23.02.2013 Views

100anosMcLuhan-ebook

100anosMcLuhan-ebook

100anosMcLuhan-ebook

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

100 ANOS DE<br />

mcLuHan<br />

mcluhAn<br />

McluhaN<br />

MCLUHAN<br />

MCLUHAN<br />

MCLUHAN<br />

JANARA SOUSA, JOÃO CURVELLO E PEDRO RUSSI (ORGANIZADORES)


100 anos de McLuhan<br />

C394 100 anos de McLuhan / organizadores Janara Sousa, João Curvello,<br />

Pedro Russi – Brasília, DF: Casa das Musas, 2012.<br />

Este livro é resultado do debate realizado durante o “Seminário Internacional 100 anos de McLuhan”, financiado<br />

pela Capes e pelo Decanato de Pós-Graduação, da Universidade de Brasília (UnB).<br />

O evento, ocorrido nos dias 10 e 11 de novembro de 2011 e organizado pela linha de pesquisa<br />

Teorias e Tecnologias da Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação<br />

da UnB, também teve apoio da Universidade Católica de Brasília.<br />

© 2012, Brasília: Casa das Musas<br />

Projeto gráfico e diagramação<br />

Rodrigo Farhat<br />

148 p.<br />

ISBN 978-85-98205-80-9<br />

1. Comunicação – pesquisa. 2. Meios de comunicação - estudos.<br />

3. Meio e Mensagem. 4. Transformações sociais. I. Sousa, Janara<br />

(Org.), II. Curvello, João (Org.), Russi, Pedro (Org.).<br />

316.77 - CDU<br />

Ficha elaborada pela bibliotecária Paloma Guimarães Correa de Oliveira CRB1/1774<br />

i


INTRODUÇÃO<br />

O “conteúdo” de um meio é como a “bola”<br />

de carne que o assaltante leva consigo para<br />

distrair o cão de guarda da mente. O efeito<br />

de um meio se torna mais forte e intenso<br />

justamente porque o seu “conteúdo” é um<br />

outro meio (MCLUHAN, 1964, p. 33)


O “meio é mensagem” é certamente um dos aforismos mais co-<br />

nhecidos do autor canadense Herbert Marshall McLuhan<br />

(1911-1980). Para além do jogo de palavras e da evidente provo-<br />

cação, essa afirmação, que também foi título de uma das suas<br />

principais obras, trazia um conteúdo completamente novo e di-<br />

ferente para a pesquisa em Comunicação; outra forma de enten-<br />

der (significar) o mundo relacionada aos processos e dinâmicas<br />

anteriores, não como uma episteme do tipo “ponto zero” que<br />

desconhece todo o anterior, senão, muito pelo contrário. Assim,<br />

pode-se compreender que o destaque para a importância do ca-<br />

nal no processo de comunicação desperta a pesquisa na área do<br />

período marcado pelos estudos dos efeitos globais e do conteú-<br />

do e acusa a tecnologia de ser responsável por efeitos muito<br />

mais peremptórios e revolucionários do que qualquer conteúdo<br />

que a primeira página de um jornal ou as notícias de última<br />

hora de um canal de televisão poderia trazer.<br />

O estudo dos meios de comunicação marcava também uma<br />

ruptura na forma de ver a tecnologia, fato que já estava sendo<br />

pautado em outras áreas. O meio não era neutro, nem um mero<br />

instrumento, nem somente o transmissor. O meio é o conteúdo<br />

porque cada canal criava um “novo” ambiente diferente do an-<br />

terior que demandava esforços diferentes, organização social<br />

diferente, respostas diferentes e outras interações entre os ór-<br />

gãos dos sentidos. Para McLuhan, o estudo dos meios de comu-<br />

nicação poderia trazer a luz essa mensagem que consistia nas<br />

transformações sociais muito mais profundas que as transfor-<br />

mações que os conteúdos transmitidos poderiam causar.<br />

A pesquisa em Comunicação não passou incólume pela obra de<br />

McLuhan. A década de 60 foi marcada pela polêmica e admira-<br />

ção que o pensamento desse autor causou. Porém, vale desta-<br />

car: polêmicas lamentavelmente contaminadas por dicotomias<br />

(favor/contra; certo/errado; integrado/apocalíptico; esquer-<br />

da/direita e assim por diante), favorecendo uma defesa da posi-<br />

ção política defendida, em detrimento do conhecimento apro-<br />

fundado, do conteúdo apresentado pelo autor canadense.<br />

Ao ser traduzido em diversos idiomas, McLuhan conquistou a<br />

façanha de em pouco tempo ser conhecido, citado, amado e<br />

odiado. O contexto social e político eram conturbados. Se por<br />

um lado, para uma parte do mundo pairava o medo da corrida<br />

armamentista, da Guerra Fria e quem sabe até de uma nova guer-<br />

ra mundial; por outro, a América Latina, por exemplo, além des-<br />

sas questões, sofria com ditaduras militares sangrentas e voltava<br />

o foco da sua pesquisa para as questões políticas-práticas.<br />

A recepção da obra de McLuhan no Brasil também não foi<br />

diferente. No final da década de 60 e até o início dos anos 70,<br />

três das principais obras de McLuhan já haviam sido traduzi-<br />

das para o português: “Os Meios de Comunicação como Ex-<br />

tensões do Homem”, “O Meio é a Mensagem” e “A Galáxia<br />

de Gutenberg”. Embora o momento político conduzisse para<br />

o debate das políticas da Comunicação, a rápida tradução do<br />

pensamento de McLuhan revela que as questões sobre a tec-<br />

nologia e os meios de comunicação também reverberavam<br />

no ambiente intelectual e acadêmico brasileiro.<br />

3


Como em outros países do mundo, a obra de McLuhan provo-<br />

cou dicotomia no Brasil. Por um lado, admirado e até diciona-<br />

rizado, por outro tido como o ingênuo capaz de, num momen-<br />

to político tão delicado para o mundo, voltar seu foco para o<br />

debate sobre a tecnologia. O fato é que, embora houvesse dico-<br />

tomia, era impossível não mencionar o pensamento instigante<br />

e provocador de McLuhan.<br />

As décadas que se seguiram foram de abertura democrática<br />

para o Brasil e para América Latina, abertura de perspectivas<br />

para a pesquisa em Comunicação e fortalecimento dessa pes-<br />

quisa evidenciado pelo aumento dos cursos de graduação e<br />

pós-graduação. Esse momento marcou também um longo si-<br />

lêncio com relação à obra de McLuhan. Menos citado e mais<br />

esquecido, o autor se tornou o capítulo perdido, o pensamen-<br />

to exótico. Alguém para o qual não valia o esforço de olhar ou<br />

entender, os resultados já estavam definidos e os fatores deter-<br />

minados, i.e., alea jacta est.<br />

Mas, é aproximadamente no final dos anos 90, tanto no Bra-<br />

sil quanto em diversos países do mundo, que o pensamento<br />

mcluhaniano passa a ser outra vez relembrado, revisitado e<br />

celebrado. O fenômeno da rede mundial de computadores<br />

pode ter sido o estopim para que o papel do meio de comuni-<br />

cação fosse outra vez revisto no processo comunicacional. As<br />

evidências das profundas transformações que esse novo ca-<br />

nal causou fizeram com que os pesquisadores da área da Co-<br />

municação se voltassem outra vez para obra do “Sábio de<br />

Aquários”, como McLuhan foi jocosamente apelidado, para<br />

buscar chaves de compreensão.<br />

As comemorações do centenário de McLuhan, no ano de<br />

2011, deixaram claras as provas do respeito e da importân-<br />

cia seminal do pensamento do autor para a pesquisa em Co-<br />

municação e de que nem tudo estava tão claro como foi pre-<br />

tendido, dessa forma, a sorte não estava lançada. Diversos<br />

países do mundo programaram eventos para celebrar o ani-<br />

versário do autor, aprofundar o debate sobre sua obra e, cla-<br />

ro, construir mais material de estudos sobre o tema. O reco-<br />

nhecimento da obra do teórico, desde a popularização da<br />

Internet, torna evidente a capacidade desse pensamento dis-<br />

tinto e peculiar de resistir ao tempo e continuar podendo<br />

explicar fenômenos que acontecem tempos depois da morte<br />

desse destacado pensador.<br />

Este livro é resultado das apresentações que aconteceram duran-<br />

te o “Seminário Internacional 100 Anos de McLuhan”, nos dias<br />

10 e 11 de novembro, na Faculdade de Comunicação – FAC, da<br />

Universidade de Brasília – UnB. O Seminário, organizado pela<br />

linha de pesquisa Teorias e Tecnologias da Comunicação, do Pro-<br />

grama de Pós-Graduação da FAC/UnB, teve como objetivo parti-<br />

cipar dos eventos de comemoração à obra desse autor e aquecer<br />

o debate sobre o papel dos meios de comunicação.<br />

Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo Co-<br />

mitê Científico do evento para participar do debate e escrever<br />

artigos para coroar e eternizar o Seminário com esta publica-<br />

4


ção. Os 10 artigos aqui presentes, seguramente, traduzem a ri-<br />

queza dos dois dias de debate travados entre os autores e os<br />

alunos de graduação e pós-graduação, professores, jornalistas<br />

e outros tanto que participaram do Seminário.<br />

Esta publicação está divida em três partes que agrupam os tex-<br />

tos conforme a leitura da obra de McLuhan que eles foram tra-<br />

zendo. A primeira parte – fundamentos – traz reflexões sobre<br />

aspectos e/ou conceitos da obra do autor e mergulham pro-<br />

fundamente nesse debate. Neste sentido, o escrutínio e análise<br />

da obra do autor foi o foco principal destes trabalhos. As ou-<br />

tras duas partes – Aproximações I e II – nos trazem leituras de<br />

fenômenos ou de conceitos a partir do aporte teórico construí-<br />

do por McLuhan. Esses artigos buscam aproximar, discutir e<br />

comparar aspectos do pensamento mcluhaniano com outros<br />

autores, temas e conceitos.<br />

Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos alunos da<br />

graduação e pós-graduação da FAC, especialmente, os que<br />

compuseram o Comitê Científico e Organizador e tornaram<br />

possível a realização desse evento. Agradecemos também o<br />

apoio e os recursos de suma importância concedidos pelo<br />

Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Faculdade<br />

de Comunicação, Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação, da<br />

UnB, e Universidade Católica de Brasília – UCB. Reservamos<br />

também um agradecimento especial à Coordenação de Aper-<br />

feiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES que con-<br />

tribui com os recursos para realização do Seminário e desta<br />

publicação. Finalmente, gostaríamos de agradecer a todos<br />

que participaram do “Seminário Internacional 100 Anos de<br />

McLuhan” e tornaram possível o debate e a celebração do<br />

pensamento de Herbert Marshall McLuhan.<br />

JANARA SOUSA, JOÃO JOSÉ CURVELLO E PEDRO RUSSI<br />

BRASÍLIA, 2012<br />

5


PARTE 1<br />

FUNDAMENTOS<br />

McLuhan en el espacio acústico<br />

JESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ<br />

Contribuição de McLuhan para uma visão<br />

de mundo global e inclusiva<br />

IRENE MACHADO<br />

Explorations e Probes (Encontrando McLuhan)<br />

A. R. TRINTA<br />

McLuhan e as extensões<br />

RODRIGO MIRANDA BARBOSA


McLuhan en el espacio acústico<br />

JESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ<br />

UNIVERSIDAD AUTÓNOMA METROPOLITANA, CUAJIMALPA, MÉXICO<br />

MCLUHAN FELLOW, UNIVERSIDAD DE TORONTO, CANADÁ<br />

JELIZONDO@CORREO.CUA.UAM.MX<br />

Resumen<br />

Este trabajo expone los resultados de una investigación acerca del con-<br />

cepto ‘espacio’ en la obra de H. Marshall McLuhan a cien años de su<br />

natalicio. Creemos que este es un concepto clave que nos permite en-<br />

tender su obra desde una perspectiva innovadora, especialmente atrac-<br />

tiva para artistas y desarrolladores de tecnologías locativas. Discutire-<br />

mos acerca de la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el<br />

espacio abierto (acústico) ayuda a la orientación espacial en contextos<br />

dramáticos de supervivencia. Observaremos los efectos de las tecnolo-<br />

gías locativas en la creación de nuevas prácticas contraculturales en el<br />

contexto de la frontera México-Estados Unidos. Nos referimos específi-<br />

camente al caso de la Herramienta del Inmigrante Transfronterizo de-<br />

sarrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez.<br />

Palabras clave<br />

espacio, frontera, arte público, medios locativos, medios móviles, GPS,<br />

TransborderImmigantToo<br />

7


McLuhan, teórico del espacio<br />

Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes pro-<br />

puestos recientemente en el estudio de la obra de Herbert Mar-<br />

shall McLuhan (1911- 1980) tiene que ver con el concepto de<br />

espacio. Este concepto aparece en el pensamiento de<br />

McLuhan desde el comienzo de su trabajo y evoluciona a la<br />

par que su obra se amplía en temas y complejidad, superando<br />

los límites naturales de la literatura, por un lado y la teoría de<br />

la comunicación, por el otro. El concepto establece un puente<br />

entre la teoría del espacio visual, el cual caracteriza la primera<br />

etapa de su investigación y la teoría del espacio aural (audio-<br />

táctil) de su última fase. Representa una de las contribuciones<br />

menos analizadas, aún cuando se encuentra entre los aspectos<br />

más reveladores del trabajo del erudito canadiense.<br />

Nuestro punto de partida es la hipótesis de que el espacio es<br />

la categoría conceptual más consistente en el trabajo de<br />

McLuhan, y que ese espacio es la noción que enlaza una mul-<br />

tiplicidad de elementos propuestos a lo largo de su pensami-<br />

ento. El interés inicial de McLuhan por el alfabeto -concebi-<br />

do como una tecnología que entre otros efectos, tuvo el de<br />

haber transformado la concepción de espacio- fue comple-<br />

mentado por el hallazgo de la idea de espacio abierto – como<br />

en arquitectura- y espacio acústico –como lo usan los invi-<br />

dentes- así como por los conceptos de tendencias o sesgos es-<br />

paciales y temporales propuestos por Innis para el estudio<br />

de los medios de comunicación. Esto deja ver el interés que<br />

el canadiense mostró por los problemas espaciales - manifes-<br />

tado inclusive durante eventos traumáticos de su vida- y en<br />

su carrera intelectual. En cuanto a la naturaleza del espacio<br />

acústico en particular, es esencial entender que estamos tra-<br />

tando aquí con un concepto híbrido, resultado de lo oral y<br />

literario –modos de ser alfabéticas-, y de que la noción es<br />

más material que abstracta. Esta visión materialista es resul-<br />

tado de la influencia de Innis. No obstante, veremos una se-<br />

paración entre las dos, originada desde la naturaleza misma<br />

de la relación entre espacio y tiempo. Sin embargo, si consi-<br />

deramos a McLuhan un ‘teórico del espacio’, como lo hace<br />

Cavell (2003, 4), puede ser éste un enfoque innovador, inven-<br />

tivo, pero sobre todo creativo. Desde que McLuhan descu-<br />

briera las ideas de SiegfriedGiedion sobre arquitectura: el es-<br />

pacio abierto y cerrado, asumiría que el espacio visual era<br />

sólo una de las múltiples formas del espacio (Cavell); tal es<br />

el caso de la experiencia sensorial que una persona invidente<br />

experimenta en espacios abiertos. Tomando como ejemplo<br />

éste caso, McLuhan desarrollaría más tarde el concepto del<br />

espacio acústico. Y es que había encontrado al fin la forma<br />

de incorporar el tiempo en un modo relacional, dentro de la<br />

configuración espacial a través de las dinámicas de lo acústi-<br />

co. Si el espacio es considerado como ‘el mundo creado por<br />

el sonido’, entonces tenemos que estar conscientes de que<br />

sus características serán totalmente diferentes de aquellas<br />

del espacio visual. Este espacio no tendrá límites fijos o cen-<br />

tro, ni un limitado sentido de la orientación. Además, estará<br />

8


más eficientemente conectada al sistema nervioso central<br />

que cualquier otro elemento visual: la imagen nunca es tan<br />

fuerte como lo es la sensación espacial directa.<br />

En una segunda etapa de este trabajo discutiremos acerca de<br />

la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el espa-<br />

cio abierto - territorio y mapa - ayuda a la orientación espaci-<br />

al en contextos dramáticos de supervivencia. Abundaremos<br />

en el estudio de los efectos que las tecnologías locativas tie-<br />

nen en la construcción de nuevas concepciones culturales en<br />

el contexto de la frontera México- Estados Unidos. Nos referi-<br />

mos específicamente al caso de la llamada Herramienta para<br />

el Inmigrante Transfronterizo (TransborderImmigrantTool) desa-<br />

rrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez. El pro-<br />

fesor Domínguez y su equipo en la Universidad de Califor-<br />

nia en San Diego, había venido trabajando sobre la idea de<br />

orientación en el territorio. Domínguez había encontrado ins-<br />

piración en el proyecto llamado ExcursionistaVirtual (Virtual<br />

Hiker) de BrettStalbaum. El Excursionista Virtual es un apa-<br />

rato basado en tecnología GPS que lee el portátil del ta-<br />

maño de una reloj de pulsera, que “lee” el terreno para lue-<br />

go proponer una ruta a seguir sobre la topografía de la<br />

zona en cuestión. Con esto en mente Domínguez se pregun-<br />

tó si podría adaptar esta herramienta basada en el GPS<br />

para ayudar a los migrantes a cruzar la frontera México- Es-<br />

tados Unidos. Así las cosas, desarrollo su propia versión. La<br />

herramienta debía ser lo más sencilla posible como para po-<br />

der ser usada por cualquier tipo de usuario (letrado o no, ha-<br />

blante de la lengua ingles a o no). La interface fue diseñada<br />

de tal manera que se parece a una brújula y en la manera en<br />

que despliega la información en su pantalla es más pictórica<br />

o icónica que textual. La herramienta también funciona<br />

como detector de zonas de peligro (o elemento localizador),<br />

ya que se activa - vibra - cuando el usuario se acerca a pozos<br />

de agua o carreteras. La orientación es ciertamente un proble-<br />

ma real para los sujetos en la frontera entre dos países, lugar<br />

donde las autoridades llevan a cabo un monitoreo constante<br />

de los movimientos y conductas de los individuos. La herra-<br />

mienta para Inmigrantes trans-fronterizos deja ver algo im-<br />

portante: que conocer la propia ubicación dentro del espacio<br />

es de vital importancia, y también subraya la relevancia de<br />

la elaboración de un mapa mental de la propia ubicación y la<br />

ruta a seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen y de-<br />

fienden el proyecto como una la herramienta de carácter hu-<br />

manitario que ayuda a salvar vidas, no es de sorprenderse<br />

que la extrema derecha norteamericana lo haya interpretado<br />

como una declaración de guerra y ha tomado acciones con-<br />

tra él. Así las cosas su nombre saltó a los medios de comuni-<br />

cación cuando fuera nombrado como una de las personas<br />

más interesantes en 2009 por la cadena de noticias CNN. Él<br />

no sólo ha tenido que enfrentar la amenaza de un juicio le-<br />

gal, sino que también ha sido víctima de amenazas contra su<br />

vida, como resultado del proyecto. Más adelante volveremos<br />

sobre este tema.<br />

9


Sobre el rigor de la ciencia, la geografía y la cartografía<br />

El cuento de Jorge Luis Borges, Sobre el rigor de la ciencia, cuen-<br />

ta la historia de un mapa increíblemente detallado y de ta-<br />

maño real que “eventualmente se rasgó en jirones a lo largo<br />

de todo del territorio que cubría”. Corner – especialista en car-<br />

tografía –, dice al respecto que esta historia es citada frecuente-<br />

mente en ensayos científicos, de cartografía y mapeo. El cuen-<br />

to no solamente captura bellamente la imaginación cartográfi-<br />

ca, sino que va hasta el corazón de la tensión que se establece<br />

entre realidad y representación. Esta premisa deja ver otro<br />

punto que Corner declara muy claramente en su ensayo El<br />

quehacer de la Cartografía: “La realidad, entonces, en concep-<br />

tos tales como ‘paisaje’ o ‘espacio’, no es algo externo y<br />

‘dado’ para nuestra comprensión; más bien está constituido,<br />

o ‘formado’, a través de nuestra participación con cosas: obje-<br />

tos materiales, imágenes, valores, códigos culturales, luga-<br />

res, esquemas cognitivos, eventos o mapas.” (Corner). Esta<br />

cosa que ha sido “formada” constituyen el mapeo y la carto-<br />

grafía. Desde el punto de vista de los Estudios culturales po-<br />

demos decir que estamos ante nuevas relaciones entre cultu-<br />

ras y tecnologías; entre el concepto de lo nacional y lo trans-<br />

nacional, territorios y migraciones. Este nuevo contexto de-<br />

manda un nuevo acercamiento a nuevos fenómenos; son ne-<br />

cesarias nuevas herramientas para pensar nuevos proble-<br />

mas. A menudo el problema de la migración aparece en de dis-<br />

cusiones políticas, económicas y artísticas. Como Canclini<br />

(2009) lo expresa “es difícil de explicar lo que está pasando<br />

con migraciones o con naciones, sin tomar en cuenta los proce-<br />

sos culturales”. Ciencia, tecnologías, territorios, mapas, arte,<br />

gente: Vivimos en medio de tensiones entre la concepción ter-<br />

ritorial de nación y otros conceptos de nación que no son ya<br />

territoriales. ¿Dónde están los nuevos límites? ¿Existe alguno<br />

entre arte y política? Por ejemplo, ¿cómo emergen estas tensio-<br />

nes cuando se hace arte (Augmentedreality) y la aplicación de<br />

la ley? Éstas son algunas de las preguntas que nos interesan.<br />

10


Del espacio visual al espacio acústico<br />

Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes para<br />

examinar los trabajos de McLuhan tiene que ver con el estudio<br />

del espacio. Este concepto aparece desde el principio en el pen-<br />

samiento de McLuhan y evoluciona a lo largo de su trabajo in-<br />

cluso cuando crece hacia cuestiones más amplias y más comple-<br />

jas; más allá de los límites naturales de la literatura por un lado,<br />

y la teoría de la comunicación por el otro. Este concepto propor-<br />

ciona un puente entre la teoría de lo visual – característica del<br />

primer período – y el espacio auditivo del último período. Es<br />

también uno de los conceptos menos explorados y uno de los<br />

más enriquecedores.<br />

Tanto McLuhan mismo como su trabajo académico han sido es-<br />

tudiados y criticados desde muchas perspectivas, pero sólo al-<br />

gunos han puesto énfasis en la importancia que la noción del<br />

espacio ha tenido en la totalidad de su trabajo. Lo atractivo acer-<br />

ca de la idea del “espacio acústico” es que describe un espacio<br />

abierto y por lo tanto, permite discutir la cuestión de la medi-<br />

ción y el movimiento a través de “espacio-tiempo” y la veloci-<br />

dad. La noción del espacio acústico desarrollada por McLuhan<br />

se deriva de la descripción del “espacio auditivo” de la psicolo-<br />

gía conductista de E. A. Bott en la Universidad de Toronto. La<br />

idea de Bott dibuja en un espacio auditivo que no tiene centro o<br />

márgenes, de manera similar a cuando escuchamos sonidos<br />

que provienen de todas direcciones al mismo tiempo. Esta idea<br />

atrajo la atención de McLuhan inmediatamente, quien ya esta-<br />

ba trabajando con las ideas de SigfriedGiedion sobre el tema.<br />

Como veremos más adelante, McLuhan desarrollará primero la<br />

idea de “espacio auditivo” hasta conformar la noción de “espa-<br />

cio acústico”, con el fin de hacer su naturaleza abstracta más<br />

“dramática”, tal como Theall (2002) lo sugiere.<br />

McLuhan in Space A cultural Geographyes el título del libro escri-<br />

to por Richard Cavell (2003). En él Cavell plantea la hipótesis<br />

de que el espacio es la categoría conceptual más consistente a<br />

lo largo de todo el trabajo de McLuhan, y que es la noción que<br />

entrelaza una multiplicidad de elementos a lo largo de toda<br />

su obra. Nosotros estamos de acuerdo con esta idea y la usa-<br />

mos en este trabajo como premisa básica. Para comenzar la<br />

búsqueda de los orígenes de esta idea debemos echar un vista-<br />

zo al influente libro del escritor, artista y crítico cultural<br />

Wyndham Lewis Time and Western Man (1927). Cabe mencio-<br />

nar aquí que el pensamiento de Lewis estaba alejado de la filo-<br />

sofía analítica de la época con Alfred N. Whitehead y Ber-<br />

trand Russell la cabeza, así como del pragmatismo psicologis-<br />

ta de William James. Durante sus estudios de posgrado,<br />

McLuhan conoció las ideas post einsteinianas acerca del espa-<br />

cio, el tiempo y la energía, que comenzaban a revolucionar<br />

toda la disciplina de la física moderna. También se familiarizó<br />

con el trabajo del historiador y arquitecto Suizo SiegfriedGie-<br />

dion, particularmente con el concepto de “espacio cerrado”<br />

(citado en Elizondo, 2009). El entusiasmo por estos estudios<br />

se vio reforzado con la lectura de la obra de Harold A. In-<br />

nis, quien impulsó la idea de “tendencias” o sesgos tanto<br />

11


espaciales como temporales en los medios de comunicación<br />

atrayendo así, la atención de McLuhan al campo del trans-<br />

porte y las tecnologías de comunicación.<br />

Cavell sugiere que se llevó a cabo algún tipo de colaboración<br />

entre McLuhan y Edmund Carpenter -quien entonces estudia-<br />

ba el sentido de espacio en comunidades Inuit de Canadá-.<br />

Theall señala la importancia de esta colaboración para las ar-<br />

tes, poesía, geometría y física: “Carpenter contribuyó con las con-<br />

cepciones que los indígenas Inuit, tenían sobre el espacio acústico;<br />

McLuhan elaboró su visión sobre la relación de las artes contempo-<br />

ráneas y la poesía, con la geometría cuatri-dimensional y la nueva<br />

física.” (Theall, 2002). Creemos que la colaboración con Car-<br />

penter fue esencial para McLuhan pues lo puso en contacto<br />

con grupos indígenas y su modo de vida—en donde el espa-<br />

cio acústico adquiere una dimensión esencial— y detonó la vi-<br />

sión idealizada de la vida (oral) tribal, que se convirtió en una<br />

referencia constante en toda su obra.<br />

Sobre la naturaleza del espacio acústico, Cavell enfatiza que<br />

se trata de un concepto híbrido entre los modos orales y letra-<br />

dos —o literarios—, y que es una noción más material que abs-<br />

tracta (Cavell, 2002, xiv). Este argumento difiere de la percep-<br />

ción general que eruditos tienen sobre este tema. El materialis-<br />

ta punto de vista de Cavell se debe a la influencia de Harold<br />

A. Innis. De cualquier modo, una ruptura entre los dos emer-<br />

ge debido a las diferencias en la naturaleza de espacio-tiem-<br />

po. Incluso así, tratando las obras de McLuhan y considerán-<br />

dolo como un “teórico del espacio” como lo hace Cavell (Ca-<br />

vell, 2003, 4), provee un acercamiento fresco y especialmente<br />

creativo, dado por el hecho de que el trabajo de McLuhan ha<br />

sido estudiado casi exclusivamente dentro del marco de las<br />

ciencias de la comunicación y los medios electrónicos, muy le-<br />

jos del campo propio de la geografía. El interés inicial de<br />

McLuhan en el efecto del alfabeto como tecnología que<br />

transformó el concepto de espacio, vino a ser complementa-<br />

do con el descubrimiento de la noción de espacio acústico.<br />

Además, los conceptos de sesgos o tendencias a lo espacial<br />

o temporal expuestas por Innis, nos deja ver el amplio inte-<br />

rés de McLuhan por los problemas del espacio en particu-<br />

lar. Cavell dice<br />

“la evolución de estos intereses hacia una preocupación más amplia<br />

por la ‘espacialización’ es coherente con la trayectoria total de su<br />

carrera intelectual, así como con las más amplias corrientes cultura-<br />

les de su tiempo” (Cavell, 2003, 4).<br />

En el campo de la literatura, McLuhan puntualizó que el<br />

movimiento modernista representaba la transición desde<br />

una cultura orientada por lo visual y la palabra escrita, ha-<br />

cia una cultura electrónica con una tendencia a lo acústico.<br />

De manera similar, el Renacimiento fue el paso de transi-<br />

ción entre la palabra hablada característica de la sociedades<br />

tribales, al nacimiento de una cultura alfabetizada en la<br />

que el ojo sería llamado a dominar. Ahí hay una tendencia<br />

a enfatizar la simultaneidad en textos lineales, como en las<br />

12


obras de James Joyce (Ulysses, 1992, Finnegan’s Wake, 1939)<br />

y Stéphane Mallarmé (Un coup de désjamaisn'abolira le ha-<br />

sard, 1897). Estos autores y sus escritos son una referencia<br />

constante en el trabajo de McLuhan.<br />

De acuerdo a Cavell, McLuhan tuvo una “revelación” cuando<br />

entró en contacto con las ideas de Gideon en arquitectura, es-<br />

pacio abierto y el espacio cerrado. Después de esto, asumió<br />

que el espacio visual es sólo una forma de espacio. Por lo tanto, la<br />

experiencia sensorial experimentada por una persona inviden-<br />

te en espacios abiertos, como por ejemplo en estadios, es una<br />

en la que un espacio auditorio no tiene límites físicos y es ade-<br />

más, multi-lineal. Desde esta idea, McLuhan desarrollará el<br />

concepto de espacio acústico. Este concepto será después ajus-<br />

tado en La Aldea Global al concepto de espacio audio-táctil. Si<br />

observamos el espacio como “el mundo creado por el soni-<br />

do”, entonces debe estar claro que sus características son<br />

completamente diferentes al espacio visual. Carece de lími-<br />

tes fijos, no hay centro y hay un muy limitado sentido de di-<br />

rección. Adicionalmente, el espacio visual está más directa-<br />

mente conectado con el sistema nervioso central que cual-<br />

quier otro estímulo visual: la imagen no es tan poderosa<br />

como la directa sensación espacial. Cuando en el contexto de<br />

las tecnologías electrónicas McLuhan dice que la fuerza audi-<br />

tiva aniquila el espacio, en realidad se está refiriendo al espa-<br />

cio visual. Esta perspectiva se aproxima a la concepción post<br />

einsteniana del espacio-tiempo (donde ambas colapsan).<br />

Para Cavell, la obra de McLuhan Comprendiendo a los Medios,<br />

es la afirmación de que tiempo y espacio desaparecen en la<br />

era electrónica de información instantánea. Así, “el espacio<br />

acústico encapsula al tiempo en una dinámica de flujo cons-<br />

tante” (Cavell, 2003, 22).<br />

Ambos McLuhan e Innis fueron críticos de la modernidad y<br />

para sostener esta crítica inventaron una versión particular de<br />

teoría crítica con un fuerte rasgo canadiense: la fusión de la<br />

política económica y algunos de los críticos racionales de la<br />

Escuela de Frankfurt. McLuhan, sin embargo, no abogó por el<br />

retorno de valores de la palabra hablada / temporalidad<br />

como Innis hubiese deseado. Al contrario, trató de difundir la<br />

idea Inniana de que la característica de la sociedad contempo-<br />

ránea es el espacio; se trata entonces de reconfigurar el espa-<br />

cio (visual) en términos de lo acústico, el cual es el efecto de la<br />

tecnología electrónica en la cultura visual. De hecho, Cavell<br />

cita un enunciado de Comprendiendo los Medios donde<br />

McLuhan dice que el efecto de la tecnología contemporánea<br />

es dejarnos sin habla, mudos (Cavell, 2003, 25).<br />

La crítica marxista a la teoría del espacio resalta el argumento<br />

de que el estudio del espacio deja el concepto de tiempo —<br />

que organiza el trabajo humano— en segundo plano,<br />

McLuhan estaría entonces, superponiendo el entorno material<br />

a la evolución histórica.Este énfasis en el entorno material (es-<br />

pacial) es lo esencial para la producción social y cultural con-<br />

temporáneas (Cavell, 2003, 24). El entorno no es otra cosa más<br />

que el contexto creado por los medios electrónicos que aparen-<br />

13


temente no percibimos. Parece que McLuhan fue criticado por-<br />

que su idea de espacio puede sonar estática, y sólo el trabajo,<br />

el dinero y la acción social pueden ser procesos dinámicos. Pe-<br />

ro esta crítica [argumenta Cavell] revela que la naturaleza di-<br />

námica del espacio planteada por McLuhan no ha sido com-<br />

prendida adecuadamente. “Era espacio visual, por consiguiente,<br />

lo que McLuhan criticaba. Era el espacio visual el que era estático,<br />

no per se el espacial (…) él se vio a sí mismo trabajando dentro<br />

de las tendencias espaciales, pero en contra del espacio visu-<br />

al.” (Cavell, 2003, 26). McLuhan desarrolló su crítica desde las<br />

cualidades espaciales del sonido; un espacio que incorpora lo<br />

temporal como una de sus dimensiones. Para él, la Aldea glo-<br />

bal estaba constituida por una paradoja fundamental; está<br />

situada en una dinámica simultánea y en un lugar espacial,<br />

lo que implica concebir un concepto cosificado y situado en<br />

un espacio y tiempo. De este modo, si el espacio en la Moder-<br />

nidad era sincrónico, en el Post-Modernismo el espacio es dia-<br />

crónico, debido a que que la yuxtaposición de historias será<br />

su característica principal. A partir de aquí podemos decir que<br />

la Naturaleza pasa a pertenecer a la Cultura, por el que ya no<br />

es posible hablar de ambas nociones como fenómenos separa-<br />

dos. Ésta será la dinámica característica de la Aldea global.<br />

McLuhan buscó analizar no sólo la forma en que la sociedad<br />

produce espacios sino también cómo las tecnologías espacia-<br />

les producen a la sociedad misma.<br />

Arte, el artista y el territorio<br />

Si la pregunta básica que McLuhan hizo fue "¿Qué efectos tiene<br />

cualquier medio, como tal, en nuestra vida sensorial?" (Nevitt,<br />

1995, 143), la respuesta se encuentra en los cambios que se<br />

generan en la percepción del espacio y en la idea de que el<br />

espacio es el medio en el que la comunicación se realiza.<br />

Las relaciones espaciales son más que simplemente relaciones<br />

perceptuales entre objetos pues además implican la noción de<br />

perspectiva. McLuhan afirma que los efectos de la tecnología<br />

no se producen a un nivel de opiniones o conceptos, sino que<br />

modifican las relaciones de sentido o patrones de percepción<br />

constantemente y sin ninguna resistencia” (1964, 33). Los artis-<br />

tas, a diferencia de otras personas, ven esto claramente. De<br />

acuerdo a él, ellos son la única gente que domina las transicio-<br />

nes tecnológicas porque tienen un entendimiento innato de la<br />

mecánica de la percepción sensorial. (1964, 33). Para<br />

McLuhan, fue la imprenta —no el contenido impreso— lo que<br />

produjo una división entre el sentido auditivo y las experienci-<br />

as visuales. Éste medio produjo un sentido de individuación y<br />

un sentido de continuidad entre espacio y tiempo (1964, 86-<br />

87). Para otra persona interesada en la teoría cultural sobre el<br />

espacio y el tiempo, la novelista GertrudeStein, el único aspec-<br />

to que ella creía que cambia de una generación a otra, es nues-<br />

tra percepción sensorial, o lo que ella llamó nuestro “sentido<br />

del tiempo” (time-sense). Ella definió “visión” como lo dinámi-<br />

co en el sistema creativo que transformó nuestro sentido del<br />

tiempo y que produjo nuevas escuelas de pensamiento y arte<br />

14


(“Composition” 513). McLuhan también atribuye un lugar es-<br />

pecial al rol del artista en la transgresión y subversión del or-<br />

den establecido: ‘…Es posible relacionarnos con el entorno<br />

como una obra de arte…’, escribió. ¿Cómo es que la función<br />

del artista atenta contra el orden espacial? En el Renacimien-<br />

to, el arte, la arquitectura y la horticultura usaron un punto fo-<br />

cal único como medio para representar la perspectiva, pero<br />

este único punto de vista anula el movimiento. Las tecnologí-<br />

as más recientes tienen un efecto continuo en nuestras nocio-<br />

nes de perspectiva como algo dinámico y a la vez localizado.<br />

La ciencia del cuerpo en movimiento en los espacios del mun-<br />

do crea múltiples, cambiantes puntos de vista, y trayectorias<br />

del sujeto, el cual, por definición, no puede quedar fijo excep-<br />

to en un lugar y un tiempo; ese lugar particular es ‘ahora’. Por<br />

esto los nuevos medios no usan la perspectiva como elemento<br />

para la orientación, sino que eligen en su lugar la desorienta-<br />

ción y la desvinculación. Un punto de vista, por definición, ha<br />

sido siempre fijado en un tiempo dado, pero la dinámica de la<br />

naturaleza de la desorientación implica dimensiones transfor-<br />

madoras espaciales a momentos ilimitados en el espacio. El<br />

movimiento es una forma de perspectiva desorientada en los<br />

nuevos medios de comunicación.<br />

El dominio del espacio geográfico a través de la manipulación<br />

de sus datos es algo que damos por hecho—y que incluso cele-<br />

bramos—en un mundo rico en información. La historia nos<br />

ha enseñado que sin embargo que la “sistematización de la in-<br />

formación geográfica resulta común en una centralización del<br />

control y en la pérdida de autodeterminación local” (Butt 30).<br />

Michel Foucault (1923- 1984) le dio al clavo cuando propuso<br />

que el panóptico contemporáneo operaba desde dentro de no-<br />

sotros. Vivimos ahora en la “cultura de la cámara de vigilan-<br />

cia”, culturas donde todo es observado, monitoreado, graba-<br />

do, supervisado y controlado. En el periodo comprendido en-<br />

tre el año 1989 y 1993, los militares estadounidenses lanzaron<br />

24 satélites a órbitas alrededor de la Tierra para establecer un<br />

sistema global posicional o GPS—sistema de mapeo- ahora<br />

aparentemente considerado inocuo por la mayoría de las per-<br />

sonas y felizmente abrazado por individuos en movimiento<br />

alrededor del mundo con tecnologías móviles. En mayo de<br />

2010, el primer sustituto de esa red fue enviado al espacio ex-<br />

terior. Si los satélites originales daban una fidelidad cartográfi-<br />

ca tridimensional exacta hasta 6,096 metros (20 pies), las nue-<br />

vas y mejoradas versiones incrementarán nuestra habilidad<br />

para ver de forma precisa hasta 0,091 metros (3 pies) (Ver Goo-<br />

gle Earth Blog). No es fortuito que ésta última tecnología carto-<br />

gráfica fuese un dispositivo militar. La experiencia de “ser en-<br />

contrado” o “ser seguido” son muy diferentes a la de orientar-<br />

se uno mismo en el espacio geográfico…<br />

15


Una herramienta portátil para el inmigrante<br />

transfronterizo<br />

El artista Ricardo Domínguez y su equipo en la ciudad de San<br />

Diego, California se interesaban por el desplazamiento y la ori-<br />

entación como aspectos del trabajo artístico. Inspirado en el<br />

proyecto Excursionista Virtual de BrettStalbaum, que lee el ter-<br />

reno de un área –vía satélite- y genera una propuesta de cami-<br />

no a seguir en la topografía, Domínguez se preguntaba si po-<br />

dría adaptar esta herramienta móvil para ayudar a la los mi-<br />

grantes que cruzan diariamente la frontera México-Estados<br />

Unidos. Lo que crearon lo bautizaron con el nombre de Herra-<br />

mienta para el Inmigrante Transfronterizo. Domínguez seleccionó<br />

un teléfono celular barato que tuviera la función GPS sin una<br />

base de datos. Adaptó el Motorola i455 y lo usó para interferir<br />

el sistema GPS. La herramienta debía ser tan universal que<br />

cualquier usuario—letrado o analfabeta, mexicano o chicano,<br />

hispanohablante o no—pudiera usarla. Tenía una interface icó-<br />

nica visual que se asemeja a una brújula. La herramienta tam-<br />

bién actúa como detector de agua, que vibra cuando se acerca<br />

al agua o a refugios, y alerta al usuario cuando se acerca a una<br />

carretera. El grupo contaba con fondos para ensamblar 500<br />

unidades y estuvo trabajando con el grupo de un conocido<br />

grupo de apoyo a migrantes, los Ángeles de la Frontera (Borde-<br />

rAngels) y otras organizaciones humanitarias que proveían de<br />

agua y otros enseres necesarios a los caminantes en el desier-<br />

to, además de informarles de la existencia de esta herramienta<br />

de navegación.<br />

La herramienta cuenta con múltiples usos y funciones que<br />

han sido desarrolladas una por una por el grupo de Domín-<br />

guez. Ellos están adquiriendo datos geográficos de la zona<br />

que les permitirá mapear la frontera Mexicano-Estadouniden-<br />

se para que el GPS los pueda usar; está investigando la ubica-<br />

ción de las redes de apoyo e infraestructuras actuales de vigi-<br />

lancia trans-fronteriza; está ubicando los lugares con alimen-<br />

tos y pozos de agua comunitarios; escribe el código y prueba<br />

la precisión de los mapas y unidades; crea interfaces duales<br />

en Inglés y en Español; prueba la herramienta; y la distribuye<br />

a las comunidades más susceptibles a cruzar la frontera (Ho).<br />

Interfiriendo datos de satélites y robando esa información<br />

(hacking) y haciéndolos disponibles, la Herramienta para el Inmi-<br />

grante Transfronterizo<br />

añade una nueva capa de recursos a esta geografía virtual<br />

que permitirá a segmentos de la sociedad global, que habi-<br />

tualmente están fuera de este emergente enrejado de poder<br />

híper-poder-geográfico de mapeo alcanzar un rápido y simple<br />

acceso con el sistema GPS. Herramienta del Inmigrante<br />

Transfronterizo no sólo ofrece acceso a este emergente seg-<br />

mento de la economía del mapeo sino que añadirá un nue-<br />

vo elemento un “algoritmo inteligente” que podrá analizar<br />

las mejores rutas y senderos de ese día y hora para inmi-<br />

grantes a cruzar este accidentado paisaje, de la forma más<br />

segura posible (thing.net).<br />

La orientación, el movimiento en el espacio, es un problema<br />

permanente en esta zona fronteriza entre los dos países donde<br />

16


la vigilancia es el modusoperandi. Todos los movimientos son<br />

vigilados y el movimiento es monitoreado incesantemente. La<br />

Herramienta para el Inmigrante Transfronterizorevela que “sim-<br />

plemente conocer el lugar donde uno mismo se ubica es un<br />

privilegio” (Ho) y demuestra lo realmente vital y peligroso<br />

que es hacerse cargo uno mismo de su ubicación y su ruta a<br />

seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen el aparato<br />

en específico y al proyecto en general como una herramienta<br />

humanitaria diseñada para ayudar a salvar vidas, no es de sor-<br />

prender que haya sido interpretada por la extrema derecha Es-<br />

tadounidense conservadora como un acto bélico y una afrenta<br />

a la seguridad nacional. Nombrado por CNN como una de las<br />

personas “más interesantes” de 2009 Domínguez, quien es<br />

profesor invitado del departamento de Artes visuales de la<br />

Universidad de California en San Diego, no sólo ha sido ame-<br />

drentado con acciones penales en su contra, sino que ha recibi-<br />

do amenazas de muerte y está en peligro de que su posición<br />

en la universidad sea revocado debido a este delicado asunto<br />

y a otros proyectos similares. Esta herramienta sostiene no<br />

obstante, es completamente legal; esgrime los siguientes ar-<br />

gumentos y premisas:<br />

Una larga historia en el arte de caminar, disturbios fronteri-<br />

zos y medios locativos de comunicación. El tema aquí es<br />

un interesante vínculo formado entre valores humanita-<br />

rios y valores artísticos. Mientras Domínguez declara que<br />

“Todos los inmigrantes que de algún modo pudieran parti-<br />

cipar en este proyecto, de cierta manera contribuirían a<br />

crear un vasto paisaje de naturaleza estética” dadas las<br />

múltiples capas de comunicación (icónicas, sonoras, vibra-<br />

torias) y la forma en que el algoritmo de la herramienta<br />

puede ayudar al usuario a encontrar “una ruta más estéti-<br />

ca,” [él dice], yo sugeriría que el valor artístico emergiera<br />

desde su más profundo vínculo con el aspecto humanita-<br />

rio. La Herramienta del Inmigrante Transfronterizo subvierte<br />

los modismos habituales de los medios locativos e interac-<br />

tivos (tales como “realidad virtual”) para revelar lo virtual<br />

virtual – en el sentidoDeleuziano (el cual es bastante dife-<br />

rente) – de los medios locativos de comunicación. Y lo vir-<br />

tual, aquí, es guerra (Ho).<br />

Actualmente en muchas ciudades, artistas de medios digitales<br />

siguen interesándose por el sentido del espacio (y los lugares)<br />

y por este entramado complejo, constituido en buen aparte pe-<br />

ro únicamente, por los dispositivos que compran, reescriben,<br />

reinventan, acoplan, dividen y reasignan información perma-<br />

nentemente. Algunas ciudades tienen un pasado tan complejo<br />

que mapear su historia se ha vuelto el tema de obras de me-<br />

dios digitales, de medios locativos de comunicación y del arte<br />

in situ. Los medios digitales poseen habilidades únicas para<br />

“trascender los límites de tiempo, espacio y hasta de lengua-<br />

je… para mediar rupturas producidas históricamente que vin-<br />

culan pasado y presente” (FayeGinsberg, citado enMeek 21).<br />

17


Prácticas Geo-espaciales y arte público<br />

El estudio del espacio se está volviendocada vez más impor-<br />

tante para el arte, los negocios y el pensamiento contempo-<br />

ráneo. Conforme nuestro entrono urbano se vuelve cada vez<br />

más complejo, debido en parte a que nuevas capas de informa-<br />

ción se sobreponen en nuestro entorno cotidiano, los medios<br />

locativos pueden servir como estrategias para nuestra reinser-<br />

ción en el paisaje citadino. McLuhan sitúa el nacimiento de la<br />

ciudad a la par del de la escritura (1964, 99), y Bruno Latour<br />

ve los mapas como una forma de anotar el mundo. En el nue-<br />

vo espacio de la información, no obstante, los mapas basados<br />

en texto e imagen se han fusionado ya para dar origen a un<br />

nuevo tipo de coordinación: un sujeto en movimiento que va<br />

escribiendo en el espacio. Si bien la cartografía buscó fijar la<br />

ciudad sobre un soporte físico, ahora mediante encuentros ur-<br />

banos se explora más bien los flujos, su fluidez. Los movimien-<br />

tos contraculturales característicos de los espacios urbanos<br />

desde el grafiti hasta los juegos de “geocaching” y el movimien-<br />

to contracultural a favor de los peatones llamado “psychogeo-<br />

graphicwanderings” hasta el Parkour (arte de trepar por objetos<br />

y mobiliario urbano) han hecho del espacio público una for-<br />

ma radicalmente nueva para pensar la vinculación creativa y<br />

activa en entre cuerpos, tecnologías y relaciones dinámicas.<br />

A pesar de la mala reputación de los medios digitales como<br />

una forma que niega el cuerpo y valora la dispersión de la<br />

información en la Red, ahora hay “una tendencia hacia re-<br />

pensar la importancia del lugar y el hogar, ambos como parámetros<br />

geo-imaginarios y socio-culturales” (Thielmann 5).<br />

Los medios locativos de comunicación son la antítesis de la filosofía<br />

“Vivir sin Límites” eslogan publicitario que compañías<br />

trasnacionales como LG y otras compañías multinacionales<br />

nos quieren hacer creer que deseamos. Los medios locativos<br />

se han erguido en la última década como una respuesta a la<br />

inmaterialidad del net.art basado en códigos y la desregulación<br />

del mundo bajo la globalización. Abundantes datos geoespaciales<br />

y tecnologías móviles manufacturadas de forma barata<br />

han hecho de la información cartográfica un bien accesible<br />

de forma gratuita. Durante mucho tiempo, una de las palabras<br />

de moda era la llamada ‘realidad virtual’ de la cual, la<br />

gente acuñó el concepto de simulación y de la creación de<br />

mundos alternativos. Ahora la moda es todo lo que tenga que<br />

ver con ‘realidad aumentada’ (augmentedreality); un mundo real<br />

pero con información adicional desplegada sobre la pantalla<br />

del dispositivo móvil en tiempo real. Este es un mundo<br />

sobre en el que nos podemos inscribir nosotros mismos. De<br />

forma opuesta a la World Wide Web, el centro aquí está localizado<br />

espacialmente, y centrado en cada usuario individual; una<br />

cartografía colaborativa del espacio y las mentes individuales,<br />

los lugares y las conexiones entre ellos” (citado TutersyVarnelis<br />

357). De hecho, en algunos círculos, la red geo-espacial ha<br />

sido anunciada como el próximo gran espacio tecnológico, espacio<br />

donde los artistas de medios locativos fungirán como<br />

los grandes detonadores de la nueva tercera ola de las tecnologías<br />

de Internet (TutersyVarnelis 358). Lo medios locativos<br />

usan tres formas diferentes de mapeo: 1. La anotación, que<br />

añade algo al mundo; 2. La fenomenológica, que ubica algo en<br />

18


el espacio identificando el movimiento de un objeto o sujeto<br />

en el mundo; y 3. El movimiento o desempeño en medios locativos<br />

puede ser claramente conectado a la práctica situacionista<br />

de vagar hasta perderse, un acto psicogeográfico. Marc Tuters<br />

y KazysVarnelis equiparan los dos primeros tipos de mapeo—anotación<br />

y fenomenología—con las otras “prácticas situacionistas<br />

de détournementy la derive” (359). Los situacionistas<br />

fueron un grupo de artistas radicales y filósofos que vivieron<br />

en y cerca de París durante los años 50 hasta los 70. Su líder<br />

pensador GuyDebord definió el movimiento como “un<br />

proyecto efímero: antiestético, no-objeto, basado en lo no-artefacto,<br />

de creación colectiva con un nuevo énfasis en el ego. Su<br />

finalidad es la creación de un nuevo ‘tú’ politizado” (Debord<br />

99). En su manifiesto Sociedad del Espectáculo, Debord llama a<br />

un arte participativo que liberará las masas del entumecimiento<br />

que los medios masivos de comunicación les han impuesto.<br />

Debido a que la meta del situacionismo era romper el cuarto<br />

muro (el público) de la cultura del espectáculo, sus ideas están<br />

en boga como cultura participativa y a la para de la cultura-<br />

Web 2.0 (“user-generated”).<br />

Si bien estas tres prácticas geo-espaciales no necesariamente<br />

se ajustan perfectamente a la definición de actividades mediá-<br />

tico-locativas, sí al menos nos liberan de la lógica Cartesiana<br />

(cartografía clásica) y permiten que nos familiaricemos con<br />

la lógica que implica pensar en mapas dinámicos. Los mapas<br />

estáticos del pasado privilegiaron al espacio (visual) en detri-<br />

mento del tiempo. Los nuevos mapas de datos, sin embargo,<br />

plantean también problemas específicos, como Coco Fusco<br />

ha observado en una crítica sobre los peligros de los medios<br />

locativos de comunicación, “el acto mismo de mirar el mun-<br />

do como un mapa ‘elimina el tiempo, se enfoca desproporcio-<br />

nalmente en el espacio y deshumaniza la vida”’ (2004, citado<br />

en Mitew 5). Los medios locativos pueden permitirnos re-<br />

correr un camino donde podamos volver a poner la aten-<br />

ción en su sito adecuado, es decir en la información, los da-<br />

tos. De tal suerte que podamos abrir un intervalo temporal<br />

(time-lag) entre la geografía real y nuestras interacciones con<br />

el espacio de información; un intervalo donde podríamos in-<br />

sertar estrategias contraculturales en forma de “contrama-<br />

peos” (countermappings) frente a las narraciones oficiales e<br />

historias fijas tradicionales. Es en este contexto de apertura<br />

que podríamos volvernos no sólo simples participantes, sino<br />

autores de nuestro propio espacio. Bruno Latour y otros teóricos<br />

dan un paso más allá al preguntarse si no será más bien, que<br />

los mapas preceden al territorio que “representan” o bien ¿lo<br />

producen? (Noviembre 2)Ellos argumentan que las tecnologí-<br />

as digitales han reconfigurado la experiencia del mapeo en<br />

una “plataforma de navegación” (Noviembre 4). Todas las inter-<br />

faces digitales, que incluyen bases de datos, pantallas tácti-<br />

les y teléfonos móviles, actúan como “tablero[s] de mando per-<br />

mitiéndonos navegar a través de grupos de información total-<br />

mente heterogéneos que son actualizados en tiempo real y lo-<br />

calizados de acuerdo a nuestras consultas específicas. (Novi-<br />

embre 4). Algunos de estos argumentos resultan convincen-<br />

tes y hay que considerar que han sido elaborados para dar<br />

cuenta de los aspectos fuera de la Web, demostrando esto la<br />

19


capacidad de funcionar como lo hace el viejo grafiti en espa-<br />

cios urbanos. Un tipo de arte público, contracultural, crudo,<br />

indisciplinado políticamente y situado:<br />

Los intercambios entre el grafiti contemporáneo y los nue-<br />

vos medios de comunicación abarcan un amplio rango de<br />

tecnologías (fotografía digital y video, sitos Web, teléfonos<br />

móviles, medios locativos, juegos digitales) […] Como prác-<br />

tica cultural, el grafiti también permite una reasignación del<br />

espacio urbano, abasteciendo los nuevos medios de comuni-<br />

cación con fructíferos modelos para la negociación de los<br />

actuales espacios urbanos y redes de información descentra-<br />

lizadas.” (MacDowall 138).<br />

Conclusiones<br />

Los días cuando el arte público consistía en un monumento des-<br />

cuidado o en una fuente solitaria en una plaza se han ido desde<br />

hace tiempo. La escultura social, los medios locativos de comu-<br />

nicación y el arte público, rompen los límites tradicionales en-<br />

tre el arte-objeto, su uso y sus nuevas propiedades, de modo tal<br />

que nacen nuevas estéticas relacionales. Es reconfortante saber<br />

lo que Domínguez publicó el 12 de Noviembre de 2010 en la pá-<br />

gina de internet laboratorio b.a.n.g (Bits.Atoms.Neurons.Genes):<br />

“Estimadas comunidades de apoyo, Nosotros (EDT/b.a.n.g.<br />

lab/yo) nos complacemos en reportar que la Cyber-división del<br />

FBI ha terminado su “investigación” el 4 de Marzo de 2010 VR<br />

Sit-In performance. […] Ciertamente [es] algo que nosotros en las<br />

comunidades de la UC [Universidad de California] debemos<br />

tomar en cuenta la próxima vez que creemos cualquier arte ha-<br />

ga una crítica al orden institucional institucional en la forma de<br />

crítica-como-acción-directa (al menos en los mundos de las rea-<br />

lidades aumentadas). Una vez más agradecemos a todas las co-<br />

munidades por su apoyo tanto en la UCSD / UC como alrede-<br />

dor del mundo. Mucha [sic] gracias, EDT/b.a.n.g. lab y yo. P.D.<br />

¡La Lucha Sigue!” Ciertamente.<br />

La información nos rodea de manera dinámica todos los días<br />

en cada aspecto de nuestras vida. La video-vigilancia, los me-<br />

dios locativos o medios inalámbricos así como las pantallas de<br />

computadora y el video son ya fenómenos ubicuos en los cen-<br />

tros urbanos y sobre grandes territorios. Los entornos urbanos<br />

20


son cada vez más ricos en información, están conectados en<br />

red y contienen y generan múltiples historias que cruzan a lo<br />

largo de muy diversos ámbitos identitarios: raciales, de géne-<br />

ro, geopolíticos y culturales. Éstas son las redes de informa-<br />

ción que constituyen el espacio psicogeográfico. ¿Cómo pue-<br />

de esta riqueza informacional del espacio urbano relacionarse<br />

con el individuo urbanita para crear posibles estrategias para<br />

salvar vidas? Debord vio en las psicogeografías el potencial<br />

para la contra-acción de los efectos antiestéticos de los medios<br />

masivos de comunicación porque son “el punto en el que la<br />

psicología y la geografía colindan, [proveyendo] el instrumen-<br />

to para explorar el impacto que el espacio urbano tiene en la<br />

conducta humana” (Debord). En términos contemporáneos, el<br />

compromiso psicogeográfico no es diferente a la cultura parti-<br />

cipativa—una cultura que elimina la noción y condición de au-<br />

diencia (à la Alan Kaprow) y nos reinserta en los espacios de<br />

la historia como autores y sujetos interactuantes. En su obra<br />

de 1966 titulado “Notas sobre la Eliminación de la Audien-<br />

cia”, Kaprow explora su invención de los ‘happenings’, even-<br />

tos artísticos en los que la audiencia participa. Estos eventos<br />

fueron propuestos para crear una experiencia intensa, “incre-<br />

mentada” donde los interactuantes pudieran fusionarse con el<br />

espacio-tiempo del performance. Él abogaba por que todas las<br />

audiencias deberían ser completamente eliminadas y los indi-<br />

viduos deberían volverse participantes. Para no confundirse<br />

con el teatro o el performance, los Happenings de Kaprow eran<br />

improvisados en el momento como los niños imaginativamen-<br />

te juegan al tiempo que siguen los parámetros de un guión pre-<br />

definido. Las tecnologías digitales podrían permitir este tipo de<br />

vinculación con un lugar o evento de forma personal y virtual.<br />

Las tecnologías móviles que han surgido desde 2008 están<br />

ahora posibilitando que los medios locativos, el mapeo de rea-<br />

lidad aumentada así como las herramientas de las redes socia-<br />

les queden al alcance de cada individuo conectado en red en<br />

todo momento. Su potencial como un vehículo para navega-<br />

ción espacial es muy importante. Los medios locativos nos do-<br />

tan con la capacidad de “formar y organizar el mundo real y<br />

el espacio real” (Ben Russell citado enTutersyVarnelis 357).<br />

“Las fronteras reales, los límites y el espacio se vuelven flexi-<br />

bles y maleables, la fuerza del Estado se vuelve fragmentada<br />

y global; la geografía se vuelve interesante [atractiva]; los telé-<br />

fonos celulares tiene cada vez mayor conexión a Internet y a<br />

los sistemas localizadores; todo en el mundo real puede ser se-<br />

guido, etiquetado, codificado en barras y asignado.” (Ben Rus-<br />

sell citado enTuters and Varnelis 357). El novelista Peter<br />

Ackroyd habla de la “resonancia cronológica” de las ciuda-<br />

des, el espacio donde el lugar, historia e identidad convergen.<br />

Mediante la mezcla de información, la identificación de histo-<br />

rias en lugares geo-etiquetados, la creación de diarios persona-<br />

les, la creación de historias interconectadas en espacio real con-<br />

tinuará acumulándose en formas múltiples y podrá será legi-<br />

ble y a la vez reescrito para todo aquel que se proponga nave-<br />

gar en un espacio rico en información. “El artista es una perso-<br />

na experta en el entrenamiento de la percepción”, escribió<br />

McLuhan. La definición es probablemente adecuada para Do-<br />

21


mínguez y muchos otros quienes, como ellos, han transforma-<br />

do las formas en que concebimos el entorno, el territorio y las<br />

relaciones espaciales que los individuos construyen en su trán-<br />

sito constante a través de diversas formas de fronteras y lími-<br />

tes, físicas o culturales.<br />

Referencias<br />

Bourriaud, N 2006, “RelationalAesthetics.” In:Participation: Documents<br />

of Contemporary Art. Claire Bishop, Ed. Whitechapel/MIT,<br />

London and New York.<br />

Canclini, N 2009, “El modo rizomático: cultura, sociedad y tecnología”<br />

in Transitio_02, CONACULTA, Mexico.<br />

Cavell, R 2003, McLuhan in Space. A Cultural Geography, University<br />

of Toronto Press, Toronto.<br />

Cárdenas, M, &Domíguez, R, (et. al.) TheTransborderImmigrant-<br />

Tool: Violence, Solidarity and Hope in Post-NAFTA Circuits of BodiesElectr(on)/ic,University<br />

of Siegen, Germany.<br />

Corner, J 1999, “The Agency of Mapping: Speculation, Critique and<br />

Invention.” In Cosgrove, D (ed.), Mappings, ReaktionBooks, London.<br />

Debord, G 1995, Society of the Spectacle. Donald Nicholson-Smith,<br />

Trans. ZoneBooks, New York.<br />

Dominguez, R &Stalbaum, B “TransborderImmigrantTool”,<br />

accessed 11 April 2011, http://post.thing.net/node/1642<br />

Elizondo, JO 2009, La escuela de comunicación de Toronto. Comprendiendo<br />

los efectos del cambio tecnológico, Siglo XXI Editores, Mexico.<br />

Google Earth Blog, http://www.gearthblog.com/<br />

Guertin, C 2008, “BeyondtheThreshold: TheDynamic Interface as<br />

Permeable Technology.” Transdisciplinary Digital Art: Sound, Vision<br />

and the New Screen. CCIS (Communications in Computer and<br />

CommunicationScience) Series. Randy Adams, Steve Gibson & Stefan<br />

MullerArisona, Eds. Germany: SpringerPublishers. 313-325.<br />

22


Ho, S 2008, “Locative Media As War”, post.thing.net , accessed 27<br />

October 2010, http://post.thing.net/node/2201<br />

TheInstituteforComparativeModernities. “Participants: Rafael Lozeno-<br />

Hemmer”<br />

http://www.icm.arts.cornell.edu/conference_2011/participants.html#<br />

Kaprow, A 2001 “UntitledGuidelinesfor Happenings.” Multimedia:<br />

From Wagner to Virtual Reality. Randall Packer and Ken Jordan,<br />

Eds. New York: W.W. Norton & Co., 307-314<br />

Latour, B 2008, “FromRealpolitiktoDingpolitik – orHowto-<br />

MakeThingsPublic.” In MakingThingsPublic: Atmospheres of Democracy.<br />

Cambridge: MIT Press, 2005. (Fromanexcerptpublished<br />

in Timen, Tjerk. “Dingpolitik and an internet of<br />

things.” Masters of Media: University of Amsterdam, accessed 20<br />

September 2010,<br />

http://mastersofmedia.hum.uva.nl/2008/09/11/dingpolitik-a<br />

nd-an-internet-of-things/<br />

Lozano-Hemmer, R 2011, “Project Alpha: AlphaBlend.” “Platforms<br />

for Alien Participation.” http://www.lozano-hemmer.com/<br />

Lozano-Hemmer, R 2001, BodyMovies, Installation, Rotterdam.<br />

Lozano-Hammer, R Video,<br />

http://www.lozano-hemmer.com/video/bodymovies.html<br />

MacDowall, L 2008, “TheGraffiti Archive and the Digital City”,<br />

Place: Local Knowledge and New Media Practice. Eds. Danny Butt,<br />

J onBywater, and Nova Paul, 138<br />

Massey, D 2005, ForSpace,SAGEPublications, London.<br />

McLuhan, M 1964, Understanding Media: Extensions of Man, New<br />

York: Signet.<br />

Meek, A 2008, “IndigenousVirtualities.” in Place: Local Knowledge<br />

and New Media Practice, Eds. Danny Butt, Jon Bywater and Nova<br />

Paul. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 20-34<br />

Mitew, T 2008, “RepopulatingtheMap: WhySubjects and Things<br />

are NeverAlone.” Fibreculture13. Eds. CarolineBassett, Maren<br />

Hartmann, Kate O'Riordan, Accessed 24 July 2010<br />

Mumford, L 1934, Technics and Civilization.HarcourtBrace, New York.<br />

Nevitt, B y McLuhan, M 1995, WhoWas Marshall McLuhan?,<br />

Stoddart, Toronto.<br />

November, V, Camacho-Hübner, E &Latou, B . “Entering A Risky Territory:<br />

Space in theAge of Digital Navigation.”Acceptedforpublication in Environment<br />

and Planning D. Accessed 03 August 2010,<br />

http://www.bruno-latour.fr/articles/article/117-MAP-FINAL.pdf<br />

Peuquet, DJ 2002, Representations of Space and Time, TheGuilfordPress,<br />

New York.<br />

Ramey, C 2007, "Artivists and Mobile Phones: The TransborderImmigrant<br />

Project", accessed 14 April 2011,<br />

http://va-grad.ucsd.edu/~drupal/node/388<br />

Stalbaum, B "OntheEdge of theInternalFringe: Virtual Hiker Project",<br />

accessed 14 April 2011,<br />

http://video.google.com/videoplay?docid=-19090336900603742<br />

90&hl=en#<br />

Theall, D 1984, “McLuhan and the Toronto School of Communications”<br />

in Understanding 1984, OccasionalPaper 48, Canadian<br />

Commissionfor UNESCO, Ottawa.<br />

23


Thielman, T 2010, “Locative Media and MediatedLocalities: AnIntroductionto<br />

Media Geography” in Aether: TheJournal of Media Geography,<br />

Vol. V.A. 1-17<br />

Tuters, M &Karys V 2006, “BeyondLocative Media.” Leonardo, Volume<br />

39, Issue 4<br />

Stein, G 1926, “Composition as Explanation”, Selections: Writings<br />

1903-1932. New York: The Library of America.<br />

Wyndham, L 1957/1927, Time and Western man. Boston: BeaconPress.<br />

24


Contribuição de McLuhan para uma<br />

visão de mundo global e inclusiva<br />

IRENE MACHADO<br />

PESQUISADORA DO CNPQ (PQ-2), PROFESSORA DA ESCOLA<br />

DE COMUNICAÇÕES E ARTES E DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO<br />

EM MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS<br />

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), SÃO PAULO, BRASIL<br />

IRENEMAC@UOL.COM.BR<br />

Resumo<br />

O ensaio examina as contribuições de M.McLuhan no sentido de promo-<br />

ver uma visão conjunta dos meios de comunicação do ponto de vista per-<br />

ceptual e cognitivo. Para isso, busca na história da formação do pensa-<br />

mento relacional de percepções apresentado como método de observa-<br />

ção e análise hipotético-poético. Percorre os exemplos de análise e leitu-<br />

ra das produções de meios, bem como da formação conceitual e históri-<br />

ca que entende os meios em suas interações e não como sucessões.<br />

Palavras chave<br />

percepção, cognição, leitura, envolvimento, sensório, história<br />

25


Treino de percepção e método analítico de observação<br />

No início de sua carreira docente, McLuhan se aproximou da<br />

antropologia cultural travando contato com Edward T. Hall e<br />

Edmund Carpenter. O primeiro, desenvolveu um estudo sobre<br />

a linguagem silenciosa (the hidden language) do espaço; o segun-<br />

do, da gramática dos meios em processos de leitura. O conjunto<br />

das formulações de McLuhan, Hall e Carpenter trouxe à luz os<br />

trabalhos das chamadas «explorações»: investigações e análises<br />

de caráter experimental sobre a vida cultural sob o domínio<br />

dos meios de comunicação. Sem a pretensão de constituir uma<br />

teoria, as explorações abriram caminho para o desenvolvimen-<br />

to de um método de análise apoiado, evidentemente, nos fir-<br />

mes pressupostos dos meios como formas culturais.<br />

Os experimentos analíticos de McLuhan desta fase dão ori-<br />

gem ao material reunido em seu primeiro livro, The Mechani-<br />

cal Bride: Folklore of Industrial Man, publicado em 1951. Nele<br />

exercita um método de análise orientado por aquilo que<br />

McLuhan denominou treino de percepção. Trata-se de um mé-<br />

todo deduzido de experiências vividas no Canadá e em Cam-<br />

bridge. No seu país natal aprendeu a exercitar a visão panorâ-<br />

mica: de qualquer ponto do país, parecia-lhe ser possível de–<br />

senvolver percepções formando um horizonte como num am-<br />

plo panorama. Em Cambridge, na época de seu doutorado,<br />

aprendeu a exercitar a visão para as profundezas nos exercí-<br />

cios literários conhecidos como close reading ou, leitura concen-<br />

trada, aprofundada sobre o texto, fora de qualquer foco extra-<br />

textual. Um e outro contribuíram para a abrangência do trei-<br />

no de percepção que, no contexto dos meios de comunicação,<br />

abriu caminho para a considerar a importância das transfor-<br />

mações culturais em curso.<br />

O treino de percepção assim vivenciado constrói um eixo que<br />

une percepção e cognição, desdobrando-se em duas linhas:<br />

uma de aprofundamento e outra de relações contrastivas.<br />

Esse treino nós vamos encontrar com diferentes graus de des-<br />

envolvimento em seus livros. Em The Mechanical Bride, há um<br />

fechamento (close reading) em anúncios em contraste com tex-<br />

tos literários; em The Gutenberg Galaxy, fecha-se no alfabeto,<br />

em contraste com os desenvolvimentos culturais tanto da<br />

prensa, das cidades, dos transportes, quanto da oralidade ou<br />

do sensório; em Understanding Media, explorações sobre os<br />

meios a partir da eletricidade em contrastes entre si graças ao<br />

movimento das extensões. Em todos eles, o treino de percep-<br />

ção é ponto de partida para alcançar o processo cognitivo so-<br />

bre os meios e processos culturais de representação e entendi-<br />

mento do mundo.<br />

Assim podemos sintetizar os comportamentos de análise que<br />

viam nos meios de comunicação processos amplos com atua-<br />

ções e efeitos particularizados, sementes importantes para o<br />

ulterior desenvolvimento de uma visão global e inclusiva dos<br />

meios na cultura.<br />

26


Percepção e cognição no jogo entre figura e fundo<br />

Todos que se iniciam na leitura do texto de McLuhan perce-<br />

bem, imediatamente, a tendência de seu discurso à interlocu-<br />

ção, de modo a incluir o ouvinte na trama de seu pensamento.<br />

Isso ele faz, muitas vezes, recorrendo a uma certa dose de hu-<br />

mor. Uma piada é sempre caminho certeiro para exprimir o<br />

conteúdo de formulações e até mesmo para provocar, polemi-<br />

zar, ironizar. Contudo, a piada, que ele entende ter se transfor-<br />

mado em chiste – uma forma de advinha, sem fio narrativo,<br />

mas baseada em pergunta e resposta –, se constrói como uma<br />

das forças vitais da linguagem: o direcionamento à participação<br />

do outro. O feitio apelativo da linguagem assim empregada re-<br />

vela o seu caráter dialógico e, portanto, envolvente. Seja como<br />

piada ou chiste, o discurso assim enunciado não se realiza sem<br />

vínculos de duas ou mais mentes concentradas no mesmo foco.<br />

McLuhan & Fiore, Guerra e paz na aldeia global, p. 58<br />

Piada e chiste são gêneros discursivos de construção da lin-<br />

guagem que mantêm vivos os elos de envolvimento e partici-<br />

pação. No discurso de McLuhan, adquirem igualmente a fun-<br />

ção de distinguir dois processos sensoriais: o percepto e o con-<br />

ceito. Sem percepção impossível atingir conhecimento: esta<br />

máxima McLuhan viu plenamente realizada nos meios do en-<br />

tretenimeno cujo funcionamento não diferia muito do humor<br />

de longa vida na tradição da prosa e da retórica.<br />

Se o percepto aciona uma sugestão, o conceito ativa inferên-<br />

cias; um provoca associações, outro, generalidades. Com base<br />

em distinção como esta, McLuhan examina o quanto percep-<br />

ção e cognição não apenas caminham juntas como condicio-<br />

nam-se. Daí que tanto a piada quanto o chiste criarem ambien-<br />

tes relacionais e de fluxo de idéias.<br />

Em suas próprias experiências, mostra como ao ativar percep-<br />

ções. Uma piada pode evocar dimensões mais fundas de uma<br />

mensagem; por conseguinte, aquilo que emerge na superfície<br />

não é da mesma natureza daquilo que se configura no fundo.<br />

E é este o alvo que lhe interessa: a noção de que, se a relação<br />

figura / fundo não se encontra ausente na formulação de uma<br />

piada, certamente não se pode descartá-la do processo cogniti-<br />

vo. Ao que conclui: “a vantagem de sempre estudar qualquer<br />

figura em relação ao seu fundo é que aspectos inesperados e<br />

negligenciados de ambos se revelam” (McLuhan, 2005: 210).<br />

Nesse sentido, longe de ser um exercício retórico desprovido<br />

de pretensão teórica, o emprego da piada e do chiste revela a<br />

27


importância de mecanismos que ativem processos inusuais e<br />

inesperados de modo a promover, cada vez mais, o refinamen-<br />

to do treino de percepção e da atividade cognitiva.<br />

Na mesma linha de formulação McLuhan situa o processo ba-<br />

seado em pergunta e resposta. Como formas discursivas her-<br />

dadas da tradição oral, não é muito comum entender a per-<br />

gunta-e-resposta em suas finalidades especulativas com vistas<br />

a consolidação do pensamento teórico. Sabemos que obras<br />

como os Diálogos socráticos, de Platão, ou os Diálogos sobre os<br />

dois sistemas de mundo, de Galileo, já foram considerados pou-<br />

co sérios, simplesmente pelo emprego da interlocução entre<br />

personagens como condutora da questão científica ou filosófi-<br />

ca. Em seus estudos retóricos, McLuhan acompanha a derroca-<br />

da do discurso de envolvimento (de chistes, de pergunta e res-<br />

posta, de aforismos), confinado ao limbo dos discursos pouco<br />

confiáveis. Em seus escritos, contudo, não apenas reconstitui<br />

o vigor expressivo de tais processos como mostra o quanto<br />

eles colaboram para o envolvimento no ambiente dos meios.<br />

Em suas parcerias com designers e artistas visuais, os objetos<br />

de mídia (anúncios, jornais, programas de televisão, quadri-<br />

nhos, cinema) recuperam o espírito tanto da piada, quanto do<br />

chiste ou da pergunta e resposta para a composição de rela-<br />

ções baseadas na interação fundo/figura.<br />

Se, na observação e análise de seus objetos midiáticos, se ser-<br />

ve de piadas, chistes e aforismos, seu gesto especulativo joga<br />

com a percepção e significação de maneira que se crie uma re-<br />

lação de dependência entre aquilo que se diz (figura) e aquilo<br />

que se mobiliza do ponto de vista do sentido (fundo). Para<br />

produzir o efeito desejado, a piada gera envolvimento, desper-<br />

ta a percepção para algo. É esse envolvimento que provoca es-<br />

tados de atenção e de compreensão simultâneos, fundamen-<br />

tais de toda mensagem. Por esse motivo, é tão importante ela-<br />

borar os meios. É assim que seu trabalho discursivo e textual<br />

caminha e se transforma.<br />

As noções legendárias de seu pensamento como «o meio é a<br />

mensagem», «os meios como extensões» e a «aldeia global»<br />

são apenas as proposições conceituais que funcionam como as<br />

artérias primordiais das hipóteses que não foram formuladas<br />

para serem demonstradas e provadas, mas sim para abrir o di-<br />

álogo e desencadear reflexões na linha evolutiva de uma visão<br />

de mundo global e inclusiva. Trata-se de caminhos retóricos<br />

orientados para o outro, como tudo na comunicação.<br />

28


Caminhos retóricos da leitura<br />

A orientação para o outro não apenas conduz à valorização da<br />

linguagem; marca uma postura teórica ocupada com os efeitos:<br />

mais importante do que as idéias e as intenções de partida, são<br />

as reações, as provocações, aquilo que vai emergir do ponto de<br />

vista perceptual. Em nome dos efeitos é que se tornou priorida-<br />

de o desenvolvimento de uma visão global e inclusiva nos mei-<br />

os. E esta não é uma exclusividade dos estudos de McLuhan.<br />

Na verdade, representa um investimento de autores ocupados<br />

com a compreensão dos efeitos dos meios de comunicação na<br />

cultura. Se, na época de McLuhan, tal preocupação delineava<br />

um novo objeto de pesquisa, hoje é possível vislumbrar um con-<br />

junto teórico sólido, que já conta uma história considerável,<br />

cujo marco é, sem dúvida, as pesquisas de Millman Parry e Al-<br />

fred Lord. Além deles, seguem linhas diferenciadas de investi-<br />

gação: Jack Goody e Ian Watt, que se dedicam às consequências<br />

da escrita; Walter Ong que analisa a tecnologização do letra-<br />

mento; Erick Havelock que se debruça sobre o surgimento da<br />

escrita na Grécia; e, mais recentemente, temos os estudos do me-<br />

dievalista belgo-canadense Paul Zumthor sobre a poética da<br />

oralidade com ênfase na relação entre a letra e a voz, título de<br />

um de seus livros já traduzidos para o português.<br />

Dentre as descobertas desses mestres, encontra-se a memorável<br />

proposição de Erick Havelock, segundo a qual a grande desco-<br />

berta da cultura letrada não foi exatamente a escrita, mas, sim,<br />

o surgimento do homem leitor, o homem capaz de ler e inter-<br />

pretar signos de diferentes formações: signos gráficos, icônicos,<br />

sonoros, cinéticos, audiovisuais, enfim, signos com distintas<br />

configurações espaciais. O investimento de McLuhan, desde<br />

seu primeiro livro, ou melhor, de suas explorações, direcionou-<br />

se para o aprimoramento da leitura das produções de meios,<br />

gesto que faz jus a seu devotamento humanista de valorização<br />

da linguagem como faculdade cognitiva. A leitura torna-se, as-<br />

sim, a atividade central de seu método poético-hipotético, he-<br />

rança direta de seu aprendizado literário.<br />

A possibilidade de exercitar a leitura das produções culturais<br />

de maneira equivalente à leitura do texto literário foi um exercí-<br />

cio que ultrapassou os limites do close reading e levou McLuhan<br />

a investidas mais radicais que resultaram no conteúdo do livro<br />

The Mechanical Bride. Dentre elas podemos situar o desenvolvi-<br />

mento de um método de observação do mundo que sustenta o<br />

modelo investigativo definido como método hipotético-poéti-<br />

co. Segundo McLuhan,<br />

É possível discutir duas formas para abordar um problema.<br />

Uma, que se pode denominar de método teórico, consiste<br />

em formular o problema nos termos do que já se conhece,<br />

fazer acréscimos ou extensões na base de princípios aceitos,<br />

e depois proceder à comprovação dessas hipóteses experi-<br />

mentalmente. Outra, que se pode chamar de método mosai-<br />

co, considera cada problema por si mesmo, com pouca refe-<br />

rência ao campo no qual se encontra, e procura descobrir<br />

relações e princípios existentes na área circunscrita<br />

(McLuhan, 1977: 72).<br />

29


O método hipotético-poético é, pois, propositivo e, enquanto<br />

tal, constrói relações que devem levar a diferentes inferências.<br />

Um das explorações mais evidentes desse método foi propos-<br />

to nas formulações que recorre à mitologia. Uma de suas con-<br />

cepções mais divulgadas – a noção de meios como extensão –<br />

foi elaborada tendo como recurso o mito de Narciso. Nesta<br />

comparação entre o mito e a extensão tecnológica, a concep-<br />

ção é desdobrada pelas esferas interligadas do mito, da lingua-<br />

gem e da cultura. A recorrência aos mitos é uma outra verten-<br />

te do método de análise que reconhece a interação entre figu-<br />

ra/fundo como trabalho que tem muita clareza de efeitos.<br />

Uma visão que incide sobre o próprio modo de ler a historici-<br />

dade dos meios na cultura.<br />

Uma história dos efeitos<br />

A abordagem histórica de qualquer manifestação, via de<br />

regra, acompanha a sequência dos principais eventos mar-<br />

cantes de seu desenvolvimento. Sem fugir à regra, a histó-<br />

ria dos meios de comunicação tem início com a produção<br />

de inscrições rupestres, de palavra ou de tambor e cons-<br />

trói-se pela sucessão de inventos que fizeram dos contatos<br />

do homem com o mundo, em diferentes esferas de relacio-<br />

namentos, uma realidade possível. Na cultura ocidental, o<br />

marco é o gesto que levou à invenção da escrita a partir<br />

do surgimento do alfabeto. Das inscrições em pedras aos<br />

signos gráficos; do alfabeto fonético à tipografia; do telé-<br />

grafo ao rádio; da televisão à internet; dos cabos às redes<br />

e aos satélites. Em outras palavras: a história dos meios<br />

de comunicação já reúne um conjunto marcante de inven-<br />

ções capazes de fazer dela um evento significativo da his-<br />

tória do homem no planeta.<br />

Nada teríamos a acrescentar, se McLuhan não tivesse explo-<br />

rado outra possibilidade de contar a história dos meios, não<br />

pela sucessão de inventos sociotécnicos isolados, mas pelos<br />

«efeitos» culturais, isto é, pelas transformações no modo de<br />

tratar as informações representativas das percepções em am-<br />

bientes vivenciais. Considerando que é por intermédio do<br />

efeito que o meio se define, e não o contrário, o autor formu-<br />

lou a hipótese dos meios como extensão, como transforma-<br />

ção, «massagem» no entendimento.<br />

30


McLuhan realizou não apenas um inventário consequente des-<br />

ses efeitos como também defendeu a necessidade de produzir<br />

conhecimento de seus desdobramentos e implicações por in-<br />

termédio de uma história alfabetizadora dos meios. Alfabetiza-<br />

ção que não é eficiência técnica, mas compreensão gramatical<br />

e funcionamento para significação.<br />

Estamos longe, pois, de creditar ao meio um papel determina-<br />

do graças a seus atributos de destaque na série de inventos rea-<br />

lizada pela humanidade ou porque um novo meio se revele<br />

mais eficiente que o anterior. O ponto significativo da hipótese<br />

de McLuhan se traduz no seu entendimento de que o modo de<br />

produzir informação interfere na maneira pela qual a própria<br />

informação é percebida e compreendida culturalmente. Nesse<br />

caso, a tecnologia coloca-se a serviço da linguagem como pro-<br />

cesso de significação. O efeito revela-se, por conseguinte, como<br />

a instrumento de transformar a informação em linguagem e<br />

esta em veículo de percepção e de conhecimento.<br />

A história dos efeitos tornou-se, pelo viés de McLuhan, uma his-<br />

tória da linguagem, ou melhor, das diferentes formações percep-<br />

tuais e cognitivas utilizadas nos processos de trocas e de convi-<br />

vências, merecidamente, denominadas «linguagens da comuni-<br />

cação». Por isso, em vez de focalizar tão somente o viés tecnicis-<br />

ta dos inventos e descobertas, a história dos meios no contexto<br />

dos efeitos se mostra potencialmente capaz de revelar modos e<br />

processos de percepção, de compartilhamento, de conhecimen-<br />

to do mundo, como eles se implicam mutuamente, até mesmo<br />

para impulsionar novas invenções. Fora desse viés, a tecnolo-<br />

gia não diz nada aos interesses intelectuais de McLuhan.<br />

A televisão tornou-se o meio tecnológico que, depois do al-<br />

fabeto, mais propôs desafios para o entendimento dos efei-<br />

tos na era da eletricidade. É com a televisão que os proces-<br />

sos perceptivos visuais revelam alcances muito mais am-<br />

plos do que aquilo que se julga conter num campo visual.<br />

Com isso, ampliam-se os questionamentos sobre efeitos<br />

nunca antes cogitados.<br />

O exercício de McLuhan pode ser acompanhado a partir de<br />

um exemplo pontual: o questionamento emergente quando a<br />

televisão torna-se o palco do debate às eleições presidenciais<br />

dos Estados Unidos nos anos 50. Ainda que as performances de<br />

J.F. Kennedy e R. Nixon tenham sido o tema central das dis-<br />

cussões, McLuhan perguntava-se sobre o que estava aconte-<br />

cendo efetivamente na vida sociocultural. Que efeito era esse?<br />

Por que um debate reproduzido entre os dois candidatos,<br />

numa tela em preto e branco, converteu-se em algo mais cati-<br />

vante que o contato humano e direto com os candidatos no<br />

palanque do espaço público? Por que um evento meramente<br />

performativo se tornava mais significativo que as análises po-<br />

sicionadas dos argumentos da imprensa escrita? Alguma<br />

transformação muito significativa estava acontecendo, uma<br />

espécie de hidden language, como diria Edward Hall, abria um<br />

dialogo com as pessoas. A resposta não apareceu de pronto,<br />

31


mas o fato de que o meio televisual produzira um efeito radi-<br />

calmente inusitado era inquestionável. Que efeito era esse?<br />

McLuhan não é teórico de respostas imediatas, mas de reflexão<br />

que joga com proposições relacionais entre fundo e figura. No<br />

caso de suas indagações sobre os efeitos da emissão televisual,<br />

o procedimento não foi diferente. Suas conjecturas foram exami-<br />

nadas com em diferenes estudos e os argumentos foram retoma-<br />

dos e reelaborados no processo de seu próprio amadurecimen-<br />

to. Particularmente em Understanding Media: the Extensions of<br />

Man (Para compreender os meios: as extensões do homem), o autor<br />

delineia algumas hipóteses que oferecem pistas de como é pos-<br />

sível entender o porquê de o programa televisual ter conquista-<br />

do a audiência naquele debate.<br />

(1) A televisão havia criado uma nova linguagem<br />

em que a câmera estabelecera um contato pessoal<br />

e, portanto, mais íntimo com as pessoas.<br />

(2) A imagem minimalista da tela da tevê revelouse,<br />

sobretudo, emocional.<br />

(3) O tempo pode ser dimensionado num eterno presente<br />

em que milhares de pessoas se sentiram vinculadas,<br />

simultaneamente, numa mesma frequência.<br />

(4) A tevê mostrou-se um meio de envolvimento e,<br />

portanto, de participação profunda do espectador:<br />

a imagem envolvia com som, luz, tato, movimento.<br />

Esta experiência sensorial era completamente<br />

inusual.<br />

Com base em suas observações e intuições, chegou a uma hipó-<br />

tese mais generalizada: o tratamento da informação foi traduzi-<br />

do em termos do meio, o qual produz, por sua vez, um efeito<br />

decisivo sobre a mensagem. Esse efeito revelou-se sob forma de<br />

apelo à participação e ao envolvimento sensorial. O que<br />

McLuhan verifica também é que a tela eletrônica da televisão<br />

permite um trânsito inusitado de percepções provenientes da<br />

imagem icônica, quer dizer, a imagem que não se restringe à vi-<br />

sualidade, sobretudo porque a qualidade visual é muito baixa.<br />

Com base em observações como essa, McLuhan formula a hipó-<br />

tese desconcertante de que a televisão toca as pessoas na pele.<br />

Muito mais do que um meio que fala aos ouvidos e oferece-se<br />

ao olhar, a televisão condensa som e imagem visual em luz que<br />

incide e toma conta do ambiente, fazendo emergir aquilo que<br />

ele entende como “tato ativo” que, embora não seja cutâneo,<br />

toca a pele de algum modo (McLuhan, 2005: 101), atingindo to-<br />

dos os sentidos, perceptuais e cognitivos. Prolongam-se, daí, a<br />

compreensão sobre a tatilidade da imagem e os efeitos ambien-<br />

tais do meio nunca antes experimentados.<br />

O efeito tal como se manifesta na projeção televisual pode<br />

ser entendido como um ponto de transformação cujo caráter<br />

indicial atua na percepção e no entendimento. A imagem da<br />

projeção eletrônica por trás da tela (backscreen), a envolver<br />

com pontos de luz o telespectador, levou os candidatos a con-<br />

versarem com as pessoas individualmente. Esse efeito de pre-<br />

sença intensificou-se naquele debate e acabou revelando,<br />

32


para McLuhan, a força daquela linguagem. Não é propria-<br />

mente o conteúdo do debate, mas o fato de ele ser realizado<br />

para as pessoas em suas casas que criou o envolvimento.<br />

Com fundamento nesse contexto especulativo, é levado a crer<br />

que o modo de tratar e de apresentar a informação age decisi-<br />

vamente sobre a percepção e provoca diferentes contatos com<br />

o mundo. Com isso, é possível dizer que a nova forma de<br />

apresentação das ideias conduz a modificações significativas<br />

das relações humanas. O efeito é o forte indício de mudanças<br />

perceptivas, sensoriais, cognitivas, performativas, bem como<br />

de um conjunto de relações e implicações em que nada pode<br />

ser considerado isoladamente. Assim o meio adquire a condi-<br />

ção de objeto de pesquisa e de entendimento. Em última análi-<br />

se: o meio cria padrões de conexão formadores de ambientes,<br />

como as palavras de McLuhan confirmam.<br />

O meio, ou processo, de nosso tempo – de tecnologia elétrica<br />

– está remodelando e reestruturando padrões de interdependência<br />

social e todos os aspectos de nossa vida pessoal.<br />

Por ele somos forçados a reconsiderar e reavaliar, praticamente,<br />

todos os pensamentos, todas as ações e todas as instituições<br />

anteriormente aceitos como óbvios. Tudo está mudando<br />

– você, sua família, sua vizinhança, sua educação,<br />

seu emprego, seu governo, sua relação com os outros. É<br />

essa mudança é dramática.<br />

As sociedades sempre foram moldadas, mais pela natureza<br />

dos meios que os homens usam para comunicar-se que<br />

pelo conteúdo da comunicação (McLuhan, 1969: 36).<br />

Os efeitos constituíam, assim, forças fundamentais da revolu-<br />

ção que os meios de comunicação introduziram na cultura.<br />

Era urgente estudá-los com seriedade.<br />

Do ponto de vista dos efeitos, a história dos meios pode ser, en-<br />

tão, dimensionada de acordo com a profundidade das transfor-<br />

mações perceptivas, sensoriais e cognitivas, deixando-se de<br />

lado a horizontalidade e causalidade dos inventos. A dinâmica<br />

é dada pelas alterações introduzidas pelos meios de comunica-<br />

ção na cultura de modo que se reveja a história das relações en-<br />

tre eles, bem como dos sentidos que mobilizam e enunciam.<br />

Com essa finalidade, McLuhan propõe uma gramática para os<br />

meios que pudesse ser ensinada. Lançou-se, assim, ao estudo<br />

de formas de organização de mensagens, particularmente anún-<br />

cios e notícias, que permitissem elaborar a leitura que se faz de-<br />

les. Com isso, em vez de meros consumidores ou usuários, os<br />

envolvidos poderiam se tornar interpretantes dos processos<br />

transformadores da informação em mensagem. Interpretante,<br />

nesse caso, no sentido semiótico do termo: um intérprete capaz<br />

de transformar a mensagem e requalificar a informação em<br />

novo meio. É nesse contexto que propõe acompanhar a história<br />

dos meios como uma história alfabetizadora, na qual os efeitos,<br />

e não as sequências, são agentes das interações sociais.<br />

Descobrir como as épocas respondem às invenções culturais é<br />

a tarefa da história alfabetizadora dos meios, uma vez que os<br />

acontecimentos se desenvolvem em superfícies de contato e<br />

de encontros culturais.<br />

33


Diferentemente de muitos estudos que procuram tão somente<br />

montar sequências – oralidade > escrita > tipografia > eletrôni-<br />

ca > informática –, McLuhan convida-nos a observar intera-<br />

ções e, por conseguinte, a comparar os efeitos de uns meios<br />

em relação aos outros, a começar do caráter ambiental da pró-<br />

pria informação. Surgem algumas articulações que podem ori-<br />

entar nossa compreensão:<br />

(a) efeitos ambientais da informação;<br />

(b) efeitos da integração dos sentidos na oralidade;<br />

(c) efeitos de síntese visual na invenção do alfabeto;<br />

(d) efeitos sensoriais da gravação e do manuscrito;<br />

(e) efeitos de multiplicação da escrita tipográfica;<br />

(f) efeitos da leitura no contexto das línguas nacionais<br />

e polifônicas<br />

(g) efeitos de simultaneidade da eletricidade.<br />

A história que valoriza os efeitos, e não as sucessões, tem o<br />

mérito de acompanhar o desenvolvimento dos meios de co-<br />

municação não como aparatos tecnológicos, mas, sobretudo,<br />

como linguagem – ponto de partida das explorações de<br />

McLuhan. Graças à capacidade de elaborar linguagem, os mei-<br />

os podem mudar comportamentos, ações, percepções. Esse é<br />

o mérito maior da história alfabetizadora. Ao assumir o centro<br />

do processo de alfabetização pelos meios, a linguagem mos-<br />

tra-se em seus diferentes códigos históricos. O alfabeto é o<br />

grande marco de invenção da escrita que permite, comparati-<br />

vamente, recuperar formações culturais distintas como orali-<br />

dades, visualidades, cinetismos.<br />

Por isso, McLuhan situa o alfabeto no eixo de deslocamentos<br />

que ampliam a história dos meios em desdobramentos como<br />

o grafismo visual fundado pela perspectiva, ou a escrita de nú-<br />

meros e não de letras, base das linguagens científicas; como as<br />

matemáticas e os cálculos, que são constituintes elementares<br />

das linguagens elétricas, eletrônicas e informáticas. Ainda que<br />

o foco seja o estudo dos efeitos traduzidos em comportamen-<br />

tos culturais, o objeto de análise é um processo de linguagem<br />

em transformação ou mesmo transmutação.<br />

34


Dos efeitos às leis da mídia<br />

A história alfabetizadora dos meios distingue-se da sucessão<br />

pura e simples, uma vez que, para comunicar, os meios pres-<br />

supõem uma cadeia de eventos: ação perceptiva, interpreta-<br />

ção sensorial e organização cognitiva sob forma de linguagem<br />

aberta para a leitura. É impossível ignorar as ocorrências hu-<br />

manas que constituem esse intervalo entre informação e men-<br />

sagem; percepção e conhecimento.<br />

Tal é o caráter da argumentação de McLuhan que interessa<br />

para compreender, por um lado, o processo de alfabetização<br />

pelos meios, por outro, os padrões de funcionamento que tais<br />

efeitos organizaram. As leis da mídia a que chegou McLuhan<br />

surgem como intuições dessa visada global e inclusiva de efei-<br />

tos conjugados. As leis da mídia não estão acima da história,<br />

pelo contrário, resultam do jogo entre transformação e perma-<br />

nência, como toda lei dialética de mudança.<br />

Se os meios naturais de comunicação se desenvolveram por<br />

intermédio dos órgãos humanos em contato com o ambiente,<br />

isto é, da boca ao ouvido, as inscrições e a escrita colocam<br />

em evidência formas visuais em suportes diferenciados: pe-<br />

dra, tijolo, pergaminho, couro, papel, tela. Por conseguinte,<br />

os meios, em seu processo histórico, são agentes transforma-<br />

dores de possibilidades sensório-cognitivas. Se, do ponto de<br />

vista da cultura, as formas elaboram mensagens que signifi-<br />

cam diferentemente nos diversos meios, do ponto de vista<br />

cognitivo, as diversas significações explicitam modos distin-<br />

tos de percepção e de sensorialidade. O jogo entre processos<br />

de significação das mensagens perante as percepções das lin-<br />

guagens desenvolvidas pelos meios é o que sustenta a mais<br />

conhecida formulação de McLuhan: “o meio é a mensagem”.<br />

A função alfabetizadora dos meios seria uma maneira de ex-<br />

plicitar as regras desse jogo.<br />

A descoberta de que os meios se relacionam por comparação,<br />

e não como termos de uma sucessão, apresenta outro viés da<br />

história dos meios tomada com base nos efeitos. A noção de<br />

que um novo meio, em seu nascimento, desencadeia tanto in-<br />

terações quanto distinções quer dizer o seguinte: as forças re-<br />

lacionam-se para conjugar um funcionamento integrado, em<br />

expansão, com avanços e recuos, idas e vindas.<br />

Quando McLuhan afirma que a história dos meios não desen-<br />

volve sucessões, mas simultaneidades, ele nos apresenta uma<br />

concepção permeada pela visão elétrica do «tudo ao mesmo<br />

tempo» – lição que ele aprendera ao acompanhar, por exem-<br />

plo, os debates televisionados dos candidatos americanos à su-<br />

cessão presidencial. O mérito maior é a valorização das rela-<br />

ções nas quais nenhum meio, como nenhuma invenção ou tec-<br />

nologia, pode ser considerado isoladamente: o meio concen-<br />

tra traços dominantes e estes são inclusivos, não exclusivos.<br />

Com isso, as interações podem delinear relações entre percep-<br />

ções diferenciadas, tais como as que consagraram os diversos<br />

sistemas culturais, que os não estudiosos da obra de<br />

McLuhan conseguiram colocar numa sequência. Deixando de<br />

35


lado as sequências, é possível alcançar as interações emergen-<br />

tes na galáxia de Gutenberg e na aldeia global.<br />

Desde os anos 60, McLuhan entendeu que “quando um<br />

novo veículo entra em cena é que nos tornamos conscientes<br />

das características básicas dos veículo mais antigos, de um<br />

modo que não víamos quando as coisas estavam acontecen-<br />

do” (McLuhan, 2005: 62). Quando este raciocínio ganha peso<br />

teórico, pela análise histórica dos efeitos, McLuhan alcança<br />

uma visão de conjunto sobre as transformações, formulada<br />

em termos de um diagrama conceitual concebido como «té-<br />

trade», figura geométrica constituída de quatro pontos soli-<br />

dários. Com ela, as relações entre figura e fundo projetam<br />

uma dinâmica correlacional em que o efeito se colocam, so-<br />

bretudo, como movimento perceptual. Explorando a dinâmi-<br />

ca das relações no diagrama das tétrades, McLuhan chega à<br />

formulação das leis da mídia.<br />

O diagrama da tétrade é constituído por uma superfície com<br />

quatro instâncias interligadas. A exemplo da fita de Moebius<br />

(Möbius string), trata-se de uma superfície com um limite que,<br />

quando articulada em suas extremidades, exibe o seu reverso.<br />

No diagrama de McLuhan, o que se enfatiza é a passagem de<br />

uma dimensão à outra, tanto do ponto de vista de uma ordem<br />

reversa, quanto da conversão ao estado anterior. Quer dizer, a<br />

mudança de estado não é causa para uma ruptura, mas sim<br />

para uma retomada a partir de outras bases. Este movimento é<br />

o que leva McLuhan à lei da mídia: aquilo que se apresenta<br />

como extensão pode evoluir num sentido reverso, do mesmo<br />

modo como pode ser retomado em outras circunstâncias. Na<br />

verdade, com este diagrama, formula padrões de funcionamen-<br />

to em que os meios podem ser dimensionados em suas exten-<br />

sões; reversões; recuperações e obsolescência.<br />

Graficamente, a tétrade abrigando as quatro leis que regem a<br />

dinâmica dos meios na cultura foi assim representada:<br />

A – AMPLIFICAÇÃO D – INVERSÃO<br />

C – RECUPERAÇÃO B – OBSOLESCÊNCIA<br />

Estrutura tetrádica (apud McLuhan & Powers, 1996: 27)<br />

A norma de quatro partes demonstra com clareza que a ver-<br />

dadeira tétrade tem dois fundos e duas figuras em equili-<br />

brada proporção entre si, o que tende a realçar a natureza<br />

da etapa de inversão (McLuhan & Powers, 1996: 54).<br />

Tornado instrumento teórico para a investigação dos efeitos, o<br />

diagrama da tétrade transforma o processo de composição de<br />

figura/fundo num princípio de pensamento para se acompa-<br />

nhar o desenvolvimento dos meios e suas transformações am-<br />

bientais. Ao invés de adotar um modelo fundado na causalida-<br />

36


de, a tétrade organiza um artefato baseado na simultaneidade<br />

e inclusividade das relações.<br />

As tétrades sintetizam as leis dos meios que emergem a partir do<br />

próprio conceito que o orientou na concepção de tecnologia<br />

como extensão de nosso corpo e de nossas faculdades. Toda tec-<br />

nologia surge amplificando. “A necessidade de amplificar as ca-<br />

pacidades humanas para lidar com vários ambientes dá lugar a<br />

essas extensões tanto de ferramentas quanto de mobiliário. Essas<br />

amplificações de nossas capacidades, espécies de deficações do<br />

homem, eu as defino como tecnologias” (McLuhan, 2005: 90).<br />

A tétrade ajuda a ver a figura e o fundo, trazendo este último<br />

para um plano visível. Nesse caso, a tétrade é o revelador, ou<br />

melhor, “um instrumento para revelar e predizer a dinâmica<br />

das inovações e as novas situações” (idem, ibidem: 34). No<br />

caso específico das tecnologias, há que se examinar como a eletrônica<br />

desloca o espaço visual para recuperar o espaço acústico<br />

de um modo inovador sob o pano de fundo da cultura alfabética,<br />

tornada obsolescente, o que não impede, contudo, que<br />

continue parte integrante da estrutura tetrádica. Isto porque,<br />

não se trata de eliminar o confronto, mas de promover o equilíbrio.<br />

A tecnologia eletrônica tem a função de reposicionar o<br />

sensório, valorizando o que na época de Cícero era o sensus<br />

communis, isto é, a integração do sensório.<br />

A tétrade de McLuhan está desenhada para explicar os acon-<br />

tecimentos culturais que os meios de comunicação impulsio-<br />

nam. Não se baseia numa teoria ou um conjunto de concei-<br />

tos, mas sim na observação, experiência e idéias.<br />

os tétrades não se baseiam em uma teoria mas sim em<br />

um conjunto de perguntas; se apóiam na observação em-<br />

pírica e portanto são comprováveis. (...) ainda que os té-<br />

trades sejam um meio para concentrar o conhecimento<br />

de qualidades ocultas ou inadvertidas em nossa cultura<br />

ou suas tecnologias, atuam fenomenologicamente<br />

(McLuhan & Powers, 1996: 24).<br />

O aspecto inverso do tétrade está sucintamente exemplificado<br />

na máxima da teoria da informação: uma sobrecarga de dados<br />

é igual a um padrão de reconhecimento.<br />

O principal ponto da argumentação aqui formulada confere<br />

ao circuito elétrico a possibilidade de criação de um ambien-<br />

te de percepção totalizante e inclusivo, bem diferente da per-<br />

cepção fragmentária da condição visual desenvolvida pelo<br />

alfabeto. Um ambiente em que as extensões não são os mei-<br />

os, mas os efeitos e seus processos. Nesse caso, não é exata-<br />

mente o meio tecnológico que se encarrega de alterar a condi-<br />

ção perceptiva, mas sim os efeitos processados. Figura e fun-<br />

do, interior e exterior, olhar de dentro e olhar através: tudo<br />

emerge para compor um conjunto de interações em conflito,<br />

sem que uma anule a outra.<br />

As leis da mídia revelam ainda como o raciocínio que partiu<br />

do treino de percepção caminha para a ecologia das formas<br />

37


culturais onde as permanências sobrevivem às mudanças que<br />

muitas vezes confundem figura e fundo e nos levam a ver ape-<br />

nas um lado. Ficam aqui um alerta, uma lição ou apenas um<br />

convite a novas elaborações e respostas.<br />

Considerações finais<br />

No contexto do pensamento sobre visão global e inclusiva, o<br />

movimento da informação na era eletricidade tem papel deci-<br />

sivo, como McLuhan procurou examinar em sua obra. É da na-<br />

tureza do meio a inclusão e a participação simultânea. E isso<br />

não tem nada a ver com automatismo. Por isso o pensamento<br />

de McLuhan não cabe nos limites de uma mera sucessão ou<br />

substituição de um veículo por outro. Cresce a importância<br />

dos efeitos na formulação história de seu pensamento onde a<br />

eletricidade ocupar o lugar de grande desafio.<br />

Diferentemente da tecnologia do alfabeto e da causalidade me-<br />

cânica – diferente, não em oposição a – a tecnologia elétrica se-<br />

gue a orientação do campo físico unificado, afastando-se da<br />

percepção do espaço newtoniano, ainda que recuperando a<br />

sensorialidade do espaço tribal.<br />

Por isso McLuhan reporta-se à teoria segundo a qual, no<br />

mundo elétrico,<br />

...a idéia de força tendia a ser substituída pelas idéias de interação<br />

e da energia possuída pelo agregado de um conjunto de<br />

partículas; e ao invés de considerar corpos singulares sob a<br />

influência de forças, os físicos matemáticos desenvolveram<br />

teorias, tais como as de Lagrange na dinâmica, em que se obtêm<br />

equações matemáticas capazes de predizer o futuro de<br />

todo um sistema de corpos simultaneamente, sem de nenhum<br />

modo recorrer às idéias de “força” ou “causa” (apud<br />

McLuhan, 1977: 92).<br />

38


Desenha-se, assim, a noção de aldeia global num campo unifica-<br />

do, seja pela eletricidade, seja pela percepção simultânea de acon-<br />

tecimentos. A simultaneidade já não é mais da ordem da visuali-<br />

dade, mas sim da audibilidade.<br />

Independente de toda questão de valores, o que temos de<br />

aprender hoje é que nossa tecnologia elétrica tem conse-<br />

qüências para nossas percepções e hábitos de ação mais co-<br />

muns e que tais conseqüências estão recriando rapidamente<br />

em nós os processos mentais dos homens mais primitivos.<br />

(...) Vivemos num único espaço compacto e restrito em que<br />

ressoam os tambores da tribo (McLuhan, 1977: 57; 58).<br />

Considerando o diagrama da tétrade, alcança-se o elo que<br />

aproxima a eletricidade do mundo intuitivo das sociedades<br />

orais: recupera-se um estado de cultura baseado num senso<br />

comum de participação e de envolvimento. Os circuitos elétri-<br />

cos não apenas expandem as possibilidades espaciais, mas en-<br />

volvem, criam vínculos e participações. McLuhan entende<br />

que ao propiciar este estado de comunidade numa base elétri-<br />

ca, a percepção e o conhecimento do mundo recuperam aque-<br />

le estado em que o ouvido ocupava o lugar do cérebro.<br />

Do ponto de vista conceitual, percebe-se, igualmente, uma<br />

aproximação entre intuição e a noção de campo unificado. Tal<br />

noção foi examinada pro McLuhan em diferentes momentos<br />

de suas indagações sobre o efeito de simultaneidade introduzi-<br />

do pelos circuitos elétricos.<br />

A coexistência num mesmo campo sensorial e perceptivo é di-<br />

mensionado também numa escala cultural uma vez que a era<br />

eletrônica recupera tempo e espaço culturais diferenciados e<br />

que aprendem a conviver. Nesse sentido McLuhan alcança o<br />

caráter oral do campo eletrônico. Em seus estudos sobre televi-<br />

são não é a visualidade que tem o poder de definição maior<br />

sobre o meio, mas sim a oralidade e a tatilidade. A noção de<br />

tatilidade da imagem só faz sentido se inserida no contexto<br />

do envolvimento de sentidos que as transmissões eletrônicas<br />

inseriram na cultura. Simultaneidade implica envolvimento e<br />

participação; vinculada ao contexto das percepções na era elé-<br />

trica, implica invisibilidade e ubiquidade. Com tais noções,<br />

são ampliadas as configurações do entendimento dos meios<br />

como ambiente, ao mesmo tempo em que são lançadas semen-<br />

tes para a compreensão do espaço acústico, a ecologia dos mei-<br />

os e as bases do que seriam as leis dos meios.<br />

Tanto do ponto de vista da análise, quanto das formulações<br />

teóricas, as explorações que procuraram focalizar os efeitos to-<br />

cam em raízes históricas que estão na base dos processos for-<br />

mativos com vistas à amplitude das relações panorâmicas<br />

sem perder as raízes históricas e contextuais.<br />

39


Referências<br />

CARPENTER, Edmund & McLUHAN, Marshall (1980). Revolução<br />

na comunicação (trad. Álvaro Cabral). Rio de Janeiro: Zahar.<br />

GOODY, Jack & WATT, Ian (1968). The consequences of literacy. Literacy<br />

in traditional societies. Cambridge: Cambridge University<br />

Press.<br />

HALL, Edward T. (1977). A dimensão oculta (trad. Sonia Coutinho).<br />

Rio de Janeiro: Francisco Alves.<br />

HAVELOCK, Eric A. (1996). A revolução da escrita na Grécia e<br />

suas consequências culturais (trad. Ordep J. Serra). São Paulo:<br />

UNESP; Rio de Janeiro: Paz e Terra.<br />

_______ (1963). Preface to Plato. Cambridge: Belknap Press.<br />

_______ (1986). The muse learns to write. Reflections on orality<br />

and literacy from Antiquity to the present. New Haven and London:<br />

Yale University Press.<br />

McLUHAN, Eric & McLUHAN, Marshall (1988). Laws of Media.<br />

The New Science. University of Toronto Press.<br />

McLUHAN, Eric & ZINGRONE, Frank (eds.) (1998). McLuhan:<br />

escritos essenciales (trad.J. Basaldúa e E. Macías). Barcelona: Paidós.<br />

McLUHAN, Marshall (1977). A galáxia de Gutenberg. A formação<br />

do homem tipográfico (trad. Leônidas G. de Carvalho e Anísio<br />

Teixeira). São Paulo: Cia. Editora Nacional.<br />

_______ (2005). McLuhan por McLuhan: conferências e entrevistas<br />

(org. Stephanie McLuhan e David Staines); (trad. Antonio de<br />

Pádua Danesi). Rio de Janeiro: Ediouro.<br />

_______ (1971). Os meios de comunicação como extensões do homem<br />

(trad. Décio Pignatari). São Paulo: Cultrix.<br />

_______ (2002). The Mechanical Bride: Folklore of Industrial<br />

Man. Corte Madero: Ginko Press.<br />

_______ (1998). Understanding Media. The Extensions of Man.<br />

Cambridge and London: The MIT Press.<br />

McLUHAN, Marshall & FIORE, Quentin (1971). Guerra e paz na<br />

aldeia global (trad. Ivan Pedro de Martins). Rio de Janeiro: Record.<br />

_______ (1969). Os meios são as massagens. Rio de Janeiro:<br />

Companhia Gráfica Lux.<br />

_______ (1967). The Medium is the Massage. An inventroy of<br />

Effects. New York: Bantam Books.<br />

McLUHAN, Marshall; FIORE, Quentin & AGEL, Jerome (2001).<br />

War & Peace in the Global Village. Ginkopress.<br />

McLUHAN, Marshall & POWERS, B.R. (1989). La aldea global.<br />

Transformaciones en la vida y los medios de comunicación mundiales<br />

en el siglo XXI (trad. Claudia Ferrari). Barcelona: Gedisa.<br />

ONG, Walter J. (1977). Interfaces of the Word: studies in the evolution<br />

of consciousness and culture. Ithaca and London: Cornell University<br />

Press.<br />

_______ (1982). Orality and literacy: the technologizong of the<br />

Word. London and New York: Metheen.<br />

ZUMTHOR, Paul (1983). Introduction a la poésie orale. Paris:<br />

Seuil.<br />

________ (1987). La lettre et la voix. Paris: Seuil.<br />

40


Explorations e probes<br />

ou encontrando McLuhan<br />

A.R. TRINTA<br />

PROFESSOR ASSOCIADO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA<br />

MINAS GERAIS/BRASIL<br />

AR.TRINTA@TERRA.COM.BR<br />

Resumo<br />

Este ensaio versa duas modalidades do que poderia ser chamado de<br />

“aventuras heurísticas”, delineadas e levadas a termo por Herbert<br />

Marshall McLuhan. Explorations & Probes terão servido menos a inten-<br />

tos de explicação teórica ou justificativa filosófica do que a tentativas<br />

(bem) feitas no sentido de um desvelamento cognitivo e da proposi-<br />

ção de introvisões poeticamente transpostas e assim (a)firmadas. Ser-<br />

vido por uma metaforização intencional, pelo “sequestro criativo”<br />

próprio à formulação de hipóteses ousadas e pelo gosto desenvolvi-<br />

do pela expressão paradoxal, Herbert Marshall McLuhan, em pensa-<br />

mento e obra, elevou os estudos de mídia (e mesmo da teoria da co-<br />

municação) a um novo patamar. O período histórico subsequente à<br />

sua morte, em 1980, vem dando provas cabais do acerto de suas hipó-<br />

teses exploratórias e investigativas.<br />

Palavras chave<br />

explicação, probes, explorations, metaforização, eletricidade<br />

41


Ecce homo: Herbert Marshall McLuhan<br />

Por tudo que de sua personalidade e de sua obra refletida já<br />

se conhece, passados trinta anos de sua morte, parece ser de<br />

fácil execução a tarefa de explicar o professor de língua ingle-<br />

sa e teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan<br />

(1911-1980), por exemplo, em referência a seus intentos explo-<br />

ratórios e a seus probes. Neles, sua magnífica figura intelectual<br />

se mostra de corpo inteiro; e, no curso de três décadas, tanto<br />

se escreveu e falou a seu respeito que a tantas leituras e a algu-<br />

mas nutridas interpretações nada parece haver a acrescentar.<br />

Non nova, sed nove, reza o provérbio latino: se não há como di-<br />

zer coisas novas, então por que não dizê-las de uma nova ma-<br />

neira — (em) nova mente?<br />

Ao coligir seus probes — espécie de “pensamento em drá-<br />

geas”, servido por frases conceituosas, a exemplo dos aforis-<br />

mos — Marshall McLuhan dava curso às suas explorações. Não<br />

o fazia, porém, em um vácuo histórico e no vazio epistemoló-<br />

gico; antes, inscrevia-se como teórico renovador no âmbito<br />

das ideias comunicacionais gestadas ao longo do século XX, a<br />

elas emprestando sua verve e sua intensa criatividade. Em<br />

uma de suas perspicazes lições, ele nos ensina que a mídia ele-<br />

troeletrônica não encerra nem manifesta tendências; acata e<br />

adota princípios, normas ou leis, cujo entendimento se faz ur-<br />

gente — tal como se aprende na parábola do marinheiro em<br />

luta para escapar da vertigem do redemoinho que está prestes<br />

a tragar seu barco.<br />

O conjunto de sua obra, a par da mudança paradigmática<br />

que provocou e o desenvolvimento posterior, que culmina<br />

com as tétrades e a ecologia midial, permitem inscrever<br />

Herbert Marshall McLuhan no rol dos mais destacados<br />

maîtres à penser da Modernidade.<br />

42


Época, reflexão e obra<br />

A expressão de seu pensamento em livros, aulas, conferências<br />

e entrevistas trouxe nítida marca de cultivada inventividade,<br />

aproximando-se ora do conto filosófico, à moda de Edgar<br />

Allan Poe (USA, 1809-1849), ora do texto literário poeticamente<br />

instruído e inspirado pelos artifícios verbais (a metáfora<br />

e o jogo de palavras, em primeiro plano) do escritor irlandês<br />

James Joyce (1882-1941). McLuhan fez ainda uso programático<br />

da abdução — o modo metodológico da “hipótese exploratória”<br />

— ao feitio do filósofo pragmaticista Charles<br />

Sanders Peirce (USA, 1839-1914), assim como adotou com entusiasmo<br />

as vantagens expressivas do paradoxo, ao gosto do<br />

escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo,<br />

teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico G.<br />

K. Chesterton (1874-1936). Mestre da retórica, Chesterton teria<br />

influenciado McLuhan no sentido de uma rejeição algo conservadora<br />

de valores caros à Modernidade, tais como certo cientificismo<br />

ateu, de talhe reducionista e determinista.<br />

Professor universitário de língua e literatura inglesa, formado<br />

pela escola inglesa do New Cristicism e do close Reading — em-<br />

penhada na valorização do texto em si mesmo, em regime de<br />

imanência estética — Marshall McLuhan foi homem de seu<br />

tempo e de seu lugar, absorvendo a cultura pop para dominá-<br />

la e pô-la a serviço da exposição de suas ideias. Afeito à ex-<br />

pressão artística e cercado por artistas e intelectuais provin-<br />

dos de distintas áreas, com os quais fez parcerias, Marshall<br />

McLuhan iria ainda tornar-se conhecido pelo mote “I don’t<br />

explain, I explore”, ao qual reiteradamente recorria para justifi-<br />

car investidas e investimentos de um irrequieto, indagativo<br />

pensamento. Detratores houve, no Brasil, que em evidente<br />

tom de zombaria disseram que McLuhan e o animador de TV<br />

Abelardo ‘Chacrinha’ Barbosa, morto em 1988, proclamavam<br />

a mesma coisa: “Eu vim para confundir; não vim para explicar”.<br />

À exceção talvez de artistas acostumados a experimentações,<br />

poucas vezes suas investidas exploratórias foram levadas a sé-<br />

rio, não tendo seus probes tido melhor sorte.<br />

Colunista da prestigiosa revista semanal francesa L´Express,<br />

Jean-François Revel certa vez o chamou de “Salvador Dali<br />

metido a Lavoisier”, afirmando que as proposições do canadense<br />

empalmavam o “método paranoico-crítico” do célebre<br />

pintor catalão. Compunham esta “metodologia” três etapas,<br />

distribuídas em graus sucessivos de pretensa complexidade<br />

no propósito de provocar surpreendentes efeitos de sentido:<br />

mistificação (temática) deliberada, delírio (interpretativo) habilmente<br />

orientado e confusão mental (enfaticamente induzida).<br />

Não é, portanto, fato incomum o de que agressividade<br />

na cédula e pouca ou nenhuma sutileza no selo constituam<br />

uma maneira de se deslustrar, desqualificar, reduzir e infamar<br />

o que não se chega a compreender ou, ainda, aquilo que<br />

se decide ver de través ou em obliquidade intencional, talvez<br />

porque não se queira (ou não se tenha podido) ver tal<br />

como é. A personalidade conhecida de Herbert Marshall<br />

McLuhan terá sempre sido motivo de viva controvérsia 1 . Em<br />

se tratando de um pensador revolucionário a seu modo pró-<br />

____________________<br />

1 McLuhan Pro & Com (New York: Funk & Wagnalls, 1968), livro editado por Raymond Rosenthal, figura entre<br />

as melhores obras de referência à polêmica que, em seu tempo, o notável professor da Universidade de Toronto<br />

suscitou, em particular no mundo acadêmico da América do Norte.<br />

43


prio, tal como McLuhan, adeptos e fiéis cultores do “mcluhanismo”<br />

o tinham na conta de um “estilo de pensamento” ou<br />

um “modo de pensar” a Modernidade, tal como esta se afigurava<br />

projetada pela mídia eletroeletrônica, plasmada pelas<br />

indústrias da cultura e traduzida pela cultura pop ao longo<br />

da segunda metade do século XX.<br />

Quanto aos que sequer o haviam lido, mas tampouco havi-<br />

am gostado do que ele escrevera ou dissera, a rejeição limi-<br />

nar reproduzia pejorativamente um trocadilho inspirado em<br />

seu nome: “mclunatismo”. Amor e ódio situados num plano<br />

a-histórico, não teórico e apolítico, contíguo à devoção quase<br />

religiosa ou, ao contrário, desacordo visceral ou forte senti-<br />

mento de inveja, motivo de surdas disputas por poder simbó-<br />

lico e notoriedade acadêmica ou mundana.<br />

Em seus livros e intervenções, Marshall McLuhan ilustrou —<br />

verbal, vocal e visualmente — suas ideias acerca da comunica-<br />

ção de seu tempo, prefigurando a de tempos por vir. Para tan-<br />

to, preferiu realizar estudos exploratórios da mídia eletrônica,<br />

em reconhecimento teórico de seu papel formativo — sobretu-<br />

do informativo — e sua ação continuada sobre a percepção hu-<br />

mana, individual e coletiva. Chamado de “filósofo da mídia”<br />

e rotulado, com simplismo e alguma impropriedade, “determi-<br />

nista tecnológico” por ter-se ocupado dos canais (evolução dia-<br />

crônica) e dos meios (situação sincrônica), ressaltando o peso<br />

específico de sua incidência em meio sociocultural, Marshall<br />

McLuhan aludiu, metaforicamente, a um environment (“am-<br />

biência”), que em toda parte presente é, por paradoxal que<br />

seja, invisível. Ele se referiu a um recondicionamento sensori-<br />

al e mental, que então se delineava; e muito disse de altera-<br />

ções em curso que logo afetariam nossos hábitos de percep-<br />

ção, nossos métodos de pensamento e as linguagens de que<br />

fazemos uso. Em processo de mudança estava também a relati-<br />

va acuidade de nossos sentidos elementares e, com eles, nos-<br />

sos valores estéticos. Ao menos em parte, estas transforma-<br />

ções ocorreriam subliminarmente, alojando-se em nosso sub-<br />

consciente; assim, somente quando, por obra e graça de uma<br />

tecnologia de inclinação prometeica, viessem a se tornar am-<br />

biência, isto é, a compor o espaço de um ambiente físico e psi-<br />

cológico (e, por esta via, estético) propício a toda espécie de<br />

práticas humanas e relações socioculturais. Somente aí tería-<br />

mos delas algum grau de consciência. “Mind your media men!”<br />

era a advertência que ele repetidamente fazia: necessitamos<br />

compreender o ambiente em que estamos imersos, se desejar-<br />

mos exercer sobre ele algum controle. O mestre canadense da<br />

comunicação procurou mostrar (e demonstrar) que a forma<br />

de sairmos do maelström (“a tremendous vortex of power”, em su-<br />

as palavras) em que nos encontramos (causado pela ação inin-<br />

terrupta de uma ambiência midiática) e nos apercebermos como<br />

as tecnologias modificam profundamente nossa cosmovisão e<br />

nosso “sentimento do mundo”, pode dar-se por uma convi-<br />

vência íntima com a arte e a arte literária, além de uma filoso-<br />

fia da cultura. O artista, o poeta/escritor e o animador cultu-<br />

ral, com sua excepcional sensibilidade, são os únicos que con-<br />

seguem perceber e captar mudanças introduzidas em nosso<br />

meio ambiente (físico, psicossocial e cultural), no qual vêm<br />

44


ocorrendo rápidas e repetidas transformações. Marshall<br />

McLuhan se esmerava em citar, além de James Joyce, críticos e<br />

teóricos da literatura moderna tais como Thomas S. Eliot (Lon-<br />

dres, 1888-1965) e Ezra Pound (EUA, 1885 - Itália, 1972), bem<br />

como poetas da estirpe de Charles Baudelaire (França, 1821-<br />

1867), com seus “poemas em prosa”, e Arthur Rimbaud (Fran-<br />

ça, 1894-1991), o jovem poeta do decadentismo de fins do sécu-<br />

lo XIX, mestre do artifício literário. Interessou-se muito pela<br />

obra de William B. Yeats (1865-1939), escritor e poeta irlandês<br />

que se notabilizou por seu patriotismo, seu idealismo românti-<br />

co e sua imaginação fantasiosa. De um modo ou de outro, a<br />

todos estes autores caracterizam uma feição moderna, a afir-<br />

mação literária de sua identidade nacional, a capacidade criati-<br />

va e a visão crítica de um novo tempo pelo viés da arte, tendo<br />

a expressão metafórica como veículo de causa eficiente.<br />

McLuhan apreciaria a pop art — dimensão ético-estética da<br />

cultura pop, da qual, em seu tempo, ele próprio foi figura em-<br />

blemática — a ela creditando os contornos artísticos dados a<br />

uma miríade de objetos que integravam a ambiência trazida e<br />

fomentada pelas indústrias da cultura. O meio (a “massagem<br />

psíquica”) portava e informava a mensagem, uma vez chega-<br />

do o momento histórico da “massa média” 2 , McLuhan reite-<br />

____________________<br />

2 A exemplo de James Joyce, Marshall McLuhan apreciava jogos de palavras. Fazendo deslizar o significante (sensível)<br />

sobre si mesmo, obtinha um significado (inteligível) novo, poeticamente elaborado e filosoficamente procedente. O<br />

mote “The medium is the message” (o meio é a mensagem) desdobrava-se em “The medium is the massage” (o meio é<br />

a massagem [psíquica]) e “The medium is the mass age” (o meio chega ao tempo da massa); enfim, “The medium is the<br />

mess age” (o meio é a era da balbúrdia), talvez em premonitória visão de um mundo ciberpunk ou o advento de uma<br />

idade de “desreferencialização” generalizada, à qual se vem chamando de Pós-Modernidade.<br />

rava que, por sua presença e, sobretudo, por sua ação conti-<br />

nuada, a mídia — a televisão em plano de destaque — influ-<br />

encia a cultura, conforma o comportamento social, informa a<br />

experiência dos fatos do mundo, altera a percepção pelos<br />

sentidos elementares e dita estratégias de conhecimento. As<br />

três “idades da humanidade”, a que se referia, contemplam<br />

e consagram a prevalência de um dado meio de comunica-<br />

ção, tendo seu início na transmissão de boca a ouvido da cul-<br />

tura oral e passando à era da alfabetização e do impresso;<br />

aparece, enfim, a mídia eletrônica, impulsionada pela indus-<br />

trialização, o capitalismo de mercado e conquistas tecnológi-<br />

cas alcançadas no último século, além da informatização cres-<br />

cente. Ela ocupa hoje o proscênio, em virtude de numerosos<br />

gadgets (equipamentos ou dispositivos de uso cotidiano que<br />

contam com múltiplas funções) e aplicativos. A internet e as<br />

conhecidas mídias sociais tornaram o mundo pequeno, im-<br />

primindo velocidade à vida social, ao abolir na prática as co-<br />

ordenadas tradicionais de espaço e tempo. A virtualidade<br />

em voga substituiu a realidade, tal como a conexão (múlti-<br />

pla, variada, instantânea) veio ocupar o lugar que um dia foi<br />

do contato (real, experiencial, vivido). Triunfo da mediação<br />

obtido por uma, ao que parece, definitiva midiação, sempre e<br />

cada vez mais “natural”, “necessária” e, assim, consentânea.<br />

45


Eletricidade é informação<br />

Tal como sucedeu com a descoberta e o uso do fogo, operan-<br />

do uma mediação entre o ser humano e o meio natural, a des-<br />

coberta e o uso da eletricidade vieram mediar uma nova rela-<br />

ção do homem a seus espaços culturalmente instituídos e<br />

demarcados. 3 Uma nova luz, em acepção literal e figurada. A<br />

eletricidade é triunfo e trunfo técnicos, alcançados pelo des-<br />

envolvimento da física, tal como se deu no curso do século<br />

XIX. O notável avanço obtido com (e pela) conquista, por<br />

exemplo, da luz artificial consumou-se ao fim de pouco mais<br />

de um século, uma vez que entre 1830 e 1850 o que se conhe-<br />

cia, nas principais cidades europeias e nos EUA, era a ilumi-<br />

nação a gás: imprecisa, bruxuleante e invariavelmente cre-<br />

puscular. Entre 1930 e 1950, a par de outros avanços da ele-<br />

trotécnica, o emprego de lâmpadas a vapor de mercúrio e tu-<br />

bos fluorescentes proporcionou a interiores uma luz branca,<br />

abundante e uniforme, a qual, sob alguns aspectos, admitia<br />

honrosas comparações à luz solar.<br />

Em um de seus muitos vislumbres, Marshall McLuhan deu a<br />

entender que um meio afeta a sociedade em que (como um<br />

ator dramático) atue; não o faz, porém, por seu conteúdo even-<br />

tual, senão por suas características tecnológicas, em sua primá-<br />

ria condição de canal e, logo depois, de ambiência. A invenção<br />

____________________<br />

3 “Today, after more than a century of electric technology, we have extended our nervous system itself in a global embrace,<br />

abolishing both space and time as far as our planet is concerned”. (Marshall McLuhan, Understanding Media. New York,<br />

McGraw-Hill, 1964 p. 28.<br />

da lâmpada elétrica 4 serviu a uma esclarecedora explicação:<br />

ela não dispõe de conteúdo — tal como um jornal traz artigos<br />

e a televisão oferece programas — mas, ainda assim, consti-<br />

tui-se em meio de grande efeito social. Ao cair da noite, uma<br />

lâmpada acesa permite que sejam criados novos espaços; sem<br />

ela, a escuridão envolveria a mente em trevas ancestrais, em<br />

todas as acepções desta expressão.<br />

A luz elétrica fazia bem mais do que completar ou substituir a<br />

iluminação natural, vindo mesmo a suplantá-la. Conquista téc-<br />

nica de grande importância para a civilização ocidental, distin-<br />

guia-se por ser regulável e, mediante variações controláveis,<br />

produzia efeitos; satisfazia ainda a um bom número de requi-<br />

sitos referentes, por exemplo, à iluminação de interiores, bene-<br />

ficiando a projetos arquitetônicos. Construídos com a impres-<br />

cindível assistência dos computadores, não serão nossas edifi-<br />

cações, literal e metaforicamente falando, “extensões” de nós<br />

mesmos? O controle da luz (natural e artificial) é comparável<br />

ao diafragma ocular; elevadores e andares vêm em auxílio a<br />

nossas pernas, em percursos que fazemos no interior de um<br />

prédio, que nos envolve ainda como ambiente.<br />

De fins do século XIX a meados do século XX, a eletricidade já<br />

se vinha impondo como meio técnico ideal para a transmissão<br />

____________________<br />

4 “The light bulb creates an environment by its mere presence”, disse certa vez em uma de suas exposições no Centrer<br />

for Culture and Technology da Universidade de Toronto. Esta proposição viria reafirmar a tese de que “o meio é a<br />

mensagem”, isto é, as qualidades características de um dado meio produzem tanto efeito quanto a informação que,<br />

por seu canal, se transmite.<br />

46


da informação. A história de seu emprego para tal finalidade ofe-<br />

rece marcos notáveis, ressaltando-se a invenção do telégrafo<br />

por volta de 1850; do telefone, entre 1850 e 1880; da transmis-<br />

são hertziana, ao redor de 1900; do rádio, na década de 20 do<br />

século passado; e da televisão, entre 1940 e 1960. Estendia-se o<br />

alcance dos sinais, fossem eles portadores da voz humana ou da<br />

imagem do homem e, por via de consequência ,do “homem<br />

imaginário”, proposto pelo cinema. Anunciava-se uma “telepre-<br />

sença”, algo que somente se concebia como ficção científica e<br />

que, em nosso tempo, tornou-se inteiramente factível pelo re-<br />

curso a uma tecnologia chamada “ponte holográfica”, em que<br />

pessoas, localizadas em pontos distintos, conversam ao vivo<br />

como se estivessem partilhando um só e mesmo ambiente.<br />

Marshall McLuhan observou que não seria possível compre-<br />

ender inteiramente a natureza e a influência exercida pela mí-<br />

dia eletrônica, fosse a televisão, fosse o rádio (e, hoje, telefo-<br />

nes celulares, computadores etc.) sem se aperceber e entender<br />

bem a natureza da eletricidade. Potencialmente perigosa em<br />

seu manejo, a eletricidade, como a mídia em si mesma, em<br />

seu ser ou em sua natureza é serventia, pois permite cone-<br />

xões. Uma nuvem de chuva se conecta à terra na forma fulgu-<br />

rante de um trovão, forte descarga elétrica na atmosfera. A cor-<br />

rente elétrica que chega por um fio instalado conecta a lâmpa-<br />

da de uso doméstico a um polo de energia, fazendo supor a<br />

conexão a uma rede e esta, a atividades de uma concessioná-<br />

ria de luz — em cadeia ou a exemplo de um jogo de dominós.<br />

Considerando-a, portanto, como prodígio técnico, a importân-<br />

cia da eletricidade em plano sociocultural poderá ser estima-<br />

da tanto por seu alcance quanto pela amplitude das mudan-<br />

ças que promoveu. Semanticamente, “elétrico” significará “de<br />

modo muito rápido”; em adaptação metafórica, servindo à<br />

descrição de uma personalidade, dirá “brilhante”, além de<br />

“agitado” e “nervoso”. “Moderno” e “dinâmico”, enfim.<br />

Na “era mecânica”, ação e reação não se correspondiam em<br />

referência ao curso do tempo; respostas chegavam lentamen-<br />

te, desencorajando todo envolvimento emocional. Na “era ele-<br />

trônica”, estendemos o sistema nervoso central à escala do pla-<br />

neta, abolindo as coordenadas de tempo e espaço, uma vez<br />

que ações e reações passaram a acorrer em simultaneidade. A<br />

extensão tecnológica de nosso self — a esquina do eu com o<br />

mim — nos comove e mobiliza no sentido de uma intensa par-<br />

ticipação em ocorrências havidas em qualquer parte de nossa<br />

“casa planetária”.<br />

Ao comparar a energia elétrica ao sistema nervoso central 5 ,<br />

McLuhan desvelou sua função unificadora no que tange à experiência<br />

humana e social. A energia elétrica faz bem mais do<br />

que iluminar; seu uso continuado promove alterações em no-<br />

____________________<br />

5 O sistema elétrico que nos habita chama-se sistema nervoso, ao qual compete conectar cada parte de nosso organismo<br />

a todas as demais. Por este sistema circula nossa auto percepção, nosso conhecimento interior, a atenção que a nós mes-<br />

mos damos. Ficamos sabendo do que se passa conosco e em torno a nós. Se, portanto, admitirmos que sistemas elétricos<br />

de qualquer espécie ponham coisas em contato e, assim fazendo, proporcionem formas de apreensão (veja-se o significa-<br />

do de “tomada”), não ficaremos surpresos em constatar que a mídia eletroeletrônica de nosso tempo — a internet em<br />

primeiro plano — põe efetivamente em risco a manutenção da privacidade individual. Esta situação tende a agravar-se,<br />

porque tal apreensão e a conectividade dependente da energia elétrica encerram, por sua natureza, um ímpeto de difícil<br />

contenção. Uma e outra existem para burlar defesas, vencer resistências, transpor fronteiras e analisá-las por completo.<br />

47


ções bem conhecidas e há muito estabelecidas, modificando,<br />

desta maneira, o complexo psicossocial e cultural humano.<br />

Processos de automação tendem potencialmente a introduzir<br />

modificações no mundo que um dia conhecemos, ao qual distingue<br />

a fragmentação trazida por procedimentos de mecanização.<br />

Letrado e habituado, pela ordem alfabética, a sequenciamentos,<br />

o homem da virada do último século já é tido<br />

por “criatura complexa” por definição; aos poucos, vem formando<br />

uma consciência planetária, porque, com os empreendimentos<br />

da mundialização, adquiriu a condição de “habitante<br />

da aldeia global”. Com a popularização das mais recentes<br />

tecnologias eletroeletrônicas — telefonia móvel, transmissão<br />

de TV em alta definição, redes wi-fi, conexão 3G e aparelhos<br />

(por-)táteis de comunicação digital — campos eletromagnéticos<br />

(de baixa e alta frequências) integram, de fato e de direito, domínios<br />

de nossa vida cotidiana, tornando-os, com seus (e os nossos)<br />

toques, um pouco mais “agitados”. Afinal, temos o mundo na<br />

palma da mão ou na ponta dos dedos. Um mundo literalmente<br />

digital, escolhido a dedo.<br />

Isto sucede porque, enlaçando funções sociais e políticas, e<br />

tantas vezes as implodindo ou provocando seu colapso interi-<br />

or, a velocidade da energia elétrica 6 e sua consumação tecnoló-<br />

gica expandiram a percepção e elevaram a consciência huma-<br />

na. O tradicional “ponto de vista”, com sua conhecida aptidão<br />

para separar e pôr em destaque, tornou-se obsoleto, cedendo<br />

o passo à “imagem total”, pregnante, impactante, configurada<br />

____________________<br />

6 “Electricity does not centralize, but decentralizes. It is like the difference between a railway system and an electric grid system: the one<br />

requires railheads and big urban centers. Electric power, equally available in the farmhouse and the Executive Suite, permits any place to<br />

be a center, and does not require large aggregations”. (Marshall McLuhan, Understanding Media).<br />

em forma e fundo como totalidade organizada, indivisível.<br />

Em sua magnífica inteireza, sua unidade e sua fina confecção,<br />

ela é tecnologicamente dotada; com isto, suscita simpatia e in-<br />

cita a uma tomada de consciência, de modo a mobilizar cama-<br />

das profundas do psiquismo humano.<br />

O título de uma das obras paradigmáticas de McLuhan —<br />

que, de certo modo, inaugura um campo de investigações<br />

que a posteridade poderá denominar Estudos Mediais — é<br />

Understanding Media: The Extensions of Man. Nele o teórico<br />

da escola canadense de comunicação delineia uma teoria<br />

geral da tecnologia, pela qual toda tecnologia — e não so-<br />

mente a eletroeletrônica — prolonga aspectos e característi-<br />

cas da fisiologia humana. Esta tomada de posição habilitou<br />

o autor a empreender uma pesquisa exploratória, na qual o<br />

circuito elétrico inteiro e todas as coisas que a ele ligamos<br />

(e com ele ligamos) representam acréscimos ao nosso siste-<br />

ma nervoso: “all technologies extend and enhance the natural<br />

physiological capacities of the human beings who create them”.<br />

Eis porque entender (os mecanismos de funcionamento da)<br />

mídia eletroeletrônica requer conhecimento prévio do que<br />

é e como opera o circuito elétrico. As tecnologias anteriores<br />

à era do eletrônico eram parcelares e fragmentadas; a eletri-<br />

cidade é totalizadora e inclusiva.<br />

Marshall McLuhan não pôde prever ou antecipar o momen-<br />

to histórico em que, em todo o planeta, com a popularização<br />

do hipertexto e a popularidade da internet e seus mecanis-<br />

48


mos de busca, ocorreu um sensível aumento da velocidade<br />

do fluxo da informação (vetor energético) produzido e propa-<br />

gado graças à eletricidade.<br />

Em linha com as proposições de McLuhan, enuncia-se aqui<br />

um princípio: eletricidade é conectividade; correlativamen-<br />

te, interconexões ou apreensões de ordem sensorial com-<br />

põem parte substancial da mensagem... da eletricidade.<br />

Explorando domínios da comunicação<br />

Explorations foi o título de uma revista, publicada entre os<br />

anos de 1953 e 1959, no Canadá. Em fins de 1960, algumas<br />

de suas edições circularam como encarte da revista Varsity<br />

Graduate, publicação oficial da Universidade de Toronto. Ver-<br />

sando temas de comunicação, seus destaques iam para inte-<br />

lectuais, estudiosos e professores atuantes em domínios<br />

como antropologia, arte e linguagem da poesia, além de ou-<br />

tros mais. Seus editores eram Edmund Carpenter e Marshall<br />

McLuhan. Naquela mesma década, no ano de 1966, a editora<br />

americana Beacon Press, em sociedade com a canadense<br />

Saunders of Toronto Ltd. publicaria a antologia Explorations<br />

in Communication, sob a supervisão editorial de Carpenter e<br />

McLuhan. Partilhavam ambos os ideais nativistas afirmati-<br />

vos de Harold Innis (Canadá, 1894-1952).<br />

Este volume, eminentemente ensaístico, explorava distintas<br />

gramáticas e linguagens dos meios de comunicação, tais<br />

como as da imprensa e da televisão, dando merecido relevo<br />

a “movimentos exploratórios” de assuntos como a comunica-<br />

ção não verbal, a comunicação tátil, o espaço acústico, as tra-<br />

dições da oralidade e da era da escrita; abordava também<br />

questões das disciplinas linguísticas e literárias — sem distin-<br />

guir língua de literatura — bem como modos lineares e não<br />

lineares de comunicação da realidade. Sob a inspirada batu-<br />

ta de seus editores, o livro traduzia esforços e muito empe-<br />

49


nho em demonstrar que todas as revoluções operadas em<br />

processos de formação e difusão de ideias, assim como de<br />

sensações e sentimentos, haviam tido o condão de modificar<br />

não somente as relações humanas, senão também padrões de<br />

expressão de todas as formas existentes de sensibilidade. En-<br />

tre outros “resultados exploratórios”, dados a conhecer, figu-<br />

rava a advertência quanto à ignorância generalizada acerca<br />

do papel desempenhado pela literacy (“letramento”) na for-<br />

mação psicossocial e cultural do homem do Ocidente; afirma-<br />

va-se igualmente a necessidade de se proceder a um reexa-<br />

me inovador da posição central ocupada pela mídia eletroele-<br />

trônica, em particular no que respeitasse à constituição de<br />

uma escala de valores filosóficos e socioculturais. Compon-<br />

do ambiências, letramento e revolução midial da era eletrôni-<br />

ca deixavam-se assinalar por sua “permeabilidade” e sua<br />

“capacidade de penetração” (pervasiveness), tornando-se vir-<br />

tualmente invisíveis e, assim, pouco passíveis de investiga-<br />

ção científica apurada, melhor dizendo, “exploratória”. Nes-<br />

te sentido, para levar a bom termo a “atividade de explora-<br />

ção”, seria preciso tomar, metaforicamente, uma mídia por<br />

outra, abordando-se então a imprensa pela ótica da mídia<br />

eletrônica ou se estudando a televisão por meio de uma vi-<br />

são analítica da imprensa. Com a comutação operada de<br />

uma configuração linear a outra em forma de feixe, o letra-<br />

mento entrou em declínio no âmbito da educação e na estru-<br />

tura social da Modernidade, posto que que o principal incen-<br />

tivo dado ao ensino da leitura, de par com o desenvolvimen-<br />

to de uma alta cultura letrada, residia em sua propalada rele-<br />

vância para todo e qualquer projeto individual a realizar-se.<br />

Desponta aqui, em filigrana, o educador Marshall McLuhan,<br />

a quem inquietava o fato de que, à sua época, os conceitos<br />

utilizados para a análise das mídias eram ainda de extração<br />

literária, limitando-se a “análises de conteúdo” nutridas por<br />

uma sociologia de pertinência duvidosa. Em qualquer caso,<br />

eram débeis ou inexistentes os vínculos à nova configuração<br />

da mídia eletroeletrônica. McLuhan faria uma proposição pa-<br />

radoxista, qual fosse a da “ignorância organizada” 7 . Reco-<br />

mendava pôr de lado as especializações, estritas (e, portanto<br />

estreitas), que fazem uso de um conhecimento disponível,<br />

jogando intenso feixe de luz (light-on) sobre algo que se mos-<br />

tra opaco; há então de haver insistência obstinada em lançar<br />

outro feixe luminoso, que se dê através (light-through) do ob-<br />

jeto em questão. Sob este aspecto, a televisão diferirá da foto-<br />

grafia e do cinema pelo fato capital de sua imagem chegar a<br />

nós através de um cinescópio. O que então se pode denomi-<br />

nar “modo de comunicação atravessado” requer iluminação<br />

total proveniente do interior (os bilhões de minúsculos pon-<br />

tos catódicos do cinescópio tradicional) e, assim, diametral-<br />

mente oposta ao modo analítico da tradição literária, que<br />

considera uma coisa por vez. Simultaneidades (all-at-once-<br />

ness) e não mais unidades linearmente dispostas em sequên-<br />

___________________<br />

7 “If you beam knowledge at a new situation, you find it is quite opaque; if you organize your ignorance, tackling the<br />

situation as an over-all project, probing all aspects at the same time, you find unexpected apertures, vistas,<br />

breakthroughs”.(Op. cit. pág. X).<br />

50


cias, que James Joyce chamou “ABCD-mindedness”, oferecem<br />

a garantia de que não haverá fraturas, fissuras ou fragmenta-<br />

ções no campo da percepção humana, bem ao feitio do que<br />

se havia estipulado como meta artística, cultural e científica<br />

em Explorations in Communication.<br />

Herbert Marshall McLuhan conhecia retórica e tinha apreciá-<br />

veis dotes de orador. Estava seguro do impacto e da ressonân-<br />

cia da comunicação dramática, aprendida com sua mãe Elsie,<br />

mulher culta, atriz e diseuse de poesia. Donde suas conhecidas<br />

sound-bites (“formulações breves e altissonantes”), as quais,<br />

verbalmente bem elaboradas, ele acrescentava doses de um<br />

humor algo irônico, temperando-as com pitadas de um exage-<br />

ro expressivo que beirava a hipérbole. Não ficará aqui desloca-<br />

da, portanto, uma breve digressão filológica.<br />

Tal digressão poderá demonstrar que a língua inglesa fixa<br />

uma distinção semântica entre os verbos to explore e to exploit,<br />

conferindo a este último o significado pouco abstrato de “fa-<br />

zer uso de recursos de uma região, um país etc.” ou, pejorati-<br />

vamente, “usar uma pessoa para satisfazer propósitos egoís-<br />

tas”; “aproveitar-se de alguém para atingir finalidades própri-<br />

as”. Quanto a to explore, seu étimo é o latim ex-plorare (“grito<br />

alto dado por caçadores ao localizar presas de caça”). Sincroni-<br />

camente, to explore diz o mesmo que to search out (“lançar-se a<br />

uma busca”), especializando-se to explore em “to look wisely<br />

and carefully”. 8 Por extensão de significado, tem-se “viajar por<br />

um território com o propósito de conhecê-lo”; acessoriamente,<br />

“proceder a um exame atento, com a finalidade de detecção<br />

de problemas e possibilidades”; “inquirir com seriedade”. To<br />

explore subsume as funções de “explorar riquezas”; “investi-<br />

gar sistematicamente” ou “escrutinar criativamente”. Quer<br />

também dizer “prospectar (coisas úteis ou valiosas)”. Há ain-<br />

___________________<br />

8 In Collins Thesaurus of the English Language. New York: Harper-Collins, 2002.<br />

51


da um sentido médico especializado, que é o de “examinar<br />

para (se) chegar a um diagnóstico”.<br />

Pense-se um instante em browsers como o antigo Netscape e o<br />

conhecido Internet Explorer. Seus nomes lembram ou não<br />

uma viagem espacial ou, com maior precisão, uma exploração<br />

de espaços virtuais? Em inglês, um explorer viaja, desloca-se<br />

daqui para ali (travels around) ou dá um giro ou uma volta<br />

(tours), inspeciona ou observa do alto (algo) em seu conjunto<br />

(surveys), com uma preocupação eminentemente heurística,<br />

isto é, ocupando-se com descobertas. O Explorer 1 terá sido o<br />

primeiro satélite artificial terrestre lançado ao espaço pelos<br />

EUA, em 31 de janeiro de 1958.<br />

“I may be wrong, but I’m never in doubt”. Com este dístico, Marshall<br />

McLuhan estava dizendo que a si próprio não concedia os<br />

benefícios da dúvida. Desassombrado, corajoso e assertivo, foi<br />

um explorer 9 como poucos haverá, por seu pendor aventuresco<br />

(jamais aventureiro) e a generosidade intelectual, além da magnanimidade,<br />

uma e outra prerrogativas dos homens de espírito,<br />

no sentido que, na França, se dá a esta expressão. Viajante<br />

mercurial e, a seu modo, andarilho e alpinista, além de marinheiro<br />

como o personagem de Edgar Allan Poe, Marshall<br />

McLuhan subiu colinas, chegou a cumes e desceu a cavernas<br />

da comunicação teórica; jamais demonstrou incômodo ou cansaço<br />

em percorrer planícies ou subir em direção a um planalto.<br />

___________________<br />

9 A este respeito, é particularmente instrutivo o livro de Carlos F. Collado e Roberto H. Sampieri, Marshall McLuhan,<br />

el explorador solitário. (Mexico: Grijalbo, 1995).<br />

Aventurou-se em mares sem dispor de cartas náuticas, tendo<br />

conseguido sobrenadar onde outros afundaram. Internauta<br />

avant la lettre, era cioso de sua condição de viajor destemido, fugindo<br />

de sendas batidas apontadas por guias de turismo convencional<br />

ou à la mode, para acolher o imprevisto ou ir ao encontro<br />

do inesperado. Parecia gostar de mostrar-se em flashes, oferecer<br />

insights pela clareza instantânea de sua mente e, bem ao gosto<br />

de sua época, dar aulas como se de um happening — a intervenção<br />

festiva e descontraída ou a representação teatral improvisada,<br />

solicitando a participação ativa dos circunstantes — se<br />

tratasse, para nada dizer da “tempestade de ideias”, técnica à<br />

qual amiúde recorria.<br />

Em tudo e por tudo distintas dos relatórios de pesquisas (uni-<br />

versitárias) contemporâneas, suas explorações, de porte filosófi-<br />

co e cariz multidisciplinar, representaram um exercício de sen-<br />

sibilidade aguda ao que emergia como novo, exigindo um<br />

novo modo de pensar. McLuhan as tinha na conta de um au-<br />

têntico “campo de provas” ou uma “área de manobras”; ja-<br />

mais, porém, uma “zona de conforto”.<br />

Por fim, mas não menos importante, explorer, como substanti-<br />

vo, designa um instrumento ou ferramenta usado para (uma)<br />

exploração; tem, por sinônimo, probe.<br />

52


Probes<br />

A exploração filosófica se associa à investigação filológica para<br />

elucidar “de dentro” o que se oculta sob a pele das palavras.<br />

Oriundo do latim probare (“provar” ou “aprovar mediante<br />

teste”), probe diz respeito a uma ação exploratória, a uma “expedição<br />

ou incursão que se destinem a coletar informações<br />

acerca de uma região remota ou desconhecida”. O mesmo<br />

substantivo serve também para nomear a “sonda cirúrgica”.<br />

To probe significa “sondar”, no sentido de “explorar”, “investigar”<br />

ou “fazer uma sindicância”; donde, “inquirir” e mesmo<br />

“esmiuçar”. Quando dizia “I´m probing (this or that)”,<br />

McLuhan fazia referência à condução de uma busca de caráter<br />

exploratório (para eventual estabelecimento dos fatos),<br />

uma perquirição. 10 É este também o significado de probe no<br />

jargão jornalístico dos EUA.<br />

Em suas estratégias de reflexão e de expressão de seu pensamento,<br />

McLuhan elegeu o aforismo 11 — daí talvez o epíteto de<br />

____________________<br />

10 The Probes é hoje marca de um produto do Nova Scotia College of Art and Design,no Canadá, que abriga arqui-<br />

vos originais (em formato PDF) em regime de comodato com The Herbert Marshall McLuhan Foundation, detentora<br />

dos direitos eletrônicos da obra do eminente teórico canadense da comunicação.<br />

11 Substantivo derivado do verbo grego antigo aphoricsein (“definir”; “estabelecer limites”), aforismo quer dizer “decla-<br />

ração”, “frase curta e concisa”, veiculada pela tradição (cultural, literária, jurídica, filosófica) e corrente em “praça públi-<br />

ca” ou “fórum”, no intento de exprimir um princípio (“algo que é como é por princípio”). Com o aforismo, pode-se<br />

expressar uma verdade que se pretenda incontrastável. Caracterizam-no o modo categórico, terminante e irretorquí-<br />

vel que marcam sua forma e demarcam seu conteúdo. Textos econômicos, sucintos e mesmo lacônicos, em construção<br />

frasal paratática (orações absolutas e frases autoexplicativas), aforismos convêm a um estilo fragmentário e assistemáti-<br />

co na escrita filosófica, relacionando-se ainda a uma reflexão de natureza prática ou moral, dadas a sua admissível perti-<br />

nência e sua evidente incisividade. Da Antiguidade aos tempos modernos, filósofos da estatura de F. Nietzsche (Alema-<br />

nha, 1844-1900), L. Wittgenstein (Viena, 1889-Cambridge, 1951) e M. Heidegger (Alemanha, 1889-1976), recorreram a<br />

aforismos (frases lapidares) para substanciar suas proposições filosóficas. E obtiveram o mesmo grande sucesso.<br />

“oráculo da era eletrônica” — como forma simples de linguagem,<br />

com a qual pudesse dar a conhecer porções (bits/bites) de<br />

informação, dar curso à sua percepção expandida, exercitar sua<br />

inteligência ou fazer valer seu talento lítero-filosófico. Marshall<br />

McLuhan fez manejo apto desta forma metafórica de expressarse,<br />

na qual reconhecia, em sua face interna, um elemento intuitivo,<br />

às vezes mesmo irracional, mesmo sob a aparência de uma<br />

construção sintática rigorosamente estruturada. A inspiração e<br />

o bom humor que invariavelmente o assistiam, permitiam a<br />

McLuhan imprimir a seus probes, como aforismos, uma tensão<br />

entre um polo de natureza lógica e outro de ordem ético-estética,<br />

deixando entrever um intuito prospectivo e uma intenção<br />

pedagógica. 12 Em nada aleatórios e, menos ainda, ingênuos —<br />

engenhosos, certamente — os “mcluhanismos” (para os mais<br />

críticos, “mcluhanices”) valem por uma surpreendente coleção<br />

de juízos bem definidos, de proveniência abdutiva (pela descontextualização),<br />

recorte metafórico e alinhavo feito sob a impressão<br />

desconcertante causada pelo paradoxo.<br />

O pensador canadense da comunicação e da mídia preferiu o<br />

aforismo ao argumento de cátedra; a enunciação da hipótese<br />

sedutora à da tese sisuda. Seus quips (“tiradas”) e wittcisms<br />

(“comentários denotativos de grande presença de espírito,<br />

que se caracterizam pela capacidade de percepção e a escolha<br />

de palavras”) revelam-no por inteiro. Agudeza teórica, complexidade<br />

filosófica e simplicidade na expressão final; convocação<br />

dos sentidos elementares, em sinestesia; e referência alusiva<br />

a sentidos intelectualmente estabelecidos<br />

____________________<br />

12 Marshall McLuhan e David Carson publicaram The Book of Probes, (Gingko Press, 2003), tendo como editores Eric<br />

McLuhan e William Kuhn. Compõem também o volume comentários feitos por Eric McLuhan e W. Terrence Gordon.<br />

53


Para constar, segue-se a transcrição, em língua portuguesa, de<br />

alguns probes de Herbert Marshall McLuhan.<br />

‣“Somente os pequenos segredos precisam de proteção.<br />

As grandes descobertas são protegidas pela incredulidade<br />

do público”.<br />

‣“Com o telefone e a TV, não é tanto a mensagem, mas sim o<br />

mensageiro, que está sendo enviado”.<br />

‣“O dinheiro vivo é o cartão de crédito do pobre”.<br />

‣“Olhamos para o presente por um espelho retrovisor. Va-<br />

mos de ré para o futuro”.<br />

‣“Você quer dizer que minha falácia inteira está errada!”<br />

‣“A lama às vezes dá a ilusão de profundidade.”<br />

‣“O carro se tornou a carapaça, a concha protetora e agres-<br />

siva do homem da cidade”.<br />

‣“O problema da educação especializada e barata é que<br />

você nunca para de pagar por ela.”<br />

‣“As pessoas, na verdade, não leem os jornais. Elas entram ne-<br />

les toda manhã, como num banho quente”.<br />

‣“Hoje em dia todos nós vivemos muitos séculos em<br />

uma década”.<br />

‣“O grande negócio dos negócios está se tornando hoje a<br />

constante invenção de novos negócios”.<br />

‣“Quando você está ao telefone, você não tem corpo”.<br />

‣“O amanhã é o nosso endereço fixo”.<br />

‣“As respostas estão sempre contidas nos problemas,<br />

e não fora deles”.<br />

‣“Esta informação é de segurança máxima. Quando a tiver<br />

lido, autodestrua-se”.<br />

‣“Os homens na fronteira do tempo ou do espaço abandonam<br />

suas identidades prévias. A vizinhança confere identidade. As<br />

fronteiras a roubam”.<br />

‣“A ignorância quanto ao uso do conhecimento cresce<br />

exponencialmente”.<br />

‣“A nova mídia não é a forma como nos relacionamos com<br />

o ´velho´ mundo. Ela é o novo mundo e remodela o que ain-<br />

da resta do velho”.<br />

‣“Os efeitos da nova mídia em nossas vidas sensoriais são<br />

comparáveis aos efeitos da nova poesia. Eles não mudam<br />

os nossos pensamentos, mas a estrutura do nosso mundo”.<br />

Eis o homem: Herbert Marshall McLuhan, quintessencial!<br />

54


Referências<br />

CARPENTER, Edmund e MCLUHAN, H. Marshall (editores). Explorations<br />

in Communication. Boston (MA): The Beacon Press, 1960.<br />

COLLADO, Carlos F. e SAMPIERI, H. Marshall McLuhan, el explorador<br />

solitário. Mexico: Grijalbo, 1995.<br />

IRVING, John A. (editor). Mass Media in Canada. Toronto: The Ryerson<br />

Press, 1962.<br />

LORIMER, Rowland e MCNULTY, Jean. Mass Communication in<br />

Canada. Toronto/New York/ Oxford: Oxford University Press,<br />

1996.<br />

MCLUHAN, Herbert Marshall e CARSON, David. The Book of Probes<br />

(Editado por Eric McLuhan e William Kuhns). Berkeley (CA):<br />

Ginkgo Press, 2003.<br />

MCLUHAN, Herbert Marshall. Understanding Media: the Extensions<br />

of Man. New York: McGraw-Hill, 1964.<br />

_________. Verbi-voco-visual Explorations. New York: Something Else<br />

Press, 1967.<br />

ROSENTHAL, Raymond. McLuhan Pro&Con.: New York: Funk&Wagnalls,<br />

1968.<br />

55


McLuhan e as extensões<br />

RODRIGO MIRANDA BARBOSA<br />

DOUTORANDO EM COMUNICAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA<br />

BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL, BRASIL<br />

RMBDESIGN@GMAIL.COM<br />

Resumo<br />

O artigo pretende chamar a atenção para o esquecido conceito de<br />

extensões utilizado por McLuhan e outros autores, apresentando o<br />

seu início e as problemáticas que envolvem discutí-lo, como a rela-<br />

ção homem e máquina, biológico e tecnológico, o conceito de tecno-<br />

logia e a busca de uma melhor definição do conceito de extensões.<br />

Palavras chave<br />

McLuhan, tecnologia, extensões do humano, Ernst Kapp<br />

56


Meu tema principal é a extensão do sistema nervoso na<br />

era elétrica, e assim, a ruptura completa com cinco mil<br />

anos de tecnologia mecânica. Isso eu declaro e repetida-<br />

mente. Eu não digo se é uma coisa boa ou ruim. Fazê-lo<br />

seria inútil e arrogante. (McLuhan, 1987, p. 300) 1<br />

Marshall McLuhan, o literato canadense que se tornou um<br />

dos maiores nomes sobre os estudos dos meios de comunica-<br />

ção e seus efeitos, alcançou seu sucesso estrondoso com o li-<br />

vro Understanding Media: the extensions of man em 1964. É de<br />

se esperar que a concepção de meios de comunicação en-<br />

quanto extensões do homem seja então um ponto fundamen-<br />

tal para a discussão do trabalho deste autor.<br />

Apesar dessa aparente importância pouco se discutiu sobre<br />

uma concepção tão abrangente que envolve filosofia da tec-<br />

nologia, antropologia da tecnologia, o conceito de técnica e<br />

de meios de comunicação, isso para elucidar apenas algu-<br />

mas problemáticas possíveis.<br />

Ainda assim, parece-nos que a sua simples expressão encerra<br />

o debate, sofrendo de um processo de naturalização que pou-<br />

cos ousam questioná-lo. É também enganoso pensar este des-<br />

prezo pelo conceito se deu apenas por aqueles que não se<br />

aprofundaram nos estudos de McLuhan. Um dos exemplos<br />

mais emblemáticos é o de W. Terrence Gordon que no glossá-<br />

rio produzido para a versão crítica do livro Understanding Me-<br />

dia: the extensions of man (2003) e no índice remissivo da biogra-<br />

____________________<br />

1 Tradução livre. Trecho de carta enviada para o jornalista canadense Robert Fulford em 1 de Junho de 1964.<br />

fia Marshall McLuhan: Escape Into Understanding (1997) escrita<br />

pelo mesmo autor, o termo “extensão” é simplesmente inexis-<br />

tente. Na biografia Marshall McLuhan: The Medium and the Mes-<br />

senger (1989) escrita por Philip Marchand também não há men-<br />

ção ao termo “extensão” ou similares no índice remissivo.<br />

Será então que a noção de extensão é tão óbvia assim?<br />

McLuhan é possivelmente o maior expoente do conceito de<br />

extensões, mas não o único. Atrevemo-nos assim a investi-<br />

gar outros autores que problematizaram as relações entre ho-<br />

mem e tecnologia e as possíveis influências no pensamento<br />

de McLuhan com o objetivo de trazer a tona a vasta proble-<br />

mática que traz consigo o conceito de extensões e como este<br />

pode ser um dos pontos fundamentais para compreender as<br />

tecnologias e os meios de comunicação.<br />

A concepção mais básica de extensão é a de que os objetos téc-<br />

nicos estendem faculdades mentais e corporais do humano.<br />

Aristóteles talvez tenha sido o primeiro a colocar em discus-<br />

são o tema por volta do século 5 a.C.. Para Martin Lister<br />

(2009) em dois trabalhos Aristóteles iniciaria a discussão das<br />

ferramentas enquanto extensões. O primeiro trabalho seria<br />

Eudemian Ethics e o segundo A Política. Aristóteles percebe<br />

nestes o corpo como uma ferramenta natural da alma. Os ins-<br />

trumentos são como escravos sem vida, e os escravos en-<br />

quanto instrumentos com vida. O autor estende esse concei-<br />

to ao relacionar que para a navegação, o leme é o instrumen-<br />

to inanimado e o piloto, o instrumento animado.<br />

57


Em Eudemian Ethics diz “Para o corpo é o instrumento natu-<br />

ral da alma, enquanto o escravo é como se fosse uma parte e<br />

ferramenta destacável do mestre, a ferramenta sendo uma<br />

espécie de escravo inanimado” (Barnes, 1984 apud Lister,<br />

2009, Tradução livre).<br />

No livro A Política Aristóteles reafirma:<br />

Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, ou-<br />

tros animados. Assim é que, para a navegação, o leme é o<br />

instrumento inanimado e o piloto, o instrumento anima-<br />

do. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de ins-<br />

trumento. (Everson 1996, p. 15 apud Lister, 2009)<br />

Ainda que Aristóteles possa ter sido um dos primeiros a situ-<br />

ar o problema da extensão, é o geógrafo e filósofo da tecnolo-<br />

gia alemão Ernst Kapp que em Grundlinien einer Philosophie<br />

der Technik (1877) inaugura o termo “filosofia da tecnologia”<br />

e onde a noção de extensão (ou, projeção) ganha realmente<br />

corpo e importância fundamental. O autor concebe a tecnolo-<br />

gia, da mesma forma que Aristóteles, como uma forma de<br />

“projeção do órgão” (organ projection) (Lister, 2009), optando<br />

pelo termo projektion em vez do equivalente em alemão para<br />

extensão (Brey, 2000).<br />

… a relação intrínseca que surge entre as ferramentas e ór-<br />

gãos, e que é para ser revelada e enfatizada - embora seja<br />

mais uma descoberta inconsciente do que consciente de<br />

invenção - é que na ferramenta o ser humano produz conti-<br />

nuamente a si mesmo. Uma vez que o órgão cuja utilidade<br />

e poder deve ser aumentado é o fator dominante, a forma<br />

apropriada de uma ferramenta pode ser obtida somente a<br />

partir desse órgão. A riqueza das criações intelectuais, por-<br />

tanto, surge de mãos, braços e dentes. O dedo dobrado tor-<br />

na-se um gancho, o oco da mão uma tigela; na espada, lan-<br />

ça, remo, pá de ferro, rastilho, arador e pá de cavar, obser-<br />

va-se diversas posições de mão, braço e dedos, cuja adap-<br />

tação à caça, jardinagem, pesca, e ferramentas do campo é<br />

facilmente perceptível. (Kapp, 1877, p. 44-45 apud Mi-<br />

tcham 1994, p. 23-24, Tradução Livre).<br />

O aspecto mais importante da visão de Kapp sobre a tecnolo-<br />

gia enquanto projeção dos órgãos é que o objeto técnico tem<br />

um aspecto morfológico intrinsecamente ligado ao órgão<br />

que o objeto técnico está estendendo. Percebemos que a rela-<br />

ção entre forma e função é essencial para Kapp. Os instru-<br />

mentos devem ter o aspecto de órgão humano, assim um<br />

gancho deve parecer-se com uma mão.<br />

Para Kapp a tecnologia configurava-se como um meio de<br />

“superar a dependência da natureza bruta” (Mitcham 1994,<br />

p. 23). E isso se dá a partir da colonização do espaço e do<br />

tempo que permite “ligar as línguas mundo, semiótica, e in-<br />

venções em uma transfiguração global da terra e um habitat<br />

verdadeiramente humano.” (Mitcham 1994, p. 23). Neste tex-<br />

to Kapp teria previsto uma rede de telégrafos "universal tele-<br />

graphics" que iria transformar (encolher) o tempo e (manipu-<br />

lar) o espaço. Argumentando que o telégrafo seria uma exten-<br />

58


são do sistema nervoso assim como as estradas de ferro são<br />

extensões do sistema circulatório.<br />

Somente após o fato, em muitos casos, os paralelos morfo-<br />

lógicas tornam-se aparentes. (Na verdade, o capítulo 9 do<br />

Grundlinien é dedicada ao inconsciente). E é só nesta base<br />

que a ferrovia é descrita como uma externalização do siste-<br />

ma circulatório (capítulo 7), e o telégrafo como uma exten-<br />

são do sistema nervoso (capítulo 8). (Mitcham, 1994, p. 23,<br />

Tradução Livre).<br />

E para Carl Mitcham, Kapp leva essa relação morfológica ao<br />

extremo ao considerar a linguagem como uma extensão “Fi-<br />

nalmente, até mesmo a linguagem e o Estado são analisados<br />

como extensões da vida mental e da res publica ou externa da<br />

natureza humana.” (Mitcham, 1994, p. 23).<br />

Para o filósofo Taede A. Smedes (2009), o conceito de Kapp<br />

não se restringe a uma projeção do órgão, pois estes órgãos<br />

também são ampliações e exteriorizações. "Grande parte da<br />

tecnologia foi, segundo Kapp, um alargamento e externaliza-<br />

ção de órgãos humanos, como a tecnologia que substitui as ca-<br />

pacidades humanas." (2009, p. 50, Tradução livre).<br />

A comparação morfológica parece simples, mas esconde que<br />

esta projeção não é apenas da forma. Uma forma semelhante<br />

deve ter uma função semelhante para Kapp, assim os nervos<br />

humanos transformam-se em cabos de telégrafo, as lentes em<br />

instrumentos óticos imitam as lentes do olho humano, e os sistemas<br />

ferroviários imitariam a estrutura do sistema vascular.<br />

Segundo Kapp, “Os seres humanos inconscientemente transferem<br />

forma, função e as proporções normais de seu corpo para<br />

as obras das suas mãos” (Kapp 1877, p. v-vi, apud Brey, 2000,<br />

Tradução livre).<br />

Isso significa que os humanos usam suas próprias faculda-<br />

des como um padrão de referência sempre que criam novos<br />

artefatos, e esse processo não se dá de forma consciente. Esta<br />

última característica sendo a mais duvidosa, pois retira qual-<br />

quer possibilidade de intencionalidade na ação de construir<br />

um objeto técnico.<br />

Sendo assim, as propriedades dos órgãos biológicos são<br />

transferidas aos artefatos (forma, função, proporção) e estes<br />

órgãos projetados realçam estes poderes naturais. Ainda que<br />

para Kapp a forma sempre siga a função, ou seja, para duas<br />

coisas serem funcionalmente similares, elas devem ser tam-<br />

bém morfologicamente similares, segundo Brey (2000), Kapp<br />

tende a perceber essas projeções mais como substitutas dos<br />

órgãos humanos do que como complementos. Este propõe<br />

assim, a partir do seu conceito de projeção, uma naturaliza-<br />

ção da produção dos artefatos tecnológicos.<br />

59


O debate das extensões em McLuhan<br />

Dentre os diversos autores que escreveram sobre extensões,<br />

sob qual McLuhan se apóia? Parece difícil precisar quem apre-<br />

sentou e foi sua inspiração para o conceito. Dois autores pro-<br />

curaram sistematizar de forma mais profunda essas influên-<br />

cias: Richard Cavell no livro McLuhan in Cultural Space (2003);<br />

e Alice Rae na sua tese McLuhan’s Unconscious (2008).<br />

Para estes autores as referências de McLuhan podem ter vindo<br />

de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), Henri Bergson (1859-<br />

1941), Ernst Cassirer (1874-1945), Teilhard de Chardin (1881-<br />

1955), James Joyce (1882-1941), Sigmund Freud (1856-1939),<br />

Edward T. Hall (1914-2009), Buckminster Fuller (1895-1983), e<br />

Lewis Mumford (1895-1990). Todos estes devidamente citados<br />

por McLuhan em seus trabalhos. Mas talvez o caso mais interes-<br />

sante seja a relação de McLuhan com Edward T. Hall.<br />

Segundo Rae (2008), apesar de McLuhan ter lido o livro de<br />

Freud nos anos anteriores a publicação de The Mechanical Bri-<br />

de (1951), é Edward T. Hall com o seu livro The Silent Langua-<br />

ge (1959) que aparece no livro A Galáxia de Gutenberg (1977):<br />

Hoje o homem desenvolveu extensões para praticamente<br />

tudo o que ele costumava fazer com seu corpo .... todas as<br />

coisas materiais feitas pelo homem podem ser tratadas<br />

como extensões do que o homem fez uma vez com seu cor-<br />

po ou alguma parte especializada do corpo dele. (Hall,<br />

1959, p. 79, Tradução livre; McLuhan, 1977, p.21).<br />

Ted Carpenter (2001, p. 19) que até escreveu livro com<br />

McLuhan atribui justamente a Edward Hall o conceito utilizado<br />

por McLuhan. McLuhan em diversas cartas enviadas a Walter<br />

Ong, fala do seu apreço por Edward Hall e em uma delas<br />

atribui crédito do conceito de extensões a este. Após McLuhan<br />

conhecer Hall, os dois trocaram diversas cartas e Hall até enviou<br />

uma versão prévia do seu livro Beyond Culture (1976) no<br />

qual inclui uma nota em que afirma que o termo extensão foi<br />

tomado "emprestado" por McLuhan A Galáxia de Gutenberg<br />

(Hall, 1976, p. 245, nota 4; McLuhan, 1987, p. 515, nota 1).<br />

McLuhan, triste com a acusação, contesta que Hall tenha<br />

sido um dos primeiros a conceitualizar o termo extensão, em<br />

uma de suas cartas para Walter Ong em 1962. Dizendo que a<br />

ideia de Hall veio de Buckminster Fuller. Ele “teve a idéia de<br />

nossas tecnologias como outerings de sentido e função a par-<br />

tir de Buckminster Fuller” (McLuhan, 1987, p. 287;308, nota<br />

1, Tradução livre). Mas é possível que o próprio Fuller esti-<br />

vesse ciente do trabalho de Freud, pois o mesmo tinha gera-<br />

do muita atenção nos EUA.<br />

Para Richard Cavell, o autor James M. Curtis em Culture as<br />

Polyphony (1978) deu algumas pistas indicando que até Hegel te-<br />

ria influenciado McLuhan:<br />

Não se costuma associar Hegel com a tecnologia, mas ele o<br />

fez e com o princípio com que McLuhan chocou as pessoas<br />

cento e cinqüenta anos depois: a interpretação da tecnologia<br />

como a extensão do homem (Curtis, 1978, p. 34-35 apud Ca-<br />

vell, 2003, p. 256-257, nota nº52, Tradução livre).<br />

60


Cavell encontra ainda outros autores que poderiam ter influ-<br />

enciado McLuhan. Notando outras apropriações como a de<br />

Georg Von Békésy (1967) e a do arquiteto Le Corbusier em<br />

que a arte decorativa é “uma extensão de nossos membros -<br />

de fato de membros artificiais“. (1987, p. 72).<br />

Uma vez que fica difícil rastrear de forma assertiva a partir<br />

de qual conceito McLuhan se apropria. O que parece ficar<br />

claro, é que o próprio McLuhan rastreou o “conceito” 2 de ex-<br />

tensões nestes autores tão diversos, mas ainda assim não pro-<br />

pôs um conceito de forma clara e objetiva.<br />

Mas qual é o sentido de extensão utilizado por McLuhan?<br />

Para McLuhan toda tecnologia é uma extensão. Ela pode ser<br />

tanto do corpo como da inteligência do homem.<br />

Em termos gerais não podemos dizer que McLuhan tenha<br />

um conceito muito desenvolvido ou que propõe uma diferen-<br />

ciação clara entre vários tipos de extensões. A própria no-<br />

menclatura escolhida pelo autor cria essa dificuldade uma<br />

vez que o mesmo por vezes utiliza o termo “extensão”, em<br />

outras pode denominar de “tradução”, “repetição” ou “inten-<br />

sificação” para representar o mesmo processo.<br />

Segundo Rae (2008), a partir de 1973, McLuhan deixa de utili-<br />

zar muitas vezes a noção de tecnologias enquanto extensões<br />

e passa a utilizar termos relacionados a linguagem como<br />

"metáfora" ou "palavra" com uma "estrutura lingüística" e<br />

____________________<br />

2 Ainda que possamos identificá-las mais como ideias do que propriamente conceitos elaborados de forma sistemática.<br />

que vai desembocar no modelo tetrádico do livro Laws of Me-<br />

dia (1988) escrito com seu filho, Eric McLuhan.<br />

Ainda assim, podemos chegar a algumas definições. As ex-<br />

tensões de McLuhan podem ser divididas em dois tipos. De<br />

um lado extensões do corpo e de outro, extensões de faculda-<br />

des cognitivas como as funções dos sentidos, sistema nervo-<br />

so central e até a consciência. Esta última encarada como a<br />

fronteira final das extensões.<br />

Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das<br />

extensões do homem: a simulação tecnológica da consciên-<br />

cia, pela qual o processo criativo do conhecimento se esten-<br />

derá coletiva e corporativamente a toda a sociedade huma-<br />

na, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos<br />

através dos diversos meios e veículos. (1969, p.17)<br />

Já as extensões do corpo podem ser extensões de partes do<br />

corpo humano que podem ser usadas para agir no mundo,<br />

se proteger do ambiente ou regular certas funções do corpo.<br />

As roupas, por exemplo, são uma extensão da pele e que es-<br />

tendem a função do controle de temperatura e de proteção<br />

do corpo. Outros utensílios como jarras, fósforos, e dinheiro<br />

também são considerados como tecnologias que estendem<br />

funções de “armazenamento e mobilidade” (1969, p. 207).<br />

Os meios de comunicação são analisados enquanto extensões<br />

dos sentidos. Em destaque o sentido da visão e da audição. O<br />

rádio e o telefone, por exemplo, funcionam como orelhas de lon-<br />

61


ga distância. E as extensões como a escrita e a imprensa são extensões<br />

visuais. E foram analisados como executando funções<br />

de processamento de informação do sistema nervoso central.<br />

Funções como gestão da informação, armazenamento e a recuperação<br />

que eram executadas pelo sistema nervoso central.<br />

Um dos pontos importantes do conceito de extensão é que<br />

para ele as extensões criam um entorpecimento e devido a<br />

isso não são percebidos enquanto extensões e também não<br />

permite perceber os novos ambientes criados decorrentes<br />

dos efeitos dos meios.<br />

O exame da origem e do desenvolvimento das extensões<br />

individuais do homem deve ser precedido de um lance de<br />

olhos sobre alguns aspectos gerais dos meios e veículos —<br />

extensões do homem — a começar pelo jamais explicado<br />

entorpecimento que cada uma das extensões acarreta no<br />

indivíduo e na sociedade. (1969, p.20).<br />

McLuhan recorre ao mito de Narciso em Understanding Me-<br />

dia para se referir ao efeito de entorpecimento enquanto um<br />

efeito do processo de extensão. No mito grego de narciso, o<br />

jovem narciso é conhecido pela sua beleza e orgulho e dessa<br />

forma desdenha daqueles que o amam. Nemesis ao ver essa<br />

situação induz Narciso a olhar o seu reflexo na água. Narci-<br />

so apaixona-se pelo seu próprio reflexo, ou seja, por si mes-<br />

mo. E não conseguindo escapar da beleza de seu reflexo,<br />

Narciso morre.<br />

Para McLuhan, Narciso não se apaixona por si mesmo, pois<br />

este não percebe se trata de um reflexo. Ele acreditava que era<br />

outra pessoa, quando na verdade era uma parte sua estendi-<br />

da. "A extensão de si mesmo pelo espelho embotou suas per-<br />

cepções até que ele se tornou o servomecanismo de sua pró-<br />

pria imagem prolongada ou repetida." (1969, p. 59).<br />

Cada nova extensão exerce uma pressão sobre nós, e em de-<br />

corrência dessa pressão exercida pela faculdade estendida,<br />

nosso corpo procura nos proteger entorpecendo aquela área<br />

ou bloqueando a percepção. Dessa forma, toda extensão é<br />

(também) uma amputação. Para lidar com essas pressões, se-<br />

gundo McLuhan, contra-irritantes devem ser aplicados, e<br />

que se resumem em novas extensões.<br />

Fisiologicamente, o sistema nervoso central, essa rede elé-<br />

trica que coordena os diversos meios de nossos sentidos<br />

desempenha o papel principal. Tudo o que ameaça a sua<br />

função deve ser contido, localizado ou cortado, mesmo ao<br />

preço da extração total do órgão ofendido. […] Qualquer<br />

invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputa-<br />

ção de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e<br />

equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo.<br />

Assim, não há meio de recusarmo-nos a ceder às novas re-<br />

lações sensórias ou ao “fechamento” de sentidos provoca-<br />

do pela imagem da televisão. Mas o efeito do ingresso da<br />

imagem da televisão variará de cultura a cultura, depen-<br />

dente das relações sensórias existentes em cada cultura.<br />

(1969, p.61;63)<br />

62


Se McLuhan não se preocupa com a descrição do processo<br />

de projeção, só pontua que existem os paralelos entre artefa-<br />

tos e faculdades humanas, fato que é levantado por seus críti-<br />

cos. Em contraposição ele aponta o que considera mais im-<br />

portante, que são os efeitos dos seus usos, e a relação que te-<br />

mos com nossas extensões.<br />

Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-<br />

nos a elas como servomecanismos. Eis por que, para utili-<br />

zar esses objetos-extensões-de-nós-mesmos. devemos ser-<br />

vi-los, como a ídolos ou religiões menores. Um índio é um<br />

servomecanismo de sua canoa, como o vaqueiro de seu ca-<br />

valo e um executivo de seu relógio. […] Fisiologicamente,<br />

no uso normal da tecnologia (ou seja, de seu corpo em ex-<br />

tensão variada vária), o homem é perpetuamente modifica-<br />

do por ela, mas em compensação sempre encontra novos<br />

meios de modificá-la. É como se o homem se tornasse o<br />

órgão sexual do mundo da máquina, como a abelha do<br />

mundo das plantas, fecundando-o e permitindo o evolver<br />

de formas sempre novas. O mundo da máquina correspon-<br />

de ao amor do homem atendendo a suas vontades e dese-<br />

jos, ou seja, provendo-o de riqueza (1969, p. 64-65)<br />

McLuhan apresenta a partir da noção de extensão e de tecnolo-<br />

gia uma visão importante e diferenciada de outros autores, ao<br />

colocar que o homem e o objeto técnico fazer parte de um mes-<br />

mo sistema. A canoa necessita do homem para configurar um<br />

sistema funcional, eles são partes intrínsecas de um mesmo<br />

projeto. Da mesma forma como Aristóteles situa que para a<br />

navegação é uma composição de partes animadas e inanima-<br />

das, mas que ainda assim ambos servem como um tipo de ins-<br />

trumento para um projeto maior que é a navegação.<br />

Para McLuhan as extensões são extensões funcionais de pro-<br />

priedades de faculdades humanas, mas não necessariamente<br />

propriedades morfológicas, ainda que algumas dessas analo-<br />

gias possam ser traçadas. Neste quesito McLuhan não fica<br />

apenas na morfologia como Kapp e percebe que outras fun-<br />

ções também podem ser exteriorizadas. Ainda assim em al-<br />

gumas propostas Kapp e McLuhan se aproximam, pois am-<br />

bos vão considerar, por exemplo, o telégrafo como uma ex-<br />

tensão do sistema nervoso central. Ou ainda na concepção<br />

de que os meios elétricos (telégrafo no caso de Kapp) teriam<br />

a potencialidade de abolir as dimensões do tempo e do espa-<br />

ço.<br />

Kapp percebe os mais variados artefatos a partir da dupla:<br />

similaridades morfológicas - similaridade funcional. O mai-<br />

or problema da similaridade morfológica para entender as<br />

extensões, é que elas não dão conta da noção de máquina.<br />

Quando a força motriz vista a partir de André Leroi-Gour-<br />

han (1984; 1965) e Georges Friedmann (1968) passa a ser exe-<br />

cutada pela máquina, a relação entre forma e função deixa<br />

de correr em paralelo. McLuhan escapa dessa limitação ao<br />

relacionar as extensões a partir das funções exercidas.<br />

63


Considerações<br />

A noção de McLuhan de extensão se complica na tentativa<br />

de perceber uma relação exata da função exercida pelo huma-<br />

no, seja mentalmente, seja fisicamente. Isso é percebido, no<br />

caso de McLuhan, ao encarar a roupa como uma extensão da<br />

pele ou a casa como extensão do controle de temperatura in-<br />

terna do corpo. Poderíamos então nos perguntar o que seria<br />

estendido então com uma indústria de química? Um avião<br />

estende as asas que não possuímos ou nossa faculdade de lo-<br />

comoção? Ou estamos falando de um sentido mais restrito<br />

de extensão? Assim, quando se recorre a uma demasiada abs-<br />

tração e as propriedades se tornam inverossímeis, a ideia de<br />

que os artefatos são cópias funcionais de órgãos humanos<br />

pode tornar-se cada vez mais vazia.<br />

Percebemos assim que há diversas problemáticas envolvidas<br />

na noção de extensão. Tentamos mostrar como uma concep-<br />

ção vista como “simples”, ou “esquecida” de tecnologias en-<br />

quanto extensões do homem abre espaço para uma série de<br />

perguntas e problemas que tem repercussão tanto para a filo-<br />

sofia da tecnologia, antropologia da técnica, quanto para a<br />

comunicação. Entre estas estão:<br />

(1) Quais as diferenças entre termos como extensão, exterio-<br />

rização, prótese, projeção e simulação? Encontramos aqui a<br />

necessidade de uma investigação sobre as nomenclaturas,<br />

pois se não sabemos com o que estamos tratando encontra-<br />

remos fatalmente dificuldades em avançar nas definições.<br />

(2) Toda tecnologia é uma extensão do humano? Esta ques-<br />

tão desemboca no que estamos considerando como tecnolo-<br />

gia, e consequentemente no conceito de meios de comunica-<br />

ção. Além disso, coloca a questão de o que é que é estendido:<br />

é o sensório humano, músculos, ou órgãos, como em Aristó-<br />

teles e McLuhan, ou é a própria tecnologia, como em Jacques<br />

Ellul? O que significa dizer que os meios de comunicação es-<br />

tendem a consciência?<br />

(3) A noção de extensão carrega consigo a proposta de um<br />

fim da separação entre homem e máquina, entre biológico e<br />

tecnológico? Tanto Freud, Bergson, Teillard, Mumford e<br />

Edward Hall, segundo Rae (2008), percebem as extensões em<br />

termos de um processo evolutivo. E dessa forma, borrando<br />

cada vez mais as diferenças entre tecnologia e o que é orgâni-<br />

co, ou seja, uma não separação. E que pode tomar sentidos<br />

mais extremos como para Rae (2008, Tradução livre) que diz<br />

que “Se a tecnologia não é nada mais de que uma adaptação<br />

evolutiva, então não há distinção para ser encontrada entre<br />

um órgão como o olho e uma tecnologia como o telescópio”.<br />

(4) A relação de causalidade das tecnologias e a concepção de<br />

determinismo tecnológico 3 . A definição básica de determinis-<br />

mo é a de que o desenvolvimento tecnológico condiciona a dinâmi-<br />

ca social e indica o rumo das transformações culturais. Uma vez<br />

que Innis e McLuhan encaram que as tecnologias exercem<br />

____________________<br />

3 Para um aprofundamento sobre a questão do determinismo tecnológico ver MARTINO, L.C. &<br />

BARBOSA, R. M. Do determinismo tecnológico à determinação teórica [no prelo].<br />

64


uma influência maior do que sua relação meio e fim, e nem<br />

sempre previsíveis ou conscientes, devido a isso estes são fre-<br />

quentemente acusados de serem deterministas tecnológicos. É<br />

possível falar de determinismo quando as tecnologias são nos-<br />

sas extensões? É possível se livrar do determinismo? O deter-<br />

minismo pode ser encarado como um aporte epistemológico,<br />

e/ou como uma questão metafísica?<br />

(5) A extensões como objetos essencialmente físicos? Como<br />

lidar com objetos que possuem uma relação maior com a fun-<br />

ção de status. Para McLuhan, o dinheiro, por exemplo, pode<br />

ser encarado como uma extensão, pois “No começo, é muito<br />

vaga a sua função de prolongar o anseio do homem por coi-<br />

sas distantes a partir dos bens e produtos mais próximos.”<br />

(1969, p.153). Mas seu caráter físico deixa ser prioritário para<br />

a noção de extensão, uma vez que o aspecto material do di-<br />

nheiro é praticamente inexpressivo. O dinheiro pode ser fei-<br />

to de moedas de ouro, sal, plástico como em cartão de crédi-<br />

to, ou qualquer outro material, trata-se em grande parte de<br />

uma convenção social.<br />

Ou seja, o aspecto principal do dinheiro é o que Brey chama<br />

de “funções de status”, onde os poderes e funções correspon-<br />

dentes não provêm de suas propriedades físicas, mas inclu-<br />

em funções simbólicas, morais e religiosas. Ainda que isto<br />

não signifique que um artefato como um martelo que tenha<br />

uma função física, não possa ter também uma “função de sta-<br />

tus” atribuída a ele.<br />

Assim, cada vez mais nos distanciamos de uma definição de ex-<br />

tensão e de tecnologia. O dinheiro estende alguma faculdade me-<br />

tal ou corporal? Ela pode ser considerada como uma tecnologia?<br />

(6) Podemos considerar o uso de animais e humanos enquanto<br />

extensões? Um moinho movido por força animal, ou uma fábri-<br />

ca gerenciada por pessoas e máquinas são também considera-<br />

das extensões? Um dos exemplos é o uso do cavalo para o com-<br />

bate e para a agricultura são considerados como tecnologias no<br />

estudo de Lynn White sobre a tecnologia medieval<br />

(7) Objetos naturais como pedras, pedaços de madeira, ou<br />

água podem ser considerados extensões ou somente aqueles<br />

construídos? A água em uma roda d'água não seria uma tec-<br />

nologia? Ou teríamos que enquadrar todo funcionamento da<br />

natureza enquanto extensões e dessa forma aproximar a um<br />

funcionalismo extremo?<br />

Estas questões são apenas amostras da importância e para<br />

onde a questão das extensões, colocadas em destaque por<br />

McLuhan, podem nos levar, e que pedem a meu ver de uma<br />

análise mais sistematizada. A naturalização do conceito de<br />

extensões, e uma falta de atenção às demarcações do concei-<br />

to de tecnologia, nos levam a colocar a tecnologia como sen-<br />

do ao mesmo tempo tudo e nada. Fato que ocorre nas discus-<br />

sões epistemológicas da comunicação, ou na falta delas, no<br />

que se refere ao conceito de meios de comunicação enquanto<br />

tecnologias da comunicação. Nesse sentido, o debate em rela-<br />

65


ção ao conceito de extensões, meios de comunicação e tecno-<br />

logias são essenciais para o saber comunicação.<br />

66


Referências<br />

ARISTÓTELES. Eudemian Ethics, book VII, In: ARISTÓTELES;<br />

BARNES, Jonathan. The Complete Works of Aristotle: The Revised<br />

Oxford Translation. vol. 2. Princeton, N.J: Princeton University<br />

Press, 1984.<br />

ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Mário da Gama Cury.<br />

Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1985. 317p.<br />

EVERSON, Stephen (ed). Aristotle, The Politics and The Constitution<br />

of Athens. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.<br />

BÉKESY, Georg von. Sensory Inhibition. Princeton University<br />

Press, Princeton, N.J., 1967. 277 pp.<br />

BERGSON, Henri. Creative Evolution. Trans. Arthur Mitchell,<br />

London: Macmillan, 1911.<br />

BERGSON, Henri. The Two Sources of Morality and Religion. Trans.<br />

R.Ashley Andra and Cloudesley Brereton, London: Macmillan,<br />

1932.<br />

BREY, P. (2000). “Technology as Extension of Human Faculties.” Metaphysics,<br />

Epistemology, and Technology. Research in Philosophy<br />

and Technology, vol 19. Ed. C. Mitcham. London: Elsevier/JAI<br />

Press.<br />

CARPENTER, Edmund. “The not-so-silent sea,” In. THEALL,<br />

Donald. The Virtual Marshall McLuhan. Montréal, McGill-Queen's<br />

University Press, 2001. Pages 236-261. Disponível em:<br />

http://mediatedcultures.net/phantom/Silent%20Sea.pdf<br />

CAVELL, Richard. McLuhan in Space: A Cultural Geography. University<br />

of Toronto Press. 2003. 360pp.<br />

CURTIS, James M. Culture As Polyphony: An Essay on the Nature of<br />

Paradigms. Columbia: University of Missouri Press, 1978.<br />

EBERSOLE, Samuel E.. Media Determinism in Cyberspace. 1995.<br />

Disponível em<br />

http://faculty.colostate-pueblo.edu/samuel.ebersole/mdic/ind<br />

ex.html<br />

FRIEDMANN, Georges. 7 Estudos sobre o Homem e a Técnica. São<br />

Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.<br />

GORDON, W. Terrence. Marshall McLuhan: Escape Into Understanding:<br />

A Biography. Basic Books. 1997. 465pp.<br />

HALL, E.T. The Silent Language, New York: Doubleday, 1959.<br />

HALL, E.T. Beyond Culture, New York: Doubleday, 1976.<br />

KAPP, Ernst. Grundlinien einer Philosophie der Technik. Zur Entstehungsgeschichte<br />

der Kultur aus neuen Gesichtspunkten.<br />

Braunschweig: Verlag George Westermann, 1877.<br />

LE CORBUSIER. The Decorative Art of Today. Trans. James I. Dun-<br />

nett, Cambridge, Mass.: MIT Press, 1987, p. 72.<br />

LEROI-GOURHAN, André. Evolução e técnicas I - O homem e a matéria.<br />

Lisboa, Edições 70, 1984.<br />

LEROI-GOURHAN, A. O Gesto e a Palavra II. Memória e Ritmos.<br />

Lisboa: Edições 70, 1965.<br />

LISTER, Martin. New Media: A Critical Introduction. 2nd Ed.. New<br />

York: Routledge, 2009<br />

MARTINO, L. C.; BARBOSA, R. M. “Do Determinismo Tecnológico<br />

à Determinação Teórica”, [no prelo].<br />

67


McLUHAN. Marshall. Os meios de Comunicação como extensões do<br />

homem. São Paulo: Cultrix, 1969.<br />

________. The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man.<br />

New York: Vanguard Press, 1951.<br />

________. Understanding Media: The Extensions of Man. London:<br />

Routledge & Kegan Paul, 1964.<br />

McLUHAN, Marshall; GORDON, W. Terrence. Understanding Media:<br />

The Extensions of Man. Corte Madera, CA: Gingko Press,<br />

2003.<br />

McLUHAN, Marshall; MOLINARO, Matie, McLUHAN, Corrine;<br />

TOYE, William (eds.). Letters of Marshall Mcluhan. Toronto:<br />

Oxford University Press, 1987.<br />

McLUHAN, Marshall; McLUHAN, Eric. Laws of Media: The New<br />

Science. Toronto, Buffalo and London: University of Toronto<br />

Press, 1988.<br />

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan: The Medium and the<br />

Messenger. Random House. 1989. 320pp.<br />

MITCHAM, Carl. Thinking Through Technology. Chicago: University<br />

of Chicago Press, 1994.<br />

RAE, Alice. McLuhan’s Unconscious (2008). Thesis at School of<br />

History and Politics, University of Adelaide - May, 2008.<br />

SMEDES, Taede A. “Technology and What It Means to Be Human”<br />

.In: Drees, Willem B.. Technology, Trust, and Religion: Roles of<br />

Religions in Controversies on Ecology and the Modification of Life. Leiden:<br />

Leiden University Press, 2009, p.41-54.<br />

68


Parte 2<br />

APROXIMAÇÕES 1<br />

Marshall McLuhan: meios,<br />

mensagens, determinismo e<br />

esquecimento na aldeia global<br />

MARIANE CARLA FONSECA<br />

FILOMENA MARIA AVELINA BONFIM<br />

Profundo e nefasto: o debate<br />

sobre a televisão na obra de McLuhan e<br />

Adorno<br />

JANARA SOUSA<br />

PEDRO RUSSI<br />

McLuhan e Anísio Teixeira:<br />

aproximações em torno<br />

da tecnologia<br />

RAQUEL DE ALMEIDA MORAES


Marshall McLuhan<br />

meios, mensagens, determinismo<br />

e esquecimento na aldeia global<br />

MARIANE CARLA FONSECA<br />

GRADUADA EM GESTÃO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA<br />

HABILITAÇÃO EM JORNALISMO<br />

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS (CAMPUS ARCOS)<br />

PÓS-GRADUANDA NO PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI, MINAS GERAIS, BRASIL<br />

MARIANE.JOR@GMAIL.COM<br />

FILOMENA MARIA AVELINA BOMFIM (ORIENTADORA)<br />

PÓS-DOUTORA MCLUHAN PROGRAM IN CULTURE AND<br />

TECHNOLOGY (MPCT), UNIVERSIDADE DE TORONTO, CANADÁ<br />

PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI,<br />

MINAS GERAIS, BRASIL<br />

FMABOMFIM@UFSJ.EDU.BR<br />

Resumo<br />

Este trabalho tem como objetivo estabelecer um traçado conceitual e<br />

histórico da trajetória de Herbert Marshall McLuhan a partir de um le-<br />

vantamento bibliográfico e exploratório. Com isso, constrói-se um apa-<br />

nhado “vida-obra” com apontamentos críticos sobre o canadense que<br />

morreu em 1980 amargando certo ostracismo e críticas ferrenhas dos<br />

acadêmicos em Comunicação. Além disso, carregou os fardos do deter-<br />

minismo e do senso comum, considerados norteadores de seu traba-<br />

lho. O curioso, porém, foi a reviravolta percebida em seu pós-morte. A<br />

partir dos anos 90, com a ascensão tecnológica e dos meios de comuni-<br />

cação, a obra mcluhaniana veio à tona novamente, impulsionada pela<br />

publicação de Laws Of Media – que expõe as noções das Tétrades.<br />

Este artigo vem ao encontro dessa dualidade de McLuhan, levantando<br />

os contrapontos à obra do professor canadense e apontando, ao mes-<br />

mo tempo, sua pertinência ao contexto atual.<br />

Palavras chave<br />

comunicação, McLuhan, mídias, tétrades, determinismo<br />

70


Introdução<br />

Nos anos 90 o termo “globalização” se transformou em uma<br />

das pautas da década. Falou-se em colapso da União Soviética,<br />

telescópio Hubble, Aids, genocídio em Ruanda e na tal transfor-<br />

mação eminente a que o mundo inteiro estaria sujeito. Para al-<br />

guns, o significado desse fenômeno estava ligado à empolga-<br />

ção de unir territórios desde a queda do muro de Berlim (talvez<br />

a onda chegasse à Coréia ou sensibilizasse Cuba). Para outros,<br />

tratava-se de uma nova Pangeia, desta vez simbólica, com o pla-<br />

neta se transformando em uma grande vizinhança mediada<br />

por computadores.<br />

Entre uma teoria e outra, a questão veio à baila em happy hours,<br />

elevadores, metrôs, bancos de praça e carteiras escolares. Na<br />

época, redações iniciadas com “no mundo globalizado em que<br />

vivemos” se transformaram em clichês insuportáveis para os<br />

professores de Língua Portuguesa. Não demorou muito para<br />

que o terceiro planeta do Sistema Solar, quinto maior do uni-<br />

verso, com 71% de seu território coberto por água e único ha-<br />

bitado passasse a ser chamado de “aldeia global”, algo bem<br />

semelhante ao que John Lennon cantava em Imagine e fazia<br />

dele um popstar sonhador. Mas de onde surgiu esse termo?<br />

A resposta está em Herbert Marshall McLuhan, teórico cana-<br />

dense que usou a expressão pela primeira vez em 1962 – no<br />

livro A Galáxia de Gutenberg – e não chegou a presenciar esta e<br />

outras de suas idéias tornando-se realidade. Ao menos total-<br />

mente. Morto em 31 de dezembro de 1980, um ano após sofrer<br />

uma trombose que o impossibilitaria de qualquer atividade,<br />

McLuhan testemunhou com olhos atentos a formação de uma<br />

tribo mundial que agregava novos aparatos tecnológicos às<br />

comunicações, reestruturando métodos, transformando men-<br />

sagens e reformatando sociedades. Segundo o autor, a partir<br />

dessa nova “ordem” os processos cognitivos seriam alterados<br />

e a própria cultura impressa encontraria sua crítica mais pun-<br />

gente devido a seu compromisso quase absoluto com a lineari-<br />

dade. McLuhan também alertou que a nova estrutura promo-<br />

veria identidades coletivas formadas em meio a um trânsito<br />

de informações intenso e multidirecional.<br />

Ao trazer a perspectiva mcluhaniana para a atualidade, a<br />

questão da World Wide Web parece se encaixar à teoria do cana-<br />

dense, algo curioso ao considerar que McLuhan pareceu esbo-<br />

çar esse cenário quando a internet ainda era uma ideia 1 e Bill<br />

Gates um garotinho de sete anos.<br />

Com isso, longe de ser beneficiado por dons premonitórios,<br />

McLuhan é por vezes apontado como um visionário, além de<br />

transgressor. Os títulos se devem principalmente ao fato de<br />

que enquanto muitos aplaudiam a Teoria Matemática da Co-<br />

municação 2 , centrada na emissão de mensagens, por exemplo,<br />

____________________<br />

1 Na realidade um mecanismo de comunicação recém-desenvolvido nos EUA com o objetivo de conectar bases<br />

militares e departamentos de pesquisa do país.<br />

2 Defendida por Shannon e Weaver – matemáticos e engenheiros elétricos norte-americanos – essa teoria<br />

apontava que “o objetivo da comunicação seria reproduzir num ponto de forma exata, uma mensagem selecio-<br />

nada em outro ponto. Porém, toda transmissão de informação poderia chegar acarretada de interrupções e<br />

ruídos” (REBOUÇAS, 2008).<br />

71


McLuhan defendia que o foco deveria ser voltado aos meios<br />

em si, já que um novo cenário estava sendo construído, aba-<br />

lando conceitos e paradigmas como tempo, espaço e oralida-<br />

de. Dentro dessa dinâmica, novos media demandariam novas<br />

estruturações de mensagens e, consequentemente, instituiri-<br />

am novas formas de comportamento. Segundo Tapley (1998,<br />

p.04), a lógica mcluhaniana está aí: trata-se de assumir que as<br />

mídias constituem parte do mundo que as pessoas habitam e<br />

em que interagem. Não por outro motivo o mesmo autor ates-<br />

ta que ao surgir um novo meio ou ser transformado um anti-<br />

go, o tecido social sofre mutações para se adaptar.<br />

Assim, das pinturas rupestres aos emoticons no MSN, o que se<br />

percebeu – sob o ponto de vista mcluhaniano – foram modificações<br />

na forma de expressar ou relatar fatos em diferentes suportes.<br />

Com a expansão dos mesmos e a facilidade de acesso a<br />

eles, formou-se o infomar 3 cantado por Gilberto Gil. Antes dele,<br />

McLuhan apontou que o excesso de informações e a característica<br />

mutante dos meios alienariam seus usuários. Não se tratava<br />

de uma questão marxista envolvendo dominantes e dominados.<br />

Dizia respeito, antes, ao excesso. Munday (2003) lembra a<br />

analogia feita por McLuhan baseando-se no conto A descent into<br />

the Maelström, de Edgar Allen Poe. Nele, um marinheiro relata<br />

como evitou ser engolido por um redemoinho gigantesco ao estudar<br />

os efeitos das correntes. Para McLuhan, o turbilhão aquático<br />

de Poe seria uma metáfora para o caos do mundo moderno<br />

enquanto as ações do marinheiro em Maelström esboçariam<br />

____________________<br />

3 “Criar meu web site, fazer minha homepage. Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje... que<br />

veleje nesse infomar?” (Pela Internet, Gilberto Gil, 1996).<br />

uma solução: cada indivíduo garantiria sua passagem pelo turbilhão,<br />

a salvo, depois de adentrá-lo e estudá-lo.<br />

Todavia, mesmo ao apresentar audiências até certo ponto autônomas<br />

e capazes de expelir a “bala mágica” 4 dos meios de<br />

massa, McLuhan deixou expostas grandes contradições teóricas<br />

que, rebatidas com veemência, se transformaram em trunfos<br />

de seus críticos mais intensos: alguns acadêmicos detectam<br />

em seus textos traços de arbitrariedade e senso comum;<br />

grandes expoentes como Raymond Williams o acusam de cometer<br />

o pecado do determinismo tecnológico.<br />

O que se percebe é a construção de um novo modelo de “médico<br />

x monstro” em que McLuhan atua como “visionário x louco”.<br />

Para Friesner (2005), um dos aspectos mais notáveis em relação<br />

ao teórico canadense não está ligado à teoria em si, mas à rapidez<br />

com que ele oscilou entre a aclamação popular e a rejeição<br />

geral. Rockman (1968, p.138) ressalta esse mesmo paradoxo:<br />

____________________<br />

DeMott chamou McLuhan de “Mr. Big da midcult 5 ”. Tom<br />

Wolfe o colocou no patamar de Darwin, Freud e Eistein. (...)<br />

Uma carta ao jornal Daily Star de Toronto, assinada por um<br />

certo Dr.Holt, chamou-o “a maior farsa de sua década”. E<br />

Frank Kermode acreditava que se vivêssemos em uma Era<br />

Literata, o livro “A Galáxia de Gutenberg” seria leitura obri-<br />

gatória para todo mundo.<br />

4 Termo cunhado pela Escola Norte-Americana em meados da década de 40. Para os pensadores da época, como<br />

Laswell, chamados behavioristas, as audiências (“alvos fáceis” dos meios de comunicação), reagiriam de forma unifor-<br />

me às investidas midiáticas.<br />

5 “Diz-se da cultura intelectual intermediária, entre o erudito e o “popular”; cultura média”. (Dictionary.com)<br />

72


Nesse quase maniqueísmo, McLuhan se perde. Muito embora<br />

atualmente seja abençoado por algum reconhecimento tardio,<br />

o canadense ainda não figura como grande referência quando<br />

a comunicação é colocada como objeto de estudo. Por quê?<br />

Este artigo tem como objetivo levantar essa questão, ao mes-<br />

mo tempo em que apresenta as teorias mcluhanianas em con-<br />

sonância com a contemporaneidade, num contexto em que<br />

das interações mais simples aos processos educacionais, as<br />

mensagens passaram a ser mediadas por conectores que pare-<br />

cem ignorar tempo, espaço e linearidade.<br />

2. Herbert Marshall McLuhan: prazer em conhecer<br />

Herbert Marshall McLuhan nasceu em Edmonton, Canadá, a<br />

21 de julho de 1911. Filho de um corretor de seguros e de uma<br />

atriz, McLuhan foi desde cedo a plateia mais atenta da mãe:<br />

ao colocar o filho mais velho para dormir, Elsie McLuhan fu-<br />

gia aos padrões mais comuns e, ao invés de contar alguma his-<br />

tória assinada pelos Irmãos Grimm, recitava Shakespeare. Por<br />

alguma razão que só a Neurolinguística consegue explicar, o<br />

menino desenvolveu verdadeira paixão por Literatura e gra-<br />

duou-se em Literatura Inglesa pela Universidade de Manito-<br />

ba na década de 30. Mesmo tendo escrito em um diário, em<br />

1931, que jamais se tornaria um acadêmico, McLuhan logo se<br />

viu atuando em salas de aula.<br />

Após a obtenção do título de Mestre em Artes e Língua Ingle-<br />

sa (também pela Universidade de Manitoba), McLuhan pas-<br />

sou dois anos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.<br />

Conforme conta Trinta (2003), ali McLuhan teve contato com<br />

I.A Richards, psicólogo, crítico, poeta e professor de Literatu-<br />

ra que apresentou o canadense aos segredos da filosofia da<br />

retórica; além de F.R. Leavis, crítico e educador. Mais tarde<br />

McLuhan passou a lecionar New Criticism inglês na Universi-<br />

dade de Saint Louis. Em 1944 retornou ao Canadá, onde leci-<br />

onou Humanidades no Assumption College. Dois anos de-<br />

pois já fazia parte do corpo docente da Universidade de To-<br />

ronto, passando a conviver com o professor de Economia Po-<br />

lítica Harold Innis.<br />

73


Salta aos olhos a jornada transdiciplinar de Marshall McLuhan.<br />

Tal multiplicidade não tinha relação com mera curiosidade aca-<br />

dêmica, mas com a crença de que a totalidade estava longe de<br />

definir saberes e os próprios meios de comunicação.<br />

Por mídia, McLuhan entendia bem mais do que meios tais<br />

como o jornal, o rádio e a TV. Neste rol estavam incluídos a<br />

estrada, o dinheiro, o relógio, a roda, a roupa e outros tan-<br />

tos artefatos humanos que se prestassem à realização de ati-<br />

vidades de comunicação: são tecnologias ou aplicações de<br />

conhecimentos científicos, conquistas humanas e sociais.<br />

(TRINTA, 2003, p.06)<br />

Tais concepções mcluhanianas aparecem dispostas ao longo<br />

de sua obra datada inicialmente da década de 40, muito embo-<br />

ra seu primeiro livro, The Mechanical Bride: Folklore of Industrial<br />

Man, tenha sido publicado em 1951. Segundo Marchessault<br />

(2005), essas foram as décadas mais importantes na constru-<br />

ção teórica de McLuhan. Apesar de a produção do canadense<br />

acumular 17 livros de autoria própria e dezenas de artigos pu-<br />

blicados ao longo dos anos até o final da década de 80, a auto-<br />

ra defende que foi nas primeiras publicações que McLuhan<br />

mostrou seu caráter mais “profético”, cristalizado na década<br />

seguinte com A Galáxia de Gutenberg.<br />

A carreira acadêmica de McLuhan foi brevemente interrompi-<br />

da em 1967, quando exames detectaram a presença de um tu-<br />

mor na parte inferior de seu cérebro. Uma intervenção cirúrgi-<br />

ca foi realizada, mas acarretou perda de memória e de sensibi-<br />

lidade a ruídos e cheiros. Mesmo assim, McLuhan retomou su-<br />

as atividades meses depois.<br />

Na década de 70, após os saltos de Neil Armstrong na Lua te-<br />

rem sido transmitidos ao vivo pela TV, Woodstock ter virado<br />

comportamentos do avesso e os Beatles anunciarem que o so-<br />

nho havia acabado, McLuhan prosseguiu publicando artigos<br />

e participando de conferências. O cinema também o solicitou:<br />

o canadense interpretou a si mesmo em Annie Hall, realizado<br />

por Wood Allen em 1977. Herbert Marshall McLuhan morreu<br />

três anos depois, em casa, às vésperas de um Réveillon.<br />

74


3. As ideias de McLuhan: genialidade ou loucura?<br />

Quando McLuhan falou sobre a aldeia global, o rádio e a TV ain-<br />

da eram as grandes coqueluches do mundo, trazendo som e ima-<br />

gens a um planeta habituado à oralidade crua e à escrita. Naque-<br />

la época, ele não imaginou que no século XXI o Google se trans-<br />

formaria em um dos grandes inventos da humanidade, trazendo<br />

no mesmo barco o Youtube, o Wikipedia e o Twitter. Obviamen-<br />

te, ele não poderia deduzir que Susan Boyle viraria celebridade<br />

instantânea ou que a morte de Michael Jackson seria anunciada<br />

em primeira mão em um site de fofocas da internet.<br />

Todos esses fenômenos atualmente parecem banalizados por<br />

uma geração que nasceu em frente a computadores. No con-<br />

texto mcluhaniano, falar sobre eles exigia, no mínimo, um<br />

grande nível de abstração. Quando McLuhan começou a apre-<br />

ender as ideias de I.A.Richards, se deparou com a possibilida-<br />

de de não ser “o conteúdo de um poema o que, esteticamente,<br />

importa; mas, antes, o impacto que uma sucessão de inspira-<br />

das metáforas produzirá, como efeito psíquico, na mente do<br />

leitor” (TRINTA, 2003, p.03). Foi partindo desse princípio de<br />

negligência ao conteúdo e importância aos efeitos que<br />

McLuhan baseou suas teorias.<br />

Para o canadense, os homens não eram os únicos protagonistas<br />

do teatro do absurdo que parecia se inaugurar. Os meios<br />

pareceram vívidos à medida que eram reformatados e toda<br />

uma gama de material de entretenimento e informação começou<br />

a convergir. Enquanto grandes teóricos se debruçavam so-<br />

bre paradigmas de emissores-receptores ou bradavam contra<br />

a Indústria Cultural e a reprodução em massa, McLuhan olhava<br />

com mais atenção para o fato de que tudo aquilo não causaria<br />

mudanças na sociedade. Toda parafernália e mistura já<br />

eram em si pacotes de grandes transformações. Mais do que<br />

aparelhos, eram extensões dos homens e manifestações sociais.<br />

“Para cada meio, McLuhan pousava um sentido e repousava<br />

nele a sua tese de exploração sensorial” (ESTRÁZULAS,<br />

2007, p.03). Assim, além de uma caixa mágica com luz, som e<br />

imagem, a TV seria um prolongamento da visão e da audição.<br />

Da mesma forma, um carro seria uma extensão dos pés e as<br />

camisetas (das lisas às estampadas com o rosto de Che Guevara)<br />

seriam extensões da pele.<br />

Com essas proposições, McLuhan abriu duas vertentes: a) os mei-<br />

os correspondem a um vasto conjunto de suportes e b) são pro-<br />

longamentos físicos. As mensagens, assim, seriam tão mutantes e<br />

complexas quanto os meios que as abrigam, adaptando-se a eles.<br />

Daí o surgimento da máxima “o meio é a mensagem”.<br />

No contexto de McLuhan, a TV trazia à tona o fato de que os<br />

conteúdos jornalísticos apresentados ali não podiam ser apre-<br />

endidos com a profundidade e o requinte crítico dos jornais<br />

impressos. Ao ler uma página do Toronto Star 6 a informação<br />

podia ser decodificada e assimilada no tempo exigido por seu<br />

receptor, mas o mesmo não era permitido quando as notícias<br />

____________________<br />

6 Jornal impresso canadense, fundado em 1892. Atualmente o impresso de maior circulação no país, com cerca de<br />

400 mil exemplares.<br />

75


eram veiculadas por um telejornal, dada a rápida transição en-<br />

tre as matérias e os assuntos abordados.<br />

Para McLuhan, os indivíduos não ficavam imunes aos proces-<br />

sos de reconstrução midiática, passando por transformações à<br />

parte simultaneamente. Ao analisar a dinâmica evolutiva das<br />

últimas décadas, percebe-se que o desenvolvimento dos mei-<br />

os esteve intimamente ligado às mudanças sociais. Nos anos<br />

2000 a informação assumiu status de “item de sobrevivência”.<br />

Ironicamente, o ritmo pós-moderno pareceu tolher a comodi-<br />

dade de ler um jornal ou uma revista e assistir a um telejornal.<br />

Ante esse cenário e em resposta ao emprego dos computado-<br />

res, surgiram os jornais online com seções de Tempo Real. A<br />

notícia deixou de ser composta por um texto longo e analítico,<br />

passando a ser representada por fragmentos atualizados minu-<br />

to a minuto, com links que permitem aprofundamento ou res-<br />

gate de informações a qualquer momento, em qualquer or-<br />

dem. A princípio, a troca de átomos por bits significou ameaça<br />

de extinção aos impressos. Mais tarde, com a aceitação do<br />

novo meio e suas formas de transmissão, ficou claro que o sur-<br />

gimento de uma mídia não demandava “a morte” de seus pre-<br />

decessores. Para esse fenômeno McLuhan também teceu expli-<br />

cações, no exato momento em que teóricos e universitários<br />

questionavam seu legado.<br />

4. McLuhan e seu “crime”: senso comum?<br />

Eric McLuhan, filho de Marshall e co-autor de Laws of Media,<br />

divide os desafetos do pai em dois grupos: o de leitores que<br />

diziam não entender suas ideias e o de detratores que o des-<br />

prezavam por não detectarem traços científicos em sua obra.<br />

No primeiro grupo estava Dwight Macdonald, que chegou a<br />

escrever em uma resenha sobre Understanding Media – no Bra-<br />

sil publicado sob o título Os meios de comunicação como exten-<br />

sões do homem – que “as partes são melhores que o todo. Uma<br />

única página é impressionante, duas são estimulantes, cinco<br />

levantam sérias dúvidas, dez as confirmam" (MUNDAY,<br />

2003, p.01). Adiante, Macdonald classifica seu texto como<br />

“nonsense impuro”.<br />

DeMott (1969), por sua vez, preferiu rotular o trabalho de<br />

McLuhan como delirante, de difícil compreensão, embora<br />

com sentido. Segundo o autor, McLuhan produzia com opacidade,<br />

lançava livros densos com expressões como “interiorizações<br />

de tecnologia alfabética” e publicações que mais lembravam<br />

recortes acumulados sobre Matemática, Teologia Política<br />

e História, fugindo do que convencionalmente poderia<br />

ser chamado de “dissertação”. Em relação a isso, Federman<br />

(2003, p.01) diz o seguinte: “McLuhan não é de fácil leitura,<br />

pelo menos até que você tenha aprendido a decifrar sua linguagem<br />

e a quebrar o hábito de ler linearmente”.<br />

De fato, o trabalho mcluhaniano não respeita um critério cro-<br />

nológico e pode ser apreciado em qualquer ordem, sob qual-<br />

quer perspectiva, sem anular a conexão estabelecida entre su-<br />

76


as ideias. Todavia, “ler” McLuhan não diz respeito somente a<br />

“assimilar” um conteúdo, mas também a “decodificá-lo”.<br />

“Uma lição que McLuhan teve de cor referia-se à necessidade<br />

de acostumar estudantes universitários a uma análise crítica<br />

de seu ambiente cultural – com destaque para a difusão da<br />

propaganda comercial” (TRINTA, 2003, p.03). Não por outro<br />

motivo, livros como The Mechanical Bride (1951) e Counterblast<br />

(1969) são verdadeiras coletâneas de anúncios, tirinhas de jor-<br />

nais, gravuras, acrósticos ou representações abstratas de um<br />

McLuhan que defendia os meios de comunicação como for-<br />

mas de arte, de expressão.<br />

Quanto às acusações de teorias pautadas no senso comum, as<br />

mesmas se baseavam no fato de McLuhan não ter adotado em<br />

nenhum de seus livros qualquer critério científico. Ao invés<br />

de análises bibliográficas ou exploração de teorias em voga,<br />

McLuhan seguiu outros caminhos. “McLuhan se apartou do<br />

pesquisador tradicional, obrigado por praxes e convenções<br />

acadêmicas a se definir e pautar por critérios peculiares ao<br />

que se pode ter por uma postura científica. Fale-se, antes, em<br />

envergadura poética” (TRINTA, 2003, p.06).<br />

Para Friesman (2005), estava aí o grande erro: McLuhan pre-<br />

feria citar artistas a teóricos, ler menos como um estudioso e<br />

mais como um visionário, se posicionar como um poeta, e<br />

não como um cientista empírico. Se para ele comunicar era<br />

uma atitude de arte, então que seus escritos também o fos-<br />

sem. No entanto, para a pesquisa em comunicação na época,<br />

aceitar as estripulias mcluhanianas na academia era equiva-<br />

lente a permitir que Jimi Hendrix conduzisse a Orquestra Fi-<br />

larmônica de Berlim.<br />

Além disso, ao afirmar que os meios alteravam sociedades e<br />

moldavam novos comportamentos ao sugerir novas lingua-<br />

gens, McLuhan fez disparar o alerta de pensadores dos media.<br />

Com isso, foi taxado determinista e fundou-se aí a corrente an-<br />

ti-McLuhan mais forte.<br />

77


5. Determinismo tecnológico<br />

Conforme lembra Tremblay (2003, p.16), em McLuhan “a socie-<br />

dade e o indivíduo são modelos para as mídias”, estabelecendo<br />

uma relação de interdependência entre criadores e criaturas.<br />

No entanto, ao focar essa relação, McLuhan negligenciou fato-<br />

res sociais, econômicos, culturais e políticos em favor da valori-<br />

zação técnica, passando a pertencer, então, ao grupo de determi-<br />

nistas tecnológicos – posto dividido também com Harold Innis.<br />

A grande diferença é que o segundo parecia contar com<br />

maior credibilidade: ao contrário de McLuhan, que recusa-<br />

va a roupagem de um universitário clássico, Innis assumia<br />

o estereótipo do verdadeiro intelectual canadense. “Sob vá-<br />

rios aspectos, Innis encarnava um típico representante da<br />

cultura livresca da era Gutenberg, segundo McLuhan. A fi-<br />

gura que evoca seu personagem é, sobretudo, a do escriba<br />

mais estudioso do que a do profeta carismático” (TREM-<br />

BLAY, 2003, p.17). Portanto, entre o estritamente acadêmico<br />

e o pensador pop, a escolha mais evidente beneficiava In-<br />

nis, o que não o excusou de também ser apontado como<br />

portador da síndrome do determinismo tecnológico.<br />

Na definição do dicionário Aurélio (1993, p.183), o verbete<br />

determinismo corresponde a um termo filosófico que represen-<br />

ta “uma conexão rigorosa entre os fenômenos (naturais ou<br />

humanos), de modo que cada um deles é completamente<br />

condicionado pelos que o precederam”. Vieira (2008, p.42),<br />

completa essa definição:<br />

O determinismo constitui uma concepção da ciência experi-<br />

mental que se fundamenta pela possibilidade da busca de<br />

relações constantes entre os fenômenos; isto é, uma doutri-<br />

na que afirma serem todos os acontecimentos, inclusive<br />

vontades e escolhas humanas, causados por acontecimen-<br />

tos anteriores, ou seja, o homem é fruto direto do meio.<br />

Ao fugir um pouco da concepção antropológica de Laraia (1997),<br />

que aplica o determinismo sob os pontos de vista social e geográ-<br />

fico, o determinismo tecnológico supõe que tecnologia e transfor-<br />

mações sociais se inscrevem numa relação em que a primeira<br />

atua como uma força condutora de mudanças sociais, indepen-<br />

dentemente de escolhas e ações humanas. Assim, conforme lem-<br />

bra Lima (2001), sob a ótica do determinismo tecnológico as tec-<br />

nologias são apresentadas como autônomas, forças independen-<br />

tes, autocontroláveis, autodetermináveis e autoexpandíveis.<br />

Aplicada à análise da obra de McLuhan, surgiria a interpre-<br />

tação de que este autor pensaria a evolução das culturas<br />

como decorrentes de uma afetação direta dos modelos de<br />

tecnologias que emergem, fazendo com que sua compreen-<br />

são ficasse reduzida a uma lógica causal, linear e sequenci-<br />

al, na qual a tecnologia, exclusivamente, determinasse os<br />

modos de se ser humano. (PEREIRA, 2006, p.04)<br />

Foi a partir dessa premissa que Raymond Williams, um dos<br />

maiores contestadores de McLuhan, baseou suas críticas. Para<br />

Williams (2003), a metáfora do meio como mensagem seria<br />

ideológica, ofensiva, abstraída de sentido e alheia a caracteres<br />

78


históricos. O autor, defendendo a efetividade humana, susten-<br />

tou que os meios podem incitar transformações, mas não de-<br />

terminá-las. Williams aponta que os meios foram desenvolvi-<br />

dos e implementados para ajudar nas práticas humanas já co-<br />

nhecidas ou almejadas, todas ligadas a interesses e vontades<br />

dos grupos que as contêm.<br />

A princípio, nesse ponto, McLuhan parece ter dado um tiro no<br />

próprio pé.<br />

Todos os meios agem sobre nós de modo total. Eles são tão<br />

penetrantes que suas conseqüências pessoais, políticas, eco-<br />

nômicas, estéticas e psicológicas, morais, éticas e sócias não<br />

deixam qualquer fração de nós mesmos inatingida, intoca-<br />

da ou inalterada. (MCLUHAN, 1969, p.54)<br />

No universo mcluhaniano, na galáxia de Gutenberg, os meios<br />

deixaram de ser interpretados como meros canais e passaram<br />

a ser reconhecidos como agentes inanimados dos processos<br />

de interação. Embora manipulados por seres humanos, os arte-<br />

fatos em si ganhavam amplitude e destaque nas teorias de<br />

McLuhan, sendo responsáveis por mutações sociais que iriam<br />

desde a gramática das mensagens à estruturação das socieda-<br />

des. Assim, ao invés de os meios se adaptarem a construções<br />

sociais inéditas, os grupos estariam sujeitos a novas formata-<br />

ções frente às tecnologias. Trinta (2003, p.09) resume essas idéi-<br />

as da seguinte forma:<br />

O conteúdo de um meio é sempre um outro meio. O conteú-<br />

do da escrita é a fala, tal como a palavra escrita é o conteú-<br />

do da imprensa, e a imprensa, o conteúdo do telégrafo. (...)<br />

Todos os meios são metáforas ativas por seu poder de tradu-<br />

zir a experiência em novas formas (...). Não haverá mudan-<br />

ça tecnológica nos meios de comunicação que não venha<br />

acompanhada por uma espetacular mudança social. Todas<br />

as mudanças sociais representam efeitos das novas tecnolo-<br />

gias sobre o equilíbrio de nossa vida sensorial.<br />

Curiosamente, nessa explanação tem-se intrínseca uma outra<br />

noção de McLuhan: a das Tétrades, também conhecidas como<br />

“Leis da Mídia”, uma tentativa mcluhaniana de adequar seu<br />

pensamento à demanda cientificista. Ao receber uma proposta<br />

editorial para revisar e reeditar Understanding Media,<br />

McLuhan optou por buscar um ponto de equilíbrio entre a ciência<br />

convencional e seu estilo rejeitado pelos acadêmicos.<br />

Para chegar a esse ponto, concluiu que precisaria encontrar e<br />

defender pressupostos de fácil verificação. Foi daí que levantou<br />

o seguinte problema: “Que tipo de afirmação podemos fazer<br />

sobre a mídia e que pode ser testada, provada ou refutada<br />

por qualquer um? O que todas as mídias têm em comum? O<br />

que fazem?” (MCLUHAN, 1988, p. 08). O resultado dessas indagações<br />

foram quatro postulados que, na verdade, já estavam<br />

dispersos ao longo de sua obra.<br />

79


6. As leis da mídia: o quarteto fantástico de McLuhan<br />

Conforme já citado anteriormente, McLuhan propôs encarar os<br />

meios como extensões do homem. Isto é, ante as limitações dos<br />

indivíduos, aparatos tecnológicos eram desenvolvidos para am-<br />

pliar suas potencialidades. Assim, em suma, toda tecnologia<br />

amplifica algum órgão ou faculdade do usuário. Consequente-<br />

mente, todo meio, quando explorado ao máximo e tendo esgo-<br />

tado seu potencial (ou caindo em desuso por desinteresse de<br />

seus usuários) pode reverter no seu oposto (avanço e reversão).<br />

Tem-se aqui duas leis da mídia elucidadas por McLuhan.<br />

A terceira diz respeito ao fato de que ante uma nova proposta<br />

midiática, o artefato anterior se torna obsoleto sem que isso implique<br />

em sua extinção: de acordo com McLuhan, os arquétipos<br />

que antecedem novas mídias se convertem, nesse momento,<br />

em exemplares de arte. Há de se frisar – abrindo frestas<br />

para a quarta lei – que caracteres dos meios anteriores manifestam-se<br />

nos aparatos considerados “modernos” (recuperação).<br />

Daí o fundamento para se dizer que o conteúdo de um<br />

novo meio é sempre um antigo meio. “Toda inovação, enquanto<br />

torna algo vigente obsoleto, recupera características similares,<br />

anteriormente em desuso (...). Comunicar algo novo é como<br />

um milagre: difícil, mas não impossível. Mais arte do que ciência”<br />

(NEVITT, MCLUHAN, 1994, p.15).<br />

Segundo Theall (2001), as Tétrades podem ser associadas à ana-<br />

logia da proporcionalidade (A está para B assim como C está<br />

para D). No entanto, conforme frisa o autor, McLuhan voltou<br />

sua atenção muito mais às diferenças do que às similaridades<br />

de cada uma. Daí a defesa de que não se tratam de fatores se-<br />

quenciais, mas de complementos. “Os quatros aspectos são ine-<br />

rentes a cada artefato desde o início. Todos são complementares<br />

e requerem observação atenta dos meios como algo concreto<br />

em seu contexto, não abstrato” (MCLUHAN, 1966, p.98).<br />

Assim que as quatro proposições foram (re)descobertas,<br />

McLuhan iniciou uma busca ferrenha por dois fatores: a quinta<br />

lei da mídia e, ainda, algum exemplo de artefato que pudesse<br />

refutar o que acabara de elucidar. Não encontrou nada. Resol-<br />

veu então pôr em prática sua intenção cientificista e apresentou<br />

as Tétrades a colegas de trabalho e acadêmicos da Universida-<br />

de de Toronto, além de visitantes e alunos do Centro de Cultu-<br />

ra e Tecnologia. A intenção era alcançar leitores em potencial do<br />

que seria a segunda edição de Understanding Media e, mais tar-<br />

de, se transformou em Laws of media: the new science.<br />

Contudo, nem assim McLuhan recebeu aprovação. As Leis<br />

da Mídia só foram divulgadas oito anos após sua morte. Nes-<br />

se período, McLuhan amargou considerável ostracismo que<br />

só foi remediado na década de 90, quando a aldeia global co-<br />

meçou a ser efetivamente materializada na contemporaneida-<br />

de.<br />

80


Conclusão<br />

Na cena acadêmica, McLuhan foi durante décadas um teórico<br />

negligenciado. Entre coadjuvante e antagonista, o canadense<br />

foi acusado de dois delitos: não ser cientificamente inclinado<br />

e, assim, não oferecer teorias prontas ao Olimpo da comunica-<br />

ção. O erro de McLuhan foi fazer de seu trabalho um arquéti-<br />

po de toda poesia que o rodeava desde o berço. Poder-se-ia di-<br />

zer que, traído por suas próprias teorias, o canadense ignorou<br />

a fugacidade dos públicos modernos e esperou deles que com-<br />

preendessem toda a metáfora e hipertextualidade de suas pu-<br />

blicações. Todavia, McLuhan usava mais uma vez de sua irre-<br />

verência: se o que pregava era o criticismo, entregar teorias<br />

prontas a acadêmicos e universitários seria como entregar a<br />

fórmula da Coca-Cola para os fabricantes da Pepsi. Talvez a<br />

grande questão fosse de fato esperar que seu “público-alvo”<br />

estivesse realmente preparado para entender sua teoria, já<br />

que falar de aldeia global, extensões e redes parecia absurdo<br />

demais à sua época.<br />

Ao considerar que sua atuação foi visionária, chega a ser possí-<br />

vel compreender o porquê de tantas críticas. McLuhan era a<br />

bug da Matrix – ameaçava adentrar o sistema causando rebuli-<br />

ço. Ora, incidir sobre os meios os holofotes analíticos tendia à<br />

balela quando o foco até então voltava-se a quem os administra-<br />

va e à passividade da grande massa numa relação vertical imu-<br />

tável. Daí deduzir que chamar a atenção para transformações<br />

sociais dinâmicas e constantes no ritmo das evoluções tecnológi-<br />

cas não fizesse sentido. Obviamente, a aventura interdisciplinar<br />

também soava como ameaçadora e beirava à heresia quando<br />

um canadense metido a analista comunicacional sugeria mistu-<br />

rar cânones da literatura a peças publicitárias e discussões so-<br />

bre canais de comunicação dilatados e populares.<br />

A falha de McLuhan, portanto, foi ater-se a objetos considera-<br />

dos paralelos aos interesses “batizados” como científicos e tar-<br />

diamente dar o braço a torcer para amenizar seu caráter “van-<br />

guardista” em nome de uma possível congruência entre suas<br />

perspectivas e a de seus opositores.<br />

Mas agora, às portas da revolução informacional, McLuhan<br />

ressurge das cinzas. Muito embora seus postulados ainda se-<br />

jam pouco estudados e soem muito mais como slogans dos<br />

anos 2000, o canadense vem sendo tardiamente resgatado, reti-<br />

rado do limbo em que se encontrava como indigente enquan-<br />

to parte de suas teorias ganhava notoriedade de forma quase<br />

anônima – os créditos foram dados a McLuhan de forma apa-<br />

gada, praticamente restrita aos grupos de estudo no Canadá.<br />

Ainda assim, com tantos arquétipos, novos conceitos e para-<br />

digmas virtuais em voga, McLuhan parece ter oferecido ao<br />

mundo as provas que tanto lhe cobraram ao longo do tempo.<br />

Nada mais cientificista que isso.<br />

81


Referências<br />

ALEXANDROVA, G. Lynne. Publications by, with and about<br />

Marshall McLuhan: books, articles, multimedia. Toronto: UToronto<br />

– The McLuhan Program in Culture and Technology. Disponível<br />

em:<br />

. Acesso em: 03 de julho de 2009.<br />

DEMOTT, Benjamin. Against McLuhan. In: Supergrow: essays and<br />

reports on imagination in America. New York: Dutton, 1969. p.35-44.<br />

ESTRÁZULAS, Jimi Aislan. Os efeitos da Comunicação de Massa<br />

Digitalizada: uma releitura de McLuhan na pós-modernidade. In:<br />

CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO<br />

DA REGIÃO NORTE, 6, 2007. Belém. Anais... Belém: Universidade<br />

Federal do Pará, 2007.<br />

FEDERMAN, Mark. On reading McLuhan. Ago. 2003. In:<br />

McLuhan Program in Culture and Technology. Disponível em:<br />

. Acesso em 06 de julho de 2009.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Determinismo. In: Minidicionário<br />

Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova<br />

Fronteira, 1993. p. 183.<br />

FRIESNER, Nicholas. (A review of) Method is the Message:<br />

rethinking McLuhan through Critical Theory. In: Cyberspace,<br />

Hypertext e Critical Theory. Rhode Island: Brown University,<br />

2005. Disponível em:<br />

. Acesso em: 12 de fevereiro de 2010.<br />

GORDON, Terrence. Marshall McLuhan. Jul.2002. Disponível em:<br />

. Acesso em: 02 de<br />

julho de 2009.<br />

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.<br />

12. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997.<br />

LIMA, Karina Medeiros. Determinismo Tecnológico. In: CONGRESSO<br />

BRASILEIRO DE COMUNICAÇÃO – INTERCOM, 24, 2001. Campo<br />

Grande. Anais... Campo Grande: UNIDERP, 2001. 1 CD-ROM.<br />

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan. Jul.2002. Disponível em:<br />

. Acesso em: 02 de<br />

julho de 2009.<br />

MARCHAND, Philip. Marshall McLuhan: the medium and the<br />

messenger. Massachussets: The MIT Press, 1998.<br />

MARCHESSAUT, Janine. Marshall McLuhan. London: SAGE Publications,<br />

2005.<br />

MCLUHAN, Marshall; WATSON, Wilfred. Do clichê ao arquétipo.<br />

Rio de Janeiro: Record, 1973.<br />

MCLUHAN, Marshall; MCLUHAN, Eric. Laws of media: the<br />

new science. Toronto: University of Toronto Press, 1988.<br />

MUNDAY, Roderick. Marshall McLuhan declared that “the medium<br />

is the message”. What did he mean and does this notion<br />

have any value? Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 28 de janeiro de 2010.<br />

82


NEVITT, Barrington; MCLUHAN, Maurice. Who was Marshall<br />

McLuhan: exploring a mosaic of impressions. Stoddart Books. Toronto,<br />

Canada: 1994.<br />

PEREIRA, Vinícius de Andrade. Marshall McLuhan, o conceito de<br />

determinismo tecnológico e os estudos dos meios de comunicação<br />

contemporâneos. In: UNIrevista - vol. 1, n° 3, jul. 2006.<br />

REBOUÇAS, Fernando. Teoria da Informação. In: InfoEscola. Jul.2008.<br />

Acesso em: 13 de junho de 2009. Disponível em:<br />

.<br />

ROCKMAN, Arnold. McLuhanism: the natural history of an intellectual<br />

fashion. In: Marshall McLuhan: critical evaluations in<br />

cultural theory. New York: Routledge, 2005. p.138-153.<br />

SOMMER, Vera Lúcia. Uma breve revisão do legado de McLuhan.<br />

In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNI-<br />

CAÇÃO - Intercom, 28, 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro:<br />

UERJ, 2005. 1 CD-ROM<br />

SOUZA, Clinio Jorge de; SOUZA, Ady Arlene Amorim de. Da<br />

Pré-História à Pós-Escrita. In: RECE – Revista Eletrônica de Ciências<br />

e Comunicação. v.1, n.1. Jun. 2002. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13 de junho de 2009.<br />

TAPLEY, Dan. Marshall McLuhan: what is media and why should<br />

they be studied?. Wilfrid Laurier University: 1998. 14 slides: color.<br />

THEALL, Donald F. The virtual Marshall McLuhan. Canada:<br />

McGill – Queen’s University Press, 2001.<br />

TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia<br />

Global ao Império Mundial. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre.<br />

n. 22, p.13-22, dez. 2003.<br />

TRINTA, Aluízio R. Marshall McLuhan, essencial. In: Lumina.<br />

Juiz de Fora – Facom/UFJF – v.6, n.1/2, p.1-14, Jan/Dez.2003.<br />

VIEIRA, Candy Packer. Inovação tecnológica e desenvolvimento<br />

regional: as dimensões territoriais da Lei de Inovação Tecnológica.<br />

2008. 109f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional)<br />

– Universidade Regional de Blumenau. Blumenau – SC.<br />

WILLIAMS, Raymond. Television: Technology and Cultural<br />

Form. London: Fontana, 1974.<br />

83


Profundo e nefasto:<br />

o debate sobre a televisão<br />

na obra de McLuhan e Adorno<br />

JANARA SOUSA<br />

PROFESSORA-ADJUNTA DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL<br />

JANARA.SOUSA@GMAIL.COM<br />

PEDRO RUSSI<br />

PROFESSOR-ADJUNTO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL<br />

PEDRORUSSI@GMAIL.COM<br />

Resumo<br />

Adorno e McLuhan foram e continuam sendo um dos principais expo-<br />

entes da pesquisa em Comunicação no século XX. Lidos e citados por<br />

investigadores do mundo inteiro, eles compõem um grupo bastante<br />

restrito que poderíamos arriscar chamar de clássicos da pesquisa em<br />

nossa área, dadas a qualidade e a importância de suas obras. Represen-<br />

tantes de duas escolas de pensamento seminais para o saber comunica-<br />

cional – Escola de Frankfurt e Escola de Toronto – os autores se desta-<br />

cam ainda por sua capacidade de continuar a influenciar e inspirar ge-<br />

rações de novos pesquisadores. A proposta deste artigo é, na medida<br />

do possível, comparar a matriz teórica e metodológica desses teóricos<br />

no que diz respeito ao estudo da Televisão. Aparentemente opostas, as<br />

contribuições de McLuhan e Adorno convergem em alguns pontos, em<br />

especial, na centralidade dada aos processos de comunicação media-<br />

dos como chave de leitura para explicar os fenômenos sociais e no lo-<br />

cal de destaque que ambos destinaram à Televisão em suas obras.<br />

Palavras chave<br />

comunicação, televisão, Marshall McLuhan, Theodor Adorno<br />

84


Introdução<br />

Theodor Adorno (1903-1969) e Marshall McLuhan (1911-1980)<br />

marcaram profundamente a tradição de pesquisa em Comuni-<br />

cação. Fulguram nos textos sobre a história das teorias da área<br />

como personalidades importantes, pensadores destacados,<br />

que formaram escolas de pensamento e inspiram continuado-<br />

res. Os contemporâneos optaram por matrizes diferentes (e<br />

por que não dizer opostas?) para analisar o impacto do proces-<br />

so comunicacional. Mas, o que eles tiveram, indiscutivelmen-<br />

te, em comum foi a preocupação de compreender os efeitos<br />

do processo comunicacional, contudo, privilegiando chaves<br />

de leituras diferentes: McLuhan, o meio; Adorno, a mensa-<br />

gem. Nosso interesse está em perceber tais chaves de leitura e<br />

compreender as formas (pesquisa) por meio das quais eles<br />

procuraram conhecer o mais destacado no entorno aos meios,<br />

o meio e a mensagem respectivamente.<br />

As décadas 50 e 60 foram os períodos em que mais se concen-<br />

trou a produção científica de McLuhan e Adorno. O canaden-<br />

se McLuhan publicou nessa ocasião três das suas mais impor-<br />

tantes obras: “A Galáxia de Gutenberg”, “Os Meios de Comu-<br />

nicação como Extensões do Homem” e “O Meio é a Mensa-<br />

gem”. O trabalho de McLuhan foi profundamente marcado<br />

por um debate sobre o impacto da tecnologia, i.e., de que for-<br />

ma haveria uma penetrabilidade dessa tecnologia nas ações<br />

cotidianas. Para o autor, os meios de comunicação criam um<br />

novo ambiente social e isso muda profundamente a maneira<br />

como percebemos e estamos no mundo. A centralidade dada<br />

aos meios de comunicação fez com que McLuhan fosse acusa-<br />

do de um determinismo tecnológico. Um determinismo que,<br />

até hoje, se emprega não como compreensão do que isso signi-<br />

ficou ou significa – se for o caso –, senão, como categorização<br />

de validação de um pensamento. Nesse sentido, as discussões<br />

de McLuhan não seriam válidas por serem deterministas ou<br />

vice-versa. A questão é pensar quais foram as formas epistêmi-<br />

cas que lhe possibilitaram pensar a centralidade dos meios. Se<br />

partirmos de que não foi por acaso, é necessário compreender<br />

suas particularidades epistemológicas e metodológicas.<br />

Por sua vez Adorno – expoente da Escola de Frankfurt – esta-<br />

va preocupado em denunciar os danos causados pela Indús-<br />

tria Cultural sobre a cultura de massa (conceito especialmen-<br />

te acunhado, junto a Horkheimer, em “Dialética do Esclareci-<br />

mento”, no ano 1947). A análise e interpretação da cultura<br />

será para entender uma ideologia capitalista em co-autoria<br />

com a Indústria Cultural. Nessa linha, o autor apontou o efei-<br />

to perverso dos meios de comunicação que fizeram da cultu-<br />

ra um negócio de grandes proporções, cujo objetivo princi-<br />

pal é conformar, controlar e manipular a audiência. A pers-<br />

pectiva crítica de Adorno foi apontada por muitos como pes-<br />

simista. Aqui retomamos o supramencionado, é importante<br />

destacar o pessimismo de Adorno ou, se nosso interesse é<br />

epistêmico, a compreensão dos processos intelectuais que<br />

lhe permitiram pensar dessa forma.<br />

85


Se o leitor observar detidamente estas linhas de apresentação,<br />

deparar-se-á com dois pensadores que, pelas suas condições e<br />

maneiras de produção intelectuais relacionadas à Comunica-<br />

ção (seja pelo meio ou mensagem), tornam-se referentes inten-<br />

sos nas suas posições epistêmicas.<br />

A proposta deste artigo é a de investigar como esses dois auto-<br />

res, aparentemente tão opostos, enfrentaram o debate sobre a<br />

televisão. Como é a experiência da TV? Qual o impacto dessa<br />

experiência? Ambos os teóricos escreveram textos específicos<br />

para tratar somente deste tema e acreditamos que esse debate<br />

é fundamental para compreendermos os efeitos dos processos<br />

comunicacionais não somente na perspectiva de entender ex-<br />

clusivamente a visão de dois representantes de escolas de pen-<br />

samento distinto, mas, especialmente, para compreender a<br />

nós mesmos na medida em que eles formam as nossas princi-<br />

pais influências que nos auxiliam hoje no debate sobre a Co-<br />

municação. Adorno e McLuhan, certamente, ainda têm muito<br />

a nos dizer sobre o poderoso, profundo e nefasto “gigante tí-<br />

mido” (MCLUHAN, 1964).<br />

Televisão: “A sala de aula sem paredes”<br />

Antes de mergulharmos nas semelhanças e diferenças no modo<br />

de debater a experiência e o efeito da televisão, entre Adorno e<br />

McLuhan, vamos primeiro apresentar um pouco do pensamen-<br />

to de cada um desses autores sobre esse meio de comunicação.<br />

Comecemos, então, por McLuhan que escreveu dois textos im-<br />

portantes, no qual a televisão é o aspecto privilegiado de análi-<br />

se. O primeiro texto é “A televisão: o gigante tímido”, publica-<br />

do na obra “Os meios de comunicação como extensões do ho-<br />

mem”, em 1964. O segundo texto, chamado “Visão, som e fú-<br />

ria”, foi publicado originalmente 1954 no periódico americano<br />

Commonweal. Seguramente, há mais na obra de McLuhan sobre<br />

a televisão do que somente estes dois textos. Certamente, pode-<br />

mos encontrar esse debate diluído em diversas obras do autor,<br />

entretanto, optamos por esse material considerando que ele<br />

traz o recorte específico sobre a televisão e, em certa medida,<br />

sumariza o pensamento do autor sobre o tema. Entretanto, é<br />

preciso esclarecer que, à medida que se fez necessário, recorre-<br />

mos a outros textos do autor no intuito de esclarecer conceitos e<br />

dúvidas. Não há dúvidas de que para um mergulho mais pro-<br />

fundo fosse necessário recolher mais material, tarefa que opor-<br />

tunamente será empreendida.<br />

Ao começar o seu debate sobre as características e efeitos da<br />

televisão, McLuhan (1964) deixa claro que sua análise não é<br />

sobre conteúdo e sim sobre o meio. Esse é, evidentemente, um<br />

dos argumentos mais contundentes e inovadores na obra do<br />

86


autor, o qual ele faz questão de enfatizar, quando se refere à<br />

TV. De acordo com ele, a imagem desse canal causa uma per-<br />

turbação psíquica e social e não a sua programação. McLuhan<br />

(1964) reclama que os cientistas políticos e os historiadores<br />

têm sistematicamente negligenciado o estudo dos efeitos soci-<br />

ais e pessoais dos meios separadamente do seu conteúdo. E<br />

essa é a tarefa que o autor se propõe a empreender, abrindo o<br />

caminho inferencial para compreender a esfera mediática des-<br />

de outra perspectiva, a dos meios, i.e., desenha outra porta de<br />

entrada analítica ao configurar um saber diferente para inter-<br />

pretar a relação sociedade-meios.<br />

É importante trazer uma classe de conceitos fundamentais do<br />

pensamento de McLuhan, que nos auxiliará na leitura sobre as<br />

características da televisão. Trata-se do debate sobre meio frio e<br />

meio quente, um tema que para muitos atuais críticos e estudio-<br />

sos de McLuhan não seria necessário mais enfrentar, porque já<br />

foi resolvido ou não leva a nenhuma compreensão afinada da<br />

proposta desse pensador. Porém, para avançarmos na empresa<br />

de analisar o pensamento do teórico sobre a televisão, vale desta-<br />

car essa tipificação dos meios de comunicação. Segundo aspectos<br />

da sua natureza, os meios quentes são caracterizados por sua<br />

alta definição: “(...) Alta definição se refere a um estado de alta<br />

saturação de dados” (MCLUHAN, 1964, p. 38). Essa alta defini-<br />

ção faz com que os meios quentes, como o rádio, o cinema e o im-<br />

presso, não deem margem para participação e envolvimento da<br />

audiência. Já o que caracteriza os meios frios é exatamente a po-<br />

breza das informações, que obrigada o receptor a participar e se<br />

envolver na perspectiva de “completar”, “fechar” o significado<br />

das informações que recebem.<br />

Assim colocado, a televisão, enquanto meio frio, promove a parti-<br />

cipação. “A TV não funciona como pano de fundo. Ela envolve.<br />

É preciso estar com ela” (MCLUHAN, 1964, p. 350). Quanto mais<br />

alta definição um meio tem, menor a possibilidade de participa-<br />

ção. Contudo, se o meio é de baixa definição, o envolvimento do<br />

receptor é maior. Na TV, segundo McLuhan (1964), a programa-<br />

ção deve ser envolvente do tipo “faça você mesmo”. O próprio<br />

ator deve assumir esse espírito e estar pronto para improvisar e<br />

manter a intimidade com o público. “A TV não é tanto um meio<br />

de ação quanto de reação” (MCLUHAN, 1964, p. 359). Por isso,<br />

McLuhan acredita que o consumidor da televisão é ativo, en-<br />

quanto o dos meios quentes é passivo.<br />

O meio frio da TV incentiva a criação de estruturas em pro-<br />

fundidade no mundo da arte e do entretenimento, criando<br />

ao mesmo tempo um profundo envolvimento da audiência.<br />

Quase todas as tecnologias e entretenimentos que se segui-<br />

ram a Gutenberg não têm sido meios frios, mas quentes; frag-<br />

mentários, e não profundos; orientados no sentido do consu-<br />

mo e não da produção (MCLUHAN, 1964, p. 350 e 351).<br />

Vamos avançar e compreender que a experiência da televisão<br />

é fortemente marcada por suas características tecnológicas. A<br />

construção da imagem da TV é uma trama em mosaico, ao<br />

contrário dos meios impresso, por exemplo, cuja imagem é vi-<br />

sual e linear. Por causa dessa característica, o público precisa<br />

87


de um envolvimento profundo no processo de construção da<br />

trama. É por essa razão que McLuhan afirma que um ator tele-<br />

visivo precisa ter essa interpretação íntima, quase improvisa-<br />

da, por que esse meio não suporta personalidades bem deline-<br />

adas e favorece mais a construção de processos do que a apre-<br />

sentação de produtos prontos e acabados. Esse argumento é<br />

algo que os continuadores de McLuhan foram reafirmar e<br />

aprofundar, como é o caso do pesquisador estadunidense<br />

Joshua Meyrowitz (1985) 1 , que fez um livro sobre o impacto<br />

da televisão no comportamento social.<br />

A televisão exerce uma força sinestésica e unificadora sobre<br />

a vida das populações letradas e desmonta, assim como os<br />

outros meios eletrônicos, a rigorosa especialização dos senti-<br />

dos e a hierarquia imposta pelos meios escrito/impresso. As-<br />

sim colocado, outra característica da TV é justamente a capa-<br />

cidade de promover a singularidade e a diversidade, já que<br />

as experiências profundas são únicas e de significados parti-<br />

culares e não massivos.<br />

A TV, conforme McLuhan, instaura uma nova maneira de en-<br />

carar a realidade, avançando pode-se estabelecer também<br />

como uma forma diferente de descrever a realidade. Ela ali-<br />

menta a paixão pelo envolvimento profundo e isso não se li-<br />

mita somente à experiência com a televisão, mas se estende<br />

para todos os outros setores das nossas vidas. O autor argu-<br />

menta que ela mudou a nossa organização imaginativa por-<br />

____________________<br />

1 O título original do livro é “No Sense of Place: The Impact of Electronic Media on Social Behavior”.<br />

que não separa e especializa os sentidos. Haveria, dessa ma-<br />

neira, um entendimento de conjunção dos sentidos, não uma<br />

dicotomia dos mesmos, i.e., note-se a interdependência de<br />

sentidos. A televisão é uma extensão do tato e isto implica<br />

dizer que ela envolve uma inter-relação dos sentidos. A cul-<br />

tura letrada, por exemplo, ao estender a visão e promover<br />

uma organização uniforme do espaço e do tempo, permitia o<br />

distanciamento e o não-envolvimento.<br />

A televisão é menos um meio visual do que tátil-auditivo,<br />

que envolve todos os nossos sentidos em profunda inter-re-<br />

lação. Para as pessoas há muito habituadas à experiência<br />

meramente visual da tipografia e da fotografia, parece que<br />

é a sinestesia, ou profundidade tátil da experiência da TV,<br />

que as desloca de suas atitudes correntes de passividade e<br />

desligamento (MCLUHAN, 1964, p. 378).<br />

Um aspecto interessante que podemos interpretar a partir da<br />

argumentação de McLuhan sobre as características da TV é<br />

que não há passividade nessa experiência. Embora a televisão<br />

seja vista por muitos como espaço da falta de ação e de acolhi-<br />

mento ingênuo das mensagens, McLuhan defende que essa<br />

maneira de encará-la é herdeira da cultura letrada. A TV, ao<br />

contrário dessa cultura, exige participação imediata, envolvi-<br />

mento e respostas criativas: “(...) ela nos envolve numa profun-<br />

didade móvel e comovente, mas que não nos excita, agita ou<br />

revoluciona. Presume-se que seja esta a característica de toda<br />

experiência profunda” (MCLUHAN, 1964, p. 379). Essa rela-<br />

88


ção implica uma ação distante e distinta ao que poderia ser<br />

A→B. Tal situação de ingerência direta e de mão única (A→B)<br />

não sustenta uma compreensão de interdependência e inter-re-<br />

lação dos sentidos. Daí a crítica, por parte de McLuhan, ao en-<br />

tendimento de uma relação unidirecional de acolhimento.<br />

O efeito de séculos vivendo sob a influência da cultura letrada<br />

faz McLuhan (2002) se perguntar se essa especialização faz<br />

com que não consigamos encarar os novos meios de comuni-<br />

cação como cultura séria. O livro nos hipnotizou de tal forma<br />

que McLuhan questiona se somos capazes de perceber que a<br />

forma própria de um meio de comunicação é tão importante<br />

quanto o conteúdo que ele transmite. O que o autor chama a<br />

atenção é que as tecnologias criam novas formas de ambiência<br />

e isso, sem dúvida, é a sua principal mensagem. “Cada forma<br />

(dispositivo ou metrópole), cada situação planejada e realiza-<br />

da pela inteligência factiva do homem é uma janela que revela<br />

ou deforma a realidade” (MCLUHAN, 2002, p. 155). O autor<br />

completa afirmando que as inovações nos meios de comunica-<br />

ção promovem profundas mudanças sociais.<br />

Ainda com relação ao binômio meio/mensagem, McLuhan<br />

(2002) coloca, como exemplo da importância do próprio<br />

meio para além do conteúdo veiculado, que mesmo que o<br />

conteúdo jornalístico fortaleça o nacionalismo, a página do<br />

jornal não o faz já que sua característica é ser intercultural e<br />

internacional. A mensagem que não está explícita é a de que<br />

o mundo é uma única cidade.<br />

A política, por exemplo, está para McLuhan (1964) profunda-<br />

mente afetada pelas características da televisão, afetada por<br />

suas lógicas. O teórico acredita que chegou ao fim a votação<br />

em legendas. Nós votamos, agora, em personalidades. Ou<br />

seja, em lugar de ponto de vistas políticos, optamos por atitu-<br />

de e posições políticas inclusivas. Para exemplificar esse argu-<br />

mento, McLuhan dá o exemplo das eleições presidenciais dos<br />

Estados Unidos, que foram disputadas por Kennedy e Nixon.<br />

O primeiro foi o vencedor por que era uma personalidade<br />

muito mais afeita às características da televisão, que suporta<br />

menos o conflito de opiniões e promove o envolvimento em<br />

profundidade, do que o bem delineado perfil de Nixon. Perso-<br />

nalidades facilmente classificáveis frustram o telespectador<br />

porque não lhes permite a possibilidade de complementar/<br />

participar do conteúdo veiculado (MCLUHAN, 1964). Como<br />

exercício analítico, podemos nos aproximar aos tempos atuais<br />

e observar o pano de fundo “marketeiro” nos “embates políti-<br />

cos”, em detrimento dos programas políticos dos partidos.<br />

Presenciamos o redesenho de candidatos políticos (personali-<br />

dade a ser desenvolvida), por exemplo, no trânsito de um<br />

“Lula Talibã” para um “Lula paz e amor”.<br />

Finalmente, vale terminar o escrutínio do pensamento de<br />

McLuhan sobre a televisão trazendo um último exemplo, que<br />

é bastante enfatizado na obra do autor: trata-se do papel edu-<br />

cativo da televisão. O título desse apartado traz a sugestão de<br />

que a televisão seria uma sala de aula sem paredes. McLuhan<br />

acredita que a televisão impactou profundamente a educação.<br />

89


“A TV mudou a nossa vida sensória e nossos processos men-<br />

tais. Criou um novo gosto por experiências em profundidade,<br />

que afeta tanto o ensino da língua como o desenho industrial<br />

dos carros” (MCLUHAN, 1964, p. 373). As crianças, que nasce-<br />

ram sobre a égide da televisão, lançam sobre os meios impres-<br />

sos todo o seu envolvimento sensório e tentam viver a experi-<br />

ência da leitura como vivem a experiência da TV.<br />

Aprendendo a assistir televisão<br />

Adorno escreveu três textos específicos sobre a televisão:<br />

“Prologue to Television” e “Television as Ideology”, ambos publi-<br />

cados originalmente no livro “Critical models: interventions<br />

and catchwords”, em 1963; e “Television and the patterns of mass<br />

culture”, publicado originalmente com o título “How to look<br />

at television”, em 1954, no periódico americano “Quartely of<br />

film, radio and television”. Mais uma vez, retomamos o argu-<br />

mento colocado sobre a questão da escolha dos textos de<br />

McLuhan para explicar também nossa escolha com relação<br />

aos textos de Adorno. Para tornar mais factível a compara-<br />

ção e desenhar categorias mais sólidas de análise, buscamos<br />

os textos dos dois autores que declararam abertamente mer-<br />

gulhar no tema da televisão. Embora, não tenhamos coloca-<br />

do essa ação como uma camisa de força, na medida em que<br />

consultamos outros textos para sanar dúvidas e questões<br />

que ficaram em aberto.<br />

O primeiro aspecto que Adorno esclarece em seu texto “Tele-<br />

vision and the patterns of mass culture” é que ele pretende<br />

analisar a natureza da televisão e do seu repertório de ima-<br />

gens e não programas televisivos específicos, embora no<br />

seu texto “Television as Ideology” ele apresente o resultado<br />

da análise de conteúdo de trinta e quatro programas de tele-<br />

visão. Os três textos se complementam e apresentam um<br />

quadro importante do pensamento de Adorno sobre os efei-<br />

tos da televisão.<br />

90


Sobre esses efeitos, o autor acredita que para compreendê-los é<br />

preciso ter nas mãos categorias da psicologia e conhecimento so-<br />

bre os meios de comunicação de massa. Adorno acredita que de-<br />

vamos questionar sistematicamente os estímulos sócio-psicológi-<br />

cos do material televisivo, tanto do ponto de vista descritivo,<br />

quanto do psicodinâmico, assim como analisar os pressupostos<br />

prévios da pauta desse meio para avaliar seus possíveis efeitos.<br />

Ao revelar as implicações sócio-psicológicas e os mecanismos<br />

da televisão, que com frequência atuam sob o disfarce de um<br />

falso realismo, não somente poderão melhorar seus progra-<br />

mas, mas, também – e isto talvez seja mais importante – pode-<br />

rá sensibilizar o público quanto ao efeito nefasto de alguns des-<br />

tes mecanismos (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 239).<br />

Um aspecto interessante do debate de Adorno sobre a televi-<br />

são é que ele pensa em termos de um “melhoramento” da<br />

programação desse meio. Ou seja, para Adorno precisamos<br />

compreender bem a televisão para aprender a lidar com ela<br />

e a melhorar sua pauta. Porém, melhorar a pauta implica<br />

uma ação direta: melhorar a sociedade. Contudo, ainda a in-<br />

tensidade mantém-se: meios→receptores. O teórico acredita<br />

mesmo que não se trata somente de um aprimoramento de<br />

um ponto de vista estético ou artístico, mas, sobretudo, de<br />

uma nova postura do telespectador: “(...) o esforço que se re-<br />

quer é em si mesmo de natureza moral, pois consiste em en-<br />

carar com conhecimento de causa dos mecanismos psicológi-<br />

cos que atuam em diversos níveis com o propósito de nos<br />

converter em vítimas cegas e passivas” (trad. livre) (ADOR-<br />

NO, 1977, p. 259). Adorno acredita que sua análise trará reco-<br />

mendações claras ao público, que de posse desse conheci-<br />

mento terá mais condição de se defender do efeito nefasto<br />

da televisão. Adverte-se um despertar do público, dar ele-<br />

mentos para que ele tome consciência, desvende o que está<br />

oculto e que por não ser possível observar diretamente, leva-<br />

o, nessa manobra danosa, à funesta falta de consciência.<br />

Antes de passar para as características e efeitos da televisão pro-<br />

priamente ditos, vale destacar dois aspectos da cultura de mas-<br />

sa que nos permitirão compreender melhor a argumentação de<br />

Adorno. O primeiro aspecto a ser destacado é o fato da cultura<br />

de massa fazer referência aos arquétipos estabelecidos durante<br />

o desenvolvimento da sociedade de classe média, mais precisa-<br />

mente no final do século XVII e XVIII, na Inglaterra. Desde en-<br />

tão a produção de produtos culturais cresceu e, segundo o au-<br />

tor, não somente em quantidade, mas, também, em novas quali-<br />

dades. O ponto crucial é que a cultura de massa incorporou ele-<br />

mentos de sua predecessora, inclusive as proibições. A diferen-<br />

ça entre as duas culturas está no fato de que a cultura de massa<br />

se estabeleceu como um negócio em larga escala.<br />

Quanto mais se expande o sistema de "comercialização" da<br />

cultura, mais ela tende a assimilar a arte também "séria" do<br />

passado, mediante a adaptação desta arte aos próprios re-<br />

quisitos de sistema. O controle é tão amplo que qualquer<br />

violação das suas regras é estigmatizada a priori como "pe-<br />

dantismo" e é improvável que alcance a maior parte da po-<br />

pulação. O esforço conjunto do sistema resulta no que pode-<br />

91


ia ser chamado a ideologia dominante do nosso tempo<br />

(trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 241).<br />

Outro efeito dessa cultura de massa, que mantém uma relação<br />

direta com a ideologia da cultura de classe média do passado,<br />

é o seu caráter conservador, controlador e dogmático. O autor<br />

defende que essas características tendem a favorecer reações<br />

automatizadas e a fragilizar a capacidade de resistência indivi-<br />

dual. Haveria uma falta de compreensão (alienação) das pró-<br />

prias condições e relações nas quais o indivíduo se encontra<br />

na existência do mundo.<br />

O segundo aspecto apresentado por Adorno (1977) como<br />

comum nos meios de comunicação de massa é a estrutura<br />

sociológica da audiência, que mudou profundamente. O au-<br />

tor considera que não existe mais a antiga “elite culta”.<br />

Agora vários estratos populacionais que não tinham conta-<br />

to com a arte foram convertidos em consumidores cultu-<br />

rais. Esses novos consumidores costumam ser exigentes<br />

quanto à perfeição técnica e a exatidão das informações e<br />

parecem conhecer o seu potencial poder sobre os produto-<br />

res (ADORNO, 1977). De certa forma, parece existir um in-<br />

cômodo “de classe” na análise de Adorno, exposto quando<br />

se admite o acesso e consumo da “não elite culta” – a modo<br />

de ilustração lembramos da crítica realizada pelo autor,<br />

comparando o Jazz e a música Culta (Clássica).<br />

Um aspecto dessa ideologia que impregna a cultura de mas-<br />

sa de hoje é que antes se vivia um equilíbrio entre a ideolo-<br />

gia e as condições sociais concreta dos consumidores. Hoje,<br />

há um problema porque não há mais esse equilíbrio.<br />

A mensagem implícita dos meios de comunicação é dos valo-<br />

res conservadores de outrora, essa mensagem transforma es-<br />

ses valores em normas de uma estrutura social cada vez mais<br />

hierárquica e autoritária. As mensagens de adaptação e obedi-<br />

ência impregnam o nosso cotidiano.<br />

Quanto mais inarticulado e difuso parece ser o público da cul-<br />

tura de massa, maior a probabilidade dos meios de comunica-<br />

ção alcançarem a sua “integração”. Os ideais de conformidade<br />

e convencionalismo eram inerentes nos romances populares<br />

desde o início. Agora, porém, esses ideais foram traduzidos<br />

em prescrições bem claras sobre o que fazer e o que não fazer.<br />

O resultado dos conflitos é predefinido e todos os conflitos são<br />

farsa pura. A sociedade é sempre a vitoriosa e o indivíduo é<br />

apenas um fantoche manipulado pelas normas sociais (trad.<br />

livre) (ADORNO, 1977, p. 245 e 246).<br />

Adorno explica que esse constante reforço dos valores tradici-<br />

onais poderia significar o esvaziamento deles, mas não é bem<br />

assim. Trata-se mais propriamente de uma estratégia na medi-<br />

da em que quanto menos se crer na mensagem, e quanto me-<br />

nos ela está em harmonia com a existência dos espectadores,<br />

mas ela se mantém na cultura moderna.<br />

92


Pois bem, essas são características comuns aos meios de comuni-<br />

cação na cultura de massa e que, seguramente, estão presentes<br />

na televisão. Mais quais as características específicas que Adorno<br />

confere a esse meio de comunicação? Porque o autor reservou es-<br />

paços para discuti-lo em profundidade?<br />

Adorno aponta três características próprias da televisão, que<br />

nos auxiliam a compor o quadro dos seus efeitos: a sua estru-<br />

tura de várias camadas, a previsibilidade e a redução da sua<br />

narrativa em estereótipos.<br />

A primeira característica está ligada ao conteúdo que está explícito<br />

e ao que está oculto na televisão. Adorno não acredita que<br />

as mensagens de controle e dominação estejam tão evidentes<br />

para o público. Os meios de comunicação não representam<br />

para as massas apenas uma soma de ações, mas diversos estratos<br />

de significados superpostos. A mensagem da TV é impregnada<br />

de um pseudo-realismo: o conteúdo mais explícito é aparentemente<br />

mais realista e menos totalitário, mas ele funciona<br />

somente como uma estratégia para derrubar as barreiras para<br />

que o significado oculto se instale e conduza as reações do público:<br />

“Tem lugar uma clara divisão em gratificações permitidas,<br />

gratificações proibidas e repetição das gratificações proibidas,<br />

em uma forma um pouco modificada e desviada” (trad. livre)<br />

(ADORNO, 1977, p. 248). Esses múltiplos estratos de significados<br />

são, para o autor, estratégias do meio tecnológico para<br />

controlar a audiência. Alentando, dessa forma, uma passividade<br />

da audiência, isso não deixa de ser um entendimento da manipulação<br />

nos processos comunicativos massivos. A televisão<br />

está à disposição de um aparato dominador diante do qual as<br />

estratégias desviantes da recepção não aconteceriam de forma<br />

espontânea. Somente a participação de algum outro (iluminado),<br />

provocaria um processo de possível resistência, porém carente,<br />

mantendo-se, não obstante, a maldosa condição da TV.<br />

A outra característica atribuída à televisão é a previsibilidade<br />

da sua tipologia de programas. O público já está familiarizado<br />

com a divisão de conteúdo em diversas classes, como: comédia,<br />

histórias românticas, de terror e etc. Esses gêneros se transfor-<br />

mam em fórmulas que programam o espectador. Ou seja, ele<br />

supõe o que vai acontecer e como vai se sentir sem mesmo ter<br />

começado a assistir o programa. O autor defende que somente<br />

a televisão consegue transformar essas pautas em universais.<br />

Na verdade, o pseudo-realismo permite a identificação dire-<br />

ta e sumamente primitiva alcançada pela cultura popular; e<br />

apresenta uma fachada de prédios, salas, vestidos e rostos<br />

triviais como se constituíssem a promessa de que algo exci-<br />

tante e emocionante pode acontecer a qualquer momento<br />

(trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 253).<br />

Como última característica, Adorno discute a tendência à cria-<br />

ção de clichês da televisão. Ela tende a deformar o mundo pro-<br />

movendo perigosas dicotomias, como bem/mal, ruim/bom e<br />

branco/preto. Embora considerando a importância dos este-<br />

reótipos para organização e previsão da experiência, no caso<br />

da TV o autor pondera que eles são demasiados e endureci-<br />

dos. O efeito perverso é que as pessoas perdem a sua capacida-<br />

de de compreensão da realidade e de mudar de ideia.<br />

93


Considerações Finais<br />

As propostas de leituras, como chave de acesso a duas esferas in-<br />

terpretativas, sobre o meio (McLuhan) e mensagem (Adorno) permi-<br />

tem compreender as distinções entre esses autores. Tais distinções<br />

não são simplesmente performáticas, e sim com relação à matriz<br />

interpretativa dos processos comunicacionais.<br />

Vamos iniciar pelo primeiro autor: McLuhan. O entendimen-<br />

to do meio coloca no cenário um conceito de amplificação,<br />

não só no sentido do alcance (mais público), senão também –<br />

e principalmente – no que diz respeito a uma amplificação<br />

temporal e espacial - tecnológica. Isto é, um meio posterior<br />

avança com relação ao outro, porém não o anula, muito pelo<br />

contrário. Veja-se que haveria uma matriz de continuidade<br />

de significados (semioticamente falando), não unicamente<br />

de dispositivos mais avançados. Cabe dizer que estamos di-<br />

ante de uma proposta epistêmica que prima pelo reconheci-<br />

mento de uma sociedade em ação contínua de significações.<br />

Se um dispositivo supera o outro, a superação não se dá pela<br />

aniquilação e sim pela dinâmica de acrescentar sentidos.<br />

Para Adorno, a mensagem está na cena principal da sua compre-<br />

ensão sobre a relação estabelecida no âmbito da comunicação de<br />

massa. A postura crítica desse pensador ancora-se justamente na-<br />

quilo onde um aparato ideológico da indústria cultural amarra a<br />

sua força, i.e., na mensagem direcionada para um espectador<br />

que simplesmente exerce a sua função de testemunha de algo so-<br />

bre o qual não pode exercer nenhum outro tipo de movimento. A<br />

possível saída mantém a mesma linha de raciocínio, ela acontece<br />

de outro ato também alheio a esse espectador desconectado da<br />

realidade, por estar embrulhado pela mensagem A→B, a luz ofe-<br />

recida por aquele que pode e entende o que está por trás da más-<br />

cara. A mensagem, nesta postura epistêmica, não é observada na-<br />

quilo que entendemos como estratégias desviantes, muito pelo<br />

contrário. Há nesse sentido, uma concepção conservadora dos<br />

processos comunicacionais (mediáticos).<br />

É importante notar essas diferenças, porque ao falar mensagem,<br />

neste caso, ou meios, no anterior, ambos devem ser compreendi-<br />

dos como conceitos (i.e., processos epistêmicos, lógicos) e não me-<br />

ramente como termos que podem ser utilizados indistintamente.<br />

As diferenças entre os dois autores também são evidentes<br />

com relação ao caminho construído para pensar a Comunicação.<br />

Adorno, ao privilegiar a mensagem, segue o caminho da<br />

análise no sentido próprio da palavra, ou seja, decompondo<br />

cada parte desta, separando os elementos para compreender e<br />

desvelar seu conteúdo ideológico. As mensagens destrinchadas<br />

revelam o conteúdo repressor, controlador e manipulador<br />

dos meios de comunicação. A análise de conteúdo aliada a um<br />

quadro teórico próprio da dialética marxista permite ao autor<br />

encontrar as evidências desse conteúdo ideológico nos meios.<br />

Já McLuhan percorre o caminho do método histórico e compa-<br />

rativo, tentando observar o quadro atual de impacto dos mei-<br />

os a partir de um olhar para o passado que pode revelar os si-<br />

nais dos efeitos macro e microssociais destes. A comparação<br />

com o efeito de outros meios de comunicação dá ao autor as<br />

94


pistas e os insights para pensar o “meio ambiente” que cada<br />

novo canal vai criando. É esse caminho que permite ao pesqui-<br />

sador afirmar que a televisão é uma experiência envolvente e<br />

em profundidade que estimula a participação. Já a era impres-<br />

sa, por exemplo, foi o predomínio do olho, da especialização,<br />

burocratização e individualização (SOUSA, 2009).<br />

A experiência da televisão para Adorno é o cenário do perverso<br />

já que os valores do seu conteúdo são conservadores e controla-<br />

dores. O enfoque na mensagem fez Adorno perceber o desfile de<br />

estereótipos disfarçados em conteúdos pretensamente criativos,<br />

mas que sempre traziam mais do mesmo.<br />

Acreditamos que os quadros de interpretação dos pesquisa-<br />

dores e suas distintas chaves de leitura do mesmo fenômeno<br />

não são opostos e sim profundamente complementares.<br />

Meio e mensagem são aspectos do complexo fenômeno do<br />

impacto dos meios de comunicação. Enfocar o meio é tentar<br />

ver o quadro mais amplo no sentido temporal e espacial. É<br />

valorizar efeitos mais duradouros e menos pontuais e passa-<br />

geiros e tentar dar um quadro analítico mais amplo sobre os<br />

processos que vivem as sociedades complexas. Valorizar a<br />

mensagem é não perder a importância da atualidade e consi-<br />

derar a relevância das demandas que nos desafiam no pre-<br />

sente momento. Além disso, é trazer o debate político para o<br />

seio da pesquisa em Comunicação.<br />

O debate sobre a televisão que trouxemos para pensar o trabalho<br />

de Adorno e McLuhan talvez tenha mudado bastante. O próprio<br />

McLuhan (1964) afirmou que quando a definição da imagem da<br />

televisão mudasse e melhorasse – e, portanto, já não exigisse tan-<br />

to a participação do espectador – não deveríamos mais chamá-la<br />

de televisão. Seria outro meio, outra proposta, outro ambiente<br />

novo e singular. Já para Adorno, provavelmente, o que teríamos<br />

seria mais do mesmo. Em uma escala muito maior sentenciando,<br />

assim, o triunfo da Indústria Cultural.<br />

Para além de pensar como esse quadro teórico pode ou não<br />

responder às questões da atualidade, vale a pena destacar que<br />

o pensamento de Adorno e McLuhan seguramente têm in-<br />

fluências profundas na pesquisa na nossa área, na medida em<br />

que compõem, provavelmente, o quadro das referências mais<br />

lido e citado. Portanto, rever a obra desses investigadores é<br />

compreender também o cenário e as perspectivas da atual pes-<br />

quisa em Comunicação.<br />

95


Referências Bibliográficas<br />

ADORNO, T. W. "Television and the patterns of mass culture". IN:<br />

NEWCOMB, H. The critical view television. New York: Oxford<br />

University Press, 1976.<br />

____________. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e<br />

Terra, 2002.<br />

____________. Critical models: interventions and catchwords. Columbia<br />

University Press, 2005.<br />

McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões<br />

do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.<br />

____________. Os meios são as massa-gens. Rio de Janeiro: GB,<br />

1969.<br />

____________. “Visão, som e fúria”. IN: LIMA, L. C. Teoria da Cultura<br />

de Massa. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.<br />

MEYROWITZ, Joshua. No sense of place: the impact of electronic<br />

media on social behavior. NewYork: Oxford University Press,<br />

1985.<br />

SOUSA, Janara. Teoria do Meio: contribuições, limites e desafios.<br />

Brasília: Editora Universa, 2009.<br />

96


McLuhan e Anísio Teixeira<br />

aproximações em torno da tecnologia<br />

RAQUEL DE ALMEIDA MORAES<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (UNB)<br />

BRASÍLIA, DF, BRASIL<br />

RACHEL@UNB.BR<br />

Resumo<br />

O artigo estabelece aproximações sobre o conceito de tecnologia entre<br />

Marshall McLuhan e Anisio Teixeira. Utilizando o método bibliográfi-<br />

co é descoberto que Teixeria inspirou-se em McLuhan o seu conceito<br />

de tecnologia como extensões dos sentidos, incluindo a problemática<br />

dos valores com fundamento em John Dewey. Por fim, são feitas consi-<br />

derações sobre a atualidade desses autores.<br />

Palavras chave<br />

tecnologia, Marshall McLuhan, Anísio Teixeira<br />

97


Introdução<br />

O objetivo deste texto é tecer algumas aproximações entre<br />

Marshal McLuhan e Anísio Teixeira em torno da tecnologia.<br />

Prefaciando, em 1969, o livro de McLuhan dentro de sua cole-<br />

ção: “A galáxia de Gutemberg”, Anísio Teixeira assim expressa:<br />

A novidade dos nossos tempos tumultuados, com o início<br />

da era eletrônica em substituição à mecânica e tipográfica<br />

de nossa extinta era moderna pela maior transformação tec-<br />

nológica de toda a história, será a de que vamos entrar na<br />

nova era tribal da aldeia mundial pelos novos meios de co-<br />

municação, mas agora em contraste com os nossos antepas-<br />

sados espontaneístas e semiconscientes, em estado de aler-<br />

ta, como diz McLuhan (McLuhan,1972, p.13)<br />

Pelo o que se pode apreender, Teixeira juntamente com<br />

McLuhan, foram entusiastas da tecnologia eletrônica e viam<br />

nela a possibilidade da entrada da humanidade na era da “al-<br />

deia mundial”, só que num estado de alerta.<br />

A seu ver, não mais como os antepassados “espontaneístas e<br />

semiconscientes”, mas ao contrário, conscientes e com planejamento<br />

das suas experiências, voltados para o benefício da<br />

própria humanidade.<br />

Vejamos com um pouco mais de detalhes as concepções desses<br />

filósofos, no que se assemelham e algumas das críticas a<br />

McLuhan quanto à tecnologia.<br />

McLuhan e a Tecnologia<br />

Para McLuhan (1988) os meios podem ser entendidos como<br />

extensões dos sentidos humanos. Para ele, o meio é a mensa-<br />

gem e significa “em termos da era eletrônica, que já se criou<br />

um ambiente totalmente novo. O “conteúdo” desse novo am-<br />

biente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O<br />

novo ambiente reprocessa o velho tão radicalmente quanto a<br />

TV está reprocessando o cinema.” (idem, p. 11-12)<br />

Para ele a humanidade está se aproximando da fase final da<br />

extensão do homem com a possibilidade da “simulação tecno-<br />

lógica da consciência pela qual o processo criativo do conheci-<br />

mento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a socie-<br />

dade humana” (idem, p. 17). E pondera que se isso será bom<br />

ou não, é uma questão em aberto.<br />

Ao analisar a questão da linguagem e da tradução, Mcluhan<br />

argumenta que o computador, pela tecnologia, pode traduzir<br />

qualquer língua instantaneamente e que o próximo passo lógi-<br />

co seria não traduzir, mas “superar as línguas através de uma<br />

consciência cósmica geral, muito semelhante ao inconsciente<br />

coletivo sonhado por Bergson”. (idem, p. 99)<br />

Mais adiante ele argumenta: “Mas um computador consciente<br />

ainda seria uma extensão de nossa consciência, como um tele-<br />

scópio é uma extensão do olho, ou um boneco de ventríloquo<br />

é uma extensão do ventríloquo”. (idem, p. 394)<br />

98


McLuhan concebia a linguagem como tecnologia que transla-<br />

da o pensamento para a fala e é transladado por outras tecno-<br />

logias no decurso da civilização: hieróglifos, alfabeto fonético,<br />

imprensa, telégrafo, fonógrafo, radio, telefone etc.<br />

Para Maria Isabel Nascimento (2001), MacLuhan via na evolução<br />

tecnológica um ator principal na vida social: “o que é dito é condi-<br />

cionado pela maneira como se diz. O próprio meio passou a ser a<br />

principal atração, a informação”.<br />

Com sua tese de aldeia global, o canadense trouxe para a edu-<br />

cação um novo enfoque baseado nas teorias da comunicação,<br />

algo que só viria à tona nos anos noventa do século XX com a<br />

Educomunicação.<br />

Andrew Feenberg (2010, p. 205), por sua vez, vindica que<br />

MacLuhan percebia a tecnologia como “órgãos sexuais do<br />

mundo máquina”. Mas critica sua visão de tecnologia argu-<br />

mentando que ela é determinista assim como a de Marx.<br />

Anisio Teixeira e a Tecnologia<br />

Segundo Anísio Teixeira, com a moderna intensificação do<br />

processo tecnológico, criou-se a “cultura tecnológica” que re-<br />

presenta “mais do que tudo, o reino dos meios em contraposi-<br />

ção ao reino dos fins e valores fundamentais da vida huma-<br />

na”. (Teixeira, 1971, p.19) [grifos do autor]<br />

Recorrendo a John Dewey quando afirma que “os meios são<br />

parcelas dos fins, não podendo, portanto, considerá-los neu-<br />

tros nem indiferentes” (idem, ibidem), Anísio Teixeira conside-<br />

ra fundamental o estudo do processo cultural no intuito de as-<br />

segurar a correspondência entre meios e fins de modo a ter<br />

seu controle.<br />

Em vista disso, afirma que: “Tal estudo é que poderá dar-nos<br />

consciência do processo da cultura sob que vivemos e de que<br />

somos hoje cegamente dependentes, e, pela consciência, a pos-<br />

sibilidade de dirigir e orientar seu desenvolvimento”. (idem,<br />

ibidem) [grifos do autor].<br />

No entanto, a separação entre o saber humanístico do saber cien-<br />

tífico foi motivada, segundo o filósofo e educador, por “causas<br />

que não foram intelectuais mas sociais” (idem, ibidem), especiali-<br />

zou o cientista de tal modo “que ele próprio chegou a ser excluí-<br />

do do mundo do pensamento propriamente dito”, criando a “fa-<br />

lácia das duas culturas do homem” (idem, ibidem).<br />

Indo mais longe do que a cultura humanista, a ciência pôs-se<br />

a serviço do sistema econômico dominante dando origem à<br />

99


indústria, “como solução do problema da produção, sem con-<br />

sideração a quaisquer aspectos humanos” (idem, p. 15).<br />

E continua:<br />

Aliada ao sistema econômico dominante, criou as tecnolo-<br />

gias que transformaram materialmente o mundo, tecnolo-<br />

gias que, por sua vez, moldaram o homem para a fácil<br />

conformação às condições do sistema econômico que aca-<br />

bou por assimilar a ponto de incorporá-lo a sua segunda<br />

natureza (Ibid)<br />

Partindo das críticas de Whitehead ao ciclo fechado do pensa-<br />

mento positivo, pragmático e operacional da ciência moderna,<br />

Teixeira alerta sobre “o perigo de estarem as tecnologias limitan-<br />

do, senão destruindo, a inerente natureza transcendente e críti-<br />

ca do pensamento humano” (idem, p. 11).<br />

Diante disso, formula sua tese sobre a possibilidade da ex-<br />

tensão do método científico ao processo cultural e, desse<br />

modo, à restauração da educação humanística do homem<br />

combinando autores como Raymond Williams (cultura),<br />

Marshal Macluhan (tecnologia) e John Dewey (educação).<br />

A partir dessas referências, Teixeira desenvolve uma concep-<br />

ção de educação que, ao mesmo tempo em que adapta, ajusta<br />

o homem à sua cultura, lhe fornece as bases para uma compre-<br />

ensão que ultrapasse os limites da pura especialização para o<br />

trabalho, tornando-o partícipe no controle, revisão e reforma des-<br />

sa mesma cultura, que é a grande marca do seu pensamento<br />

liberal progressista.<br />

100


Considerações finais<br />

À guisa de comparação, temos que para esses autores a tecno-<br />

logia assume diferentes nuances dependendo da concepção<br />

de homem e mundo em que se baseiam.<br />

Em McLuhan há uma fusão do humano com o tecnológico<br />

aproximando-se de um entusiasta das mídias (Mattelart, 2001)<br />

e do pós-humano, com o cyborg e a Internet (Rüdiger, 2007).<br />

Como entusiasta da mídias Mattelart, no entanto, critica<br />

McLuhan argumentando que ele, ao aproximar o significante<br />

do significado (meio e mensagem), conteúdo e forma, acaba<br />

por beneficiar o monopólio da forma, do meio sob o conteú-<br />

do, à mensagem (idem, p. 75).<br />

Outra crítica à McLuhan é a partir do geopolítico Brzezinski<br />

(1969 apud Mattelart 2002, p. 100) . Para este o canadense, ao se<br />

apoiar nas idéias de Teilhard de Chardin da “nova unidade mun-<br />

dial” da aldeia global, não percebe que ao invés de aldeia global<br />

assiste-se à formação de uma “cidade global”, isto é, “um nó de<br />

relações interdependentes, nervosas, agitadas e tensas, produto-<br />

ras de anomia, anonimato e de alienação política” (idem, p. 100)<br />

Sobre essas críticas contemporâneas o próprio McLuhan argu-<br />

menta que sua visão utópica da aldeia global não se aplica na<br />

atualidade. Para ele: “Village is fission, not fusiuon, in<br />

depth...The village is not the place to find ideal peace and har-<br />

mony” (Gordon, 1997, p. 105). Traduzindo livremente: Aldeia<br />

é fissão, não fusão, em profundidade... A aldeia não é o lugar<br />

ideal para encontrar a paz e a harmonia.<br />

Ele considera que as tribos têm maior potencial de unidade.<br />

Nesse sentido, para Josef Mikovec (2011), Geers (2011) e<br />

Xiangsui (1999), o movimento Zapatista está se mantendo na<br />

luta contra-hegemônica para se libertar da dominação mexica-<br />

na e da alienação graças à Internet, e faz sua estratégia políti-<br />

ca considerando esse meio de comunicação eletrônica.<br />

Para Ronfeldt et al (2011, p. 27) os índios de Chiapas (Exército<br />

Zapatista de Litertação Nacional, EZLN) não querem tão so-<br />

mente a terra, como Marx suporia, mas buscam encontrar um<br />

meio de preservar sua comunidade e cultura. E vem na netwar<br />

(guerra eletrônica) um caminho para alcançar essa meta.<br />

Já Anísio Teixeira utiliza como referência evolutiva a tecnologia<br />

na comunicação teorizada por McLuhan ponderando, no entanto,<br />

sobre os riscos que há por estar subordinada ao mundo do<br />

poder econômico, aproximando-se, portanto, mais do humanismo<br />

como postura filosófica e educacional.<br />

Por fim, para Grosswiler (1996), o método de McLuhan era<br />

como o método dialético de Marx, não era mecânico nem de-<br />

terminista mas garimpava nos interstícios da interação midiá-<br />

tica para alcançar a abertura da consciência e a autonomia.<br />

Embora discordasse da análise marxiana sobre a infraestrutu-<br />

ra da economia capitalista determinar o avanço tecnológico<br />

da sociedade simbolizado pela indústria, MacLuhan propu-<br />

101


nha os meios de comunicação determinando o desenvolvimen-<br />

to social, à semelhança do que Marx fazia com a economia.<br />

Essa é uma polêmica, no entanto, que desenvolveria numa ou-<br />

tra oportunidade, dado a complexidade temática e o escopo<br />

deste Seminário que ora participo.<br />

Referências<br />

GORDON, W. Terrence. McLuhan for Begniners. London:<br />

Writers and Riders, 1997.<br />

GEERS, Kenneth. Sun Tzu and Cyber War. CCD CoE · February 9,<br />

2011. Disponível em:<br />

http://www.ccdcoe.org/articles/2011/Geers_SunTzuandCyberW<br />

ar.pdf Acesso em 13/11/2011.<br />

GROSSWILER, P.. The Dialectical Methods of Marshall McLuhan,<br />

Marxism, and Critical Theory. Canadian Journal of Communication,<br />

North America, 21, jan. 1996. Disponível em:<br />

http://www.cjc-online.ca/index.php/journal/article/view/925/<br />

831. Data de acesso: 15/10/2011.<br />

NEDER, Ricardo. (Org.) A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização<br />

democrática, poder e tecnologia. Brasília: CDS, 2010.<br />

MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutemberg. Tradução de Leônidas<br />

Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira.São Paulo:EDUSP<br />

Companhia Editora Nacional. (Coleção Cultura, Sociedade, Educação,<br />

Direção: Anísio Teixeira), 1972.<br />

_______.Os meio de Comunicação como extensões do homem.<br />

Tradução de Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1988.<br />

MIKOVEC, Josef. Návraty do budoucnosti aneb tak to zase vyhrál<br />

Evo čili latinskoamerická renesance a autopoiesis. Disponível em<br />

http://www.noveslovo.sk/c/11420/Navraty_do_budoucnosti_a<br />

neb_tak_to_zase_vyhral_Evo_cili_latinskoamericka_renesance_a_<br />

autopoiesis Acesso em 12/11/2011.<br />

MATTELART, Armand. História da Sociedade da Informação.<br />

São Paulo: Loyola, 2002.<br />

102


NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. McLuhan. Revista Educação, nº<br />

46, 10/2001.<br />

RONFELDT, John; ARGUILLA, Graham; FULLER, Melissa. The<br />

Zapatista "Social Netwar" in Mexico. Disponível em:<br />

http://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR994.html<br />

Acesso em 15/11/2011<br />

RÜDIGER, Franscisco. Introdução às teorias da Cibercultura. Porto<br />

Alegre: Sulina, 2007.<br />

TEIXEIRA, Anísio S. Cultura e Tecnologia. Rio de Janeiro: Fundação<br />

Getúlio Vargas, 1971.<br />

XIANGSUI, Qiao Liang and Wang.Unrestricted Warfare.Beijing:<br />

PLA Literature and Arts Publishing House, February 1999. Disponível<br />

em:<br />

http://www.missilethreat.com/repository/doclib/19990200-Lian<br />

gXiangsui-unrestrictedwar.pdf Acesso em: 13/11/2011.<br />

Webgrafia<br />

EZLN a Low Intensity Operations Ejercito Zapatista de Liberatión<br />

National Zapatistická armáda národního osvobození<br />

http://en.wikipedia.org/wiki/EZLN<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/Subcomandante_Marcos<br />

Geostrategie, geopolitika a mezinárodní vztahy<br />

http://en.wikipedia.org/wiki/Geostrategy<br />

Návraty do budoucnosti<br />

http://aulavirtualedemocracia.blogspot.com/2011/04/navraty-d<br />

o-budoucnosti.html<br />

103


Parte 3<br />

APROXIMAÇÕES II<br />

Muito além da interatividade:<br />

o olhar de McLuhan sobre as novas<br />

formas de ver o telejornalismo<br />

ANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER<br />

Marcas do narrador implícito numa<br />

aproximação conceitual com McLuhan<br />

ALEXANDRE KIELING<br />

Visão e atualidade das contribuições de<br />

McLuhan sobre a automação e os<br />

consequentes impactos nas organizações, na comunicação<br />

e no mundo do trabalho<br />

JOÃO JOSÉ CURVELLO


Muito além da interatividade<br />

o olhar de McLuhan sobre as<br />

novas formas de ver o telejornalismo<br />

ANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER<br />

DOUTORA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA UNIVERSIDADE<br />

METODISTA DE SÃO PAULO<br />

PROFESSORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE<br />

DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE<br />

FEDERAL DE GOIÁS, BRASIL<br />

ANACAROLINA.TEMER@GMAIL.COM<br />

Resumo<br />

Os avanços tecnológicos provocam mudanças estruturais na sociedade<br />

e nos próprios meios de comunicação. A televisão, como meio de comu-<br />

nicação de massa, vem inserindo espaços dentro de sua programação<br />

para novas práticas centradas nas possibilidades de interação/interati-<br />

vidade o telespectador. Essas mudanças têm alterado o formato e o con-<br />

teúdo do telejornal, e até mesmo a forma como os telespectadores “vê-<br />

em” esse produto jornalístico. Este artigo faz uma análise ampla sobre<br />

as possibilidades que essas mudanças trazem para o telespectador, e<br />

em especial, como afetam a relação telejornalismo/cidadania.<br />

Palavras chave<br />

televisão, internet, telejornal, interatividade, cidadania<br />

105


“Qualquer inovação ameaça o equilíbrio da organização existente.”<br />

(Marshall McLuhan)<br />

Sobre televisão: uma breve introdução<br />

Desde a criação da televisão o jornalismo esteve presente na<br />

programação diária das emissoras. No entanto, a dinâmica de<br />

uso destes espaços foi reconfigurada ao longo das décadas,<br />

passando por períodos de maior e menor prestígio, e por usos<br />

diferenciados das imagens e recursos tecnológicos diversos. O<br />

momento atual aponta para uma nova reconfiguração do espa-<br />

ço destinado ao telejornalismo, em um claro indicativo de que<br />

está ocorrendo um processo diferenciado na pela conquista e<br />

manutenção da audiência e principalmente, uma busca quase<br />

frenética retomada de um prestígio ou importância estratégica<br />

que as emissoras de televisão percebem que está lentamente<br />

se deslocando para outros setores, como a Internet e até mes-<br />

mo as Redes Sociais.<br />

No mundo atual, falar a notícia, a informação, é um capital<br />

precioso e volátil, e a transmissão de novos dados em tempo<br />

real não apenas virou sinônimo de bom jornalismo, como<br />

também se tornou elemento fundamental para credibilidade<br />

e prestígio do telejornalismo, estratégia essencial para o tele-<br />

jornalismo buscar seduzir uma audiência cada vez mais<br />

sabe, em geral via internet, os principais assuntos do dia. A<br />

rede mundial é sinônima de um mundo que se move em alta<br />

velocidade, no qual o ontem é um passado longínquo, e in-<br />

formação esta acessível em tempo real em cada esquina, por<br />

meios cada vez mais portáteis e de baixo custo. A questão é:<br />

como esses novos meios estão impactando no telejornalis-<br />

mo? Como este modelo já tradicional de transmissão de in-<br />

formações jornalística está se adaptando a essas mudanças,<br />

inclusive utilizando, de forma instrumental, estes novos mei-<br />

os? Quais são as novas faces do telejornalismo em tempos de<br />

internet, redes sociais e twitters?<br />

Não são perguntas fáceis de serem respondidas. E, ainda mais<br />

grave, o futuro aponta para a radicalização deste cenário. De<br />

fato, uma pesquisa feita pela Microsoft sobre o comportamen-<br />

to do consumidor de internet europeu, divulgada em abril de<br />

2009 em vários sites 1 , indica que a rede já superou a televisão<br />

em número de usuários/horas de uso. Apesar de todas as es-<br />

pecificidades do Brasil, seria ilusão que a audiência brasileira<br />

segue em outro sentido. No Brasil, assim como em várias par-<br />

tes do mundo, os jovens estão cada vez mais “ligados” na In-<br />

ternet, e fascinados pelas tecnologias de última geração.<br />

De olho nessa mudança de comportamento, as emissoras de<br />

televisão brasileiras de sinal aberto – apenas para fazer um re-<br />

corte - vêem investindo em sites e em outros elementos que<br />

possibilitem um link entre a sua programação os usuários das<br />

redes – (web, redes sociais, twitters). Essa relação se estende<br />

para o telejornalismo, que tem buscado se adaptar a esses no-<br />

vos recursos, tanto no que diz respeito a estratégias para a pro-<br />

____________________<br />

1 www.bit.pt, www.fábricadeconteudos.com<br />

106


dução de conteúdos como também – ou principalmente –<br />

como elemento para conquistar os receptores mais jovens ou<br />

mais equipados em recursos para acessar as redes.<br />

Neste texto, iremos analisar algumas destas práticas, entendo-<br />

as como estratégias que criam novos espaços para que os teles-<br />

pectadores interajam de forma diferenciada com os telejor-<br />

nais, mas também buscando compreender se essa interação/<br />

interatividade efetivamente cria condições para uma comuni-<br />

cação dialógica, que efetivamente muda o caráter do telejorna-<br />

lismo, eventualmente abrindo espaço para que questões liga-<br />

das ao interesse público e à cidadania tenham mais destaque<br />

e/ou sejam tratadas de forma diferenciada. Ou ainda, se as no-<br />

vas tecnologias interativas apontam caminhos para efetivas<br />

mudanças no telejornalismo nacional.<br />

Sob o olhar de McLuhan e da Escola Canadense<br />

Mas se estamos falando de tecnologia, e principalmente, se esta-<br />

mos questionando como a tecnologia afeta aos indivíduos e as rela-<br />

ções sociais convêm olhar para a tecnologia a partir de um olhar<br />

específico, um olhar que, apesar de já não ser novo, ainda tem algo<br />

ao mesmo tempo sedutor e assustador: o olhar de McLuhan.<br />

A preocupação com os efeitos dos próprios meios de comuni-<br />

cação como tecnologia foi uma questão colocada de forma<br />

tardia nos estudos da mídia. O pioneiro nessa corrente foi<br />

Harold Adams Innis, mas sem dúvida Marshall McLuhan,<br />

um canadense, historiador da economia, que partia do princí-<br />

pio segundo o qual a principal força da transformação cultu-<br />

ral são as transformações ocorridas nas tecnologias e, princi-<br />

palmente, nas tecnologias da comunicação, deu novo impul-<br />

so aos questionamentos sobre essa relação.<br />

McLuhan foi um fenômeno no seu tempo, mas o seu legado<br />

foi em muitos momentos mal compreendido e/ou marcado<br />

por leituras superficiais. Visto com maior aprofundamento,<br />

seus escritos revelam um pesquisador com sólida formação<br />

humanista e grande estudioso de retórica. Na visão do au-<br />

tor os meios – ou seja, tudo aquilo que cria vínculos entre<br />

dois ou mais indivíduos – são os elementos que determi-<br />

nam os processos de comunicação e a própria articulação<br />

social. Neste processo, o desenvolvimento de cada um dos<br />

meios de comunicação – que em essência nada mais são do<br />

que extensões do sistema nervoso humano – exerce um<br />

107


tipo de influência decisiva na ação social do indivíduo e na<br />

própria estruturação social, transformando o modo de o ho-<br />

mem entender a si mesmo.<br />

Focado nesta perspectiva, a preocupação central de McLuhan<br />

era entender o papel dinâmico das mídias e das tecnologias,<br />

que por sua vez são vistas como meios que articulam o proces-<br />

so básico da construção histórica da sociedade. McLuhan não<br />

apenas analisa os meios a partir de sua ligação com as trans-<br />

formações antropológicas e simbólicas, como também traba-<br />

lha a partir de uma perspectiva diferenciada da história, atri-<br />

buindo à cultura um papel semelhante a um “espelho retrovi-<br />

sor”, uma vez que se fundamenta no olhar da tradição, do pas-<br />

sado, do que tende a ser conservador, enquanto as novas tec-<br />

nologias apontam para a mudança e a transformação não ape-<br />

nas das técnicas, mas da própria vida social.<br />

McLuhan não estava solto no tempo e no espaço, ao contrário,<br />

dialogava com outros autores de sua época, inclusive com pes-<br />

quisadores de outras esferas do conhecimento. Assim, na mes-<br />

ma época em que Einstein buscava entender a relação tempo/<br />

espaço na teoria da relatividade, McLuhan também procura en-<br />

tender como os meios estruturam essa relação e, ao modificá-la,<br />

estruturam (desestruturam, re-estruturam) também a maneira<br />

como o homem organiza o seu raciocínio e a sua vida.<br />

Para McLuhan, o ambiente criado pelo homem, condicionado<br />

pela tecnologia que ele domina, é a sua segunda natureza: “o<br />

homem é perpetuamente modificado por ela [tecnologia], mas<br />

em compensação sempre encontra novos meios para modifi-<br />

cá-la” (McLUHAN: 2002, p. 65).<br />

Em função disso, esse autor desloca os estudos de comunicação<br />

da questão do conteúdo das mensagens para o estudo dos mei-<br />

os, invertendo a maneira de olhar da Teoria Crítica (TREM-<br />

BLAY: 2003), vendo a tecnologia e a forma como o homem pas-<br />

sa a lidar com essa tecnologia, e especialmente com as tecnolo-<br />

gias da comunicação, como fator fundamental ao processo his-<br />

tórico. Os meios de comunicação reajustam psiquicamente os<br />

indivíduos, são tecnologias da inteligência, cuja compreensão é<br />

o ponto central da organização social. Toda tecnologia é tam-<br />

bém um “ambiente” um ordenador cultural que afeta tanto o<br />

corpo quanto as mentes. “Os ambientes não são envoltórios pas-<br />

sivos, mas processos ativos” (GOMES: 1997, p. 118-119).<br />

São os meios, e não os conteúdos, que modificam a sociedade.<br />

Ainda que “todos os meios existam para “...conferir as nossas<br />

vidas uma percepção artificial e valores arbitrários”<br />

(McLUHAN: 2002, p. 224), cada meio tem uma dinâmica pró-<br />

pria, uma vez que nenhum meio existe por si só, ele usa e se<br />

apodera dos conteúdos de outros meios, em um processo que<br />

modifica as possibilidades de utilização do novo meio, mas<br />

que também altera os usos sociais do meio já existente.<br />

108


E é justamente neste ponto que a relação dos novos meios com<br />

o jornalismo, e especificamente com o telejornalismo, torna-se<br />

um elemento ao mesmo tempo sedutor e angustiante. Sedutor<br />

porque traz promessas de uma interatividade antes impossível,<br />

de avançar no “ouvir o público” e prestar novos e melhores ser-<br />

viços. Mas também angustiante porque a prótese técnica que é<br />

inserida no processo, essa nova extensão do corpo, causa a mes-<br />

ma dor de uma amputação: o corpo conhecido se torna desco-<br />

nhecido, oferecendo limites e possibilidades que o seu usuário<br />

deve, eventualmente de forma dolorosa, testar.<br />

O que é jornalismo?<br />

Ainda que nenhuma atividade seja mais representativa da mo-<br />

dernidade do que o Jornalismo, é difícil relacionar seu estudo,<br />

que de muitas formas se construiu sobre bases empiristas e<br />

funcionalistas, a visão de McLuhan sobre as mudanças sociais<br />

decorrentes das tecnologias.<br />

A imprensa, como nós a construímos no nosso imaginário atual,<br />

tem como base valores como a busca permanente pela verdade, o<br />

questionamento de todas as autoridades e todos os mitos, a luta<br />

pela transparência nas ações do estado, a confiança no progresso e<br />

no próprio se humano (Marcondes Filho: 2000, p. 9).<br />

O jornalismo é tudo que se opõe ao atraso, ao obscurantismo, ao<br />

que dúbio ou secreto. O jornalista é um comunicador, mas é tam-<br />

bém um profissional da informação, indivíduo inserido em um<br />

processo produtivo ao mesmo tempo organizado e direcionado,<br />

ordinariamente inserido em uma organização empresarial cuja fi-<br />

nalidade principal é o lucro, e que não vacila em utilizar tecnolo-<br />

gias que racionalizem economicamente o processo de produção.<br />

Não é surpreendente, portanto, que a atividade profissional<br />

caminhe em paralelo com as mudanças tecnológicas, apresen-<br />

tando-se e inserindo-se com desenvoltura em cada novo meio<br />

de comunicação que alcança um mínimo de atenção dos recep-<br />

tores. Um olhar mais atento, no entanto, verá que a cada novo<br />

meio, a cada nova tecnologia, o jornalismo se adapta, se modifi-<br />

ca, se reconstrói, em um processo que reconstrói não apenas a<br />

109


própria atividade profissional – o jornalismo -, mas também os<br />

jornalistas e as expectativas e comportamentos dos receptores.<br />

De fato, cada nova possibilidade tecnológica representa tam-<br />

bém uma nova possibilidade de articulação interna de um sis-<br />

tema que, ao mesmo tempo em que expõe a pluralidade de<br />

opiniões, também controla a exposição dessas opiniões. Cada<br />

nova tecnologia representa também uma nova possibilidade<br />

de acesso à informação, e a cada nova possibilidade cresce no<br />

receptor a falsa sensação de que desfruta incondicionalmente<br />

dos benefícios resultantes da liberdade de expressão.<br />

No entanto, é inegável que o jornalismo “... via de regra,<br />

atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglo-<br />

merado jornalístico raramente fala sozinho.” (MARCONDES<br />

FILHO: 1989, p.11). Desta forma, mesmo tempo compromis-<br />

so com a informação verdadeira e atual, os veículos jornalís-<br />

ticos também buscam defender seus próprios interesses.<br />

Neste sentido, a vantagem oferecida pelos novos meios, pe-<br />

las novas tecnologias, está em proporcionar aos produtores<br />

de informações – grandes ou pequenos_ melhores condi-<br />

ções de publitizar seus próprios pontos de vista, oferecen-<br />

do aos leitores um maior leque de possibilidades de acesso<br />

a/as informação/informações.<br />

____________________<br />

2 Para Marcondes Filho (2002) o primeiro jornalismo nasce com a Revolução Francesa, a partir do ideal de trazer raciona-<br />

lidade os acontecimentos e expor a verdade. O segundo é o embrião do modelo de jornalismo moderno: o início do<br />

jornal como empresa capitalista e do jornalismo que valoriza a imparcialidade e o interesse público. O terceiro jornalismo<br />

surge no século 20, quando ele assume características de monopólios. O quarto jornalismo é o da era tecnológica.<br />

Este novo jornalismo, que Marcondes Filho (2002) define<br />

como quarto jornalismo 2 , é resultante de processos que tive-<br />

ram início por volta dos anos 1970, que se acoplam a expan-<br />

são da indústria da consciência no plano das estratégias de<br />

comunicação e persuasão dentro do noticiário e da informa-<br />

ção. Esse modelo é marcado pela inflação de comunicados e<br />

de materiais de imprensa fornecidos por agentes empresari-<br />

ais e públicos (assessorias de imprensa) eventualmente de-<br />

preciando-a informação “pela overdose”. O modelo também<br />

é marcado pela perda de importância da informação jornalís-<br />

tica, e do próprio jornalista, que passa a competir com “...sis-<br />

temas de comunicação eletrônica, pelas redes, pelas formas<br />

interativas de criação, fornecimento e difusão de informa-<br />

ções” (MARCONDES FILHO: 2002, p. 30).<br />

Especificamente quando falamos de telejornalismo, falamos<br />

também de um processo de comunicação que envolve mais de<br />

uma etapa, em uma relação híbrida de apreensão da realidade<br />

e representação dos acontecimentos atuais (os fatos) à socieda-<br />

de. Estas ações, cuja simplicidade aparente escondem tramas<br />

complexa de atividades profissionais especializadas, é direta-<br />

mente afetada pelas mudanças tecnológicas. O modelo de tele-<br />

jornalismo como conhecemos hoje, com múltiplas reportagens<br />

e várias entrevistas, só se tornou possível em função da porta-<br />

bilidade dos equipamentos de filmagem.<br />

Mudanças mais recentes, como elementos facilitadores da<br />

transmissão ao vivo em tempo real e a edição não linear,<br />

110


também tem afetado em maior e menor grau o conteúdo do<br />

telejornalismo. Da mesma forma, ainda que nem todas as<br />

emissoras e todos os telejornais tenham aderido incondicio-<br />

nalmente às novidades, sem dúvida que as possibilidades<br />

de interação em tempo real via internet já afetam o modo<br />

de fazer o telejornalismo.<br />

A preocupação das emissoras com os novos meios fica clara tam-<br />

bém em outras ações: os sites dos telejornais são cada vez mais ela-<br />

borados tanto em termos estéticos quando em navegabilidade, e<br />

os conteúdos estão sendo disponibilizados cada vez mais rápido<br />

ou até mesmo tempo real (paralelamente a transmissão pela TV).<br />

Todos estes recursos criam não apenas novas possibilidades<br />

de acesso a informação, mas também novas possibilidades de<br />

indivíduos ou grupos sociais interagirem – mandarem suas<br />

mensagens, mostrar a sua presença e interesse – aos produto-<br />

res dos telejornais. Essas ações, evidentemente, afetam o pró-<br />

prio jornalismo como ator social, criando novas relações de<br />

força (relações de poder) não apenas entre os produtores e<br />

consumidores de produtos jornalísticos, mas nas relações de<br />

força/poder entre o jornalismo e a sociedade.<br />

Neste sentido, ainda que tenham proliferado trabalhos que<br />

analisam o jornalismo a partir das ações profissionais e o<br />

conteúdo do jornalismo, é necessário rever também como<br />

as tecnologias afetam as relações do jornalismo como insti-<br />

tuição social, como alimentador dos processos agente ativo<br />

na vida da sociedade.<br />

Nesta perspectiva é necessário rever também rever o jornalis-<br />

mo a partir do olhar de McLuhan, entendendo que as novas<br />

tecnologias não representam “a morte da notícia”, mas abre<br />

espaço para que a atividade atue não apenas em novos espa-<br />

ços, mas também desenvolva novos papeis. Igualmente impor-<br />

tante é acrescentar que o jornalismo, como reflexo do compor-<br />

tamento da própria sociedade na modernidade, absorveu as<br />

tecnologias sem racionalizar esse processo.<br />

A adoção de computadores, sistemas de rede, acesso on line<br />

à Internet, fusão e mixagem de produtos na tela conduzi-<br />

ram as empresas jornalísticas a uma reformulação completa<br />

de seu sistema de trabalho, adaptando em seu interior a<br />

alta velocidade de circulação de informações, exigindo que<br />

o homem passasse a trabalhar na velocidade do sistema<br />

(MARCONDES FILHO: 2003, p. 36).<br />

111


Sobre o conteúdo do (novo?) jornalismo<br />

O telejornalismo mudou, mas a questão é: mudou para me-<br />

lhor? Antes de responder a essa pergunta, é importante fazer-<br />

mos algumas reflexões. A verdade é que, para a maior parte<br />

dos estudiosos da área, o telejornalismo nunca foi marco de<br />

qualidade de informação jornalística. Ainda que tenha aponta-<br />

do para uma grande massa de indivíduos sem o hábito da lei-<br />

tura do jornal impresso a importância da informação, o telejor-<br />

nalismo brasileiro sempre esteve atrelado a interesse das gran-<br />

des empresas de mídia, ou até mesmo a interesses do Estado.<br />

O indivíduo, o público receptor, foi tratado como audiência;<br />

sua voz só passou a ser motivo de preocupação quando a que-<br />

da desta audiência – que aconteceu em parte por motivos eco-<br />

nômicos e estruturais - começou a incomodar.<br />

Neste sentido, a principal preocupação nas redações não são<br />

as mudanças estruturais e sociais que as novas tecnologias<br />

podem trazer, mas se a tecnologia pode estar trazendo de<br />

volta para as redações uma proximidade com o público que<br />

havia sido perdida e/ou diluída nas rotinas produtivas das<br />

redações desde o processo industrial. Ou, em outras pala-<br />

vras, se a tecnologia pode trazer/manter/conquistar uma<br />

boa audiência para o telejornal. Aliás, como a redação dos te-<br />

lejornais de sinal aberto está cada vez mais consciente que<br />

parte do publico migrou para outros veículos e para as emis-<br />

soras codificadas (cabo ou satélite) a palavra de ordem é<br />

usar buscas novos espaços de interatividade (real ou não)<br />

que conquistem o público C, a fatia alvo para qual os produ-<br />

tores hoje voltam seus olhares ambiciosos.<br />

Mas antes de se deter sobre essas estratégias, no entanto, é im-<br />

portante analisar se no ambiente de convergência tecnológica<br />

o fazer jornalístico sofre impactos tanto em seu aspecto teóri-<br />

co quanto na ética de seu exercício profissional. De fato, a in-<br />

serção da tecnologia aproxima cada vez o jornalismo de ou-<br />

tros modelos de comunicação mediada e consequentemente o<br />

afasta da informação, da neutralidade e da imparcialidade<br />

que, em tese, é característica do jornalismo.<br />

A emergência dos novos meios aponta para um destronamento<br />

do jornalista da sua “a tendência de apoiar-se em si mesmo”<br />

(WOLTON: 1991), forçando-o a se relacionar-se com o mundo e<br />

suas exigências estéticas que antes não prevaleciam: a notícia<br />

deixa de se impor a partir do interesse implícito que carrega<br />

consigo: “agora é preciso fazer significar ao destinatário que se<br />

tratada dele” (MARCONDES FILHO: 2002, pág. 39).<br />

112


Internet, televisão e interatividade<br />

Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e informa-<br />

ção afetam não apenas o jornalismo, mas exercem um papel es-<br />

truturante na organização da sociedade e da nova ordem mun-<br />

dial (MATTELART E MATTELART: 2002). Não há como sepa-<br />

rar os avanços tecnológicos da compreensão de como a socieda-<br />

de se organiza e age: “na época atual, a técnica é uma das di-<br />

mensões fundamentais onde está em jogo a transformação do<br />

mundo humano por ele mesmo” (LEVY: 1993, p.7).<br />

Na análise do jornalismo essa separação fica ainda mais difí-<br />

cil. Vivemos na sociedade midiatizada e mediada pelos meios,<br />

na qual todos os acontecimentos cotidianos estão sempre pas-<br />

síveis de se tornar públicos: as redes sociais, as propostas de<br />

transparência do Estado, as relações virtuais cada vez mais<br />

constantes, criam possibilidades para se conhecer detalhes da<br />

vida de indivíduos que, em outro momento histórico, seria<br />

inacessível. Todos os assuntos, importantes ou não, estão dis-<br />

postos e explicados em milhares de site na Internet, dando a<br />

impressão de que nada mais é secreto ou desconhecido.<br />

É verdade que a pauta das conversas diárias (ainda?) passam,<br />

quase sempre, pelo que foi divulgado na TV e nos jornais.<br />

Mas a perspectiva mudou. Em um estudo realizado este ano<br />

no Campus da UFG comprovou-se que a maior parte dos estu-<br />

dantes tiveram acesso à informação sobre a morte do líder da<br />

Al Qaeda, Osama Bin Laden pelos veículos tradicionais de jor-<br />

nalismo 3 . Da mesma forma, um estudo do mesmo grupo de<br />

pesquisa, mas do ano anterior, mostrou que os jovens estudan-<br />

tes de jornalismo não acompanhavam diariamente os telejor-<br />

nais, e mesmo quando o “viam”, ele atuava como pano de fun-<br />

do para outras atividades 4 .<br />

Estes são apenas alguns dos estudos que apontam que, no<br />

mundo onde proliferam informações, a importância do jorna-<br />

lismo não está simplesmente em mostrar os fatos, mas em<br />

mostrar como compreendê-los, em classificá-los, sistematizá-<br />

los, hierarquizá-los. Além disso, o telejornalismo atual já não<br />

se limita ao modelo tradicional de transmissão de informa-<br />

ções, e tem voltado os seus esforços para o jornalismo diver-<br />

sional e a prestação de serviços. De fato, alguns telejornais –<br />

como é o caso do Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão –<br />

tem se especializado em assuntos mais leves, aparentemente<br />

voltados para as donas de casa, com dicas de culinária,<br />

moda e lazer. Da mesma forma, tem sido significativa a pre-<br />

sença do material voltado para “ensinar alguma coisa”, se-<br />

jam em matérias direta ou indiretamente ligadas aos direitos<br />

do consumidor, sejam aspectos específicos do serviço públi-<br />

co, reforçando a relação do telejornalismo com a cidadania.<br />

Mas isso não é tudo, pois a relação da televisão com meios<br />

como a internet e o twitter exigem um olhar mais complexo. E<br />

____________________<br />

3 TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Bin Laden e a morte da notícia - Trabalho apresentado no GT – Jornalismo do<br />

XI Congresso Lusocom, realizado de 4 a 6 de agosto de 2011.<br />

4 TEMER, A. C. R. P. . Espiando a notícia: a recepção do Jornal Nacional por jovens estudantes de jornalismo. In: BARBOSA,<br />

Marialva; MORAIS, Osvando J de. (Org.). Comunicação, Cultura e Juventude. 01 ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 01, p. 183-212<br />

113


neste olhar é necessário considerar também até que ponto na<br />

incorporação das tecnologias, as novas mídias surgem com a<br />

promessa de serem espaços democratizantes porque ampliam<br />

o acesso à informação, e principalmente, na elaboração/cons-<br />

trução da informação.<br />

Neste sentido, o mais recente questão mágica que de tempos<br />

em tempos assombra os estudiosos, é a interatividade. Mas o<br />

que é interatividade?<br />

No Brasil a expressão surge a partir do neologismo inglês interac-<br />

tivity, e é utilizada para principalmente para denominar uma<br />

qualidade específica da chamada computação interativa (interacti-<br />

ve computing). A denominação, no entanto, era insuficiente clarifi-<br />

car a qualidade da modificação na relação usuário-computador re-<br />

sultante da incorporação de periféricos que permitiam acompa-<br />

nhar, em tempo real, os efeitos das intervenções do usuário. Da<br />

mesma forma, dado a intervenção mediada, essa nova relação<br />

não constituía uma interação, uma vez que o termo remete a no-<br />

ção de contato interpessoal. Para enfatizar essa diferença passou-<br />

se a usar a expressão 'interatividade', aceitando-se que o adjetivo<br />

interativo um qualificador de interação em seu sentido amplo.<br />

Portanto, interatividade é caráter ou condição de interativo, é a<br />

capacidade de interagir ou permitir interação.<br />

Apesar de ser uma expressão que ganhou notoriedade com o<br />

surgimento da internet, a interatividade também pode ser dis-<br />

cutida dentro dos meios de comunicação tradicionais. De fato,<br />

os processos interativos estão presentes em diferentes estân-<br />

cias na comunicação mediada, mas somente a expressão inter-<br />

atividade se torna mais aplicável quando há uma “interven-<br />

ção permanente sobre os dados”, ou seja, um tipo especifico<br />

de interação quantitativamente e qualitativamente mais signi-<br />

ficativa, ou pelo menos significativo o suficiente para alterar a<br />

relação predominantemente unidirecional que caracterizada<br />

os processos de comunicação mediados anteriores a dissemi-<br />

nação dos computadores pessoais.<br />

Partindo desses significados, há interação na televisão quando<br />

o telejornal abre espaço para o cidadão se manifestar enquan-<br />

to o telejornal está sendo veiculado, e essa manifestação tam-<br />

bém veiculada dentro do telejornal. Ou seja, jornalista e cida-<br />

dão exerceram uma ação mutuamente.<br />

No entanto, é importante observar que a interatividade não cor-<br />

responde necessariamente a uma resposta genuína dos mem-<br />

bros da audiência, uma vez que o poder comunicativo não está<br />

dividido de forma igualitária. Neste sentido, a participação do<br />

telespectador dentro do telejornal pode ser reativa, uma vez<br />

que sua ação está limitada pelos profissionais de redação.<br />

Desta forma, os dispositivos interacionais midiatizados, ou<br />

desenvolvidos em zonas de incidência da midiatização são<br />

flexíveis, mas não plenamente acessíveis para os receptores.<br />

Consequentemente, tendem a ser rápidos e superficiais.<br />

114


As tensões entre televisão, telejornalismo e interatividade<br />

O diálogo entre comunicação e cidadania ganha fôlego novo a<br />

partir das novas tecnologias da comunicação. Isso porque “os<br />

efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e<br />

dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os senti-<br />

dos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem<br />

qualquer resistência.” (MCLUHAN: 2002, p. 34).<br />

As mídias digitais e as possibilidades da interatividade afe-<br />

tam diretamente a relação das mídias tradicionais com o seu<br />

público e com o modo de produzir e/ou fazer telejornalismo.<br />

A partir das novas possibilidades oferecidas pela computa-<br />

ção, pela telefonia móvel e acessível, já não é possível pen-<br />

sar mais dentro da lógica homogeneizante da sociedade de<br />

massas, da imprensa unidirecional elaborada a partir da ló-<br />

gica da produção industrial. As novas possibilidades tecno-<br />

lógicas mudam o conteúdo dos telejornais, mas, sobretudo,<br />

afetam as expectativas dos receptores e os usos que os re-<br />

ceptores fazem deste conteúdo.<br />

Neste sentido, convém perguntar: se as tecnologias mudam as<br />

condições de interatividade dos receptores com as mídias,<br />

como fica a relação do telespectador com a telejornalismo?<br />

A elaboração desta resposta exige que se reveja as diferenças<br />

entre os conceitos de conceito de público/audiência para, so-<br />

mente a partir do seu entendimento, compreender melhor o<br />

telespectador do jornalismo produzido para a televisão.<br />

O termo audiência ganhou destaque nos estudos de comunica-<br />

ção a partir da década de 1980, conforme destaca Orozco<br />

(2006), ao assinalar que o público deixa de ser visto como alie-<br />

nado diante dos meios de comunicação e passa a ser compre-<br />

endido como um ente capaz de agir e reagir. Público ou audi-<br />

ência é um coletivo de telespectadores que, por razões varia-<br />

das se conectam a certa programação ou programa de televi-<br />

são, movidos pelo interesse em assimilar determinados temas<br />

ou conteúdos que satisfaçam seus interesses sociais, políticos<br />

ou culturais, ou as necessidades específicas de lazer ou busca<br />

por satisfação, a partir de escolhas subjetivas mas condiciona-<br />

das pelos seus valores e percepções do mundo.<br />

A audiência, portanto, não é uma massa homogênea, mas um<br />

público com interesses direcionados, que só responde aos estí-<br />

mulos dos produtores se estes compreenderem o contexto cul-<br />

tural, social e econômico no qual estão inseridos.<br />

No Brasil, pensar a audiência significa pensar também nas<br />

características históricas da televisão brasileira, no seu pas-<br />

sado fortemente influenciado por interesses comerciais,<br />

pela qualidade estética de suas produções, pelo seu vínculo<br />

estreito com o lazer. Em função disso, a tensão na relação<br />

do veículo com seu público, é que, para os empresários da<br />

televisão, a audiência só é válida quando formada por con-<br />

sumidores em potencial.<br />

115


Esta é a importância maior da comunicação em um sistema<br />

produtivo: transforma a população em mercado ativo de consumo,<br />

gerando a disposição ao consumo, relacionando cada bem, produ-<br />

to ou serviço ao extrato social a que está destinado, atingindo<br />

simultaneamente a todos os extratos e imprimindo maior agili-<br />

dade ao mecanismo produtivo. (In KEHL: 1986, p. 205).<br />

No entanto, o consumo de produtos (anunciados exaustiva-<br />

mente pela publicidade) quanto de bens simbólicos (comporta-<br />

mento, visão de mundo, etc.) nem sempre pode ser diagnosti-<br />

cado previamente, ou elaborado de forma a produzir, sem<br />

margem de erros, resultados específicos. Sabemos hoje que<br />

nem o público consome tudo o que vê na TV, nem a televisão<br />

expõe de forma clara todos os seus interesses e produtos 5 ,<br />

mas na sociedade moderna fica difícil trabalhar com a hipóte-<br />

se de que há uma ingenuidade de parte a parte nesta relação.<br />

O planejamento e o conhecimento dos interesses do público –<br />

para não falarmos das estratégias de uso da televisão adota-<br />

das pelo público – não suprimem, no entanto, o caráter impre-<br />

visível desta relação.<br />

Entre as previsões anunciadas que se concretizam se alojam<br />

também reações inesperadas para as quais os pesquisado-<br />

res buscam explicações posteriores. Ainda que conscientes<br />

disto, os planejadores também são movidos por pautas cole-<br />

tivas, por modismos específicos e por pretensas soluções<br />

____________________<br />

5 Um exemplo disso são as reportagens que criam expectativas sobre jogos e disputas esportivas que a própria<br />

emissora vai transmitir.<br />

mágicas de conquista do público. A mais recente destas re-<br />

ceitas mágicas, é a interatividade.<br />

Mas nem mesmo a interatividade é resposta a todos os proble-<br />

mas – ou todas as mudanças e necessidades de adaptações que a<br />

televisão tem que enfrentar. De fato, é importante considerar<br />

que, embora tenham se passado mais de 60 anos da chegada da<br />

televisão no Brasil, o comportamento dos produtores de televi-<br />

são e do telejornalismo frente ao receptor não mudou expressiva-<br />

mente. Todas as ações continuam voltadas para a conquista cega<br />

dos números, para o aproveitamento das tecnologias como for-<br />

ma de deslumbrar o telespectador e manter alto o número de<br />

aparelhos ligados. O interesse pelo cidadão está esta em segun-<br />

do plano, aliás, em alguns casos nem mesmo está nos planos,<br />

não interessa à programação. Mesmo nos momentos em que a<br />

televisão usa termos como jornalismo cidadão ou cidadania, ou<br />

se direciona ao cidadão com algum pretexto, o faz na expectativa<br />

transformá-lo em audiência, de cativá-lo.<br />

Essa relação é comprovada a partir da estratégia que a TV em<br />

se apoiar nas pesquisas para definir sua grade de programa-<br />

ção e, principalmente, a se colocar como mediadora dos confli-<br />

tos e questões do público ao tratar dos assuntos pertinentes à<br />

cidadania como saúde, segurança, emprego, entre outros.<br />

Neste sentido, a interatividade oferecida hoje aos receptores –<br />

e que tem vínculos estreitos com a cidadania, está limitada<br />

aos registros das possibilidades. Para ser assegurada, para efe-<br />

116


tivamente assumir uma dimensão de inclusão do cidadão,<br />

essa interatividade obrigatoriamente deveria conferir a todo<br />

membro da sociedade o igual direito de ser plenamente repre-<br />

sentado, de ter acesso aos meios e da participar da vida em co-<br />

mum e das decisões coletivas de forma plena. 6<br />

Quando consideramos que somente podemos pensar no indivíduo<br />

enquanto cidadão quando, além de ter a liberdade<br />

de forma plena, alcançando não somente os seus direitos<br />

civis e sociais, mas também conquistando a condição de interferir<br />

ou participar em todos os âmbitos da vida em sociedade<br />

– aí, incluído na própria agenda dos meios – verificamos<br />

que a “interatividade” hoje oferecida aos telespectadores<br />

do telejornalismo não assegura o direito de acesso do<br />

cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação<br />

social na condição de emissores – produtores e<br />

difusores – de conteúdos, e portanto não assegura os processos<br />

de cidadania que deveriam ser inerentes a interatividade.<br />

Desta forma essa interatividade é antes uma estratégia<br />

(pouco efetiva) de busca pela audiência. Seu equivoco,<br />

aliás, está justamente em voltar-se para um público que já<br />

não aceita estratégias, pois busca espaços onde possa se exprimir<br />

como cidadão.<br />

Isto não quer dizer que a televisão não tenha mudado, não este-<br />

ja mudando, mas aponta a imensa dificuldade dos produtores<br />

de televisão, entre eles os próprios jornalistas responsáveis pelo<br />

telejornalismo, em aceitar as mudanças que as mudanças trazi-<br />

____________________<br />

6 Este trecho remete ao próprio conceito de cidadania, conforme definido na obra de Gentilli (2005, p. 93)<br />

das pelas novas mídias vão além do instrumental. Para esses<br />

produtores é muito bom que o computador seja uma “maquina<br />

de escrever” mais eficientes, que o telefone celular substituía os<br />

ruídos e interferências dos rádios ponto a ponto acoplados aos<br />

carros de reportagens, que as fermentas de busca permitam<br />

que os arquivos desocupem espaços. Mas é só isso.<br />

O que parece estar fora de sua visão são as mudanças estru-<br />

turais que estes equipamentos trazem consigo. Que frente<br />

em frente a “velha tela da televisão” existe um novo telespec-<br />

tador, uma nova audiência, um novo público, que já desequi-<br />

librou a organização do modelo televisivo atual. No entanto,<br />

o próprio McLuhan vê a audiência como uma elemento ati-<br />

vo, e seguindo essa visão produtores devem se conscientizar<br />

que a opção não é mais convencer esse público de que a tele-<br />

visão é moderna e interativa, nem mesmo buscar elementos<br />

de multimídia. Ou a televisão muda de fato a sua relação<br />

com a audiência e se insere em uma relação transmidiática, -<br />

na qual a soma da televisão com a internet não é apenas<br />

uma mudança de ambiente, mas na criação de uma nova am-<br />

biência que exige modelos de narratividade diferentes dos<br />

modelos até então utilizados na televisão ou mesmo na inter-<br />

net, - ou a audiência irá migrar para espaços onde possa se<br />

expressar de forma mais completa.<br />

O que, aliás, já está acontecendo...<br />

117


Referências<br />

COSTA, Alcir Henrique da, SIMÕES, Inimá Ferreira e KEHL, Maria<br />

Rita. Um país no ar: a história da TV Brasileira em 3 canais.<br />

São Paulo: Brasiliense/ Funarte,1986.<br />

GENTILLI, Victor. Democracias das Massas: jornalismo e cidadania –<br />

estudo sobre as sociedades contemporâneas e o direito do cidadão<br />

a informação. Coleção Comunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS,<br />

2005.<br />

Gomes, Pedro Gilberto. Tópicos De Teoria Da Comunicação. São<br />

Leopoldo: Unisinos, 1997.<br />

LEVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência – o futuro da inteligência<br />

na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.<br />

MARCONDES FILHO, Ciro. A saga dos cães perdidos. Comunicação<br />

e Jornalismo. São Paulo: Hacker, 2000.<br />

MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da Notícia – Jornalismo como<br />

Produção Social da Segunda Natureza. 2º ed. São Paulo: Ática, 1989.<br />

MARCONDES FILHO, Ciro. O Espelho e a Máscara – O enigma da<br />

comunicação no caminho do meio. São Paulo: Discurso Editorial,<br />

Editora Unijuí, 2002.<br />

MARCONDES FILHO, Ciro. A produção social da loucura. São Paulo:<br />

Paulus, 2003.<br />

MATTELART, Michèle e MATTELART, Armand. História das Teorias<br />

da Comunicação. 9º ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.<br />

McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem.<br />

(Understanding media). 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.<br />

OROZCO, G.G, Comunicação Social e mudança tecnológica: um cenário<br />

de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de (org). A sociedade<br />

midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006<br />

TEMER, Ana Carolina R. P. Espiando a notícia: a recepção do Jornal<br />

Nacional por jovens estudantes de jornalismo. In: BARBOSA,<br />

Marialva; MORAIS, Osvando J de. (Org.). Comunicação, Cultura e<br />

Juventude. 01 ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 01, p. 183-212.<br />

TEMER, Ana Carolina R. P.. Bin Laden e a morte da notícia - Trabalho<br />

apresentado no GT – Jornalismo do XI Congresso Lusocom, realizado<br />

de 4 a 6 de agosto de 2011.<br />

TREMBAY, Gaetán. De Marshall macluhan a Harold Innis ou da Aldeia<br />

Global ou Império Mundial. Porto alegre: Revista Famecos, n.<br />

22, dez.2003.<br />

118


Marcas do narrador implícito numa<br />

aproximação conceitual com McLuhan<br />

ALEXANDRE KIELING<br />

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO<br />

PROFESSOR E PESQUISADOR DO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO<br />

DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA<br />

DISTRITO FEDERAL, BRASIL<br />

ALEXANDREK@UCB.BR<br />

Resumo<br />

O presente artigo ocupa-se de uma primeira reflexão diante das experi-<br />

ências narrativas operadas no âmbito do projeto de pesquisa de conteú-<br />

dos digitais interativos e transmidiáticos abrigado no mestrado em Co-<br />

municação da Universidade Católica de Brasília. À luz das perspecti-<br />

vas de McLuhan, busca-se uma análise das incursões com uso da tecno-<br />

logia digital nos cruzamentos de linguagem e códigos da Internet e TV.<br />

Promove-se uma aproximação com o entendimento de que na transmi-<br />

dialidade a tecnologia pode se inscrever como narrador implícito.<br />

Palavras chave<br />

narrador implícito, tecnologia, ambiência, transmidialidade<br />

119


1 Os pressupostos de McLuhan<br />

Nosso exercício de reflexão recorre a três pressupostos encon-<br />

trados nos postulados de McLuhan: (a) a ideia de implicação<br />

sociocultural que cada nova tecnologia produz; (b) a noção<br />

de ambiente; e (c) a perspectiva de decorrência e interligação<br />

de um meio em relação ao outro. Este último, do nosso pon-<br />

to de vista, a partir dos processos comunicacionais e da cons-<br />

trução textual.<br />

1.1 O primeiro pressuposto<br />

O pensador canadense destacava nos anos 1960 que nenhum<br />

meio ou tecnologia, concebido com extensões do homem, era<br />

introduzido na sociedade sem produzir consequências sociais<br />

e pessoais nas nossas vidas. No entendimento de McLuhan,<br />

“a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de<br />

escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz<br />

nas coisas humanas” (p. 22). Efetivamente, o presente proces-<br />

so de transição entre as mídias analógicas e as digitais tem re-<br />

sultado em algumas reconfigurações. Nós temos defendido<br />

(KIELING, 2009/2010) que uma das mais significativas se dá<br />

nos processos de produção, circulação e consumo de bens sim-<br />

bólicos gerados, ofertados e acessados por meio da comunica-<br />

ção mediada pelas mídias.<br />

Sabidamente, cada meio analógico, jornal, revista, cinema, rá-<br />

dio, TV e mesmo a nativa digital, que é a Internet, era opera-<br />

do a partir de sistemas com fluxos verticais e bastante hierar-<br />

quizados. Cada qual obedecia às lógicas dadas pelas condi-<br />

ções de produção impressa, da radiodifusão e da rede fixa. No<br />

jornal e na revista era necessário trabalhar textos dentro de de-<br />

terminados limites de linhas e diagramação, submetidos aos<br />

processos gráficos e de impressão, depois distribuídos nas<br />

bancas ou entregue na casa do assinante para ser lido no dia<br />

seguinte. No cinema, complexas ações de gravação em pelícu-<br />

la, revelação, montagem, cópias, distribuição em salas de exi-<br />

bição e apresentação em sessões diárias. No rádio e TV, capta-<br />

120


ção de imagens e/ou som em equipamentos eletrônicos arma-<br />

zenados em fitas magnéticas, editados e transmitidos em siste-<br />

mas irradiantes de ondas hertzianas sintonizadas por apare-<br />

lhos de recepção. Na Internet o processo exigia computadores<br />

de mesa, redes fixas e acesso discado pela linha telefônica.<br />

Com a digitalização esses processos estão também horizontali-<br />

zados. Atualmente, produção, circulação e consumo de cada<br />

texto midiático pode se dar em um mesmo aparelho portátil,<br />

ser disponibilizado em conexões sem fio e acessado em recep-<br />

tores móveis. Até mesmo a velha TV, graças ao middleware<br />

Ginga e aos outros dispositivos de conectividade, pode exibir<br />

qualquer conteúdo de imagem, som e dados.<br />

1.2 O segundo pressuposto<br />

A nossa dinâmica nos encaminha para o segundo pressuposto:<br />

a ideia de ambiente. McLuhan ensina que “toda tecnologia gra-<br />

dualmente cria um ambiente humano totalmente novo” (p. 10).<br />

E mais, destaca que esses ambientes são somente envoltórios.<br />

Uma espécie de esfera passiva, ao contrário, é ativa e interfere<br />

na dinâmica do espaço. Nesse sentido configuraria e controla-<br />

ria tanto a proporção, quanto a forma, a ação e as associações<br />

humanas (McLUHAN, 1964, p. 10). Tal entendimento justifica-<br />

ria o postulado de que o meio, ao delimitar, ao estabelecer deter-<br />

minadas condições operativas no seu interior, configuraria a<br />

condição de mensagem. Se pensarmos no ambiente analógico e<br />

vertical dos meios, analisados, na época, pelo pesquisador da<br />

escola de Toronto, há pertinência de sentido. Mas se perceber-<br />

mos o novo ambiente digital horizontalizado, no qual as instân-<br />

cias de produção e recepção podem experimentar interações<br />

numa oferta tecnológica bidirecional (BARBOSA FILHO; CAS-<br />

TRO 2009; KIELING, 2010), o meio enquanto mensagem tende<br />

a se diluir em processos dissipativos.<br />

Verón (2004) nos provoca quanto ao fim da experiência das mí-<br />

dias, no caso da TV, como fenômeno de recepção massiva. Eco<br />

(1984), que estudou o exemplo europeu no qual a TV Pública<br />

veio antes da TV Comercial, ao fazer uma classificação tempo-<br />

ral e histórica, entendia como Paleo TV o período inicial da mí-<br />

dia televisiva quando esta procurava reproduzir tudo que suas<br />

câmeras pudessem captar do mundo exterior. Neo TV seria o<br />

121


que veio a seguir, quando o conteúdo se volta para o interior<br />

do meio e sua capacidade de criar realidades, um mundo pró-<br />

prio (auditório, ficção, celebridades) numa operação autorrefle-<br />

xiva. Por fim, alguns teóricos fora do ambiente semiótico falam<br />

de a Pós TV (Piscitelli, 1998; Ramonet, 2002) que se encaminha-<br />

ria para a segmentação. Para Verón, essa diluição, que se vê<br />

agravada pela digitalização, a dispersão de audiência, a quebra<br />

da recepção contínua vinculada ao fluxo da grade de programa-<br />

ção, tende a desconstituir o fenômeno da assistência massiva.<br />

Imagine-se então agora com a audiência fragmentada pelos gra-<br />

vadores digitais, pelos repositórios de vídeos nas redes e pelos<br />

receptores móveis. Ou então a possibilidade dos públicos tam-<br />

bém produzirem. O princípio de controle oferecido pelo meio à<br />

instância de produção parece se relativizar.<br />

O fato é que vai se configurando um novo ambiente que ten-<br />

siona o anterior, perturba sua ordem, seu sistema enquanto<br />

meio ordenador social, regulador das condições de sociabilida-<br />

de, produção, acesso e consumo. Todavia, nesse processo, o<br />

ambiente anterior não desaparece. Da mesma maneira, suas<br />

lógicas e suas dinâmicas passam a conviver com o novo.<br />

McLuhan entendia que “o conteúdo de qualquer meio ou veí-<br />

culo é sempre o outro meio e veículo. O conteúdo da escrita é<br />

a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa,<br />

é o conteúdo do telégrafo” (p. 22). Por esse motivo, a tendên-<br />

cia do conteúdo de um meio seria se tornar mais forte porque<br />

o conteúdo seria outro meio. No fenômeno presente da digita-<br />

lização, em certo sentido, essa perspectiva pode ser verificável<br />

nos portais, nas redes sociais que reúnem diversos conteúdos<br />

revitalizados a partir da sua herança analógica. É o caso dos<br />

vídeos e das fotos permanentemente disponíveis, das publica-<br />

ções dos conteúdos colaborativos, da interação com os públi-<br />

cos. Novas formas de construção textual que se apropriam<br />

das antigas e, às vezes, tão somente a reproduzem.<br />

E nesse movimento, os processos de seleção, filtros, e velhas<br />

hierarquias procuram se manter. Defende-se que nessa dinâmica,<br />

mais complexa de revitalização dos conteúdos, e nos<br />

processos pensados por McLuhan, há uma intersecção de duas<br />

lógicas que coabitam; não apenas um ambiente, mas uma<br />

ambiência. Esse espaço, de um lado reúne várias mídias e as<br />

dinâmicas de um sistema fechado mais vinculado à ordem<br />

operativa, necessária às dinâmicas operativas da tecnologia, e<br />

de outro, um sistema aberto vinculado às dinâmicas dissipativas<br />

1 dos conteúdos, vistos como bens simbólicos e, portanto,<br />

da produção de sentido que deles resulta (KIELING, 2009).<br />

Algo como, de um lado, o sistema numa relação homem-máquina,<br />

na qual predominam os esforços de estabilidade e ordem<br />

2 . Há controle do discurso na lógica do esquema da teoria<br />

da informação descrita por Shannon e Weaver 3 (Fig. 1).<br />

____________________<br />

1 Prigogine (1990) desenvolveu a teoria de dissipação a partir do movimento de partículas de espaço para outro,<br />

considerando que a cada deslocamento estas partículas tendiam a se ajustar aos novos ambientes, mas sem perder<br />

sua referência de origem.<br />

2 Dinâmicas pensadas a partir das lógicas dos sistemas de função descritas por Luhmann. O autor entende os meios<br />

de comunicação como um sistema fechado, autofortificados (que se protegem do ambiente externo), autorreferen-<br />

tes (autonomia e organização interna, uma autopoiésis interna) e heterorreferentes (sua relação com o ambiente<br />

externo se daria por um acoplamento estrutural).<br />

3 SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of communication. Urbana: The University of<br />

Illinois Press, 1949.<br />

122


Fig. 1 – Esquema baseado na teoria da informação de Shannon e Weaver<br />

Mensagem<br />

Emissor Receptor<br />

Canal<br />

De outro lado, há dinâmicas processuais da relação sujeito-su-<br />

jeito mais dedicadas à produção dos bens simbólicos. Opera-<br />

ções de construção do discurso nas quais a geração do conteú-<br />

do não se processa apenas nas possibilidades de interpreta-<br />

ção, mas também nas possibilidades interativas de produção.<br />

Experimentam-se os efeitos de geração e circulação de senti-<br />

do 4 (Fig. 2).<br />

Fig. 2 – Esquema baseado na teoria da comunicação como processo<br />

____________________<br />

Mensagem (...)<br />

Emissor (R) Receptor (E)<br />

Canal<br />

4 Trata-se do processo de construção de sentido pensada por Verón (2004) e do sistema de significação, o SSI, que<br />

vai depender de variáveis externas, sociais, culturais que podem dissipar interpretações e escolhas, como pensaria<br />

Prigogine (1990), para fora da proposta original dos textos midiáticos, das suas estruturas modelizantes do script, do<br />

roteiro, do estúdio, dos esquemas da multicâmera, das normas de estilo, de redação, dos manuais.<br />

Constitui-se deste modo a noção de ambiência midiática 5 (KIE-<br />

LING 2009/2010) por meio da qual as duas dinâmicas convi-<br />

vem no fenômeno de digitalização das mídias (Fig. 3).<br />

Fig. 3 – Esquema desenvolvido para ilustrar o postulado de ambiência.<br />

Naturalmente que, como alertava McLuhan, a eficácia dessa<br />

configuração dos meios depende do uso e da própria estrutu-<br />

ra que as associações humanas conformam. Na linha de tem-<br />

po das tecnologias, o autor canadense, considerando que a téc-<br />

nica de alguma forma molda a associação e o trabalho huma-<br />

nos, encontra na idade da pedra e do manuscrito princípios<br />

de uma organização tribal. Na era da mecânica e da prensa<br />

percebe uma fragmentação e individualização. No período da<br />

elétrica encontra elementos de retribalização a partir, sobretu-<br />

do, do fluxo da energia que aglutina as comunidades e o con-<br />

sumo de Cinema, Rádio e TV, que são compartilhados. Segura-<br />

mente escapou ao autor a fase de massificação e uniformiza-<br />

ção, também presentes nessa fase elétrico-eletrônica, especial-<br />

____________________<br />

5 Trata-se da perspectiva da midiosfera (KIELING 2009/2010) na qual, a partir de um esquema de elipses (Fig. 3) no<br />

qual percebemos dois sistemas (o SPD, Sistema de Produção e Distribuição, e o SSI, Sistema de Significação, incluin-<br />

do consumo e interpretação). Na dinâmica imaginada das elipses, um sistema permeia o outro num processo de<br />

interação por meio do qual se constitui um lugar, um espaço, um terreno virtual de confronto e acomodação entre<br />

as lógicas de cada sistema. Mas, ao mesmo tempo, configura-se um espaço de realização, de consumação.<br />

123


mente na segunda metade do século 20. Se aplicarmos a mes-<br />

ma lógica a essa etapa da digitalização, no âmbito dessa am-<br />

biência midiática, vamos encontrar efeitos de uma nova tribali-<br />

zação nas mídias sociais e no convívio virtual, porém perma-<br />

necem vigorosos indicadores de segmentação. Quem dispõe<br />

de todos os aparatos tecnológicos de recepção tende a decidir<br />

individualmente ou em pequenos grupos onde, quando, de<br />

que forma e que conteúdo vai acessar.<br />

1.3 O terceiro pressuposto<br />

O quadro descrito acima nos conduz ao terceiro pressuposto<br />

que trata da intersecção dos meios. Mais que se alimentar dos<br />

antecessores, o digital efetivamente atualiza todos e multipli-<br />

ca suas bases de distribuição. Ou ainda, produz cruzamentos<br />

e associações tecnológicas. Scolari (2008) lembra que “as trans-<br />

missões de rádio, TV e cinema são desenhados, produzidos,<br />

pós-produzidos, e cada vez mais, distribuídos usando as tec-<br />

nologias digitais” (p. 82), configurando-se o uso de uma multi-<br />

plicidade de linguagens, em diferentes camadas nas quais se<br />

incorporam várias formas de expressão e vários meios. Agre-<br />

ga-se novos dispositivos àqueles que já eram mobilizados, as<br />

vezes ao mesmo tempo, para a compreensão da narrativa.<br />

Condição que é incrementada pela possibilidade oferecida pe-<br />

los sistemas digitais de amplificar, arquivar, reconverter e re-<br />

produzir textos sem perda da qualidade original e sem prejuí-<br />

zo ao conjunto de dados informativos (SCOLARI, 2009).<br />

Um processo no qual o conteúdo ou o texto depois de digitali-<br />

zado ou já gerado digitalmente, além de poder ser fragmenta-<br />

do, manipulado, recombinado, pode ser distribuído de manei-<br />

ra transmidiática, por vários meios, conferindo um efeito de<br />

transmidialidade ou hipermedialidade, como propõe Scolari.<br />

Tal circulação em diversas mídias insere esses conteúdos na<br />

dinâmica de narrativas que alimentam um fluxo na perspecti-<br />

va da convergência pensada por Jenkins (2009). Mas, o fluxo<br />

de conteúdos, por meio de múltiplas plataformas, estaria sujei-<br />

124


to “à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao<br />

comportamento migratório dos públicos dos meios de comu-<br />

nicação, que vão a qualquer parte em busca das experiências<br />

de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29). Nes-<br />

se sentido, a noção de convergência implicaria não apenas nas<br />

transformações tecnológicas, mas igualmente mercadológicas,<br />

culturais e sociais, verificando-se a mudança de escala, cadên-<br />

cia ou padrão nas coisas humanas, pensadas por McLuhan.<br />

Juntamente com esse processo vamos verificar a inscrição dos<br />

públicos que, graças às ofertas interativas constitutivas das<br />

tecnologias digitais, podem se lançar de maneira mais intensa<br />

às interações com as instâncias produtoras. Estes sujeitos co-<br />

municacionais são qualificados como prosumidor (SCOLARI,<br />

2008), ou produser (BRUNS, 2009). Esta última categoria, o pro-<br />

dutor/usuário, não estaria diretamente envolvida em formas<br />

de produção de conteúdos, mas sim em produsage, que, segun-<br />

do Bruns, seria a construção contínua e colaborativa e a ampli-<br />

ação do conteúdo já existente com a finalidade de melhorar<br />

esse texto.<br />

Boa parte destes produsers atua nas redes sociais e, conforme re-<br />

cente classificação do MIT, estaria dividida em quatro grupos de<br />

atividades interativas:<br />

(a) aqueles criadores profissionais ou podcasters, que pro-<br />

movem a distribuição e publicação de conteúdos;<br />

(b) aqueles voyeurs, que apenas dão algum tipo de retorno<br />

como “curtir”;<br />

(c) aqueles que repassam o conteúdo acessado aos ami-<br />

gos, agindo como mediadores destes textos;<br />

(d) e os efetivamente colaborativos. Estes últimos, mais<br />

atuantes, se subdividem em duas subcategorias, os<br />

que ajudam na busca de informações (como colabora-<br />

dores de uma investigação jornalística) e os crowdsour-<br />

cing que trabalham coletivamente 6 (Fig. 4)<br />

Fig. 4 – Adaptação do gráfico desenvolvido pelo grupo de estudo do MIT. 7<br />

____________________<br />

6 O crowdsourcing é um modelo de produção que utiliza a inteligência e os conhecimentos coletivos e voluntári-<br />

os espalhados pela Internet para resolver problemas, criar conteúdo e soluções ou desenvolver novas tecnologias .<br />

7 Acessível em: http://web.mit.edu/comm-forum/mit7/papers/Frigo_MIT-MEL_SocialTV.pdf;<br />

http://mobile.mit.edu/research/next-tv/next-tv . Último acesso em 20/1/2012.<br />

125


2 O impacto provocado pela ambiência<br />

As operações dessa ambiência midiática têm mobilizado os<br />

grandes conglomerados midiáticos que já recorrem às múlti-<br />

plas possibilidades de chegar a esse produtor-usuário, nos ter-<br />

mos de Bruns. Cada vez mais jornais, revistas, rádios, TVs e<br />

sites da WWW são reunidos em versões integradas nos por-<br />

tais da rede de computadores ou ganham versões em recepto-<br />

res móveis com os tablets e smartphones. É fato que a instância<br />

de produção vem sendo impactada pelas possibilidades que<br />

gradualmente instituem uma nova maneira de produção, cir-<br />

culação e consumo dos conteúdos transmidiáticos. Esses mo-<br />

vimentos contaminam especialmente os processos e a estru-<br />

tura de realização de narrativas digitais. É o caso da constru-<br />

ção de relatos que tem mobilizado diferentes plataformas tec-<br />

nológicas e que na sua articulação narrativa geram composi-<br />

ções não pensadas por McLuhan.<br />

Dentre essas possibilidades está aquela na qual as tecnologias<br />

passam a fazer parte da história, atuando inclusive com uma<br />

função narrativa de narrador implícito. Uma experiência nes-<br />

se sentido foi empreendia no âmbito do grupo de pesquisa de<br />

conteúdos digitais transmidiáticos e interativos da Universida-<br />

de Católica de Brasília. A equipe produziu um vídeo cuja abor-<br />

dagem sobre adoção se ocupa de estimular as pessoas à essa<br />

maneira de paternidade e maternidade. A estrutura narrativa<br />

da história utiliza como fio condutor uma família que costu-<br />

ma usar as redes sociais para se informar sobre como cuidar<br />

do filho com síndrome de Down e também para compartilhar<br />

experiências com outros pais.<br />

Para compor a estrutura narrativa, o grupo de pesquisadores<br />

optou pelo uso da mediação da Internet para o cruzamento da<br />

história da família âncora com as histórias de outras famílias<br />

com experiência de adoções de crianças com necessidades es-<br />

peciais. A escolha buscava preservar o espaço real dos perso-<br />

nagens e incluí-los num espaço fílmico com a menor contami-<br />

nação possível. A perspectiva documental procurava o regis-<br />

tro do contato natural entre as famílias por meio da rede.<br />

Desta maneira, a costura entre o espaço real e o espaço fílmico<br />

exigiu uma intervenção da tecnologia.<br />

126


3 O meio como narrador<br />

Acredita-se que esse deslocamento do suporte, da própria tec-<br />

nológica, agrega novo status comunicacional ao meio. O movi-<br />

mento permite o entendimento de que a condição de meio, no<br />

caso da mencionada narrativa, assume, em certo sentido, uma<br />

condição de fim. Incorpora um estatuto de inscrição narrativa.<br />

Recordemos que a narratologia como uma manifestação de dis-<br />

curso, encontra nos relatos audiovisuais da televisão (polifôni-<br />

cos) pelos menos quatro níveis de enunciadores (locutores ou<br />

narradores), de certa maneira comuns ao cinema (KIELING,<br />

2009). Primeiro, que seria o enunciador ausente, encontramos a<br />

instituição midiática. Um segundo enunciador seria o processo<br />

de produção de programas. Sejam meios, formas e estéticas de<br />

produção (incluindo os diretores, escritores, realizadores, edito-<br />

res, operadores de câmera). São os “narradores implícitos” (GE-<br />

NETTE, 1991; JOST, 2004) que servem ao sistema produtivo e<br />

ao mesmo tempo vão ser responsáveis pela enunciação manifes-<br />

ta na realização dos textos televisivos e de instrumentos de au-<br />

toproteção do sistema. O terceiro é o narrador implícito que são<br />

os apresentadores, personagens. No caso do documentário so-<br />

bre adoção seriam as pessoas de cada família que falam na his-<br />

tória. E, por fim, o narrador virtual, que é o espectador, ou o<br />

produtor usuário que envia colaborações para o texto, como já<br />

descrito no presente artigo.<br />

Todavia, o que aqui nos interessa é o narrador implícito. Este<br />

é o caso dos dispositivos tecnológicos que com o advento da<br />

digitalização passam a fazer parte da narrativa com escritura<br />

no texto, seja por meio de aplicativos que ajudam a estrutura<br />

da narrativa, seja por meio de dispositivos de interatividade<br />

com a instância de recepção que permitam ações colaborati-<br />

vas ou construções alternativas de linearidade e não lineari-<br />

dade. Trata-se, portanto, do suporte que deixa de ser meio e<br />

passa a ser fim, não apenas instrumento, mas figura como<br />

narrador ou personagem implícito que não está necessaria-<br />

mente declarado, porém intervém e também dialoga com a<br />

história, enunciando e produzindo efeitos de sentido. Isso<br />

ocorre no documentário, pois a tecnologia passa a fazer par-<br />

te da narrativa.<br />

Observe-se que no relato o aplicativo de rede social alinhavan-<br />

do a estrutura do texto audiovisual exigiu um construto estéti-<br />

co e narrativo. Foi criada uma interface gráfica (Foto 1 e 2),<br />

desenvolvida exclusivamente para o vídeo de referente factu-<br />

al, que terminou por figurar com um papel enunciativo. A in-<br />

terface promoveu o espaço de interação entre os personagens<br />

localizados em cidades de regiões diferentes do país.<br />

Portanto, uma inscrição que não somente interfere no fluxo narra-<br />

tivo normal como estabelece nova ordem interna organizando a<br />

relação dialógica das famílias (personagens). Noutro sentido, pro-<br />

duz uma intersecção entre as lógicas e a estética do vídeo com a<br />

das redes. Sem a ação articuladora da tecnologia e, particular-<br />

mente, da interface gráfica a construção do texto audiovisual<br />

apresentaria elipses temporais e espaciais de difícil compreensão.<br />

127


Foto 1- Still do diálogo da família da história âncora<br />

com outra família por meio da Internet<br />

O uso da tecnologia como parte da mensagem, do discurso e<br />

da narrativa, tende a resgatar o que Marshall McLuhan escre-<br />

veu em 1963, quando afirmou que “o meio era a mensagem”.<br />

É bem verdade que o autor canadense fez essa reflexão a par-<br />

tir de outra realidade (a televisão analógica em seu estágio ini-<br />

cial) e tecnologias (eletricidade) e pensava no palimpsesto<br />

(GENETTE, 1992) que emoldurava ou enquadrava os conteú-<br />

dos às condições de produção e de recepção.<br />

Mas sua análise deve ser vista aqui numa dimensão referenci-<br />

al, uma vez que o meio, no caso descrito, se torna mais que<br />

um meio. Avança a partir do pressuposto de limitação do tex-<br />

to e institui a premissa de abertura em relação ao enquadra-<br />

mento do sistema fechado de cada mídia para a produção tex-<br />

tual. Imagina-se, arriscando uma noção distinta, que há uma<br />

transposição conceitual a partir do postulado de McLuhan,<br />

quando se confere à tecnologia um caráter enunciador no inte-<br />

rior do discurso. Não exterior a ele.<br />

Foto 2 - Still da interface gráfica usada no documentário<br />

Trata-se de narrativas que podem adquirir vida própria. No<br />

exemplo, o roteiro proposto – o roteiro guia – é apenas uma<br />

proposta inicial sujeito a incorporações no processo de realiza-<br />

ção, na medida em que o que vai resultar da conversa por<br />

meio da Internet não está previsto. Há um espaço de registro<br />

da experiência, uma característica do documentário.<br />

128


4 Apontamentos finais<br />

Acreditamos estar diante da perspectiva de uma ampliação das<br />

marcas de ruptura paradigmática que vivemos com a digitaliza-<br />

ção das mídias. Como vimos, o uso da tecnologia digital vem<br />

gradualmente introduzindo novas dinâmicas tanto nas práticas<br />

da instância de produção quanto nos hábitos e práticas da ins-<br />

tância de recepção. Há novos referentes em construção.<br />

Notadamente, o pressuposto da inserção da tecnologia digi-<br />

tal no estatuto de inscrição narrativa, aqui apresentado, per-<br />

mite inferir uma transcendência. Nessa ambiência mediáti-<br />

ca a tecnologia promove o deslocamento do meio da sua<br />

condição de suporte para parte do conteúdo, da lingua-<br />

gem, da narrativa. Além disso, rompe os limites das própri-<br />

as condições de produção de cada mídia tal qual foram<br />

constituídas a partir das capacidades do papel, da impres-<br />

sora, da película, do projetor, das ondas hertzianas, das an-<br />

tenas, dos transmissores, dos aparelhos fixos de transmis-<br />

são, do tratamento do som, das cores, das imagens, das re-<br />

des físicas, das máquinas.<br />

A horizontalização dos processos de produção, distribuição e<br />

recepção apresenta, assim, ao objeto tecnologia uma possibili-<br />

dade de subjetivação na condição de agente narrativo. Tal in-<br />

gresso no espaço do conteúdo tende a desalojar o meio do seu<br />

lugar harmônico. A condição única que ocupava como parte de<br />

um sistema fechado, cuja função de suporte era servir de trans-<br />

porte e entrega do texto pode agora ser bem mais complexa.<br />

Ao ingressar no universo narrativo tem de incorporar a insta-<br />

bilidade do sistema aberto da criação, sua imprevisibilidade<br />

na produção de sentido desde o processo de realização dos<br />

textos até sua interpretação pelas instâncias de recepção. Hoje<br />

uma constante na construção de conteúdos digitais interativos<br />

é uma possibilidade que cada vez mais apresenta seus exem-<br />

plos no mundo audiovisual.<br />

É nessa perspectiva que entendemos existir, no interior do dis-<br />

curso audiovisual digital, a nova possibilidade de a tecnolo-<br />

gia ser continuamente ressignificada. Naturalmente, é uma<br />

proposição em sua fase reflexiva primária que procura dar<br />

conta de uma primeira aproximação com a experiência em cur-<br />

so, mas as pistas até aqui encontradas indicam pertinência na<br />

direção da inscrição da tecnologia como espaço narrativo.<br />

129


Referências<br />

BRUNS, Alex. Blogs, Wikipedia, second Life, and Beyond. New<br />

York: Ed. Peterlang, 2008.<br />

BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette. Comunicação digital:<br />

educação, tecnologia e novos comportamentos. São Paulo: Ed.<br />

Paulinas, 2008.<br />

______. Mídias digitais, convergência tecnológica e inclusão social.<br />

São Paulo: Ed. Paulinas, 2005.<br />

CASTRO, Cosette. La televisión como rito de pasaje del mudo analógico<br />

para el digital. In: Revista Tramas. Buenos Aires: Un. La Plata, 2009.<br />

ECO,Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: Viagem na irrealidade<br />

cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.<br />

GENETTE, Gérard. Figures III. Paris, Colleção Poétique, 1972.<br />

______. Palimpsestes. Paris, Parios: Points, Seuil, 1992.<br />

______. Fiction-diction. Paris: Seuil, 1991.<br />

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />

JOST, F. Seis lições sobre televisão. Porto Alegre: Sulina, 2004.<br />

KIELING, Alexandre S. Midiosfera, uma configuração de ambiência<br />

midiática. Artigo apresentado no GT de Tecnologia e Comunicação.<br />

Bogotá ALAIC, 2010.<br />

KIELING, Alexandre S. Televisão: a presença do telespectador na<br />

configuração discursiva da interatividade no programa “Fantástico”.<br />

(Tese de doutorado) – Unisinos, São Leopoldo, 2009.<br />

LUHMANN, Niklas. A nova teoria dos sistemas. In: NEVES, Clarissa<br />

Eckert Baeta; SAMIOSS, Eva Machado Barbosa. Porto Alegre:<br />

Edit. Universidade/UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997.<br />

McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensão do homem.<br />

(1999 [1964] Ed.Cultrix: São Paulo.<br />

PISCITELLI, A. Post-televisión. Ecología de los medios en la era<br />

de Internet. Buenos Aires: Paidós,1998.<br />

PRIGOGINE, Ilya; STENGERS, Isabelle. Entre o tempo e a eternidade.<br />

Lisboa: Gradiva, 1990.<br />

RAMONET, I.. La post-televisión: Multimedia, Internet y globalización<br />

económica. Barcelona: Icaria, 2002.<br />

SCOLARI, Carlos Alberto. Ecologia de la Televisión. Complejidad<br />

narrativa, simulación y transmedialidad en la televisión contemporânea.<br />

In: SQUIRRA, Sebastião; FECHINE, Yvana (Orgs.). Televisão<br />

digital: desafios para a comunicação. Porto Alegre: Sulina,<br />

2009. p. 174-201.<br />

SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of<br />

communication. Urbana: The University of Illinois Press, 1949.<br />

VERÓN, E. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.<br />

130


Visão e atualidade das contribuições<br />

de McLuhan sobre a automação e os<br />

consequentes impactos nas organizações,<br />

na comunicação e no mundo do trabalho<br />

JOÃO JOSÉ CURVELLO<br />

PROFESSOR E DIRETOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO<br />

EM COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA<br />

CURVELLO@POS.UCB.BR<br />

Resumo<br />

O artigo apresenta uma análise a partir das contribuições de McLuhan<br />

sobre os impactos da automação nas organizações e no mundo do tra-<br />

balho e suas consequências, incluídos os processos de comunicação. A<br />

partir do último capítulo de Understanding Media, e com a introdução<br />

de aportes de autores no campo da comunicação, da filosofia, da socio-<br />

logia e da administração, tece-se um paralelo entre as previsões de<br />

McLuhan e os cenários atuais. Ao final, tentamos reconstituir o que se-<br />

ria uma nova visão a partir dos pressupostos da prospectiva.<br />

Palavras chave<br />

McLuhan, automação, trabalho, aprendizagem, comunicação organizacional<br />

131


Introdução<br />

Em primeiro lugar, na abertura deste texto, gostaríamos de ex-<br />

plicitar nosso lugar de fala. Diferentemente dos pesquisadores<br />

que se voltam para o pensamento de McLuhan pelo viés da<br />

mídia e de suas contribuições para uma teoria do meio, nos-<br />

sas observações e análises partem desde o campo das organi-<br />

zações sociais, com interesse redobrado nos aspectos epistemo-<br />

lógicos e teóricos presentes nos estudos que se dedicam a deci-<br />

frar os intrincados percursos da comunicação nos contextos<br />

organizacionais. Particularmente, interessa-nos, aqui, discutir<br />

como a obra de McLuhan se inscreve entre as pioneiras em tra-<br />

tar de fenômenos tão complexos como o contexto das relações<br />

de trabalho, marcadas por processos técnicos, políticos, legais,<br />

econômicos, culturais e sociais que se transformam a olhos vis-<br />

tos e que exigem constante observação e interpretação.<br />

Desse lugar de fala, portanto, é que escolhemos como eixo a<br />

explorar, neste texto de perfil teórico e com base em pesquisa<br />

bibliográfica, o tratamento dado por McLuhan à questão da<br />

automação e suas conseqüências, sobretudo nos processos de<br />

produção, de consumo e de aprendizagem no âmbito das or-<br />

ganizações industriais. Em um segundo momento, faremos<br />

um contraponto com o cenário atual, a partir da contribuição<br />

de autores que se dedicam ao estudo desses contextos, e tam-<br />

bém veremos como essas transformações anunciadas por<br />

McLuhan se confirmaram ou não nos contextos organizacio-<br />

nais pelo viés da comunicação. Por fim, tentamos atualizar a<br />

visão de McLuhan, a partir de estudos prospectivos sobre ten-<br />

dências científicas e tecnológicas que sinalizam para uma hi-<br />

bridização cada vez maior entre homens e máquinas.<br />

132


A visão<br />

Nossa análise tem como ponto de partida o capítulo final de “Os<br />

meios de comunicação como extensões do homem (Understan-<br />

ding Media)”, dedicado à automação ou cibernação (MCLUHAN,<br />

1969, pp. 388-403). Nesse capítulo, McLuhan começa sua reflexão<br />

a partir da tese de que o advento da eletricidade provoca uma<br />

aceleração dos processos, o que acaba por contribuir para mudar<br />

a percepção de tempo e espaço, que passam a ser percebidos<br />

como nada uniformes, como descontínuos.<br />

Para o autor, a rede global, que se viabiliza pela tecnologia, se<br />

assemelha ao nosso sistema nervoso central, com um campo<br />

unificado de percepção. Essa ordem se apresenta como direta-<br />

mente oposta à da sociedade mecanizada, antes vista como<br />

fragmentada, e que o próprio McLuhan (1969, p. 390) denomi-<br />

nava de “monofratura da manufatura”.<br />

Segundo ele, a automação “não é uma extensão dos princípios<br />

mecânicos da fragmentação e da separação de operações. Tra-<br />

ta-se antes da invasão do mundo mecânico pela instantaneida-<br />

de da eletricidade” (MCLUHAN, 1969, p. 391). Trata-se de um<br />

novo modo de pensar, tanto quanto de fazer. Trata-se de um<br />

processo que se apresenta como sincrônico.<br />

McLuhan diz que a automação faz com os processos de traba-<br />

lho e produção o mesmo que o rádio e a televisão com suas au-<br />

diências, agora ampliadas e sensibilizadas: uma nova forma<br />

de interprocessamento. Uma espécie de produção de massas,<br />

não em termos quantitativos, mas de “amplexo inclusivo ins-<br />

tantâneo” (MCLUHAN, 1969, p. 391-392).<br />

Nessa área da automação, as indústrias de bens e consumo<br />

têm caráter estrutural idêntico às estruturas de entretenimen-<br />

to, por conta da aproximação com um estado por ele denomi-<br />

nado de “informação instantânea”. McLuhan já nos dizia que,<br />

com isso, no circuito de automação, o consumidor torna-se<br />

também produtor (tal e qual os “atuais” prosumers 1 , produ-<br />

sers 2 ou cocriadores 3 ).<br />

Nesse novo contexto tecnológico, energia e produção tendem a<br />

se fundir com informação e aprendizagem. A comercialização e<br />

o consumo tendem a se unificar com a aprendizagem, o esclare-<br />

cimento, a busca de informações. Dessa forma, produção, con-<br />

sumo e aprendizagem se constituem em um processo inextricá-<br />

vel. Aqui, é importante destacar que, mais de vinte anos após<br />

____________________<br />

1 O termo prosumer, que aparece pela primeira vez na literatura na obra A terceira onda de Alvin Tofler, descreve os<br />

“consumidores engajados no processo de co-produção de produtos, significados e identidades. São consumidores<br />

proativos e dinâmicos em compartilhar seus pontos de vista. Eles estão na vanguarda em relação à adoção de tecno-<br />

logias, mas sabem identificar valor nos produtos escolhidos. Distinguem-se dos early adopters pelas suas atitudes<br />

interventoras relativas a marcas, informação e meios de comunicação” (TROYE, XIE, 2007; XIE, BAGOZZI, TROYE,<br />

2008 apud FONSECA et al., 2008, p.4).<br />

2 Produsers são atores que não se envolvem em uma forma tradicional de produção de conteúdo, mas são envolvi-<br />

dos em produsage - a construção colaborativa e contínua de conteúdos existentes na busca de melhorias. Os partici-<br />

pantes em tais atividades não são produtores no sentido convencional, industrial. O termo implica uma distinção<br />

entre produtores e consumidores que não existe mais. Os resultados de seu trabalho não são produtos existentes<br />

como pacotes completos e suas atividades não são uma forma de produção porque eles procedem com base em<br />

um conjunto de pressupostos e princípios que são marcadamente diferentes do modelo industrial convencional<br />

(BRUNS, 2008).<br />

3 Cocriação é um termo desenvolvido principalmente por Prahalad e Krishnan (2008) no qual propõem às indústri-<br />

as o envolvimento de seus clientes no desenho de produtos, de forma a manter um processo continuo de inovação.<br />

133


sua morte, McLuhan parece influenciar reflexões recentes de au-<br />

tores como Richard Sennet (2006) quando este último desenvol-<br />

ve em livro sua tese sobre a cultura do novo capitalismo, anco-<br />

rada justamente na inter-relação entre o consumo, a nova buro-<br />

cracia do processo produtivo e a capacitação permanente.<br />

McLuhan reconhecia que esse processo levaria possivelmen-<br />

te ao desemprego, cuja saída estaria na aprendizagem<br />

como novo emprego dominante. Ele nos diz que emprego,<br />

operários, trabalhos especializados perderiam espaço na<br />

era da automação, o que pode ser comprovado pela redu-<br />

ção drástica do número de trabalhadores em indústrias tra-<br />

dicionais como a automobilística, por exemplo.<br />

O processo de automação nos traz um mundo em que compu-<br />

tadores começam a pensar, mas um “computador consciente<br />

ainda seria uma extensão da nossa consciência” (MCLUHAN,<br />

1969, p. 394). Com isso, o que se armazena e desloca é, sobretu-<br />

do, percepção e informação, em que “o próprio esforço do ho-<br />

mem agora se torna uma espécie de esclarecimento”, no qual<br />

nos basta nomear e programar para que algo se realize, seja<br />

feito sob medida.<br />

McLuhan previa, ainda, que a aceleração e a interdependência<br />

elétricas eliminariam a linha de montagem na indústria, devi-<br />

do ao alto grau de conexão de todas as fases de uma opera-<br />

ção. Isso implicaria a aceleração da sincronização que deverá<br />

ser feita de empresa a empresa, indústria a indústria, país a<br />

país, numa espécie de inter-relacionamento orgânico.<br />

O todo da sociedade passou a ser encarado como “uma úni-<br />

ca máquina unificada criadora de riqueza”, uma riqueza<br />

cuja manipulação já não é privilégio de produtores, empre-<br />

sários, corretores, mas que passa a ser partilhada por técni-<br />

cos e também pelas indústrias da comunicação, da criação.<br />

Nesse cenário, ao mesmo tempo em que há sinalização de cor-<br />

tes nos quadros de empregados, em razão do ajuste das em-<br />

presas às novas regras de competição internacional, cresce,<br />

em contrapartida, a demanda por profissionais capazes de li-<br />

dar com o universo simbólico multimídia. Confirma-se, aqui,<br />

a tendência apontada por Robert Reich (1992), de uma crescen-<br />

te demanda mundial por uma elite de profissionais competen-<br />

tes na arte de análise e produção simbólica.<br />

McLuhan também reforça a tese de que pensar e compreender<br />

a comunicação como interação é inerente à eletricidade e à au-<br />

tomação, por combinar energia e informação, por praticamen-<br />

te impor o feedback ou a informação de retorno, o que acaba<br />

por criar um circuito informativo onde antes só havia fluxo<br />

único e mecanicamente sequencial.<br />

“O feedback significa o fim da linearidade introduzida no<br />

mundo ocidental pelo alfabeto e as formas contínuas do es-<br />

paço euclidiano. O feedback, ou diálogo entre o mecanismo<br />

e sua ambiência, acarreta o entrelaçamento de máquinas iso-<br />

ladas numa galáxia de máquinas que toma conta de tota a<br />

planta ou layout da fábrica. Daqui deriva um novo entrela-<br />

çamento entre plantas isoladas e fábricas, no sentido de<br />

134


toda uma matriz industrial dos materiais e serviços de uma<br />

cultura”. (MCLUHAN, 1969, p. 397-398).<br />

A aceleração elétrica requer, ainda, um conhecimento comple-<br />

to dos efeitos últimos, o que pressupõe uma valorização da es-<br />

tratégia e do planejamento. Nesse contexto, executivos, gesto-<br />

res etc. vivem pressionados pela aquisição de novos conheci-<br />

mentos, por atualização permanente e por uma produção mui-<br />

tas vezes conduzida sem condições de acompanhar o resulta-<br />

do (que é instantâneo, às vezes imperceptível, invisível).<br />

Isso exige dos gestores e demais trabalhadores adaptabilidade<br />

diante do “interprocessamento instantâneo e complexo”, pois<br />

à medida que tudo se torna mais complexo, torna-se também<br />

menos especializado.<br />

Riqueza e trabalho são fatores de informação e demandam es-<br />

truturas novas que se configuram e reconfiguram como novos<br />

espaços mercadológicos, mas também sociais. Um impacto vi-<br />

sível é o da introdução crescente de uma visão utilitarista ao<br />

ensino, que passa a ser pressionado para preparar ainda mais<br />

os indivíduos para lidar com a profundidade e a inter-relação<br />

indispensáveis para lidar nesse cenário de simultaneidade.<br />

“De repente, os homens passaram a ser nômades à cata de<br />

conhecimento - nômades como nunca, informados como nun-<br />

ca, livres como nunca do especialismo fragmentário, mas en-<br />

volvidos como nunca no processo social total; com a eletrici-<br />

dade, efetuamos a extensão de nosso sistema nervoso cen-<br />

tral, globalmente, inter-relacionando instantaneamente toda<br />

a experiência humana” (MCLUHAN, 1969, p. 401-402).<br />

O trabalho se virtualiza, se desloca, leva o indivíduo a uma<br />

nova necessidade de definição quanto a seu lugar no mun-<br />

do, leva-o a pensar sobre o que fazer, o que aprender, o que<br />

e como criar. 4<br />

____________________<br />

4 Também podemos ver isso na apropriação de De Masi sobre o ócio criativo (1999), caracterizado por “uma rique-<br />

za mais bem-distribuída, uma autodeterminação sobre as tarefas, uma atividade intelectual mais rica em conteúdos, maior<br />

importância dada à estética, à qualidade de vida, e maior espaço para a auto-realização subjetiva”.<br />

135


A atualidade<br />

Como é possível perceber, o texto premonitório de McLuhan<br />

sobre a automação e seus impactos no mundo do trabalho, an-<br />

tecipava um movimento que rompe com antigos paradigmas<br />

que apontavam para uma estabilidade do sistema. As influên-<br />

cias do ambiente externo, marcado pela competitividade cres-<br />

cente em escala mundial, provocam rupturas e tentam impor<br />

o estabelecimento de novas relações de trabalho baseadas na<br />

mobilidade e na flexibilidade. Essas novas relações, em princí-<br />

pio, levando-se em conta o discurso no qual vieram embala-<br />

das, poderiam representar ganhos para os trabalhadores, uma<br />

vez que acenavam com um novo ambiente de trabalho, mais<br />

cooperativo, participativo, independente e centrado na apren-<br />

dizagem e na criatividade, ao mesmo tempo em que criavam<br />

um novo modelo: o da organização virtual, caracterizada como<br />

uma rede temporária de parceiros independentes - fornecedo-<br />

res, consumidores, e até mesmo concorrentes - ligados pela<br />

tecnologia da comunicação para dividir habilidades, custos e<br />

o acesso de cada um ao mercado; uma organização sem níveis<br />

hierárquicos, sem integração vertical, com as relações basea-<br />

das na flexibilidade, na confiança, na sinergia e no trabalho<br />

em equipe (DAVIDOW e MALONE, 1993).<br />

Como já escrevemos em trabalhos anteriores (CURVELLO,<br />

2001), o antigo tripé do conceito de organizações - pessoas,<br />

estrutura e tecnologia – entra em xeque, uma vez que esses<br />

componentes não mais precisam abrigar-se sob um mesmo<br />

espaço nem operarem a um mesmo tempo para configura-<br />

rem uma organização. Entretanto, de todos os componentes<br />

de uma organização, as pessoas são as que sofrem os maiores<br />

impactos com a automação, a virtualização e a desestruturação<br />

das burocracias. A crescente informatização dos processos<br />

administrativos e a proliferação de novas tecnologias<br />

para transmissão de dados apontam para o desaparecimento<br />

dos escritórios, para uma "deslocalização" do trabalho, para<br />

uma corrosão dos cargos, ou até mesmo para o fim do emprego<br />

nos moldes como o conhecemos (BRIDGES, 1995). Hoje,<br />

cresce o número de pessoas que trabalham como empregados<br />

temporários ou em atividades terceirizadas.<br />

Esse desenvolvimento tecnológico - das primeiras máquinas, sim-<br />

ples e automáticas, introduzidas pela Revolução Industrial, até<br />

chegarmos à automação em larga escala, propiciada pela microin-<br />

formática e pelo avanço das chamadas “redes neurais” – se con-<br />

tribuiu para liberar o trabalhador da fadiga, também ajudou a ex-<br />

cluí-lo, quase que totalmente, do processo produtivo.<br />

Nesse cenário, estar dentro ou estar fora das organizações já<br />

não são posições tão nítidas. Como nos diz Harvey (1994: 178-<br />

179), não podemos simplesmente fingir que nada mudou,<br />

quando a desindustrialização, a transferência geográfica de<br />

fábricas, as práticas mais flexíveis de emprego, a automação e<br />

as inovações estão às nossas portas.<br />

Outra característica das mudanças operadas na cena organizacio-<br />

nal é a mudança no volume e nos conteúdos de informação. Infor-<br />

mação essa cada vez mais circular, dinâmica e acessível de qual-<br />

quer ponto, através de um simples comando no computador.<br />

136


Essa nova organização, automatizada, sem estruturas físicas e<br />

com poucas pessoas trabalhando em espaços cada vez mais<br />

imaginários, impõe uma nova forma de lidar com a informa-<br />

ção e com a comunicação. Os fluxos comunicativos são abala-<br />

dos ou ganham novos impulsos. A tecnologia desenha uma<br />

nova forma de conversar e dialogar e a própria organização<br />

tem de repensar e reformular seus discursos legitimadores.<br />

Essa organização que também se configuraria em rede caracteri-<br />

zaria, segundo Castells (1999, p. 213), um novo tipo de desen-<br />

volvimento no interior do capitalismo – o qual denomina de<br />

“informacionalismo” -, ao alterar, mas não substituir, o modo pre-<br />

dominante de produção. O novo contexto de redes de empre-<br />

sas, de incremento das ferramentas tecnológicas, de concorrên-<br />

cia global e de redefinição do papel regulador do Estado impõe<br />

uma nova ética, um novo espírito, mas não uma cultura nova,<br />

no sentido de sistema de valores, porque toda e qualquer visão<br />

unificadora é rejeitada pela nova ordem. Até mesmo a expres-<br />

são “nova ordem” é rejeitada. Contudo, como bem observou<br />

Castells, há mesmo “um código cultural comum nos diversos<br />

mecanismos da empresa em rede”.<br />

Na verdade, o informacionalismo, para Castells (1999, p.<br />

216-217) caracteriza-se por:<br />

”muitas culturas, valores e projetos que passam pelas mentes<br />

e informam as estratégias dos vários participantes das redes,<br />

mudando no mesmo ritmo que os membros da rede e seguin-<br />

do a transformação organizacional e cultural das unidades<br />

da rede. É de fato uma cultura, mas uma cultura do efêmero,<br />

uma cultura de cada decisão estratégica, uma colcha de reta-<br />

lhos de experiências e interesses, em vez de uma carta de di-<br />

reitos e obrigações. É uma cultura virtual multifacetada,<br />

como nas experiências visuais criadas por computadores no<br />

espaço cibernético ao reorganizar a realidade. Não é fantasia,<br />

é uma força concreta porque informa e põe em prática pode-<br />

rosas decisões econômicas a todo momento no ambiente das<br />

redes. Mas não dura muito: entra na memória do computa-<br />

dor como a matéria-prima dos sucessos e fracassos passados.<br />

A empresa em rede aprende a viver nessa cultura virtual.<br />

Qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede como um<br />

código cultural em determinada época e espaço condena a<br />

rede à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a<br />

geometria variável requerida pelo informacionalismo. O ‘es-<br />

pírito do informacionalismo’ é a cultura da ‘destruição criati-<br />

va’, acelerada pela velocidade dos circuitos optoeletrônicos<br />

que processam seus sinais.”<br />

É justamente aí, nessa espécie de inversão de sentido provoca-<br />

da pela destruição criativa, que o sistema se legitima e impõe<br />

seus novos limites, uma vez que a cooperação e a participação<br />

passam a se dar sobre bases cada vez menos sólidas, neutras e<br />

vazias de confiança, como bem definiu Sennet (2000). Para ele,<br />

“as ficções de trabalho em equipe, pela própria superficialida-<br />

de de seu conteúdo e seu foco no momento imediato, sua fuga<br />

à resistência e ao confronto, são assim úteis no processo de do-<br />

minação” (SENNET, 2000, p. 138). Ainda segundo Sennet,<br />

uma das características dessa nova era do trabalho em equipe<br />

137


é o que chama de “jogo de poder sem autoridade”, em que a dilui-<br />

ção de responsabilidades contribui para o surgimento do “ho-<br />

mem irônico”, que Rorty (apud SENNET, 2000, p. 138) define<br />

como uma pessoa que jamais seria capaz de se levar a sério,<br />

porque sempre sabe que os termos em que se descreve estão<br />

sujeitos a mudança, sempre sabe da contingência e da fragili-<br />

dade de seus vocabulários finais e, portanto, do seu “eu”. Ou<br />

seja: o caráter irônico seria autodestrutivo, uma vez que provo-<br />

ca uma sensação de que não somos reais, de que nossas neces-<br />

sidades são meras ficções. O que nos ajuda a concluir que as<br />

falsas novas bases de relacionamento podem provocar uma<br />

perda do sentido do trabalho e da vida.<br />

Esse sentimento é certamente provocado pela “centralidade do<br />

trabalho”, incorporada à ideologia burguesa como categoria<br />

universal e fundadora de toda a vida social, como atividade na-<br />

tural de produção e troca de valores de uso, é necessária à re-<br />

produção material da vida em sociedade. Esse caráter central,<br />

forjado a partir dos séculos 18 e 19, contribuiu para dissociar o<br />

trabalho das demais atividades da vida social, como lazer, famí-<br />

lia e comunidade. Essa noção opõe trabalho a lazer e separa as<br />

esferas doméstica e pública da vida social, ao mesmo tempo em<br />

que começa a confundir trabalho com emprego, ou seja, o exer-<br />

cício de funções na ou para a produção. Foi por esta época que<br />

o emprego, vinculado à centralidade do trabalho,<br />

“tornou-se importante referencial para o desenvolvimento<br />

emocional, ético e cognitivo do indivíduo ao longo de seu<br />

processo de socialização e, igualmente, para o seu reconhe-<br />

cimento social, para atribuição de prestígio social intra e ex-<br />

tragrupal. O desemprego tornou-se fonte de tensão psicos-<br />

social, tanto do ponto de vista individual, como para a vida<br />

comunitária”(LIDTKE apud CATTANI, 2000, p. 272) .<br />

Esse fenômeno se relaciona com as redes de signos e signifi-<br />

cados organizados que expressam, ocultam e atribuem senti-<br />

do às intrincadas relações corporativas, e a que convenciona-<br />

mos chamar de culturas organizacionais. A ordem, nessas<br />

redes, é definida, basicamente, pela memória. O caos, na apa-<br />

rente incompreensão do ambiente organizacional em muta-<br />

ção, está na destruição, no rompimento da memória. Essa<br />

destruição da memória está na raiz das desestruturações im-<br />

postas às organizações. Modelos, como as reengenharias im-<br />

plantadas, sobretudo, a partir da década de 1990, buscam<br />

apagar essa ordem, digamos, histórica, e substituí-la por<br />

uma nova ordem produtiva e associativa. Só que os fracas-<br />

sos de suas implantações nos mais diversificados ambientes<br />

organizacionais mais destroem os antigos códigos ordenado-<br />

res do que constroem o novo. Aprender, nesses contextos, se<br />

torna um imperativo para a sobrevivência física e simbólica.<br />

Assim como previa McLuhan, uma nova configuração de<br />

aprendizagem se instala nas organizações. As mudanças es-<br />

truturais e processuais implantadas nas empresas de alguma<br />

forma as têm forçado a uma maior qualificação. Segundo<br />

Fleury (1996: 188), referindo-se a Philippe Zarifian (1994 e<br />

138


1996), os novos modelos organizacionais podem ser distin-<br />

guidos entre organizações qualificadas e qualificantes. A or-<br />

ganização qualificada se caracterizaria pelo trabalho em equi-<br />

pes ou células; a autonomia delegada às células e sua respon-<br />

sabilização pelos objetivos de desempenho: qualidade, cus-<br />

tos, rendimento, etc.; diminuição dos níveis hierárquicos e o<br />

desenvolvimento das chefias para as atividades de "anima-<br />

ção" e gestões de recursos humanos; a reaproximação das re-<br />

lações entre áreas e funções da empresa.<br />

A organização qualificante, ainda segundo Zarifian, incorpora-<br />

ria outras características além das já citadas: a valorização da<br />

aprendizagem e da inovação permanentes; devem ser centra-<br />

das sobre a inteligência e domínio das situações de imprevis-<br />

to, que podem ser exploradas como momentos de aprendiza-<br />

gem pelo conjunto dos empregados; a organização deve estar<br />

aberta para a explicitação da estratégia empresarial, realizada<br />

pelos próprios empregados (...); deve favorecer o desenvolvi-<br />

mento da co-responsabilidade em torno de objetivos comuns,<br />

entre as áreas de produção e de serviços (...); deve dar um con-<br />

teúdo dinâmico à competência profissional, ou seja, permitir<br />

que os assalariados invistam em projetos de melhoria perma-<br />

nente de tal modo que eles pensem o seu know-how não<br />

como um estoque de conhecimentos a serem preservados,<br />

mas como uma competência - ação ao mesmo tempo pessoal e<br />

engajada em projeto coletivo (FLEURY, 1996: 189).<br />

Essa visão representa, sem dúvidas, uma evolução aos mode-<br />

los de treinamento e formatação característicos do tayloris-<br />

mo. Esses modelos reproduziam estruturas que separavam o<br />

saber do fazer, o agir do pensar, a partir da ideia de que uma<br />

elite pensante (e dominante) poderia atender às necessida-<br />

des de descoberta e redefinição organizacionais; aos demais,<br />

só restava a tarefa de cumprir com o planejado. Também cen-<br />

travam o aprendizado numa dimensão individual. Ainda<br />

que a empresa definisse o que deveria ser aprendido, quan-<br />

do e como, esse aprendizado representava quase que exclusi-<br />

vamente um reforço aos currículos individuais. A valoriza-<br />

ção vinha geralmente do número de cursos e títulos acumula-<br />

dos e não da circulação do conhecimento.<br />

Podemos adiantar, a partir dessas contribuições, que o advento<br />

desse novo modelo de organização traz consigo uma radical<br />

mudança no processo de troca de informações nas organizações<br />

e afeta, sobretudo, todo um sistema de comunicação<br />

tradicionalmente baseado no paradigma da transmissão controlada<br />

de informações.<br />

O fato, porém, é que o novo cenário do trabalho, na deno-<br />

minada sociedade pós-industrial e informacionalista, é um<br />

cenário em profunda transformação, no qual a valorização<br />

da velocidade - traduzida na busca incessante pelo resulta-<br />

do no curto prazo, nas estruturas orientadas por projetos, e<br />

na flexibilidade dos contratos - acaba por não permitir que<br />

as pessoas desenvolvam experiências ou construam uma<br />

139


narrativa coerente para suas vidas, além de afetar a confian-<br />

ça e o comportamento ético (SENNET, 2000).<br />

Isso faz com que os antigos paradigmas do vínculo e da estabilida-<br />

de, tão caros à comunicação organizacional, entrem em xeque e,<br />

com eles, as formas de comunicação e de construção de sentido.<br />

Segundo Varona (1996, p.5), a organização digital e automati-<br />

zada está deslocando paulatinamente o intercâmbio de infor-<br />

mação em forma de átomos (memorandos, documentos, revis-<br />

tas, jornais e livros) para um sistema de informação baseada<br />

em “bits”. Nesse novo tipo de organização, o verdadeiro valor<br />

da comunicação terá de estar mais afinado com comunidade<br />

do que com informação.<br />

Nessa linha de preocupação, autores como Parks e Floyd, cita-<br />

dos por Varona (1996), identificam duas correntes opostas que<br />

têm dominado o debate acerca do impacto das novas tecnolo-<br />

gias de informação sobre a interação entre as pessoas. Uma<br />

das correntes afirma que a comunicação mediada por meios<br />

eletrônicos é superficial, impessoal e, muitas vezes, hostil.<br />

Para seus adeptos, o espaço cibernético só pode criar uma ilu-<br />

são de comunidade. A outra corrente, liderada por Rheingold<br />

(apud VARONA, 1996), diz que a comunicação por meio ele-<br />

trônico contribui para quebrar as barreiras físicas tradicional-<br />

mente impostas pela administração e, assim, pode criar novas<br />

relações e comunidades.<br />

Ainda com relação ao impacto das novas tecnologias na estrutura<br />

da comunicação organizacional, Daniels e Spiker, também<br />

citados por Varona (1996, p.5), identificam três correntes:<br />

a centralizadora - defende a idéia de que a nova tecnologia facilita<br />

a centralização e o controle da comunicação, via acesso<br />

direto aos bancos de dados e ao esvaziamento das funções intermediárias<br />

-, a descentralizadora - afirma o contrário, por entenderem<br />

que o aumento do fluxo informativo reduz as possibilidades<br />

de controle e abre caminhos para uma circulação<br />

mais livre -, e a corrente neutra - afirma que o fator determinante<br />

da centralização ou descentralização da estrutura de comunicação<br />

depende muito mais da filosofia gerencial vigente<br />

em uma dada organização.<br />

Outra forma de encarar o problema vem de uma abordagem<br />

filosófica do impacto da comunicação tecnológica, que procura<br />

realçar a necessidade de se estudar as implicações humanas.<br />

Segundo O´Connel, citado por Varona (1996, p.13), há<br />

seis hipóteses relacionadas com as possíveis mudanças impostas<br />

pela introdução da comunicação mediada por meio eletrônico,<br />

que transcrevemos a seguir, em tradução livre:<br />

1. A oportunidade de interações face a face e as possibilidades<br />

de comunicação não verbal tendem a diminuir<br />

consideravelmente...;<br />

2. A informação em fluxo descendente tenderá a ser<br />

mais informal devido às características físicas e comunicativas<br />

do correio eletrônico, o que implicará<br />

uma redefinição do que é estrutura formal e informal<br />

na comunicação organizacional;<br />

140


3. A informação transmitida por meio eletrônico<br />

provocará uma diminuição da transmissão de<br />

mensagens afetivas e axiológicas...;<br />

4. As dimensões de confiança e credibilidade que<br />

se estabelecem entre as pessoas por meio da interação<br />

pessoal terão de ser repensadas;<br />

5. Como os computadores impõem uma disciplina<br />

linear de pensamento e um estilo de comunicação<br />

que, para se adaptar ao novo meio, deve ser preciso<br />

e imediato, podem criar um clima de redução<br />

de tolerância aos estilos individuais de comunicação<br />

e uma conseqüente intolerância ao pensamento<br />

complexo e não linear.<br />

6. O computador acabará determinando novas formas<br />

de execução do trabalho, com tempos cada<br />

vez mais acelerados.<br />

Como já vimos ao longo do texto, as novas tecnologias e a vir-<br />

tualização das organizações estão operando verdadeira revolu-<br />

ção nos processos produtivos e de troca de informações, e exi-<br />

gindo de organizações e empregados novas atitudes e novas<br />

competências. Destes, é cada vez mais cobrada a capacidade<br />

de transformar a verdadeira enxurrada de informações recebi-<br />

das em conhecimento produtivo.<br />

O interessante nesse processo de virtualização é que, paralela-<br />

mente aos diversos problemas que causa, como o desemprego<br />

e as incertezas da imaterialidade, permite inúmeras novas<br />

oportunidades, como a possibilidade de se estabelecerem no-<br />

vas relações de trabalho, não mais baseadas em normas e regu-<br />

lamentos padronizados de mediação, mas na confiança. Tam-<br />

bém a qualificação das pessoas tende a aumentar com a maior<br />

circulação e o maior acesso às informações globalizadas. As<br />

organizações estão propensas a obter ganhos em eficácia, em<br />

razão do livre trânsito de idéias e do incentivo permanente à<br />

inovação. O diálogo, a comunicação, em suma, apesar da im-<br />

pessoalidade, tende a se tornar mais franco, em razão da mai-<br />

or interatividade. As amarras burocráticas e hierárquicas ten-<br />

dem a se tornar mais maleáveis.<br />

No entanto, sabemos que a mesma automação que permite li-<br />

bertar o homem dos trabalhos mais estafantes e também im-<br />

põe novas formas de aprendizagem e de relacionamento traz<br />

também embutida a possibilidade de aumentar os controles,<br />

as amarras e a vigilância sobre o indivíduo, além de induzir<br />

ao consumo de uma gama de conteúdos vendendo a ilusão de<br />

que a escolha é do trabalhador e do usuário.<br />

Dessa forma, convém perguntar que novas visões seri-<br />

am possíveis a partir das contribuições de McLuhan so-<br />

bre a automação.<br />

141


Uma nova visão?<br />

Antes de tentarmos buscar possíveis novas visões emanadas<br />

desde McLuhan e atualizadas por seguidores e outros pes-<br />

quisadores, das mais variadas correntes, convém lembrar<br />

que qualquer possível previsão sobre os desdobramentos fu-<br />

turos da tecnologia e seus usos e impactos sociais não nasce-<br />

rá de simples abstração ou mesmo de exercício fútil de futu-<br />

rologia. Mesmo McLuhan, inserido que estava no esta-<br />

blishment produtivo da época, só chegou a prever o que pre-<br />

viu porque teve a rara oportunidade de conviver com a intro-<br />

dução de processos tecnológicos avançados por parte da in-<br />

dústria da informática. Como lembra Gamareli (2006, p. 30<br />

apud SALARELLI, 2011, p. 6):<br />

O traço profético do último capítulo de Understanding media<br />

não consiste, assim, em resgatar o enorme porte de uma<br />

incomensurável mudança tecnológica, evidentemente já<br />

percebida, pelo menos em nível de classe media - a primei-<br />

ra, com efeito, a ser afetada pela concorrência do trabalho<br />

desenvolvido pelos processadores - quanto em delinear<br />

suas características mais significativas de desenvolvimento<br />

futuro. De fato, McLuahn conhecia de dentro, o potencial<br />

da indústria informática e, principalmente, mais que as<br />

inovações propostas na vertente tecnológica, era bem cons-<br />

ciente dos objetivos do mercado aos quais ela podia aspirar.<br />

Nos anos em que vinha à luz Understanding media<br />

McLuhan, como se sabe, desenvolvia consultorias para a<br />

IBM sobre um tema que é um verdadeiro programa: “Vocês<br />

não devem mais construir máquinas de escrever, mas<br />

oferecer ao cliente a resposta às perspectivas de desenvol-<br />

vimento de suas atividades”<br />

As reflexões que faremos aqui, com a intenção de identificar<br />

uma possível nova visão seguirá os procedimentos já clássicos<br />

da prospectiva, palavra que remete a prospecto, ou a maneira<br />

de observar um objeto, e também ao latim prospicere, que significa<br />

olhar para longe. Nessa linha, prospectiva poderia ser definida<br />

a partir de quatro princípios “ver longe, ver amplamente,<br />

analisar em profundidade e aventurar-se, acrescentando o<br />

pensar humanístico” (BERGER, 1967, apud YEZID SOLER,<br />

2004, p.1). Ou ainda como bem descreveu Bertrand de Jouvenel,<br />

“existem duas formas de ver o futuro, a primeira como<br />

uma realidade única, própria dos oráculos, profetas y adivinhos.<br />

A segunda forma de ver o futuro é como uma realidade<br />

múltipla, estes seriam os futuros possíveis (futuribles) (YEZID<br />

SOLER, 2004, p.1).<br />

Na linha dos futuros possíveis, no contexto organizacional, in-<br />

fluenciado pelas novas configurações da automação, agora po-<br />

tencializada pela pesquisa avançada nos campos da neurociên-<br />

cia, das ciências cognitivas, da biotecnologia, da bioinformática,<br />

da robótica e da nanotecnologia, é viável pensar em um futuro<br />

em que organismos e máquinas venham a se fundir.<br />

Em artigo recente, Girlanda e Fernández Castrillo (2011) apre-<br />

sentam um desafiador panorama no qual discutem as influên-<br />

cias de McLuhan, das perspectivas pós-humanistas até o que<br />

chamam de neuromídia, e trazem a previsão de Raymond<br />

142


Kurzweil de que, em razão do aumento exponencial da veloci-<br />

dade das mudanças tecnológicas, no futuro próximo (2045),<br />

será possível transcender as limitações de nossos corpos e cé-<br />

rebros biológicos, de tal forma que não haverá nenhuma dis-<br />

tinção entre homem e máquina. No artigo, os autores citam al-<br />

guns projetos recentes que atualizam a perspectiva mcluhania-<br />

na, como os estudos ligados a sistemas de Realidade Virtual<br />

(RV), Realidade Aumentada e 3D Vision, bem como as novas<br />

pesquisas sobre “sentidos artificiais” e, especialmente, sobre a<br />

condição pós-humanística na esfera midiática:<br />

Haverá em breve uma integração completa entre orgânico e<br />

inorgânico, natural e artificial, como afirmam vários intelec-<br />

tuais que cunharam novos conceitos como pós-humanismo<br />

e Singularidade. [...] Raymond Kurzweil (2005) e Vernor<br />

Vinge (1993) definem o conceito de singularidade em ter-<br />

mos de criação tecnológica de superinteligência humana, o<br />

que representaria um colapso na capacidade dos seres hu-<br />

manos para modelar o futuro depois disso.<br />

Vinge foi o primeiro a utilizar este termo em um artigo<br />

de 1983, e um artigo de 1993 mais tarde intitulado "A Sin-<br />

gularidade Tecnológica: Como sobreviver na era do pós-<br />

humano". Neste texto, ele explicou que dentro de trinta<br />

anos, teríamos os meios tecnológicos para criar uma inte-<br />

ligência sobre-humana (GIRLANDA e FERNÁNDEZ<br />

CASTRILLO, 2011, p.535).<br />

Os mesmos autores alertam que muitas destas previsões tam-<br />

bém trazem para o centro do debate os problemas de limites<br />

e as implicações desses processos a partir de uma perspecti-<br />

va bioética e sócio-política (GIRLANDA e FERNÁNDEZ<br />

CASTRILLO, 2011, p.536).<br />

Sobre essas discussões, Salarelli (2011) nos apresenta às reflexões<br />

desenvolvidas por Lanier (2010); Carr (2010) e Schirrmacher<br />

(2009). Lanier nos diz que “as tecnologias digitais nos colocam<br />

em uma condição de lock in face a seus próprios resultados”<br />

(SALARELLI, 2011, p. 13). Para o autor:<br />

Esse fenômeno, que se encontra em todos os níveis, desde a<br />

organização dos ícones em nossa tela, até o modus operandi<br />

colaborativo das redes sociais, produz êxitos desastrosos,<br />

como a asfixia de qualquer cenário alternativo na organiza-<br />

ção dos dados vinculada pelas rígidas e maniqueístas alter-<br />

nativas do dígito binário ou, ainda, como pode ser observa-<br />

do face todas as aplicações 2.0, a convicção disseminada de<br />

que as multidões interconectadas e falantes podem repre-<br />

sentar um degrau de inteligência superior em relação à dos<br />

indivíduos singulares (SALARELLI, 2011, p. 13).<br />

Já Nicholas Carr preocupa-se com os efeitos da automação e<br />

das novas mídias sobre o cérebro. Para ele:<br />

“o uso das novas tecnologias está modificando profundamen-<br />

te a atividade de nosso cérebro, na medida em que as áreas<br />

ativadas pela prática da leitura realizada através do livro im-<br />

presso são subutilizadas, enquanto aquelas relacionadas à<br />

leitura na tela tendem à hipertrofia. O resultado, inevitável,<br />

é que o pensamento lógico-dedutivo, o aprofundamento<br />

143


interior, o exercício da faculdade da memória, isso é, as<br />

habilidades específicas relacionadas à cultura das páginas<br />

impressas, estão fadadas a se tornarem secundárias em rela-<br />

ção às competências fisiológicas necessárias para a fruição<br />

das novas mídias, que privilegiam a paratáxis - isso é, o mul-<br />

titasking - mais que a hipotáxis” (SALARELLI, 2011, p. 14).<br />

Essa visão crítica também aparece em Frank Schirrmacher<br />

que, em seu trabalho, “afirma que, em breve, não será mais<br />

possível entender ‘onde começa o computador e onde acaba o<br />

cérebro’ (cap. 18), prefigurando uma espécie de isomorfismo<br />

entre a psique humana e os sistemas de gestão da informação,<br />

provocado pelo efeito desses últimos sobre o conjunto de nos-<br />

sas faculdades cognitivas” (SALARELLI, 2011, p. 14).<br />

A possibilidade aqui desenhada de que organismos e máquinas<br />

venham a se fundir e que as tecnologias indutoras da automação<br />

não sejam mais concebidas e utilizadas como máquinas, mas<br />

como parceiros cognitivos integrados (vide GIRLANDA e FERNÁN-<br />

DEZ CASTRILLO, 2011, p.537), implicará, com certeza, novas dis-<br />

cussões sobre a dimensão humana no trabalho, os aspectos éticos<br />

envolvidos na gestão, a chamada consciência moral, entre outros<br />

temas relevantes para a sociedade. Organizações sociais tendem<br />

também a se transformar em espaços cada vez mais híbridos, re-<br />

gidos por inteligências múltiplas e ampliados por cérebros artifi-<br />

ciais, que precisarão aprender a equilibrar racionalidade e emoci-<br />

onalidade nas tomadas de decisão.<br />

Certamente será necessária uma retomada dos debates em tor-<br />

no do que é meio, do que é mensagem, do que é conteúdo,<br />

nesses possíveis novos processos comunicacionais que advi-<br />

rão das interações entre “parceiros cognitivos integrados” em<br />

que não será mais possível perceber o meio como extensão hu-<br />

mana, mas como algo intrínseco à própria natureza desse ser<br />

hibridizado. Como nos diz Salarelli (2011, p. 15), “na era da<br />

automação, temos a possibilidade de observar, a elevação po-<br />

tencial da técnica, portanto do meio sobre a mensagem”.<br />

A proposta inicial deste texto foi a de analisar, a partir do que<br />

denominamos de visão de McLuhan, a atualidade de seu pen-<br />

samento sobre os impactos da automação nos contextos orga-<br />

nizacionais, na comunicação e no mundo do trabalho. Tam-<br />

bém buscamos identificar que possível nova visão poderia ad-<br />

vir da conjuntura atual e do desenvolvimento exponencial<br />

das pesquisas nos campos da tecnologia, da cognição, da robó-<br />

tica e da inteligência artificial. O que é possível vislumbrar,<br />

desde já, é que a visão de McLuhan se confirmou em muitos<br />

aspectos e que suas ideias e provocações ainda serão muito<br />

úteis para ajudar a iluminar os caminhos daqueles pesquisa-<br />

dores que se aventurarem a percorrer o futuro que desde já, e<br />

sempre, está em construção.<br />

144


Referências Bibliográficas<br />

BERGER, Gaston. Etapes de la prospective. Paris: PUF, 1967.<br />

BRIDGES, William. Mudanças nas Relações de Trabalho -<br />

JobShift. São Paulo: Makron Books, 1995.<br />

BRUNS, Axel. Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond: From<br />

Production to Produsage. New York: Peter Lang, 2008.<br />

CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede – São Paulo: Paz e<br />

Terra, 1999.<br />

CATTANI, Antonio David (org.) – Trabalho e Tecnologia: dicionário<br />

crítico –Petrópolis: Vozes, 2000.<br />

CURVELLO, João José Azevedo – Autopoiese, sistema e identidade:<br />

a comunicação organizacional e a construção de sentido em um ambiente<br />

de flexibilização nas relações de trabalho. Tese de Doutoramento.<br />

São Paulo: ECA/USP, 2001.<br />

DAVIDOW, W.H. & MALONE, M.S. - A Corporação Virtual -<br />

São Paulo: Pioneira, 1993.<br />

DE MASI , Domenico – Desenvolvimento sem Trabalho. São Paulo:<br />

Esfera, 1999.<br />

FLEURY, Maria T. L. Desafios e impasses na formação do gestor<br />

inovador, in Davel e Vasconcelos (orgs) "Recursos" Humanos e<br />

Subjetividade. Petrópolis: Vozes, 1996.<br />

FONSECA, Marcelo Jacques et al . Tendências sobre as comunidades<br />

virtuais da perspectiva dos prosumers. RAE electron., São<br />

Paulo, v. 7, n. 2, Dec. 2008 . Disponível em<br />

. Acesso em: 22 Maio<br />

2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1676-56482008000200008.<br />

GIRLANDA, Elio e FERNÁNDEZ CASTRILLO, Carolina.<br />

McLuhan and New Communication Technologies:From Posthumanism<br />

to Neuromedia. In: CIASTELLARDI, Matteo, ALMEIDA,<br />

Cristina Miranda de, SCOLARI, Carlos A. McLuhan Galaxy Conference<br />

Understanding Media, Today Conference Proceedings.<br />

Barcelona: Collection Sehen, Editorial Universidad Oberta de Catalunya,<br />

2011, pp. 529-537.<br />

HANDY, Charles - A Era do Paradoxo. São Paulo: Makron<br />

Books, 1995a.<br />

______________ - Trust and the Virtual Organization, in Harvard<br />

Business Review, May-June/1995b, pp 40-50.<br />

HARVEY, David - Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1994.<br />

JOUVENEL H. (de), "Sur la méthode prospective: un bref guide<br />

méthodologique", Futuribles, nº 179, septembre 1993.<br />

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões<br />

do homem (understanding media). São Paulo: Cultrix, 1969.<br />

REICH, Robert - The Work of Nations - Preparing Ourselves for<br />

21st Century Capitalism. Nova Iorque: Random House, 1992.<br />

SALARELLI, Alberto. Relendo o último capítulo de understanding<br />

media. Um tributo a Marshall McLuhan no centenário de seu<br />

nascimento. InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p.<br />

3-18, jul./dez. 2011.<br />

SENNET, Richard. A corrosão do caráter. São Paulo: Record, 2000.<br />

_______________. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro:<br />

Record, 2006.<br />

VARONA, Federico - Se comunica la organización computadorizada?<br />

Impacto de la comunicación computadorizada en las orga-<br />

145


nizaciones. Texto apresentado no III Simpósio Latinoamericano<br />

de Comunicación Organizacional, Cali, maio de 1996.<br />

YEZID SOLER, B. Prospectiva: Visión y construcción de futuro.<br />

Octubre de 2004. Disponível em:<br />

. Acesso em 17/08/2012.<br />

ZARIFIAN, Philippe (1994) Compétences et organisation qualifiante<br />

en milieu industriel, in Minet, Parlier e Witte - La compétence:<br />

mithe, construction ou realité? Paris: L'Harmattan, 1994.<br />

ZARIFIAN, Philippe. Travail et Communication. Paris: PUF, 1996.<br />

146

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!