf(I) − ε < SV (f, R) ≤ <br />

m(f(i)) ≤ Vf(I).<br />

Dada uma função f : X → R, a respectiva indicatriz <strong>de</strong> Banach é<br />

a função B : R → [0,+∞] que conta, para cada y, as soluções da equação<br />

f(x) = y. Por outras palavras, B é dada por<br />

i∈R<br />

B(y) = # ({x ∈ X : f(x) = y}) .<br />

Aproveitamos o anterior lema 4.6.5 para <strong>de</strong>monstrar o seguinte resultado<br />

clássico, que é mais um processo <strong>de</strong> cálculo da variação total <strong>de</strong> funções contínuas.


260 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Teorema 4.6.6 (<strong>de</strong> Banach-Vitali). Se f é contínua em I = [a,b] e B : R →<br />

[0,+∞] é a sua indicatriz <strong>de</strong> Banach, então B é B-mensurável e <br />

R Bdm =<br />

Vf(I). Em particular, f ∈ BV (I) ⇐⇒ B ∈ L1 (R).<br />

Demonstração. Seja P uma partição <strong>de</strong> I em intervalos, i ∈ P e Ai a função<br />

característica da imagem <strong>de</strong> i, que é o intervalo f(i). Observe-se que<br />

y = f(x) tem soluções x ∈ i ⇐⇒ y ∈ f(i) ⇐⇒ Ai(y) = 1.<br />

Sendo B a indicatriz <strong>de</strong> Banach, note-se em particular que<br />

B(y) ≥ <br />

Ai(y).<br />

i∈P<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> acima é uma igualda<strong>de</strong> exactamente quando nenhum intervalo<br />

i contém mais do que uma solução da equação y = f(x). A soma à direita<br />

é uma função que passamos a <strong>de</strong>signar BP, envolve apenas funções características<br />

<strong>de</strong> intervalos, que são Borel-mensuráveis, e é óbvio que <br />

R Ai =<br />

m(f(i)). Temos assim que<br />

(i) BP = <br />

<br />

Ai é Borel-mensurável, e BP = <br />

m(f(i)).<br />

i∈P<br />

A seguinte observação é totalmente elementar:<br />

R<br />

i∈P<br />

(ii) Se R é um refinamento <strong>de</strong> P então BP ≤ BR ≤ B.<br />

Se B(y) ≥ N, i.e., se a equação y = f(x) tem pelo menos N soluções<br />

x1, · · · ,xN, tomamos δ = min{|xk − xm| : k = m}. Se o diâmetro da<br />

partição R é inferior a δ, então cada intervalo i ∈ R contém no máximo<br />

uma das N soluções, e portanto BR(y) ≥ N. Por outras palavras,<br />

(iii) Se B(y) ≥ N então existe δ > 0 tal que diam(R) < δ ⇒ BR(y) ≥ N.<br />

Dado n ∈ N, seja Pn a partição do intervalo I em 2 n subintervalos In,k <strong>de</strong><br />

igual comprimento (b−a)<br />

2 n . Observamos que<br />

(iv) Pn+1 é um refinamento <strong>de</strong> Pn e diam(Pn) → 0.<br />

De acordo com (i) e (iv), segue-se <strong>de</strong> 4.6.5 que<br />

<br />

(v)<br />

BPn → Vf(I).<br />

R<br />

De acordo com (ii), (iii) e (iv) as funções BPn ≤ B formam uma sucessão<br />

crescente, e BPn ր B. Pelo teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, B é Borel-mensurável,<br />

e concluímos usando (v) que<br />

<br />

BPn →<br />

R<br />

R<br />

B = Vf(I).


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 261<br />

Existem outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s semelhantes a (1) no lema 4.6.5, e estabelecemos<br />

aqui o seguinte resultado:<br />

Teorema 4.6.7. Se f ∈ BV (R) ∩ C(R), µ é a sua <strong>de</strong>rivada generalizada e<br />

E ∈ B(R), então<br />

<br />

∞<br />

|µ|(E) = sup m ∗ (f(En)) : E =<br />

Lema 4.6.8.<br />

n=1<br />

∞<br />

<br />

En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />

n=1<br />

Demonstração. Começamos por mostrar que<br />

(i) m ∗ (f(E)) ≤ |µ|(E), para qualquer E ∈ B(R).<br />

• Se E é um conjunto elementar, então existe uma família finita P formada<br />

por intervalos disjuntos e tal que E = <br />

i. É claro que<br />

i∈P<br />

m(f(E)) ≤ <br />

m(f(i)) ≤ |µ|(E).<br />

i∈P<br />

• Se E é um conjunto aberto existem conjuntos elementares En ր E,<br />

don<strong>de</strong> f(En) ր f(E), m(f(En)) → m(f(E)) e |µ(En) → |µ|(E).<br />

Temos então<br />

m(f(En)) ≤ |µ|(En) =⇒ m(f(E)) ≤ |µ|(E).<br />

• Se E ∈ B(R) existem abertos Un ⊇ E tais que |µ|(Un) → |µ|(E), e é<br />

óbvio que<br />

m ∗ (f(E)) ≤ m(f(Un)) ≤ |µ|(Un) → |µ|(E).<br />

Estabelecemos assim (i) e <strong>de</strong>finimos agora Ψ : B(R) → [0, ∞] por:<br />

<br />

∞<br />

Ψ(E) = sup m ∗ (f(En)) : E =<br />

n=1<br />

∞<br />

<br />

En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />

n=1<br />

Como os conjuntos En’s são disjuntos, concluímos <strong>de</strong> (i) que<br />

∞<br />

m ∗ (f(En)) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

|µ|(En) = |µ|(E), don<strong>de</strong><br />

n=1<br />

(ii) Ψ(E) ≤ |µ|(E) para qualquer E ∈ B(R).


262 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Quando E = I é um intervalo, é evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 4.6.5 que |µ|(I) ≤ Ψ(I), e<br />

segue-se <strong>de</strong> (ii) que<br />

(iii) Ψ(I) = |µ|(I) para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />

Suponha-se que A,B ∈ B(R) são disjuntos. Dadas partições A = ∞ n=1 An,<br />

e B = ∞ n=1 Bn, a família dos conjuntos An e Bn é uma partição <strong>de</strong> A ∪ B,<br />

pelo que<br />

∞<br />

Ψ(A ∪ B) ≥ m ∗ ∞<br />

(f(An)) + m ∗ (f(Bn)).<br />

n=1<br />

n=1<br />

Como as partições referidas são arbitrárias, temos ainda<br />

(iv) A,B ∈ B(R) e A ∩ B = ∅ =⇒ Ψ(A ∪ B) ≥ Ψ(A) + Ψ(B).<br />

Consi<strong>de</strong>rem-se partições <strong>de</strong> E = ∞<br />

k=1 Ak = ∞<br />

n=1 En, e note-se que<br />

En =<br />

f(Ak) =<br />

∞<br />

Ak ∩ En =⇒<br />

k=1<br />

∞<br />

m ∗ (f(Ak ∩ En)) ≤ Ψ(En), e<br />

k=1<br />

∞<br />

f(Ak ∩ En) ⇒ m ∗ (f(Ak)) ≤<br />

n=1<br />

Obtemos imediatamente:<br />

∞<br />

m ∗ (f(Ak)) ≤<br />

k=1<br />

∞<br />

n=1 k=1<br />

∞<br />

m ∗ (f(Ak ∩ En)).<br />

n=1<br />

∞<br />

m ∗ (f(Ak ∩ En)) ≤<br />

∞<br />

Ψ(En).<br />

n=1<br />

Como a partição formada pelos Ak’s é arbitrária, estabelecemos:<br />

(v) Ψ(E) ≤<br />

∞<br />

Ψ(En),<br />

n=1<br />

Para concluir a <strong>de</strong>monstração, registamos que<br />

• (iv) e (v) =⇒ Ψ é uma medida positiva em B(R).<br />

• (ii) =⇒ Ψ é finita, e portanto regular, em B(R).<br />

• (iii) =⇒ Ψ = |µ| nos intervalos compactos.<br />

Segue-se que Ψ e |µ| coinci<strong>de</strong>m nos abertos, e em B(R).


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 263<br />

4.6.1 Funções Absolutamente Contínuas<br />

Tal como observámos a propósito da noção <strong>de</strong> variação total, é fácil adaptar a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> absoluta para ser directamente aplicável a funções.<br />

Suponha-se que f é função distribuição <strong>de</strong> uma medida real µ absolutamente<br />

contínua em R. De acordo com 4.3.4,<br />

para qualquer ε > 0, existe δ > 0 tal que m(E) < δ ⇒ |µ|(E) < ε.<br />

Se E = ∪ n k=1 Ik, on<strong>de</strong> I1, · · · ,In são intervalos disjuntos, e Ik tem extremos<br />

xk ≤ yk, temos m(E) = n<br />

k=1 (yk − xk), e por isso:<br />

n<br />

(yk − xk) < δ ⇒<br />

k=1<br />

n<br />

|f(yk) − f(xk)| =<br />

k=1<br />

A <strong>de</strong>finição seguinte regista estas observações:<br />

n<br />

|µ(Ik)| ≤ |µ|(E) < ε.<br />

Definição 4.6.9 (Funções Absolutamente Contínuas). Se f : I → R on<strong>de</strong><br />

I ⊆ R é um intervalo, dizemos que f é absolutamente contínua em I se<br />

e só se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que, para quaisquer intervalos<br />

disjuntos I1, · · · ,In em I, on<strong>de</strong> Ik tem extremos xk ≤ yk, temos<br />

n<br />

(yk − xk) < δ ⇒<br />

k=1<br />

Exemplos 4.6.10.<br />

k=1<br />

n<br />

|f(yk) − f(xk)| < ε.<br />

k=1<br />

1. Se a função g : R → R é somável, então a função f(x) = x<br />

gdm é função<br />

−∞<br />

distribuição <strong>de</strong> uma medida absolutamente contínua em R, e portanto f é uma<br />

função absolutamente contínua em R, como aliás verificámos directamente no<br />

exercício 10 da secção 3.3.<br />

2. Se f satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz( 19 ) em I, i.e., se existe uma constante<br />

K tal que |f(x) −f(y)| ≤ K|x −y|, é evi<strong>de</strong>nte que f é absolutamente contínua<br />

em I.<br />

3. A função f(x) = sen(x) satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz em R com K = 1,<br />

e portanto é absolutamente contínua em R.<br />

4. É fácil verificar que a “escada do diabo” é uniformemente contínua em R,<br />

mas não é absolutamente contínua.<br />

5. Qualquer função absolutamente contínua é uniformemente contínua (é o caso<br />

n = 1, na <strong>de</strong>finição 4.6.9.)<br />

As i<strong>de</strong>ias que referimos no lema 4.6.5 po<strong>de</strong>m ser também utilizadas para<br />

reformular a <strong>de</strong>finição acima.<br />

19 Rudolf Lipschitz, 1832-1903, matemático alemão, professor na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Bona.


264 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Lema 4.6.11. Se f : I → R on<strong>de</strong> I ⊆ R é um intervalo, então f é absolutamente<br />

contínua em I se e só se para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal que,<br />

para qualquer família finita P <strong>de</strong> intervalos disjuntos i ⊆ I, temos<br />

<br />

m(i) < δ ⇒ <br />

m(f(i)) < ε.<br />

i∈P<br />

i∈P<br />

Demonstração. Se f satisfaz a condição referida neste lema é claro que f é<br />

absolutamente contínua nos termos da <strong>de</strong>finição 4.6.9. Basta observar que<br />

se o intervalo i tem extremos xk e yk então |f(yk) − f(xk)| ≤ m(f(i)).<br />

Suponha-se por outro lado que f é absolutamente contínua. Dada uma<br />

família P <strong>de</strong> intervalos disjuntos e sendo xi e yi os extremos <strong>de</strong> i, temos:<br />

<br />

m(i) < δ ⇒ <br />

|f(yi) − f(xi)| < ε.<br />

i∈P<br />

i<br />

A função f tem máximo e mínimo no intervalo [xi,yi], e <strong>de</strong>signamos por ui<br />

e vi pontos do intervalo [xi,yi] on<strong>de</strong> ocorrem estes extremos, com ui ≤ vi.<br />

Definimos ji =]ui,vi[ e observamos que os intervalos ji formam igualmente<br />

uma família <strong>de</strong> intervalos disjuntos em I. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que<br />

m(ji) ≤ m(i) e |f(vi) − f(ui)| = m(f(i)), e concluímos que:<br />

<br />

m(i) < δ ⇒ <br />

m(ji) < δ ⇒ <br />

m(f(i)) = <br />

|f(ui) − f(vi)| < ε.<br />

i<br />

i∈P<br />

i∈P<br />

Po<strong>de</strong>mos agora mostrar que as funções absolutamente contínuas são <strong>de</strong><br />

variação limitada em intervalos compactos:<br />

Teorema 4.6.12. Se f é absolutamente contínua no intervalo I ⊆ R então<br />

f é <strong>de</strong> variação limitada em qualquer subintervalo compacto J ⊆ I.<br />

Demonstração. Seja J = [a,b] ⊆ I ⊆ R. Como f é absolutamente contínua<br />

em I, existe δ1 > 0 tal que, para qualquer família P <strong>de</strong> intervalos disjuntos<br />

em I, temos:<br />

(1) <br />

m(i) < δ ⇒ <br />

m(f(i)) < 1.<br />

i∈P<br />

Como J é limitado, é evi<strong>de</strong>nte que existe uma partição finita <strong>de</strong> J em intervalos<br />

disjuntos j, cada um dos quais com comprimento inferior a δ1.<br />

Designamos esta partição por Q, e supomos que é constituída por N subintervalos.<br />

Supomos ainda que R é uma qualquer partição <strong>de</strong> J, e <strong>de</strong>finimos<br />

P = Q ∪ R e, para qualquer j ∈ Q, Pj = j ∩ P. Pj é uma partição do<br />

subintervalo j, e é imediato <strong>de</strong> (1) que<br />

<br />

m(i) = m(j) < δ1 ⇒ <br />

m(f(i)) < 1.<br />

i∈Pj<br />

i∈P<br />

i∈Pj<br />

i∈P


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 265<br />

Resta-nos notar que<br />

<br />

m(f(i)) ≤ <br />

m(f(i)) = <br />

m(f(i)) < N.<br />

i∈R<br />

i∈P<br />

j∈Q i∈Pj<br />

É assim evi<strong>de</strong>nte que Vf(J) ≤ N, i.e., f é <strong>de</strong> variação limitada em J.<br />

Exemplos 4.6.13.<br />

1. A função f(x) = xsen(1/x) (com f(0) = 0) é uniformemente contínua em<br />

[0, 1], mas não é <strong>de</strong> variação limitada em [0, 1]. Portanto, f não é absolutamente<br />

contínua em [0, 1].<br />

2. A função f(x) = senx é absolutamente contínua em R, e portanto é <strong>de</strong><br />

variação limitada em qualquer intervalo limitado. Não é no entanto <strong>de</strong> variação<br />

limitada em R.<br />

Completamos agora o teorema 4.6.4 para o caso em que a medida µ é<br />

absolutamente contínua. O próximo teorema será usado na próxima secção<br />

para mostrar que as funções absolutamente contínuas são precisamente as<br />

funções que são integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> funções somáveis.<br />

Teorema 4.6.14. Se f ∈ BV (R)∩C(R), então f é absolutamente contínua<br />

em R se e só se a sua <strong>de</strong>rivada generalizada µ ≪ m.<br />

Demonstração. Temos apenas a provar que, se f : R → R é <strong>de</strong> variação<br />

limitada e absolutamente contínua em R, então µ ≪ m.<br />

De acordo com o lema 4.6.11, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que, para<br />

qualquer família finita <strong>de</strong> intervalos disjuntos i ⊆ I, temos<br />

<br />

m(i) < δ ⇒ <br />

m(f(i)) < ε.<br />

i∈P<br />

i∈P<br />

Seja E ⊂ R um conjunto elementar com m(E) < δ, da forma E =<br />

∪ n k=1 Ik, on<strong>de</strong> I1, · · · ,In em R são intervalos disjuntos. Supondo que Pk é<br />

uma qualquer partição <strong>de</strong> Ik em intervalos, é óbvio que P = ∪ n k=1 Pk é uma<br />

partição <strong>de</strong> E em intervalos, e<br />

n <br />

m(i) = m(E) < δ ⇒<br />

k=1 i∈Pk<br />

n <br />

m(f(i)) < ε.<br />

k=1 i∈Pk<br />

A anterior <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é válida para quaisquer partições Pk dos intervalos<br />

Ik, e portanto é claro <strong>de</strong> 4.6.5 que<br />

m(E) < δ =⇒<br />

n<br />

Vf(Ik) ≤ ε =⇒ |µ|(E) =<br />

k=1<br />

n<br />

|µ|(Ik) =<br />

k=1<br />

n<br />

Vf(Ik) ≤ ε.<br />

k=1


266 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Se U ⊆ R é aberto, existem conjuntos elementares En ր U, don<strong>de</strong> m(En) ≤<br />

m(U) e |µ|(En) ր |µ|(U), e concluímos que<br />

m(U) < δ =⇒ m(En) < δ =⇒ |µ|(En) ≤ ε =⇒ |µ|(U) ≤ ε.<br />

Finalmente, se E ∈ B(R) e m(E) < δ existem abertos U ⊇ E tais que<br />

δ > m(U), e portanto ε ≥ |µ|(U) ≥ |µ|(E), i.e., µ ≪ |µ| ≪ m.<br />

Concluímos esta secção com uma caracterização clássica das funções<br />

absolutamente contínuas, o teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretski.<br />

Po<strong>de</strong>mos finalmente provar o<br />

Teorema 4.6.15 (<strong>de</strong> Banach-Zaretsky). ( 20 ) Se f ∈ BV (R) ∩C(R), então<br />

f é absolutamente contínua em R se e só se m(E) = 0 =⇒ m(f(E)) = 0.<br />

Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que E ∈ B(R N ). Se f<br />

é absolutamente contínua, temos <strong>de</strong> 4.6.14 que µ ≪ |µ| ≪ m, e usamos o<br />

teorema 4.6.7 para concluir que<br />

m(E) = 0 =⇒ |µ|(E) = 0 e m ∗ (f(E)) ≤ |µ|(E) = 0 =⇒ m ∗ (f(E)) = 0.<br />

Suponha-se agora que m(E) = 0 =⇒ m(f(E)) = 0. Temos <strong>de</strong> 4.6.7 que<br />

<br />

∞<br />

|µ|(E) = sup m ∗ ∞<br />

<br />

(f(En)) : E = En,En’s ∈ B(R) disjuntos .<br />

n=1<br />

É claro que m(E) = 0 ⇒ m ∗ (f(En)) = 0 ⇒ |µ| (E) = 0, i.e., µ ≪ m.<br />

n=1<br />

Deixamos para o exercício 16 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

Corolário 4.6.16. Se f ∈ BV (R)∩C(R), então f é absolutamente contínua<br />

em R se e só se E ∈ L(R) =⇒ f(E) ∈ L(R).<br />

Exercícios.<br />

1. Sendo f : R → R, mostre que<br />

a) P ⊆ P ′ =⇒ SV (f, P) ≤ SV (f, P ′ ).<br />

b) Vf é uma função crescente.<br />

c) f é <strong>de</strong> variação limitada (e limitada) se e só se Vf é limitada.<br />

2. Prove que as funções <strong>de</strong> variação limitada têm limites laterais em todos os<br />

pontos.<br />

3. Demonstre a alínea b) do lema 4.6.3. sugestão: Suponha que f ∈ BV (R)<br />

é contínua à direita em x ∈ R. Note que<br />

20 De Banach e M.A.Zaretsky (ou Zarecki), 1903-1930, matemático russo.


4.6. Funções <strong>de</strong> Variação Limitada 267<br />

• Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que:<br />

x < y < x + δ =⇒ |f(y) − f(x)| < ε<br />

2 .<br />

• Sendo I = [x, y0] on<strong>de</strong> x < y0 < x + δ, existe um conjunto P =<br />

{x0, x1, · · · , xn} ⊆ I com x = x0 < x1 < · · · < xn e tal que<br />

Vf(I) ≥ SV (f, P) > Vf(I) − ε<br />

2<br />

Mostre que se R é um subconjunto finito <strong>de</strong> [x, x1] então SV (f, R) < ε.<br />

4. Prove que qualquer função contínuamente diferenciável é <strong>de</strong> variação limitada<br />

em qualquer intervalo limitado.<br />

5. Se f é Riemann-integrável f é necessariamente <strong>de</strong> variação limitada? E se f<br />

é <strong>de</strong> variação limitada f é necessariamente Riemann-integrável?<br />

6. Generalize as afirmações 4.5.11 e 4.5.12 para funções <strong>de</strong> variação limitada.<br />

7. Sendo f a “escada do Diabo”, <strong>de</strong>termine <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn<br />

para a <strong>de</strong>rivada generalizada µ <strong>de</strong> F, on<strong>de</strong><br />

<br />

2 x − f(x), para 0 ≤ x ≤ 1,<br />

F(x) =<br />

0, para x < 0, e para x > 1.<br />

Determine igualmente composições <strong>de</strong> Jordan e <strong>de</strong> Hahn para a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

λ <strong>de</strong> G(x) = F(x)+H(x)−H(x−1), on<strong>de</strong> H é a função <strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>.<br />

Calcule µ, e λ.<br />

8. Suponha que f ∈ BV (R), e mostre que o gráfico <strong>de</strong> f tem comprimento finito<br />

em qualquer intervalo limitado.<br />

9. Demonstre o lema 4.6.11. sugestão: Adapte o argumento utilizado na<br />

<strong>de</strong>monstração do lema 4.6.5.<br />

10. Mostre que a função f(x) = xsen(1/x) não é <strong>de</strong> variação limitada em ]0, 2π].<br />

11. Para que valores <strong>de</strong> a > 0 é que f(x) = x a sen(1/x) é <strong>de</strong> variação limitada<br />

em ]0, 2π]?<br />

12. Mostre que a função <strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n (exemplo 1.5.14) não é <strong>de</strong> variação<br />

limitada.<br />

13. Seja I = [0, 1]. Determine funções contínuas f, g, h : I → R, f, g, h ∈ BV (I),<br />

tais que:<br />

a) f é diferenciável em I.<br />

b) g ′ ≃ 0 em I.


268 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

c) m(E) = 0 =⇒ m(h(E)) = 0.( 21 )<br />

14. Prove que se f é absolutamente contínua e g satisfaz uma condição <strong>de</strong><br />

Lipschitz então a composta g ◦ f é absolutamente contínua.<br />

15. Mostre que as funções absolutamente contínuas no intervalo I formam um<br />

espaço vectorial. O produto <strong>de</strong> funções absolutamente contínuas é sempre<br />

absolutamente contínuo?<br />

16. Demonstre o teorema 4.6.16. Sugestão: Prove que se E é fechado (respectivamente,<br />

<strong>de</strong> tipo Fσ) então f(E) é fechado (respectivamente, <strong>de</strong> tipo Fσ).<br />

Conclua em particular que se f é absolutamente contínua em I e E ∈ L(I)<br />

então f(E) ∈ L(R).<br />

17. Prove que a composição <strong>de</strong> funções absolutamente contínuas é absolutamente<br />

contínua, se for <strong>de</strong> variação limitada (Teorema <strong>de</strong> Fichtenholz).<br />

18. Seja AC(R) a classe das funções absolutamente contínuas em R.<br />

a) Mostre que AC(R), BV (R), e NBV (R) são espaços vectoriais, e que<br />

NBV (R) é um espaço vectorial normado, com norma f = Vf(R).<br />

b) Prove que NBV (R) e AC(R) ∩ NBV (R) são espaços <strong>de</strong> Banach, com<br />

esta norma.<br />

c) Mostre que se fn − f → 0 então fn − f ∞ → 0, mas que a implicação<br />

inversa é em geral falsa.<br />

4.7 Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R<br />

Provámos no Capítulo 1 que os integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> Riemann são diferenciáveis<br />

qtp, porque as respectivas integrandas, que são Riemann-integráveis,<br />

são necessariamente contínuas qtp. Este argumento é evi<strong>de</strong>ntemente inaplicável<br />

quando a integranda é apenas Lebesgue-somável, porque estas funções<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scontínuas em toda a parte.<br />

A generalização dos Teoremas Fundamentais do Cálculo ao contexto da<br />

teoria <strong>de</strong> Lebesgue exige por isso um resultado completamente novo para<br />

estabelecer a diferenciabilida<strong>de</strong> dos integrais in<strong>de</strong>finidos: o gran<strong>de</strong> Teorema<br />

<strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue, <strong>de</strong> 1904, certamente um dos resultados mais<br />

importantes e originais da Análise Real, e que passamos a estudar.<br />

4.7.1 O Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Em 1932, F.Riesz <strong>de</strong>scobriu um resultado auxiliar relativamente elementar,<br />

<strong>de</strong> natureza geométrica, que simplifica muito a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong><br />

diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

21 Note que o Teorema <strong>de</strong> Banach-Zaretsky não é válido sem a hipótese f ∈ BV (R).


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 269<br />

a b1 a2 b2 a3 b3 a4 b4 b<br />

Figura 4.7.1: Lema do Sol Nascente.<br />

Para enten<strong>de</strong>r o resultado <strong>de</strong> Riesz, supomos que g : R → R é uma<br />

função, I = ]a,b[ é um intervalo aberto limitado, e consi<strong>de</strong>ramos o conjunto<br />

D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)} .<br />

O lema <strong>de</strong> Riesz diz-se “do Sol Nascente” porque o conjunto acima <strong>de</strong>finido<br />

sugere a região à sombra numa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> montanhas ao nascer do Sol. O seu<br />

enunciado é surpreen<strong>de</strong>ntemente simples, e registe-se que a única hipótese<br />

sobre a função g é, por enquanto, a sua continuida<strong>de</strong>:<br />

Lema 4.7.1 (<strong>de</strong> Riesz, “do Sol Nascente”). Se g ∈ C(R), I =]a,b[ é um<br />

intervalo limitado e D = {x ∈ I : Existe y ∈ I tal que y > x e g(y) > g(x)}<br />

então D = ∞ n=1 ]an,bn[, on<strong>de</strong> os intervalos In =]an,bn[ são disjuntos, e<br />

g(bn) ≥ g(an).<br />

Demonstração. O conjunto D é aberto, por razões óbvias, e portanto é uma<br />

união <strong>de</strong> intervalos abertos disjuntos In =]an,bn[. Fixado x ∈]an,bn[⊆ D,<br />

seja M o máximo da função g no intervalo [x,b]. Notamos que:<br />

• g(x) < M, porque existe y ∈]x,b[ tal que g(y) > g(x).<br />

• Se c = inf{y ∈ [x,b] : g(y) = M}, então g(c) = M.<br />

• c ∈ D, porque não po<strong>de</strong> existir y ∈]c,b] com g(y) > M.<br />

• Temos [x,c[⊂ D, mesmo que c = b, porque se x ′ < c então g(x ′ ) < g(c).<br />

Concluímos que c = bn e g(bn) > g(x) e, por continuida<strong>de</strong>, g(bn) ≥ g(an).( 22 )


270 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

a<br />

a1<br />

a<br />

b1<br />

a1<br />

a2<br />

b1<br />

b2<br />

a2<br />

a3<br />

b2<br />

b3<br />

a3<br />

D α s +(f,I)<br />

a4<br />

b4<br />

D α s −(f,I)<br />

b<br />

b<br />

b3 a4 b4<br />

Figura 4.7.2: α é o <strong>de</strong>clive dos “raios <strong>de</strong> Sol”.<br />

a<br />

a<br />

a1<br />

a1<br />

b1<br />

b1<br />

a2<br />

a2<br />

b2<br />

b2<br />

a3<br />

a3<br />

b3<br />

D α i +(f,I)<br />

b3<br />

a4<br />

a4<br />

b4<br />

b4<br />

D α i −(f,I)<br />

É fácil adaptar o Lema <strong>de</strong> Riesz para o caso em que os “raios <strong>de</strong> Sol”<br />

não são horizontais. A figura 4.7.2 sugere os seguintes conjuntos ( 23 ):<br />

(1) Dα s +(f,I)<br />

<br />

= x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f(y)−f(x)<br />

<br />

y−x > α<br />

(2) Dα i +(f,I)<br />

<br />

= x ∈ I : ∃y∈I tal que y > x, e f(y)−f(x)<br />

<br />

y−x < α<br />

(3) Dα s−(f,I) <br />

= x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f(y)−f(x)<br />

<br />

y−x > α<br />

(4) Dα i−(f,I) <br />

= x ∈ I : ∃y∈I tal que y < x, e f(y)−f(x)<br />

<br />

y−x < α<br />

Estes conjuntos estão associados a qualquer função f <strong>de</strong>finida pelo menos no<br />

intervalo I. Com estas convenções, o conjunto que referimos no lema <strong>de</strong> Riesz<br />

é D = D 0 s +(g,I). A adaptação <strong>de</strong> 4.7.1 a qualquer um dos conjuntos agora<br />

indicados é imediata, e resulta <strong>de</strong> uma mudança <strong>de</strong> variável apropriada.<br />

Interessam-nos para já os casos (1) e (4), e provamos para isso:<br />

Lema 4.7.2 (<strong>de</strong> Riesz (II)). Se f ∈ C(R), I = ]a,b[ é limitado e α ∈ R,<br />

então<br />

a) D α s +(f,I) =<br />

∞<br />

]an,bn[, os In =]an,bn[ são disjuntos e f(bn)−f(an)<br />

n=1<br />

bn−an<br />

b<br />

b<br />

≥ α.<br />

22 Apesar <strong>de</strong> tal não ser necessário para os nossos fins, po<strong>de</strong>mos mostrar que g(an) =<br />

g(bn), excepto possivelmente se an = a, como é referido no exercício 2.<br />

23 Usamos os índices s + , s − , i + e i − para indicar se o <strong>de</strong>clive da recta que passa pelos<br />

pontos <strong>de</strong> abcissas x e y é superior ou inferior a α, e indicar o sinal algébrico <strong>de</strong> y − x.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 271<br />

b) D α i−(f,I) =<br />

∞<br />

n=1<br />

]cn,dn[, os In =]cn,dn[ são disjuntos e f(dn)−f(cn)<br />

dn−cn<br />

≤ α.<br />

Demonstração. Para estabelecer a), <strong>de</strong>finimos g(x) = f(x) − αx, e observamos<br />

que, quando y > x,<br />

f(y) − f(x)<br />

y − x<br />

Temos assim que<br />

> α ⇐⇒ g(y) > g(x), ou seja, D α s +(f,I) = D 0 s +(g,I).<br />

D α s +(f,I) = D 0 s +(g,I) =<br />

Notamos finalmente que<br />

∞<br />

]an,bn[, on<strong>de</strong> g(bn) ≥ g(an).<br />

n=1<br />

g(bn) ≥ g(an) ⇐⇒ f(bn) − f(an)<br />

≥ α.<br />

bn − an<br />

Para provar b), <strong>de</strong>finimos agora ˜g(x) = f(−x)+αx. Com y < x, e portanto<br />

−y > −x, temos então<br />

f(x) − f(y)<br />

x − y<br />

< α ⇐⇒ ˜g(−y) > ˜g(−x), ou seja, − D 0 s +(˜g, −I) = D α i −(f,I).<br />

Mais uma vez pelo Lema 4.7.1, concluímos que<br />

D 0 s +(˜g, −I) =<br />

∞<br />

] − dn, −cn[, on<strong>de</strong> ˜g(−cn) ≥ ˜g(dn).<br />

n=1<br />

Dito <strong>de</strong> forma equivalente, temos<br />

D α i −(f,I) =<br />

∞<br />

]cn,dn[, on<strong>de</strong> f(dn) − f(cn)<br />

≤ α.<br />

n=1<br />

dn − cn<br />

Quando f é uma função contínua e crescente, a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

µ e o lema <strong>de</strong> Riesz na forma <strong>de</strong> 4.7.2 provi<strong>de</strong>nciam estimativas<br />

muito úteis para a medida dos conjuntos D α s +(f,I) e D α i −(f,I)).<br />

Proposição 4.7.3. Se f ∈ C(R) é crescente, µ é a respectiva <strong>de</strong>rivada<br />

generalizada, I ⊆ R é um intervalo aberto limitado e α ≥ 0 então<br />

a) α m(D α s +(f,I)) ≤ µ(I).<br />

b) µ(D α i −(f,I)) ≤ α m (I).


272 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

a b<br />

a1 b1 a2 b2 a3 b3<br />

Figura 4.7.3: A medida da região “à sombra”, que é m(D α s +(f,I)), é limitada<br />

pela “altura da montanha”, que é µ(I), a dividir por α.<br />

Demonstração. a) De acordo com 4.7.2, temos<br />

D α s +(f,I) =<br />

∞<br />

]an,bn[, e f(bn) − f(an) ≥ α(bn − an).<br />

n=1<br />

Sendo In =]an,bn[, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f(bn) −f(an) ≥ α(bn −an) é obviamente<br />

equivalente a µ(In) ≥ αm(In). Como os intervalos In são disjuntos, temos<br />

µ(D α s +(f,I)) =<br />

∞<br />

µ(In) ≥<br />

n=1<br />

∞<br />

αm(In) = αm(D α s +(f,I))),<br />

n=1<br />

e portanto µ(I) ≥ µ(D α s +(f,I)) ≥ αm(D α s +(f,I)).<br />

b) Recordamos que<br />

D α i −(f,I) =<br />

∞<br />

]cn,dn[, e f(dn)−f(cn) ≤ α(dn−cn), i.e., µ(Jn) ≤ αm(Jn).<br />

n=1<br />

Os intervalos Jn =]cn,dn[ são novamente disjuntos, e portanto<br />

µ(D α i −(f,I)) =<br />

∞<br />

µ(Jn) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

αm(Jn) = αm(D α i−(f,I)) ≤ αm(I).<br />

n=1<br />

Para estudar a diferenciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f introduzimos as chamadas <strong>de</strong>rivadas<br />

<strong>de</strong> Dini, que são quatro limites (à esquerda, à direita, superior e<br />

inferior) associados ao cálculo da <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> f em cada ponto x:


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 273<br />

Definição 4.7.4 (Derivadas <strong>de</strong> Dini). Dada f : R → R, as <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong><br />

Dini <strong>de</strong> f são as funções f ′ s +,f ′ i +,f ′ s −,f ′ i − : R → R dadas por:<br />

f ′ s +(x) = lim sup<br />

h→0 +<br />

f ′ s −(x) = lim sup<br />

h→0 −<br />

Exemplos 4.7.5.<br />

f(x + h) − f(x)<br />

,f<br />

h<br />

′ i +(x) = lim inf<br />

h→0 +<br />

f(x + h) − f(x)<br />

h<br />

f(x + h) − f(x)<br />

,f<br />

h<br />

′ i−(x) = lim inf<br />

h→0− f(x + h) − f(x)<br />

h<br />

1. Seja f : R → R a função dada por<br />

⎧<br />

⎨ k + x(a + b sen(1/x), se x > 0<br />

f(x) = k + x(c + d sen(1/x), se x < 0<br />

⎩<br />

k, se x = 0<br />

Supondo que a, b, c, d ∈ R + , temos (ver figura 4.7.4):<br />

f ′ s +(0) = a + b, f ′ i +(x) = a − b, f ′ s−(x) = c + d e f ′ i−(0) = c − d.<br />

f ′ i −(0) = c − d<br />

f ′ s −(0) = c + d<br />

f ′ s +(0) = a + b<br />

f ′ i +(0) = a − b<br />

Figura 4.7.4: Derivadas <strong>de</strong> Dini do exemplo 4.7.5.1 em x = 0.<br />

2. Se f é a função <strong>de</strong> Dirichlet dir, temos<br />

3. f ′ (x) existe se e só se<br />

f ′ s + = −f ′ i− = (∞)(1 − f), f ′ s− = −f ′ i + = (∞)f.<br />

f ′ s +(x) = f ′ i +(x) = f ′ s −(x) = f ′ i −(x).<br />

f é diferenciável em x se e só se f ′ (x) existe e |f ′ (x)| = +∞.<br />

4. É evi<strong>de</strong>nte que f ′ s +(x) ≥ f ′ i +(x)(x) e f ′ s −(x) ≥ f ′ i −(x), para qualquer x ∈ R.


274 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

É muito fácil verificar o seguinte<br />

Lema 4.7.6. Se f : R → R, I é um intervalo aberto e x ∈ I então<br />

f ′ s +(x) > α =⇒ x ∈ D α s +(f,I) e f ′ i −(x) < α =⇒ x ∈ D α i −(f,I).<br />

Se a função f é diferenciável no intervalo I = [a,b], sabemos do teorema<br />

<strong>de</strong> Lagrange que existe c ∈ I tal que<br />

f(b) − f(a)<br />

b − a<br />

= f ′ (c).<br />

Neste caso, se α ≤ f ′ (x) ≤ β para x ∈ I e f tem uma <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

µ, é óbvio que<br />

α ≤ µ(I) f(b) − f(a)<br />

= ≤ β, i.e., αm(I) ≤ µ(I) ≤ βm(I).<br />

m(I) b − a<br />

O próximo teorema é uma generalização profunda e muito interessante <strong>de</strong>sta<br />

observação elementar. É in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer hipótese sobre a diferenciabilida<strong>de</strong><br />

da função f ou sobre a natureza do conjunto E em causa.<br />

Teorema 4.7.7. Se f ∈ C(R) é crescente, α ≥ 0 e E ⊂ R então( 24 )<br />

a) f ′ s +(x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />

b) f ′ i −(x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≥ µ ∗ (E).<br />

Demonstração. a) Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que α > 0 e consi<strong>de</strong>ramos<br />

primeiro o caso m ∗ (E) < ∞. Seja U = ∪ ∞ n=1 In ⊇ E um aberto<br />

com medida finita, on<strong>de</strong> os conjuntos In são intervalos abertos disjuntos<br />

limitados. É claro que<br />

(1) E ⊆ U =⇒ E =<br />

∞<br />

n=1<br />

E ∩ In =⇒ m ∗ (E) ≤<br />

∞<br />

m ∗ (E ∩ In).<br />

n=1<br />

Se α > β > 0 temos f ′ s +(x) > β em E. Segue-se <strong>de</strong> 4.7.6 que<br />

E ∩ In ⊆ D β<br />

s +(f,In), don<strong>de</strong> β m ∗ (E ∩ In) ≤ β m(D β<br />

s +(f,In)).<br />

Temos <strong>de</strong> 4.7.3 a) que β m(D β<br />

s +(f,In)) ≤ µ(In) e usamos (1) para obter<br />

β m ∗ (E) ≤<br />

∞<br />

β m ∗ (E ∩ In) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(In) = µ(U).<br />

Concluímos que β m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E) para β < α, don<strong>de</strong> α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />

Finalmente, se m ∗ (E) = ∞ basta aplicar o resultado já obtido aos conjuntos<br />

En = E ∩ [−n,n], porque m ∗ (En) ր m ∗ (E).<br />

24 Recor<strong>de</strong> que a medida exterior µ ∗ é dada por µ ∗ (E) = inf{µ(U) : E ⊆ U, U aberto }.<br />

n=1


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 275<br />

b) Ainda com U = ∪ ∞ n=1 In ⊇ E e m(U) < ∞, observamos agora que<br />

(2) E =<br />

∞<br />

n=1<br />

E ∩ In =⇒ µ ∗ (E) ≤<br />

∞<br />

µ ∗ (E ∩ In).<br />

Se β > α ≥ 0 temos f ′ i −(x) < β em E, e portanto E ∩ In ⊆ D β<br />

i −(f,In), mais<br />

uma vez <strong>de</strong> 4.7.6. Concluímos <strong>de</strong> 4.7.3 b) e <strong>de</strong> (2) que<br />

µ ∗ (E) ≤<br />

∞<br />

µ ∗ (E ∩ In) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

n=1<br />

µ(D β<br />

i −(f,In)) ≤<br />

∞<br />

βm(In) = βm(U).<br />

Segue-se que µ ∗ (E) ≤ βm ∗ (E) para β > α, don<strong>de</strong> µ ∗ (E) ≤ αm ∗ (E). Se<br />

m ∗ (E) = ∞ o resultado só não é óbvio para α = 0, mas se En = E ∩[−n,n]<br />

temos µ ∗ (En) = 0 para qualquer n, e portanto µ ∗ (E) = 0.<br />

Apesar da sua simplicida<strong>de</strong> algo enganadora, o teorema 4.7.7 conduz<br />

quase directamente ao gran<strong>de</strong> Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Corolário 4.7.8. Se f ∈ C(R) é crescente então<br />

a) Se S = {x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞} então m(S) = 0.<br />

b) Se E = {x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ α > β ≥ f ′ i −(x)} então m(E) = µ(E) = 0.<br />

n=1<br />

c) Se A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x)} então m(A) = µ(A) = 0.<br />

d) Se B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)} então m(B) = µ(B) = 0.<br />

Demonstração. a) Dado n ∈ N, temos f ′ s +(x) > n para qualquer x ∈ S. Se<br />

I é um intervalo aberto limitado <strong>de</strong> extremos a < b, segue-se <strong>de</strong> 4.7.7 a) que<br />

Temos assim que<br />

m ∗ (S ∩ I) ≤<br />

n m ∗ (S ∩ I) ≤ µ ∗ (S ∩ I) ≤ µ(I) = f(b) − f(a).<br />

f(b) − f(a)<br />

n<br />

→ 0 =⇒ m(S ∩ I) = 0 =⇒ m(S) = 0.<br />

b) Seja En = {x ∈ E : |x| ≤ n}, e observe-se <strong>de</strong> 4.7.7 que<br />

αm ∗ (En) ≤ µ ∗ (En) ≤ βm ∗ (En), don<strong>de</strong> (β − α)m ∗ (En) ≥ 0.<br />

Como β−α < 0 é óbvio que m ∗ (En) = 0 e portanto µ ∗ (En) = 0. Concluímos<br />

que m(En) = µ(En) = 0 para qualquer n ∈ N, don<strong>de</strong> m(E) = µ(E) = 0.<br />

c) Dada uma enumeração q1,q2, · · · ,qn, · · · dos racionais q ≥ 0, seja<br />

<br />

An,k = x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ qn + 1<br />

k > qn ≥ f ′ i−(x) <br />

.


276 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Segue-se <strong>de</strong> b) que m(An,k) = µ(An,k) = 0 e basta-nos reconhecer que<br />

A =<br />

∞<br />

n=1 k=1<br />

∞<br />

An,k don<strong>de</strong> m(A) = µ(A) = 0.<br />

d) Seja h a função contínua e crescente dada por h(x) = −f(−x), e λ a<br />

respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada. Deixamos para o exercício 4 verificar que<br />

(ver figura 4.7.5)<br />

h ′ i −(−x) = f ′ i +(x), h ′ s +(−x) = f ′ s −(x) e µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />

Em particular, B = −C, on<strong>de</strong> C = {x ∈ R : h ′ s +(x) > h ′ i −(x)}, m(C) =<br />

λ(C) = 0 <strong>de</strong> acordo com c), e m(B) = m(C) = µ(B) = λ(C) = 0.<br />

f ′ i −(x0)<br />

f ′ s −(x0)<br />

h ′ i −(−x0)<br />

h ′ s −(−x0)<br />

f ′ s +(x0)<br />

f ′ i +(x0)<br />

h ′ s +(−x0)<br />

h ′ i +(−x0)<br />

Figura 4.7.5: h(x) = −f(−x) =⇒ f ′ s −(x) = h ′ s +(−x) e f ′ i +(x) = h ′ i −(−x)<br />

Po<strong>de</strong>mos finalmente provar<br />

Teorema 4.7.9 (da Diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue). Se f ∈ C(R) é crescente<br />

em R então f é diferenciável qtp em R.<br />

Demonstração. Consi<strong>de</strong>rem-se os conjuntos já referidos no corolário 4.7.8:<br />

A = x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x) ,B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)},<br />

e S = x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞ .<br />

Provámos em 4.7.8 que m(A ∪ B ∪ S) = 0. Se x ∈ A ∪ B ∪ S, temos:<br />

f ′ s +(x) ≤ f ′ i −(x), f ′ s −(x) ≤ f ′ i +(x) e f ′ s +(x) < ∞.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 277<br />

É evi<strong>de</strong>nte que f ′ i −(x) ≤ f ′ s −(x) e f ′ i +(x) ≤ f ′ s +(x) para qualquer x ∈ R.<br />

Temos assim que<br />

x ∈ A ∪ B ∪ S =⇒ f ′ s +(x) ≤ f ′ i−(x) ≤ f ′ s−(x) ≤ f ′ i +(x) ≤ f ′ s +(x) < ∞.<br />

Concluímos que as funções f ′ s +, f ′ i −, f ′ s − e f ′ i + são iguais e finitas fora do<br />

conjunto A ∪ B ∪ S. Por outras palavras, f é diferenciável qtp em R.<br />

Exemplos 4.7.10.<br />

1. Se f é uma função contínua <strong>de</strong> variação limitada então é, como sabemos,<br />

uma diferença <strong>de</strong> funções contínuas crescentes, e é por isso diferenciável qtp.<br />

Em particular,<br />

• as funções absolutamente contínuas são diferenciáveis qtp em R,<br />

• os integrais in<strong>de</strong>finidos são diferenciáveis qtp, mesmo que a função integranda<br />

seja <strong>de</strong>scontínua em toda a parte.<br />

2. Se f : R → R satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz, então f é absolutamente<br />

contínua em R, pelo que é igualmente diferenciável qtp em R. Esta observação é<br />

um caso particular do Teorema <strong>de</strong> Ra<strong>de</strong>macher( 25 ): Se f satisfaz uma condição<br />

<strong>de</strong> Lipschitz num aberto U ⊆ R N então f é diferenciável qtp em U.<br />

4.7.2 A Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Continuamos a supor que f é contínua e crescente em R e µ é a respectiva<br />

<strong>de</strong>rivada generalizada. Passamos a estabelecer algumas proprieda<strong>de</strong>s<br />

auxiliares <strong>de</strong> µ e do seu domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição “natural”, que é a classe( 26 )<br />

Sf = {E ⊆ R : f(E) ∈ L(R)}.<br />

Lema 4.7.11. Seja f ∈ C(R) crescente e µ a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada.<br />

Se D = {x ∈ R : f ′ (x) existe e 0 < f ′ (x) < ∞} e D∞ é o conjunto<br />

on<strong>de</strong> f ′ (x) = ∞, então<br />

a) µ está concentrada em S = D ∪ D∞.<br />

b) Se m(E) = 0 e E ∩ D∞ = ∅ então µ(E) = 0.<br />

c) Se E ∈ L(R) e E ∩ D∞ = ∅ então E ∈ Sf.<br />

d) D∞ ∈ Sf ∩ L(R).<br />

25 De Hans Ra<strong>de</strong>macher, 1892-1969, um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos do século XX. De<br />

origem alemã, foi professor nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> Hamburgo e Breslau, mas foi forçado pelo<br />

regime nazi a abandonar a Alemanha em 1934, em resultado da sua activida<strong>de</strong> política a<br />

favor da paz e dos direitos humanos. Emigrou para os Estados Unidos, on<strong>de</strong> foi professor<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> da Pensilvânia.<br />

26 Recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> 4.5.3 que (R, Sf, µ) é a única solução completa e regular do Problema <strong>de</strong><br />

Stieltjes para f.


278 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Demonstração. a) Tal como no corolário 4.7.8, tomamos<br />

A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i −(x)} e B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)}.<br />

Recordamos <strong>de</strong> 4.7.8 que m(A) = µ(A) = m(B) = µ(B) = 0. Sendo<br />

C = {x ∈ R : f ′ (x) = 0}, concluímos <strong>de</strong> 4.7.7 b) que µ(C) = 0. É assim<br />

evi<strong>de</strong>nte que A ∪ B ∪ C é µ-nulo, ou seja, µ está concentrada no seu complementar,<br />

que é o conjunto S = D ∪ D∞.<br />

b) Tomamos F = E ∩ D e observamos <strong>de</strong> a) que<br />

µ ∗ (E) = µ ∗ (E ∩ (D ∪ D∞) = µ ∗ (E ∩ D) = µ ∗ (F).<br />

Como Fk = {x ∈ F : f ′ (x) < k} ⊆ E, é óbvio que m(Fk) = 0. Segue-se <strong>de</strong><br />

4.7.7 b) que µ ∗ (Fk) ≤ k m(Fk) = 0, ou seja, µ ∗ (Fk) = 0 = µ(Fk). Dado que<br />

Fk ր F, po<strong>de</strong>mos concluir que µ(F) = 0 = µ(E). Em particular, E ∈ Sf.<br />

c) Temos E = A ∪ N, on<strong>de</strong> A ∈ B(R) e m(N) = 0. É claro que A ∈ Sf,<br />

porque B(R) ⊆ Sf, e vimos em a) que N ∈ Sf. Segue-se que E ∈ Sf.<br />

d) D∞ é L-mensurável, porque m(D∞) = 0. Portanto D c ∞ é L-mensurável,<br />

e segue-se <strong>de</strong> b) que D c ∞ ∈ Sf, don<strong>de</strong> D∞ ∈ Sf.<br />

f ′<br />

não existe<br />

f ′ = ∞<br />

D∞<br />

f ′ = 0<br />

0 < f ′ < ∞<br />

Figura 4.7.6: µ está concentrada on<strong>de</strong> f ′ existe e não é nula.<br />

É muito interessante reconhecer que o teorema anterior contém implícita<br />

a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Definindo λ(E) = µ(E\D∞) e ν(E) = µ(E ∩ D∞), temos<br />

µ(E) = µ(E\D∞) + µ(E ∩ D∞) = λ(E) + ν(E), para E ∈ Sf.<br />

Basta-nos notar que<br />

• λ ≪ m: <strong>de</strong> acordo com 4.7.11 b), m(E) = 0 ⇒ λ(E) = 0, e<br />

• ν⊥m: ν está concentrada em D∞ e m(D∞) = 0.<br />

D


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 279<br />

Esta observação torna-se especialmente relevante com o próximo teorema,<br />

que revela que λ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />

Teorema 4.7.12. Se f ∈ C(R) é crescente então f ′ é localmente somável e<br />

<br />

f<br />

E<br />

′ dm = µ(E ∩ D), on<strong>de</strong> E ∈ L(R) e D = {x ∈ R : 0 < f ′ (x) < ∞}.<br />

<br />

Temos em particular<br />

E<br />

f ′ dm ≤ µ(E), para qualquer E ∈ Sf.<br />

Demonstração. Seja Dk = {x ∈ D : |x| ≤ k e f ′ (x) ≤ k} para k ∈ N.<br />

Existem funções simples mensuráveis sn ≥ 0 tais que sn(x) ր f ′ (x) para<br />

qualquer x ∈ Dk, e sabemos que<br />

<br />

(1) sndm →<br />

E∩Dk<br />

E∩Dk<br />

f ′ dm, quando E ∈ L(R).<br />

Supomos como usualmente que temos, para 1 ≤ i ≤ k2 n ,<br />

sn(x) =<br />

i − 1<br />

2n quando x ∈ An,i<br />

i − 1<br />

= {x ∈ E ∩ Dk :<br />

Notamos que E ∩ Dk =<br />

k2 n<br />

<br />

i=1<br />

2n < f ′ (x) ≤ i<br />

}.<br />

2n An,i e segue-se do teorema 4.7.7 que<br />

i − 1<br />

2n m(An,i) ≤ µ(An,i) ≤ i<br />

2nm(An,i) i − 1<br />

=<br />

2n m(An,i) + 1<br />

2nm(An,i). Somando as anteriores <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em i, obtemos imediatamente<br />

<br />

<br />

sndm ≤ µ(E ∩ Dk) ≤ sndm +<br />

E∩Dk<br />

E∩Dk<br />

1<br />

m(E ∩ Dk).<br />

2n Como m(Dk) < ∞ temos <br />

E∩Dk sndm → µ(E ∩ Dk), e segue-se <strong>de</strong> (1) que<br />

<br />

µ(E ∩ Dk) = f ′ dm.<br />

E∩Dk<br />

O teorema resulta agora <strong>de</strong> notar que E ∩ Dk ր E ∩ D.<br />

O próximo resultado está assim verificado.<br />

Teorema 4.7.13 (da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue). Se f ∈ C(R) é crescente,<br />

a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da sua <strong>de</strong>rivada generalizada µ é<br />

<br />

µ(E) = f ′ dm + µ(E ∩ D∞), para qualquer E ∈ Sf.<br />

E


280 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

É simples adaptar o resultado anterior às funções contínuas <strong>de</strong> variação<br />

limitada, que são como sabemos diferenças <strong>de</strong> funções crescentes contínuas.<br />

Deixamos a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado para o exercício 7:<br />

Teorema 4.7.14. Se f ∈ C(R) ∩ BV (R) e µ é a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada,<br />

f é diferenciável qtp, f ′ é somável, f ′ 1 ≤ µ e a <strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ é<br />

<br />

µ(E) =<br />

E<br />

f ′ dm + µ(E ∩ D), para qualquer E ∈ Sf,<br />

on<strong>de</strong> m(D) = 0 e Sf é o domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> µ.<br />

O teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue permite-nos i<strong>de</strong>ntificar múltiplas<br />

circunstâncias <strong>de</strong> interesse prático on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos aplicar a regra <strong>de</strong><br />

Barrow.<br />

Exemplos 4.7.15.<br />

1. A função <strong>de</strong> Volterra f é diferenciável em toda a parte e a sua <strong>de</strong>rivada<br />

é limitada, pelo que f satisfaz uma condição <strong>de</strong> Lipschitz. Portanto f é <strong>de</strong><br />

variação limitada e D∞ = ∅. Segue-se do teorema anterior que f satisfaz a<br />

regra <strong>de</strong> Barrow.<br />

2. Se f é diferenciável em toda a parte, não se segue do teorema da <strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> Lebesgue que a regra <strong>de</strong> Barrow seja aplicável, porque f po<strong>de</strong> não<br />

ser <strong>de</strong> variação limitada (como vimos no exercício 13 da secção 4.6).<br />

3. Se f é <strong>de</strong> variação limitada, não é necessário que seja diferenciável em toda a<br />

parte para que possamos usar a regra <strong>de</strong> Barrow. Por exemplo, se o conjunto<br />

D∞ é finito ou numerável então µ(D∞) = 0, porque µ é uma medida contínua,<br />

e portanto µ({xn}) = 0 para qualquer xn ∈ D∞. Segue-se mais uma vez que<br />

µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />

Bem entendido, o resultado mais tradicional sobre a aplicação da regra<br />

<strong>de</strong> Barrow é o 2 o Teorema Fundamental do Cálculo, que é também<br />

um corolário directo do teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue. Começamos<br />

por apresentar uma sua versão algo abstracta, que é essencialmente um caso<br />

particular do chamado Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym, discutido no próximo<br />

Capítulo. Note-se que se reduz a uma consequência trivial do teorema da<br />

Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Teorema 4.7.16 (2 o Teorema Fundamental). Seja µ a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

<strong>de</strong> uma função f : R → R. Se µ ≪ m, ou seja, se f é absolutamente<br />

contínua, então µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′ .<br />

Demonstração. Sabemos que<br />

<br />

µ(E) = f ′ (x)dx + µ(E ∩ T) on<strong>de</strong> m(T) = 0.<br />

E<br />

É claro que T é µ-nulo porque µ ≪ m, e temos Sf = Lf(R) (porquê?).


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 281<br />

Passamos a enunciar e <strong>de</strong>monstrar uma versão mais “clássica”:<br />

Teorema 4.7.17 (Regra <strong>de</strong> Barrow). Se f : I → R é absolutamente contínua<br />

no intervalo compacto I então f é diferenciável qtp em I, f ′ é somável<br />

em I, e<br />

b<br />

f(b) − f(a) = f ′ (x)dx, para quaisquer a ≤ b ∈ I.<br />

a<br />

Demonstração. Definimos f em toda a recta real tomando f(x) = f(a) para<br />

x < a e f(x) = f(b), para x > b. É claro que f é <strong>de</strong> variação limitada e absolutamente<br />

contínua em R, e sabemos <strong>de</strong> 4.7.16 que µ é o integral in<strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong> f ′ . Em particular,<br />

b<br />

f(b) − f(a) = µ(]a,b]) = f ′ dm.<br />

O 1 o Teorema Fundamental po<strong>de</strong> ser enunciado como o converso exacto<br />

<strong>de</strong>sta afirmação.<br />

Teorema 4.7.18 (1o Teorema Fundamental). Seja I um intervalo compacto<br />

e f : I → R somável em I. Dado a ∈ I, seja F(x) = x<br />

a fdm, para x ∈ I.<br />

Então F é absolutamente contínua em I e F ′ (x) = f(x) qtp em I.<br />

Demonstração. Tomamos f(x) = 0 quando x ∈ I, para <strong>de</strong>finir F em R. É<br />

evi<strong>de</strong>nte que F é então absolutamente contínua e <strong>de</strong> variação limitada em<br />

R, e consi<strong>de</strong>ramos a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada µ. Notamos que:<br />

• µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, por razões óbvias, e<br />

• µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> F ′ , pelo 2 o Teorema Fundamental.<br />

Segue-se naturalmente que F ′ ≃ f.<br />

Veremos adiante como resultados <strong>de</strong>ste tipo se po<strong>de</strong>m generalizar a contextos<br />

mais abstractos. Observe-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que, quando µ é a <strong>de</strong>rivada<br />

generalizada <strong>de</strong> uma função real f e f ′ (x) existe, então temos, por exemplo,<br />

f ′ f(x + h) − f(x − h) µ(Bh(x))<br />

(x) = lim<br />

= lim<br />

h→0 2h<br />

h→0 m(Bh(x)) .<br />

Esta observação sugere consi<strong>de</strong>rar razões da forma µ(Eh)/λ(Eh) quando µ e<br />

λ são medidas num mesmo espaço mensurável e estudar o respectivo limite<br />

supondo que Eh ց {x} quando h → 0. Esse é efectivamente o caminho<br />

que conduz a versões mais gerais do 1 o Teorema Fundamental do Cálculo<br />

e à noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym, que encontraremos no próximo<br />

Capítulo.<br />

Os teoremas fundamentais adaptam-se e/ou generalizam-se facilmente a<br />

outros casos, e ilustramos este facto com alguns exemplos.<br />

a


282 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Funções<br />

absolutamente<br />

contínuas<br />

Diferenciação (q.t.p.)<br />

Integração (<strong>de</strong> Lebesgue)<br />

Funções<br />

localmente<br />

somáveis<br />

Figura 4.7.7: Os Teoremas Fundamentais do Cálculo segundo Lebesgue.<br />

Exemplos 4.7.19.<br />

1. Se f é absolutamente contínua em R, então f ′ po<strong>de</strong> ser apenas localmente<br />

somável em R. Mesmo neste caso, é claro que a regra <strong>de</strong> Barrow se aplica em<br />

qualquer intervalo compacto.<br />

2. Se µ é uma medida absolutamente contínua e localmente finita em R então<br />

µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> uma função contínua f e<br />

<br />

µ(E) = f ′ dm, para qualquer E ∈ L(R).<br />

E<br />

Em particular, as medidas absolutamente contínuas e localmente finitas são os<br />

integrais in<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> funções localmente somáveis.<br />

Referimos a seguir outras aplicações dos Teoremas Fundamentais:<br />

Exemplos 4.7.20.<br />

1. Comprimento do gráfico <strong>de</strong> f: As observações que fizémos no Capítulo<br />

I (<strong>de</strong>finição 1.5.11 e teorema 1.5.12) são aplicáveis neste contexto mais geral,<br />

e <strong>de</strong>ixamos como exercício mostrar que se f tem <strong>de</strong>rivada generalizada µ, e a<br />

sua variação total tem parte singular νs, então o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f<br />

no intervalo I é dado por<br />

<br />

I<br />

1 + f ′ (x) 2 dx + νs(I).<br />

Em particular, a fórmula do teorema 1.5.12 é válida se e só se f é uma função<br />

absolutamente contínua, i.e., se e só se f satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow.<br />

2. diferenciação <strong>de</strong> integrais paramétricos: Os Teoremas Fundamentais<br />

do Cálculo po<strong>de</strong>m ser combinados com o teorema <strong>de</strong> Fubini para <strong>de</strong>rivar integrais<br />

paramétricos. A título <strong>de</strong> exemplo, suponha-se que o integral paramétrico<br />

em causa é da forma<br />

<br />

F(s) = f(s, t)dt, para s ∈ I = [s0, s0 + ε].<br />

E


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 283<br />

Suponha-se ainda que as funções f t 2 satisfazem a regra <strong>de</strong> Barrow, ou seja,<br />

Se a função ∂f<br />

∂s<br />

<br />

F(s) = F(s0) +<br />

s<br />

∂f<br />

f(s, t) = f(s0, t) + (u, t)du<br />

∂s<br />

é somável em E × I, temos então<br />

E<br />

s<br />

s0<br />

s0<br />

<br />

∂f<br />

(u, t)du dt =<br />

∂s<br />

s <br />

s0<br />

E<br />

<br />

∂f<br />

(u, t)dt du.<br />

∂s<br />

A diferenciação <strong>de</strong> F é portanto a diferenciação <strong>de</strong> um integral in<strong>de</strong>finido, e é<br />

imediata pelo 1 o Teorema Fundamental do Cálculo.<br />

Aproveitamos para introduzir mais um exemplo interessante, uma função<br />

contínua e crescente com <strong>de</strong>rivada nula qtp, como a escada do Diabo, mas<br />

que é além disso estritamente crescente.<br />

Exemplo 4.7.21.<br />

a função <strong>de</strong> Hellinger( 27 ) : Fixamos 0 < α < 1, α = 1<br />

2 , e <strong>de</strong>finimos<br />

uma sucessão <strong>de</strong> funções fn : [0, 1] → [0, 1], cada uma estritamente crescente<br />

e contínua. Consi<strong>de</strong>ramos os pontos Pn = { k<br />

2n : 0 ≤ k ≤ 2n }, e notamos que<br />

Pn ⊆ Pn+1. O gráfico da função fn é um segmento <strong>de</strong> recta entre cada dois<br />

pontos consecutivos <strong>de</strong> Pn (ver figura 4.7.8). Passamos a <strong>de</strong>finir os valores<br />

fn( k<br />

2n ), para 0 ≤ k ≤ 2n :<br />

• f0(0) = 0, e f0(1) = 1, ou seja, f0(x) = x, para qualquer 0 ≤ x ≤ 1,<br />

• fn+1( k<br />

2 n ) = fn( k<br />

2 n), ou seja, se x ∈ Pn, então fn+1(x) = fn(x), e<br />

• fn+1( 2k+1<br />

2 n+1 ) = αfn( k<br />

2 n) + (1 − α)fn( k+1<br />

2 n ), ou seja, se x é o ponto médio<br />

<strong>de</strong> [ k<br />

2n , k+1<br />

2n ], fn+1(x) é uma combinação convexa dos valores <strong>de</strong> fn, nos<br />

extremos <strong>de</strong>sse mesmo intervalo.<br />

A figura 4.7.8 exibe as funções f1, f2, f3 e f10. A função <strong>de</strong> Hellinger hα<br />

k<br />

é <strong>de</strong>finida por hα(x) = limn→∞ fn(x). É evi<strong>de</strong>nte que hα( 2n ) = fn( k<br />

2n), ou<br />

seja, os vértices do gráfico <strong>de</strong> fn são pontos do gráfico <strong>de</strong> hα.<br />

É muito simples provar as seguintes afirmações (exercício 5):<br />

(1) Cada função fn é estritamente crescente, e<br />

(2) Se n ≤ m e k−1<br />

2 n < x < k<br />

2 n , on<strong>de</strong> 0 < k ≤ 2 n , então<br />

k − 1<br />

fn(<br />

2n ) < fn(x) < fm(x) < fn( k<br />

), ou<br />

2n 0 < fm(x) − fn(x) < fn( k k − 1<br />

2n) − fn( ).<br />

2n (3) fn(x) → hα(x) para qualquer 0 ≤ x ≤ 1, on<strong>de</strong> 0 ≤ hα(x) ≤ 1, e hα é<br />

estritamente crescente.


284 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

15<br />

16<br />

3<br />

4<br />

9<br />

16<br />

1<br />

4<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

1<br />

Figura 4.7.8: Exemplo <strong>de</strong> Hellinger, α = 1<br />

4 : as funções f1,f2,f3 e f10.<br />

Figura 4.7.9: Os gráfico <strong>de</strong> fm, m ≥ 3, e <strong>de</strong> hα estão na zona sombreada.<br />

A figura 4.7.9 ilustra a afirmação (2) para n = 3.<br />

Se um dado segmento no gráfico <strong>de</strong> fn tem <strong>de</strong>clive δ, então um cálculo simples<br />

mostra que os dois segmentos correspon<strong>de</strong>ntes no gráfico <strong>de</strong> fn+1 têm <strong>de</strong>clives<br />

2(1 − α)δ (o segmento à esquerda) e 2αδ (o segmento à direita). A observação<br />

seguinte resulta <strong>de</strong> observar que o gráfico <strong>de</strong> f0 tem evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>clive 1.<br />

(4) f ′ n só toma os valores δ = 2n α i (1 − α) n−i , on<strong>de</strong> 0 ≤ i ≤ n.<br />

Repare-se também que, supondo α < 1/2, o segmento mais à esquerda no<br />

gráfico <strong>de</strong> fn tem o <strong>de</strong>clive máximo δ = 2 n (1 − α) n , e é portanto no intervalo<br />

0 < x < 1<br />

2 n que a estimativa apresentada em (2) é maior, e igual a (1 − α) n .<br />

Po<strong>de</strong>mos por isso adaptar (2) para<br />

27 Ernst David Hellinger, 1883-1950, matemático alemão, nascido na actual Polónia. De<br />

ascendência judaica, chegou a estar preso no campo <strong>de</strong> Dachau, mas emigrou para os<br />

EUA em 1938. Ensinou em Göttingen, Marburg e Frankfurt, e nos EUA na Northwestern<br />

University e no Instituto <strong>de</strong> Tecnologia do Illinois.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 285<br />

(5) Se n ≤ m, então 0 ≤ fm(x) − fn(x) < (1 − α) n . Em particular, fn(x) →<br />

hα(x) uniformemente, e a função hα é contínua.<br />

hα é diferenciável qtp, porque é contínua e crescente, mas temos ainda<br />

(6) Se hα é diferenciável em x então h ′ α (x) = 0.<br />

Demonstração. Seja x ∈]0, 1[ um ponto <strong>de</strong> diferenciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hα. Tomamos<br />

kn = int(x2 n ), don<strong>de</strong> kn<br />

2n ≤ x < kn + 1<br />

2n , an = kn<br />

2n ր x e bn = kn + 1<br />

2<br />

As funções hα e fn coinci<strong>de</strong>m em an e bn, e temos <strong>de</strong> acordo com (4):<br />

δn = hα(bn) − hα(an)<br />

bn − an<br />

= fn(bn) − fn(an)<br />

bn − an<br />

n ց x.<br />

= 2 n a in (1 − a) n−in → h ′ α(x).<br />

Se h ′ α(x) = 0, é evi<strong>de</strong>nte que δn+1<br />

→ 1. Por outro lado, temos<br />

δn+1<br />

δn<br />

δn<br />

= 2α = 1 ou δn+1<br />

= 2(1 − α) = 1.<br />

É assim impossível que h ′ α(x) = 0, ou seja, só po<strong>de</strong>mos ter h ′ α(x) = 0.<br />

A <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> hα diz-se a medida <strong>de</strong> Hellinger, e <strong>de</strong>signa-se<br />

aqui por ηα.<br />

Dizemos que a função f é singular se e só se f ′ ≃ 0. Notamos que a<br />

função <strong>de</strong> Hellinger, aliás como a <strong>de</strong> Cantor, são funções contínuas singulares<br />

que não são constantes. O teorema da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesge permite<br />

relacionar as funções e as medidas singulares:<br />

Teorema 4.7.22. Se f ∈ BV (R) ∩ C(R) então a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

µ é singular se e só se f é singular.<br />

4.7.3 Diferenciação <strong>de</strong> Funções <strong>de</strong> Variação Limitada<br />

Os resultados sobre diferenciabilida<strong>de</strong> que acabámos <strong>de</strong> apresentar são na<br />

verda<strong>de</strong> válidos para quaisquer funções <strong>de</strong> variação limitada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> hipóteses sobre a sua continuida<strong>de</strong>, e foi aliás com esta generalida<strong>de</strong><br />

que Riesz <strong>de</strong>monstrou o seu “Lema do Sol Nascente”.<br />

A noção <strong>de</strong> semi-continuida<strong>de</strong> é útil neste contexto. Dizemos que f é<br />

semi-contínua superior em A ⊆ R N se e só se, para qualquer α ∈ R,<br />

{x ∈ A : f(x) < α} = A ∩ U, on<strong>de</strong> U ⊆ R N é aberto.<br />

Observações 4.7.23.<br />

δn


286 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

1. Deixamos como exercício verificar que f : A → R é semi-contínua superior<br />

em A se e só se( 28 )<br />

limsup f(x) = f(x0), para qualquer x ∈ A.<br />

x→x0<br />

2. Se f : A → R é semi-contínua superior em A, xn ∈ A, f(xn) → α e xn → x0<br />

então f(x0) ≥ α, porque<br />

f(xn) → α ≤ limsup f(x) = f(x0).<br />

x→x0<br />

3. Se f : R → R e existem sempre os limites laterais f(x + ) e f(x − ) (por<br />

exemplo, se f ∈ BV (R)), então é claro que<br />

limsup f(x) = max{f(x0), f(x<br />

x→x0<br />

+ 0 ), f(x−0 )}<br />

e portanto f é semi-contínua superior em R se e só se f(x) ≥ max{f(x + ), f(x − )}<br />

para qualquer x ∈ R.<br />

4. Se f : R → R é crescente então existem os limites laterais f(x + ) e f(x − ) e<br />

temos f(x − ) ≤ f(x) ≤ f(x + ). Segue-se da observação anterior que f é semicontínua<br />

superior em R se e só se f(x) = f(x + ), ou seja, se e só se f é contínua<br />

à direita em R.<br />

O próximo lema é uma variante do clássico Teorema <strong>de</strong> Weierstrass sobre<br />

extremos <strong>de</strong> funções contínuas:<br />

Lema 4.7.24. Se f : R N → R é semi-contínua superior em R N e K ⊆ R N<br />

é compacto então f tem máximo em K.<br />

Demonstração. Os conjuntos Un = {x ∈ R N : f(x) < n} formam uma<br />

cobertura aberta <strong>de</strong> K. Esta cobertura inclui uma subcobertura finita <strong>de</strong><br />

K, don<strong>de</strong> se segue que f é majorada em K.<br />

Sendo k = sup{f(x) : x ∈ K}, existe uma sucessão xn ∈ K tal que<br />

f(xn) → k. Pelo teorema <strong>de</strong> Bolzano-Weiertrass, po<strong>de</strong>mos supor que xn →<br />

x0 ∈ K. Temos f(x0) ≤ k porque x0 ∈ K, e também f(x0) ≥ k, conforme<br />

a observação 4.7.23.2.<br />

O Lema <strong>de</strong> Riesz na forma <strong>de</strong> 4.7.1 po<strong>de</strong> ser generalizado como se segue:<br />

Lema 4.7.25. Se g ∈ BV (R) é semi-contínua superior e I =]a,b[ é um<br />

intervalo limitado então<br />

∞<br />

]an,bn[,<br />

D 0 s +(g,I) =<br />

n=1<br />

on<strong>de</strong> os intervalos ]an,bn[ são disjuntos e g(bn) ≥ g(a + n ).<br />

28 Nos termos da <strong>de</strong>finição 1.4.23, o valor <strong>de</strong> f no ponto x0 afecta o cálculo <strong>de</strong><br />

lim supx→x0 f(x). Caso esse valor seja excluído do cálculo, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong>ve ser<br />

substituída pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> lim supx→x0 f(x) ≤ f(x0).


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 287<br />

Demonstração. Repetimos o argumento usado em 4.7.1 com ligeiras modificações.<br />

É fácil verificar que D0 s +(g,I) é aberto, e portanto é uma união <strong>de</strong><br />

intervalos abertos disjuntos In =]an,bn[. Po<strong>de</strong> por exemplo observar-se que,<br />

para cada y ∈ I, o conjunto {x ∈ I : x < y e g(x) < g(y)} é obviamente<br />

aberto, porque g é semi-contínua superior.<br />

A semi-continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> g em I e o conjunto D 0 s +(g,I) não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do<br />

valor g(b), e supomos para simplificar que g(b) = g(b − ). Fixado x ∈]an,bn[,<br />

e sendo M o máximo da função g no intervalo [x,b], que existe <strong>de</strong> acordo<br />

com o lema anterior, resta-nos notar mais uma vez que:<br />

(1) g(x) < M, porque existe y ∈]x,b[ tal que g(y) > g(x): Evi<strong>de</strong>nte.<br />

(2) Se c = inf{y ∈ [x,b] : g(y) = M}, então g(c) = M: De 4.7.23.2.<br />

(3) c ∈ D 0 s +(g,I), porque não existe y ∈]c,b] com g(y) > M: Evi<strong>de</strong>nte.<br />

(4) [x,c[⊂ D 0 s +(g,I): De acordo com (2), temos g(t) < g(c) para qualquer<br />

x < t < c. A afirmação é assim imediata quando c ∈ I. Se c ∈ I então<br />

é claro que c = b, e temos para qualquer x < t < b que g(t) < g(b − ),<br />

don<strong>de</strong> se segue facilmente que existe t < t ′ < b tal que g(t) < g(t ′ ), ou<br />

seja, t ∈ D 0 s +(g,I).<br />

(5) c = bn e g(a + n ) ≤ g(bn): os intervalos [x,c[ e [x,bn[ estão ambos<br />

contidos em D 0 s +(g,I), e é claro que c,bn ∈ D 0 s +(g,I). Temos portanto<br />

que c = bn. Como g(x) < g(bn), temos ainda que g(a + n ) ≤ g(bn). Esta<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é verda<strong>de</strong>ira mesmo quando bn = b e para a função g<br />

original, porque para essa função temos g(b − ) ≤ g(b).<br />

No que se segue, quando f ∈ BV (R) <strong>de</strong>signamos por f a função dada por<br />

f(x) = max{f(x),f(x + ),f(x − )}. Passamos também a <strong>de</strong>signar por C(f,I)<br />

o conjunto <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da função f no intervalo I. O seguinte<br />

lema é inteiramente elementar:<br />

Lema 4.7.26. Se f ∈ BV (R) então<br />

a) f(x + ) = f(x + ) e f(x − ) = f(x − ) para qualquer x ∈ R.<br />

b) C(f,I) ⊆ C( f,I) para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />

c) f é <strong>de</strong> variação limitada e semi-contínua superior em R.<br />

Demonstração. Deixamos a verificação <strong>de</strong> a) como exercício. Para provar<br />

b), usamos a) para concluir que<br />

f(x) = f(x + ) = f(x − ) =⇒ f(x) = f(x + ) = f(x − ).<br />

A semicontinuida<strong>de</strong> superior <strong>de</strong> f resulta <strong>de</strong> a) e da observação 4.7.23.3.


288 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

Como f ∈ BV (R), existem funções crescentes limitadas g e h tais que<br />

f = g−h. Deixamos como exercício verificar que g e h po<strong>de</strong>m ser re<strong>de</strong>finidas<br />

nos pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f para obter funções crescentes limitadas<br />

˜g e ˜ h tais que f = ˜g − ˜ h, don<strong>de</strong> concluímos que f ∈ BV (R).<br />

Po<strong>de</strong>mos agora estabelecer uma versão do Lema <strong>de</strong> Riesz para funções<br />

<strong>de</strong> variação limitada, on<strong>de</strong> escrevemos para simplificar ˜ S = S ∩ C(f,I):<br />

Lema 4.7.27 (<strong>de</strong> Riesz (III)). Se g ∈ BV (R) e I = ]a,b[ é limitado, existe<br />

um conjunto (numerável) N ⊆ I\C(g,I) tal que<br />

˜D 0 s +(g,I) ∪ N = D 0 s +(g,I) =<br />

∞<br />

]an,bn[.<br />

n=1<br />

Os intervalos ]an,bn[ são disjuntos e g(bn) ≥ g(a + n ) = g(a+ n ).<br />

Demonstração. Se x ∈ D 0 s +(g,I) ∩ C(f,I) então existe y ∈ I tal que<br />

y > x e g(y) > g(x) don<strong>de</strong> g(y) ≥ g(y) > g(x) = g(x).<br />

Concluímos assim que ˜ D 0 s +(g,I) = C(g,I) ∩ D 0 s +(g,I) ⊆ D 0 s +(g,I).<br />

Suponha-se agora que x ∈ D 0 s +(g,I), i.e., existe y ∈ I tal que<br />

y > x e g(y) > g(x) ≥ g(x).<br />

Temos portanto g(y) > g(x) ou g(y + ) > g(x) ou g(y − ) > g(x) e, em qualquer<br />

um <strong>de</strong>stes casos, é claro que x ∈ D 0 s +(g,I). Como<br />

D 0 s +(g,I) = N ∪ C(g,I) ∩ D 0 s +(g,I) e D 0 s +(g,I) ⊆ D 0 s +(g,I),<br />

o conjunto N é numerável, porque só contém pontos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

g. As restantes observações resultam <strong>de</strong> aplicar 4.7.25 à função g.<br />

Passamos a adaptar o Lema <strong>de</strong> Riesz na versão 4.7.2 a funções <strong>de</strong> variação<br />

limitada como se segue:<br />

Lema 4.7.28 (<strong>de</strong> Riesz (IV)). Se f ∈ BV (R) e I = ]a,b[ é limitado então<br />

existem conjuntos (numeráveis) N,N ′ ⊆ I\C(f,I) tais que<br />

a) ˜ D α s +(f,I)∪N = Dα s +( f,I) =<br />

b) ˜ D α i −(f,I)∪N ′ = D α i −( f,I) =<br />

∞<br />

]an,bn[ e f(bn)− f(a + n ) ≥ α (bn − an) ,<br />

n=1<br />

∞<br />

]cn,dn[ e f(d − n )− f(cn) ≤ α(dn − cn) .<br />

n=1<br />

Os intervalos ]an,bn[ e ]cn,dn[ formam famílias disjuntas.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 289<br />

˜D 0 s +(g,I)<br />

C(g,I)<br />

D 0 s +(g,I)<br />

D 0 s +(g,I)<br />

Figura 4.7.10: Os conjuntos D 0 s +(g,I), D 0 s +(g,I) e C(g,I).<br />

Demonstração. Para estabelecer a), <strong>de</strong>finimos g(x) = f(x)−αx. É claro que<br />

g(x) = f(x) − αx, C(f,I) = C(g,I), Dα s +(f,I) = D0 s +(g,I) e Dα s +( f,I) =<br />

D0 s +(g,I). Temos <strong>de</strong> 4.7.27 que<br />

˜D 0 s +(g,I) ∪ N = D0 s +(g,I) =<br />

˜D α s +(f,I) ∪ N = D α s +( f,I) =<br />

∞<br />

]an,bn[, com g(bn) ≥ g(a + n ) e portanto<br />

n=1<br />

∞<br />

]an,bn[, com f(bn) − f(a + n ) ≥ α(bn − an).<br />

n=1<br />

Para provar b), utilizamos h(x) = f(−x) + αx. Temos neste caso h(x) =<br />

f(−x) + αx, C(f,I) = −C(h, −I), D α i −(f,I) = −D 0 s +(h, −I) e D α i −( f,I) =<br />

−D 0 s +(g, −I). De acordo com 4.7.27,<br />

˜D 0 s +(h, −I)∪(−N ′ ) = D 0 s +(g, −I) =<br />

Como h(−x + ) = f(x − ) − αx,<br />

˜D α i −(f,I) ∪ N ′ = D α i −( f,I) =<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

]−dn, −cn[, com h(−cn) ≥ h(−d + n ).<br />

n=1<br />

]cn,dn[, com f(cn) − αcn ≥ f(d − n ) − αdn<br />

Quando f é crescente e limitada, f é crescente e contínua à direita, e tem<br />

<strong>de</strong>rivada generalizada µ. A proposição 4.7.3 sofre apenas alterações subtis:<br />

Proposição 4.7.29. Se f : R → R é crescente, I ⊆ R é um intervalo aberto<br />

limitado, µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f e α ≥ 0 então


290 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

a) α m( ˜ D α s +(f,I)) ≤ µ(I).<br />

b) µ( ˜ D α i −(f,I)) ≤ α m (I).<br />

Demonstração. Po<strong>de</strong>mos supor que f(x) = f(b − ) para x ≥ b e f(x) = f(a + )<br />

para x ≤ a. Os seguintes cálculos são imediatos do lema 4.7.28:<br />

αm( ˜ D α s +(f,I)) = αm(D α s +( f,I)) = α<br />

≤<br />

∞<br />

n=1<br />

∞<br />

(bn − an) ≤<br />

n=1<br />

<br />

f(bn) − f(a + <br />

∞<br />

<br />

n ) = µ ]an,bn]<br />

n=1<br />

≤ µ(I).<br />

Temos analogamente (on<strong>de</strong> observamos que µ(]c,d[) = f(d − ) − f(c)),<br />

µ( ˜ D α i −(f,I)) ≤ µ(D α i −( f,I)) =<br />

≤<br />

∞<br />

n=1<br />

<br />

f(d −<br />

n ) − <br />

f(cn) ≤<br />

∞<br />

α(dn − cn) = αm(D α i−( f,I))) ≤ αm(I).<br />

n=1<br />

O lema 4.7.6 po<strong>de</strong> tomar a seguinte forma, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração imediata:<br />

Lema 4.7.30. Se f ∈ BV (R), I é um intervalo aberto e x ∈ C(f,I) então<br />

f ′ s +(x) > α =⇒ x ∈ D α s +( f,I) e f ′ i −(x) < α =⇒ x ∈ D α i −( f,I).<br />

O teorema 4.7.7 po<strong>de</strong> ser facilmente adaptado a quaisquer funções crescentes.<br />

Teorema 4.7.31. Se f : R → R é crescente, µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

<strong>de</strong> f, α ≥ 0 e E ⊆ C(f, R) então<br />

a) f ′ s +(x) ≥ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≤ µ ∗ (E).<br />

b) f ′ i −(x) ≤ α para qualquer x ∈ E =⇒ α m ∗ (E) ≥ µ ∗ (E).<br />

Demonstração. O argumento é uma adaptação evi<strong>de</strong>nte do utilizado para<br />

4.7.7, invocando naturalmente 4.7.29 e 4.7.30 em lugar <strong>de</strong> 4.7.3 e 4.7.6.<br />

A seguinte adaptação do corolário 4.7.8 é também simples.<br />

Corolário 4.7.32. Se f : R → R é crescente e µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

<strong>de</strong> f então<br />

a) Se S = {x ∈ R : f ′ s +(x) = ∞} então m(S) = 0.<br />

b) Se E = {x ∈ R : f ′ s +(x) ≥ α > β ≥ f ′ i −(x)} então m(E) = µ( ˜ E) = 0.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 291<br />

c) Se A = {x ∈ R : f ′ s +(x) > f ′ i−(x)} então m(A) = µ( Ã) = 0.<br />

d) Se B = {x ∈ R : f ′ s −(x) > f ′ i +(x)} então m(B) = µ( ˜ B) = 0.<br />

Demonstração. a): Tomando ˜ S = S ∩C(f, R), o argumento original <strong>de</strong> 4.7.8<br />

mostra que m( ˜ S) = 0. Como o conjunto R\C(f,I) é numerável, é claro que<br />

m(S) = 0.<br />

b) e c): O argumento original é aplicável substituindo R por C(f,I).<br />

d): Tomamos mais uma vez h(x) = −f(−x), mas neste caso λ é a<br />

<strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> h. O argumento original continua aplicável, porque<br />

é ainda verda<strong>de</strong> que µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />

Os teoremas <strong>de</strong> diferenciação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m<br />

ser reformulados para eliminar as hipóteses <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> com que foram<br />

inicialmente obtidos. A título <strong>de</strong> exemplo, temos<br />

Teorema 4.7.33 (<strong>de</strong> Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue (II)). Seja f : R → R uma<br />

função crescente e µ a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f. Seja ainda T = {x ∈<br />

C(f, R) : f ′ (x) = +∞} e D = {x ∈ R : f(x + ) = f(x − )}. Existem então<br />

uma medida contínua singular λ e uma medida discreta σ tais que<br />

<br />

µ(E) = f ′ (x)dx + λ(E) + σ(E),<br />

E<br />

on<strong>de</strong> λ(E) = µ(E ∩ T) e σ(E) = µ(E ∩ D). Em particular, existem funções<br />

crescentes g, s e d tais que f = g + s + d, g é absolutamente contínua, s é<br />

contínua e singular e d é discreta.( 29 )<br />

Deve ser claro que f = (g + s) + d é a <strong>de</strong>composição em parte contínua<br />

e parte discreta mencionada em 4.5.11, e se ρ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f ′<br />

então µ = ρ + (λ + σ) é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> µ. É interessante<br />

verificar que as funções em causa são todas diferenciáveis qtp e s ′ ≃ d ′ ≃ 0.<br />

Exercícios.<br />

1. Prove que (i) ⇔ (ii) ⇒ (iii), on<strong>de</strong> as afirmações (i), (ii) e (iii) são as seguintes:<br />

(i) Existe α ′ > α e uma sucessão xn ց x tal que f(xn)−f(x)<br />

xn−x<br />

f(x+h)−f(x)<br />

(ii) limsuphց0 h > α.<br />

(iii) x ∈ D α s +(I), sempre que x ∈ I.<br />

→ α′ > α.<br />

2. Mantendo as hipóteses e notação do lema 4.7.2, mostre que se an < x < bn,<br />

então f(x) < f(bn), e se an > a, então f(an) = f(bn). Como se po<strong>de</strong> adaptar<br />

o lema 4.7.2 para o caso em que I não é limitado?<br />

3. Demonstre o corolário 4.7.2.<br />

29 As funções f ∈ BV (R) para as quais s = 0 formam o espaço SBV (R), <strong>de</strong> Simple<br />

Boun<strong>de</strong>d Variation, na terminologia introduzida por E. De Giorgi e L.Ambrosio em 1988.


292 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s<br />

4. Supondo h(x) = −f(−x), mostre que f ′ i +(x) = h ′ i −(−x), e f ′ s −(x) = h ′ s +(−x).<br />

5. Demonstre as afirmações (2) e (3), relativas ao exemplo <strong>de</strong> Hellinger.<br />

6. Existem funções contínuas que não são monótonas em nenhum intervalo nãotrivial?<br />

7. Demonstre o teorema 4.7.14.<br />

8. Como <strong>de</strong>screve as medidas absolutamente contínuas e σ-finitas em R?<br />

9. Mostre que se f ∈ BV (R) ∩C(R) e {x ∈ R : |f ′ (x)| = ∞} é numerável então<br />

f satisfaz a regra <strong>de</strong> Barrow.<br />

10. Mostre que ηα⊥ηβ quando α = β.<br />

11. Seja f : R → R a função dada por f(x) = 1 + x, para x ≥ 0, com f(x) = 0<br />

para x ≤ 0. Determine a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

<strong>de</strong> f.<br />

12. Seja F a escada do Diabo, e<br />

⎧<br />

⎨ 0, se x < 0,<br />

f(x) = cos(πx) + F(x), se 0 ≤ x < 1,<br />

⎩<br />

0, se x ≥ 1.<br />

Qual é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue da <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f?<br />

13. A “escada do diabo” foi <strong>de</strong>finida usando o conjunto <strong>de</strong> Cantor. Substituindo<br />

nesta <strong>de</strong>finição o conjunto <strong>de</strong> Cantor pelo exemplo <strong>de</strong> Volterra Cε(I), com ε ><br />

0, seja Fε a correspon<strong>de</strong>nte “escada”, e ξε a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada.<br />

Qual é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> ξε?<br />

14. Suponha que as funções fn <br />

: R → R são crescentes, e a série f(x) =<br />

∞<br />

n=1 fn(x) converge em R. Prove que f ′ ≃ ∞<br />

n=1 f ′ n. sugestão: Use a<br />

unicida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue. Este resultado diz-se o Teorema <strong>de</strong><br />

diferenciação <strong>de</strong> Fubini ou, mais coloquialmente, o “pequeno” teorema <strong>de</strong><br />

Fubini.<br />

15. Mostre que qualquer função discreta <strong>de</strong> variação limitada é singular.<br />

16. Suponha que f : [0, 1] → [0, 1] é uma função contínua, estritamente crescente,<br />

e singular. Mostre que a medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes <strong>de</strong>terminada pela<br />

inversa f −1 : [0, 1] → [0, 1] é singular.<br />

17. Mostre que f : R → R é semi-contínua superior em A ⊆ R se e só se<br />

f(a) = limsup x→a f(x), para qualquer a ∈ A.


4.7. Os Teoremas Fundamentais do Cálculo em R 293<br />

18. Suponha que a medida real µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e sejam g e<br />

h funções distribuição <strong>de</strong> µ + e µ − . Sendo F = g + h, prove que F ′ ≃ |f ′ | e<br />

g ′ h ′ ≃ 0.<br />

19. Mostre que se f e g são L-mensuráveis então h = f ◦g não é necessariamente<br />

mensurável. sugestão: Determine uma função g contínua e estritamente<br />

crescente tal que g(A) = B, on<strong>de</strong> A não é mensurável, e m(B) = 0.<br />

20. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 4.7.26, estabelecendo as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

f(x + ) = f(x + ) e f(x − ) = f(x − ). Mostre ainda que f ∈ BV (R).<br />

21. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 4.7.32, verificando que µ ∗ (E) = λ ∗ (−E).<br />

22. Suponha que f ∈ BV (R) ∩ C(R), seja µ a respectiva <strong>de</strong>rivada generalizada<br />

e λ(I) o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no intervalo I. Prove que<br />

max{m(I), |µ|(I)} ≤ λ(I) ≤ m(I) + |µ|(I).<br />

Aproveite para generalizar o resultado que provámos sobre o comprimento do<br />

gráfico da escada do diabo, ou seja, mostre que se f é singular então<br />

λ(I) = m(I) + |µ|(I).<br />

23. Suponha que a medida real µ é a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> f, e mostre que<br />

existe uma medida positiva λ tal que λ(I) é o comprimento do gráfico <strong>de</strong> f no<br />

intervalo I. Calcule a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ, tal como indicada no<br />

exemplo 4.7.20.1, e verifique em particular que a clássica fórmula<br />

<br />

<br />

λ(I) = 1 + f ′2dx é válida se e só se f é absolutamente contínua.<br />

I


294 Capítulo 4. Outras <strong>Medida</strong>s


Capítulo 5<br />

Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Passamos neste Capítulo ao estudo <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> funções<br />

<strong>de</strong>finidas num espaço <strong>de</strong> medida arbitrário (X, M,µ), <strong>de</strong> que a aplicação<br />

mais evi<strong>de</strong>nte é a Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s. Na realida<strong>de</strong>, quando (X, M,µ)<br />

é um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s, as funções mensuráveis dizem-se, normalmente,<br />

variáveis aleatórias, e o integral <strong>de</strong> uma variável aleatória em or<strong>de</strong>m<br />

à medida <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> µ é o seu valor médio, ou expectável.<br />

A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> uma função <strong>de</strong>finida num conjunto “arbitrário”<br />

X é um subconjunto <strong>de</strong> X × R. Para atribuir um integral a uma função<br />

<strong>de</strong>ste tipo, é necessário atribuir uma medida apropriada a subconjuntos <strong>de</strong><br />

X × R. Veremos que a teoria <strong>de</strong>senvolvida nos Capítulo anteriores permite<br />

a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida com suporte em X × R, obtido, por um<br />

procedimento muito natural, a partir dos espaços (X, M,µ) e (R, L(R),m).<br />

Mostraremos em seguida que as proprieda<strong>de</strong>s mais significativas dos integrais<br />

<strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Lebesgue” são válidas, essencialmente<br />

sem modificação, neste contexto muito geral, reduzindo a teoria<br />

<strong>de</strong>senvolvida no Capítulo anterior a um caso particular. Demonstramos<br />

uma versão abstracta do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue, aplicável a funções<br />

<strong>de</strong>finidas em X × Y , on<strong>de</strong> (X, M,µ) e (Y, N,λ) são espaços <strong>de</strong> medida<br />

quaisquer, e estudamos o clássico Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue,<br />

que generaliza o 2 o Teorema Fundamental do Cálculo e o Teorema da Decomposição<br />

<strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Terminamos o capítulo com o que é, sobretudo, uma ligeira introdução<br />

ao vastíssimo domínio da Análise Funcional. Introduzimos aqui diversos<br />

exemplos <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> (classes <strong>de</strong>) funções mensuráveis, fundamentais em<br />

múltiplas aplicações da Análise Real a outros ramos da Matemática, e a<br />

outras áreas científicas, e discutimos questões técnicas sofisticadas, suscitadas<br />

pelo estudo <strong>de</strong>stes espaços. Consi<strong>de</strong>ramos, em particular, a generalização<br />

<strong>de</strong> noções topológicas que conhecemos <strong>de</strong> R N , incluindo a <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> sucessões nestes espaços, e o estudo dos<br />

respectivos espaços duais, que são constituídos pelas suas transformações<br />

295


296 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

lineares contínuas. Estes espaços duais são indispensáveis à adaptação das<br />

i<strong>de</strong>ias e métodos do Cálculo Diferencial em RN para o contexto <strong>de</strong> espaços<br />

<strong>de</strong> funções, que é o Cálculo <strong>de</strong> Variações. É difícil subestimar a importância<br />

<strong>de</strong>sta área, tendo em conta que as mais importantes teorias da Física mo<strong>de</strong>rna<br />

se baseiam em princípios variacionais. Os resultados aqui apresentados<br />

são, sem qualquer dúvida, dos mais significativos e relevantes da Análise<br />

Real, e são uma magnífica ilustração da superiorida<strong>de</strong> técnica da teoria da<br />

integração <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

5.1 A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m<br />

R<br />

Ω +<br />

D∞<br />

f<br />

Figura 5.1.1: <br />

E<br />

X × R<br />

Ω −<br />

fdµ =?<br />

Dado um qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), propomo-nos agora i<strong>de</strong>ntificar<br />

as funções f : X → R, ditas “M−mensuráveis”, e <strong>de</strong>finir integrais<br />

<strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida µ”, para uma subclasse apropriada das<br />

funções M-mensuráveis. O principal obstáculo técnico a vencer é, naturalmente,<br />

a indispensável generalização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<br />

E<br />

fdmN = mN+1(Ω +<br />

−<br />

E (f)) − mN+1(ΩE (f)).<br />

No caso <strong>de</strong> f : X → R, os conjuntos Ω +<br />

E (f) e Ω−<br />

E (f) são dados por<br />

Ω +<br />

E (f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y < f(x)}, e<br />

Ω − E (f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y > f(x)}.<br />

Os conjuntos Ω +<br />

E (f) e Ω−<br />

E (f) são evi<strong>de</strong>ntemente subconjuntos <strong>de</strong> X × R<br />

e, por isso, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <br />

E fdµ exige uma resposta prévia às seguintes<br />

questões:<br />

5.1.1. Dado o espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ),<br />

(1) Que subconjuntos <strong>de</strong> X × R são “mensuráveis” em algum sentido razoável<br />

do termo?<br />

X


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 297<br />

(2) Qual a “medida” <strong>de</strong>sses subconjuntos “mensuráveis” <strong>de</strong> X × R?<br />

Exemplos 5.1.2.<br />

1. Na teoria das probabilida<strong>de</strong>s, e dado um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s (X, M, µ),<br />

as funções M-mensuráveis dizem-se variáveis aleatórias. Tipicamente, temos<br />

X = R N , M = B(R N ), e as variáveis aleatórias são, como veremos imediatamente<br />

a seguir, as funções borel-mensuráveis. O integral <strong>de</strong> f em or<strong>de</strong>m<br />

a µ é o chamado valor médio, ou expectável, <strong>de</strong> f.<br />

2. Quando X = N, as funções f : X → R são simplesmente as sucessões reais.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos a σ-álgebra M = P(N), com a medida <strong>de</strong> contagem (cardinal)<br />

µ = #. Veremos que as funções M-mensuráveis são aqui todas as sucessões<br />

reais. Veremos também que o integral <strong>de</strong> f : N → R “em or<strong>de</strong>m a #” é<br />

f(n), sempre que esta série é absolutamente convergente.<br />

∞<br />

n=1<br />

3. Os “integrais <strong>de</strong> Stieltjes” são, como veremos, integrais em or<strong>de</strong>m a<br />

medidas <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes. Por exemplo, se f ≥ 0 é Borel-mensurável em<br />

R, e ξ é a medida <strong>de</strong> Cantor, o integral<br />

<br />

fdξ<br />

R<br />

é um integral <strong>de</strong> Stieltjes. A medida <strong>de</strong> Cantor é <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, e neste<br />

sentido o integral acima é o valor expectável <strong>de</strong> f.<br />

Para enten<strong>de</strong>r a referência ao nome <strong>de</strong> Stieltjes neste contexto, recor<strong>de</strong>-se que<br />

g(x)dx são limites <strong>de</strong> somas “<strong>de</strong> Riemann”, do tipo<br />

os integrais <strong>de</strong> Riemann b<br />

a<br />

n<br />

k=1<br />

g(x ∗ k)(xk − xk−1).<br />

Stieltjes substituiu os factores ∆xk = (xk −xk−1) por F(xk)−F(xk−1), on<strong>de</strong> F<br />

é uma função arbitrária, e consi<strong>de</strong>rou o limite correspon<strong>de</strong>nte, quando existe,<br />

como o integral que hoje dizemos <strong>de</strong> “Riemann-Stieltjes”:<br />

b<br />

g(x)dF = lim<br />

a<br />

diam(P)→0<br />

k=1<br />

n<br />

g(x ∗ k)(F(xk) − F(xk−1)).<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Stieltjes generaliza a <strong>de</strong> Riemann, porque esta última correspon<strong>de</strong><br />

à escolha F(x) = x. Na terminologia actual, Stieltjes substituiu a medida<br />

<strong>de</strong> Lebesgue m(Ik) do intervalo Ik =]xk−1, xk] pela medida µ(Ik), on<strong>de</strong> µ é<br />

a <strong>de</strong>rivada generalizada <strong>de</strong> F. Foi assim o primeiro matemático a estudar<br />

integrais que hoje reconhecemos como sendo em or<strong>de</strong>m a uma medida µ = m.<br />

A resposta às questões colocadas em 5.1.1 é surpreen<strong>de</strong>ntemente simples,<br />

e resulta <strong>de</strong> adaptar a afirmação feita em 2.2.21 a), ou seja,<br />

A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ) =⇒ A × B ∈ L(R N+M ), e<br />

mN+M(A × B) = mN(A)mM(B).


298 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Abstraímos daqui o princípio <strong>de</strong> que o produto cartesiano <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis<br />

<strong>de</strong>ve ser mensurável, e a sua medida <strong>de</strong>ve ser o produto das medidas<br />

dos conjuntos em causa. Mais precisamente, se A ⊆ X é M-mensurável e<br />

se B ⊆ R é, pelo menos, Borel-mensurável, então<br />

5.1.3. A × B <strong>de</strong>ve ser “mensurável” em X × R, com “medida” dada por<br />

ρ(A × B) = µ(A)m(B).<br />

A medida ρ, a existir, está <strong>de</strong>finida pelo menos na σ-álgebra gerada em<br />

X × R pelos conjuntos da forma A × B, on<strong>de</strong> A ∈ M e B ∈ B(R).<br />

É conveniente introduzir esta σ-álgebra num contexto um pouco mais<br />

geral, que nos será útil mais adiante, quando <strong>de</strong>finirmos o produto <strong>de</strong> quaisquer<br />

dois espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν).<br />

Definição 5.1.4 (Produto <strong>de</strong> σ-álgebras). Se (X, M) e (Y, N) são espaços<br />

mensuráveis, <strong>de</strong>signamos por M ⊗ N a σ-álgebra gerada em X × Y pelos<br />

conjuntos da forma A × B, on<strong>de</strong> A ∈ M e B ∈ N.<br />

Exemplo 5.1.5.<br />

Para calcular o produto <strong>de</strong> σ-álgebras <strong>de</strong> Borel, recordamos que<br />

A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ) =⇒ A × B ∈ B(R N+M ).<br />

A σ-álgebra B(R N+M ) é assim uma das σ-álgebras que contêm os conjuntos<br />

da forma A × B, com A ∈ B(R N ) e B ∈ B(R M ), e portanto<br />

B(R N ) ⊗ B(R M ) ⊆ B(R N+M ).<br />

Por outro lado, se U ⊆ RN e V ⊆ RM são abertos, é evi<strong>de</strong>nte que U ×<br />

V ∈ B(RN ) ⊗ B(RM ), por <strong>de</strong>finição. É fácil concluir daqui que a σ-álgebra<br />

B(RN ) ⊗ B(RM ) contém todos os abertos <strong>de</strong> RN+M . Como B(RN+M ) é, por<br />

<strong>de</strong>finição, a menor σ-álgebra que contém todos os abertos <strong>de</strong> RN+M , temos<br />

B(R N+M ) ⊆ B(R N ) ⊗ B(R M ), don<strong>de</strong> B(R N ) ⊗ B(R M ) = B(R N+M ).<br />

Dado um espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), po<strong>de</strong>mos utilizar a σ-álgebra<br />

M ⊗ B(R) para i<strong>de</strong>ntificar os conjuntos “mensuráveis” em X × R. É um<br />

problema um pouco mais difícil mostrar que existe, além disso, uma medida<br />

ρ, <strong>de</strong>finida em M ⊗ B(R), e satisfazendo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em 5.1.3, i.e., tal que<br />

ρ(A × B) = µ(A)m(B), quando A ∈ M, e B ∈ B(R).<br />

Exemplo 5.1.6.<br />

Seja (X, M, µ) = (R N , L(R N ), mN) o espaço <strong>de</strong> Lebesgue. Neste caso, temos,<br />

certamente,<br />

M ⊗ B(R) = L(R N ) ⊗ B(R) ⊆ L(R N ) ⊗ L(R) ⊆ L(R N+1 ).<br />

Po<strong>de</strong>mos, por razões evi<strong>de</strong>ntes, tomar para ρ a restrição da medida <strong>de</strong> Lebesgue<br />

mN+1 à σ-álgebra L(R N ) ⊗ B(R).


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 299<br />

Demonstraremos, nesta secção, o seguinte resultado:<br />

Teorema 5.1.7 (Espaço com suporte em X ×R). Se (X, M,µ) é um espaço<br />

<strong>de</strong> medida, então existe uma medida µ ⊗ m <strong>de</strong>finida em M ⊗ B(R), tal que<br />

(µ ⊗ m)(A × B) = µ(A)m(B), ∀A∈M∀ B∈B(R).<br />

Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar este teorema, mostramos como este resultado nos<br />

permite <strong>de</strong>finir integrais <strong>de</strong> Lebesgue “em or<strong>de</strong>m à medida µ”, para funções<br />

f : X → R, ditas, neste caso, “M-mensuráveis”.<br />

Definição 5.1.8 (Integrais em or<strong>de</strong>m à medida µ). Seja E ⊆ S ⊆ X, e<br />

f : S → R.<br />

a) f é M-mensurável em E se e só se ΩE(f) ∈ M ⊗ B(R).<br />

b) Se f é M-mensurável em E, e pelo menos um dos conjuntos Ω +<br />

E (f)<br />

e Ω −<br />

E (f) tem medida (µ ⊗ m) finita, o integral <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> f<br />

(em or<strong>de</strong>m a µ) em E é dado por<br />

<br />

fdµ = (µ ⊗ m)(Ω +<br />

E (f)) − (µ ⊗ m)(Ω− E (f)).<br />

E<br />

c) Se f é M-mensurável em E, então f é µ-somável em E se e só se<br />

(µ ⊗ m)(ΩE(f)) < ∞.<br />

Exemplos 5.1.9.<br />

1. o espaço <strong>de</strong> borel: Se (X, M, µ) = (R N , B(R N ), mN) é o espaço <strong>de</strong> Borel,<br />

já vimos que<br />

M ⊗ B(R) = B(R N+1 ).<br />

Por esta razão, as funções B(R N )-mensuráveis, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>finição<br />

acima, são as funções Borel-mensuráveis, que introduzimos em 3.1.1.<br />

A medida mN ⊗ m coinci<strong>de</strong> com a medida mN+1, pelo menos na classe dos<br />

conjuntos elementares, e sabemos do Capítulo 2 que neste caso mN ⊗ m =<br />

mN+1, em toda a σ-álgebra B(R N+1 ).<br />

Concluímos que a <strong>de</strong>finição acima inclui, como caso particular, a <strong>de</strong>finição<br />

3.1.1, quando esta última é aplicada a funções borel-mensuráveis.<br />

2. o espaço das sucessões reais: Trata-se, como vimos no exemplo 5.1.2.2,<br />

do espaço (N, P(N), #), on<strong>de</strong> # é a medida <strong>de</strong> contagem. É simples verificar<br />

que qualquer sucessão f : N → R é M-mensurável. Suponha-se, para isso, que<br />

f(n) = an, An = {n}, e os intervalos In são dados por:<br />

⎧<br />

⎨ ]0, an[, se an > 0,<br />

In = ∅, se an = 0,<br />

⎩<br />

]an, 0[, se an < 0.<br />

A região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> f é ΩN(f) = ∞<br />

n=1 An × In, e notamos que:


300 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• Os conjuntos An × In são P(N) ⊗ B(R)-mensuráveis, porque An ∈ P(N),<br />

In é um intervalo, e P(N)⊗B(R) contém, por <strong>de</strong>finição, todos os conjuntos<br />

<strong>de</strong>ste tipo, e<br />

• ΩN(f) é uma união numerável <strong>de</strong> conjuntos P(N) ⊗ B(R)-mensuráveis, e<br />

portanto é P(N) ⊗ B(R)-mensurável.<br />

Se f é não-negativa, po<strong>de</strong>mos calcular imediatamente o seu integral. Como<br />

(# ⊗ m) é uma medida,<br />

<br />

N<br />

∞<br />

fd# =(# ⊗ m)(ΩN(s)) = (# ⊗ m)( An × In) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

∞<br />

∞<br />

= (# ⊗ m)(An × In) == #(An) × m(]0, an[) = an.<br />

Por outras palavras, a soma <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> termos não-negativos é também<br />

um integral <strong>de</strong> Lebesgue (em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> contagem). Se f muda <strong>de</strong><br />

sinal, temos então<br />

<br />

∞<br />

|f|d# = |an|,<br />

X<br />

e as funções #-somáveis correspon<strong>de</strong>m às séries absolutamente convergentes.<br />

É simples mostrar que, para as funções #-somáveis, temos igualmente<br />

<br />

X<br />

fd# =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

an.<br />

A questão da mensurabilida<strong>de</strong> das secções <strong>de</strong> conjuntos mensuráveis é<br />

<strong>de</strong> importância fundamental, conforme vimos no Capítulo anterior, quando<br />

estudámos o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue e as suas múltiplas consequências.<br />

No que se segue, se E ⊆ X × Y , x ∈ X, e y ∈ Y , consi<strong>de</strong>ramos apenas<br />

secções dos tipos Ex = {y ∈ Y : (x,y) ∈ E}, e E y = {x ∈ X : (x,y) ∈ E}.<br />

Demonstraremos mais adiante uma versão (5.7.6) muito geral do teorema <strong>de</strong><br />

Fubini-Lebesgue, mas po<strong>de</strong>mos provar imediatamente o seguinte resultado.<br />

Teorema 5.1.10. Sejam (X, M) e (Y, N) espaços mensuráveis quaisquer.<br />

Se E ∈ M ⊗ N, i.e., se E é M ⊗ N-mensurável, então<br />

n=1<br />

a) Para qualquer x ∈ X, a secção Ex ⊆ Y é N-mensurável, e<br />

b) Para qualquer y ∈ Y , a secção E y ⊆ X é M-mensurável.<br />

c) Se E ⊆ X, f : E → R é M-mensurável, e λ ≥ 0, então os conjuntos<br />

n=1<br />

F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ}, e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ}<br />

são M-mensuráveis para qualquer λ.


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 301<br />

Demonstração. Seja A a classe formada por todos os conjuntos E ⊆ X ×Y ,<br />

cujas secções Ex e E y são mensuráveis, nos espaços apropriados.<br />

Observamos que:<br />

A = {E ⊆ X × Y : Ex ∈ N,∀x∈X, e E y ∈ M, ∀y∈Y } .<br />

(i) A classe A contém todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e<br />

B ∈ N: Basta notar que:<br />

(A × B)x =<br />

B, se x ∈ A<br />

∅, se x ∈ A,<br />

, e (A × B) y =<br />

(ii) A classe A é uma σ-álgebra: Observamos que:<br />

Se E =<br />

(E c ) x = (Ex) c ,(E c ) y = (E y ) c , e,<br />

∞<br />

En, então Ex =<br />

n=1<br />

∞<br />

(En)x, e E y =<br />

n=1<br />

Como M e N são σ-álgebras, <strong>de</strong>ve ser claro que<br />

E ∈ M ⊗ N ⇒ E c ∈ M ⊗ N, e En ∈ M ⊗ N ⇒<br />

A, se y ∈ B<br />

∅, se y ∈ B,<br />

∞<br />

(En) y .<br />

n=1<br />

∞<br />

En ∈ M ⊗ N.<br />

Como a classe M ⊗ N é, por <strong>de</strong>finição, a menor σ-álgebra que contém<br />

todos os conjuntos do tipo A × B, com A ∈ M e B ∈ N, e A é, também,<br />

uma σ-álgebra que contém estes conjuntos, concluímos que M ⊗ N ⊆ A, o<br />

que <strong>de</strong>monstra a) e b).<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> c) fica para o exercício 8.<br />

Exemplo 5.1.11.<br />

o espaço <strong>de</strong> Lebesgue: O produto <strong>de</strong> σ-álgebras <strong>de</strong> Lebesgue não é uma<br />

σ-álgebra <strong>de</strong> Lebesgue. Sabemos que<br />

n=1<br />

A ∈ L(R N ) e B ∈ L(R M ) =⇒ A × B ∈ L(R N+M ),<br />

e, por esta razão, continua a ser válida a conclusão:<br />

L(R N ) ⊗ L(R M ) ⊆ L(R N+M ).<br />

No entanto, existem conjuntos E ∈ L(R N+M ) cujas secções não são, todas,<br />

Lebesgue-mensuráveis. Por exemplo, se A tem medida nula, então A × B é<br />

Lebesgue-mensurável, mesmo que B o não seja. Concluímos, <strong>de</strong>ste facto, e do<br />

teorema anterior, que<br />

(i) L(R N ) ⊗ L(R M ) = L(R N+M ).


302 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Aplicando a <strong>de</strong>finição 5.1.8 ao espaço <strong>de</strong> Lebesgue (R N , L(R N ), mN), então<br />

(ii) f : R N → R é L(R N )-mensurável ⇔ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R), e<br />

Aplicando a <strong>de</strong>finição “original” 3.1.1, temos<br />

(iii) f : R N → R é L-mensurável ⇔ Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ).<br />

Apesar <strong>de</strong> L(R N ) ⊗ L(R) = L(R N+1 ), a discrepância entre (ii) e (iii) é apenas<br />

aparente, e <strong>de</strong>ixamos como exercício (12) verificar que<br />

Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ) =⇒ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R).<br />

Por outras palavras, a classe das funções L-mensuráveis, no sentido <strong>de</strong> 3.1.1, é<br />

a classe das funções L(R N )-mensuráveis, no sentido <strong>de</strong> 5.1.8.<br />

As i<strong>de</strong>ias sobre funções simples generalizam-se, sem qualquer dificulda<strong>de</strong>,<br />

ao contexto mais geral <strong>de</strong> um espaço (X, M,µ). Tal como nos espaços <strong>de</strong><br />

Borel e <strong>de</strong> Lebesgue, temos<br />

Lema 5.1.12. Se s : S → R é simples em E ⊆ S ⊆ X, então s é M-mensurável<br />

em S se e só se existe uma partição finita P do conjunto A =<br />

{x ∈ E : s(x) = 0}, em conjuntos M-mensuráveis, P = {A1,A2, · · · ,An},<br />

tais que s é constante em cada conjunto Ai.<br />

Continuamos a dizer que a partição P é apropriada à função s, no<br />

conjunto E, se é formada por conjuntos mensuráveis, s é constante em cada<br />

conjunto em P, e P é uma cobertura do conjunto A. As fórmulas para<br />

o cálculo <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> funções simples que vimos em 3.4.4 mantêm-se<br />

inalteradas:<br />

Proposição 5.1.13 (Integrais <strong>de</strong> funções simples). Seja s : S → R simples<br />

M-mensurável em S, e P = {A1,A2, · · · ,An} uma partição apropriada a<br />

s. Se s(x) = αi quando x ∈ Ai, então:<br />

a) s é somável em S se e só se n i=1 |αi|µ(Ai) < +∞.<br />

b) Se o integral <strong>de</strong> s em or<strong>de</strong>m a µ existe, <br />

S sdµ = n i=1 αiµ(Ai).<br />

Demonstração. Demonstramos apenas b), e para o caso s ≥ 0. Como Ai ∈<br />

M, os conjuntos Ri = Ai×]0,αi[ são M ⊗ B(R)-mensuráveis. temos<br />

<br />

E<br />

ΩE(s) = Ω +<br />

E (s) =<br />

sdµ = (µ ⊗ m)(ΩE(s)) =<br />

n<br />

Ai×]0,αi[, don<strong>de</strong><br />

i=1<br />

n<br />

(µ ⊗ m)(Ai×]0,αi[) =<br />

i=1<br />

n<br />

αiµ(Ai).<br />

i=1


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 303<br />

Exemplo 5.1.14.<br />

espaços <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>: Seja (X, M, µ) um espaço <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s, e<br />

s : X → R uma variável aleatória simples. Suponha-se que s assume os valores<br />

a1, a2, · · · , an, respectivamente, nos conjuntos A1, A2, · · · , An. Na terminologia<br />

usual da teoria das probabilida<strong>de</strong>s, temos:<br />

• O conjunto Ai é o acontecimento “s(x) = ai”,<br />

• µ(Ai) é a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ai, i.e., a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “s(x) = ai”.<br />

O integral <strong>de</strong> s em or<strong>de</strong>m a µ é<br />

<br />

X<br />

sdµ =<br />

n<br />

αiµ(Ai),<br />

e é claramente o valor médio (ou expectável) da variável aleatória s.<br />

i=1<br />

O teorema 5.1.7 não contém nenhuma afirmação sobre a unicida<strong>de</strong> da<br />

medida µ ⊗ m. Portanto, não é por enquanto claro se a <strong>de</strong>finição 5.1.8 é<br />

ambígua, no que diz respeito ao valor do integral <strong>de</strong> uma função em or<strong>de</strong>m<br />

à medida µ. No entanto, é óbvio do lema 5.1.13 que essa ambiguida<strong>de</strong> não<br />

existe para funções simples M-mensuráveis. Veremos no teorema 5.2.11 que<br />

as funções M-mensuráveis po<strong>de</strong>m ser aproximadas por funções simples Mmensuráveis,<br />

o que nos permitirá mostrar que o integral tal como <strong>de</strong>finido<br />

em 5.1.8 é único.<br />

Antes <strong>de</strong> passarmos à <strong>de</strong>monstração do teorema 5.1.7, notamos que este<br />

é mais um “problema <strong>de</strong> extensão”, análogo aos problemas <strong>de</strong> Borel, <strong>de</strong><br />

Lebesgue, e <strong>de</strong> Stieltjes. Num problema <strong>de</strong>ste tipo, dada uma classe C <strong>de</strong><br />

subconjuntos <strong>de</strong> um conjunto fixo S, e uma função λ : C → [0,+∞] <strong>de</strong>finida<br />

apenas para os conjuntos em C, preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>terminar um espaço <strong>de</strong> medida<br />

(S, A,ρ) que seja extensão <strong>de</strong> (S, C,λ), i.e., tal que<br />

A ⊇ C e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ C.<br />

As i<strong>de</strong>ias que usámos para resolver o problema “fácil” <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong>m<br />

ser adaptadas para resolver problemas mais gerais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que certas<br />

hipóteses auxiliares apropriadas sejam satisfeitas. A técnica base não sofre<br />

qualquer modificação, e consiste em<br />

• Usar a função “original” λ para <strong>de</strong>finir uma medida exterior λ ∗ ,<br />

• Consi<strong>de</strong>rar a σ-álgebra Mλ ∗, formada pelos conjuntos λ∗ -mensuráveis,<br />

• Tomar ρ igual à restrição da medida exterior λ ∗ à σ-álgebra A = Mλ ∗.


304 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

P(S)<br />

Mλ ∗<br />

C<br />

Figura 5.1.2: As funções λ : C → [0,+∞], ρ : Mλ ∗ → [0,+∞], e λ∗ :<br />

P(S) → [0,+∞].<br />

Teorema 5.1.15. Seja C ⊆ P(S), e λ : C → [0,+∞] uma função não<br />

i<strong>de</strong>nticamente +∞, e σ-aditiva em C. Supomos que C é uma semi-álgebra<br />

em S, e uma cobertura sequencial <strong>de</strong> S. Definimos λ∗ : P(S) → [0, ∞] por<br />

λ ∗ <br />

∞<br />

∞<br />

<br />

(E) = inf λ(En) : E ⊆ En, com En ∈ C .<br />

Temos então que<br />

n=1<br />

a) λ ∗ é uma medida exterior em S, e portanto a restrição <strong>de</strong> λ ∗ à classe<br />

Mλ ∗, formada pelos conjuntos λ∗ -mensuráveis, é uma medida ρ.<br />

b) ρ é uma extensão <strong>de</strong> λ, i.e., C ⊆ Mλ∗, e ρ(E) = λ(E), para qualquer<br />

E ∈ C.<br />

Demonstração. a) é imediato <strong>de</strong> 2.5.4 e 2.5.15. Para verificar b), mostramos<br />

primeiro que<br />

(i) λ ∗ (E) = λ(E), para qualquer E ∈ C:<br />

Demonstração. Se E ∈ C, po<strong>de</strong>mos tomar, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ ∗ (E),<br />

E1 = E, e, para n > 1, En = ∅. Obtemos imediatamente que<br />

λ ∗ (E) ≤ λ(E). Por outro lado, como λ é σ-aditiva na semi-álgebra C,<br />

é igualmente σ-subaditiva em C, e, portanto, se E,En ∈ E, temos<br />

E ⊆<br />

∞<br />

En =⇒ λ(E) ≤<br />

n=1<br />

n=1<br />

λ ∗<br />

∞<br />

λ(En) =⇒ λ(E) ≤ λ ∗ (E).<br />

n=1<br />

Concluímos que λ ∗ (E) = λ(E), quando E ∈ C.<br />

Deixamos como exercício a seguinte afirmação, análoga a 2.2.10:<br />

ρ<br />

λ


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 305<br />

(ii) E ∈ Mλ ∗ ⇔ λ(C) = λ∗ (C ∩ E) + λ ∗ (C ∩ E c ), para qualquer C ∈ C.<br />

(iii) C ⊆ Mλ ∗.<br />

Demonstração. Se E,C ∈ C, então C ∩ E,C ∩ E c ∈ C, porque C é<br />

uma semi-álgebra. Como λ ∗ (C) = λ(C) para C ∈ C, e λ é aditiva em<br />

C, temos λ∗ (C ∩ E) + λ∗ (C ∩ Ec ) = λ(C ∩ E) + λ(C ∩ Ec ) = λ(C).<br />

Concluímos <strong>de</strong> (ii) que C ⊆ Mλ∗, o que termina a verificação <strong>de</strong> b).<br />

Se C é uma álgebra em S, o teorema (5.1.15) po<strong>de</strong> enunciar-se como o:<br />

Corolário 5.1.16 (Teorema <strong>de</strong> Extensão <strong>de</strong> Hahn ( 1 )). Se C é uma álgebra<br />

em S, λ : C → [0, ∞], e λ(∅) = 0, então existe um espaço <strong>de</strong> medida (S, A,ρ)<br />

que é extensão <strong>de</strong> (S, C,λ) se e só se λ é σ-aditiva em C.<br />

Demonstração. Basta observar que se C é uma álgebra em S, então é uma<br />

cobertura sequencial <strong>de</strong> S.<br />

Exemplo 5.1.17.<br />

A <strong>de</strong>finição que <strong>de</strong>mos da medida <strong>de</strong> Lebesgue é uma aplicação directa do<br />

teorema 5.1.15. Neste caso, temos S = R N , po<strong>de</strong>mos tomar C = E(R N ), ou<br />

C = J (R N ), e é claro que λ = cN é o conteúdo <strong>de</strong> Jordan.<br />

Designamos por R a classe dos conjuntos da forma A×B, on<strong>de</strong> A ∈ M e<br />

B ∈ B(R), que chamaremos aqui “rectângulos”, e <strong>de</strong>finimos λ : R → [0,+∞]<br />

por λ(A × B) = µ(A)m(B). Para <strong>de</strong>monstrar o teorema 5.1.7, seguiremos<br />

os seguintes passos:<br />

• Provamos que λ é σ-aditiva em R. Usaremos aqui o teorema <strong>de</strong> Beppo<br />

Levi, tal como se aplica no espaço <strong>de</strong> Lebesgue usual.<br />

• Introduzimos a classe C = E, dos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong><br />

“rectângulos” em R, que diremos serem conjuntos “elementares”.<br />

• Definimos λ em toda a classe E, usando a aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> λ em R.<br />

• Mostramos que E é uma álgebra em S = X × R, e usamos o teorema<br />

<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn.<br />

Proposição 5.1.18. λ é σ-aditiva, e portanto aditiva, na classe R.<br />

1 Hans Hahn, austríaco, 1879-1934, mais conhecido pelo “Teorema <strong>de</strong> Hahn-Banach”<br />

da Análise Funcional.


306 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Supomos que An ∈ M, Bn ∈ B(R), e os “rectângulos”<br />

An × Bn são disjuntos. Temos a provar que, se A ∈ M, B ∈ B(R), e<br />

A × B =<br />

∞<br />

An × Bn, então µ(A)m(B) =<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(An)m(Bn).<br />

As secções <strong>de</strong>stes conjuntos, para y ∈ R fixo, são muito fáceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar.<br />

(An × Bn) y =<br />

An, se y ∈ Bn,<br />

∅, se y ∈ Bn,<br />

n=1<br />

, e (A × B) y =<br />

A, se y ∈ B,<br />

∅, se y ∈ B.<br />

As seguintes i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são trivialmente válidas para qualquer y ∈ R:<br />

µ((A × B) y ) = µ(A)χB(y), e µ((An × Bn) y ) = µ(An)χBn(y).<br />

As secções (An × Bn) y são, também, conjuntos disjuntos, e<br />

µ((A × B) y ) =<br />

(A × B) y =<br />

∞<br />

(An × Bn) y , don<strong>de</strong><br />

n=1<br />

∞<br />

µ((An × Bn) y ), i.e., µ(A)χB(y) =<br />

n=1<br />

∞<br />

µ(An)χBn(y).<br />

Esta última i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser integrada termo-a-termo, <strong>de</strong> acordo com o<br />

teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, porque é uma série <strong>de</strong> funções Borel-mensuráveis,<br />

não-negativas. Temos, por isso:<br />

µ(A)m(B) =<br />

∞<br />

µ(An)m(Bn), ou λ(A × B) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

∞<br />

λ(An × Bn).<br />

Sendo E a classe dos conjuntos que são uniões finitas <strong>de</strong> conjuntos em R,<br />

e que dizemos conjuntos “elementares”, notamos agora que, analogamente<br />

ao que observámos em 1.1.9, e em 1.1.10, temos:<br />

n=1<br />

Proposição 5.1.19. Se E é “elementar”, i.e., se E ∈ E então<br />

a) E é uma união finita <strong>de</strong> “rectângulos” em R disjuntos, e<br />

b) Se P = {A1 × B1,A2 × B2, · · · ,Am × Bm} e Q = {C1 × D1,C2 ×<br />

D2, · · · ,Cn × Dn} são partições <strong>de</strong> E em “rectângulos” em R, então<br />

m<br />

λ(Aj × Bj) =<br />

j=1<br />

n<br />

λ(Ck × Dk).<br />

k=1


5.1. A <strong>Medida</strong> µ ⊗ m 307<br />

Demonstração. Basta-nos observar que a classe R é fechada em relação a<br />

intersecções, e a diferença <strong>de</strong> dois conjuntos em R é uma união disjunta<br />

finita <strong>de</strong> conjuntos em R. A <strong>de</strong>monstração po<strong>de</strong>, portanto, ser concluída<br />

como no caso <strong>de</strong> 1.1.9.<br />

Tal como no Capítulo 1, alargamos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ aos conjuntos “elementares”:<br />

Definição 5.1.20. Se E ∈ E e P = {A1 ×B1,A2 ×B2, · · · ,An ×Bn} é uma<br />

partição <strong>de</strong> E em conjuntos <strong>de</strong> R, <strong>de</strong>finimos<br />

λ(E) =<br />

n<br />

λ(Aj × Bj) =<br />

j=1<br />

n<br />

µ(Aj)m(Bj).<br />

O seguinte resultado é uma consequência quase trivial <strong>de</strong> 5.1.18:<br />

Proposição 5.1.21. λ é σ-aditiva, e portanto aditiva, na álgebra E.<br />

j=1<br />

Segue-se do teorema <strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn (5.1.16) que<br />

Teorema 5.1.22. Existe um espaço <strong>de</strong> medida (X × R, N,ρ) tal que<br />

R ⊆ E ⊆ N, e ρ(E) = λ(E), para qualquer E ∈ E.<br />

Como a σ-álgebra N referida acima contém a classe R, é claro que<br />

M ⊗ B(R) ⊆ N.<br />

A medida ρ está assim <strong>de</strong>finida, em particular, em M ⊗ B(R), e <strong>de</strong>signamos<br />

por µ ⊗ m a sua restrição a M ⊗ B(R). Esta observação termina a <strong>de</strong>monstração<br />

do teorema 5.1.7. Note-se para posterior referência que<br />

5.1.23. Se E ∈ M ⊗ B(R) então<br />

∞<br />

µ ⊗ m(E) = inf{ µ(An)m(Bn) : E ⊆<br />

n=1<br />

∞<br />

An × Bn,An ∈ M,Bn ∈ B(R)}.<br />

Algumas proprieda<strong>de</strong>s elementares do integral <strong>de</strong> Lebesgue resultam da<br />

invariância da medida <strong>de</strong> Lebesgue, em relação a translacções, e reflexões.<br />

As proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> invariância da medida µ ⊗ m são mais limitadas, e<br />

resumem-se em geral ao que chamaremos aqui <strong>de</strong> invariância em relação<br />

a “translacções verticais”, e a “reflexões em X”. Para <strong>de</strong>finir este tipo <strong>de</strong><br />

“translacções” e “reflexões”, seja A ⊆ X ×R (ver a figura 5.1.3). Escrevemos<br />

os pontos <strong>de</strong> X × R na forma (x,y), on<strong>de</strong> x ∈ X, e y ∈ R. Se z ∈ R, então<br />

• B = {(x,y + z) ∈ X × R : (x,y) ∈ A} é uma translação vertical<br />

<strong>de</strong> A, e<br />

n=1


308 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

R<br />

B<br />

A<br />

C<br />

Figura 5.1.3: translação e reflexão <strong>de</strong> A.<br />

• C = {(x, −y) ∈ X × R : (x,y) ∈ A} é a reflexão <strong>de</strong> A em X.<br />

Proposição 5.1.24. Seja A ⊆ X × R, e B e C como <strong>de</strong>scrito acima.<br />

a) Invariância sob translacções verticais: B é M ⊗ B(R)-mensurável se<br />

e só se A é M⊗B(R)-mensurável, e neste caso µ⊗m(A) = µ⊗m(B).<br />

b) Invariância sob reflexões em X: C é M⊗B(R)-mensurável se e só se<br />

A é M ⊗ B(R)-mensurável, e neste caso µ ⊗ m(A) = µ ⊗ m(C).<br />

Demonstração. A invariância da classe M ⊗ B(R) em relação às operações<br />

indicadas é o exercício 11. A invariância da medida ρ em relação às mesmas<br />

operações é uma consequência directa da evi<strong>de</strong>nte invariância da medida<br />

exterior λ ∗ em relação a essas operações.<br />

Exercícios.<br />

1. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.15. sugestão: Tem apenas que provar a<br />

afirmação (ii) referida na <strong>de</strong>monstração.<br />

2. Seja S = {1, 2, 3}, C = {∅, {1},{2, 3}, S}, e λ : C → [0, +∞[ dada por<br />

λ(E) = #(E). Definimos λ∗ : P(X) → [0, +∞[ por:<br />

λ ∗ <br />

∞<br />

∞<br />

<br />

(E) = inf λ(En) : E ⊆ En, com En ∈ C, para qualquer n ∈ N .<br />

n=1<br />

n=1<br />

a) Determine a classe Mλ ∗ dos conjuntos λ∗ -mensuráveis.<br />

b) Prove que Mλ∗ não é a maior álgebra on<strong>de</strong> existe uma extensão <strong>de</strong> λ.<br />

z<br />

X


5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 309<br />

3. Mantendo a notação <strong>de</strong> 5.1.15, mostre que<br />

a) Mλ ∗ é a maior σ-álgebra que contém C, e on<strong>de</strong> λ∗ é uma medida.<br />

Se o espaço (S, Mλ∗, ρ) é σ-finito, temos ainda<br />

b) ρ é a única extensão <strong>de</strong> λ a σ-álgebras A ⊆ Mλ∗, e<br />

c) (S, Mλ∗, ρ) é a menor extensão completa <strong>de</strong> λ.<br />

4. Sendo f : R → R, calcule o integral <strong>de</strong> f em R, em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Dirac.<br />

5. Calcule o integral da função <strong>de</strong> Dirichlet em R, em or<strong>de</strong>m à medida <strong>de</strong> Cantor.<br />

6. Consi<strong>de</strong>re o espaço (N, P(N), #), e sejam f, g : N → [0, ∞] sucessões não<br />

negativas. Seja ainda λ o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g. Mostre que<br />

<br />

fdλ = fgd#.<br />

N<br />

7. Se E ⊆ X, e µ(E) = 0, é necessariamente verda<strong>de</strong> que qualquer função<br />

f : E → R é µ-somável em E, e <br />

fdµ = 0?<br />

E<br />

8. Mostre que, se f : E → [0, ∞] é M-mensurável e λ ≥ 0, então os conjuntos<br />

F(λ) = {x ∈ E : f(x) > λ} e G(λ) = {x ∈ E : f(x) < −λ} são M-mensuráveis<br />

(5.1.10 c)).<br />

9. Mostre que se s : X → R é simples, e f(X) = {a1, · · · , an}, então f é Mmensurável<br />

se e só se os conjuntos Ak = f −1 (ak) são M-mensuráveis (Lema<br />

5.1.12).<br />

10. Mostre que se s : X → R é simples e assume os valores a1, a2, · · · , an<br />

respectivamente nos conjuntos mensuráveis A1, A2, · · · , An, e E ∈ M, então<br />

temos <br />

N<br />

E sdµ = n<br />

k=1 akµ(Ak ∩E), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que s seja não-negativa, ou somável.<br />

11. Mostre que M ⊗ B(R) é sempre fechada em relação a translacções verticais<br />

e reflexões em X.<br />

12. Mostre que Ω R N(f) ∈ L(R N+1 ) =⇒ Ω R N(f) ∈ L(R N ) ⊗ L(R). (5.1.11).<br />

13. Se o espaço (X, M, µ) é completo, o espaço (X × R, M ⊗ B(R), µ ⊗ m) é<br />

sempre completo?<br />

5.2 Funções Mensuráveis e Integrais<br />

As proprieda<strong>de</strong>s elementares do integral <strong>de</strong> Lebesgue, tal como <strong>de</strong>monstradas<br />

na secção 3.1, mantêm-se essencialmente inalteradas. Para generalizar os<br />

respectivos enunciados para o contexto <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida arbitrário<br />

(X, M,µ), basta em geral supor que as funções em causa estão <strong>de</strong>finidas


310 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

em subconjuntos <strong>de</strong> X, substituir as referências à medida <strong>de</strong> Lebesgue mN<br />

por referências a µ, e ler as expressões “mensurável” e “somável”, respectivamente,<br />

como “M-mensurável” e “µ-somável”. Esta observação é igualmente<br />

válida para <strong>de</strong>finições, e usamos como exemplo 3.1.3:<br />

Definição 5.2.1 (Funções Vectoriais: Mensurabilida<strong>de</strong> e Integral). Se E ⊆<br />

S ⊆ X, e f : S → R M , don<strong>de</strong> f = (f1,f2, · · · ,fM), com fk : S → R, então<br />

a) f é M-mensurável em E se e só se as funções fk são M-mensuráveis<br />

em E, para 1 ≤ k ≤ M, no sentido <strong>de</strong> 5.1.8.<br />

b) f é µ-somável em E se e só as funções fk são µ-somáveis em E.<br />

c) Se f é M-mensurável em E, o integral <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> f (em<br />

or<strong>de</strong>m a µ) em E é dado por<br />

<br />

E<br />

<br />

fdµ =<br />

E<br />

<br />

f1dµ, f2dµ, · · · , fMdµ ,<br />

E<br />

E<br />

sempre que todos os integrais <strong>de</strong> Lebesgue à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />

Exemplo 5.2.2.<br />

funções mensuráveis complexas: Seja f : X → C uma função complexa,<br />

don<strong>de</strong> f(x) = u(x) + iv(x), com u, v : X → R. A função f é M-mensurável<br />

se e só se as funções u, e v são M-mensuráveis, e o integral <strong>de</strong> f é dado por<br />

<br />

fdµ = udµ + i vdµ,<br />

E<br />

sempre que existem os integrais <strong>de</strong> u e <strong>de</strong> v no conjunto E.<br />

E<br />

Em particular, os enunciados e <strong>de</strong>monstrações dos resultados 3.1.7 a<br />

3.1.13 não requerem qualquer alteração substancial. Ilustramos este facto<br />

com a proposição 3.1.13, que po<strong>de</strong> ser ligeiramente simplificada com terminologia<br />

introduzida no Capítulo anterior.<br />

Teorema 5.2.3. Se f : X → R é M-mensurável, e se f ≥ 0 µ-qtp, ou se f<br />

é µ-somável, e<br />

<br />

λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M,<br />

então λ é uma medida em M, e λ ≪ µ.<br />

E<br />

Demonstração. Provamos este teorema apenas para f não-negativa. Para<br />

mostrar que λ é uma medida positiva basta-nos provar que λ é σ-aditiva, já<br />

E


5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 311<br />

que λ(∅) = 0. Consi<strong>de</strong>ramos conjuntos disjuntos e M-mensuráveis En tais<br />

que E = ∞ n=1 En, e observamos que:<br />

∞<br />

ΩE(f) = ΩEn(f), on<strong>de</strong> os conjuntos ΩEn(f) são disjuntos, don<strong>de</strong><br />

n=1<br />

(µ ⊗ m)(ΩE(f)) =<br />

∞<br />

(µ ⊗ m)(ΩEn(f)), i.e., λ(E) =<br />

n=1<br />

Como ΩE(f) ⊆ E × R, é claro que, se µ(E) = 0, então<br />

∞<br />

λ(En).<br />

n=1<br />

0 ≤ λ(E) = (µ ⊗ m)(ΩE(f)) ≤ (µ ⊗ m)(E × R) = µ(E)m(R) = 0.<br />

Alguns dos enunciados que apresentámos não são válidos para qualquer<br />

espaço <strong>de</strong> medida, e requerem entre as suas hipóteses proprieda<strong>de</strong>s mais específicas<br />

do espaço em causa. Por exemplo, a proprieda<strong>de</strong> 3.1.5 é válida se<br />

o espaço (X, M,µ) for completo, e o teorema 3.1.12 é válido para espaços<br />

σ-finitos. Em certos casos, po<strong>de</strong> ser vantajoso enfraquecer as conclusões,<br />

sem per<strong>de</strong>r generalida<strong>de</strong> nas hipóteses. Por exemplo, o teorema 3.1.12 po<strong>de</strong><br />

ser modificado como se segue<br />

Teorema 5.2.4. Seja E ⊆ X, e f : E → R. Então( 2 )<br />

ΩE(f) ∈ M ⊗ B(R) ⇐⇒ ΣE(f) ∈ M ⊗ B(R) =⇒<br />

(µ ⊗ m)(ΩE(f)) = (µ ⊗ m)(ΣE(f)).<br />

Os teoremas sobre limites e integrais que estudámos na secção 3.2 são,<br />

essencialmente, corolários do teorema da convergência monótona para medidas,<br />

que é válido para qualquer medida. Estes resultados são por isso<br />

aplicáveis em qualquer espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ).<br />

O lema 3.2.1 é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do domínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição das funções em<br />

causa, ou seja, é aplicável a funções fn : E → R, com E ⊆ X. O teorema<br />

3.2.2, que é sobretudo um corolário <strong>de</strong>ste lema, po<strong>de</strong> agora ser enunciado<br />

como se segue:<br />

Teorema 5.2.5. Se as funções fn : E → R são M-mensuráveis em E ⊆ X,<br />

então as funções <strong>de</strong>finidas como se segue são M-mensuráveis em E:<br />

g(x) = sup{fn(x) : n ∈ N},h(x) = inf{fn(x) : n ∈ N},<br />

G(x) = lim supfn(x),H(x)<br />

= lim inf<br />

n→∞<br />

n→∞ fn(x)<br />

Se f(x) = lim<br />

n→∞ fn(x) para qualquer x ∈ E então f é M-mensurável em E.<br />

2 +<br />

Os conjuntos ΣE(f) = Σ E (f) ∪ Σ−<br />

E (f) <strong>de</strong>finem-se por<br />

Σ +<br />

E(f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 < y ≤ f(x)},<br />

Σ −<br />

E(f) = {(x,y) ∈ X × R : x ∈ E, e 0 > y ≥ f(x)}.


312 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Este teorema, combinado com o teorema da convergência monótona <strong>de</strong><br />

Lebesgue para medidas, conduz directamente aos clássicos resultados sobre<br />

limites e integrais, correspon<strong>de</strong>ntes aos teoremas 3.2.3 a 3.2.7, que não têm<br />

qualquer alteração nos respectivos enunciados:<br />

Teorema 5.2.6 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi). Se as funções fn : E → [0,+∞]<br />

são M-mensuráveis em E ⊆ X, e formam uma sucessão crescente, então<br />

f(x) = limn→∞ fn(x) é M-mensurável em E, e<br />

<br />

lim<br />

n→∞ fndµ<br />

<br />

= lim fndµ.<br />

n→∞<br />

E<br />

Teorema 5.2.7 (Teorema <strong>de</strong> Beppo Levi (II)). Se as funções fn : E →<br />

[0,+∞] são M-mensuráveis em E ⊆ X, e formam uma sucessão <strong>de</strong>crescente,<br />

então f(x) = limn→∞ fn(x) é M-mensurável em E, e se alguma<br />

função fn é µ-somável, então<br />

<br />

lim<br />

n→∞ fndµ<br />

<br />

= lim fndµ.<br />

n→∞<br />

E<br />

Lema 5.2.8 (Lema <strong>de</strong> Fatou). Se as funções fn : E → [0,+∞] são Mmensuráveis<br />

em E ⊆ X, então<br />

<br />

lim inf<br />

n→∞ fndµ<br />

<br />

≤ lim inf fndµ.<br />

n→∞<br />

E<br />

Teorema 5.2.9 (Lema <strong>de</strong> Fatou (II)). Se as funções fn : E → [0,+∞] são<br />

M-mensuráveis em E ⊆ X, e existe uma função µ-somável F : E → [0,+∞]<br />

tal que fn(x) ≤ F(x), µ-qtp em E, então<br />

<br />

lim sup<br />

n→∞<br />

E<br />

fndµ ≤<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E<br />

lim supfndµ.<br />

n→∞<br />

Estes resultados provam-se com adaptações óbvias dos argumentos que<br />

apresentámos em 3.2. Ilustramos esta afirmação com a <strong>de</strong>monstração do<br />

teorema <strong>de</strong> Beppo Levi.<br />

Demonstração. Sabemos que f(x) = sup{fn(x) : n ∈ N} é M-mensurável,<br />

<strong>de</strong> acordo com 5.2.5. Sabemos igualmente que<br />

Ω + E (f) =<br />

∞<br />

n=1<br />

Ω + E (fn).<br />

Como os conjuntos Ω +<br />

E (fn) formam uma sucessão crescente, segue-se, do<br />

teorema da convergência monótona para medidas 2.1.13, que<br />

(µ ⊗ m)(Ω +<br />

E (fn)) → (µ ⊗ m)(Ω +<br />

<br />

E (f)), i.e., fndµ → fdµ.<br />

E<br />

E


5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 313<br />

A proposição 3.4.6, sobre funções simples mensuráveis, mantem-se inalterada,<br />

exactamente com a mesma <strong>de</strong>monstração:<br />

Proposição 5.2.10. Seja E ⊆ S ⊆ X, c ∈ R, e s,t : S → R funções<br />

simples M-mensuráveis em E. Temos então:<br />

a) cs, s + , s − , |s|, s + t, e st são simples, e M-mensuráveis em E.<br />

Se s e t são não-negativas em E, ou se s e t são µ-somáveis em E,<br />

temos ainda<br />

b) Aditivida<strong>de</strong>: <br />

(s + t)dµ = sdµ + E tdµ.<br />

E<br />

c) Homogeneida<strong>de</strong>: <br />

E<br />

E<br />

(cs)dµ = c(<br />

E sdµ).<br />

Os resultados sobre funções mensuráveis que estudámos em 3.4 resultam,<br />

em larga medida, das funções mensuráveis serem limites <strong>de</strong> funções simples<br />

mensuráveis, como provámos em 3.4.7. Este último resultado é também<br />

válido em qualquer espaço <strong>de</strong> medida.<br />

Teorema 5.2.11. Se f : E → R, on<strong>de</strong> E ⊆ X, então f é M-mensurável<br />

se e só existe uma sucessão <strong>de</strong> funções simples M-mensuráveis sn : E → R<br />

tais que sn(x) → f(x), e |sn(x)| ր |f(x)|. Neste caso, e se f ≥ 0, ou se f<br />

é µ-somável, temos ainda que<br />

<br />

sndµ → fdµ.<br />

E<br />

O teorema 3.4.9, sobre operações algébricas que envolvem funções com<br />

valores em R, não requer qualquer adaptação:<br />

Teorema 5.2.12. Se f,g : E → R são M-mensuráveis, então<br />

a) A função fg é M-mensurável em E.<br />

b) As funções f +g e f −g são M-mensuráveis, nos conjuntos on<strong>de</strong> estão<br />

<strong>de</strong>finidas.<br />

O teorema 5.2.13 é uma versão abstracta <strong>de</strong> 3.4.10, e é um corolário<br />

directo <strong>de</strong> 5.2.11, tal como 3.4.10 é um corolário <strong>de</strong> 3.4.7.<br />

Teorema 5.2.13. Sejam f,g : E → R M-mensuráveis em E, e c ∈ R. Se<br />

f,g ≥ 0 em E, ou se f e g são finitas e µ-somáveis em E, então<br />

a) Aditivida<strong>de</strong>: <br />

E (f + g)dµ = E fdµ + E gdµ.<br />

b) Homogeneida<strong>de</strong>: <br />

E<br />

E<br />

(cf)dµ = c<br />

E fdµ .<br />

O teorema 3.4.12, sobre limites <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções mensuráveis, é<br />

também completamente geral.


314 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Teorema 5.2.14. Se as funções fn : E → R são M-mensuráveis em E ⊆<br />

X, F ⊆ E é o conjunto on<strong>de</strong> existe limn→∞ fn(x), e f : F → R é dada por<br />

f(x) = limn→∞ fn(x), então f é M-mensurável em F.<br />

Os diversos critérios <strong>de</strong> mensurabilida<strong>de</strong> que vimos em 3.4.15, e aplicáveis<br />

a funções <strong>de</strong>finidas em conjuntos mensuráveis, não sofrem qualquer alteração.<br />

Teorema 5.2.15. Seja E ⊆ X um conjunto M-mensurável. Se f : E → R,<br />

então as seguintes condições são equivalentes:<br />

a) {x ∈ E : f(x) > λ} é M-mensurável, para qualquer λ ∈ R.<br />

b) f −1 (I) é M-mensurável, para qualquer intervalo I ⊆ R.<br />

c) f é M-mensurável em E.<br />

O resultado em 3.4.17, relativo à composição com funções Borel-mensuráveis,<br />

é aplicável in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da natureza da σ-álgebra M:<br />

Teorema 5.2.16. Seja E ⊆ R N um conjunto M-mensurável, e f1, f2,<br />

· · ·, fM : E → R funções M-mensuráveis em E. Se f = (f1,f2, · · · ,fM),<br />

e g : R M → R é Borel-mensurável, então a composta h = g ◦ f é Mmensurável<br />

em E.<br />

A relação “≃” <strong>de</strong> equivalência entre funções, i.e., <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> qtp, é<br />

facilmente generalizável a espaços <strong>de</strong> medida arbitrários. Se f,g : X → R,<br />

dizemos que f ≃ g se e só se µ({x ∈ X : f(x) = g(x)} = 0. Designaremos<br />

por Fµ(E) o espaço das classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> funções f : E → R Mmensuráveis<br />

em E, e por L 1 µ(E) o correspon<strong>de</strong>nte espaço das classes <strong>de</strong><br />

funções µ-somáveis. Este espaço é um espaço vectorial normado, com a<br />

norma f 1 = <br />

E |f|dµ.<br />

Exemplo 5.2.17.<br />

o espaço ℓ1 : Se µ é a medida <strong>de</strong> contagem, então a relação ≃ é a igualda<strong>de</strong><br />

usual, i.e., f ≃ g ⇔ f = g. O espaço Fµ(N) é o conjunto <strong>de</strong> todas as sucessões<br />

reais, e o espaço L1 µ(N) é formado pelas sucessões reais tais que ∞ n=1 |f(n)| <<br />

∞. Este espaço é usualmente <strong>de</strong>signado por ℓ1 .<br />

O Teorema da Convergência Dominada po<strong>de</strong> enunciar-se como se segue:<br />

Teorema 5.2.18 (Teorema da Convergência Dominada <strong>de</strong> Lebesgue). Sendo<br />

fn ∈ L1 µ (E), suponha-se que existe uma função somável F : E → [0,+∞] tal<br />

que |fn(x)| ≤ F(x), µ-qtp em E, e limn→∞ fn(x) existe µ-qtp em E. Seja<br />

ainda f(x) = limn→∞ fn(x) on<strong>de</strong> este limite existe. Temos então<br />

a) f ∈ L 1 µ (E),<br />

b) fn → f em L 1 µ(E), e em particular,


5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 315<br />

c) <br />

E fndµ → <br />

E fdµ, quando n → ∞.<br />

Demonstração. Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que<br />

• As funções fn e F são finitas em E,<br />

• f(x) = limn→∞ fn(x), para qualquer x ∈ E, e<br />

• |fn(x)| ≤ F(x), também para qualquer x ∈ E.<br />

A função f é M-mensurável em E. Como |f(x)| ≤ F(x), concluímos que f é<br />

µ-somável e finita em E. Consi<strong>de</strong>ramos as funções auxiliares gn = |fn −f| ≥<br />

0, e aplicamos o Lema <strong>de</strong> Fatou (II), para concluir que<br />

<br />

<br />

lim sup<br />

n→∞<br />

E<br />

|fn − f|dµ ≤ 0, ou lim<br />

n→∞<br />

Segue-se da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular que<br />

<br />

<br />

0 ≤ <br />

<br />

<br />

fndµ −<br />

<br />

<br />

fdµ <br />

≤<br />

<br />

E<br />

E<br />

E<br />

E<br />

|fn − f|dµ = 0.<br />

|fn − f|dµ → 0.<br />

Os teoremas sobre a integração <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> funções mensuráveis não<br />

sofrem modificações, e L1 µ (E) é sempre um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

Teorema 5.2.19. Se as funções fn : E → [0,+∞] são M-mensuráveis,<br />

então<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

dµ =<br />

<br />

fndµ .<br />

E<br />

n=1<br />

fn<br />

n=1<br />

Teorema 5.2.20. Suponha-se que fn ∈ L1 µ (E) e<br />

Temos então que:<br />

∞<br />

fn1 =<br />

n=1<br />

∞<br />

<br />

(<br />

n=1<br />

E<br />

E<br />

|fn|dµ) < +∞.<br />

a) A série ∞<br />

n=1 fn(x) converge absolutamente µ-qtp em E,<br />

b) Existem funções M-mensuráveis f : E → R tais que f(x) = ∞<br />

n=1 fn(x),<br />

µ-qtp em E, e<br />

c) Se f : E → R é M-mensurável em E e f(x) = ∞<br />

n=1 fn(x), µ-qtp em<br />

E, então f é µ-somável em E, e<br />

<br />

lim<br />

m→∞<br />

E<br />

|f −<br />

m<br />

<br />

fn(x)|dµ = 0, don<strong>de</strong><br />

n=1<br />

E<br />

∞<br />

( fn)dµ =<br />

n=1<br />

∞<br />

<br />

(<br />

n=1<br />

E<br />

fndµ).


316 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Corolário 5.2.21. Se fn ∈ L1 µ(E) e ∞ n=1 fn1 < +∞, então existe f ∈<br />

L1 µ(E) tal que m n=1 fn − f1 → 0. Em particular, L1 µ(E) é um espaço <strong>de</strong><br />

Banach.<br />

Vimos na secção 3.6 diversos resultados sobre a aproximação <strong>de</strong> funções<br />

mensuráveis por funções contínuas, dos quais o principal é o teorema <strong>de</strong><br />

Vitali-Luzin. Estes resultados po<strong>de</strong>m ser facilmente adaptados a qualquer<br />

medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes regular e σ-finita, e são válidos em particular<br />

para qualquer medida <strong>de</strong> Lebesgue-Stieltjes localmente finita, como é o caso<br />

da própria medida <strong>de</strong> Lebesgue.<br />

Supomos então que µ é uma medida positiva σ-finita, <strong>de</strong>finida e regular<br />

em M ⊇ B(R N ). O argumento utilizado para <strong>de</strong>monstrar o corolário 3.6.2<br />

é aplicável a µ, <strong>de</strong> acordo com o corolário 4.4.12 e), e temos portanto<br />

Lema 5.2.22. Sendo E ⊆ R N um conjunto mensurável com µ(E) < ∞, e<br />

ε > 0, existe f ∈ Cc(R N ) tal que<br />

0 ≤ f ≤ 1, e µ({x ∈ R N : f(x) = χE(x)}) < ε.<br />

É simples generalizar o teorema 3.6.3 para qualquer espaço <strong>de</strong> medida,<br />

e obtemos assim uma versão mais geral do:<br />

Teorema 5.2.23 (<strong>de</strong> Vitali-Luzin). Seja f : R N → [0,1] uma função Mmensurável<br />

que é nula no complementar <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> medida finita.<br />

Se ε > 0, então existe g ∈ Cc(R N ) tal que<br />

0 ≤ g ≤ 1, e µ x ∈ R N : f(x) = g(x) < ε.<br />

Os corolários do teorema <strong>de</strong> Vitali-Luzin que apresentámos na secção<br />

3.6 são aplicáveis com adaptações óbvias ao presente contexto. Deve notarse<br />

apenas que 3.6.7 requer uma modificação mais significativa, porque só é<br />

válido para medidas completas. Po<strong>de</strong>mos enunciá-lo como se segue, supondo<br />

que (R N , Mµ,µ) é a menor extensão completa do espaço <strong>de</strong> medida original:<br />

Corolário 5.2.24. Seja f : R N → R finita µ-qtp. Temos então,<br />

a) Se f é M-mensurável existem funções contínuas fn : R N → R tais<br />

que fn(x) → f(x) µ-qtp em R N .<br />

b) f é Mµ-mensurável se e só se existem funções contínuas fn : R N → R<br />

tais que fn(x) → f(x) µ-qtp em R N .<br />

Aproveitamos para generalizar a noção <strong>de</strong> integral <strong>de</strong> Lebesgue em or<strong>de</strong>m<br />

à medida positiva µ para o caso em que µ é real (ou complexa) no espaço<br />

(X, M), e f é uma função M-mensurável.


5.2. Funções Mensuráveis e Integrais 317<br />

Definição 5.2.25 (Integral em or<strong>de</strong>m a medidas reais). Se f : X → R é<br />

M-mensurável em E ⊆ X, e µ é uma medida real em M, o integral <strong>de</strong> f<br />

em E, em or<strong>de</strong>m a µ é dado por:<br />

<br />

fdµ =<br />

E<br />

E<br />

fdµ + <br />

− fdµ<br />

E<br />

− ,<br />

se os integrais em or<strong>de</strong>m às medidas positivas µ + e µ − estão <strong>de</strong>finidos, e a<br />

expressão acima não conduz a in<strong>de</strong>terminações.<br />

Dizemos que f é µ-somável em E se e só se <br />

E fdµ < ∞.<br />

Exemplos 5.2.26.<br />

1. Se µ é uma medida real então f é µ-somável em E se e só se f é |µ|-somável<br />

em E, no sentido da <strong>de</strong>finição 5.1.8.<br />

2. Se µ é uma medida complexa então µ = α+iβ, on<strong>de</strong> α e β são medidas reais,<br />

e po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir <br />

fdµ = fdα + i fdβ,<br />

X X X<br />

sempre que os integrais à direita estão <strong>de</strong>finidos.<br />

3. Se µ é uma medida real então L1 µ (E) = L1 |µ| (E), e o integral <strong>de</strong>finido φ :<br />

L1 <br />

µ (E) → R, dado por φ(f) = fdµ é uma transformação linear. Se µ é<br />

E<br />

positiva a transformação é também monótona, i.e., f ≤ g ⇒ φ(f) ≤ φ(g).<br />

É interessante observar que, na expressão <br />

X fdµ, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar,<br />

em alternativa, a função f como fixa, e a medida µ como variável. Por<br />

exemplo, se f : E → R é mensurável e limitada em E, então é µ-somável,<br />

qualquer que seja a medida real µ <strong>de</strong>finida em M.<br />

Exemplos 5.2.27.<br />

1. Seja M(B(R N )) o espaço <strong>de</strong> todas as medidas reais <strong>de</strong>finidas em B(R N ).<br />

Se f : R N → R é B-mensurável e limitada em E ⊆ R N , po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir<br />

Ψ : M(B(R N )) → R por<br />

<br />

Ψ(µ) =<br />

E<br />

fdµ.<br />

2. Em particular, se f ∈ C0(R N ) e µ ∈ M(B(R N )), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir<br />

<br />

〈f, µ〉 =<br />

R N<br />

fdµ.<br />

φ(f) = 〈f, µ〉 é um funcional linear em C0(R N ), e o teorema 5.2.28 mostra que<br />

φ é contínuo na norma <strong>de</strong> L ∞ . Mostra igualmente que Ψ(µ) = 〈f, µ〉 é um<br />

funcional linear contínuo no espaço <strong>de</strong> Banach M(B(R N )).( 3 )<br />

3 Um dos famosos Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz afirma que todos os funcionais<br />

lineares contínuos no espaço <strong>de</strong> Banach C0(R N ) (com a norma <strong>de</strong> L ∞ ) são da forma<br />

φ(f) = 〈f, µ〉, com µ ∈ M(B(R N )), conforme veremos mais adiante.


318 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

O próximo teorema indica algumas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sugeridas por estas observações.<br />

A respectiva <strong>de</strong>monstração é o exercício 9.<br />

Teorema 5.2.28. Seja f : X → R uma função M-mensurável, e µ e λ<br />

medidas <strong>de</strong>finidas em (X, M). Temos então:<br />

a) Aditivida<strong>de</strong>: Se f, µ e λ são não-negativas, ou se f é µ-somável e<br />

λ-somável, <br />

<br />

fd(µ + λ) = fdµ + fdλ.<br />

X<br />

X<br />

b) Homogeneida<strong>de</strong>: Se f, µ e c ∈ R são não-negativos, ou se f é µsomável<br />

e c ∈ R, <br />

fd(cµ) = c fdµ .<br />

X<br />

c) Desigualda<strong>de</strong> Triangular: Se f é µ-somável,<br />

X<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

X<br />

<br />

<br />

fdµ <br />

≤<br />

<br />

X<br />

X<br />

|f|d(|µ|).<br />

d) Continuida<strong>de</strong>: Supondo que f∞ = sup{|f(x)| : x ∈ X} < ∞, e<br />

sendo µ = |µ|(X) < ∞, então f é µ-somável, e<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

fdµ <br />

≤ f∞ µ.<br />

Exercícios.<br />

X<br />

1. Seja (X, Mµ, µ) a menor extensão completa <strong>de</strong> (X, M, µ). Prove que f :<br />

E → R é Mµ-mensurável em E se e só se existe uma função g : E → R,<br />

M-mensurável em E, tal que g ≃ f em E.<br />

2. Prove que o gráfico da função M-mensurável f tem medida µ⊗m nula, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que o espaço (X, M, µ) seja σ-finito, ou a função f seja µ-somável. sugestão:<br />

suponha primeiro que µ(X) < +∞.<br />

3. Consi<strong>de</strong>re o espaço (R, P(R), #), e a função f : R → R dada por f(x) = x.<br />

a) Determine a medida (# ⊗ m)(GE(f)).<br />

b) Determine as funções A(x) = m(GE(f)x), e B(y) = #(GE(f) y ). Determine<br />

igualmente os integrais <br />

Ad#, e R Bdm.<br />

R<br />

4. Dado um espaço (X, M, µ), consi<strong>de</strong>re uma função M-mensurável f : X →<br />

[0, +∞], e seja λ o respectivo integral in<strong>de</strong>finido. Mostre que se g : X →<br />

[0, +∞] é M-mensurável então <br />

gdλ = gfdµ. Se g : X → R é µ-somável<br />

E E<br />

temos necessariamente que g : X → R é λ-somável? sugestão: Suponha<br />

primeiro que g é simples.


5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 319<br />

5. Sejam µ e ν medidas em M, e µ a menor extensão completa <strong>de</strong> µ.<br />

a) Qual é a relação entre os espaços L 1 µ e L 1 µ ?<br />

b) Sendo δn a usual medida <strong>de</strong> Dirac no ponto n ∈ N, o que são os espaços<br />

L1 δ0 (R), L1∆n (R), e L1∆ (R), quando<br />

∆n =<br />

n<br />

∞<br />

δk e ∆ = δn?<br />

k=1<br />

6. Suponha que f : X → R é µ-somável. Prove que para qualquer ε > 0 existe<br />

δ > 0 tal que, para qualquer conjunto M-mensurável E,<br />

<br />

<br />

<br />

µ(E) < δ =⇒ <br />

fdµ <br />

≤<br />

<br />

|f|dµ < ε.<br />

E<br />

7. Suponha que o espaço (X, M, µ) é completo, f : X → R, e f(x) = 0, µ-qtp<br />

em X. A função f é sempre M-mensurável?<br />

8. Sejam f, g : R → R funções crescentes e contínuas à direita, com <strong>de</strong>rivadas<br />

generalizadas µ e λ.<br />

a) Mostre que se f e g são contínuas então é válida a seguinte fórmula <strong>de</strong><br />

integração por partes:<br />

b b<br />

fdλ + gdµ = f(b)g(b) − f(a)g(a)<br />

a<br />

a<br />

b) A fórmula anterior é válida, mesmo que f e/ou g não sejam contínuas?<br />

c) Supondo que µ e λ são medidas reais, a fórmula anterior é válida, quando<br />

f e g são contínuas?<br />

d) Suponha que h : R → R é B-mensurável, e prove a seguinte fórmula <strong>de</strong><br />

integração por substituição:<br />

<br />

h ◦ fdµ = hdm<br />

E<br />

E<br />

f(E)<br />

9. Demonstre o teorema 5.2.28. Po<strong>de</strong> ser conveniente provar primeiro:<br />

a) Se f é simples, mensurável e não negativa, e µ e λ são medidas positivas,<br />

então <br />

<br />

X fd(µ + λ) = X fdµ + X fdλ.<br />

b) Se<br />

f é mensurável e não negativa, e µ e λ são medidas positivas, então<br />

fd(µ + λ) = fdµ + X fdλ.<br />

X<br />

X<br />

5.3 O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue<br />

Dado um espaço <strong>de</strong> medida (X, M,µ), e uma função M-mensurável f nãonegativa,<br />

ou µ-somável, o respectivo integral in<strong>de</strong>finido, dado por<br />

<br />

λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M,<br />

E<br />

n=1


320 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

é sempre uma medida λ ≪ µ, como vimos em 5.2.3. Bastante mais difícil <strong>de</strong><br />

esclarecer é a questão <strong>de</strong> saber se qualquer medida λ ≪ µ é, efectivamente,<br />

um integral in<strong>de</strong>finido em or<strong>de</strong>m a µ. A resposta (afirmativa) a esta questão<br />

é o Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym ( 4 ), que será discutido e <strong>de</strong>monstrado nesta<br />

secção, e que se po<strong>de</strong> resumir informalmente como se segue:<br />

As medidas absolutamente contínuas são os integrais in<strong>de</strong>finidos.<br />

Veremos, simultaneamente, que qualquer medida λ <strong>de</strong>finida em (X, M) po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>composta <strong>de</strong> forma única como uma soma λ = λa+λs <strong>de</strong> duas medidas,<br />

on<strong>de</strong> λa é absolutamente contínua em relação a µ, e λs é singular em relação<br />

a µ. Esta afirmação é o Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue, e o par<br />

(λa,λs) é a Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ.<br />

Exemplos 5.3.1.<br />

1. A medida <strong>de</strong> Dirac δ, no espaço <strong>de</strong> Lebesgue (R, L(R), m), não é um integral<br />

in<strong>de</strong>finido, porque δ é singular em relação a m.<br />

2. A medida <strong>de</strong> Cantor ξ não é um integral in<strong>de</strong>finido no espaço (R, L(R), m),<br />

porque ξ é igualmente singular. Se λ = m + ξ + δ, então a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong><br />

Lebesgue <strong>de</strong> λ é (m, ξ + δ).<br />

A <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue foi mencionada no exercício 3 da secção<br />

4.2. Define-se formalmente como se segue:<br />

Definição 5.3.2 (Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue ). Se λ e µ são medidas em<br />

(X, M), uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ é um par<br />

<strong>de</strong> medidas (λa,λs) em (X, M), tais que:<br />

a) λ = λa + λs, e<br />

b) λa ≪ µ, e λs⊥µ.<br />

O seguinte resultado <strong>de</strong>ve ser conhecido, do exercício mencionado:<br />

Proposição 5.3.3. Sejam λ e µ medidas em (X, M).<br />

a) Se λ ≪ µ e λ⊥µ, então λ = 0,<br />

b) Se (λa,λs) e (λ∗ a ,λ∗s ) são <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação<br />

a µ, então λa = λ∗ a , e λs = λ∗ s .<br />

No que se segue nesta secção, todas as medidas mencionadas estão<br />

<strong>de</strong>finidas num espaço mensurável fixo (X, M). O nosso principal objectivo<br />

é a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>:<br />

4 De Radon e Otto M. Nikodym, 1889-1974, matemático polaco, e colaborador <strong>de</strong><br />

Radon.


5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 321<br />

Teorema 5.3.4 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue (I)). Se λ e µ são medidas<br />

positivas σ-finitas, existe uma função M-mensurável f : X → [0,+∞] e<br />

uma medida positiva ν⊥µ tal que<br />

<br />

λ(E) = fdµ + ν(E) para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

Como o integral in<strong>de</strong>finido da função f é uma medida absolutamente<br />

contínua em relação a µ, este teorema estabelece também a existência da<br />

<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em relação a µ. A unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>composição<br />

é a proposição 5.3.3, e portanto a medida ν e a classe <strong>de</strong> equivalência<br />

<strong>de</strong> f em Fµ(X) são únicos.<br />

Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrarmos o teorema 5.3.4 exploramos algumas das suas<br />

consequências mais imediatas. Se λ ≪ µ, obtemos:<br />

Teorema 5.3.5 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym (I)). Se λ e µ são medidas positivas<br />

σ-finitas, e λ ≪ µ, existe uma função M-mensurável f : X → [0,+∞] tal<br />

que<br />

<br />

λ(E) = fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

Demonstração. De acordo com 5.3.4, existe uma função M-mensurável f :<br />

X → [0,+∞] e uma medida positiva ν⊥µ tal que<br />

<br />

λ(E) =<br />

E<br />

fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M.<br />

Como λ ≪ µ, o par (λ,0) é a (única) <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ. É<br />

por isso evi<strong>de</strong>nte que ν = 0.<br />

Os resultados anteriores são facilmente adaptados a medidas reais.<br />

Teorema 5.3.6 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue (II)). Se µ é uma medida<br />

positiva σ-finita, e λ é uma medida real, existe f ∈ L1 µ (X) e uma medida<br />

real ν⊥µ tal que<br />

<br />

λ(E) = fdµ + ν(E) para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

Demonstração. Sendo λ = λ + − λ − a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Jordan <strong>de</strong> λ, é claro<br />

que λ + e λ − são medidas positivas finitas em (X, M). O teorema 5.3.4<br />

é aplicável às medidas λ + e λ − , don<strong>de</strong> existem funções M-mensuráveis<br />

f+,f− : X → [0,+∞], e medidas positivas ν+, ν−⊥µ tais que<br />

λ ± <br />

(E) =<br />

E<br />

f±dµ + ν±(E), para qualquer E ∈ M.


322 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

É claro que as funções f+, f− e f = f+ − f− são µ-somáveis, as medidas ν+<br />

e ν− são finitas, ν = ν+ − ν− é uma medida real, ν⊥µ, e<br />

<br />

λ(E) = fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

Deixamos como exercício a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

Teorema 5.3.7 (<strong>de</strong> Radon-Nikodym (II)). Se µ é uma medida positiva<br />

σ-finita, λ é uma medida real, e λ ≪ µ, existe f ∈ L 1 µ(X) tal que<br />

<br />

λ(E) =<br />

E<br />

fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />

A função f que ocorre na <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue diz-se:<br />

Definição 5.3.8 (Derivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym). Se λ, µ, e ν são medidas,<br />

e<br />

<br />

λ(E) = fdµ + ν(E),<br />

E<br />

é a <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, dizemos que f é a<br />

<strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, e escrevemos f = dλ<br />

dµ .<br />

Exemplos 5.3.9.<br />

1. Consi<strong>de</strong>re-se, no espaço (R, B(R), m), a medida λ = ρ + ξ, on<strong>de</strong> ξ é a medida<br />

<strong>de</strong> Cantor, e ρ é o integral in<strong>de</strong>finido da função exponencial f(x) = e x .<br />

Como ρ é absolutamente contínua, e ξ é singular, então λ = ρ + ξ é a <strong>de</strong>com-<br />

posição <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m a µ, e a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym dλ<br />

dm<br />

é, evi<strong>de</strong>ntemente, a função exponencial.<br />

2. Como ξ é singular, a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym dξ<br />

dm<br />

é nula.<br />

A noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym é aplicável em circunstâncias<br />

muito gerais( 5 ), e on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>rivada no sentido usual do termo po<strong>de</strong> não ter<br />

qualquer significado. Po<strong>de</strong>mos no entanto comparar a <strong>de</strong>rivada usual <strong>de</strong><br />

uma função f : R → R com a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym da sua <strong>de</strong>rivada<br />

generalizada µ, supondo que µ existe. Deve ser claro que do Capítulo<br />

anterior que<br />

5 Cauchy parece ter tido algumas noções intuitivas sobre este conceito, e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> absoluta, já em 1841. Discutiu <strong>de</strong> forma algo vaga a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “magnitu<strong>de</strong>s<br />

coexistentes”, mas o exemplo que utilizou é muito sugestivo: a massa e o volume <strong>de</strong> um<br />

corpo, on<strong>de</strong>, na terminologia mo<strong>de</strong>rna, a massa é a medida λ, o volume é a medida µ, e é<br />

a medida <strong>de</strong> Lebesgue, e a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym é a função “<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>”.


5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 323<br />

• O Teorema da Decomposição <strong>de</strong> Lebesgue (4.7.13 e 4.7.14) é o teorema<br />

<strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas na recta real, e mostra que<br />

neste caso dµ<br />

dm = f ′ .<br />

• Se µ é uma medida absolutamente contínua na recta real, então<br />

– O 1 o Teorema Fundamental do Cálculo afirma que dµ<br />

dm = f ′ , e<br />

– O 2 o Teorema Fundamental do Cálculo é essencialmente o teorema<br />

<strong>de</strong> Radon-Nikodym.<br />

Passamos à <strong>de</strong>monstração do teorema 5.3.4, que organizamos numa sequência<br />

<strong>de</strong> resultados parciais auxiliares. O argumento que utilizamos baseia-se<br />

numa observação muito natural: supondo que λ e µ são medidas positivas<br />

em (X, M), e temos<br />

<br />

λ(E) = fdµ + ν(E), para qualquer E ∈ M,<br />

E<br />

on<strong>de</strong> ν é também uma medida positiva, é evi<strong>de</strong>nte que<br />

<br />

(5.3.1) fdµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

É por isso razoável procurar a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> Radon-Nikodym <strong>de</strong> λ em or<strong>de</strong>m<br />

a µ na classe das funções que satisfazem a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> 5.3.1, e é <strong>de</strong> esperar<br />

que esta <strong>de</strong>rivada seja a maior solução para esta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>.<br />

Definição 5.3.10. Seja Dλ a classe das funções M-mensuráveis g : X →<br />

[0,+∞] tais que<br />

<br />

gdµ ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

É fácil obter sucessões crescentes em Dλ.<br />

Lema 5.3.11. Se gk ∈ Dλ e fn = max{gk : k ≤ n}, então fn ∈ Dλ.<br />

Demonstração. Basta-nos consi<strong>de</strong>rar n = 2, por razões óbvias. Se g =<br />

f2 = max{g1,g2}, então g é uma função M-mensurável e não-negativa, e os<br />

conjuntos F1 = {x ∈ X : g(x) = g1(x)}, e F2 = F c 1 são mensuráveis. É claro<br />

que f(x) = g2(x) para x ∈ F2. Portanto, e sendo E ∈ M, temos:<br />

<br />

gdµ = gdµ + gdµ = g1dµ + g2dµ ≤<br />

E<br />

E∩F1<br />

E∩F2<br />

E∩F1<br />

≤λ(E ∩ F1) + λ(E ∩ F2) = λ(E),<br />

E∩F2<br />

dado que g1,g2 ∈ Dλ, e λ é uma medida. Concluímos que g ∈ Dλ.


324 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Como Dλ = ∅, po<strong>de</strong>mos introduzir a seguinte <strong>de</strong>finição auxiliar:<br />

Definição 5.3.12. A função π : M → [0, ∞] é dada por<br />

<br />

π(E) = sup{ gdµ : g ∈ Dλ}.<br />

E<br />

É evi<strong>de</strong>nte que π(E) ≤ λ(E) para qualquer E ∈ M. Provamos a seguir<br />

que π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> uma função f ∈ Dλ, sob a hipótese adicional<br />

<strong>de</strong> λ e µ serem medidas finitas.<br />

Lema 5.3.13. Se λ e µ são medidas positivas finitas, existe f ∈ Dλ tal que<br />

π(E) = <br />

E fdµ para E ∈ M.<br />

Demonstração. Como π(X) = sup{ <br />

X gdµ : g ∈ Dλ}, existem funções gn ∈<br />

Dλ tais que <br />

X gndµ → π(X). Definimos fn = max{g1,g2,g3, · · · ,gn}, e<br />

notamos que as funções fn ∈ Dλ, <strong>de</strong> acordo com 5.3.11.<br />

As funções fn são mensuráveis, não-negativas, e fn(x) ր f(x). Segue-se,<br />

do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi, que f é uma função mensurável não-negativa, e<br />

<br />

fndµ ր fdµ, para qualquer E ∈ M.<br />

E<br />

Como <br />

E fndµ ≤ λ(E), para qualquer E ∈ M, temos <br />

E<br />

f ∈ Dλ.<br />

E<br />

fdµ ≤ λ(E), i.e.,<br />

Para mostrar que π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f, note-se primeiro que, para<br />

E = X, temos: <br />

<br />

fndµ ր π(X) = fdµ.<br />

X<br />

Seja E ∈ M, e g ∈ Dλ. Sendo h = max{f,g}, segue-se <strong>de</strong> 5.3.11 que h ∈ Dλ.<br />

Por <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> π, temos<br />

<br />

<br />

fdµ + fdµ = fdµ = π(X) ≥ hdµ ≥ gdµ +<br />

Ec fdµ.<br />

E<br />

E c<br />

Concluímos que<br />

<br />

π(E) ≥ fdµ ≥<br />

E<br />

É assim evi<strong>de</strong>nte que π(E) = <br />

E<br />

X<br />

X<br />

X<br />

gdµ, para qualquer E ∈ M, e qualquer g ∈ Dλ.<br />

E<br />

fdµ, i.e., π é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> f.<br />

Acabámos <strong>de</strong> provar que π é um integral in<strong>de</strong>finido, e é, por isso, uma<br />

medida absolutamente contínua em relação a µ. Para concluir a <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> 5.3.4, para o caso em que λ e µ são medidas positivas finitas,<br />

resta-nos mostrar que a diferença ν = λ − π é singular em relação a µ.<br />

E


5.3. O Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue 325<br />

Lema 5.3.14. Se λ e µ são medidas positivas finitas, e π é <strong>de</strong>finido por<br />

5.3.12, então ν = λ − π é uma medida positiva finita, e ν⊥µ.<br />

Demonstração. λ e π são medidas positivas finitas e λ ≥ π, don<strong>de</strong> ν = λ−π<br />

é uma medida positiva finita. Consi<strong>de</strong>ramos as medidas reais νn = ν − 1<br />

n µ, e<br />

<strong>de</strong>signamos por (Pn,Nn) uma <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn para νn. Registamos<br />

que<br />

(1) Se P =<br />

∞<br />

Pn e N =<br />

n=1<br />

∞<br />

Nn, então X = P ∪ N, e P ∩ N = ∅.<br />

n=1<br />

Como N ⊆ Nn para qualquer n, temos<br />

νn(N) = ν(N) − 1<br />

1<br />

µ(N) ≤ 0, ou ν(N) ≤<br />

n n µ(N).<br />

Fazendo n → +∞, obtemos ν(N) = 0, e portanto<br />

(2) ν está concentrada em P.<br />

Seja agora f a função referida no lema 5.3.13, cujo integral in<strong>de</strong>finido é π.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos a função hn = f + 1<br />

nχPn, e notamos que hn é uma função<br />

mensurável não-negativa. Designamos o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> hn por φn.<br />

Provamos em seguida que hn pertence a Dλ, ou seja, que φn(E) ≤ λ(E)<br />

para qualquer E ∈ M. Como π = λ − ν, um cálculo simples mostra que<br />

φn(E) = π(E) + 1<br />

n µ(E ∩ Pn) = λ(E) − ν(E) + 1<br />

n µ(E ∩ Pn) =<br />

= λ(E) − ν(E ∩ Nn) − ν(E ∩ Pn) + 1<br />

n µ(E ∩ Pn) =<br />

= λ(E) − ν(E ∩ Nn) − νn(E ∩ Pn).<br />

Como ν ≥ 0 e Pn é νn-positivo, temos ν(E ∩ Nn) ≥ 0 e νn(E ∩ Pn) ≥ 0.<br />

Portanto,<br />

φn(E) = λ(E) − ν(E ∩ Nn) − νn(E ∩ Pn) ≤ λ(E), ou seja, hn ∈ Dλ.<br />

Concluímos que µ(Pn) = 0, porque<br />

<br />

hndµ = fdµ + 1<br />

n µ(Pn)<br />

<br />

≤ π(X) =<br />

X<br />

Como P = ∪ ∞ n=1 Pn, é claro que µ(P) = 0, i.e.,<br />

Segue-se <strong>de</strong> (1), (2) e (3) que ν⊥µ.<br />

X<br />

(3) µ está concentrada em N.<br />

X<br />

fdµ.


326 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

A <strong>de</strong>monstração do Teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue para medidas<br />

σ-finitas é uma generalização relativamente simples <strong>de</strong>stes argumentos.<br />

Demonstração. Se as medidas µ e λ são σ-finitas, existem conjuntos Mmensuráveis<br />

Xn, que po<strong>de</strong>mos supor disjuntos, tais que<br />

X =<br />

∞<br />

Xn, on<strong>de</strong> µ(Xn) < +∞, e λ(Xn) < +∞.<br />

n=1<br />

Definimos medidas λn, e µn, por<br />

λn(E) = λ(E ∩ Xn), e µn(E) = µ(E ∩ Xn).<br />

As medidas λn e µn são finitas, e estão concentradas em Xn. Existem, por<br />

isso, funções M-mensuráveis não-negativas fn : X → [0,+∞], e medidas<br />

positivas finitas νn, em ambos os casos concentradas em Xn, tais que<br />

<br />

λn(E) = fndµn + νn(E), para qualquer E ∈ M, e νn⊥µn.<br />

E<br />

É simples verificar que <br />

E fndµn = <br />

E fndµ. Temos, portanto,<br />

<br />

(1) λn(E) = fndµ + νn(E), para qualquer E ∈ M.<br />

Definimos<br />

Segue-se <strong>de</strong> (1) que:<br />

(2) λ(E) =<br />

f(x) =<br />

E<br />

∞<br />

fn(x), e ν(E) =<br />

n=1<br />

∞<br />

λ(E ∩ Xn) =<br />

n=1<br />

<br />

E n=1<br />

∞<br />

νn(E).<br />

n=1<br />

∞<br />

λn(E) =<br />

n=1<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

fndµ + νn(E) =<br />

n=1<br />

E<br />

fdµ + ν(E).<br />

Deixamos para o exercício 3 verificar que ν⊥µ, o que termina a <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> 5.3.4.<br />

Exemplo 5.3.15.<br />

O teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym-Lebesgue não é, em geral, válido, se as medidas<br />

em causa não são σ-finitas. Deixamos para o exercício 1 o estudo dos casos<br />

λ = m, e µ = #, bem como λ = #, e µ = m.<br />

Exercícios.


5.4. Os Espaços L p 327<br />

1. Consi<strong>de</strong>re a medida <strong>de</strong> contagem # e a medida <strong>de</strong> Lebesgue m, ambas<br />

<strong>de</strong>finidas em L(R). Existem <strong>de</strong>composições <strong>de</strong> Lebesgue <strong>de</strong> # (respectivamente,<br />

m) em relação a m (respectivamente, #)?<br />

2. Demonstre 5.3.7.<br />

3. Para concluir a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Radon-Nikodym esboçada acima,<br />

mostre que:<br />

a) <br />

E fndµn = <br />

E fndµ.<br />

b) ν⊥µ.<br />

4. Suponha que λ e µ são medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ µ.<br />

a) Mostre que se f é M-mensurável, e não-negativa, então <br />

X<br />

fdλ = <br />

b) Prove que se f ∈ L1 dλ<br />

λ (X) então f dµ ∈ L1 <br />

dλ<br />

µ (X) e fdλ = f X X dµ dµ.<br />

c) Mostre que µ ≪ λ se e só se dλ<br />

dµ<br />

= 0, µ-qtp, e que neste caso dλ<br />

5. Suponha que λ, ν e µ são medidas positivas σ-finitas, e λ ≪ ν.<br />

a) Prove que dλ<br />

dµ<br />

dλ dν = dν dµ .<br />

dµ<br />

dµ dλ<br />

X<br />

f dλ<br />

dµ dµ.<br />

= 1.<br />

b) Suponha que λ não é absolutamente contínua em relação a ν. A conclusão<br />

anterior mantem-se válida?<br />

6. Suponha que µ, ν, λ, e λn são medidas positivas σ-finitas.<br />

a) Prove que d(λ+ν)<br />

dµ<br />

dλ dν = dµ + dµ .<br />

b) Prove, mais geralmente, que ( 6 )<br />

5.4 Os Espaços L p<br />

<br />

∞<br />

<br />

d<br />

λn =<br />

dµ<br />

n=1<br />

∞<br />

n=1<br />

dλn<br />

dµ .<br />

Na discussão que se segue, i<strong>de</strong>ntificamos ( i.e., tratamos como um único<br />

objecto) funções mensuráveis que diferem entre si num conjunto <strong>de</strong> medida<br />

nula. Sendo (X, M,µ) um espaço <strong>de</strong> medida fixo, introduzimos<br />

Definição 5.4.1 (Funções Equivalentes). Se f,g : X → R são M-mensuráveis,<br />

então f e g dizem-se equivalentes, e escrevemos f ≃ g, quando<br />

µ({x ∈ X : f(x) = g(x)}) = 0, i.e., se e só se f(x) = g(x) µ-qtp.<br />

6 Esta é uma forma abstracta do Teorema <strong>de</strong> Diferenciação <strong>de</strong> Fubini para séries <strong>de</strong><br />

funções crescentes, a que também chamámos o “pequeno teorema <strong>de</strong> Fubini”.


328 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar facilmente que a relação “≃” é <strong>de</strong> equivalência,<br />

no conjunto <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R. Por esta razão, consi<strong>de</strong>ramos<br />

o conjunto quociente, formado pelas classes <strong>de</strong> equivalência<br />

<strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R, que <strong>de</strong>signaremos aqui Fµ(X).<br />

É muito simples verificar que ( 7 )<br />

Teorema 5.4.2. Fµ(X) é um espaço vectorial.<br />

Diz-se frequentemente que Fµ(X) é o espaço das (classes <strong>de</strong>) funções<br />

mensuráveis, <strong>de</strong>finidas e finitas qtp em X, porque qualquer função M-mensurável<br />

<strong>de</strong>finida µ-qtp, e finita também µ-qtp, <strong>de</strong>termina uma única classe<br />

em Fµ(X), mesmo quando o espaço (X, M,µ) não é completo.<br />

Teorema 5.4.3. Seja f : E → R M-mensurável, e finita µ-qtp em E. Se<br />

µ(E c ) = 0, então:<br />

a) Existe g : X → R, M-mensurável em E, tal que g(x) = f(x), µ-qtp<br />

em E, e<br />

b) Se h : X → R é M-mensurável em X, e h(x) = f(x) µ-qtp em E,<br />

então h ≃ g.<br />

Demonstração. a) A função ˜ f : X → R, que coinci<strong>de</strong> com f no conjunto E,<br />

e é nula em Ec , é mensurável em X. Como H = {x ∈ E : |f(x)| = ∞} é<br />

mensurável, a função g = ˜ fχH c é mensurável. É óbvio que f(x) = g(x), se<br />

x ∈ Ec ∪ H, on<strong>de</strong> µ(Ec ∪ H) = 0, i.e., f(x) = g(x), µ-qtp em E.<br />

b) Os conjuntos A = {x ∈ E : g(x) = f(x)} e B = {x ∈ E : h(x) = f(x)}<br />

são mensuráveis, e têm medida nula. Como {x ∈ X : h(x) = g(x)} ⊆<br />

Ec ∪ A ∪ B, é óbvio que g ≃ h.<br />

A classe <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> f é <strong>de</strong>signada por [f], mas, em geral, escreveremos<br />

simplesmente f, no lugar <strong>de</strong> [f]. Bem entendido, teremos sempre<br />

<strong>de</strong> verificar que as noções que associamos a uma qualquer classe [f] são<br />

efectivamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do representante f escolhido. Por exemplo, se<br />

f ≃ g, e f é somável, é evi<strong>de</strong>nte que g é igualmente somável, e, portanto, é<br />

razoável referirmo-nos a classes <strong>de</strong> equivalência “somáveis”.<br />

Introduzimos imediatamente a seguir uma família <strong>de</strong> subespaços <strong>de</strong> Fµ(X),<br />

ditos os espaços L p , com 1 ≤ p ≤ ∞, que <strong>de</strong>signaremos por L p µ(X). Estes<br />

espaços são <strong>de</strong>finidos em termos das chamadas normas L p . A norma L p<br />

da classe [f] po<strong>de</strong> ser calculada a partir <strong>de</strong> qualquer representante f, e<br />

<strong>de</strong>signa-se por f p .<br />

7 O conjunto F(X), <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : X → R, é, como sabemos, um<br />

espaço vectorial real. A classe N(X), <strong>de</strong> todas as funções mensuráveis f : N → R que são<br />

nulas µ-qtp é, claramente, um subespaço vectorial <strong>de</strong> F(X). É fácil mostrar que Fµ(X) é<br />

o quociente F(X)/N(X).


5.4. Os Espaços L p 329<br />

Definição 5.4.4 (Norma L p , Espaços L p ). Se 1 ≤ p < ∞, e f : X → R é<br />

M-mensurável, então ( 8 )<br />

<br />

fp =<br />

X<br />

|f| p 1<br />

p<br />

dµ .<br />

L p µ(X) é formado pelas classes <strong>de</strong> funções com norma Lp finita, i.e.,<br />

L p <br />

<br />

µ (X) = [f] ∈ Fµ(X) : fp < ∞<br />

Veremos que L p µ(X) é, efectivamente, um espaço vectorial normado, com<br />

a norma indicada. Esta afirmação é, em qualquer caso, quase evi<strong>de</strong>nte para<br />

p = 1, on<strong>de</strong> a norma é dada por<br />

<br />

[f]1 = f1 = |f|dµ.<br />

Recor<strong>de</strong>-se, a este respeito, as seguintes observações, que fizémos num contexto<br />

mais restrito já no Capítulo 1, agora reforçadas com os resultados da<br />

secção anterior, e a afirmação final.<br />

• Se f,g ∈ L 1 µ(E), a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> f+g1 ≤ f1+g1 é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

triangular usual,<br />

• Se f ∈ L 1 µ (E) e α ∈ R, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> αf1 = |α|f1 resulta directamente<br />

<strong>de</strong> 5.2.13, e<br />

• f1 = 0 ⇐⇒ f ≃ 0 ⇐⇒ [f] = [0].<br />

A <strong>de</strong>finição do espaço L ∞ µ<br />

auxiliares.<br />

X<br />

(X) requer a introdução <strong>de</strong> algumas noções<br />

Definição 5.4.5 (Majorantes e Minorantes Essenciais). Dizemos que M é<br />

majorante ( respectivamente, minorante) essencial da função f se e<br />

só se f(x) ≤ M, (respectivamente, f(x) ≥ M) µ-qtp em X.<br />

Exemplo 5.4.6.<br />

No espaço (R, L(R), m), qualquer M ≥ 0 é majorante essencial da função <strong>de</strong><br />

Dirichlet, porque a função <strong>de</strong> Dirichlet é nula qtp em R.<br />

Funções equivalentes têm exactamente os mesmos majorantes e minorantes<br />

essenciais, e portanto estas noções são aplicáveis a elementos <strong>de</strong><br />

Fµ(X). Deixamos para o exercício 2 a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>:<br />

8 Seguimos a convenção natural <strong>de</strong> tomar (∞) α = ∞, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que α > 0.


330 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Proposição 5.4.7. Se f : X → R é M-mensurável, e A é o conjunto dos<br />

majorantes essenciais <strong>de</strong> f, então o conjunto A tem mínimo.<br />

Definição 5.4.8 (Norma L ∞ , Espaço L ∞ ). Se f : X → R é M-mensurável,<br />

o menor majorante essencial <strong>de</strong> |f| <strong>de</strong>signa-se f∞, e diz-se a norma L ∞<br />

da classe [f]. Definimos ainda L ∞ µ (X) = {[f] ∈ Fµ(X) : f∞ < ∞}.<br />

Deixamos também como exercício a <strong>de</strong>monstração do seguinte resultado:<br />

Proposição 5.4.9. L ∞ µ (X) é um espaço vectorial normado, com a norma<br />

L ∞ <strong>de</strong>finida em 5.4.8.<br />

Exemplos 5.4.10.<br />

1. Designaremos o espaço L p mN (E) por Lp (E), quando E ⊆ R N é um conjunto<br />

Lebesgue-mensurável.<br />

2. Se (X, M, µ) = (N, P(N), #), é tradicional <strong>de</strong>signar o espaço L p<br />

# (N) por ℓp .<br />

Por exemplo, ℓ2 é o espaço das sucessões reais tais que ∞ n=1 x2n < ∞, e ℓ∞ é<br />

o espaço das sucessões reais limitadas.<br />

3. R N é um espaço L p , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞.<br />

Os espaços L p , com 1 < p < ∞, são igualmente espaços vectoriais normados,<br />

mas a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ste resultado requer a prévia verificação das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s ditas <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r( 9 ), e <strong>de</strong> Minkowski( 10 ).<br />

Lema 5.4.11. Se f,g : X → R são funções M-mensuráveis e α ∈ R, então<br />

a) αf p = |α| f p .<br />

b) f p = 0 ⇔ f(x) = 0,µ-q.t.p. em X ⇔ [f] = [0].<br />

c) f p + g p < ∞ =⇒ f + g p ≤ (|f| + |g|) p < ∞.<br />

d) Em particular, L p µ(X) é um subespaço vectorial <strong>de</strong> Fµ(X).<br />

Demonstração. As afirmações a) e b) são evi<strong>de</strong>ntes, para qualquer 1 ≤ p ≤<br />

∞, assim como c), para p = ∞. Passamos a provar c), para p < ∞. Como<br />

a função φ(t) = tp é convexa para t ≥ 0, tomamos s = |f(x)|, t = |g(x)|, e<br />

α = β = 1<br />

2 , para concluir que<br />

1<br />

2p (|f(x)| + |g(x)|)p p |f(x)| + |g(x)|<br />

=<br />

≤<br />

2<br />

1<br />

2 (|f(x)|p + |g(x)| p ) .<br />

9 Otto Ludwig Höl<strong>de</strong>r, 1859-1937, matemático alemão com o nome associado a esta<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, e ao teorema <strong>de</strong> Jordan-Höl<strong>de</strong>r da Teoria dos Grupos. Ensinou nas universida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Göttingen e Tübingen.<br />

10 Hermann Minkowsky, 1864-1909, matemático alemão, professor em Göttingen, com o<br />

nome indissociavelmente ligado ao espaço-tempo quadridimensional da teoria da Relativida<strong>de</strong><br />

Restrita.


5.4. Os Espaços L p 331<br />

A integração <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> conduz imediatamente a<br />

1<br />

1<br />

|f| + |g| p<br />

2p p ≤<br />

2 fp<br />

1<br />

p +<br />

2 gp p < ∞.<br />

Repare-se que as funções f e g são, necessariamente, finitas µ-qtp, e po<strong>de</strong>mos<br />

supor, sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, que f + g é finita e está <strong>de</strong>finida em toda<br />

a parte. Como |f + g| ≤ |f| + |g|, é claro que f + g p ≤ |f| + |g| p < ∞.<br />

A afirmação d) é um corolário imediato <strong>de</strong> a) e c).<br />

Usaremos aqui a seguinte terminologia:<br />

Definição 5.4.12 (Expoentes Conjugados). Se 1 ≤ p,q ≤ ∞, então p e q<br />

são expoentes conjugados se e só se 1 1<br />

1<br />

p + q = 1, on<strong>de</strong> tomamos ∞ = 0.<br />

Observe-se que o único valor <strong>de</strong> p que é conjugado <strong>de</strong> si próprio é p = 2.<br />

Esta observação está relacionado com o facto do espaço L 2 ser o único espaço<br />

L p que é euclidiano( 11 ).<br />

Lema 5.4.13. Se p e q são expoentes conjugados, 1 < p < ∞, então<br />

0 ≤ x,y ≤ ∞ =⇒ xy ≤ 1<br />

p xp + 1<br />

q yq .<br />

Demonstração. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> só não é evi<strong>de</strong>nte se 0 < x,y < ∞. Neste<br />

caso, como a função logaritmo é côncava, e 1 1<br />

p + q = 1, um cálculo simples<br />

mostra que<br />

log( 1<br />

p xp + 1<br />

q yq ) ≥ 1<br />

p log(xp ) + 1<br />

q log(yq ) = log(xy).<br />

A função logaritmo é crescente, e por isso 1<br />

p xp + 1<br />

q yq ≥ xy.<br />

O próximo teorema generaliza a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy-Schwarz( 12 )<br />

para quaisquer expoentes conjugados.<br />

Teorema 5.4.14 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r). Se f,g : X → R são Mmensuráveis,<br />

e p e q são expoentes conjugados, 1 ≤ p ≤ ∞, então<br />

fg 1 ≤ f p g q .<br />

Demonstração. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte se f p g q = ∞, e é muito<br />

simples <strong>de</strong> estabelecer se f p g q = 0, porque, neste último caso, temos<br />

11 O espaço vectorial normado V é euclidiano se e só se a respectiva norma é dada por<br />

v = (v • v) 1 2 , on<strong>de</strong> o símbolo “•” representa um produto interno em V.<br />

12 A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy-Schwarz para integrais é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r com<br />

p = q = 2.


332 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

fg = 0, µ-qtp. Supomos por isso que 0 < f p g q < ∞. Tomamos<br />

F(x) = |f(x)|<br />

f p<br />

, e G(x) = |g(x)|<br />

g . De acordo com o lema 5.4.13, temos<br />

q<br />

F(x)G(x) ≤ 1<br />

p F(x)p + 1<br />

q G(x)q .<br />

Integramos esta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, e como F p = G q = 1, obtemos:<br />

Finalmente, e como<br />

FG1 ≤ 1 1<br />

F p<br />

p +<br />

p q Gq<br />

1 1<br />

q = + = 1.<br />

p q<br />

fg 1<br />

f p g q<br />

= FG 1 ≤ 1, temos fg 1 ≤ f p g q .<br />

Outra das consequências do teorema anterior é a seguinte <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>:<br />

Teorema 5.4.15 (Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski). Se 1 ≤ p ≤ ∞, então<br />

f,g ∈ L p µ (X) ⇒ f + g ∈ Lp µ (X), e f + g p ≤ f p + g p .<br />

Demonstração. Limitamo-nos a consi<strong>de</strong>rar aqui os casos 1 < p < ∞. Definimos<br />

h = (|f| + |g|) p−1 , e registamos que<br />

(|f| + |g|) p = h|f| + h|g|.<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r aplicada aos produtos h|f| e h|g| conduz a:<br />

<br />

(1) (|f| + |g|) p <br />

dµ = h|f|dµ + h|g|dµ ≤ hq fp + hq gp .<br />

X<br />

X<br />

O lado esquerdo <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é naturalmente dado por:<br />

<br />

(2) (|f| + |g|) p dµ = |f| + |g| p<br />

p .<br />

Como (p − 1)q = p, temos<br />

h q<br />

q =<br />

<br />

(|f| + |g|) (p−1)q <br />

dµ =<br />

X<br />

X<br />

(3) h q =<br />

X<br />

X<br />

(|f| + |g|) p dµ = |f| + |g| p<br />

p , ou<br />

p<br />

q<br />

|f| + |g| p Usando (2) e (3) na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (1), obtemos<br />

|f| + |g| p<br />

p ≤<br />

<br />

|f| + |g| p<br />

p<br />

q <br />

f p + g p<br />

É claro que nada temos a provar se |f| + |g|p = 0. Caso contrário, dividi-<br />

p<br />

q<br />

mos a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> anterior por |f| + |g| p , e notamos que p − p<br />

q = 1,<br />

don<strong>de</strong><br />

f + gp ≤ |f| + |g|p ≤ fp + gp .<br />

.<br />

<br />

.


5.4. Os Espaços L p 333<br />

Este resultado, associado ao lema 5.4.11, torna o seguinte corolário essencialmente<br />

evi<strong>de</strong>nte.<br />

Corolário 5.4.16. L p µ(X) é um espaço vectorial normado com a norma<br />

<strong>de</strong> L p µ(X). Em particular, L 2 µ(X) é um espaço euclidiano, com o produto<br />

interno f • g = <br />

X fgdµ.<br />

As noções topológicas básicas, que <strong>de</strong>vem ser conhecidas pelo menos<br />

do espaço R N , adaptam-se facilmente ao contexto <strong>de</strong> um qualquer espaço<br />

vectorial normado.<br />

Definição 5.4.17 (Topologia em V). Sejam V e W espaços vectoriais normados<br />

reais. Se v ∈ V (respectivamente, w ∈ W), <strong>de</strong>signamos por v<br />

(respectivamente, w ′ ), as correspon<strong>de</strong>ntes normas.<br />

a) A bola aberta <strong>de</strong> centro em v e raio ε > 0 é o conjunto Bε(v) =<br />

{u ∈ V : u − v < ε}.<br />

b) O conjunto U ⊆ V é aberto se e só se, para qualquer v ∈ U, existe<br />

ε > 0 tal que Bε(v) ⊆ U. Se U é aberto, e v ∈ U, dizemos que U é<br />

uma vizinhança <strong>de</strong> v. A família O = {U ⊆ V : U é aberto em V} é<br />

a topologia do espaço V.<br />

c) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn ∈ V converge para v ∈ V se e só se<br />

vn − v → 0, quando n → ∞. Em particular, se f,fn ∈ L p µ(X), e<br />

fn − f p → 0, dizemos que fn converge para f em L p .<br />

d) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn ∈ V é fundamental se e só se<br />

vn − vm → 0, quando n,m → ∞.<br />

e) A função f : V → W é contínua em v ∈ V se e só se para qualquer<br />

ε > 0 existe δ > 0 tal que u − v < δ ⇒ f(u) − f(v) ′ < ε.<br />

Usaremos no que se segue, e sem mais comentários, noções que se <strong>de</strong>rivam<br />

<strong>de</strong>stas sem qualquer dificulda<strong>de</strong>, como, por exemplo, as <strong>de</strong> interior, exterior,<br />

fronteira, e fecho <strong>de</strong> qualquer conjunto U ⊆ V.<br />

Exemplos 5.4.18.<br />

1. O teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue po<strong>de</strong> ser enunciado como<br />

se segue: Se fn → f pontualmente em X, e existe g ∈ L 1 µ(X) tal que |fn(x)| ≤<br />

g(x) µ-qtp em X, então fn também converge para f em L 1 . Um resultado<br />

análogo é válido em L p (exercício 4).<br />

2. O integral <strong>de</strong>finido φ : L1 µ(X) → R é um funcional contínuo em L1 µ(X):<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

|φ(f) − φ(g)| = <br />

fdµ − gdµ <br />

<br />

X X<br />

≤<br />

<br />

|f − g|dµ = f − g1 .<br />

X


334 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

3. Seja U ⊂ L 1 (R) formado pelas classes <strong>de</strong> funções que têm algum representante<br />

f ∈ Cc(R). É usual escrever U = Cc(R), não distinguindo “funções” <strong>de</strong><br />

“classes <strong>de</strong> equivalência” <strong>de</strong> funções, para evitar sobrecarregar a notação utilizada<br />

( 13 ). Com esta convenção, o corolário 3.6.8 afirma que Cc(R) é <strong>de</strong>nso<br />

em L 1 (R), i.e., Cc(R) = L 1 (R).<br />

4. Deixamos para o exercício 7 verificar que, se 1 ≤ p, q < ∞, então Lp µ (X) ∩<br />

Lq µ(X) é <strong>de</strong>nso em Lp µ(X).<br />

É muito interessante observar que as <strong>de</strong>finições apresentadas em 5.4.17<br />

c), d) e e), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m apenas da topologia do espaço em causa, i.e., da família<br />

formada pelos conjuntos abertos, e não da norma utilizada para <strong>de</strong>finir essa<br />

topologia. Com efeito:<br />

Proposição 5.4.19. Mantendo a notação em 5.4.17, temos:<br />

a) vn → v se e só se, para qualquer vizinhança U <strong>de</strong> v, existe p ∈ N tal<br />

que n > p =⇒ vn ∈ U.<br />

b) A sucessão <strong>de</strong> termo geral vn é fundamental se e só se, para qualquer<br />

vizinhança U <strong>de</strong> 0 ∈ V, existe p ∈ N tal que n,m > p =⇒ (vn −vm) ∈<br />

U.<br />

c) A função f : V → W é contínua em v ∈ V se e só se para qualquer<br />

vizinhança W <strong>de</strong> f(v) em W existe uma vizinhança V <strong>de</strong> v em V tal<br />

que f(V ) ⊆ W.<br />

Por esta razão, duas normas <strong>de</strong>finidas no mesmo espaço vectorial dizemse<br />

equivalentes se <strong>de</strong>terminam a mesma topologia. Esta noção é irrelevante<br />

no estudo dos espaços <strong>de</strong> dimensão finita, porque todas as normas<br />

num mesmo espaço são automaticamente equivalentes. A situação é dramaticamente<br />

diferente nos espaços <strong>de</strong> dimensão infinita, o que introduz uma<br />

complexida<strong>de</strong> e riqueza <strong>de</strong> resultados muito interessante na teoria.<br />

Exemplos 5.4.20.<br />

1. Lp µ (X) ∩ Lq µ (X) é um subespaço vectorial, tanto <strong>de</strong> Lp µ (X), como <strong>de</strong> Lq µ (X).<br />

No entanto, em geral, as normas <strong>de</strong> Lp e <strong>de</strong> Lq geram topologias distintas<br />

em Lp µ (X) ∩ Lq µ (X). Por exemplo, se gn é a função característica do intervalo<br />

[0, 1<br />

n ] no intervalo X = [0, 1], então fn = √ ngn → 0, com a norma <strong>de</strong> L1 , ou<br />

“em L1 ”, mas a sucessão diverge em L∞ , porque fn∞ = √ n → ∞. Por<br />

outras palavras, as topologias <strong>de</strong>terminadas em L1 (X) ∩ L∞ (X) pelas normas<br />

<strong>de</strong> L1 (X) e <strong>de</strong> L∞ (X) são diferentes.<br />

2. Vimos atrás que Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 (R N ), i.e., Cc(R N ) = L 1 (R N ), na<br />

topologia <strong>de</strong> L 1 . É relativamente simples mostrar que Cc(R N ) = C0(R N ), na<br />

topologia <strong>de</strong> L ∞ (exercício 5).<br />

13 É relevante observar que se f, g ∈ Cc(R N ) e f ≃ g então f = g, ou seja, a função<br />

φ : Cc(R N ) → L 1 (R N ) dada por φ(f) = [f] é injectiva.


5.4. Os Espaços L p 335<br />

3. Se x ∈ R N , temos x ∞ ≤ x p ≤ N 1<br />

p x ∞ . Segue-se daqui que todas as<br />

normas L p em R N são equivalentes.<br />

O seguinte resultado relaciona as sucessões convergentes com as sucessões<br />

fundamentais.<br />

Lema 5.4.21. Seja V um espaço vectorial normado. Então<br />

a) Qualquer sucessão convergente em V é fundamental.<br />

b) Qualquer sucessão fundamental em V com pelo menos uma subsucessão<br />

convergente é necessariamente convergente.<br />

Demonstração. Para provar a afirmação b), supomos que a sucessão <strong>de</strong><br />

termo geral xn é fundamental, e tem uma subsucessão <strong>de</strong> termo geral y n =<br />

xkn → y. Como a sucessão <strong>de</strong> naturais <strong>de</strong> termo geral kn é estritamente<br />

crescente, e a sucessão original é fundamental, temos xn − y n → 0. Observamos<br />

agora que:<br />

xn − y ≤ xn − y n + y n − y → 0.<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> a) é parte do exercício 8.<br />

No espaço R N , as sucessões fundamentais são convergentes, mas é simples<br />

dar exemplos <strong>de</strong> espaços vectoriais normados com sucessões fundamentais<br />

que divergem.<br />

Exemplo 5.4.22.<br />

Seja hn a função característica do intervalo [ 1<br />

1<br />

n , 1], e ϕ(x) = √ . Consi<strong>de</strong>re-se<br />

x<br />

a sucessão <strong>de</strong> funções ϕn = hnϕ, no espaço L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma <strong>de</strong><br />

L1 (X), on<strong>de</strong> X = [0, 1]. É claro que a sucessão converge em L1 para a função<br />

ϕ ∈ L1 (X) ∩ L∞ (X). Portanto, a sucessão é fundamental, mas divergente, no<br />

espaço L1 (X) ∩ L∞ (X), com a norma <strong>de</strong> L1 (X).<br />

Os espaços vectoriais normados em que todas as sucessões fundamentais<br />

convergem são classificados como se segue:<br />

Definição 5.4.23 (Espaços <strong>de</strong> Banach, Espaços <strong>de</strong> Hilbert). O espaço vectorial<br />

normado V diz-se um espaço <strong>de</strong> banach se e só se as sucessões<br />

fundamentais em V convergem em V. Um espaço <strong>de</strong> hilbert( 14 ) é um<br />

espaço <strong>de</strong> Banach euclidiano.<br />

14 David Hilbert, 1862-1943, alemão, professor em Göttingen, um dos gran<strong>de</strong>s matemáticos<br />

<strong>de</strong> sempre, tem o seu nome associado à célebre lista <strong>de</strong> problemas que apresentou<br />

no Congresso da Matemática <strong>de</strong> 1900, como um <strong>de</strong>safio às capacida<strong>de</strong>s dos matemáticos<br />

do século que então se iria iniciar. O seu problema n o 8, sobre a chamada “Hipótese <strong>de</strong><br />

Riemann”, é talvez o mais famoso problema da Matemática à espera <strong>de</strong> solução.


336 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Como sugerimos a propósito do teorema sobre a integração <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />

funções somáveis, o critério usual <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> séries reais (“qualquer<br />

série absolutamente convergente é convergente”), po<strong>de</strong> ser adaptado para<br />

caracterizar os espaços <strong>de</strong> Banach.<br />

Teorema 5.4.24. Se V é um espaço vectorial normado, então as seguintes<br />

afirmações são equivalentes:<br />

a) V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

b) Qualquer série absolutamente convergente em V é convergente, i.e., se<br />

vn ∈ V,<br />

∞<br />

<br />

m<br />

<br />

<br />

<br />

vn < +∞ =⇒ Existe v ∈ V tal que lim vn − v<br />

= 0.<br />

m→∞<br />

<br />

n=1<br />

Demonstração. Deixamos a implicação “a) ⇒ b)” para o exercício 9. Para<br />

provar que “b) ⇒ a)”, supomos que a sucessão <strong>de</strong> termo geral xn ∈ V é<br />

fundamental, don<strong>de</strong>:<br />

Para qualquer k ∈ N, existe nk ∈ N tal que n,m ≥ nk ⇒ xn − xm < 1<br />

.<br />

2k Supomos sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que a sucessão <strong>de</strong> termo geral nk é<br />

estritamente crescente, e consi<strong>de</strong>ramos a subsucessão <strong>de</strong> termo geral yk =<br />

xnk , e a sucessão auxiliar <strong>de</strong> termo geral zk = yk+1 − yk. É claro que<br />

m<br />

zk = ym+1 − y1, e<br />

k=1<br />

∞<br />

zk <<br />

k=1<br />

∞<br />

k=1<br />

n=1<br />

1<br />

< +∞.<br />

2k De acordo com b), existe z ∈ V tal que z − m<br />

k=1 zk → 0. Por outras<br />

palavras, temos y m = xnm → z+y 1, quando m → ∞, e a sucessão <strong>de</strong> termo<br />

geral xn tem uma subsucessão convergente. Concluímos do lema 5.4.21 que<br />

a sucessão fundamental <strong>de</strong> termo geral xn converge.<br />

O resultado que provámos anteriormente sobre séries <strong>de</strong> funções somáveis<br />

é generalizável a qualquer espaço L p µ(X).<br />

Teorema 5.4.25. Se fn ∈ L p µ(X), e ∞<br />

n=1 fn p < ∞, então:<br />

a) A série f(x) = ∞<br />

n=1 fn(x) converge absolutamente µ-qtp em X.<br />

b) f p ≤ ∞<br />

n=1 fn p , don<strong>de</strong> f ∈ L p µ(X), e<br />

c) As somas parciais m n=1 fn convergem para f em L p µ(X), i.e.,<br />

<br />

m<br />

<br />

<br />

<br />

lim fn − f<br />

= 0.<br />

m→∞ <br />

n=1 p


5.4. Os Espaços L p 337<br />

Demonstração. Supomos 1 ≤ p < ∞, e <strong>de</strong>ixamos o caso p = ∞ como<br />

exercício. Observamos que<br />

gm(x) =<br />

m<br />

|fn(x)| ր<br />

n=1<br />

∞<br />

|fn(x)| = g(x), don<strong>de</strong> gm(x) p ր g(x) p .<br />

n=1<br />

Segue-se da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beppo Levi que gm p → g p . Temos ainda,<br />

da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski, que:<br />

gm p ≤<br />

m<br />

fnp ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

fnp < ∞, don<strong>de</strong> gp ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

fnp < ∞.<br />

Concluímos que g é finita µ-qtp, o que estabelece a).<br />

Para provar b), <strong>de</strong>finimos f(x) = ∞ n=1 fn(x), on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos supor que<br />

a série converge, e é finita, em todo o conjunto X. A função f é mensurável,<br />

e temos:<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

<br />

∞<br />

<br />

fp = fn<br />

≤ |fn| = g<br />

p ≤ fnp < ∞.<br />

n=1 p n=1 p n=1<br />

Aplicamos a afirmação b) à cauda da série ∞ n=1 fn, para concluir que<br />

<br />

m<br />

<br />

∞<br />

<br />

∞<br />

<br />

fn − f<br />

= fn<br />

≤ fn<br />

p → 0, quando m → ∞.<br />

n=1 p n=m+1 p n=m+1<br />

O resultado seguinte é, certamente, um dos mais importantes resultados<br />

da teoria <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> Lebesgue, e um dos seus sucessos técnicos mais<br />

significativos. É uma consequência evi<strong>de</strong>nte dos teoremas 5.4.24 e 5.4.25.<br />

Corolário 5.4.26 (Teorema <strong>de</strong> Riesz-Fischer). ( 15 ) L p µ(X) é um espaço <strong>de</strong><br />

Banach. Em particular, L2 µ (X) é um espaço <strong>de</strong> Hilbert.<br />

Exercícios.<br />

1. Prove que a relação ≃ é <strong>de</strong> equivalência. Prove que se f ≃ f ∗ , g ≃ g ∗ e<br />

c ∈ R, então f + g ≃ f ∗ + g ∗ , fg ≃ f ∗ g ∗ , e cf ≃ cf ∗ .<br />

n=1<br />

2. Demonstre as proposições 5.4.7 e 5.4.9, relativas aos espaços L ∞ .<br />

3. Demonstre o teorema 5.4.25 para o caso p = ∞.<br />

15 Ernst Fischer, 1875-1954, matemático alemão <strong>de</strong> origem austríaca, foi professor em<br />

Erlangen e Colónia. Este teorema foi provado para L 2 quase simultaneamente por Riesz<br />

e por Fischer em 1907. Riesz <strong>de</strong>finiu os espaços L p para p > 1 em 1910, e <strong>de</strong>scobriu que<br />

são espaços <strong>de</strong> Banach, para qualquer p.


338 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

4. Generalize o teorema da convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue para o espaço<br />

L p . sugestão: Suponha |fn| ≤ g, on<strong>de</strong> g ∈ L p , e fn(x) → f(x), qtp em X.<br />

5. Mostre que o fecho <strong>de</strong> Cc(R N ) na topologia <strong>de</strong> L ∞ (R N ) é o espaço C0(R N ).<br />

6. Demonstre as seguintes afirmações, relativas aos espaços L p µ(X):<br />

a) Se µ(X) < ∞, e p < q, então L q µ(X) ⊆ L p µ(X).<br />

b) Se p < q < r, e f ∈ L p µ(X) ∩ L r µ(X), então f ∈ L q µ(X).<br />

c) Se p < q, então ℓ p ⊆ ℓ q , L p (R)\L q (R) = ∅, e L q (R)\L p (R) = ∅.<br />

7. Seja Sµ(X) ⊆ Fµ(X) o conjunto das classes que têm um representante simples.<br />

Supondo 1 ≤ p, q < ∞, prove que:<br />

a) Sµ(X) ∩ L p µ(X) é um subespaço <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> L p µ(X).<br />

b) L p µ(X) ∩ L q µ(X) é <strong>de</strong>nso em L p µ(X).<br />

c) Sµ(X) ∩ L ∞ µ (X) é <strong>de</strong>nso em L ∞ µ (X).<br />

d) Existe um conjunto numerável, <strong>de</strong>nso em L p (R N ).<br />

8. Complete a <strong>de</strong>monstração do lema 5.4.21.<br />

9. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema 5.4.24, provando a implicação “a) ⇒<br />

b)”. sugestão: Mostre que a sucessão <strong>de</strong> somas parciais é fundamental.<br />

5.5 Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz<br />

A generalização das i<strong>de</strong>ias e métodos do Cálculo Diferencial, conhecidas do<br />

espaço R N , para um espaço vectorial normado V “arbitrário”, em particular<br />

para os espaços L p µ(X), utiliza transformações lineares T : V → R<br />

apropriadas. Estas transformações <strong>de</strong>vem aproximar funções ϕ : V → R,<br />

<strong>de</strong> forma a que ϕ(x + y) = ϕ(x) + T(y) + y ∆(x,y), on<strong>de</strong> ∆(x,y) → 0,<br />

quando y → 0.<br />

As transformações lineares em espaços vectoriais normados <strong>de</strong> dimensão<br />

finita são automaticamente funções contínuas. Recor<strong>de</strong>-se que T : R N → R<br />

é linear se e só se T(x) = a • x, on<strong>de</strong> a ∈ R N , e “•” <strong>de</strong>signa o produto<br />

interno usual. No caso dos espaços vectoriais <strong>de</strong> dimensão infinita, e no<br />

seguimento das observações que fizémos acima sobre a existência <strong>de</strong> normas<br />

que não são equivalentes, não é razoável esperar que qualquer transformação<br />

linear seja contínua, e é necessário distinguir:<br />

Definição 5.5.1 (Dual Algébrico, Dual Topológico). Seja V um espaço<br />

vectorial normado.<br />

a) O dual algébrico <strong>de</strong> V é o conjunto <strong>de</strong> todas as transformações<br />

lineares f : V → R.


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 339<br />

b) O dual topológico <strong>de</strong> V é o conjunto V ∗ <strong>de</strong> todas as transformações<br />

lineares contínuas f : V → R.<br />

Exemplos 5.5.2.<br />

fdm, é evi<strong>de</strong>nte<br />

nfn, então<br />

→ 0. Se consi<strong>de</strong>rarmos em V a topologia <strong>de</strong><br />

L∞ , então φ não é contínua, i.e., φ pertence ao dual algébrico, mas não ao<br />

dual topológico.<br />

1. Se V = L1 (R) ∩ L∞ (R), e φ : V → R é dada por φ(f) = <br />

R<br />

que φ é linear. Sendo fn a função característica <strong>de</strong> [0, n2 ], e gn = 1<br />

φ(gn) = n → ∞, e gn∞ = 1<br />

n<br />

2. No mesmo espaço, e supondo que E ∈ L(R) tem medida finita, a função<br />

ϕ : V → R dada por ϕ(f) = <br />

E fdm é linear, e contínua. Basta observar que<br />

<br />

|ϕ(f) − ϕ(g)| ≤ |f − g| dm ≤ f − g∞ m(E).<br />

E<br />

3. ϕ : V → R é diferenciável em V se e só se existe uma função Dϕ : V → V ∗<br />

tal que, para todo o x ∈ V,<br />

ϕ(x + y) − ϕ(x) − Dϕ(x)(y)<br />

lim<br />

= 0<br />

y→0<br />

y<br />

Teorema 5.5.3. Seja V um espaço vectorial normado, e φ : V → R uma<br />

transformação linear. Então:<br />

a) φ é contínua se e só se φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} < ∞. Nesse<br />

caso, temos<br />

|φ(x)| ≤ φ x, para qualquer x ∈ V.<br />

b) O dual topológico V ∗ é um espaço <strong>de</strong> Banach, com norma dada por<br />

φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1}.<br />

Demonstração. Para provar a), seja φ : V → R uma transformação linear.<br />

(i) Suponha-se que φ é contínua, em particular contínua em 0 ∈ V. Existe<br />

por isso δ > 0 tal que x ≤ δ ⇒ |φ(x)| ≤ 1. Dado x = 0,<br />

x. Observamos que<br />

consi<strong>de</strong>ramos y = δ<br />

x<br />

1 ≥ |φ(y)| = δ<br />

1<br />

|φ(x)| , e |φ(x)| ≤ x .<br />

x δ<br />

Segue-se que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} ≤ 1<br />

δ < ∞, e é muito fácil<br />

mostrar que |φ(x)| ≤ φ x, para qualquer x ∈ V.<br />

(ii) Suponha-se que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} < ∞, don<strong>de</strong> mais uma<br />

vez |φ(x)| ≤ φ x. Se y ∈ V, então<br />

|φ(x) − φ(y)| = |φ(x − y)| ≤ φ x − y.<br />

É portanto evi<strong>de</strong>nte que φ é (uniformemente) contínua em V.


340 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Para mostrarmos que V ∗ é um espaço <strong>de</strong> Banach, é necessário verificar<br />

primeiro que φ = sup {|φ(x)| : x ≤ 1} é uma norma em V ∗ , o que <strong>de</strong>ixamos<br />

para o exercício 1.<br />

Dada uma sucessão fundamental em V ∗ , <strong>de</strong> termo geral φn, e x ∈ V, a<br />

sucessão real <strong>de</strong> termo geral φn(x) é fundamental em R, e existe por isso<br />

limn→∞ φn(x), porque:<br />

|φn(x) − φm(x)| = |(φn − φm)(x)| ≤ φn − φm x → 0.<br />

Po<strong>de</strong>mos portanto <strong>de</strong>finir φ : V → R por φ(x) = limn→∞ φn(x), e é simples<br />

verificar que φ é linear. Como φn − φm < M, temos |φ(x) − φm(x)| ≤<br />

M x, e portanto |φ(x)| = |φ(x) − φm(x) + φm(x)| satisfaz<br />

|φ(x)| ≤ |φ(x) − φm(x)| + |φm(x)| ≤ (M + φm) x<br />

Concluímos que φ é contínua, e V é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

Exemplos 5.5.4.<br />

1. Se p e q são expoentes conjugados, e g ∈ Lq <br />

µ(X), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T :<br />

(X) → R por T(f) = fgdµ, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r.<br />

Lp µ X<br />

Ainda <strong>de</strong> acordo com a mesma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, é claro que T é uma transformação<br />

linear contínua em Lp , e T ≤ gq .<br />

2. Se µ é uma medida real em B(R N ), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T : Cc(R N ) → R por<br />

T(f) = <br />

R N fdµ. Temos neste caso que ( 16 )<br />

|T(f)| ≤ f ∞ |µ|(R N ) = f ∞ µ.<br />

Concluímos que T é uma transformação linear contínua em Cc(R N ), com a<br />

topologia <strong>de</strong> L ∞ .<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> transformações lineares apropriadas <strong>de</strong>finidas num<br />

dado espaço normado é um problema muito interessante, e apresentamos<br />

a seguir alguns resultados clássicos <strong>de</strong>sta natureza. Precisaremos <strong>de</strong> usar<br />

no que segue a noção <strong>de</strong> partição <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, que passamos a introduzir.<br />

Note-se que a <strong>de</strong>monstração da sua existência é uma adaptação engenhosa<br />

do argumento que introduzimos com a proposição 3.6.1, que como dissémos<br />

é por sua vez uma forma do Lema <strong>de</strong> Urysohn.<br />

Teorema 5.5.5 (Existência <strong>de</strong> partições da unida<strong>de</strong>). Se K ⊆ R N é compacto,<br />

e C = {U1, · · · ,Um} uma cobertura <strong>de</strong> K por abertos em R N , então<br />

existem funções h1, · · · ,hm : R N → [0,1] tais que:( 17 )<br />

16 Recor<strong>de</strong> do Capítulo 4 que a função µ = |µ|(X) é uma norma no espaço vectorial<br />

<strong>de</strong> todas as medidas reais <strong>de</strong>finidas em (X, M).<br />

17 Dizemos neste caso que a família <strong>de</strong> funções h1, · · · , hm é uma partição da unida<strong>de</strong><br />

em K subordinada à cobertura C.


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 341<br />

a) hn ∈ Cc(R N ) tem suporte compacto em Un, e<br />

b) h1(x) + h2(x) + · · · hm(x) = 1, para qualquer x ∈ K.<br />

Demonstração. Se x ∈ K então existe pelo menos um aberto Un tal que<br />

x ∈ Un, e existe igualmente um rectângulo aberto limitado Rx tal que<br />

x ∈ Rx ⊂ Rx ⊂ Un.<br />

A família D = {Rx : x ∈ K} é uma cobertura aberta <strong>de</strong> K, e existe por isso<br />

uma subcobertura finita <strong>de</strong> K por rectângulos Rx1 , · · · ,Rxp. Agrupamos os<br />

rectângulos Rxi ⊂ Un, ou seja, tomamos<br />

Kn = <br />

i∈In<br />

Rxi ,In = {i : Rxi ⊂ Un} don<strong>de</strong> K ⊆<br />

m<br />

Kn.<br />

De acordo com a proposição 3.6.1, existem funções gn ∈ Cc(R N ) tais que<br />

χKn ≤ gn ≤ χUn. Tomamos<br />

h1 = g1,h2 = (1 − g1)g2, · · · ,hm = (1 − g1)(1 − g2) · · · (1 − gm−1)gm.<br />

Repare-se que 0 ≤ hn ≤ 1 é uma função contínua <strong>de</strong> suporte compacto, cujo<br />

suporte está contido no <strong>de</strong> gn, e portanto está contido em Un. Por outro<br />

lado, e observando que<br />

n=1<br />

h = h1 + h2 + · · · + hm = 1 − (1 − g1)(1 − g2) · · · (1 − gm),<br />

concluímos que h = 1 em cada um dos conjuntos Kn, porque quando x ∈ Kn<br />

temos certamente 1 − gn(x) = 0.<br />

Se µ é uma medida positiva localmente finita, ou real, <strong>de</strong>finida em B(R N ),<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir uma correspon<strong>de</strong>nte transformação linear (um funcional<br />

linear) no espaço Cc(R N ) por:<br />

<br />

Tµ(f) =<br />

R N<br />

fdµ<br />

Dizemos que o funcional T : Cc(R N ) → R é crescente sempre que:<br />

f ≤ g em R N =⇒ T(f) ≤ T(g).<br />

Deve ser claro que se µ é positiva então Tµ é crescente. O próximo teorema<br />

mostra que todos os funcionais crescentes em Cc(R N ) são da forma Tµ, com<br />

µ positiva, e refere igualmente que a aplicação µ ↦→ Tµ é injectiva na classe<br />

das medidas positivas localmente finitas.


342 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Teorema 5.5.6 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (I)). Se T : Cc(RN ) →<br />

R é uma transformação linear crescente então existe uma medida positiva<br />

localmente finita µ <strong>de</strong>finida em B(RN ) tal que<br />

<br />

T(f) = Tµ(f) = fdµ( 18 ).<br />

R N<br />

Temos ainda que se µ = µ ′ então Tµ = Tµ ′.<br />

Demonstração. Supomos que U ⊆ R N é aberto, e <strong>de</strong>signamos por F(U) o<br />

conjunto das funções f ∈ Cc(R N ), com suporte compacto em U, e tais que<br />

0 ≤ f ≤ 1 em R N . Definimos ainda<br />

• Se ∅ = U ⊆ R N é aberto, τ(U) = sup {T(f) : f ∈ F(U)}, e τ(∅) = 0.<br />

• Para qualquer E ⊆ R N , µ ∗ (E) = inf {τ(U) : E ⊆ U,U, aberto }.<br />

Note-se como quase óbvio que, se U é aberto, então µ ∗ (U) = τ(U). Observese<br />

também que, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista por enquanto apenas heurístico, parece<br />

claro que µ(U) <strong>de</strong>ve coincidir com τ(U), e portanto µ ∗ <strong>de</strong>ve ser uma medida<br />

exterior, e µ só po<strong>de</strong> ser a medida <strong>de</strong>terminada por essa medida exterior.<br />

É o que passamos a mostrar ser verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstrando uma sequência <strong>de</strong><br />

resultados parciais, numerados <strong>de</strong> (i) até (vi).<br />

(i) τ é aditiva e σ-subaditiva na classe dos conjuntos abertos.<br />

Demonstração. Supomos que U = ∅ e Un são abertos, e<br />

U ⊆<br />

∞<br />

Un.<br />

n=1<br />

Seja f ∈ F(U), com suporte compacto K ⊆ U. A família {Un : n ∈ N}<br />

é uma cobertura aberta <strong>de</strong> K, e existe por isso m ∈ N tal que<br />

K ⊆<br />

m<br />

Un.<br />

n=1<br />

Pelo teorema 5.5.5, existe uma partição da unida<strong>de</strong> em K subordinada<br />

à cobertura U1,U2, · · · ,Um, e formada por funções h1,h2, · · · ,hm,<br />

on<strong>de</strong> hn ∈ F(Un). Tomando fn = fhn, é claro que<br />

m<br />

fn = f<br />

n=1<br />

m<br />

hn = f e fn ∈ F(Un).<br />

n=1<br />

Como T é linear e τ ≥ 0, concluímos que<br />

f ∈ F(U) =⇒ T(f) =<br />

m<br />

T(fn) ≤<br />

n=1<br />

m<br />

τ(Un) ≤<br />

n=1<br />

∞<br />

τ(Un).<br />

n=1


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 343<br />

Segue-se que τ(U) ≤ ∞ n=1 τ(Un), i.e., τ é σ-subaditiva.<br />

A aditivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> τ é agora mais simples <strong>de</strong> estabelecer. Suponha-se<br />

que U1, · · · ,Um são abertos e disjuntos, e U = ∪m n=1Un. Quaisquer<br />

que sejam as funções fn ∈ F(Un), é claro que f = m n=1 fn ∈ F(U),<br />

don<strong>de</strong><br />

m<br />

m<br />

T(fn) = T(f) ≤ τ(U), e por isso τ(Un) ≤ τ(U).<br />

n=1<br />

n=1<br />

Como provámos acima que τ(U) ≤ m<br />

n=1 τ(Un), é evi<strong>de</strong>nte que<br />

m<br />

τ(Un) = τ(U).<br />

n=1<br />

Temos assim que τ é aditiva.<br />

(ii) µ ∗ é uma medida exterior, e E ⊆ R N é µ ∗ -mensurável se e só se<br />

τ(U) = µ ∗ (U ∩ E) + µ ∗ (U − E), para qualquer aberto U ⊆ R N .<br />

A respectiva verificação, que é muito simples, fica para o exercício 3.<br />

A próxima afirmação é algo mais <strong>de</strong>licada <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar.<br />

(iii) Os conjuntos compactos são µ ∗ -mensuráveis.<br />

Demonstração. Sendo K compacto e U aberto, temos a provar que<br />

τ(U) ≥ µ ∗ (U ∩ K) + µ ∗ (U − K) = µ ∗ (U ∩ K) + τ(U − K).<br />

Dado ε > 0, existe f ∈ F(U − K), tal que T(f) > τ(U − K) + ε.<br />

Sendo K ′ o suporte <strong>de</strong> f, que é disjunto <strong>de</strong> K, existem conjuntos<br />

abertos disjuntos V ′ ,V tais que K ′ ⊂ V ′ , e K ⊂ V ( 19 ). (Ver figura<br />

5.5.1.)<br />

Sejam W ′ = U ∩ V ′ , e W = U ∩ V . Como W ∪ W ′ ⊆ U, e os abertos<br />

W e W ′ são disjuntos, temos:<br />

τ(U) ≥ τ(W ∪ W ′ ) = τ(W) + τ(W ′ )<br />

Dado que K ′ ⊂ W ′ , e K ′ é o suporte <strong>de</strong> f, temos também<br />

τ(W ′ ) ≥ T(f) > τ(U − K) + ε<br />

Como U ∩ K ⊂ W, temos ainda τ(W) ≥ µ ∗ (U ∩ K), e concluímos que<br />

τ(U) ≥ τ(W) + τ(W ′ ) ≥ µ ∗ (U ∩ K) + τ(U − K) + ε.<br />

O resultado segue-se fazendo ε → 0.


344 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

V ′<br />

K ′<br />

W ′<br />

V<br />

K<br />

U ∩ K<br />

W<br />

U<br />

Figura 5.5.1: Separação <strong>de</strong> K e K ′ por abertos V e V ′ .<br />

Sendo M(R N ) a σ-álgebra dos conjuntos µ ∗ -mensuráveis, e µ a restrição<br />

<strong>de</strong> µ ∗ a B(R N ), po<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>ntemente concluir que<br />

(iv) µ é uma medida regular em B(R N ).<br />

O próximo resultado estabelece, em particular, que µ é localmente<br />

finita. Definimos F(K) = f ∈ Cc(R N ) : χK ≤ f ≤ 1 , e passamos a<br />

provar que<br />

(v) Se K é compacto, então<br />

Demonstração.<br />

µ(K) = inf T(f) : f ∈ F(K) < ∞.<br />

É simples estabelecer a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

(v.1) µ(K) ≥ inf T(f) : f ∈ F(K) .<br />

Dado ε > 0 existe um aberto U ⊃ K tal que τ(U) ≤ µ(K) + ε. Como<br />

existem funções g ∈ F(K) ∩ F(U) (a proposição 3.6.1 é exactamente<br />

a afirmação F(K) ∩ F(U) = ∅), é claro que<br />

inf T(f) : f ∈ F(K) ≤ T(g) ≤ τ(U) ≤ µ(K) + ε.<br />

Fazendo ε → 0, obtemos (v.1).<br />

A afirmação (v) ficará assim estabelecida se provarmos<br />

(v.2) µ(K) ≤ inf T(f) : f ∈ F(K) .<br />

19 Esta é mais uma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação, válida na realida<strong>de</strong> em qualquer espaço<br />

topológico <strong>de</strong> Hausdorff, e que não <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como “óbvia”. A sua <strong>de</strong>monstração<br />

é o exercício 2.


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 345<br />

Dado f ∈ F(K) e 0 < ε < 1, seja Uε = x ∈ RN : f(x) > ε . É claro<br />

que Uε é um aberto que contém K. Por outro lado, se g ∈ F(Uε) então<br />

εg ≤ ε ≤ f. Como T é linear e crescente, concluímos que<br />

g ∈ F(Uε) ⇒ εg ≤ f ⇒ εT(g) ≤ T(f) ⇒ T(g) ≤ 1<br />

ε T(f).<br />

Como g ∈ F(Uε) é arbitrária, segue-se da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> τ que<br />

τ(Uε) ≤ 1<br />

T(f), para qualquer 0 < ε < 1.<br />

ε<br />

Como µ(K) ≤ τ(Uε), temos ainda<br />

µ(K) ≤ 1<br />

T(f), para qualquer 0 < ε < 1.<br />

ε<br />

Fazendo ε → 1 obtemos µ(K) ≤ T(f) < ∞, o que estabelece (v.2).<br />

O próximo resultado mostra finalmente que a medida µ é uma representação<br />

do funcional T.<br />

(vi) T(f) = <br />

R N fdµ, para qualquer f ∈ Cc(R N ).<br />

Demonstração. Seja K o suporte <strong>de</strong> f, e R ⊇ K um rectângulo compacto.<br />

Dado ε > 0, e como f é uniformemente contínua em R, existe<br />

uma partição <strong>de</strong> R em rectângulos R1, · · · ,Rn, tais que a oscilação <strong>de</strong><br />

f em cada Rk é inferior a ε. Com Mk = sup {f(x) : x ∈ Rk}, temos:<br />

(vi.1)<br />

Notamos que<br />

n<br />

<br />

Mkµ(Rk) ≤<br />

k=1<br />

R<br />

<br />

(f + ε)dµ =<br />

R<br />

fdµ + εµ(R).<br />

• Existem abertos Vk ⊇ Rk tais que f(x) < Mk + ε, para x ∈ Vk,<br />

porque f é contínua, e<br />

• Existem abertos Wk ⊇ Rk tais que µ(Rk) ≤ τ(Wk) < µ(Rk) + ε<br />

n .<br />

Tomamos Uk = Vk ∩ Wk, e consi<strong>de</strong>ramos uma partição da unida<strong>de</strong><br />

para K subordinada aos abertos Uk, h = n<br />

k=1 hk. Observamos que<br />

fk = fhk < (Mk + ε)hk, porque fk é nula no complementar <strong>de</strong> Uk, e<br />

Uk ⊆ Vk, don<strong>de</strong><br />

T(f) =<br />

n<br />

T(fk) ≤<br />

k=1<br />

n<br />

(Mk + ε)T(hk) ≤<br />

k=1<br />

n<br />

(Mk + ε)τ(Uk)<br />

k=1


346 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Temos ainda<br />

n<br />

(Mk + ε)τ(Uk) <<br />

k=1<br />

=<br />

n<br />

k=1<br />

e concluímos que<br />

n<br />

(Mk + ε)(µ(Rk) + ε<br />

) =<br />

n<br />

k=1<br />

Mk(µ(Rk) + ε<br />

) +<br />

n<br />

n<br />

k=1<br />

ε(µ(Rk) + ε<br />

) ≤<br />

n<br />

n<br />

Mkµ(Rk) + ε f∞ + εµ(R) + ε 2 ,<br />

k=1<br />

(vi.2) T(f) ≤<br />

n<br />

Mkµ(Rk) + ε f∞ + εµ(R) + ε 2 .<br />

k=1<br />

Combinando (vi.1) e (vi.2) resulta que<br />

<br />

T(f) ≤ fdµ + ε f∞ + 2εµ(R) + ε 2 ,<br />

R<br />

e fazendo ε → 0 concluímos que T(f) ≤ <br />

R fdµ. Como esta <strong>de</strong>sigual-<br />

<br />

da<strong>de</strong> é também válida para a função −f, temos então que T(f) =<br />

R fdµ.<br />

A unicida<strong>de</strong> da medida µ fica estabelecida com o seguinte resultado,<br />

que <strong>de</strong>ixamos para o exercício 3.<br />

(vii)<br />

<br />

Para estabelecer a unicida<strong>de</strong> da medida µ, supomos que T(f) =<br />

fdλ, e notamos que<br />

X<br />

• f ∈ F(K) ⇒ λ(K) ≤ T(f). De acordo com (v), concluímos que<br />

λ(K) ≤ µ(K), para qualquer compacto K.<br />

• f ∈ F(U) ⇒ λ(U) ≥ T(f). Concluímos que λ(U) ≥ τ(U) =<br />

µ(U), para qualquer aberto U. Como λ e µ são regulares nos<br />

compactos, temos λ(K) ≥ µ(K) para qualquer compacto K.<br />

•<br />

Exemplo 5.5.7.<br />

É óbvio que λ(K) = µ(K) para qualquer compacto K, e segue-se<br />

<strong>de</strong> 4.4.10 que λ = µ em B(R N ).<br />

Definimos T : Cc(R N ) → R tomando para T(f) o integral <strong>de</strong> Riemann <strong>de</strong> f<br />

em R N . Sabemos que T é um funcional linear crescente em Cc(R N ). Deve ser<br />

evi<strong>de</strong>nte que a medida µ que lhe está associada pelo teorema <strong>de</strong> representação<br />

<strong>de</strong> Riesz é exactamente a medida <strong>de</strong> Lebesgue.


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 347<br />

Passamos a estudar os duais topológicos dos espaços L p µ(X). Recordamos<br />

da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r que, se p e q são expoentes conjugados,<br />

f ∈ L p µ(X) e g ∈ L q µ(X) =⇒ fg ∈ L 1 µ(X) e fg1 ≤ ppgq.<br />

Concluímos imediatamente que<br />

Lema 5.5.8. Se g ∈ L q µ(X), então po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir T : L p µ(X) → R por<br />

<br />

T(f) =<br />

X<br />

fgdµ,<br />

e T é uma transformação linear contínua, com T ≤ gq.<br />

É um pouco mais <strong>de</strong>licado estabelecer que T = gq, e <strong>de</strong>ve notar-se<br />

que esta igualda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> falhar quando p = 1 e q = ∞.<br />

Lema 5.5.9. Se T : L p µ(X) → R é dada por T(f) = <br />

X fgdµ, on<strong>de</strong> g ∈<br />

L q µ(X), então temos T = gq pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que:<br />

a) 1 < p ≤ +∞, ou<br />

b) p = 1, quando o espaço X é σ-finito.<br />

Demonstração. Observamos que nada temos a provar se gq = 0, e organizamos<br />

a <strong>de</strong>monstração em três casos distintos:<br />

• p = ∞ e q = 1: Tomamos f = sgn(g)( 20 ). Como f∞ = 1 e<br />

<br />

T(f) =<br />

X<br />

<br />

sgn(g)gdµ =<br />

X<br />

|g|dµ = g1, don<strong>de</strong> T = g1.<br />

• 1 < p < ∞: Definimos f = |g| q<br />

p sgn(g). Notamos que f p p = g q q,<br />

don<strong>de</strong> f ∈ L p µ(X). Temos então<br />

<br />

<br />

|T(f)| = <br />

<br />

X<br />

<br />

<br />

fgdµ <br />

=<br />

<br />

Como T é contínua, temos também que<br />

X<br />

<br />

q<br />

1+<br />

|g| pdµ = |g|<br />

X<br />

q dµ = g q q.<br />

q<br />

p<br />

|T(f)| ≤ T fp = T gq<br />

Concluímos que g q q<br />

p<br />

q ≤ T gq<br />

don<strong>de</strong> gq ≤ T , e segue-se do<br />

lema 5.5.8 que gq = T .<br />

20 Recor<strong>de</strong> que sgn(g) (o sinal <strong>de</strong> g) é +1 quando g ≥ 0, e -1 quando g < 0)


348 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• p = 1 e X é σ-finito: Sendo g ∈ L ∞ µ (X), M = g∞ e ε > 0, existe um<br />

conjunto mensurável E com µ(E) > 0 tal que M − ε ≤ |g(x)| ≤ M,<br />

para qualquer x ∈ E. Existem conjuntos mensuráveis Xn ր X, com<br />

µ(Xn) < 0, e <strong>de</strong>finimos En = E ∩ Xn.<br />

Tomamos ainda fn = MχEn sgn(g), notamos como óbvio que fn1 =<br />

Mµ(En), e fn ∈ L1 µ (X). Supomos (sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>) que<br />

µ(En) > 0 para qualquer n, e observamos que<br />

<br />

fn1T ≥ |T(fn)| = | fngdµ| = M|g|dµ ≥ M(M − ε)µ(En)<br />

X<br />

En<br />

Como fn1 = Mµ(En), concluímos que T ≥ M − ε, e fazemos<br />

ε → 0.<br />

De acordo com os dois lemas anteriores, o operador<br />

Ψ : L q µ(X) → L p µ(X) <br />

∗<br />

, dado por Ψ(g)(f) =<br />

X<br />

fgdµ<br />

está bem <strong>de</strong>finido e é uma isometria, don<strong>de</strong> é injectivo. O operador é claramente<br />

linear, e o teorema seguinte mostra que é sobrejectivo. Estabelece por<br />

isso que Ψ é um isomorfismo <strong>de</strong> espaços vectoriais normados.<br />

Teorema 5.5.10 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (II)). Seja (X, M,µ)<br />

um espaço σ-finito, 1 ≤ p < ∞, e T : L p µ(X) → R uma transformação linear<br />

contínua. Então existe g ∈ L q µ(X), on<strong>de</strong> q é conjugado <strong>de</strong> p, tal que<br />

<br />

T(f) =<br />

X<br />

fgdµ.<br />

Demonstração. Supomos primeiro que µ(X) < ∞. Neste caso, dado qualquer<br />

E ∈ M, temos χEp = p µ(E) < ∞, don<strong>de</strong> χE ∈ L p µ(X). Po<strong>de</strong>mos<br />

assim <strong>de</strong>finir λ : M → R por λ(E) = T(χE). É fácil verificar que λ é uma<br />

medida real, e λ 1.


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 349<br />

• p = 1: Dado um conjunto mensurável E, seja f = χE, don<strong>de</strong><br />

f1 = µ(E), e note-se que:<br />

<br />

<br />

<br />

|T(f)| = |λ(E)| = <br />

gdµ <br />

≤ T f1 = T µ(E).<br />

E<br />

Segue-se facilmente que g ≤ T qtp em X, i.e., g∞ ≤ T .<br />

• p > 1: Sendo s = n αkχAk k=1 uma função simples mensurável,<br />

é claro que s ∈ L p µ(X), e temos<br />

T(s) =<br />

n<br />

k=1<br />

αkT(χAk ) =<br />

n<br />

αkλ(Ak) =<br />

k=1<br />

n<br />

k=1<br />

αk<br />

<br />

Ak<br />

<br />

gdµ =<br />

X<br />

sgdµ.<br />

Existem funções simples mensuráveis tais que 0 ≤ sn ր |g| q .<br />

Sendo tn = (sn) 1<br />

p sgn(g), e como as funções tn são simples, temos<br />

<br />

(1) T(tn) =<br />

X<br />

<br />

tngdµ =<br />

X<br />

(sn) 1<br />

p |g|dµ = |T(tn)| ≤ T tnp<br />

Observamos agora que, por um lado,<br />

<br />

(2) T(tn) = (sn) 1<br />

<br />

p |g|dµ ր |g| 1+q/p <br />

dµ =<br />

X<br />

Temos por outro lado que<br />

(3) tn p p =<br />

<br />

|tn| p <br />

dµ =<br />

X<br />

X<br />

X<br />

<br />

sndµ ր<br />

X<br />

X<br />

|g| q dµ = g q q<br />

|g| q dµ = g q q<br />

Supondo sem perda <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> que g q > 0, concluímos <strong>de</strong><br />

(1), (2) e (3) que<br />

g q q<br />

≤ T gq/p<br />

q , ou seja, gq ≤ T <br />

A afirmação (iii) conclui a <strong>de</strong>monstração para o caso µ(X) < ∞:<br />

<br />

(iii) T(f) = fgdµ, para qualquer f ∈ L p µ(X), e T = gq .<br />

X<br />

Demonstração. Definimos S(f) = <br />

X fgdµ, para qualquer f ∈ Lp µ(X).<br />

Notamos do lema 5.5.8 que S é um funcional linear contínuo.<br />

Como S(f) = T(f) para qualquer função simples, e estas funções são<br />

<strong>de</strong>nsas em L p , é fácil concluir que S = T em L p (exercício 1).<br />

(iv) Supomos finalmente que X é σ-finito, e Xn ր X, on<strong>de</strong> os conjuntos<br />

Xn têm medida finita.


350 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Designamos por µn a restrição <strong>de</strong> µ aos subconjuntos<br />

mensuráveis <strong>de</strong> Xn. Dada uma função f ∈ L p µn(Xn), seja en(f) ∈<br />

L p µ(X) a extensão <strong>de</strong> f a X que é nula para x ∈ Xn, e note-se que a<br />

norma <strong>de</strong> f em L p µn(Xn) é a norma <strong>de</strong> en(f) em L p µ(X), i.e., en é uma<br />

isometria.<br />

Definimos Tn : L p µn(Xn) → R por Tn(f) = T(en(f)), e <strong>de</strong>ve ser evi<strong>de</strong>nte<br />

que Tn ≤ T . Como µ(Xn) < ∞, existe uma função<br />

gn ∈ L q µn (Xn)<br />

<br />

tal que Tn(f) = fgndµn, e gnq = Tn ≤ T .<br />

Xn<br />

Observe-se que se n > m então gm é a restrição <strong>de</strong> gn a Xm, porque a<br />

representação <strong>de</strong> Tm é única. Existe portanto uma função g <strong>de</strong>finida<br />

em X cuja restrição a Xn é a função gn, e temos que gnq <br />

ր gq|,<br />

don<strong>de</strong> gq ≤ T . É fácil concluir que T(f) =<br />

X fgdµ.<br />

Deixamos para o exercício 5 verificar que, no caso 1 < p < ∞, a restrição<br />

a espaços σ-finitos é supérflua.<br />

O próximo teorema i<strong>de</strong>ntifica o dual topológico <strong>de</strong> Cc(R N ), na topologia<br />

<strong>de</strong> L ∞ . A respectiva <strong>de</strong>monstração é interessante, em especial por utilizar<br />

duas topologias distintas em Cc(RN ), a da convergência uniforme usual (<strong>de</strong><br />

L∞ ), e a do espaço L1 λ , on<strong>de</strong> λ = |µ|, e µ é a medida real que representa o<br />

funcional T em causa.<br />

Teorema 5.5.11 (Teorema <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz (III)). A transformação<br />

linear T : Cc(RN ) → R é contínua na topologia <strong>de</strong> L∞ se e só se<br />

existe uma medida real µ, <strong>de</strong>finida em B(RN ), tal que<br />

<br />

T(f) = fdµ.<br />

Neste caso, T = µ = |µ|(R N ).<br />

Demonstração. Sendo C + c (RN ) = f ∈ Cc(R N ) : f ≥ 0 , <strong>de</strong>finimos<br />

ϕ(T) : C + c (R N ) → R por ϕ(T)(f) = sup |T(g)| : |g| ≤ f,g ∈ Cc(R N ) .<br />

Temos:<br />

(i) ϕ(T) é crescente em C + c (R N ), e ϕ(T) ≤ T f ∞ .<br />

(ii) Se c ≥ 0 e f ∈ C + c (R N ), então ϕ(T)(cf) = cϕ(T)(f) = ϕ(cT)(f).<br />

(iii) Se f1,f2 ∈ C + c (R N ), então ϕ(T)(f1 + f2) = ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2).<br />

R N


5.5. Teoremas <strong>de</strong> Representação <strong>de</strong> Riesz 351<br />

Demonstração. Demonstramos apenas (iii), já que (i) e (ii) são evi<strong>de</strong>ntes.<br />

Se g1,g2 ∈ Cc(R N ), e |gi| ≤ fi, é claro que<br />

e po<strong>de</strong>mos concluir que<br />

T(g1) + T(g2) = T(g1 + g2) ≤ ϕ(T)(f1 + f2),<br />

ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2) ≤ ϕ(T)(f1 + f2).<br />

Por outro lado, se g ∈ Cc(RN ), e |g| ≤ f1 + f2, <strong>de</strong>finimos<br />

<br />

g(x)fi(x)<br />

gi(x) = f1(x)+f2(x) , se f1(x) + f2(x) = 0,<br />

0, se f1(x) + f2(x) = 0.<br />

É claro que as funções gi ∈ Cc(R N ), e |gi| ≤ fi. Temos assim que<br />

T(g) = T(g1) + T(g2) ≤ ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2), don<strong>de</strong> concluímos que<br />

ϕ(T)(f1 + f2) ≤ ϕ(T)(f1) + ϕ(T)(f2).<br />

Definimos Φ(T) : Cc(R N ) → R por Φ(T)(f) = ϕ(T)(f + ) − ϕ(T)(f − ).<br />

Observamos que, se f ≥ 0 então Φ(T)(f) = ϕ(T)(f), e:<br />

(iv) Existe uma medida positiva finita λ tal que Φ(T)(f) = <br />

RN fdλ. Em<br />

particular, |T(f)| ≤ <br />

RN |f|dλ, e portanto T é também contínuo na<br />

topologia <strong>de</strong> L 1 λ (RN ).<br />

Demonstração. É muito simples mostrar que Φ(T) é linear e crescente<br />

em Cc(RN ). A existência da medida λ segue-se assim do teorema <strong>de</strong><br />

representação <strong>de</strong> Riesz 5.5.6. A medida λ é finita, <strong>de</strong> acordo com (i).<br />

Temos também, por <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ϕ(T), que<br />

|T(f)| ≤ ϕ(T)(|f|) = ϕ(T)(f + ) + ϕ(T)(f − ) =<br />

<br />

= f + <br />

dλ + f − <br />

dλ = |f|dλ = f1 .<br />

R N<br />

R N<br />

Como Cc(R N ) é <strong>de</strong>nso em L 1 λ (RN ), existe um funcional linear ˜ T : L 1 λ (RN ) →<br />

R, contínuo na topologia <strong>de</strong> L 1 , e que é extensão <strong>de</strong> T (exercício 1). De<br />

acordo com 5.5.10, existe g ∈ L ∞ λ (RN ) tal que<br />

<br />

˜T(f) =<br />

R N<br />

<br />

fgdλ =<br />

R N<br />

RN fdµ, para qualquer f ∈ L 1 λ (RN ),<br />

on<strong>de</strong> µ(E) = <br />

E gdλ, i.e., µ é o integral in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> g em or<strong>de</strong>m a λ.<br />

Deixamos como exercício verificar que T = µ = |µ|(RN ).


352 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Exercícios.<br />

1. Seja V um espaço vectorial normado, W ⊆ V um subespaço <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> V, e<br />

φ ∈ V ∗ .<br />

a) Mostre que φ = sup{|φ(x) : x ≤ 1} é uma norma em V ∗ .<br />

b) Suponha que S, T ∈ V ∗ . Prove que se S(x) = T(x) para qualquer x ∈ W<br />

então S = T.<br />

c) Suponha que S : W → R é linear e contínua. Prove que S tem uma única<br />

extensão linear contínua T a todo o espaço V, e que T = S, i.e.,<br />

sup {|S(x)| : x ≤ 1, x ∈ W} = sup {|T(y)| : y ≤ 1, y ∈ V}.<br />

d) Suponha que B é um espaço <strong>de</strong> Banach, e T é o espaço das transformações<br />

lineares contínuas T : V → B. Mostre que T é um espaço <strong>de</strong> Banach.<br />

2. Mostre que se K e K ′ são conjuntos compactos disjuntos em R N então existem<br />

conjuntos abertos U e U ′ , também disjuntos, tais que K ⊂ U e K ′ ⊂ U ′ .<br />

3. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (I) (5.5.6),<br />

provando a afirmação (ii).<br />

4. Complete a <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (II) (5.5.10)<br />

verificando que a função λ aí <strong>de</strong>finida é uma medida, e λ ≪ µ.<br />

5. Mostre que o teorema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> Riesz (II) (5.5.10) é válido para<br />

1 < p < ∞, mesmo quando o espaço não é σ-finito. sugestão: Proceda como<br />

se segue:<br />

a) Prove que, se E ⊆ X é σ-finito, existe gE ∈ L q µ (X), nula em Ec , tal que,<br />

para qualquer função f ∈ L p µ (X), nula em Ec , temos T(f) = <br />

X fgEdµ.<br />

b) Mostre que existe um conjunto σ-finito E on<strong>de</strong> <br />

E |gE| q dµ é máximo.<br />

6. Complete a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.5.11, provando que T = µ.<br />

5.6 Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz<br />

É em alguns casos indispensável utilizar topologias que não po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>de</strong>finidas a partir <strong>de</strong> normas, ou mesmo <strong>de</strong> qualquer outro tipo <strong>de</strong> métrica<br />

( 21 ). Quando o conjunto em causa é um espaço vectorial, a limitação mais<br />

fundamental a ter em conta na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> topologias a<strong>de</strong>quadas é a <strong>de</strong><br />

garantir a compatibilida<strong>de</strong> entre as suas estruturas algébrica e topológica,<br />

21 Uma métrica, ou distância, no conjunto X é uma função d : X × X → [0, ∞[,<br />

tal que d(x,y) = d(y,x), d(x,z) ≤ d(x,y) + d(y,z), e d(x,y) = 0 se e só se x = y.<br />

Uma topologia gerada por uma métrica, a partir das chamadas bolas abertas, que são os<br />

conjuntos Bρ(x) = {y ∈ X : d(x,y) < ρ}, é uma topologia metrizável.


5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 353<br />

o que se resume a assegurar que as suas operações algébricas básicas são<br />

contínuas. Mais precisamente, sendo O a classe dos conjuntos abertos no<br />

espaço vectorial real V, é necessário que:<br />

• Se x + y ∈ U ∈ O, então existem V,W ∈ O tal que x ∈ V , y ∈ W, e<br />

(v,w) ∈ V × W ⇒ v + w ∈ U, e<br />

• Se α ∈ R, x ∈ V, e αx ∈ U ∈ O, então existe um aberto V ⊆ R, e<br />

W ∈ O, tal que (α,x) ∈ V × W, e (β,y) ∈ V × W ⇒ βy ∈ U.<br />

Dizemos que o espaço V com a topologia O é um espaço vectorial<br />

topológico( 22 ). Não nos <strong>de</strong>temos aqui a examinar em pormenor como<br />

<strong>de</strong>finir topologias em espaços <strong>de</strong>ste tipo, mas notamos que, dada a família<br />

O, é simples i<strong>de</strong>ntificar as sucessões convergentes. Dada uma sucessão em<br />

V, <strong>de</strong> termo geral xn, dizemos que xn → x ∈ V na topologia O, se e só<br />

se, para qualquer aberto U ∈ O, se x ∈ U então existe p ∈ N tal que<br />

n > p ⇒ xn ∈ U. Dadas topologias O e O ′ num mesmo espaço V, é comum<br />

dizer que O é mais forte que O ′ , ou O ′ é mais fraca que O, se e só se<br />

O ′ ⊆ O. Deve notar-se que se uma dada sucessão converge na topologia<br />

O, então converge necessariamente em qualquer topologia mais fraca do<br />

que O. Indicamos a seguir dois exemplos <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />

sucessões, em ambos os casos <strong>de</strong>terminados por topologias que não são em<br />

geral <strong>de</strong>finidas por métricas.( 23 )<br />

Definição 5.6.1 (Convergência Pontual, e em <strong>Medida</strong>). Dada uma sucessão<br />

fn ∈ Fµ(X), dizemos que a sucessão converge para f<br />

a) pontualmente, se e só se limn→∞ fn(x) = f(x), µ-qtp em X.<br />

b) em medida, se e só se, para qualquer ε > 0,<br />

µ ({x ∈ X : |fn(x) − f(x)| > ε}) → 0 , quando n → ∞.<br />

Escrevemos neste caso “fn ⇒ f”.( 24 )<br />

Note-se <strong>de</strong> passagem que a convergência em medida é muito utilizada na<br />

Teoria das Probabilida<strong>de</strong>s, já que afirma que a probabilida<strong>de</strong> da diferença<br />

entre as variáveis aleatórias fn e f ser “significativa” é pequena, quando<br />

n → ∞.<br />

Exemplos 5.6.2.<br />

22<br />

É comum incluir na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> espaço vectorial topológico outras restrições, em<br />

especial a <strong>de</strong> que o conjunto {0} é fechado.<br />

23<br />

A especificação <strong>de</strong> uma topologia <strong>de</strong>termina um critério específico <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />

sucessões, mas o critério <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> sucessões em si po<strong>de</strong> não ser suficiente para<br />

estabelecer a topologia em causa, quando a topologia não é <strong>de</strong>terminada por uma métrica.<br />

24<br />

A convergência em medida foi <strong>de</strong>finida por Riesz em 1909.


354 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

1. Seja fn : R → R a função característica <strong>de</strong> [n, n + 1]. É claro que fn → 0<br />

pontualmente, mas fn não converge para 0 em L p (R), para qualquer 1 ≤ p ≤<br />

∞, porque fnp = 1. A sucessão fn também não converge para 0 em medida.<br />

2. Se fn(x) = nχIn(x), on<strong>de</strong> In = [0, 1<br />

n ], então fn converge pontualmente e em<br />

medida, mas não converge em Lp .<br />

3. Com n, k ∈ N, e 0 ≤ k < n, seja In,k = <br />

k k+1 , , e gn,k a respectiva função<br />

n n<br />

característica. Rein<strong>de</strong>xamos as funções gn,k, <strong>de</strong>finindo hm = gn,k, quando<br />

m = nq + k. A sucessão hn converge em Lp , mas não converge pontualmente.<br />

As funções nhn convergem em medida, mas não convergem em Lp .<br />

A topologia da convergência uniforme é sempre mais forte do que a<br />

topologia da convergência pontual, e mais forte do que a topologia <strong>de</strong> L p ,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que µ(X) < ∞, o que é reflectido no próximo lema. Deixamos a<br />

respectiva <strong>de</strong>monstração para o exercício 5.<br />

Lema 5.6.3. Se fn −f∞ → 0, então fn → f pontualmente, e em medida.<br />

Se µ(X) < ∞, então fn → f em L p , para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞.<br />

A topologia <strong>de</strong> L p po<strong>de</strong> ser introduzida no espaço Fµ(X), através da<br />

métrica, ou distância, d, dada por d(f,g) = min{1, f − g p }. A topologia<br />

da convergência em medida é mais fraca do que a topologia <strong>de</strong> L p :<br />

Proposição 5.6.4. Dada uma sucessão fn ∈ Fµ(X), se fn → f em L p ,<br />

então fn converge para f em medida.<br />

Demonstração. Fixado ε > 0, seja En = {x ∈ X : |fn(x) − f(x)| > ε}. Temos<br />

a provar que µ(En) → 0, e <strong>de</strong>ixamos o caso p = ∞ para o exercício 7.<br />

Temos fn → f em L p , don<strong>de</strong><br />

<br />

fn − fp =<br />

X<br />

|fn − f| p 1<br />

p<br />

dµ<br />

É evi<strong>de</strong>nte que µ(En) → 0.<br />

<br />

≥<br />

En<br />

|fn − f| p 1<br />

p<br />

dµ<br />

≥ εµ(En) 1<br />

p ≥ 0.<br />

Demonstramos a seguir três resultados clássicos, <strong>de</strong>vidos a Riesz, Egorov<br />

( 25 ), e Lebesgue, que relacionam alguns <strong>de</strong>stes modos <strong>de</strong> convergência. O<br />

primeiro <strong>de</strong>stes resultados envolve a convergência em medida e a convergência<br />

pontual:<br />

Teorema 5.6.5 (Teorema <strong>de</strong> Riesz). Dada uma sucessão fn ∈ Fµ(X), se<br />

fn ⇒ f então existe uma subsucessão fnk → f pontualmente.<br />

25 Dimitri Egorov, 1869-1931, matemático russo, <strong>de</strong> quem Luzin foi aluno. Foi professor<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Moscovo, e ocupou cargos muito relevantes, mas foi duramente<br />

perseguido pelas autorida<strong>de</strong>s soviéticas pelas suas convicções religiosas. Morreu no seguimento<br />

<strong>de</strong> uma greve da fome, que iniciou na prisão.


5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 355<br />

Demonstração. Fixado k ∈ N, temos<br />

lim<br />

n→∞ µ<br />

<br />

x ∈ X : |fn(x) − f(x)| ≥ 1<br />

<br />

k<br />

Portanto, para cada k existe um natural nk tal que<br />

<br />

<br />

1<br />

µ x ∈ X : |fnk (x) − f(x)| ≥<br />

k<br />

Definimos:<br />

a) gk = fnk ,<br />

= 0.<br />

< 1<br />

.<br />

2k b) Ek = {x ∈ X : |gk(x) − f(x)| ≥ 1<br />

k }, don<strong>de</strong> µ(Ek) < 1<br />

2 k.<br />

c) Fm = ∪∞ k=mEk, e F = ∩∞ m=1Fm, don<strong>de</strong> µ(Fm) < ∞ k=m 1<br />

µ(F) = 0.<br />

2k = 1<br />

2m−1, e<br />

Se x ∈ F, i.e., se x ∈ Fm para algum m, então x ∈ Ek para todo o k ≥ m,<br />

e portanto |gk(x) − f(x)| < 1<br />

k para k ≥ m, don<strong>de</strong> gk(x) → f(x). Como<br />

gk(x) → f(x) para x ∈ F e µ(F) = 0 temos que gk → f pontualmente.<br />

Quando uma sucessão converge em duas topologias distintas, não é necessariamente<br />

verda<strong>de</strong> que o respectivo limite seja in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da topologia<br />

em causa. O teorema <strong>de</strong> Riesz mostra que este problema não existe,<br />

no caso <strong>de</strong> sucessões <strong>de</strong> funções que convergem <strong>de</strong> acordo com mais <strong>de</strong> um<br />

dos critérios que mencionámos (exercício 2). Passamos a <strong>de</strong>monstrar uma<br />

relação algo surpreen<strong>de</strong>nte entre convergência pontual e convergência uniforme.<br />

Teorema 5.6.6 (Teorema <strong>de</strong> Egorov). Se fn(x) → f(x),µ-qtp em X,<br />

e µ(X) < +∞, então para qualquer ε > 0 existe um conjunto E com<br />

µ(X\E) < ε tal que fn → f uniformemente em E.<br />

Demonstração. Para cada n,k ∈ N, seja<br />

<br />

En,k = x ∈ X : |fn(x) − f(x)| < 1<br />

<br />

.<br />

k<br />

Consi<strong>de</strong>ramos igualmente os conjuntos<br />

Fm,k =<br />

∞<br />

n=m<br />

En,k ր Ck =<br />

∞<br />

m=1<br />

Fm,k, e C =<br />

∞<br />

Ck.<br />

É fácil verificar que fn(x) → f(x) se e só se x ∈ C. Tomando k fixo, sabemos<br />

que µ(Fm,k) ր µ(Ck) < ∞. Concluímos que, para cada k, existe um natural<br />

pk tal que<br />

µ(Ck\Fpk,k) < ε<br />

.<br />

2k k=1


356 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Consi<strong>de</strong>ramos o conjunto E, on<strong>de</strong><br />

E =<br />

∞<br />

k=1<br />

Fpk,k.<br />

Dado qualquer natural k, supomos que n ≥ pk e tomamos qualquer x ∈ E.<br />

Como x ∈ Fpk,k, concluimos que |fn(x)−f(x)| < 1<br />

k , don<strong>de</strong> fn → f uniformemente<br />

em E. Por outro lado, é fácil verificar que C\E ⊆ ∪ ∞ m=1 (Ck\Fpk,k),<br />

don<strong>de</strong> se segue imediatamente que µ(C\E) < ε. Como o complementar <strong>de</strong><br />

C tem medida nula, o resultado está <strong>de</strong>monstrado.<br />

O resultado seguinte relaciona a convergência pontual com a convergência<br />

em medida. Mais uma vez, só é aplicável quando µ(X) < +∞.<br />

Teorema 5.6.7 (Teorema <strong>de</strong> Lebesgue). Se fn → f pontualmente e µ(X) <<br />

+∞ então fn ⇒ f.<br />

Demonstração. Dado ε > 0, seja<br />

En = {x ∈ X : |fn(x) − f(x)| ≥ ε} .<br />

Dado δ > 0, sabemos do teorema <strong>de</strong> Egoroff que existe E ⊆ X tal que<br />

fn → f uniformemente em E, e µ(X\E) < δ.<br />

Existe, por isso, um natural p tal que n > p ⇒ |fn(x) − f(x)| < ε, para<br />

qualquer x ∈ E. É portanto óbvio que para n > p temos En ⊆ (X\E),<br />

don<strong>de</strong> n > p ⇒ µ(En) < δ.<br />

É tradicional dizer que a topologia usual <strong>de</strong> um qualquer espaço vectorial<br />

normado, associada à respectiva norma, é a sua topologia forte. Além<br />

<strong>de</strong>sta, é muito comum a utilização das chamadas topologias “fraca”, e<br />

“fraca ∗ ”, que se lê “fraca estrela”. Estas duas últimas são mais fracas do<br />

que a topologia “forte”, como o respectivo nome indica, e, em geral, não<br />

são metrizáveis. A próxima <strong>de</strong>finição indica os critérios <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong><br />

sucessões que estão associados a estas topologias( 26 ).<br />

Definição 5.6.8 (Topologias Fraca, e Fraca ∗ ). Seja V um espaço vectorial<br />

normado, e V ∗ o seu dual topológico.<br />

a) A sucessão <strong>de</strong> termo geral xn ∈ V converge para x na topologia<br />

fraca se e só se T(xn) → T(x), para qualquer T ∈ V ∗ .<br />

b) A sucessão <strong>de</strong> termo geral Tn ∈ V ∗ converge para T na topologia<br />

fraca ∗ se e só se Tn(x) → T(x), para qualquer x ∈ V.<br />

Exemplos 5.6.9.<br />

26 Mas que, como já observámos, não especificam completamente as correspon<strong>de</strong>ntes<br />

topologias.


5.6. Teoremas <strong>de</strong> Egorov, Lebesgue e Riesz 357<br />

1. A sucessão <strong>de</strong> funções fn(x) = sen(nx) converge para 0 na topologia fraca<br />

<strong>de</strong> L 1 ([0, 2π]) (recor<strong>de</strong> o exercício 6 da secção 3.4).<br />

2. A topologia fraca ∗ é a usual convergência pontual <strong>de</strong> funções, restrita ao<br />

espaço das transformações lineares contínuas.<br />

3. De acordo com o Teorema <strong>de</strong> Riesz, se V = L p , e 1 < p < ∞, então V ∗∗ = V.<br />

Portanto, as topologias fraca e fraca ∗ são iguais em L p∗<br />

, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que 1 < p < ∞.<br />

A título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, indicamos aqui um resultado que sugere algumas<br />

das vantagens associadas a estas topologias fracas:<br />

Teorema 5.6.10 (Teorema <strong>de</strong> Alaoglu). A bola fechada unitária {T ∈ V ∗ :<br />

T ≤ 1} é compacta na topologia fraca ∗ .<br />

Exercícios.<br />

Uniforme <br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Em L <br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

p<br />

<br />

Egorov<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

TCDL<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Lebesgue<br />

<br />

<br />

<br />

Pontual <br />

Em medida<br />

Riesz<br />

Figura 5.6.1: Relações entre modos <strong>de</strong> convergência<br />

1. Suponha que fn, gn ∈ Fµ(X), α ∈ R, fn → f, e gn → g, pontualmente<br />

(respectivamente, em medida, em L p ). Prove que fn+gn → f +g, e αfn → αf,<br />

pontualmente (respectivamente, em medida, em L p ).<br />

2. Suponha que fn ∈ Fµ(X), fn → f, e fn → g, <strong>de</strong> acordo com dois critérios<br />

<strong>de</strong> convergência distintos (pontualmente, em medida, ou em L p ). Prove que<br />

f = g.<br />

3. Suponha que fn ∈ Fµ(X), e fn − fm → 0 pontualmente (respectivamente,<br />

em medida). Prove que existe f ∈ Fµ(X) tal que fn → f pontualmente<br />

(respectivamente, em medida).


358 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

4. Seja V um espaço vectorial normado. Mostre que se a sucessão <strong>de</strong> termo geral<br />

Tn converge na topologia fraca <strong>de</strong> V ∗ , então converge igualmente na topologia<br />

fraca ∗ .<br />

5. Demonstre o lema 5.6.3.<br />

6. Supondo µ(X) < ∞, e f, g ∈ Fµ(X), <strong>de</strong>finimos<br />

<br />

|f − g|<br />

d(f, g) =<br />

1 + |f − g| dµ.<br />

Mostre que:<br />

a) d é uma métrica em Fµ(X).<br />

b) d(fn, f) → 0 se e só se fn ⇒ f.<br />

7. Demonstre a proposição 5.6.4, para p = ∞.<br />

8. Os teoremas 5.6.6 e 5.6.7 são aplicáveis em espaços σ-finitos?<br />

X<br />

9. Mostre que, em geral, a bola unitária fechada B1(0) = {v ∈ V : v ≤ 1}<br />

não é compacta na topologia forte. sugestão: Consi<strong>de</strong>re os espaços ℓ p .<br />

5.7 O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />

Estudamos nesta secção versões mais abstractas do teorema <strong>de</strong> Fubini-<br />

Lebesgue, agora aplicáveis no produto cartesiano <strong>de</strong> quaisquer dois espaços<br />

<strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν). A teoria que vamos <strong>de</strong>senvolver exige a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> medida com suporte no produto cartesiano dos<br />

espaços <strong>de</strong> medida indicados, e para isso <strong>de</strong>monstraremos o seguinte resultado.<br />

Teorema 5.7.1. Dados espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν), existe um espaço<br />

(X × Y, M ⊗ N,µ ⊗ ν) com (µ ⊗ ν)(A × B) = µ(A)ν(B), para quaisquer<br />

conjuntos A ∈ M e B ∈ N.<br />

O caso particular <strong>de</strong>ste teorema com (Y, N,ν) = (R, B(R),m) é o teorema<br />

5.1.7, que estudámos a propósito da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

“em or<strong>de</strong>m à medida µ”. A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.1 segue aliás os mesmos<br />

passos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.7, mas usando agora os resultados da secção<br />

anterior sobre integrais <strong>de</strong> Lebesgue em or<strong>de</strong>m a uma qualquer medida.<br />

Fixados os espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν), <strong>de</strong>finimos:<br />

• A classe R formada pelos “rectângulos” A × B ⊆ X × Y , com<br />

A ∈ M e B ∈ N,<br />

• A função λ : R → [0,+∞] dada por ζ(A × B) = µ(A)ν(B), e


5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 359<br />

• A classe E formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> “rectângulos” em R, ditos<br />

novamente conjuntos “elementares”. Deixamos para o exercício 1<br />

verificar que E é uma álgebra em X × Y .<br />

Lema 5.7.2. A função λ é σ-aditiva na classe R.<br />

Demonstração. Segue precisamente os passos da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.1.18:<br />

Seja A×B = ∪ ∞ n=1 An ×Bn, com A,An ∈ M,B,Bn ∈ N, e os “rectângulos”<br />

An × Bn disjuntos. As secções (A × B) y e (An × Bn) y , com y ∈ Y , são<br />

dadas, novamente, por:<br />

<br />

A, se y ∈ B,<br />

• (A × B) y =<br />

, e (An × Bn)<br />

∅, se y ∈ B.<br />

y =<br />

An, se y ∈ Bn,<br />

∅, se y ∈ Bn.<br />

Segue-se, mais uma vez, e por razões evi<strong>de</strong>ntes, que<br />

<br />

<br />

µ (A × B) y = µ(A)χB(y) e µ (An × Bn) y = µ(An)χBn(y), para y ∈ Y.<br />

As secções (An × Bn) y são conjuntos disjuntos, e, por isso,<br />

µ(A)χB(y) =<br />

∞<br />

µ(An)χBn(y).<br />

n=1<br />

Integramos esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> termo-a-termo, usando o teorema 5.2.19. Temos<br />

novamente<br />

∞<br />

∞<br />

µ(A)ν(B) = µ(An)ν(Bn), i.e., λ(A × B) = λ(An × Bn).<br />

n=1<br />

Po<strong>de</strong>mos alargar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> λ à classe E dos conjuntos “elementares”,<br />

<strong>de</strong>monstrando o próximo lema exactamente como 5.1.19.<br />

Lema 5.7.3. Se E é “elementar”, i.e., se E ∈ E, então<br />

n=1<br />

a) E é uma união finita <strong>de</strong> “rectângulos” em R disjuntos, e<br />

b) Se P = {A1 × B1, · · · ,Am × Bm} e Q = {C1 × D1, · · · ,Cn × Dn} são<br />

partições <strong>de</strong> E em “rectângulos” em R, então<br />

m<br />

λ(Aj × Bj) =<br />

j=1<br />

n<br />

λ(Ck × Dk).<br />

Definição 5.7.4. Se E ∈ E e P = {A1 ×B1,A2 ×B2, · · · ,Am ×Bm} é uma<br />

partição <strong>de</strong> E em conjuntos <strong>de</strong> R, <strong>de</strong>finimos<br />

λ(E) =<br />

m<br />

λ(Aj × Bj) =<br />

j=1<br />

k=1<br />

m<br />

µ(Aj)ν(Bj).<br />

j=1


360 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

É claro que a função λ é σ-aditiva na álgebra E, e segue-se do teorema<br />

<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> Hahn (5.1.16) que:<br />

Teorema 5.7.5. Existe um espaço <strong>de</strong> medida (X ×Y, K,ρ) tal que R ⊆ E ⊆<br />

K e ρ(E) = λ(E), para qualquer conjunto E ∈ E.<br />

A σ-álgebra K referida acima contém a classe R, e por isso M ⊗ N ⊆ K.<br />

A restrição da medida ρ à σ-álgebra M⊗N é a medida µ⊗ν, o que termina<br />

a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.1. Temos naturalmente que<br />

<br />

∞<br />

∞<br />

<br />

(µ ⊗ ν)(E) = inf µ(An)ν(Bn) : E ⊆ An × Bn,An ∈ M,Bn ∈ N .<br />

n=1<br />

Estabelecido assim o primeiro resultado que nos tínhamos proposto <strong>de</strong>monstrar<br />

nesta secção, passamos ao estudo do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />

na forma aplicável a conjuntos:<br />

Teorema 5.7.6 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (I)). Dados espaços <strong>de</strong> medida<br />

σ-finitos (X, M,µ) e (Y, N,ν), e supondo que o conjunto E ⊆ X × Y<br />

é M ⊗ N-mensurável, então<br />

n=1<br />

a) As secções Ex = {y ∈ Y : (x,y) ∈ E} ∈ N, para todo o x ∈ X,<br />

b) As secções E y = {x ∈ Y : (x,y) ∈ E} ∈ M, para todo o y ∈ Y ,<br />

c) A função A(x) = ν(Ex) é M-mensurável em X,<br />

d) A função B(y) = µ(Ey ) é N-mensurável em Y , e<br />

<br />

ν(Ex)dµ = µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E).<br />

X<br />

Y<br />

Para provar este resultado, consi<strong>de</strong>ramos a classe FL(µ ⊗ ν), formada<br />

pelos conjuntos em M ⊗ N que satisfazem todas as condições indicadas em<br />

5.7.6. Note que a <strong>de</strong>finição seguinte ignora as condições 5.7.6 a) e b), já que<br />

estas são satisfeitas por todos os conjuntos em M⊗N, conforme verificámos<br />

em 5.1.10.<br />

Definição 5.7.7 (A Classe FL(µ⊗ν)). Designamos por FL(µ⊗ν) a classe<br />

dos conjuntos E ∈ M ⊗ N tais que:<br />

a) A função A(x) = ν(Ex) é M-mensurável em X,<br />

b) A função B(y) = µ(Ey ) é N-mensurável em Y , e<br />

<br />

ν(Ex)dµ = µ(E y )dν = (µ ⊗ ν)(E).<br />

X<br />

Y


5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 361<br />

Nesta terminologia, o teorema 5.7.6 é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> FL(µ ⊗ν) = M ⊗ N.<br />

Mostramos a seguir que FL(µ ⊗ ν) contém os conjuntos “elementares”.<br />

Lema 5.7.8. E ⊆ FL(µ ⊗ ν).<br />

Demonstração. Suponha-se que E = A × B é um “rectângulo”. Temos<br />

A ∈ M e B ∈ N, e sabemos que<br />

A(x) = ν(Ex) = ν(B)χA(x), e B(y) = µ(E y ) = µ(A)χB(y).<br />

É evi<strong>de</strong>nte que estas funções são mensuráveis, e que<br />

<br />

Adµ =ν(B) χAdµ = ν(B)µ(A) = (µ ⊗ ν)(E) = µ(A)ν(B) =<br />

X X<br />

<br />

=µ(A) χBdν = Bdν.<br />

Se E é um conjunto “elementar”, temos<br />

E =<br />

Y<br />

Y<br />

m<br />

An × Bn, com An ∈ M e Bn ∈ N,<br />

n=1<br />

on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos supor que os “rectângulos” An×Bn são disjuntos. Um cálculo<br />

simples, semelhante ao que fizémos na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.2, mostra que<br />

A(x) = ν(Ex) =<br />

m<br />

ν(Bn)χAn(x) e B(y) = µ(E y ) =<br />

n=1<br />

m<br />

µ(An)χBn(y).<br />

A e B são, portanto, funções simples mensuráveis, respectivamente em<br />

(X, M), e em (Y, N), e temos<br />

<br />

X<br />

Adµ =<br />

m<br />

<br />

ν(Bn)µ(An) = (µ ⊗ ν)(E) =<br />

n=1<br />

n=1<br />

Y<br />

Bdν.<br />

Como M⊗N é a σ-álgebra gerada pelos “rectângulos”, provaríamos que<br />

M⊗N ⊆ FL(µ⊗ν), e portanto que M⊗N = FL(µ⊗ν), estabelecendo que<br />

FL(µ⊗ν) é uma σ-álgebra, mas esta i<strong>de</strong>ia não é fácil <strong>de</strong> aplicar directamente.<br />

É mais simples aproveitar outras proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> FL(µ ⊗ ν):<br />

Lema 5.7.9. Suponha-se que os conjuntos En,Fn ∈ FL(µ ⊗ ν). Temos<br />

então:<br />

a) Se En ր E = ∪ ∞ n=1 En, então E ∈ FL(µ ⊗ ν), e<br />

b) Se Fn ց F = ∩ ∞ n=1 Fn, então F ∈ FL(µ ⊗ ν).


362 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

Demonstração. Demonstramos a), <strong>de</strong>ixando b) para o exercício 2. O argumento<br />

que utilizamos é idêntico para as secções Ex e E y , e ilustramo-lo<br />

usando as secções Ex. Notamos como evi<strong>de</strong>nte que:<br />

En ր E =<br />

∞<br />

En =⇒ (En)x ր<br />

n=1<br />

∞<br />

(En)x = Ex.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos as funções A(x) = ν(Ex) e An(x) = ν((En)x). As funções An<br />

são M-mensuráveis por hipótese, e o teorema da convergência monótona<br />

para medidas mostra que An ր A. Concluímos do teorema <strong>de</strong> Beppo Levi<br />

que A é M-mensurável, e<br />

<br />

(i) Andµ → Adµ.<br />

X<br />

Como En ∈ FL(µ ⊗ ν), e ainda do teorema da convergência monótona para<br />

medidas, temos<br />

<br />

(ii) Andµ = (µ ⊗ ν)(En) → (µ ⊗ ν)(E).<br />

Obtemos assim que (µ ⊗ ν)(E) = <br />

X<br />

X<br />

X<br />

n=1<br />

Adµ, i.e., E ∈ FL(µ ⊗ ν).<br />

As seguintes noções abstractas são sugeridas pelo lema anterior.<br />

Definição 5.7.10 (Classe Monótona). Seja C uma classe <strong>de</strong> subconjuntos<br />

do conjunto Z. Dizemos que C é uma classe monótona se e só se:<br />

a) En ∈ C e En ր E =⇒ E ∈ C, e<br />

b) Fn ∈ C e Fn ց F =⇒ F ∈ C.<br />

Exemplos 5.7.11.<br />

1. FL(µ ⊗ ν) é uma classe monótona, <strong>de</strong> acordo com 5.7.9.<br />

2. Qualquer σ-álgebra, em particular M⊗N, é igualmente uma classe monótona.<br />

3. A classe dos intervalos em R não é uma álgebra, mas é uma classe monótona.<br />

4. Os conjuntos elementares em [0, 1] formam uma álgebra que não é monótona.<br />

Deixamos para o exercício 3 a <strong>de</strong>monstração do seguinte lema.<br />

Lema 5.7.12. Se A é uma classe monótona, então A é uma σ-álgebra se e<br />

só se A é uma álgebra.<br />

Apresentámos no capítulo 2 a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> σ-álgebra gerada por uma<br />

classe <strong>de</strong> conjuntos. Observamos agora que o mesmo procedimento po<strong>de</strong> ser<br />

aplicado também a classes monótonas.


5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 363<br />

Definição 5.7.13 (Classe Monótona Gerada por S). Se S é uma classe<br />

<strong>de</strong> subconjuntos do conjunto Z, a classe monótona gerada por S é a<br />

intersecção <strong>de</strong> todas as classes monótonas em Z que contém S, e <strong>de</strong>signa-se<br />

aqui mon(S).<br />

É muito fácil verificar que mon(S) é a menor classe monótona que contém<br />

a classe S (exercício 6). Temos ainda:<br />

Lema 5.7.14. Se S é uma álgebra então mon(S) é uma σ-álgebra. Em<br />

particular, mon(E) é uma σ-álgebra que contém E.<br />

Demonstração. Dado E ∈ mon(S), consi<strong>de</strong>ramos a classe auxiliar<br />

comp(E) = {F ∈ mon(S) : E\F,F \E,E ∪ F ∈ mon(S)} ⊆ mon(S).<br />

Provamos primeiro que:<br />

(i) Se E ∈ S então S ⊆ comp(E) = mon(S).<br />

Demonstração. comp(E) é uma classe monótona (exercício 5). Como<br />

S é por hipótese uma álgebra,<br />

E,F ∈ S =⇒ E\F,F \E,E ∪ F ∈ S ⊆ mon(S), i.e.<br />

S ⊆ comp(E), e comp(E) é uma classe monótona que contém S.<br />

Como mon(S) é a classe monótona gerada por S, temos comp(E) ⊇<br />

mon(S), don<strong>de</strong> comp(E) = mon(S).<br />

Provamos agora que:<br />

(ii) Se E ∈ mon(S) então S ⊆ comp(E) = mon(S), e mon(S) é uma<br />

semi-álgebra.<br />

Demonstração. comp(E) é ainda uma classe monótona. De acordo<br />

com (i), se F ∈ S temos E ∈ comp(F), i.e., F ∈ comp(E), e S ⊆<br />

comp(E). comp(E) é mais uma vez uma classe monótona que contém<br />

S, don<strong>de</strong> comp(E) ⊇ mon(S), e comp(E) = mon(S). Em particular,<br />

se E,F ∈ mon(S) então E\F,F \E,E∪F ∈ mon(S), e mon(S) é uma<br />

semi-álgebra.<br />

Como S é uma álgebra temos Z ∈ S, don<strong>de</strong> Z ∈ mon(S), e mon(S) é<br />

também uma álgebra. Segue-se <strong>de</strong> 5.7.12 que mon(S) é uma σ-álgebra.<br />

A <strong>de</strong>monstração do teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 5.7.6 é uma aplicação<br />

muito simples <strong>de</strong>ste último resultado:<br />

Demonstração. Limitamo-nos a observar que


364 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

• M ⊗ N ⊆ mon(E), porque mon(E) é uma σ-álgebra que contém E, e<br />

• mon(E) ⊆ FL(µ ⊗ ν), porque FL(µ ⊗ ν) é uma classe monótona que<br />

contém E.<br />

Como FL(µ ⊗ν) ⊆ M ⊗ N, temos M ⊗ N = mon(E) = FL(µ ⊗ν).<br />

Estabelecido o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue na forma aplicável a conjuntos,<br />

é possível aplicá-lo igualmente a funções. Consi<strong>de</strong>ramos a seguir o caso<br />

<strong>de</strong> funções simples M ⊗ N-mensuráveis e não-negativas.<br />

Lema 5.7.15. Se f : X × Y → [0,+∞[ é simples e M ⊗ N-mensurável,<br />

<br />

X<br />

a) As funções gx(y) = f(x,y) são simples e N-mensuráveis, para todo o<br />

x ∈ X,<br />

b) As funções hy(x) = f(x,y) são simples e M-mensuráveis, para todo<br />

o y ∈ Y ,<br />

c) A função A(x) = <br />

Y gxdν é M-mensurável e não-negativa,<br />

d) A função B(y) = <br />

X hydµ é N-mensurável e não-negativa, e<br />

<br />

Adµ =<br />

X<br />

<br />

Y<br />

<br />

gxdν dµ = hydµ dν = Bdν = fd(µ⊗ν).<br />

Y X<br />

Y X×Y<br />

Demonstração. Suponha-se que E é um conjunto M ⊗ N-mensurável, e<br />

f = χE é a função característica <strong>de</strong> E, don<strong>de</strong><br />

<br />

(µ ⊗ ν)(E) = fd(µ ⊗ ν).<br />

X×Y<br />

De acordo com o teorema 5.7.6 aplicado a E, temos que:<br />

• Os conjuntos Ex são N-mensuráveis, i.e.,<br />

• As funções gx(y) = f(x,y) = χEx(y) são N-mensuráveis,<br />

• A função A(x) = ν(Ex) = <br />

Y gxdν é M-mensurável, e<br />

<br />

(µ ⊗ ν)(E) =<br />

X<br />

<br />

Adµ =<br />

X<br />

<br />

Y<br />

<br />

gxdν dµ.<br />

O resultado fica assim <strong>de</strong>monstrado para a função A. É claro que o<br />

mesmo argumento é aplicável à função B, o que termina a <strong>de</strong>monstração<br />

quando f é uma função característica.<br />

Se f é uma função simples, então f é uma combinação linear finita <strong>de</strong><br />

funções características, e o resultado segue-se da linearida<strong>de</strong> e homogeneida<strong>de</strong><br />

do integral.


5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 365<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções mensuráveis não-negativas<br />

é um corolário do resultado anterior, obtido aproximando a função f por<br />

funções simples mensuráveis. A sua <strong>de</strong>monstração é o exercício 7.<br />

Teorema 5.7.16 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y →<br />

[0,+∞] é M ⊗ N-mensurável,<br />

a) As funções gx(y) = f(x,y) são N-mensuráveis, para todo o x ∈ X,<br />

b) As funções hy(x) = f(x,y) são M-mensuráveis, para todo o y ∈ Y ,<br />

c) A função A(x) = <br />

Y gxdν é M-mensurável,<br />

d) A função B(y) = <br />

X hydµ é N-mensurável, e<br />

<br />

X<br />

<br />

Y<br />

<br />

gxdν dµ = hydµ dν = fd(µ ⊗ ν).<br />

Y X<br />

X×Y<br />

O teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue para funções somáveis obtem-se aplicando<br />

o resultado anterior separadamente às partes positiva e negativa <strong>de</strong> f. A<br />

respectiva <strong>de</strong>monstração é ainda parte do exercício 7.<br />

Teorema 5.7.17 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (III)). Se f : X × Y → R é<br />

M ⊗ N-mensurável, e mantendo a notação do teorema anterior, temos<br />

<br />

|gx|dν dµ = |hy|dµ dν = |f|d(µ ⊗ ν).<br />

Y X<br />

X×Y<br />

X<br />

Y<br />

Em particular, se pelo menos um <strong>de</strong>stes integrais é finito então todos são<br />

finitos, e f é (µ ⊗ ν)-somável. Se f é (µ ⊗ ν)-somável então as funções gx<br />

e B são ν-somáveis, hy e A são µ-somáveis, e<br />

<br />

X<br />

<br />

Y<br />

<br />

gxdν dµ = hydµ dν = fd(µ ⊗ ν).<br />

Y X<br />

X×Y<br />

As diferenças entre os enunciados apresentados nesta secção e os seus<br />

correspon<strong>de</strong>ntes para a medida <strong>de</strong> Lebesgue nos espaços R N , tal como indicados<br />

em 3.3, resultam naturalmente dos seguintes factos:<br />

(1) L(R N ) ⊗ L(R M ) = L(R N+M ), o que mostra que a teoria em 3.3 não é<br />

um caso particular dos resultados <strong>de</strong>sta secção, e<br />

(2) Os espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) não foram aqui supostos completos.<br />

É simples introduzir neste contexto abstracto as extensões completas apropriadas,<br />

<strong>de</strong>finidas pelo processo que indicámos em 2.3.17.<br />

Exemplos 5.7.18.


366 Capítulo 5. Outros Integrais <strong>de</strong> Lebesgue<br />

1. A menor extensão completa <strong>de</strong> (X ×Y, M⊗N, µ⊗ν) é o espaço (X ×Y, K, ρ),<br />

que mencionámos em 5.7.5.<br />

2. A menor extensão completa <strong>de</strong> L(R N ) ⊗ L(R M ) é L(R N+M ).<br />

Po<strong>de</strong>mos adaptar os resultados <strong>de</strong>sta secção usando espaços completos,<br />

e assim generalizar efectivamente a teoria <strong>de</strong>senvolvida em 3.3. A título <strong>de</strong><br />

ilustração, e supondo que os espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) são completos, o<br />

teorema 5.7.16 tem o seguinte análogo, que efectivamente generaliza 3.3.17.<br />

Teorema 5.7.19 (Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue (II)). Se f : X × Y →<br />

[0,+∞] é K-mensurável,<br />

a) As funções gx(y) = f(x,y) são N-mensuráveis, µ-qtp em X,<br />

b) As funções hy(x) = f(x,y) são M-mensuráveis, ν-qtp em Y ,<br />

c) A função A(x) = <br />

Y gxdν está <strong>de</strong>finida µ-qtp em X e é M-mensurável,<br />

d) A função B(y) = <br />

X hydµ está <strong>de</strong>finida ν-qtp em Y , é N-mensurável,<br />

e<br />

<br />

X<br />

<br />

Y<br />

<br />

gxdλ dµ = hydµ dν = fdρ.<br />

Y X<br />

X×Y<br />

É talvez mais interessante investigar até que ponto as hipóteses básicas<br />

usadas nesta secção (e implicitamente também em 3.3) são realmente necessárias.<br />

Repare-se que supusemos sempre:<br />

• Os espaços <strong>de</strong> medida (X, M,µ) e (Y, N,ν) σ-finitos, e<br />

• A função f mensurável (e somável, se muda <strong>de</strong> sinal) em X × Y .<br />

Vimos já em exemplos simples nos exercícios da secção 3.3 que a somabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> f é essencial. Não mostraremos aqui por que razão não po<strong>de</strong>mos<br />

concluir a mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f, mesmo supondo que as funções auxiliares<br />

gx e hy são mensuráveis, porque se trata <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong>licada, mais<br />

uma vez relacionada com os fundamentos da Teoria dos Conjuntos.<br />

É no<br />

entanto relativamente simples mostrar que o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue<br />

não é válido se algum dos espaços (X, M,µ) e (Y, N,ν) não for σ-finito.<br />

Exemplo 5.7.20.<br />

Tomamos X = Y = [0, 1], sendo µ = # a medida <strong>de</strong> contagem e M = P(X), e<br />

ν = m a medida <strong>de</strong> Lebesgue, com N = L(Y ). Definimos f(x, y) = 1 se x = y,<br />

e f(x, y) = 0, se x = y. O espaço (X, M, µ) não é σ-finito, e <strong>de</strong>ixamos como<br />

exercício verificar a mensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> f, e mostrar que neste caso temos<br />

<br />

gxdν dµ = hydµ dν.<br />

X<br />

Y<br />

Y<br />

X


5.7. O Teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue 367<br />

Exercícios.<br />

1. Mostre que a classe E formada pelas uniões finitas <strong>de</strong> “rectângulos” em R<br />

(os conjuntos “elementares”) é uma álgebra em X × Y .<br />

2. Demonstre 5.7.9b). sugestão: Suponha primeiro que os espaços (X, M, µ)<br />

e (Y, N, λ) são finitos, e <strong>de</strong>pois generalize o argumento para espaços σ-finitos.<br />

3. Mostre que a classe monótona A é uma σ-álgebra se e só se A é uma álgebra.<br />

4. Verifique as afirmações feitas no texto nos exemplos 5.7.11.2 a 5.7.11.4.<br />

5. Para concluir a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> 5.7.14, verifique que comp(E) é uma classe<br />

monótona.<br />

6. Seja S uma classe <strong>de</strong> subconjuntos do conjunto Z. Recor<strong>de</strong> 5.7.13, e mostre<br />

que mon(S) é a menor classe monótona que contém S, i.e., prove que:<br />

a) Se M é uma classe monótona que contém S então mon(S) ⊆ M,<br />

b) mon(S) é uma classe monótona e S ⊆ mon(S), e<br />

c) Mostre que se S é uma álgebra então mon(S) é uma σ-álgebra.<br />

7. Demonstre o teorema <strong>de</strong> Fubini-Lebesgue nas suas versões 5.7.16 e 5.7.17.<br />

8. Consi<strong>de</strong>re o exemplo 5.7.20. Mostre que a função f é M ⊗ N-mensurável,<br />

mas <br />

gxdλ dµ = 0, e hydµ dλ = 1.<br />

X<br />

Y<br />

Y<br />

X


Índice<br />

368


Índice<br />

acontecimento, 93<br />

aditivida<strong>de</strong>, 10, 15, 20<br />

álgebra <strong>de</strong> conjuntos, 19<br />

axioma da escolha, 131<br />

B(x,r),Br(x), 52<br />

Baire<br />

categorias <strong>de</strong>, 126<br />

Teorema <strong>de</strong>, 126<br />

Barrow, regra <strong>de</strong>, 60<br />

Bola aberta, 52<br />

B(R N ), 115<br />

BV (I), 255<br />

C(I), 30<br />

Cε(I), 79<br />

cardinal, 21, 93<br />

categorias <strong>de</strong> Baire, 126<br />

C k c (RN ),C0(R N ), 210<br />

classe monótona, 362<br />

gerada por, 363<br />

˜cN, 77<br />

cobertura<br />

sequencial, 140<br />

combinação convexa, 198<br />

comprimento, 9<br />

do gráfico <strong>de</strong> uma função, 67<br />

condição <strong>de</strong> Lipschitz, 263<br />

conjunto<br />

Borel-mensurável, 115<br />

<strong>de</strong> Borel, 115<br />

<strong>de</strong> Cantor, 30<br />

<strong>de</strong> Dirichlet, 31<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 103<br />

<strong>de</strong> Volterra, 79<br />

<strong>de</strong> Volterra generalizado, 123<br />

369<br />

<strong>de</strong>nso, 31<br />

diâmetro, 11<br />

elementar, 13<br />

Fσ, 115<br />

Gδ, 115<br />

Jordan-mensurável, 27<br />

Lebesgue-mensurável, 103<br />

mensurável, 91<br />

µ-negativo, 222<br />

µ-nulo, 219<br />

µ-positivo, 222<br />

µ ∗ -mensurável, 142<br />

nulo, 56<br />

perfeito, 34<br />

σ-compacto, 83<br />

σ-elementar, 77<br />

conteúdo, 9, 10, 15<br />

<strong>de</strong> Jordan, 27<br />

exterior, 26<br />

interior, 26<br />

continuida<strong>de</strong><br />

absoluta, 234, 263<br />

convergência<br />

em medida, 353<br />

em L p , 333<br />

pontual, 353<br />

convolução, 207<br />

<strong>de</strong>composição<br />

<strong>de</strong> Hahn, 222<br />

<strong>de</strong> Jordan, 220<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 236, 320<br />

<strong>de</strong>rivada<br />

<strong>de</strong> Radon-Nikodym, 322<br />

generalizada, 245<br />

no sentido das distribuições, 245


370 ÍNDICE<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r, 331<br />

<strong>de</strong> Minkowski, 332<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Jensen, 198<br />

diâmetro<br />

<strong>de</strong> conjunto, 11<br />

<strong>de</strong> partição, 11<br />

diferença <strong>de</strong> conjuntos, 13<br />

Dirichlet<br />

conjunto <strong>de</strong>, 31<br />

função <strong>de</strong>, 37<br />

distribuição<br />

<strong>de</strong> Dirac, 22, 92<br />

<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 246<br />

equivalência <strong>de</strong> funções, 154, 327<br />

E(R N ), 13<br />

Eσ(R N ), 77<br />

escada do Diabo, 64<br />

espaço<br />

<strong>de</strong> Banach, 206, 335<br />

<strong>de</strong> Hilbert, 335<br />

<strong>de</strong> medida, 93<br />

completo, 121<br />

finito, 93<br />

menor extensão completa, 121<br />

σ-finito, 93<br />

<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 93<br />

dual<br />

algébrico, 338<br />

topológico, 338<br />

euclidiano, 331<br />

L 1 , 201<br />

L p , 329<br />

L ∞ , 330<br />

mensurável, 91<br />

vectorial normado, 48<br />

espaço das medidas reais/complexas<br />

em (X, M), 231<br />

exemplo <strong>de</strong><br />

Cantor<br />

conjunto, 30<br />

função, 64<br />

Dirichlet<br />

conjunto, 31<br />

função, 37<br />

Hellinger, 283<br />

Riemann, 37<br />

Sierpinski, 136<br />

van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 68<br />

Vitali, 130<br />

Volterra<br />

conjunto, 79<br />

função, 83<br />

generalizado, 123<br />

expoentes conjugados, 331<br />

FL(µ ⊗ ν), 360<br />

Fµ, 314<br />

Fµ, 328<br />

função<br />

absolutamente contínua, 263<br />

Borel-mensurável, 151, 153<br />

côncava, 198<br />

característica, 37<br />

contínua<br />

<strong>de</strong> suporte compacto, 210<br />

convexa, 198<br />

<strong>de</strong> Cantor, 64<br />

<strong>de</strong> Cantor-Lebesgue, 64<br />

<strong>de</strong> conjuntos, 20<br />

aditiva, 20<br />

monótona, 20<br />

σ-aditiva, 75<br />

σ-subaditiva, 75<br />

subaditiva, 20<br />

<strong>de</strong> Dirichlet, 37<br />

<strong>de</strong> escolha, 132<br />

<strong>de</strong> Heavisi<strong>de</strong>, 22<br />

<strong>de</strong> Hellinger, 283<br />

<strong>de</strong> Riemann, 37<br />

<strong>de</strong> saltos, 251<br />

<strong>de</strong> van <strong>de</strong>r Waer<strong>de</strong>n, 68<br />

<strong>de</strong> variação limitada, 255<br />

<strong>de</strong> Volterra, 83<br />

discreta, 251<br />

equivalente, 154


ÍNDICE 371<br />

escada do Diabo, 64<br />

gráfico, 43<br />

comprimento, 67<br />

Lebesgue-mensurável, 151, 153<br />

Lebesgue-somável, 151, 153<br />

mensurável, 310<br />

M-mensurável, 299<br />

µ-somável, 299<br />

oscilação, 52, 53<br />

parte contínua, 251<br />

parte discreta, 251<br />

parte negativa, 37<br />

parte positiva, 37<br />

região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, 35<br />

Riemann-integrável, 36<br />

semi-contínua<br />

superior, 285<br />

simples, 187<br />

sinal, 63<br />

singular, 285<br />

somável, 310<br />

suporte <strong>de</strong>, 210<br />

variação total, 255<br />

funcional, 45<br />

GE(f),ΓE(f), 157<br />

gráfico<br />

rectificável, 67<br />

Hellinger<br />

função <strong>de</strong>, 283<br />

medida <strong>de</strong>, 285<br />

impulso <strong>de</strong> Dirac, 22<br />

indicatriz <strong>de</strong> Banach, 259<br />

índice-K, 173<br />

integração por partes, 319<br />

integral<br />

<strong>de</strong> Lebesgue<br />

em or<strong>de</strong>m a µ, 299<br />

em or<strong>de</strong>m a mN, 151<br />

<strong>de</strong> Riemann, 36, 58<br />

<strong>de</strong> Stieltjes, 297<br />

<strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong> Riemann, 45<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, 38<br />

homogeneida<strong>de</strong>, 38<br />

impróprio <strong>de</strong> Riemann, 70, 152<br />

absolutamente convergente,<br />

153<br />

in<strong>de</strong>finido<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 159<br />

<strong>de</strong> Riemann, 49<br />

inferior, 39<br />

paramétrico, 169<br />

superior, 39<br />

Jensen, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, 198<br />

J (R N ), 27<br />

Jσ(R N ), 77<br />

L(R N ), 103<br />

ℓ 1 , 314<br />

L 1 , 201<br />

Lema<br />

<strong>de</strong> Borel-Cantelli, 97<br />

<strong>de</strong> Fatou, 166, 312<br />

<strong>de</strong> Fatou (II), 167, 312<br />

<strong>de</strong> Jordan, 256<br />

<strong>de</strong> Riesz (Sol Nascente), 269,<br />

288<br />

Lipschitz<br />

condição <strong>de</strong>, 263<br />

Lµ(R N ), 237, 242<br />

µ-qtp, 219<br />

majorante essencial, 329<br />

M(B(R N )), 232<br />

medida<br />

absolutamente contínua, 234<br />

completa, 121, 232<br />

complexa, 91<br />

concentrada em S, 218<br />

<strong>de</strong> Borel, 236<br />

<strong>de</strong> Cantor, 249<br />

<strong>de</strong> contagem, 93<br />

<strong>de</strong> Dirac, 22, 92<br />

<strong>de</strong> Hellinger, 285<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 104<br />

<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>, 93


372 ÍNDICE<br />

discreta, 231<br />

exterior, 140<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 98<br />

finita, 91<br />

interior<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 101<br />

localmente finita, 239<br />

parte contínua, 250<br />

parte discreta, 250<br />

positiva, 91<br />

real, 91<br />

regular, 120, 242<br />

σ-finita, 93<br />

singular, 221<br />

suporte <strong>de</strong>, 220<br />

medidas <strong>de</strong><br />

Borel, 232<br />

Lebesgue-Stieltjes, 236<br />

minorante essencial, 329<br />

M(M, C), 231<br />

M(M, R), 231<br />

Mµ, 121, 232<br />

mN, 104<br />

m∗ N , 98<br />

M ⊗ N, 298<br />

NBV (I), 255<br />

norma, 48<br />

<strong>de</strong> L 1 , 46, 201<br />

<strong>de</strong> L p , 329<br />

<strong>de</strong> L ∞ , 215, 330<br />

normas equivalentes, 233, 334<br />

ωf, 53<br />

ΩR(f), 35<br />

Oscf(s), 52<br />

oscilação<br />

<strong>de</strong> função, 52, 53<br />

paradoxo <strong>de</strong> Banach-Tarski, 132<br />

partição, 11<br />

apropriada, 187, 188<br />

da unida<strong>de</strong>, 340<br />

diâmetro, 11<br />

refinamento, 12<br />

pente <strong>de</strong> Dirac, 22, 93, 231, 251<br />

πI, 173<br />

ponto <strong>de</strong> acumulação, 34<br />

probabilida<strong>de</strong>, 21<br />

problema<br />

<strong>de</strong> Caratheodory, 142<br />

<strong>de</strong> Borel, 81<br />

<strong>de</strong> Stieltjes, 246<br />

difícil <strong>de</strong> Lebesgue, 129<br />

fácil <strong>de</strong> Lebesgue, 101<br />

produto <strong>de</strong> convolução, 207<br />

projecção, 173<br />

qtp, 57, 219<br />

R, 94<br />

rectângulo, 8<br />

recta acabada, 94<br />

rectificável<br />

gráfico, 67<br />

refinamento, 12<br />

comum, 12<br />

reflexão, 16<br />

região <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadas, 35<br />

regra <strong>de</strong> Barrow, 60<br />

ρI, 174<br />

Riemann<br />

função <strong>de</strong>, 37<br />

R + , 94<br />

σ-aditivida<strong>de</strong>, 75<br />

σ-álgebra, 90<br />

<strong>de</strong> Borel, 115<br />

<strong>de</strong> Lebesgue, 106<br />

gerada por, 115<br />

σ-compacto, 83<br />

semi-álgebra <strong>de</strong> conjuntos, 19<br />

semi-continuida<strong>de</strong><br />

superior, 285<br />

semi-norma, 48<br />

Sf, 248<br />

Sierpinski<br />

exemplo <strong>de</strong>, 136<br />

soma<br />

<strong>de</strong> Riemann, 58


ÍNDICE 373<br />

inferior <strong>de</strong> Darboux, 39<br />

superior <strong>de</strong> Darboux, 39<br />

σ-subaditivida<strong>de</strong>, 75<br />

subaditivida<strong>de</strong>, 15, 20<br />

suporte <strong>de</strong> uma<br />

função, 210<br />

medida, 220<br />

medida regular, 244<br />

Teorema (<strong>de</strong>/da)<br />

Alaoglu, 357<br />

Baire, 126<br />

Banach-Vitali, 260<br />

Banach-Zaretsky, 266<br />

Beppo Levi, 165, 312<br />

Beppo Levi (II), 166, 312<br />

Cantor, 81<br />

convergência dominada <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

167, 202, 314<br />

convergência monótona <strong>de</strong> Lebesgue,<br />

95<br />

<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Hahn-Jordan,<br />

226<br />

<strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Lebesgue, 279,<br />

320<br />

diferenciação <strong>de</strong> Fubini, 327<br />

diferenciação <strong>de</strong> Lebesgue, 276<br />

Egorov, 355<br />

Fichtenholz, 268<br />

Fubini-Lebesgue, 175, 181, 207,<br />

360, 365<br />

Fundamental do Cálculo<br />

1 o , 62, 281<br />

2 o , 62, 64, 281<br />

Hahn, extensão <strong>de</strong>, 305<br />

Heine-Borel, 52<br />

Lebesgue, 356<br />

Radon-Nikodym, 321, 322<br />

Radon-Nikodym-Lebesgue, 321<br />

Representação <strong>de</strong> Riesz, 342,<br />

348, 350<br />

Riesz, 354<br />

Riesz-Fischer, 206, 337<br />

Vitali-Luzin, 212, 316<br />

topologia, 333<br />

transformada <strong>de</strong> Fourier, 203<br />

continuida<strong>de</strong>, 215<br />

translação, 16<br />

U(R N ), 13<br />

variável aleatória, 297<br />

variação<br />

limitada, 231<br />

negativa, 229<br />

positiva, 229<br />

total, 228, 230, 255<br />

Vitali<br />

exemplo <strong>de</strong>, 130

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!