100anosMcLuhan-ebook
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100 ANOS DE<br />
mcLuHan<br />
mcluhAn<br />
McluhaN<br />
MCLUHAN<br />
MCLUHAN<br />
MCLUHAN<br />
JANARA SOUSA, JOÃO CURVELLO E PEDRO RUSSI (ORGANIZADORES)
100 anos de McLuhan<br />
C394 100 anos de McLuhan / organizadores Janara Sousa, João Curvello,<br />
Pedro Russi – Brasília, DF: Casa das Musas, 2012.<br />
Este livro é resultado do debate realizado durante o “Seminário Internacional 100 anos de McLuhan”, financiado<br />
pela Capes e pelo Decanato de Pós-Graduação, da Universidade de Brasília (UnB).<br />
O evento, ocorrido nos dias 10 e 11 de novembro de 2011 e organizado pela linha de pesquisa<br />
Teorias e Tecnologias da Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação<br />
da UnB, também teve apoio da Universidade Católica de Brasília.<br />
© 2012, Brasília: Casa das Musas<br />
Projeto gráfico e diagramação<br />
Rodrigo Farhat<br />
148 p.<br />
ISBN 978-85-98205-80-9<br />
1. Comunicação – pesquisa. 2. Meios de comunicação - estudos.<br />
3. Meio e Mensagem. 4. Transformações sociais. I. Sousa, Janara<br />
(Org.), II. Curvello, João (Org.), Russi, Pedro (Org.).<br />
316.77 - CDU<br />
Ficha elaborada pela bibliotecária Paloma Guimarães Correa de Oliveira CRB1/1774<br />
i
INTRODUÇÃO<br />
O “conteúdo” de um meio é como a “bola”<br />
de carne que o assaltante leva consigo para<br />
distrair o cão de guarda da mente. O efeito<br />
de um meio se torna mais forte e intenso<br />
justamente porque o seu “conteúdo” é um<br />
outro meio (MCLUHAN, 1964, p. 33)
O “meio é mensagem” é certamente um dos aforismos mais co-<br />
nhecidos do autor canadense Herbert Marshall McLuhan<br />
(1911-1980). Para além do jogo de palavras e da evidente provo-<br />
cação, essa afirmação, que também foi título de uma das suas<br />
principais obras, trazia um conteúdo completamente novo e di-<br />
ferente para a pesquisa em Comunicação; outra forma de enten-<br />
der (significar) o mundo relacionada aos processos e dinâmicas<br />
anteriores, não como uma episteme do tipo “ponto zero” que<br />
desconhece todo o anterior, senão, muito pelo contrário. Assim,<br />
pode-se compreender que o destaque para a importância do ca-<br />
nal no processo de comunicação desperta a pesquisa na área do<br />
período marcado pelos estudos dos efeitos globais e do conteú-<br />
do e acusa a tecnologia de ser responsável por efeitos muito<br />
mais peremptórios e revolucionários do que qualquer conteúdo<br />
que a primeira página de um jornal ou as notícias de última<br />
hora de um canal de televisão poderia trazer.<br />
O estudo dos meios de comunicação marcava também uma<br />
ruptura na forma de ver a tecnologia, fato que já estava sendo<br />
pautado em outras áreas. O meio não era neutro, nem um mero<br />
instrumento, nem somente o transmissor. O meio é o conteúdo<br />
porque cada canal criava um “novo” ambiente diferente do an-<br />
terior que demandava esforços diferentes, organização social<br />
diferente, respostas diferentes e outras interações entre os ór-<br />
gãos dos sentidos. Para McLuhan, o estudo dos meios de comu-<br />
nicação poderia trazer a luz essa mensagem que consistia nas<br />
transformações sociais muito mais profundas que as transfor-<br />
mações que os conteúdos transmitidos poderiam causar.<br />
A pesquisa em Comunicação não passou incólume pela obra de<br />
McLuhan. A década de 60 foi marcada pela polêmica e admira-<br />
ção que o pensamento desse autor causou. Porém, vale desta-<br />
car: polêmicas lamentavelmente contaminadas por dicotomias<br />
(favor/contra; certo/errado; integrado/apocalíptico; esquer-<br />
da/direita e assim por diante), favorecendo uma defesa da posi-<br />
ção política defendida, em detrimento do conhecimento apro-<br />
fundado, do conteúdo apresentado pelo autor canadense.<br />
Ao ser traduzido em diversos idiomas, McLuhan conquistou a<br />
façanha de em pouco tempo ser conhecido, citado, amado e<br />
odiado. O contexto social e político eram conturbados. Se por<br />
um lado, para uma parte do mundo pairava o medo da corrida<br />
armamentista, da Guerra Fria e quem sabe até de uma nova guer-<br />
ra mundial; por outro, a América Latina, por exemplo, além des-<br />
sas questões, sofria com ditaduras militares sangrentas e voltava<br />
o foco da sua pesquisa para as questões políticas-práticas.<br />
A recepção da obra de McLuhan no Brasil também não foi<br />
diferente. No final da década de 60 e até o início dos anos 70,<br />
três das principais obras de McLuhan já haviam sido traduzi-<br />
das para o português: “Os Meios de Comunicação como Ex-<br />
tensões do Homem”, “O Meio é a Mensagem” e “A Galáxia<br />
de Gutenberg”. Embora o momento político conduzisse para<br />
o debate das políticas da Comunicação, a rápida tradução do<br />
pensamento de McLuhan revela que as questões sobre a tec-<br />
nologia e os meios de comunicação também reverberavam<br />
no ambiente intelectual e acadêmico brasileiro.<br />
3
Como em outros países do mundo, a obra de McLuhan provo-<br />
cou dicotomia no Brasil. Por um lado, admirado e até diciona-<br />
rizado, por outro tido como o ingênuo capaz de, num momen-<br />
to político tão delicado para o mundo, voltar seu foco para o<br />
debate sobre a tecnologia. O fato é que, embora houvesse dico-<br />
tomia, era impossível não mencionar o pensamento instigante<br />
e provocador de McLuhan.<br />
As décadas que se seguiram foram de abertura democrática<br />
para o Brasil e para América Latina, abertura de perspectivas<br />
para a pesquisa em Comunicação e fortalecimento dessa pes-<br />
quisa evidenciado pelo aumento dos cursos de graduação e<br />
pós-graduação. Esse momento marcou também um longo si-<br />
lêncio com relação à obra de McLuhan. Menos citado e mais<br />
esquecido, o autor se tornou o capítulo perdido, o pensamen-<br />
to exótico. Alguém para o qual não valia o esforço de olhar ou<br />
entender, os resultados já estavam definidos e os fatores deter-<br />
minados, i.e., alea jacta est.<br />
Mas, é aproximadamente no final dos anos 90, tanto no Bra-<br />
sil quanto em diversos países do mundo, que o pensamento<br />
mcluhaniano passa a ser outra vez relembrado, revisitado e<br />
celebrado. O fenômeno da rede mundial de computadores<br />
pode ter sido o estopim para que o papel do meio de comuni-<br />
cação fosse outra vez revisto no processo comunicacional. As<br />
evidências das profundas transformações que esse novo ca-<br />
nal causou fizeram com que os pesquisadores da área da Co-<br />
municação se voltassem outra vez para obra do “Sábio de<br />
Aquários”, como McLuhan foi jocosamente apelidado, para<br />
buscar chaves de compreensão.<br />
As comemorações do centenário de McLuhan, no ano de<br />
2011, deixaram claras as provas do respeito e da importân-<br />
cia seminal do pensamento do autor para a pesquisa em Co-<br />
municação e de que nem tudo estava tão claro como foi pre-<br />
tendido, dessa forma, a sorte não estava lançada. Diversos<br />
países do mundo programaram eventos para celebrar o ani-<br />
versário do autor, aprofundar o debate sobre sua obra e, cla-<br />
ro, construir mais material de estudos sobre o tema. O reco-<br />
nhecimento da obra do teórico, desde a popularização da<br />
Internet, torna evidente a capacidade desse pensamento dis-<br />
tinto e peculiar de resistir ao tempo e continuar podendo<br />
explicar fenômenos que acontecem tempos depois da morte<br />
desse destacado pensador.<br />
Este livro é resultado das apresentações que aconteceram duran-<br />
te o “Seminário Internacional 100 Anos de McLuhan”, nos dias<br />
10 e 11 de novembro, na Faculdade de Comunicação – FAC, da<br />
Universidade de Brasília – UnB. O Seminário, organizado pela<br />
linha de pesquisa Teorias e Tecnologias da Comunicação, do Pro-<br />
grama de Pós-Graduação da FAC/UnB, teve como objetivo parti-<br />
cipar dos eventos de comemoração à obra desse autor e aquecer<br />
o debate sobre o papel dos meios de comunicação.<br />
Os autores que compõem esta obra foram convidados pelo Co-<br />
mitê Científico do evento para participar do debate e escrever<br />
artigos para coroar e eternizar o Seminário com esta publica-<br />
4
ção. Os 10 artigos aqui presentes, seguramente, traduzem a ri-<br />
queza dos dois dias de debate travados entre os autores e os<br />
alunos de graduação e pós-graduação, professores, jornalistas<br />
e outros tanto que participaram do Seminário.<br />
Esta publicação está divida em três partes que agrupam os tex-<br />
tos conforme a leitura da obra de McLuhan que eles foram tra-<br />
zendo. A primeira parte – fundamentos – traz reflexões sobre<br />
aspectos e/ou conceitos da obra do autor e mergulham pro-<br />
fundamente nesse debate. Neste sentido, o escrutínio e análise<br />
da obra do autor foi o foco principal destes trabalhos. As ou-<br />
tras duas partes – Aproximações I e II – nos trazem leituras de<br />
fenômenos ou de conceitos a partir do aporte teórico construí-<br />
do por McLuhan. Esses artigos buscam aproximar, discutir e<br />
comparar aspectos do pensamento mcluhaniano com outros<br />
autores, temas e conceitos.<br />
Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos alunos da<br />
graduação e pós-graduação da FAC, especialmente, os que<br />
compuseram o Comitê Científico e Organizador e tornaram<br />
possível a realização desse evento. Agradecemos também o<br />
apoio e os recursos de suma importância concedidos pelo<br />
Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Faculdade<br />
de Comunicação, Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação, da<br />
UnB, e Universidade Católica de Brasília – UCB. Reservamos<br />
também um agradecimento especial à Coordenação de Aper-<br />
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES que con-<br />
tribui com os recursos para realização do Seminário e desta<br />
publicação. Finalmente, gostaríamos de agradecer a todos<br />
que participaram do “Seminário Internacional 100 Anos de<br />
McLuhan” e tornaram possível o debate e a celebração do<br />
pensamento de Herbert Marshall McLuhan.<br />
JANARA SOUSA, JOÃO JOSÉ CURVELLO E PEDRO RUSSI<br />
BRASÍLIA, 2012<br />
5
PARTE 1<br />
FUNDAMENTOS<br />
McLuhan en el espacio acústico<br />
JESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ<br />
Contribuição de McLuhan para uma visão<br />
de mundo global e inclusiva<br />
IRENE MACHADO<br />
Explorations e Probes (Encontrando McLuhan)<br />
A. R. TRINTA<br />
McLuhan e as extensões<br />
RODRIGO MIRANDA BARBOSA
McLuhan en el espacio acústico<br />
JESÚS O. ELIZONDO MARTÍNEZ<br />
UNIVERSIDAD AUTÓNOMA METROPOLITANA, CUAJIMALPA, MÉXICO<br />
MCLUHAN FELLOW, UNIVERSIDAD DE TORONTO, CANADÁ<br />
JELIZONDO@CORREO.CUA.UAM.MX<br />
Resumen<br />
Este trabajo expone los resultados de una investigación acerca del con-<br />
cepto ‘espacio’ en la obra de H. Marshall McLuhan a cien años de su<br />
natalicio. Creemos que este es un concepto clave que nos permite en-<br />
tender su obra desde una perspectiva innovadora, especialmente atrac-<br />
tiva para artistas y desarrolladores de tecnologías locativas. Discutire-<br />
mos acerca de la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el<br />
espacio abierto (acústico) ayuda a la orientación espacial en contextos<br />
dramáticos de supervivencia. Observaremos los efectos de las tecnolo-<br />
gías locativas en la creación de nuevas prácticas contraculturales en el<br />
contexto de la frontera México-Estados Unidos. Nos referimos específi-<br />
camente al caso de la Herramienta del Inmigrante Transfronterizo de-<br />
sarrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez.<br />
Palabras clave<br />
espacio, frontera, arte público, medios locativos, medios móviles, GPS,<br />
TransborderImmigantToo<br />
7
McLuhan, teórico del espacio<br />
Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes pro-<br />
puestos recientemente en el estudio de la obra de Herbert Mar-<br />
shall McLuhan (1911- 1980) tiene que ver con el concepto de<br />
espacio. Este concepto aparece en el pensamiento de<br />
McLuhan desde el comienzo de su trabajo y evoluciona a la<br />
par que su obra se amplía en temas y complejidad, superando<br />
los límites naturales de la literatura, por un lado y la teoría de<br />
la comunicación, por el otro. El concepto establece un puente<br />
entre la teoría del espacio visual, el cual caracteriza la primera<br />
etapa de su investigación y la teoría del espacio aural (audio-<br />
táctil) de su última fase. Representa una de las contribuciones<br />
menos analizadas, aún cuando se encuentra entre los aspectos<br />
más reveladores del trabajo del erudito canadiense.<br />
Nuestro punto de partida es la hipótesis de que el espacio es<br />
la categoría conceptual más consistente en el trabajo de<br />
McLuhan, y que ese espacio es la noción que enlaza una mul-<br />
tiplicidad de elementos propuestos a lo largo de su pensami-<br />
ento. El interés inicial de McLuhan por el alfabeto -concebi-<br />
do como una tecnología que entre otros efectos, tuvo el de<br />
haber transformado la concepción de espacio- fue comple-<br />
mentado por el hallazgo de la idea de espacio abierto – como<br />
en arquitectura- y espacio acústico –como lo usan los invi-<br />
dentes- así como por los conceptos de tendencias o sesgos es-<br />
paciales y temporales propuestos por Innis para el estudio<br />
de los medios de comunicación. Esto deja ver el interés que<br />
el canadiense mostró por los problemas espaciales - manifes-<br />
tado inclusive durante eventos traumáticos de su vida- y en<br />
su carrera intelectual. En cuanto a la naturaleza del espacio<br />
acústico en particular, es esencial entender que estamos tra-<br />
tando aquí con un concepto híbrido, resultado de lo oral y<br />
literario –modos de ser alfabéticas-, y de que la noción es<br />
más material que abstracta. Esta visión materialista es resul-<br />
tado de la influencia de Innis. No obstante, veremos una se-<br />
paración entre las dos, originada desde la naturaleza misma<br />
de la relación entre espacio y tiempo. Sin embargo, si consi-<br />
deramos a McLuhan un ‘teórico del espacio’, como lo hace<br />
Cavell (2003, 4), puede ser éste un enfoque innovador, inven-<br />
tivo, pero sobre todo creativo. Desde que McLuhan descu-<br />
briera las ideas de SiegfriedGiedion sobre arquitectura: el es-<br />
pacio abierto y cerrado, asumiría que el espacio visual era<br />
sólo una de las múltiples formas del espacio (Cavell); tal es<br />
el caso de la experiencia sensorial que una persona invidente<br />
experimenta en espacios abiertos. Tomando como ejemplo<br />
éste caso, McLuhan desarrollaría más tarde el concepto del<br />
espacio acústico. Y es que había encontrado al fin la forma<br />
de incorporar el tiempo en un modo relacional, dentro de la<br />
configuración espacial a través de las dinámicas de lo acústi-<br />
co. Si el espacio es considerado como ‘el mundo creado por<br />
el sonido’, entonces tenemos que estar conscientes de que<br />
sus características serán totalmente diferentes de aquellas<br />
del espacio visual. Este espacio no tendrá límites fijos o cen-<br />
tro, ni un limitado sentido de la orientación. Además, estará<br />
8
más eficientemente conectada al sistema nervioso central<br />
que cualquier otro elemento visual: la imagen nunca es tan<br />
fuerte como lo es la sensación espacial directa.<br />
En una segunda etapa de este trabajo discutiremos acerca de<br />
la forma en que un proyecto artístico desarrollado en el espa-<br />
cio abierto - territorio y mapa - ayuda a la orientación espaci-<br />
al en contextos dramáticos de supervivencia. Abundaremos<br />
en el estudio de los efectos que las tecnologías locativas tie-<br />
nen en la construcción de nuevas concepciones culturales en<br />
el contexto de la frontera México- Estados Unidos. Nos referi-<br />
mos específicamente al caso de la llamada Herramienta para<br />
el Inmigrante Transfronterizo (TransborderImmigrantTool) desa-<br />
rrollada por el profesor y artista Ricardo Domínguez. El pro-<br />
fesor Domínguez y su equipo en la Universidad de Califor-<br />
nia en San Diego, había venido trabajando sobre la idea de<br />
orientación en el territorio. Domínguez había encontrado ins-<br />
piración en el proyecto llamado ExcursionistaVirtual (Virtual<br />
Hiker) de BrettStalbaum. El Excursionista Virtual es un apa-<br />
rato basado en tecnología GPS que lee el portátil del ta-<br />
maño de una reloj de pulsera, que “lee” el terreno para lue-<br />
go proponer una ruta a seguir sobre la topografía de la<br />
zona en cuestión. Con esto en mente Domínguez se pregun-<br />
tó si podría adaptar esta herramienta basada en el GPS<br />
para ayudar a los migrantes a cruzar la frontera México- Es-<br />
tados Unidos. Así las cosas, desarrollo su propia versión. La<br />
herramienta debía ser lo más sencilla posible como para po-<br />
der ser usada por cualquier tipo de usuario (letrado o no, ha-<br />
blante de la lengua ingles a o no). La interface fue diseñada<br />
de tal manera que se parece a una brújula y en la manera en<br />
que despliega la información en su pantalla es más pictórica<br />
o icónica que textual. La herramienta también funciona<br />
como detector de zonas de peligro (o elemento localizador),<br />
ya que se activa - vibra - cuando el usuario se acerca a pozos<br />
de agua o carreteras. La orientación es ciertamente un proble-<br />
ma real para los sujetos en la frontera entre dos países, lugar<br />
donde las autoridades llevan a cabo un monitoreo constante<br />
de los movimientos y conductas de los individuos. La herra-<br />
mienta para Inmigrantes trans-fronterizos deja ver algo im-<br />
portante: que conocer la propia ubicación dentro del espacio<br />
es de vital importancia, y también subraya la relevancia de<br />
la elaboración de un mapa mental de la propia ubicación y la<br />
ruta a seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen y de-<br />
fienden el proyecto como una la herramienta de carácter hu-<br />
manitario que ayuda a salvar vidas, no es de sorprenderse<br />
que la extrema derecha norteamericana lo haya interpretado<br />
como una declaración de guerra y ha tomado acciones con-<br />
tra él. Así las cosas su nombre saltó a los medios de comuni-<br />
cación cuando fuera nombrado como una de las personas<br />
más interesantes en 2009 por la cadena de noticias CNN. Él<br />
no sólo ha tenido que enfrentar la amenaza de un juicio le-<br />
gal, sino que también ha sido víctima de amenazas contra su<br />
vida, como resultado del proyecto. Más adelante volveremos<br />
sobre este tema.<br />
9
Sobre el rigor de la ciencia, la geografía y la cartografía<br />
El cuento de Jorge Luis Borges, Sobre el rigor de la ciencia, cuen-<br />
ta la historia de un mapa increíblemente detallado y de ta-<br />
maño real que “eventualmente se rasgó en jirones a lo largo<br />
de todo del territorio que cubría”. Corner – especialista en car-<br />
tografía –, dice al respecto que esta historia es citada frecuente-<br />
mente en ensayos científicos, de cartografía y mapeo. El cuen-<br />
to no solamente captura bellamente la imaginación cartográfi-<br />
ca, sino que va hasta el corazón de la tensión que se establece<br />
entre realidad y representación. Esta premisa deja ver otro<br />
punto que Corner declara muy claramente en su ensayo El<br />
quehacer de la Cartografía: “La realidad, entonces, en concep-<br />
tos tales como ‘paisaje’ o ‘espacio’, no es algo externo y<br />
‘dado’ para nuestra comprensión; más bien está constituido,<br />
o ‘formado’, a través de nuestra participación con cosas: obje-<br />
tos materiales, imágenes, valores, códigos culturales, luga-<br />
res, esquemas cognitivos, eventos o mapas.” (Corner). Esta<br />
cosa que ha sido “formada” constituyen el mapeo y la carto-<br />
grafía. Desde el punto de vista de los Estudios culturales po-<br />
demos decir que estamos ante nuevas relaciones entre cultu-<br />
ras y tecnologías; entre el concepto de lo nacional y lo trans-<br />
nacional, territorios y migraciones. Este nuevo contexto de-<br />
manda un nuevo acercamiento a nuevos fenómenos; son ne-<br />
cesarias nuevas herramientas para pensar nuevos proble-<br />
mas. A menudo el problema de la migración aparece en de dis-<br />
cusiones políticas, económicas y artísticas. Como Canclini<br />
(2009) lo expresa “es difícil de explicar lo que está pasando<br />
con migraciones o con naciones, sin tomar en cuenta los proce-<br />
sos culturales”. Ciencia, tecnologías, territorios, mapas, arte,<br />
gente: Vivimos en medio de tensiones entre la concepción ter-<br />
ritorial de nación y otros conceptos de nación que no son ya<br />
territoriales. ¿Dónde están los nuevos límites? ¿Existe alguno<br />
entre arte y política? Por ejemplo, ¿cómo emergen estas tensio-<br />
nes cuando se hace arte (Augmentedreality) y la aplicación de<br />
la ley? Éstas son algunas de las preguntas que nos interesan.<br />
10
Del espacio visual al espacio acústico<br />
Uno de los acercamientos más innovadores y coherentes para<br />
examinar los trabajos de McLuhan tiene que ver con el estudio<br />
del espacio. Este concepto aparece desde el principio en el pen-<br />
samiento de McLuhan y evoluciona a lo largo de su trabajo in-<br />
cluso cuando crece hacia cuestiones más amplias y más comple-<br />
jas; más allá de los límites naturales de la literatura por un lado,<br />
y la teoría de la comunicación por el otro. Este concepto propor-<br />
ciona un puente entre la teoría de lo visual – característica del<br />
primer período – y el espacio auditivo del último período. Es<br />
también uno de los conceptos menos explorados y uno de los<br />
más enriquecedores.<br />
Tanto McLuhan mismo como su trabajo académico han sido es-<br />
tudiados y criticados desde muchas perspectivas, pero sólo al-<br />
gunos han puesto énfasis en la importancia que la noción del<br />
espacio ha tenido en la totalidad de su trabajo. Lo atractivo acer-<br />
ca de la idea del “espacio acústico” es que describe un espacio<br />
abierto y por lo tanto, permite discutir la cuestión de la medi-<br />
ción y el movimiento a través de “espacio-tiempo” y la veloci-<br />
dad. La noción del espacio acústico desarrollada por McLuhan<br />
se deriva de la descripción del “espacio auditivo” de la psicolo-<br />
gía conductista de E. A. Bott en la Universidad de Toronto. La<br />
idea de Bott dibuja en un espacio auditivo que no tiene centro o<br />
márgenes, de manera similar a cuando escuchamos sonidos<br />
que provienen de todas direcciones al mismo tiempo. Esta idea<br />
atrajo la atención de McLuhan inmediatamente, quien ya esta-<br />
ba trabajando con las ideas de SigfriedGiedion sobre el tema.<br />
Como veremos más adelante, McLuhan desarrollará primero la<br />
idea de “espacio auditivo” hasta conformar la noción de “espa-<br />
cio acústico”, con el fin de hacer su naturaleza abstracta más<br />
“dramática”, tal como Theall (2002) lo sugiere.<br />
McLuhan in Space A cultural Geographyes el título del libro escri-<br />
to por Richard Cavell (2003). En él Cavell plantea la hipótesis<br />
de que el espacio es la categoría conceptual más consistente a<br />
lo largo de todo el trabajo de McLuhan, y que es la noción que<br />
entrelaza una multiplicidad de elementos a lo largo de toda<br />
su obra. Nosotros estamos de acuerdo con esta idea y la usa-<br />
mos en este trabajo como premisa básica. Para comenzar la<br />
búsqueda de los orígenes de esta idea debemos echar un vista-<br />
zo al influente libro del escritor, artista y crítico cultural<br />
Wyndham Lewis Time and Western Man (1927). Cabe mencio-<br />
nar aquí que el pensamiento de Lewis estaba alejado de la filo-<br />
sofía analítica de la época con Alfred N. Whitehead y Ber-<br />
trand Russell la cabeza, así como del pragmatismo psicologis-<br />
ta de William James. Durante sus estudios de posgrado,<br />
McLuhan conoció las ideas post einsteinianas acerca del espa-<br />
cio, el tiempo y la energía, que comenzaban a revolucionar<br />
toda la disciplina de la física moderna. También se familiarizó<br />
con el trabajo del historiador y arquitecto Suizo SiegfriedGie-<br />
dion, particularmente con el concepto de “espacio cerrado”<br />
(citado en Elizondo, 2009). El entusiasmo por estos estudios<br />
se vio reforzado con la lectura de la obra de Harold A. In-<br />
nis, quien impulsó la idea de “tendencias” o sesgos tanto<br />
11
espaciales como temporales en los medios de comunicación<br />
atrayendo así, la atención de McLuhan al campo del trans-<br />
porte y las tecnologías de comunicación.<br />
Cavell sugiere que se llevó a cabo algún tipo de colaboración<br />
entre McLuhan y Edmund Carpenter -quien entonces estudia-<br />
ba el sentido de espacio en comunidades Inuit de Canadá-.<br />
Theall señala la importancia de esta colaboración para las ar-<br />
tes, poesía, geometría y física: “Carpenter contribuyó con las con-<br />
cepciones que los indígenas Inuit, tenían sobre el espacio acústico;<br />
McLuhan elaboró su visión sobre la relación de las artes contempo-<br />
ráneas y la poesía, con la geometría cuatri-dimensional y la nueva<br />
física.” (Theall, 2002). Creemos que la colaboración con Car-<br />
penter fue esencial para McLuhan pues lo puso en contacto<br />
con grupos indígenas y su modo de vida—en donde el espa-<br />
cio acústico adquiere una dimensión esencial— y detonó la vi-<br />
sión idealizada de la vida (oral) tribal, que se convirtió en una<br />
referencia constante en toda su obra.<br />
Sobre la naturaleza del espacio acústico, Cavell enfatiza que<br />
se trata de un concepto híbrido entre los modos orales y letra-<br />
dos —o literarios—, y que es una noción más material que abs-<br />
tracta (Cavell, 2002, xiv). Este argumento difiere de la percep-<br />
ción general que eruditos tienen sobre este tema. El materialis-<br />
ta punto de vista de Cavell se debe a la influencia de Harold<br />
A. Innis. De cualquier modo, una ruptura entre los dos emer-<br />
ge debido a las diferencias en la naturaleza de espacio-tiem-<br />
po. Incluso así, tratando las obras de McLuhan y considerán-<br />
dolo como un “teórico del espacio” como lo hace Cavell (Ca-<br />
vell, 2003, 4), provee un acercamiento fresco y especialmente<br />
creativo, dado por el hecho de que el trabajo de McLuhan ha<br />
sido estudiado casi exclusivamente dentro del marco de las<br />
ciencias de la comunicación y los medios electrónicos, muy le-<br />
jos del campo propio de la geografía. El interés inicial de<br />
McLuhan en el efecto del alfabeto como tecnología que<br />
transformó el concepto de espacio, vino a ser complementa-<br />
do con el descubrimiento de la noción de espacio acústico.<br />
Además, los conceptos de sesgos o tendencias a lo espacial<br />
o temporal expuestas por Innis, nos deja ver el amplio inte-<br />
rés de McLuhan por los problemas del espacio en particu-<br />
lar. Cavell dice<br />
“la evolución de estos intereses hacia una preocupación más amplia<br />
por la ‘espacialización’ es coherente con la trayectoria total de su<br />
carrera intelectual, así como con las más amplias corrientes cultura-<br />
les de su tiempo” (Cavell, 2003, 4).<br />
En el campo de la literatura, McLuhan puntualizó que el<br />
movimiento modernista representaba la transición desde<br />
una cultura orientada por lo visual y la palabra escrita, ha-<br />
cia una cultura electrónica con una tendencia a lo acústico.<br />
De manera similar, el Renacimiento fue el paso de transi-<br />
ción entre la palabra hablada característica de la sociedades<br />
tribales, al nacimiento de una cultura alfabetizada en la<br />
que el ojo sería llamado a dominar. Ahí hay una tendencia<br />
a enfatizar la simultaneidad en textos lineales, como en las<br />
12
obras de James Joyce (Ulysses, 1992, Finnegan’s Wake, 1939)<br />
y Stéphane Mallarmé (Un coup de désjamaisn'abolira le ha-<br />
sard, 1897). Estos autores y sus escritos son una referencia<br />
constante en el trabajo de McLuhan.<br />
De acuerdo a Cavell, McLuhan tuvo una “revelación” cuando<br />
entró en contacto con las ideas de Gideon en arquitectura, es-<br />
pacio abierto y el espacio cerrado. Después de esto, asumió<br />
que el espacio visual es sólo una forma de espacio. Por lo tanto, la<br />
experiencia sensorial experimentada por una persona inviden-<br />
te en espacios abiertos, como por ejemplo en estadios, es una<br />
en la que un espacio auditorio no tiene límites físicos y es ade-<br />
más, multi-lineal. Desde esta idea, McLuhan desarrollará el<br />
concepto de espacio acústico. Este concepto será después ajus-<br />
tado en La Aldea Global al concepto de espacio audio-táctil. Si<br />
observamos el espacio como “el mundo creado por el soni-<br />
do”, entonces debe estar claro que sus características son<br />
completamente diferentes al espacio visual. Carece de lími-<br />
tes fijos, no hay centro y hay un muy limitado sentido de di-<br />
rección. Adicionalmente, el espacio visual está más directa-<br />
mente conectado con el sistema nervioso central que cual-<br />
quier otro estímulo visual: la imagen no es tan poderosa<br />
como la directa sensación espacial. Cuando en el contexto de<br />
las tecnologías electrónicas McLuhan dice que la fuerza audi-<br />
tiva aniquila el espacio, en realidad se está refiriendo al espa-<br />
cio visual. Esta perspectiva se aproxima a la concepción post<br />
einsteniana del espacio-tiempo (donde ambas colapsan).<br />
Para Cavell, la obra de McLuhan Comprendiendo a los Medios,<br />
es la afirmación de que tiempo y espacio desaparecen en la<br />
era electrónica de información instantánea. Así, “el espacio<br />
acústico encapsula al tiempo en una dinámica de flujo cons-<br />
tante” (Cavell, 2003, 22).<br />
Ambos McLuhan e Innis fueron críticos de la modernidad y<br />
para sostener esta crítica inventaron una versión particular de<br />
teoría crítica con un fuerte rasgo canadiense: la fusión de la<br />
política económica y algunos de los críticos racionales de la<br />
Escuela de Frankfurt. McLuhan, sin embargo, no abogó por el<br />
retorno de valores de la palabra hablada / temporalidad<br />
como Innis hubiese deseado. Al contrario, trató de difundir la<br />
idea Inniana de que la característica de la sociedad contempo-<br />
ránea es el espacio; se trata entonces de reconfigurar el espa-<br />
cio (visual) en términos de lo acústico, el cual es el efecto de la<br />
tecnología electrónica en la cultura visual. De hecho, Cavell<br />
cita un enunciado de Comprendiendo los Medios donde<br />
McLuhan dice que el efecto de la tecnología contemporánea<br />
es dejarnos sin habla, mudos (Cavell, 2003, 25).<br />
La crítica marxista a la teoría del espacio resalta el argumento<br />
de que el estudio del espacio deja el concepto de tiempo —<br />
que organiza el trabajo humano— en segundo plano,<br />
McLuhan estaría entonces, superponiendo el entorno material<br />
a la evolución histórica.Este énfasis en el entorno material (es-<br />
pacial) es lo esencial para la producción social y cultural con-<br />
temporáneas (Cavell, 2003, 24). El entorno no es otra cosa más<br />
que el contexto creado por los medios electrónicos que aparen-<br />
13
temente no percibimos. Parece que McLuhan fue criticado por-<br />
que su idea de espacio puede sonar estática, y sólo el trabajo,<br />
el dinero y la acción social pueden ser procesos dinámicos. Pe-<br />
ro esta crítica [argumenta Cavell] revela que la naturaleza di-<br />
námica del espacio planteada por McLuhan no ha sido com-<br />
prendida adecuadamente. “Era espacio visual, por consiguiente,<br />
lo que McLuhan criticaba. Era el espacio visual el que era estático,<br />
no per se el espacial (…) él se vio a sí mismo trabajando dentro<br />
de las tendencias espaciales, pero en contra del espacio visu-<br />
al.” (Cavell, 2003, 26). McLuhan desarrolló su crítica desde las<br />
cualidades espaciales del sonido; un espacio que incorpora lo<br />
temporal como una de sus dimensiones. Para él, la Aldea glo-<br />
bal estaba constituida por una paradoja fundamental; está<br />
situada en una dinámica simultánea y en un lugar espacial,<br />
lo que implica concebir un concepto cosificado y situado en<br />
un espacio y tiempo. De este modo, si el espacio en la Moder-<br />
nidad era sincrónico, en el Post-Modernismo el espacio es dia-<br />
crónico, debido a que que la yuxtaposición de historias será<br />
su característica principal. A partir de aquí podemos decir que<br />
la Naturaleza pasa a pertenecer a la Cultura, por el que ya no<br />
es posible hablar de ambas nociones como fenómenos separa-<br />
dos. Ésta será la dinámica característica de la Aldea global.<br />
McLuhan buscó analizar no sólo la forma en que la sociedad<br />
produce espacios sino también cómo las tecnologías espacia-<br />
les producen a la sociedad misma.<br />
Arte, el artista y el territorio<br />
Si la pregunta básica que McLuhan hizo fue "¿Qué efectos tiene<br />
cualquier medio, como tal, en nuestra vida sensorial?" (Nevitt,<br />
1995, 143), la respuesta se encuentra en los cambios que se<br />
generan en la percepción del espacio y en la idea de que el<br />
espacio es el medio en el que la comunicación se realiza.<br />
Las relaciones espaciales son más que simplemente relaciones<br />
perceptuales entre objetos pues además implican la noción de<br />
perspectiva. McLuhan afirma que los efectos de la tecnología<br />
no se producen a un nivel de opiniones o conceptos, sino que<br />
modifican las relaciones de sentido o patrones de percepción<br />
constantemente y sin ninguna resistencia” (1964, 33). Los artis-<br />
tas, a diferencia de otras personas, ven esto claramente. De<br />
acuerdo a él, ellos son la única gente que domina las transicio-<br />
nes tecnológicas porque tienen un entendimiento innato de la<br />
mecánica de la percepción sensorial. (1964, 33). Para<br />
McLuhan, fue la imprenta —no el contenido impreso— lo que<br />
produjo una división entre el sentido auditivo y las experienci-<br />
as visuales. Éste medio produjo un sentido de individuación y<br />
un sentido de continuidad entre espacio y tiempo (1964, 86-<br />
87). Para otra persona interesada en la teoría cultural sobre el<br />
espacio y el tiempo, la novelista GertrudeStein, el único aspec-<br />
to que ella creía que cambia de una generación a otra, es nues-<br />
tra percepción sensorial, o lo que ella llamó nuestro “sentido<br />
del tiempo” (time-sense). Ella definió “visión” como lo dinámi-<br />
co en el sistema creativo que transformó nuestro sentido del<br />
tiempo y que produjo nuevas escuelas de pensamiento y arte<br />
14
(“Composition” 513). McLuhan también atribuye un lugar es-<br />
pecial al rol del artista en la transgresión y subversión del or-<br />
den establecido: ‘…Es posible relacionarnos con el entorno<br />
como una obra de arte…’, escribió. ¿Cómo es que la función<br />
del artista atenta contra el orden espacial? En el Renacimien-<br />
to, el arte, la arquitectura y la horticultura usaron un punto fo-<br />
cal único como medio para representar la perspectiva, pero<br />
este único punto de vista anula el movimiento. Las tecnologí-<br />
as más recientes tienen un efecto continuo en nuestras nocio-<br />
nes de perspectiva como algo dinámico y a la vez localizado.<br />
La ciencia del cuerpo en movimiento en los espacios del mun-<br />
do crea múltiples, cambiantes puntos de vista, y trayectorias<br />
del sujeto, el cual, por definición, no puede quedar fijo excep-<br />
to en un lugar y un tiempo; ese lugar particular es ‘ahora’. Por<br />
esto los nuevos medios no usan la perspectiva como elemento<br />
para la orientación, sino que eligen en su lugar la desorienta-<br />
ción y la desvinculación. Un punto de vista, por definición, ha<br />
sido siempre fijado en un tiempo dado, pero la dinámica de la<br />
naturaleza de la desorientación implica dimensiones transfor-<br />
madoras espaciales a momentos ilimitados en el espacio. El<br />
movimiento es una forma de perspectiva desorientada en los<br />
nuevos medios de comunicación.<br />
El dominio del espacio geográfico a través de la manipulación<br />
de sus datos es algo que damos por hecho—y que incluso cele-<br />
bramos—en un mundo rico en información. La historia nos<br />
ha enseñado que sin embargo que la “sistematización de la in-<br />
formación geográfica resulta común en una centralización del<br />
control y en la pérdida de autodeterminación local” (Butt 30).<br />
Michel Foucault (1923- 1984) le dio al clavo cuando propuso<br />
que el panóptico contemporáneo operaba desde dentro de no-<br />
sotros. Vivimos ahora en la “cultura de la cámara de vigilan-<br />
cia”, culturas donde todo es observado, monitoreado, graba-<br />
do, supervisado y controlado. En el periodo comprendido en-<br />
tre el año 1989 y 1993, los militares estadounidenses lanzaron<br />
24 satélites a órbitas alrededor de la Tierra para establecer un<br />
sistema global posicional o GPS—sistema de mapeo- ahora<br />
aparentemente considerado inocuo por la mayoría de las per-<br />
sonas y felizmente abrazado por individuos en movimiento<br />
alrededor del mundo con tecnologías móviles. En mayo de<br />
2010, el primer sustituto de esa red fue enviado al espacio ex-<br />
terior. Si los satélites originales daban una fidelidad cartográfi-<br />
ca tridimensional exacta hasta 6,096 metros (20 pies), las nue-<br />
vas y mejoradas versiones incrementarán nuestra habilidad<br />
para ver de forma precisa hasta 0,091 metros (3 pies) (Ver Goo-<br />
gle Earth Blog). No es fortuito que ésta última tecnología carto-<br />
gráfica fuese un dispositivo militar. La experiencia de “ser en-<br />
contrado” o “ser seguido” son muy diferentes a la de orientar-<br />
se uno mismo en el espacio geográfico…<br />
15
Una herramienta portátil para el inmigrante<br />
transfronterizo<br />
El artista Ricardo Domínguez y su equipo en la ciudad de San<br />
Diego, California se interesaban por el desplazamiento y la ori-<br />
entación como aspectos del trabajo artístico. Inspirado en el<br />
proyecto Excursionista Virtual de BrettStalbaum, que lee el ter-<br />
reno de un área –vía satélite- y genera una propuesta de cami-<br />
no a seguir en la topografía, Domínguez se preguntaba si po-<br />
dría adaptar esta herramienta móvil para ayudar a la los mi-<br />
grantes que cruzan diariamente la frontera México-Estados<br />
Unidos. Lo que crearon lo bautizaron con el nombre de Herra-<br />
mienta para el Inmigrante Transfronterizo. Domínguez seleccionó<br />
un teléfono celular barato que tuviera la función GPS sin una<br />
base de datos. Adaptó el Motorola i455 y lo usó para interferir<br />
el sistema GPS. La herramienta debía ser tan universal que<br />
cualquier usuario—letrado o analfabeta, mexicano o chicano,<br />
hispanohablante o no—pudiera usarla. Tenía una interface icó-<br />
nica visual que se asemeja a una brújula. La herramienta tam-<br />
bién actúa como detector de agua, que vibra cuando se acerca<br />
al agua o a refugios, y alerta al usuario cuando se acerca a una<br />
carretera. El grupo contaba con fondos para ensamblar 500<br />
unidades y estuvo trabajando con el grupo de un conocido<br />
grupo de apoyo a migrantes, los Ángeles de la Frontera (Borde-<br />
rAngels) y otras organizaciones humanitarias que proveían de<br />
agua y otros enseres necesarios a los caminantes en el desier-<br />
to, además de informarles de la existencia de esta herramienta<br />
de navegación.<br />
La herramienta cuenta con múltiples usos y funciones que<br />
han sido desarrolladas una por una por el grupo de Domín-<br />
guez. Ellos están adquiriendo datos geográficos de la zona<br />
que les permitirá mapear la frontera Mexicano-Estadouniden-<br />
se para que el GPS los pueda usar; está investigando la ubica-<br />
ción de las redes de apoyo e infraestructuras actuales de vigi-<br />
lancia trans-fronteriza; está ubicando los lugares con alimen-<br />
tos y pozos de agua comunitarios; escribe el código y prueba<br />
la precisión de los mapas y unidades; crea interfaces duales<br />
en Inglés y en Español; prueba la herramienta; y la distribuye<br />
a las comunidades más susceptibles a cruzar la frontera (Ho).<br />
Interfiriendo datos de satélites y robando esa información<br />
(hacking) y haciéndolos disponibles, la Herramienta para el Inmi-<br />
grante Transfronterizo<br />
añade una nueva capa de recursos a esta geografía virtual<br />
que permitirá a segmentos de la sociedad global, que habi-<br />
tualmente están fuera de este emergente enrejado de poder<br />
híper-poder-geográfico de mapeo alcanzar un rápido y simple<br />
acceso con el sistema GPS. Herramienta del Inmigrante<br />
Transfronterizo no sólo ofrece acceso a este emergente seg-<br />
mento de la economía del mapeo sino que añadirá un nue-<br />
vo elemento un “algoritmo inteligente” que podrá analizar<br />
las mejores rutas y senderos de ese día y hora para inmi-<br />
grantes a cruzar este accidentado paisaje, de la forma más<br />
segura posible (thing.net).<br />
La orientación, el movimiento en el espacio, es un problema<br />
permanente en esta zona fronteriza entre los dos países donde<br />
16
la vigilancia es el modusoperandi. Todos los movimientos son<br />
vigilados y el movimiento es monitoreado incesantemente. La<br />
Herramienta para el Inmigrante Transfronterizorevela que “sim-<br />
plemente conocer el lugar donde uno mismo se ubica es un<br />
privilegio” (Ho) y demuestra lo realmente vital y peligroso<br />
que es hacerse cargo uno mismo de su ubicación y su ruta a<br />
seguir. Mientras Domínguez y su equipo definen el aparato<br />
en específico y al proyecto en general como una herramienta<br />
humanitaria diseñada para ayudar a salvar vidas, no es de sor-<br />
prender que haya sido interpretada por la extrema derecha Es-<br />
tadounidense conservadora como un acto bélico y una afrenta<br />
a la seguridad nacional. Nombrado por CNN como una de las<br />
personas “más interesantes” de 2009 Domínguez, quien es<br />
profesor invitado del departamento de Artes visuales de la<br />
Universidad de California en San Diego, no sólo ha sido ame-<br />
drentado con acciones penales en su contra, sino que ha recibi-<br />
do amenazas de muerte y está en peligro de que su posición<br />
en la universidad sea revocado debido a este delicado asunto<br />
y a otros proyectos similares. Esta herramienta sostiene no<br />
obstante, es completamente legal; esgrime los siguientes ar-<br />
gumentos y premisas:<br />
Una larga historia en el arte de caminar, disturbios fronteri-<br />
zos y medios locativos de comunicación. El tema aquí es<br />
un interesante vínculo formado entre valores humanita-<br />
rios y valores artísticos. Mientras Domínguez declara que<br />
“Todos los inmigrantes que de algún modo pudieran parti-<br />
cipar en este proyecto, de cierta manera contribuirían a<br />
crear un vasto paisaje de naturaleza estética” dadas las<br />
múltiples capas de comunicación (icónicas, sonoras, vibra-<br />
torias) y la forma en que el algoritmo de la herramienta<br />
puede ayudar al usuario a encontrar “una ruta más estéti-<br />
ca,” [él dice], yo sugeriría que el valor artístico emergiera<br />
desde su más profundo vínculo con el aspecto humanita-<br />
rio. La Herramienta del Inmigrante Transfronterizo subvierte<br />
los modismos habituales de los medios locativos e interac-<br />
tivos (tales como “realidad virtual”) para revelar lo virtual<br />
virtual – en el sentidoDeleuziano (el cual es bastante dife-<br />
rente) – de los medios locativos de comunicación. Y lo vir-<br />
tual, aquí, es guerra (Ho).<br />
Actualmente en muchas ciudades, artistas de medios digitales<br />
siguen interesándose por el sentido del espacio (y los lugares)<br />
y por este entramado complejo, constituido en buen aparte pe-<br />
ro únicamente, por los dispositivos que compran, reescriben,<br />
reinventan, acoplan, dividen y reasignan información perma-<br />
nentemente. Algunas ciudades tienen un pasado tan complejo<br />
que mapear su historia se ha vuelto el tema de obras de me-<br />
dios digitales, de medios locativos de comunicación y del arte<br />
in situ. Los medios digitales poseen habilidades únicas para<br />
“trascender los límites de tiempo, espacio y hasta de lengua-<br />
je… para mediar rupturas producidas históricamente que vin-<br />
culan pasado y presente” (FayeGinsberg, citado enMeek 21).<br />
17
Prácticas Geo-espaciales y arte público<br />
El estudio del espacio se está volviendocada vez más impor-<br />
tante para el arte, los negocios y el pensamiento contempo-<br />
ráneo. Conforme nuestro entrono urbano se vuelve cada vez<br />
más complejo, debido en parte a que nuevas capas de informa-<br />
ción se sobreponen en nuestro entorno cotidiano, los medios<br />
locativos pueden servir como estrategias para nuestra reinser-<br />
ción en el paisaje citadino. McLuhan sitúa el nacimiento de la<br />
ciudad a la par del de la escritura (1964, 99), y Bruno Latour<br />
ve los mapas como una forma de anotar el mundo. En el nue-<br />
vo espacio de la información, no obstante, los mapas basados<br />
en texto e imagen se han fusionado ya para dar origen a un<br />
nuevo tipo de coordinación: un sujeto en movimiento que va<br />
escribiendo en el espacio. Si bien la cartografía buscó fijar la<br />
ciudad sobre un soporte físico, ahora mediante encuentros ur-<br />
banos se explora más bien los flujos, su fluidez. Los movimien-<br />
tos contraculturales característicos de los espacios urbanos<br />
desde el grafiti hasta los juegos de “geocaching” y el movimien-<br />
to contracultural a favor de los peatones llamado “psychogeo-<br />
graphicwanderings” hasta el Parkour (arte de trepar por objetos<br />
y mobiliario urbano) han hecho del espacio público una for-<br />
ma radicalmente nueva para pensar la vinculación creativa y<br />
activa en entre cuerpos, tecnologías y relaciones dinámicas.<br />
A pesar de la mala reputación de los medios digitales como<br />
una forma que niega el cuerpo y valora la dispersión de la<br />
información en la Red, ahora hay “una tendencia hacia re-<br />
pensar la importancia del lugar y el hogar, ambos como parámetros<br />
geo-imaginarios y socio-culturales” (Thielmann 5).<br />
Los medios locativos de comunicación son la antítesis de la filosofía<br />
“Vivir sin Límites” eslogan publicitario que compañías<br />
trasnacionales como LG y otras compañías multinacionales<br />
nos quieren hacer creer que deseamos. Los medios locativos<br />
se han erguido en la última década como una respuesta a la<br />
inmaterialidad del net.art basado en códigos y la desregulación<br />
del mundo bajo la globalización. Abundantes datos geoespaciales<br />
y tecnologías móviles manufacturadas de forma barata<br />
han hecho de la información cartográfica un bien accesible<br />
de forma gratuita. Durante mucho tiempo, una de las palabras<br />
de moda era la llamada ‘realidad virtual’ de la cual, la<br />
gente acuñó el concepto de simulación y de la creación de<br />
mundos alternativos. Ahora la moda es todo lo que tenga que<br />
ver con ‘realidad aumentada’ (augmentedreality); un mundo real<br />
pero con información adicional desplegada sobre la pantalla<br />
del dispositivo móvil en tiempo real. Este es un mundo<br />
sobre en el que nos podemos inscribir nosotros mismos. De<br />
forma opuesta a la World Wide Web, el centro aquí está localizado<br />
espacialmente, y centrado en cada usuario individual; una<br />
cartografía colaborativa del espacio y las mentes individuales,<br />
los lugares y las conexiones entre ellos” (citado TutersyVarnelis<br />
357). De hecho, en algunos círculos, la red geo-espacial ha<br />
sido anunciada como el próximo gran espacio tecnológico, espacio<br />
donde los artistas de medios locativos fungirán como<br />
los grandes detonadores de la nueva tercera ola de las tecnologías<br />
de Internet (TutersyVarnelis 358). Lo medios locativos<br />
usan tres formas diferentes de mapeo: 1. La anotación, que<br />
añade algo al mundo; 2. La fenomenológica, que ubica algo en<br />
18
el espacio identificando el movimiento de un objeto o sujeto<br />
en el mundo; y 3. El movimiento o desempeño en medios locativos<br />
puede ser claramente conectado a la práctica situacionista<br />
de vagar hasta perderse, un acto psicogeográfico. Marc Tuters<br />
y KazysVarnelis equiparan los dos primeros tipos de mapeo—anotación<br />
y fenomenología—con las otras “prácticas situacionistas<br />
de détournementy la derive” (359). Los situacionistas<br />
fueron un grupo de artistas radicales y filósofos que vivieron<br />
en y cerca de París durante los años 50 hasta los 70. Su líder<br />
pensador GuyDebord definió el movimiento como “un<br />
proyecto efímero: antiestético, no-objeto, basado en lo no-artefacto,<br />
de creación colectiva con un nuevo énfasis en el ego. Su<br />
finalidad es la creación de un nuevo ‘tú’ politizado” (Debord<br />
99). En su manifiesto Sociedad del Espectáculo, Debord llama a<br />
un arte participativo que liberará las masas del entumecimiento<br />
que los medios masivos de comunicación les han impuesto.<br />
Debido a que la meta del situacionismo era romper el cuarto<br />
muro (el público) de la cultura del espectáculo, sus ideas están<br />
en boga como cultura participativa y a la para de la cultura-<br />
Web 2.0 (“user-generated”).<br />
Si bien estas tres prácticas geo-espaciales no necesariamente<br />
se ajustan perfectamente a la definición de actividades mediá-<br />
tico-locativas, sí al menos nos liberan de la lógica Cartesiana<br />
(cartografía clásica) y permiten que nos familiaricemos con<br />
la lógica que implica pensar en mapas dinámicos. Los mapas<br />
estáticos del pasado privilegiaron al espacio (visual) en detri-<br />
mento del tiempo. Los nuevos mapas de datos, sin embargo,<br />
plantean también problemas específicos, como Coco Fusco<br />
ha observado en una crítica sobre los peligros de los medios<br />
locativos de comunicación, “el acto mismo de mirar el mun-<br />
do como un mapa ‘elimina el tiempo, se enfoca desproporcio-<br />
nalmente en el espacio y deshumaniza la vida”’ (2004, citado<br />
en Mitew 5). Los medios locativos pueden permitirnos re-<br />
correr un camino donde podamos volver a poner la aten-<br />
ción en su sito adecuado, es decir en la información, los da-<br />
tos. De tal suerte que podamos abrir un intervalo temporal<br />
(time-lag) entre la geografía real y nuestras interacciones con<br />
el espacio de información; un intervalo donde podríamos in-<br />
sertar estrategias contraculturales en forma de “contrama-<br />
peos” (countermappings) frente a las narraciones oficiales e<br />
historias fijas tradicionales. Es en este contexto de apertura<br />
que podríamos volvernos no sólo simples participantes, sino<br />
autores de nuestro propio espacio. Bruno Latour y otros teóricos<br />
dan un paso más allá al preguntarse si no será más bien, que<br />
los mapas preceden al territorio que “representan” o bien ¿lo<br />
producen? (Noviembre 2)Ellos argumentan que las tecnologí-<br />
as digitales han reconfigurado la experiencia del mapeo en<br />
una “plataforma de navegación” (Noviembre 4). Todas las inter-<br />
faces digitales, que incluyen bases de datos, pantallas tácti-<br />
les y teléfonos móviles, actúan como “tablero[s] de mando per-<br />
mitiéndonos navegar a través de grupos de información total-<br />
mente heterogéneos que son actualizados en tiempo real y lo-<br />
calizados de acuerdo a nuestras consultas específicas. (Novi-<br />
embre 4). Algunos de estos argumentos resultan convincen-<br />
tes y hay que considerar que han sido elaborados para dar<br />
cuenta de los aspectos fuera de la Web, demostrando esto la<br />
19
capacidad de funcionar como lo hace el viejo grafiti en espa-<br />
cios urbanos. Un tipo de arte público, contracultural, crudo,<br />
indisciplinado políticamente y situado:<br />
Los intercambios entre el grafiti contemporáneo y los nue-<br />
vos medios de comunicación abarcan un amplio rango de<br />
tecnologías (fotografía digital y video, sitos Web, teléfonos<br />
móviles, medios locativos, juegos digitales) […] Como prác-<br />
tica cultural, el grafiti también permite una reasignación del<br />
espacio urbano, abasteciendo los nuevos medios de comuni-<br />
cación con fructíferos modelos para la negociación de los<br />
actuales espacios urbanos y redes de información descentra-<br />
lizadas.” (MacDowall 138).<br />
Conclusiones<br />
Los días cuando el arte público consistía en un monumento des-<br />
cuidado o en una fuente solitaria en una plaza se han ido desde<br />
hace tiempo. La escultura social, los medios locativos de comu-<br />
nicación y el arte público, rompen los límites tradicionales en-<br />
tre el arte-objeto, su uso y sus nuevas propiedades, de modo tal<br />
que nacen nuevas estéticas relacionales. Es reconfortante saber<br />
lo que Domínguez publicó el 12 de Noviembre de 2010 en la pá-<br />
gina de internet laboratorio b.a.n.g (Bits.Atoms.Neurons.Genes):<br />
“Estimadas comunidades de apoyo, Nosotros (EDT/b.a.n.g.<br />
lab/yo) nos complacemos en reportar que la Cyber-división del<br />
FBI ha terminado su “investigación” el 4 de Marzo de 2010 VR<br />
Sit-In performance. […] Ciertamente [es] algo que nosotros en las<br />
comunidades de la UC [Universidad de California] debemos<br />
tomar en cuenta la próxima vez que creemos cualquier arte ha-<br />
ga una crítica al orden institucional institucional en la forma de<br />
crítica-como-acción-directa (al menos en los mundos de las rea-<br />
lidades aumentadas). Una vez más agradecemos a todas las co-<br />
munidades por su apoyo tanto en la UCSD / UC como alrede-<br />
dor del mundo. Mucha [sic] gracias, EDT/b.a.n.g. lab y yo. P.D.<br />
¡La Lucha Sigue!” Ciertamente.<br />
La información nos rodea de manera dinámica todos los días<br />
en cada aspecto de nuestras vida. La video-vigilancia, los me-<br />
dios locativos o medios inalámbricos así como las pantallas de<br />
computadora y el video son ya fenómenos ubicuos en los cen-<br />
tros urbanos y sobre grandes territorios. Los entornos urbanos<br />
20
son cada vez más ricos en información, están conectados en<br />
red y contienen y generan múltiples historias que cruzan a lo<br />
largo de muy diversos ámbitos identitarios: raciales, de géne-<br />
ro, geopolíticos y culturales. Éstas son las redes de informa-<br />
ción que constituyen el espacio psicogeográfico. ¿Cómo pue-<br />
de esta riqueza informacional del espacio urbano relacionarse<br />
con el individuo urbanita para crear posibles estrategias para<br />
salvar vidas? Debord vio en las psicogeografías el potencial<br />
para la contra-acción de los efectos antiestéticos de los medios<br />
masivos de comunicación porque son “el punto en el que la<br />
psicología y la geografía colindan, [proveyendo] el instrumen-<br />
to para explorar el impacto que el espacio urbano tiene en la<br />
conducta humana” (Debord). En términos contemporáneos, el<br />
compromiso psicogeográfico no es diferente a la cultura parti-<br />
cipativa—una cultura que elimina la noción y condición de au-<br />
diencia (à la Alan Kaprow) y nos reinserta en los espacios de<br />
la historia como autores y sujetos interactuantes. En su obra<br />
de 1966 titulado “Notas sobre la Eliminación de la Audien-<br />
cia”, Kaprow explora su invención de los ‘happenings’, even-<br />
tos artísticos en los que la audiencia participa. Estos eventos<br />
fueron propuestos para crear una experiencia intensa, “incre-<br />
mentada” donde los interactuantes pudieran fusionarse con el<br />
espacio-tiempo del performance. Él abogaba por que todas las<br />
audiencias deberían ser completamente eliminadas y los indi-<br />
viduos deberían volverse participantes. Para no confundirse<br />
con el teatro o el performance, los Happenings de Kaprow eran<br />
improvisados en el momento como los niños imaginativamen-<br />
te juegan al tiempo que siguen los parámetros de un guión pre-<br />
definido. Las tecnologías digitales podrían permitir este tipo de<br />
vinculación con un lugar o evento de forma personal y virtual.<br />
Las tecnologías móviles que han surgido desde 2008 están<br />
ahora posibilitando que los medios locativos, el mapeo de rea-<br />
lidad aumentada así como las herramientas de las redes socia-<br />
les queden al alcance de cada individuo conectado en red en<br />
todo momento. Su potencial como un vehículo para navega-<br />
ción espacial es muy importante. Los medios locativos nos do-<br />
tan con la capacidad de “formar y organizar el mundo real y<br />
el espacio real” (Ben Russell citado enTutersyVarnelis 357).<br />
“Las fronteras reales, los límites y el espacio se vuelven flexi-<br />
bles y maleables, la fuerza del Estado se vuelve fragmentada<br />
y global; la geografía se vuelve interesante [atractiva]; los telé-<br />
fonos celulares tiene cada vez mayor conexión a Internet y a<br />
los sistemas localizadores; todo en el mundo real puede ser se-<br />
guido, etiquetado, codificado en barras y asignado.” (Ben Rus-<br />
sell citado enTuters and Varnelis 357). El novelista Peter<br />
Ackroyd habla de la “resonancia cronológica” de las ciuda-<br />
des, el espacio donde el lugar, historia e identidad convergen.<br />
Mediante la mezcla de información, la identificación de histo-<br />
rias en lugares geo-etiquetados, la creación de diarios persona-<br />
les, la creación de historias interconectadas en espacio real con-<br />
tinuará acumulándose en formas múltiples y podrá será legi-<br />
ble y a la vez reescrito para todo aquel que se proponga nave-<br />
gar en un espacio rico en información. “El artista es una perso-<br />
na experta en el entrenamiento de la percepción”, escribió<br />
McLuhan. La definición es probablemente adecuada para Do-<br />
21
mínguez y muchos otros quienes, como ellos, han transforma-<br />
do las formas en que concebimos el entorno, el territorio y las<br />
relaciones espaciales que los individuos construyen en su trán-<br />
sito constante a través de diversas formas de fronteras y lími-<br />
tes, físicas o culturales.<br />
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24
Contribuição de McLuhan para uma<br />
visão de mundo global e inclusiva<br />
IRENE MACHADO<br />
PESQUISADORA DO CNPQ (PQ-2), PROFESSORA DA ESCOLA<br />
DE COMUNICAÇÕES E ARTES E DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO<br />
EM MEIOS E PROCESSOS AUDIOVISUAIS<br />
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), SÃO PAULO, BRASIL<br />
IRENEMAC@UOL.COM.BR<br />
Resumo<br />
O ensaio examina as contribuições de M.McLuhan no sentido de promo-<br />
ver uma visão conjunta dos meios de comunicação do ponto de vista per-<br />
ceptual e cognitivo. Para isso, busca na história da formação do pensa-<br />
mento relacional de percepções apresentado como método de observa-<br />
ção e análise hipotético-poético. Percorre os exemplos de análise e leitu-<br />
ra das produções de meios, bem como da formação conceitual e históri-<br />
ca que entende os meios em suas interações e não como sucessões.<br />
Palavras chave<br />
percepção, cognição, leitura, envolvimento, sensório, história<br />
25
Treino de percepção e método analítico de observação<br />
No início de sua carreira docente, McLuhan se aproximou da<br />
antropologia cultural travando contato com Edward T. Hall e<br />
Edmund Carpenter. O primeiro, desenvolveu um estudo sobre<br />
a linguagem silenciosa (the hidden language) do espaço; o segun-<br />
do, da gramática dos meios em processos de leitura. O conjunto<br />
das formulações de McLuhan, Hall e Carpenter trouxe à luz os<br />
trabalhos das chamadas «explorações»: investigações e análises<br />
de caráter experimental sobre a vida cultural sob o domínio<br />
dos meios de comunicação. Sem a pretensão de constituir uma<br />
teoria, as explorações abriram caminho para o desenvolvimen-<br />
to de um método de análise apoiado, evidentemente, nos fir-<br />
mes pressupostos dos meios como formas culturais.<br />
Os experimentos analíticos de McLuhan desta fase dão ori-<br />
gem ao material reunido em seu primeiro livro, The Mechani-<br />
cal Bride: Folklore of Industrial Man, publicado em 1951. Nele<br />
exercita um método de análise orientado por aquilo que<br />
McLuhan denominou treino de percepção. Trata-se de um mé-<br />
todo deduzido de experiências vividas no Canadá e em Cam-<br />
bridge. No seu país natal aprendeu a exercitar a visão panorâ-<br />
mica: de qualquer ponto do país, parecia-lhe ser possível de–<br />
senvolver percepções formando um horizonte como num am-<br />
plo panorama. Em Cambridge, na época de seu doutorado,<br />
aprendeu a exercitar a visão para as profundezas nos exercí-<br />
cios literários conhecidos como close reading ou, leitura concen-<br />
trada, aprofundada sobre o texto, fora de qualquer foco extra-<br />
textual. Um e outro contribuíram para a abrangência do trei-<br />
no de percepção que, no contexto dos meios de comunicação,<br />
abriu caminho para a considerar a importância das transfor-<br />
mações culturais em curso.<br />
O treino de percepção assim vivenciado constrói um eixo que<br />
une percepção e cognição, desdobrando-se em duas linhas:<br />
uma de aprofundamento e outra de relações contrastivas.<br />
Esse treino nós vamos encontrar com diferentes graus de des-<br />
envolvimento em seus livros. Em The Mechanical Bride, há um<br />
fechamento (close reading) em anúncios em contraste com tex-<br />
tos literários; em The Gutenberg Galaxy, fecha-se no alfabeto,<br />
em contraste com os desenvolvimentos culturais tanto da<br />
prensa, das cidades, dos transportes, quanto da oralidade ou<br />
do sensório; em Understanding Media, explorações sobre os<br />
meios a partir da eletricidade em contrastes entre si graças ao<br />
movimento das extensões. Em todos eles, o treino de percep-<br />
ção é ponto de partida para alcançar o processo cognitivo so-<br />
bre os meios e processos culturais de representação e entendi-<br />
mento do mundo.<br />
Assim podemos sintetizar os comportamentos de análise que<br />
viam nos meios de comunicação processos amplos com atua-<br />
ções e efeitos particularizados, sementes importantes para o<br />
ulterior desenvolvimento de uma visão global e inclusiva dos<br />
meios na cultura.<br />
26
Percepção e cognição no jogo entre figura e fundo<br />
Todos que se iniciam na leitura do texto de McLuhan perce-<br />
bem, imediatamente, a tendência de seu discurso à interlocu-<br />
ção, de modo a incluir o ouvinte na trama de seu pensamento.<br />
Isso ele faz, muitas vezes, recorrendo a uma certa dose de hu-<br />
mor. Uma piada é sempre caminho certeiro para exprimir o<br />
conteúdo de formulações e até mesmo para provocar, polemi-<br />
zar, ironizar. Contudo, a piada, que ele entende ter se transfor-<br />
mado em chiste – uma forma de advinha, sem fio narrativo,<br />
mas baseada em pergunta e resposta –, se constrói como uma<br />
das forças vitais da linguagem: o direcionamento à participação<br />
do outro. O feitio apelativo da linguagem assim empregada re-<br />
vela o seu caráter dialógico e, portanto, envolvente. Seja como<br />
piada ou chiste, o discurso assim enunciado não se realiza sem<br />
vínculos de duas ou mais mentes concentradas no mesmo foco.<br />
McLuhan & Fiore, Guerra e paz na aldeia global, p. 58<br />
Piada e chiste são gêneros discursivos de construção da lin-<br />
guagem que mantêm vivos os elos de envolvimento e partici-<br />
pação. No discurso de McLuhan, adquirem igualmente a fun-<br />
ção de distinguir dois processos sensoriais: o percepto e o con-<br />
ceito. Sem percepção impossível atingir conhecimento: esta<br />
máxima McLuhan viu plenamente realizada nos meios do en-<br />
tretenimeno cujo funcionamento não diferia muito do humor<br />
de longa vida na tradição da prosa e da retórica.<br />
Se o percepto aciona uma sugestão, o conceito ativa inferên-<br />
cias; um provoca associações, outro, generalidades. Com base<br />
em distinção como esta, McLuhan examina o quanto percep-<br />
ção e cognição não apenas caminham juntas como condicio-<br />
nam-se. Daí que tanto a piada quanto o chiste criarem ambien-<br />
tes relacionais e de fluxo de idéias.<br />
Em suas próprias experiências, mostra como ao ativar percep-<br />
ções. Uma piada pode evocar dimensões mais fundas de uma<br />
mensagem; por conseguinte, aquilo que emerge na superfície<br />
não é da mesma natureza daquilo que se configura no fundo.<br />
E é este o alvo que lhe interessa: a noção de que, se a relação<br />
figura / fundo não se encontra ausente na formulação de uma<br />
piada, certamente não se pode descartá-la do processo cogniti-<br />
vo. Ao que conclui: “a vantagem de sempre estudar qualquer<br />
figura em relação ao seu fundo é que aspectos inesperados e<br />
negligenciados de ambos se revelam” (McLuhan, 2005: 210).<br />
Nesse sentido, longe de ser um exercício retórico desprovido<br />
de pretensão teórica, o emprego da piada e do chiste revela a<br />
27
importância de mecanismos que ativem processos inusuais e<br />
inesperados de modo a promover, cada vez mais, o refinamen-<br />
to do treino de percepção e da atividade cognitiva.<br />
Na mesma linha de formulação McLuhan situa o processo ba-<br />
seado em pergunta e resposta. Como formas discursivas her-<br />
dadas da tradição oral, não é muito comum entender a per-<br />
gunta-e-resposta em suas finalidades especulativas com vistas<br />
a consolidação do pensamento teórico. Sabemos que obras<br />
como os Diálogos socráticos, de Platão, ou os Diálogos sobre os<br />
dois sistemas de mundo, de Galileo, já foram considerados pou-<br />
co sérios, simplesmente pelo emprego da interlocução entre<br />
personagens como condutora da questão científica ou filosófi-<br />
ca. Em seus estudos retóricos, McLuhan acompanha a derroca-<br />
da do discurso de envolvimento (de chistes, de pergunta e res-<br />
posta, de aforismos), confinado ao limbo dos discursos pouco<br />
confiáveis. Em seus escritos, contudo, não apenas reconstitui<br />
o vigor expressivo de tais processos como mostra o quanto<br />
eles colaboram para o envolvimento no ambiente dos meios.<br />
Em suas parcerias com designers e artistas visuais, os objetos<br />
de mídia (anúncios, jornais, programas de televisão, quadri-<br />
nhos, cinema) recuperam o espírito tanto da piada, quanto do<br />
chiste ou da pergunta e resposta para a composição de rela-<br />
ções baseadas na interação fundo/figura.<br />
Se, na observação e análise de seus objetos midiáticos, se ser-<br />
ve de piadas, chistes e aforismos, seu gesto especulativo joga<br />
com a percepção e significação de maneira que se crie uma re-<br />
lação de dependência entre aquilo que se diz (figura) e aquilo<br />
que se mobiliza do ponto de vista do sentido (fundo). Para<br />
produzir o efeito desejado, a piada gera envolvimento, desper-<br />
ta a percepção para algo. É esse envolvimento que provoca es-<br />
tados de atenção e de compreensão simultâneos, fundamen-<br />
tais de toda mensagem. Por esse motivo, é tão importante ela-<br />
borar os meios. É assim que seu trabalho discursivo e textual<br />
caminha e se transforma.<br />
As noções legendárias de seu pensamento como «o meio é a<br />
mensagem», «os meios como extensões» e a «aldeia global»<br />
são apenas as proposições conceituais que funcionam como as<br />
artérias primordiais das hipóteses que não foram formuladas<br />
para serem demonstradas e provadas, mas sim para abrir o di-<br />
álogo e desencadear reflexões na linha evolutiva de uma visão<br />
de mundo global e inclusiva. Trata-se de caminhos retóricos<br />
orientados para o outro, como tudo na comunicação.<br />
28
Caminhos retóricos da leitura<br />
A orientação para o outro não apenas conduz à valorização da<br />
linguagem; marca uma postura teórica ocupada com os efeitos:<br />
mais importante do que as idéias e as intenções de partida, são<br />
as reações, as provocações, aquilo que vai emergir do ponto de<br />
vista perceptual. Em nome dos efeitos é que se tornou priorida-<br />
de o desenvolvimento de uma visão global e inclusiva nos mei-<br />
os. E esta não é uma exclusividade dos estudos de McLuhan.<br />
Na verdade, representa um investimento de autores ocupados<br />
com a compreensão dos efeitos dos meios de comunicação na<br />
cultura. Se, na época de McLuhan, tal preocupação delineava<br />
um novo objeto de pesquisa, hoje é possível vislumbrar um con-<br />
junto teórico sólido, que já conta uma história considerável,<br />
cujo marco é, sem dúvida, as pesquisas de Millman Parry e Al-<br />
fred Lord. Além deles, seguem linhas diferenciadas de investi-<br />
gação: Jack Goody e Ian Watt, que se dedicam às consequências<br />
da escrita; Walter Ong que analisa a tecnologização do letra-<br />
mento; Erick Havelock que se debruça sobre o surgimento da<br />
escrita na Grécia; e, mais recentemente, temos os estudos do me-<br />
dievalista belgo-canadense Paul Zumthor sobre a poética da<br />
oralidade com ênfase na relação entre a letra e a voz, título de<br />
um de seus livros já traduzidos para o português.<br />
Dentre as descobertas desses mestres, encontra-se a memorável<br />
proposição de Erick Havelock, segundo a qual a grande desco-<br />
berta da cultura letrada não foi exatamente a escrita, mas, sim,<br />
o surgimento do homem leitor, o homem capaz de ler e inter-<br />
pretar signos de diferentes formações: signos gráficos, icônicos,<br />
sonoros, cinéticos, audiovisuais, enfim, signos com distintas<br />
configurações espaciais. O investimento de McLuhan, desde<br />
seu primeiro livro, ou melhor, de suas explorações, direcionou-<br />
se para o aprimoramento da leitura das produções de meios,<br />
gesto que faz jus a seu devotamento humanista de valorização<br />
da linguagem como faculdade cognitiva. A leitura torna-se, as-<br />
sim, a atividade central de seu método poético-hipotético, he-<br />
rança direta de seu aprendizado literário.<br />
A possibilidade de exercitar a leitura das produções culturais<br />
de maneira equivalente à leitura do texto literário foi um exercí-<br />
cio que ultrapassou os limites do close reading e levou McLuhan<br />
a investidas mais radicais que resultaram no conteúdo do livro<br />
The Mechanical Bride. Dentre elas podemos situar o desenvolvi-<br />
mento de um método de observação do mundo que sustenta o<br />
modelo investigativo definido como método hipotético-poéti-<br />
co. Segundo McLuhan,<br />
É possível discutir duas formas para abordar um problema.<br />
Uma, que se pode denominar de método teórico, consiste<br />
em formular o problema nos termos do que já se conhece,<br />
fazer acréscimos ou extensões na base de princípios aceitos,<br />
e depois proceder à comprovação dessas hipóteses experi-<br />
mentalmente. Outra, que se pode chamar de método mosai-<br />
co, considera cada problema por si mesmo, com pouca refe-<br />
rência ao campo no qual se encontra, e procura descobrir<br />
relações e princípios existentes na área circunscrita<br />
(McLuhan, 1977: 72).<br />
29
O método hipotético-poético é, pois, propositivo e, enquanto<br />
tal, constrói relações que devem levar a diferentes inferências.<br />
Um das explorações mais evidentes desse método foi propos-<br />
to nas formulações que recorre à mitologia. Uma de suas con-<br />
cepções mais divulgadas – a noção de meios como extensão –<br />
foi elaborada tendo como recurso o mito de Narciso. Nesta<br />
comparação entre o mito e a extensão tecnológica, a concep-<br />
ção é desdobrada pelas esferas interligadas do mito, da lingua-<br />
gem e da cultura. A recorrência aos mitos é uma outra verten-<br />
te do método de análise que reconhece a interação entre figu-<br />
ra/fundo como trabalho que tem muita clareza de efeitos.<br />
Uma visão que incide sobre o próprio modo de ler a historici-<br />
dade dos meios na cultura.<br />
Uma história dos efeitos<br />
A abordagem histórica de qualquer manifestação, via de<br />
regra, acompanha a sequência dos principais eventos mar-<br />
cantes de seu desenvolvimento. Sem fugir à regra, a histó-<br />
ria dos meios de comunicação tem início com a produção<br />
de inscrições rupestres, de palavra ou de tambor e cons-<br />
trói-se pela sucessão de inventos que fizeram dos contatos<br />
do homem com o mundo, em diferentes esferas de relacio-<br />
namentos, uma realidade possível. Na cultura ocidental, o<br />
marco é o gesto que levou à invenção da escrita a partir<br />
do surgimento do alfabeto. Das inscrições em pedras aos<br />
signos gráficos; do alfabeto fonético à tipografia; do telé-<br />
grafo ao rádio; da televisão à internet; dos cabos às redes<br />
e aos satélites. Em outras palavras: a história dos meios<br />
de comunicação já reúne um conjunto marcante de inven-<br />
ções capazes de fazer dela um evento significativo da his-<br />
tória do homem no planeta.<br />
Nada teríamos a acrescentar, se McLuhan não tivesse explo-<br />
rado outra possibilidade de contar a história dos meios, não<br />
pela sucessão de inventos sociotécnicos isolados, mas pelos<br />
«efeitos» culturais, isto é, pelas transformações no modo de<br />
tratar as informações representativas das percepções em am-<br />
bientes vivenciais. Considerando que é por intermédio do<br />
efeito que o meio se define, e não o contrário, o autor formu-<br />
lou a hipótese dos meios como extensão, como transforma-<br />
ção, «massagem» no entendimento.<br />
30
McLuhan realizou não apenas um inventário consequente des-<br />
ses efeitos como também defendeu a necessidade de produzir<br />
conhecimento de seus desdobramentos e implicações por in-<br />
termédio de uma história alfabetizadora dos meios. Alfabetiza-<br />
ção que não é eficiência técnica, mas compreensão gramatical<br />
e funcionamento para significação.<br />
Estamos longe, pois, de creditar ao meio um papel determina-<br />
do graças a seus atributos de destaque na série de inventos rea-<br />
lizada pela humanidade ou porque um novo meio se revele<br />
mais eficiente que o anterior. O ponto significativo da hipótese<br />
de McLuhan se traduz no seu entendimento de que o modo de<br />
produzir informação interfere na maneira pela qual a própria<br />
informação é percebida e compreendida culturalmente. Nesse<br />
caso, a tecnologia coloca-se a serviço da linguagem como pro-<br />
cesso de significação. O efeito revela-se, por conseguinte, como<br />
a instrumento de transformar a informação em linguagem e<br />
esta em veículo de percepção e de conhecimento.<br />
A história dos efeitos tornou-se, pelo viés de McLuhan, uma his-<br />
tória da linguagem, ou melhor, das diferentes formações percep-<br />
tuais e cognitivas utilizadas nos processos de trocas e de convi-<br />
vências, merecidamente, denominadas «linguagens da comuni-<br />
cação». Por isso, em vez de focalizar tão somente o viés tecnicis-<br />
ta dos inventos e descobertas, a história dos meios no contexto<br />
dos efeitos se mostra potencialmente capaz de revelar modos e<br />
processos de percepção, de compartilhamento, de conhecimen-<br />
to do mundo, como eles se implicam mutuamente, até mesmo<br />
para impulsionar novas invenções. Fora desse viés, a tecnolo-<br />
gia não diz nada aos interesses intelectuais de McLuhan.<br />
A televisão tornou-se o meio tecnológico que, depois do al-<br />
fabeto, mais propôs desafios para o entendimento dos efei-<br />
tos na era da eletricidade. É com a televisão que os proces-<br />
sos perceptivos visuais revelam alcances muito mais am-<br />
plos do que aquilo que se julga conter num campo visual.<br />
Com isso, ampliam-se os questionamentos sobre efeitos<br />
nunca antes cogitados.<br />
O exercício de McLuhan pode ser acompanhado a partir de<br />
um exemplo pontual: o questionamento emergente quando a<br />
televisão torna-se o palco do debate às eleições presidenciais<br />
dos Estados Unidos nos anos 50. Ainda que as performances de<br />
J.F. Kennedy e R. Nixon tenham sido o tema central das dis-<br />
cussões, McLuhan perguntava-se sobre o que estava aconte-<br />
cendo efetivamente na vida sociocultural. Que efeito era esse?<br />
Por que um debate reproduzido entre os dois candidatos,<br />
numa tela em preto e branco, converteu-se em algo mais cati-<br />
vante que o contato humano e direto com os candidatos no<br />
palanque do espaço público? Por que um evento meramente<br />
performativo se tornava mais significativo que as análises po-<br />
sicionadas dos argumentos da imprensa escrita? Alguma<br />
transformação muito significativa estava acontecendo, uma<br />
espécie de hidden language, como diria Edward Hall, abria um<br />
dialogo com as pessoas. A resposta não apareceu de pronto,<br />
31
mas o fato de que o meio televisual produzira um efeito radi-<br />
calmente inusitado era inquestionável. Que efeito era esse?<br />
McLuhan não é teórico de respostas imediatas, mas de reflexão<br />
que joga com proposições relacionais entre fundo e figura. No<br />
caso de suas indagações sobre os efeitos da emissão televisual,<br />
o procedimento não foi diferente. Suas conjecturas foram exami-<br />
nadas com em diferenes estudos e os argumentos foram retoma-<br />
dos e reelaborados no processo de seu próprio amadurecimen-<br />
to. Particularmente em Understanding Media: the Extensions of<br />
Man (Para compreender os meios: as extensões do homem), o autor<br />
delineia algumas hipóteses que oferecem pistas de como é pos-<br />
sível entender o porquê de o programa televisual ter conquista-<br />
do a audiência naquele debate.<br />
(1) A televisão havia criado uma nova linguagem<br />
em que a câmera estabelecera um contato pessoal<br />
e, portanto, mais íntimo com as pessoas.<br />
(2) A imagem minimalista da tela da tevê revelouse,<br />
sobretudo, emocional.<br />
(3) O tempo pode ser dimensionado num eterno presente<br />
em que milhares de pessoas se sentiram vinculadas,<br />
simultaneamente, numa mesma frequência.<br />
(4) A tevê mostrou-se um meio de envolvimento e,<br />
portanto, de participação profunda do espectador:<br />
a imagem envolvia com som, luz, tato, movimento.<br />
Esta experiência sensorial era completamente<br />
inusual.<br />
Com base em suas observações e intuições, chegou a uma hipó-<br />
tese mais generalizada: o tratamento da informação foi traduzi-<br />
do em termos do meio, o qual produz, por sua vez, um efeito<br />
decisivo sobre a mensagem. Esse efeito revelou-se sob forma de<br />
apelo à participação e ao envolvimento sensorial. O que<br />
McLuhan verifica também é que a tela eletrônica da televisão<br />
permite um trânsito inusitado de percepções provenientes da<br />
imagem icônica, quer dizer, a imagem que não se restringe à vi-<br />
sualidade, sobretudo porque a qualidade visual é muito baixa.<br />
Com base em observações como essa, McLuhan formula a hipó-<br />
tese desconcertante de que a televisão toca as pessoas na pele.<br />
Muito mais do que um meio que fala aos ouvidos e oferece-se<br />
ao olhar, a televisão condensa som e imagem visual em luz que<br />
incide e toma conta do ambiente, fazendo emergir aquilo que<br />
ele entende como “tato ativo” que, embora não seja cutâneo,<br />
toca a pele de algum modo (McLuhan, 2005: 101), atingindo to-<br />
dos os sentidos, perceptuais e cognitivos. Prolongam-se, daí, a<br />
compreensão sobre a tatilidade da imagem e os efeitos ambien-<br />
tais do meio nunca antes experimentados.<br />
O efeito tal como se manifesta na projeção televisual pode<br />
ser entendido como um ponto de transformação cujo caráter<br />
indicial atua na percepção e no entendimento. A imagem da<br />
projeção eletrônica por trás da tela (backscreen), a envolver<br />
com pontos de luz o telespectador, levou os candidatos a con-<br />
versarem com as pessoas individualmente. Esse efeito de pre-<br />
sença intensificou-se naquele debate e acabou revelando,<br />
32
para McLuhan, a força daquela linguagem. Não é propria-<br />
mente o conteúdo do debate, mas o fato de ele ser realizado<br />
para as pessoas em suas casas que criou o envolvimento.<br />
Com fundamento nesse contexto especulativo, é levado a crer<br />
que o modo de tratar e de apresentar a informação age decisi-<br />
vamente sobre a percepção e provoca diferentes contatos com<br />
o mundo. Com isso, é possível dizer que a nova forma de<br />
apresentação das ideias conduz a modificações significativas<br />
das relações humanas. O efeito é o forte indício de mudanças<br />
perceptivas, sensoriais, cognitivas, performativas, bem como<br />
de um conjunto de relações e implicações em que nada pode<br />
ser considerado isoladamente. Assim o meio adquire a condi-<br />
ção de objeto de pesquisa e de entendimento. Em última análi-<br />
se: o meio cria padrões de conexão formadores de ambientes,<br />
como as palavras de McLuhan confirmam.<br />
O meio, ou processo, de nosso tempo – de tecnologia elétrica<br />
– está remodelando e reestruturando padrões de interdependência<br />
social e todos os aspectos de nossa vida pessoal.<br />
Por ele somos forçados a reconsiderar e reavaliar, praticamente,<br />
todos os pensamentos, todas as ações e todas as instituições<br />
anteriormente aceitos como óbvios. Tudo está mudando<br />
– você, sua família, sua vizinhança, sua educação,<br />
seu emprego, seu governo, sua relação com os outros. É<br />
essa mudança é dramática.<br />
As sociedades sempre foram moldadas, mais pela natureza<br />
dos meios que os homens usam para comunicar-se que<br />
pelo conteúdo da comunicação (McLuhan, 1969: 36).<br />
Os efeitos constituíam, assim, forças fundamentais da revolu-<br />
ção que os meios de comunicação introduziram na cultura.<br />
Era urgente estudá-los com seriedade.<br />
Do ponto de vista dos efeitos, a história dos meios pode ser, en-<br />
tão, dimensionada de acordo com a profundidade das transfor-<br />
mações perceptivas, sensoriais e cognitivas, deixando-se de<br />
lado a horizontalidade e causalidade dos inventos. A dinâmica<br />
é dada pelas alterações introduzidas pelos meios de comunica-<br />
ção na cultura de modo que se reveja a história das relações en-<br />
tre eles, bem como dos sentidos que mobilizam e enunciam.<br />
Com essa finalidade, McLuhan propõe uma gramática para os<br />
meios que pudesse ser ensinada. Lançou-se, assim, ao estudo<br />
de formas de organização de mensagens, particularmente anún-<br />
cios e notícias, que permitissem elaborar a leitura que se faz de-<br />
les. Com isso, em vez de meros consumidores ou usuários, os<br />
envolvidos poderiam se tornar interpretantes dos processos<br />
transformadores da informação em mensagem. Interpretante,<br />
nesse caso, no sentido semiótico do termo: um intérprete capaz<br />
de transformar a mensagem e requalificar a informação em<br />
novo meio. É nesse contexto que propõe acompanhar a história<br />
dos meios como uma história alfabetizadora, na qual os efeitos,<br />
e não as sequências, são agentes das interações sociais.<br />
Descobrir como as épocas respondem às invenções culturais é<br />
a tarefa da história alfabetizadora dos meios, uma vez que os<br />
acontecimentos se desenvolvem em superfícies de contato e<br />
de encontros culturais.<br />
33
Diferentemente de muitos estudos que procuram tão somente<br />
montar sequências – oralidade > escrita > tipografia > eletrôni-<br />
ca > informática –, McLuhan convida-nos a observar intera-<br />
ções e, por conseguinte, a comparar os efeitos de uns meios<br />
em relação aos outros, a começar do caráter ambiental da pró-<br />
pria informação. Surgem algumas articulações que podem ori-<br />
entar nossa compreensão:<br />
(a) efeitos ambientais da informação;<br />
(b) efeitos da integração dos sentidos na oralidade;<br />
(c) efeitos de síntese visual na invenção do alfabeto;<br />
(d) efeitos sensoriais da gravação e do manuscrito;<br />
(e) efeitos de multiplicação da escrita tipográfica;<br />
(f) efeitos da leitura no contexto das línguas nacionais<br />
e polifônicas<br />
(g) efeitos de simultaneidade da eletricidade.<br />
A história que valoriza os efeitos, e não as sucessões, tem o<br />
mérito de acompanhar o desenvolvimento dos meios de co-<br />
municação não como aparatos tecnológicos, mas, sobretudo,<br />
como linguagem – ponto de partida das explorações de<br />
McLuhan. Graças à capacidade de elaborar linguagem, os mei-<br />
os podem mudar comportamentos, ações, percepções. Esse é<br />
o mérito maior da história alfabetizadora. Ao assumir o centro<br />
do processo de alfabetização pelos meios, a linguagem mos-<br />
tra-se em seus diferentes códigos históricos. O alfabeto é o<br />
grande marco de invenção da escrita que permite, comparati-<br />
vamente, recuperar formações culturais distintas como orali-<br />
dades, visualidades, cinetismos.<br />
Por isso, McLuhan situa o alfabeto no eixo de deslocamentos<br />
que ampliam a história dos meios em desdobramentos como<br />
o grafismo visual fundado pela perspectiva, ou a escrita de nú-<br />
meros e não de letras, base das linguagens científicas; como as<br />
matemáticas e os cálculos, que são constituintes elementares<br />
das linguagens elétricas, eletrônicas e informáticas. Ainda que<br />
o foco seja o estudo dos efeitos traduzidos em comportamen-<br />
tos culturais, o objeto de análise é um processo de linguagem<br />
em transformação ou mesmo transmutação.<br />
34
Dos efeitos às leis da mídia<br />
A história alfabetizadora dos meios distingue-se da sucessão<br />
pura e simples, uma vez que, para comunicar, os meios pres-<br />
supõem uma cadeia de eventos: ação perceptiva, interpreta-<br />
ção sensorial e organização cognitiva sob forma de linguagem<br />
aberta para a leitura. É impossível ignorar as ocorrências hu-<br />
manas que constituem esse intervalo entre informação e men-<br />
sagem; percepção e conhecimento.<br />
Tal é o caráter da argumentação de McLuhan que interessa<br />
para compreender, por um lado, o processo de alfabetização<br />
pelos meios, por outro, os padrões de funcionamento que tais<br />
efeitos organizaram. As leis da mídia a que chegou McLuhan<br />
surgem como intuições dessa visada global e inclusiva de efei-<br />
tos conjugados. As leis da mídia não estão acima da história,<br />
pelo contrário, resultam do jogo entre transformação e perma-<br />
nência, como toda lei dialética de mudança.<br />
Se os meios naturais de comunicação se desenvolveram por<br />
intermédio dos órgãos humanos em contato com o ambiente,<br />
isto é, da boca ao ouvido, as inscrições e a escrita colocam<br />
em evidência formas visuais em suportes diferenciados: pe-<br />
dra, tijolo, pergaminho, couro, papel, tela. Por conseguinte,<br />
os meios, em seu processo histórico, são agentes transforma-<br />
dores de possibilidades sensório-cognitivas. Se, do ponto de<br />
vista da cultura, as formas elaboram mensagens que signifi-<br />
cam diferentemente nos diversos meios, do ponto de vista<br />
cognitivo, as diversas significações explicitam modos distin-<br />
tos de percepção e de sensorialidade. O jogo entre processos<br />
de significação das mensagens perante as percepções das lin-<br />
guagens desenvolvidas pelos meios é o que sustenta a mais<br />
conhecida formulação de McLuhan: “o meio é a mensagem”.<br />
A função alfabetizadora dos meios seria uma maneira de ex-<br />
plicitar as regras desse jogo.<br />
A descoberta de que os meios se relacionam por comparação,<br />
e não como termos de uma sucessão, apresenta outro viés da<br />
história dos meios tomada com base nos efeitos. A noção de<br />
que um novo meio, em seu nascimento, desencadeia tanto in-<br />
terações quanto distinções quer dizer o seguinte: as forças re-<br />
lacionam-se para conjugar um funcionamento integrado, em<br />
expansão, com avanços e recuos, idas e vindas.<br />
Quando McLuhan afirma que a história dos meios não desen-<br />
volve sucessões, mas simultaneidades, ele nos apresenta uma<br />
concepção permeada pela visão elétrica do «tudo ao mesmo<br />
tempo» – lição que ele aprendera ao acompanhar, por exem-<br />
plo, os debates televisionados dos candidatos americanos à su-<br />
cessão presidencial. O mérito maior é a valorização das rela-<br />
ções nas quais nenhum meio, como nenhuma invenção ou tec-<br />
nologia, pode ser considerado isoladamente: o meio concen-<br />
tra traços dominantes e estes são inclusivos, não exclusivos.<br />
Com isso, as interações podem delinear relações entre percep-<br />
ções diferenciadas, tais como as que consagraram os diversos<br />
sistemas culturais, que os não estudiosos da obra de<br />
McLuhan conseguiram colocar numa sequência. Deixando de<br />
35
lado as sequências, é possível alcançar as interações emergen-<br />
tes na galáxia de Gutenberg e na aldeia global.<br />
Desde os anos 60, McLuhan entendeu que “quando um<br />
novo veículo entra em cena é que nos tornamos conscientes<br />
das características básicas dos veículo mais antigos, de um<br />
modo que não víamos quando as coisas estavam acontecen-<br />
do” (McLuhan, 2005: 62). Quando este raciocínio ganha peso<br />
teórico, pela análise histórica dos efeitos, McLuhan alcança<br />
uma visão de conjunto sobre as transformações, formulada<br />
em termos de um diagrama conceitual concebido como «té-<br />
trade», figura geométrica constituída de quatro pontos soli-<br />
dários. Com ela, as relações entre figura e fundo projetam<br />
uma dinâmica correlacional em que o efeito se colocam, so-<br />
bretudo, como movimento perceptual. Explorando a dinâmi-<br />
ca das relações no diagrama das tétrades, McLuhan chega à<br />
formulação das leis da mídia.<br />
O diagrama da tétrade é constituído por uma superfície com<br />
quatro instâncias interligadas. A exemplo da fita de Moebius<br />
(Möbius string), trata-se de uma superfície com um limite que,<br />
quando articulada em suas extremidades, exibe o seu reverso.<br />
No diagrama de McLuhan, o que se enfatiza é a passagem de<br />
uma dimensão à outra, tanto do ponto de vista de uma ordem<br />
reversa, quanto da conversão ao estado anterior. Quer dizer, a<br />
mudança de estado não é causa para uma ruptura, mas sim<br />
para uma retomada a partir de outras bases. Este movimento é<br />
o que leva McLuhan à lei da mídia: aquilo que se apresenta<br />
como extensão pode evoluir num sentido reverso, do mesmo<br />
modo como pode ser retomado em outras circunstâncias. Na<br />
verdade, com este diagrama, formula padrões de funcionamen-<br />
to em que os meios podem ser dimensionados em suas exten-<br />
sões; reversões; recuperações e obsolescência.<br />
Graficamente, a tétrade abrigando as quatro leis que regem a<br />
dinâmica dos meios na cultura foi assim representada:<br />
A – AMPLIFICAÇÃO D – INVERSÃO<br />
C – RECUPERAÇÃO B – OBSOLESCÊNCIA<br />
Estrutura tetrádica (apud McLuhan & Powers, 1996: 27)<br />
A norma de quatro partes demonstra com clareza que a ver-<br />
dadeira tétrade tem dois fundos e duas figuras em equili-<br />
brada proporção entre si, o que tende a realçar a natureza<br />
da etapa de inversão (McLuhan & Powers, 1996: 54).<br />
Tornado instrumento teórico para a investigação dos efeitos, o<br />
diagrama da tétrade transforma o processo de composição de<br />
figura/fundo num princípio de pensamento para se acompa-<br />
nhar o desenvolvimento dos meios e suas transformações am-<br />
bientais. Ao invés de adotar um modelo fundado na causalida-<br />
36
de, a tétrade organiza um artefato baseado na simultaneidade<br />
e inclusividade das relações.<br />
As tétrades sintetizam as leis dos meios que emergem a partir do<br />
próprio conceito que o orientou na concepção de tecnologia<br />
como extensão de nosso corpo e de nossas faculdades. Toda tec-<br />
nologia surge amplificando. “A necessidade de amplificar as ca-<br />
pacidades humanas para lidar com vários ambientes dá lugar a<br />
essas extensões tanto de ferramentas quanto de mobiliário. Essas<br />
amplificações de nossas capacidades, espécies de deficações do<br />
homem, eu as defino como tecnologias” (McLuhan, 2005: 90).<br />
A tétrade ajuda a ver a figura e o fundo, trazendo este último<br />
para um plano visível. Nesse caso, a tétrade é o revelador, ou<br />
melhor, “um instrumento para revelar e predizer a dinâmica<br />
das inovações e as novas situações” (idem, ibidem: 34). No<br />
caso específico das tecnologias, há que se examinar como a eletrônica<br />
desloca o espaço visual para recuperar o espaço acústico<br />
de um modo inovador sob o pano de fundo da cultura alfabética,<br />
tornada obsolescente, o que não impede, contudo, que<br />
continue parte integrante da estrutura tetrádica. Isto porque,<br />
não se trata de eliminar o confronto, mas de promover o equilíbrio.<br />
A tecnologia eletrônica tem a função de reposicionar o<br />
sensório, valorizando o que na época de Cícero era o sensus<br />
communis, isto é, a integração do sensório.<br />
A tétrade de McLuhan está desenhada para explicar os acon-<br />
tecimentos culturais que os meios de comunicação impulsio-<br />
nam. Não se baseia numa teoria ou um conjunto de concei-<br />
tos, mas sim na observação, experiência e idéias.<br />
os tétrades não se baseiam em uma teoria mas sim em<br />
um conjunto de perguntas; se apóiam na observação em-<br />
pírica e portanto são comprováveis. (...) ainda que os té-<br />
trades sejam um meio para concentrar o conhecimento<br />
de qualidades ocultas ou inadvertidas em nossa cultura<br />
ou suas tecnologias, atuam fenomenologicamente<br />
(McLuhan & Powers, 1996: 24).<br />
O aspecto inverso do tétrade está sucintamente exemplificado<br />
na máxima da teoria da informação: uma sobrecarga de dados<br />
é igual a um padrão de reconhecimento.<br />
O principal ponto da argumentação aqui formulada confere<br />
ao circuito elétrico a possibilidade de criação de um ambien-<br />
te de percepção totalizante e inclusivo, bem diferente da per-<br />
cepção fragmentária da condição visual desenvolvida pelo<br />
alfabeto. Um ambiente em que as extensões não são os mei-<br />
os, mas os efeitos e seus processos. Nesse caso, não é exata-<br />
mente o meio tecnológico que se encarrega de alterar a condi-<br />
ção perceptiva, mas sim os efeitos processados. Figura e fun-<br />
do, interior e exterior, olhar de dentro e olhar através: tudo<br />
emerge para compor um conjunto de interações em conflito,<br />
sem que uma anule a outra.<br />
As leis da mídia revelam ainda como o raciocínio que partiu<br />
do treino de percepção caminha para a ecologia das formas<br />
37
culturais onde as permanências sobrevivem às mudanças que<br />
muitas vezes confundem figura e fundo e nos levam a ver ape-<br />
nas um lado. Ficam aqui um alerta, uma lição ou apenas um<br />
convite a novas elaborações e respostas.<br />
Considerações finais<br />
No contexto do pensamento sobre visão global e inclusiva, o<br />
movimento da informação na era eletricidade tem papel deci-<br />
sivo, como McLuhan procurou examinar em sua obra. É da na-<br />
tureza do meio a inclusão e a participação simultânea. E isso<br />
não tem nada a ver com automatismo. Por isso o pensamento<br />
de McLuhan não cabe nos limites de uma mera sucessão ou<br />
substituição de um veículo por outro. Cresce a importância<br />
dos efeitos na formulação história de seu pensamento onde a<br />
eletricidade ocupar o lugar de grande desafio.<br />
Diferentemente da tecnologia do alfabeto e da causalidade me-<br />
cânica – diferente, não em oposição a – a tecnologia elétrica se-<br />
gue a orientação do campo físico unificado, afastando-se da<br />
percepção do espaço newtoniano, ainda que recuperando a<br />
sensorialidade do espaço tribal.<br />
Por isso McLuhan reporta-se à teoria segundo a qual, no<br />
mundo elétrico,<br />
...a idéia de força tendia a ser substituída pelas idéias de interação<br />
e da energia possuída pelo agregado de um conjunto de<br />
partículas; e ao invés de considerar corpos singulares sob a<br />
influência de forças, os físicos matemáticos desenvolveram<br />
teorias, tais como as de Lagrange na dinâmica, em que se obtêm<br />
equações matemáticas capazes de predizer o futuro de<br />
todo um sistema de corpos simultaneamente, sem de nenhum<br />
modo recorrer às idéias de “força” ou “causa” (apud<br />
McLuhan, 1977: 92).<br />
38
Desenha-se, assim, a noção de aldeia global num campo unifica-<br />
do, seja pela eletricidade, seja pela percepção simultânea de acon-<br />
tecimentos. A simultaneidade já não é mais da ordem da visuali-<br />
dade, mas sim da audibilidade.<br />
Independente de toda questão de valores, o que temos de<br />
aprender hoje é que nossa tecnologia elétrica tem conse-<br />
qüências para nossas percepções e hábitos de ação mais co-<br />
muns e que tais conseqüências estão recriando rapidamente<br />
em nós os processos mentais dos homens mais primitivos.<br />
(...) Vivemos num único espaço compacto e restrito em que<br />
ressoam os tambores da tribo (McLuhan, 1977: 57; 58).<br />
Considerando o diagrama da tétrade, alcança-se o elo que<br />
aproxima a eletricidade do mundo intuitivo das sociedades<br />
orais: recupera-se um estado de cultura baseado num senso<br />
comum de participação e de envolvimento. Os circuitos elétri-<br />
cos não apenas expandem as possibilidades espaciais, mas en-<br />
volvem, criam vínculos e participações. McLuhan entende<br />
que ao propiciar este estado de comunidade numa base elétri-<br />
ca, a percepção e o conhecimento do mundo recuperam aque-<br />
le estado em que o ouvido ocupava o lugar do cérebro.<br />
Do ponto de vista conceitual, percebe-se, igualmente, uma<br />
aproximação entre intuição e a noção de campo unificado. Tal<br />
noção foi examinada pro McLuhan em diferentes momentos<br />
de suas indagações sobre o efeito de simultaneidade introduzi-<br />
do pelos circuitos elétricos.<br />
A coexistência num mesmo campo sensorial e perceptivo é di-<br />
mensionado também numa escala cultural uma vez que a era<br />
eletrônica recupera tempo e espaço culturais diferenciados e<br />
que aprendem a conviver. Nesse sentido McLuhan alcança o<br />
caráter oral do campo eletrônico. Em seus estudos sobre televi-<br />
são não é a visualidade que tem o poder de definição maior<br />
sobre o meio, mas sim a oralidade e a tatilidade. A noção de<br />
tatilidade da imagem só faz sentido se inserida no contexto<br />
do envolvimento de sentidos que as transmissões eletrônicas<br />
inseriram na cultura. Simultaneidade implica envolvimento e<br />
participação; vinculada ao contexto das percepções na era elé-<br />
trica, implica invisibilidade e ubiquidade. Com tais noções,<br />
são ampliadas as configurações do entendimento dos meios<br />
como ambiente, ao mesmo tempo em que são lançadas semen-<br />
tes para a compreensão do espaço acústico, a ecologia dos mei-<br />
os e as bases do que seriam as leis dos meios.<br />
Tanto do ponto de vista da análise, quanto das formulações<br />
teóricas, as explorações que procuraram focalizar os efeitos to-<br />
cam em raízes históricas que estão na base dos processos for-<br />
mativos com vistas à amplitude das relações panorâmicas<br />
sem perder as raízes históricas e contextuais.<br />
39
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________ (1987). La lettre et la voix. Paris: Seuil.<br />
40
Explorations e probes<br />
ou encontrando McLuhan<br />
A.R. TRINTA<br />
PROFESSOR ASSOCIADO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA<br />
MINAS GERAIS/BRASIL<br />
AR.TRINTA@TERRA.COM.BR<br />
Resumo<br />
Este ensaio versa duas modalidades do que poderia ser chamado de<br />
“aventuras heurísticas”, delineadas e levadas a termo por Herbert<br />
Marshall McLuhan. Explorations & Probes terão servido menos a inten-<br />
tos de explicação teórica ou justificativa filosófica do que a tentativas<br />
(bem) feitas no sentido de um desvelamento cognitivo e da proposi-<br />
ção de introvisões poeticamente transpostas e assim (a)firmadas. Ser-<br />
vido por uma metaforização intencional, pelo “sequestro criativo”<br />
próprio à formulação de hipóteses ousadas e pelo gosto desenvolvi-<br />
do pela expressão paradoxal, Herbert Marshall McLuhan, em pensa-<br />
mento e obra, elevou os estudos de mídia (e mesmo da teoria da co-<br />
municação) a um novo patamar. O período histórico subsequente à<br />
sua morte, em 1980, vem dando provas cabais do acerto de suas hipó-<br />
teses exploratórias e investigativas.<br />
Palavras chave<br />
explicação, probes, explorations, metaforização, eletricidade<br />
41
Ecce homo: Herbert Marshall McLuhan<br />
Por tudo que de sua personalidade e de sua obra refletida já<br />
se conhece, passados trinta anos de sua morte, parece ser de<br />
fácil execução a tarefa de explicar o professor de língua ingle-<br />
sa e teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan<br />
(1911-1980), por exemplo, em referência a seus intentos explo-<br />
ratórios e a seus probes. Neles, sua magnífica figura intelectual<br />
se mostra de corpo inteiro; e, no curso de três décadas, tanto<br />
se escreveu e falou a seu respeito que a tantas leituras e a algu-<br />
mas nutridas interpretações nada parece haver a acrescentar.<br />
Non nova, sed nove, reza o provérbio latino: se não há como di-<br />
zer coisas novas, então por que não dizê-las de uma nova ma-<br />
neira — (em) nova mente?<br />
Ao coligir seus probes — espécie de “pensamento em drá-<br />
geas”, servido por frases conceituosas, a exemplo dos aforis-<br />
mos — Marshall McLuhan dava curso às suas explorações. Não<br />
o fazia, porém, em um vácuo histórico e no vazio epistemoló-<br />
gico; antes, inscrevia-se como teórico renovador no âmbito<br />
das ideias comunicacionais gestadas ao longo do século XX, a<br />
elas emprestando sua verve e sua intensa criatividade. Em<br />
uma de suas perspicazes lições, ele nos ensina que a mídia ele-<br />
troeletrônica não encerra nem manifesta tendências; acata e<br />
adota princípios, normas ou leis, cujo entendimento se faz ur-<br />
gente — tal como se aprende na parábola do marinheiro em<br />
luta para escapar da vertigem do redemoinho que está prestes<br />
a tragar seu barco.<br />
O conjunto de sua obra, a par da mudança paradigmática<br />
que provocou e o desenvolvimento posterior, que culmina<br />
com as tétrades e a ecologia midial, permitem inscrever<br />
Herbert Marshall McLuhan no rol dos mais destacados<br />
maîtres à penser da Modernidade.<br />
42
Época, reflexão e obra<br />
A expressão de seu pensamento em livros, aulas, conferências<br />
e entrevistas trouxe nítida marca de cultivada inventividade,<br />
aproximando-se ora do conto filosófico, à moda de Edgar<br />
Allan Poe (USA, 1809-1849), ora do texto literário poeticamente<br />
instruído e inspirado pelos artifícios verbais (a metáfora<br />
e o jogo de palavras, em primeiro plano) do escritor irlandês<br />
James Joyce (1882-1941). McLuhan fez ainda uso programático<br />
da abdução — o modo metodológico da “hipótese exploratória”<br />
— ao feitio do filósofo pragmaticista Charles<br />
Sanders Peirce (USA, 1839-1914), assim como adotou com entusiasmo<br />
as vantagens expressivas do paradoxo, ao gosto do<br />
escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo,<br />
teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico G.<br />
K. Chesterton (1874-1936). Mestre da retórica, Chesterton teria<br />
influenciado McLuhan no sentido de uma rejeição algo conservadora<br />
de valores caros à Modernidade, tais como certo cientificismo<br />
ateu, de talhe reducionista e determinista.<br />
Professor universitário de língua e literatura inglesa, formado<br />
pela escola inglesa do New Cristicism e do close Reading — em-<br />
penhada na valorização do texto em si mesmo, em regime de<br />
imanência estética — Marshall McLuhan foi homem de seu<br />
tempo e de seu lugar, absorvendo a cultura pop para dominá-<br />
la e pô-la a serviço da exposição de suas ideias. Afeito à ex-<br />
pressão artística e cercado por artistas e intelectuais provin-<br />
dos de distintas áreas, com os quais fez parcerias, Marshall<br />
McLuhan iria ainda tornar-se conhecido pelo mote “I don’t<br />
explain, I explore”, ao qual reiteradamente recorria para justifi-<br />
car investidas e investimentos de um irrequieto, indagativo<br />
pensamento. Detratores houve, no Brasil, que em evidente<br />
tom de zombaria disseram que McLuhan e o animador de TV<br />
Abelardo ‘Chacrinha’ Barbosa, morto em 1988, proclamavam<br />
a mesma coisa: “Eu vim para confundir; não vim para explicar”.<br />
À exceção talvez de artistas acostumados a experimentações,<br />
poucas vezes suas investidas exploratórias foram levadas a sé-<br />
rio, não tendo seus probes tido melhor sorte.<br />
Colunista da prestigiosa revista semanal francesa L´Express,<br />
Jean-François Revel certa vez o chamou de “Salvador Dali<br />
metido a Lavoisier”, afirmando que as proposições do canadense<br />
empalmavam o “método paranoico-crítico” do célebre<br />
pintor catalão. Compunham esta “metodologia” três etapas,<br />
distribuídas em graus sucessivos de pretensa complexidade<br />
no propósito de provocar surpreendentes efeitos de sentido:<br />
mistificação (temática) deliberada, delírio (interpretativo) habilmente<br />
orientado e confusão mental (enfaticamente induzida).<br />
Não é, portanto, fato incomum o de que agressividade<br />
na cédula e pouca ou nenhuma sutileza no selo constituam<br />
uma maneira de se deslustrar, desqualificar, reduzir e infamar<br />
o que não se chega a compreender ou, ainda, aquilo que<br />
se decide ver de través ou em obliquidade intencional, talvez<br />
porque não se queira (ou não se tenha podido) ver tal<br />
como é. A personalidade conhecida de Herbert Marshall<br />
McLuhan terá sempre sido motivo de viva controvérsia 1 . Em<br />
se tratando de um pensador revolucionário a seu modo pró-<br />
____________________<br />
1 McLuhan Pro & Com (New York: Funk & Wagnalls, 1968), livro editado por Raymond Rosenthal, figura entre<br />
as melhores obras de referência à polêmica que, em seu tempo, o notável professor da Universidade de Toronto<br />
suscitou, em particular no mundo acadêmico da América do Norte.<br />
43
prio, tal como McLuhan, adeptos e fiéis cultores do “mcluhanismo”<br />
o tinham na conta de um “estilo de pensamento” ou<br />
um “modo de pensar” a Modernidade, tal como esta se afigurava<br />
projetada pela mídia eletroeletrônica, plasmada pelas<br />
indústrias da cultura e traduzida pela cultura pop ao longo<br />
da segunda metade do século XX.<br />
Quanto aos que sequer o haviam lido, mas tampouco havi-<br />
am gostado do que ele escrevera ou dissera, a rejeição limi-<br />
nar reproduzia pejorativamente um trocadilho inspirado em<br />
seu nome: “mclunatismo”. Amor e ódio situados num plano<br />
a-histórico, não teórico e apolítico, contíguo à devoção quase<br />
religiosa ou, ao contrário, desacordo visceral ou forte senti-<br />
mento de inveja, motivo de surdas disputas por poder simbó-<br />
lico e notoriedade acadêmica ou mundana.<br />
Em seus livros e intervenções, Marshall McLuhan ilustrou —<br />
verbal, vocal e visualmente — suas ideias acerca da comunica-<br />
ção de seu tempo, prefigurando a de tempos por vir. Para tan-<br />
to, preferiu realizar estudos exploratórios da mídia eletrônica,<br />
em reconhecimento teórico de seu papel formativo — sobretu-<br />
do informativo — e sua ação continuada sobre a percepção hu-<br />
mana, individual e coletiva. Chamado de “filósofo da mídia”<br />
e rotulado, com simplismo e alguma impropriedade, “determi-<br />
nista tecnológico” por ter-se ocupado dos canais (evolução dia-<br />
crônica) e dos meios (situação sincrônica), ressaltando o peso<br />
específico de sua incidência em meio sociocultural, Marshall<br />
McLuhan aludiu, metaforicamente, a um environment (“am-<br />
biência”), que em toda parte presente é, por paradoxal que<br />
seja, invisível. Ele se referiu a um recondicionamento sensori-<br />
al e mental, que então se delineava; e muito disse de altera-<br />
ções em curso que logo afetariam nossos hábitos de percep-<br />
ção, nossos métodos de pensamento e as linguagens de que<br />
fazemos uso. Em processo de mudança estava também a relati-<br />
va acuidade de nossos sentidos elementares e, com eles, nos-<br />
sos valores estéticos. Ao menos em parte, estas transforma-<br />
ções ocorreriam subliminarmente, alojando-se em nosso sub-<br />
consciente; assim, somente quando, por obra e graça de uma<br />
tecnologia de inclinação prometeica, viessem a se tornar am-<br />
biência, isto é, a compor o espaço de um ambiente físico e psi-<br />
cológico (e, por esta via, estético) propício a toda espécie de<br />
práticas humanas e relações socioculturais. Somente aí tería-<br />
mos delas algum grau de consciência. “Mind your media men!”<br />
era a advertência que ele repetidamente fazia: necessitamos<br />
compreender o ambiente em que estamos imersos, se desejar-<br />
mos exercer sobre ele algum controle. O mestre canadense da<br />
comunicação procurou mostrar (e demonstrar) que a forma<br />
de sairmos do maelström (“a tremendous vortex of power”, em su-<br />
as palavras) em que nos encontramos (causado pela ação inin-<br />
terrupta de uma ambiência midiática) e nos apercebermos como<br />
as tecnologias modificam profundamente nossa cosmovisão e<br />
nosso “sentimento do mundo”, pode dar-se por uma convi-<br />
vência íntima com a arte e a arte literária, além de uma filoso-<br />
fia da cultura. O artista, o poeta/escritor e o animador cultu-<br />
ral, com sua excepcional sensibilidade, são os únicos que con-<br />
seguem perceber e captar mudanças introduzidas em nosso<br />
meio ambiente (físico, psicossocial e cultural), no qual vêm<br />
44
ocorrendo rápidas e repetidas transformações. Marshall<br />
McLuhan se esmerava em citar, além de James Joyce, críticos e<br />
teóricos da literatura moderna tais como Thomas S. Eliot (Lon-<br />
dres, 1888-1965) e Ezra Pound (EUA, 1885 - Itália, 1972), bem<br />
como poetas da estirpe de Charles Baudelaire (França, 1821-<br />
1867), com seus “poemas em prosa”, e Arthur Rimbaud (Fran-<br />
ça, 1894-1991), o jovem poeta do decadentismo de fins do sécu-<br />
lo XIX, mestre do artifício literário. Interessou-se muito pela<br />
obra de William B. Yeats (1865-1939), escritor e poeta irlandês<br />
que se notabilizou por seu patriotismo, seu idealismo românti-<br />
co e sua imaginação fantasiosa. De um modo ou de outro, a<br />
todos estes autores caracterizam uma feição moderna, a afir-<br />
mação literária de sua identidade nacional, a capacidade criati-<br />
va e a visão crítica de um novo tempo pelo viés da arte, tendo<br />
a expressão metafórica como veículo de causa eficiente.<br />
McLuhan apreciaria a pop art — dimensão ético-estética da<br />
cultura pop, da qual, em seu tempo, ele próprio foi figura em-<br />
blemática — a ela creditando os contornos artísticos dados a<br />
uma miríade de objetos que integravam a ambiência trazida e<br />
fomentada pelas indústrias da cultura. O meio (a “massagem<br />
psíquica”) portava e informava a mensagem, uma vez chega-<br />
do o momento histórico da “massa média” 2 , McLuhan reite-<br />
____________________<br />
2 A exemplo de James Joyce, Marshall McLuhan apreciava jogos de palavras. Fazendo deslizar o significante (sensível)<br />
sobre si mesmo, obtinha um significado (inteligível) novo, poeticamente elaborado e filosoficamente procedente. O<br />
mote “The medium is the message” (o meio é a mensagem) desdobrava-se em “The medium is the massage” (o meio é<br />
a massagem [psíquica]) e “The medium is the mass age” (o meio chega ao tempo da massa); enfim, “The medium is the<br />
mess age” (o meio é a era da balbúrdia), talvez em premonitória visão de um mundo ciberpunk ou o advento de uma<br />
idade de “desreferencialização” generalizada, à qual se vem chamando de Pós-Modernidade.<br />
rava que, por sua presença e, sobretudo, por sua ação conti-<br />
nuada, a mídia — a televisão em plano de destaque — influ-<br />
encia a cultura, conforma o comportamento social, informa a<br />
experiência dos fatos do mundo, altera a percepção pelos<br />
sentidos elementares e dita estratégias de conhecimento. As<br />
três “idades da humanidade”, a que se referia, contemplam<br />
e consagram a prevalência de um dado meio de comunica-<br />
ção, tendo seu início na transmissão de boca a ouvido da cul-<br />
tura oral e passando à era da alfabetização e do impresso;<br />
aparece, enfim, a mídia eletrônica, impulsionada pela indus-<br />
trialização, o capitalismo de mercado e conquistas tecnológi-<br />
cas alcançadas no último século, além da informatização cres-<br />
cente. Ela ocupa hoje o proscênio, em virtude de numerosos<br />
gadgets (equipamentos ou dispositivos de uso cotidiano que<br />
contam com múltiplas funções) e aplicativos. A internet e as<br />
conhecidas mídias sociais tornaram o mundo pequeno, im-<br />
primindo velocidade à vida social, ao abolir na prática as co-<br />
ordenadas tradicionais de espaço e tempo. A virtualidade<br />
em voga substituiu a realidade, tal como a conexão (múlti-<br />
pla, variada, instantânea) veio ocupar o lugar que um dia foi<br />
do contato (real, experiencial, vivido). Triunfo da mediação<br />
obtido por uma, ao que parece, definitiva midiação, sempre e<br />
cada vez mais “natural”, “necessária” e, assim, consentânea.<br />
45
Eletricidade é informação<br />
Tal como sucedeu com a descoberta e o uso do fogo, operan-<br />
do uma mediação entre o ser humano e o meio natural, a des-<br />
coberta e o uso da eletricidade vieram mediar uma nova rela-<br />
ção do homem a seus espaços culturalmente instituídos e<br />
demarcados. 3 Uma nova luz, em acepção literal e figurada. A<br />
eletricidade é triunfo e trunfo técnicos, alcançados pelo des-<br />
envolvimento da física, tal como se deu no curso do século<br />
XIX. O notável avanço obtido com (e pela) conquista, por<br />
exemplo, da luz artificial consumou-se ao fim de pouco mais<br />
de um século, uma vez que entre 1830 e 1850 o que se conhe-<br />
cia, nas principais cidades europeias e nos EUA, era a ilumi-<br />
nação a gás: imprecisa, bruxuleante e invariavelmente cre-<br />
puscular. Entre 1930 e 1950, a par de outros avanços da ele-<br />
trotécnica, o emprego de lâmpadas a vapor de mercúrio e tu-<br />
bos fluorescentes proporcionou a interiores uma luz branca,<br />
abundante e uniforme, a qual, sob alguns aspectos, admitia<br />
honrosas comparações à luz solar.<br />
Em um de seus muitos vislumbres, Marshall McLuhan deu a<br />
entender que um meio afeta a sociedade em que (como um<br />
ator dramático) atue; não o faz, porém, por seu conteúdo even-<br />
tual, senão por suas características tecnológicas, em sua primá-<br />
ria condição de canal e, logo depois, de ambiência. A invenção<br />
____________________<br />
3 “Today, after more than a century of electric technology, we have extended our nervous system itself in a global embrace,<br />
abolishing both space and time as far as our planet is concerned”. (Marshall McLuhan, Understanding Media. New York,<br />
McGraw-Hill, 1964 p. 28.<br />
da lâmpada elétrica 4 serviu a uma esclarecedora explicação:<br />
ela não dispõe de conteúdo — tal como um jornal traz artigos<br />
e a televisão oferece programas — mas, ainda assim, consti-<br />
tui-se em meio de grande efeito social. Ao cair da noite, uma<br />
lâmpada acesa permite que sejam criados novos espaços; sem<br />
ela, a escuridão envolveria a mente em trevas ancestrais, em<br />
todas as acepções desta expressão.<br />
A luz elétrica fazia bem mais do que completar ou substituir a<br />
iluminação natural, vindo mesmo a suplantá-la. Conquista téc-<br />
nica de grande importância para a civilização ocidental, distin-<br />
guia-se por ser regulável e, mediante variações controláveis,<br />
produzia efeitos; satisfazia ainda a um bom número de requi-<br />
sitos referentes, por exemplo, à iluminação de interiores, bene-<br />
ficiando a projetos arquitetônicos. Construídos com a impres-<br />
cindível assistência dos computadores, não serão nossas edifi-<br />
cações, literal e metaforicamente falando, “extensões” de nós<br />
mesmos? O controle da luz (natural e artificial) é comparável<br />
ao diafragma ocular; elevadores e andares vêm em auxílio a<br />
nossas pernas, em percursos que fazemos no interior de um<br />
prédio, que nos envolve ainda como ambiente.<br />
De fins do século XIX a meados do século XX, a eletricidade já<br />
se vinha impondo como meio técnico ideal para a transmissão<br />
____________________<br />
4 “The light bulb creates an environment by its mere presence”, disse certa vez em uma de suas exposições no Centrer<br />
for Culture and Technology da Universidade de Toronto. Esta proposição viria reafirmar a tese de que “o meio é a<br />
mensagem”, isto é, as qualidades características de um dado meio produzem tanto efeito quanto a informação que,<br />
por seu canal, se transmite.<br />
46
da informação. A história de seu emprego para tal finalidade ofe-<br />
rece marcos notáveis, ressaltando-se a invenção do telégrafo<br />
por volta de 1850; do telefone, entre 1850 e 1880; da transmis-<br />
são hertziana, ao redor de 1900; do rádio, na década de 20 do<br />
século passado; e da televisão, entre 1940 e 1960. Estendia-se o<br />
alcance dos sinais, fossem eles portadores da voz humana ou da<br />
imagem do homem e, por via de consequência ,do “homem<br />
imaginário”, proposto pelo cinema. Anunciava-se uma “telepre-<br />
sença”, algo que somente se concebia como ficção científica e<br />
que, em nosso tempo, tornou-se inteiramente factível pelo re-<br />
curso a uma tecnologia chamada “ponte holográfica”, em que<br />
pessoas, localizadas em pontos distintos, conversam ao vivo<br />
como se estivessem partilhando um só e mesmo ambiente.<br />
Marshall McLuhan observou que não seria possível compre-<br />
ender inteiramente a natureza e a influência exercida pela mí-<br />
dia eletrônica, fosse a televisão, fosse o rádio (e, hoje, telefo-<br />
nes celulares, computadores etc.) sem se aperceber e entender<br />
bem a natureza da eletricidade. Potencialmente perigosa em<br />
seu manejo, a eletricidade, como a mídia em si mesma, em<br />
seu ser ou em sua natureza é serventia, pois permite cone-<br />
xões. Uma nuvem de chuva se conecta à terra na forma fulgu-<br />
rante de um trovão, forte descarga elétrica na atmosfera. A cor-<br />
rente elétrica que chega por um fio instalado conecta a lâmpa-<br />
da de uso doméstico a um polo de energia, fazendo supor a<br />
conexão a uma rede e esta, a atividades de uma concessioná-<br />
ria de luz — em cadeia ou a exemplo de um jogo de dominós.<br />
Considerando-a, portanto, como prodígio técnico, a importân-<br />
cia da eletricidade em plano sociocultural poderá ser estima-<br />
da tanto por seu alcance quanto pela amplitude das mudan-<br />
ças que promoveu. Semanticamente, “elétrico” significará “de<br />
modo muito rápido”; em adaptação metafórica, servindo à<br />
descrição de uma personalidade, dirá “brilhante”, além de<br />
“agitado” e “nervoso”. “Moderno” e “dinâmico”, enfim.<br />
Na “era mecânica”, ação e reação não se correspondiam em<br />
referência ao curso do tempo; respostas chegavam lentamen-<br />
te, desencorajando todo envolvimento emocional. Na “era ele-<br />
trônica”, estendemos o sistema nervoso central à escala do pla-<br />
neta, abolindo as coordenadas de tempo e espaço, uma vez<br />
que ações e reações passaram a acorrer em simultaneidade. A<br />
extensão tecnológica de nosso self — a esquina do eu com o<br />
mim — nos comove e mobiliza no sentido de uma intensa par-<br />
ticipação em ocorrências havidas em qualquer parte de nossa<br />
“casa planetária”.<br />
Ao comparar a energia elétrica ao sistema nervoso central 5 ,<br />
McLuhan desvelou sua função unificadora no que tange à experiência<br />
humana e social. A energia elétrica faz bem mais do<br />
que iluminar; seu uso continuado promove alterações em no-<br />
____________________<br />
5 O sistema elétrico que nos habita chama-se sistema nervoso, ao qual compete conectar cada parte de nosso organismo<br />
a todas as demais. Por este sistema circula nossa auto percepção, nosso conhecimento interior, a atenção que a nós mes-<br />
mos damos. Ficamos sabendo do que se passa conosco e em torno a nós. Se, portanto, admitirmos que sistemas elétricos<br />
de qualquer espécie ponham coisas em contato e, assim fazendo, proporcionem formas de apreensão (veja-se o significa-<br />
do de “tomada”), não ficaremos surpresos em constatar que a mídia eletroeletrônica de nosso tempo — a internet em<br />
primeiro plano — põe efetivamente em risco a manutenção da privacidade individual. Esta situação tende a agravar-se,<br />
porque tal apreensão e a conectividade dependente da energia elétrica encerram, por sua natureza, um ímpeto de difícil<br />
contenção. Uma e outra existem para burlar defesas, vencer resistências, transpor fronteiras e analisá-las por completo.<br />
47
ções bem conhecidas e há muito estabelecidas, modificando,<br />
desta maneira, o complexo psicossocial e cultural humano.<br />
Processos de automação tendem potencialmente a introduzir<br />
modificações no mundo que um dia conhecemos, ao qual distingue<br />
a fragmentação trazida por procedimentos de mecanização.<br />
Letrado e habituado, pela ordem alfabética, a sequenciamentos,<br />
o homem da virada do último século já é tido<br />
por “criatura complexa” por definição; aos poucos, vem formando<br />
uma consciência planetária, porque, com os empreendimentos<br />
da mundialização, adquiriu a condição de “habitante<br />
da aldeia global”. Com a popularização das mais recentes<br />
tecnologias eletroeletrônicas — telefonia móvel, transmissão<br />
de TV em alta definição, redes wi-fi, conexão 3G e aparelhos<br />
(por-)táteis de comunicação digital — campos eletromagnéticos<br />
(de baixa e alta frequências) integram, de fato e de direito, domínios<br />
de nossa vida cotidiana, tornando-os, com seus (e os nossos)<br />
toques, um pouco mais “agitados”. Afinal, temos o mundo na<br />
palma da mão ou na ponta dos dedos. Um mundo literalmente<br />
digital, escolhido a dedo.<br />
Isto sucede porque, enlaçando funções sociais e políticas, e<br />
tantas vezes as implodindo ou provocando seu colapso interi-<br />
or, a velocidade da energia elétrica 6 e sua consumação tecnoló-<br />
gica expandiram a percepção e elevaram a consciência huma-<br />
na. O tradicional “ponto de vista”, com sua conhecida aptidão<br />
para separar e pôr em destaque, tornou-se obsoleto, cedendo<br />
o passo à “imagem total”, pregnante, impactante, configurada<br />
____________________<br />
6 “Electricity does not centralize, but decentralizes. It is like the difference between a railway system and an electric grid system: the one<br />
requires railheads and big urban centers. Electric power, equally available in the farmhouse and the Executive Suite, permits any place to<br />
be a center, and does not require large aggregations”. (Marshall McLuhan, Understanding Media).<br />
em forma e fundo como totalidade organizada, indivisível.<br />
Em sua magnífica inteireza, sua unidade e sua fina confecção,<br />
ela é tecnologicamente dotada; com isto, suscita simpatia e in-<br />
cita a uma tomada de consciência, de modo a mobilizar cama-<br />
das profundas do psiquismo humano.<br />
O título de uma das obras paradigmáticas de McLuhan —<br />
que, de certo modo, inaugura um campo de investigações<br />
que a posteridade poderá denominar Estudos Mediais — é<br />
Understanding Media: The Extensions of Man. Nele o teórico<br />
da escola canadense de comunicação delineia uma teoria<br />
geral da tecnologia, pela qual toda tecnologia — e não so-<br />
mente a eletroeletrônica — prolonga aspectos e característi-<br />
cas da fisiologia humana. Esta tomada de posição habilitou<br />
o autor a empreender uma pesquisa exploratória, na qual o<br />
circuito elétrico inteiro e todas as coisas que a ele ligamos<br />
(e com ele ligamos) representam acréscimos ao nosso siste-<br />
ma nervoso: “all technologies extend and enhance the natural<br />
physiological capacities of the human beings who create them”.<br />
Eis porque entender (os mecanismos de funcionamento da)<br />
mídia eletroeletrônica requer conhecimento prévio do que<br />
é e como opera o circuito elétrico. As tecnologias anteriores<br />
à era do eletrônico eram parcelares e fragmentadas; a eletri-<br />
cidade é totalizadora e inclusiva.<br />
Marshall McLuhan não pôde prever ou antecipar o momen-<br />
to histórico em que, em todo o planeta, com a popularização<br />
do hipertexto e a popularidade da internet e seus mecanis-<br />
48
mos de busca, ocorreu um sensível aumento da velocidade<br />
do fluxo da informação (vetor energético) produzido e propa-<br />
gado graças à eletricidade.<br />
Em linha com as proposições de McLuhan, enuncia-se aqui<br />
um princípio: eletricidade é conectividade; correlativamen-<br />
te, interconexões ou apreensões de ordem sensorial com-<br />
põem parte substancial da mensagem... da eletricidade.<br />
Explorando domínios da comunicação<br />
Explorations foi o título de uma revista, publicada entre os<br />
anos de 1953 e 1959, no Canadá. Em fins de 1960, algumas<br />
de suas edições circularam como encarte da revista Varsity<br />
Graduate, publicação oficial da Universidade de Toronto. Ver-<br />
sando temas de comunicação, seus destaques iam para inte-<br />
lectuais, estudiosos e professores atuantes em domínios<br />
como antropologia, arte e linguagem da poesia, além de ou-<br />
tros mais. Seus editores eram Edmund Carpenter e Marshall<br />
McLuhan. Naquela mesma década, no ano de 1966, a editora<br />
americana Beacon Press, em sociedade com a canadense<br />
Saunders of Toronto Ltd. publicaria a antologia Explorations<br />
in Communication, sob a supervisão editorial de Carpenter e<br />
McLuhan. Partilhavam ambos os ideais nativistas afirmati-<br />
vos de Harold Innis (Canadá, 1894-1952).<br />
Este volume, eminentemente ensaístico, explorava distintas<br />
gramáticas e linguagens dos meios de comunicação, tais<br />
como as da imprensa e da televisão, dando merecido relevo<br />
a “movimentos exploratórios” de assuntos como a comunica-<br />
ção não verbal, a comunicação tátil, o espaço acústico, as tra-<br />
dições da oralidade e da era da escrita; abordava também<br />
questões das disciplinas linguísticas e literárias — sem distin-<br />
guir língua de literatura — bem como modos lineares e não<br />
lineares de comunicação da realidade. Sob a inspirada batu-<br />
ta de seus editores, o livro traduzia esforços e muito empe-<br />
49
nho em demonstrar que todas as revoluções operadas em<br />
processos de formação e difusão de ideias, assim como de<br />
sensações e sentimentos, haviam tido o condão de modificar<br />
não somente as relações humanas, senão também padrões de<br />
expressão de todas as formas existentes de sensibilidade. En-<br />
tre outros “resultados exploratórios”, dados a conhecer, figu-<br />
rava a advertência quanto à ignorância generalizada acerca<br />
do papel desempenhado pela literacy (“letramento”) na for-<br />
mação psicossocial e cultural do homem do Ocidente; afirma-<br />
va-se igualmente a necessidade de se proceder a um reexa-<br />
me inovador da posição central ocupada pela mídia eletroele-<br />
trônica, em particular no que respeitasse à constituição de<br />
uma escala de valores filosóficos e socioculturais. Compon-<br />
do ambiências, letramento e revolução midial da era eletrôni-<br />
ca deixavam-se assinalar por sua “permeabilidade” e sua<br />
“capacidade de penetração” (pervasiveness), tornando-se vir-<br />
tualmente invisíveis e, assim, pouco passíveis de investiga-<br />
ção científica apurada, melhor dizendo, “exploratória”. Nes-<br />
te sentido, para levar a bom termo a “atividade de explora-<br />
ção”, seria preciso tomar, metaforicamente, uma mídia por<br />
outra, abordando-se então a imprensa pela ótica da mídia<br />
eletrônica ou se estudando a televisão por meio de uma vi-<br />
são analítica da imprensa. Com a comutação operada de<br />
uma configuração linear a outra em forma de feixe, o letra-<br />
mento entrou em declínio no âmbito da educação e na estru-<br />
tura social da Modernidade, posto que que o principal incen-<br />
tivo dado ao ensino da leitura, de par com o desenvolvimen-<br />
to de uma alta cultura letrada, residia em sua propalada rele-<br />
vância para todo e qualquer projeto individual a realizar-se.<br />
Desponta aqui, em filigrana, o educador Marshall McLuhan,<br />
a quem inquietava o fato de que, à sua época, os conceitos<br />
utilizados para a análise das mídias eram ainda de extração<br />
literária, limitando-se a “análises de conteúdo” nutridas por<br />
uma sociologia de pertinência duvidosa. Em qualquer caso,<br />
eram débeis ou inexistentes os vínculos à nova configuração<br />
da mídia eletroeletrônica. McLuhan faria uma proposição pa-<br />
radoxista, qual fosse a da “ignorância organizada” 7 . Reco-<br />
mendava pôr de lado as especializações, estritas (e, portanto<br />
estreitas), que fazem uso de um conhecimento disponível,<br />
jogando intenso feixe de luz (light-on) sobre algo que se mos-<br />
tra opaco; há então de haver insistência obstinada em lançar<br />
outro feixe luminoso, que se dê através (light-through) do ob-<br />
jeto em questão. Sob este aspecto, a televisão diferirá da foto-<br />
grafia e do cinema pelo fato capital de sua imagem chegar a<br />
nós através de um cinescópio. O que então se pode denomi-<br />
nar “modo de comunicação atravessado” requer iluminação<br />
total proveniente do interior (os bilhões de minúsculos pon-<br />
tos catódicos do cinescópio tradicional) e, assim, diametral-<br />
mente oposta ao modo analítico da tradição literária, que<br />
considera uma coisa por vez. Simultaneidades (all-at-once-<br />
ness) e não mais unidades linearmente dispostas em sequên-<br />
___________________<br />
7 “If you beam knowledge at a new situation, you find it is quite opaque; if you organize your ignorance, tackling the<br />
situation as an over-all project, probing all aspects at the same time, you find unexpected apertures, vistas,<br />
breakthroughs”.(Op. cit. pág. X).<br />
50
cias, que James Joyce chamou “ABCD-mindedness”, oferecem<br />
a garantia de que não haverá fraturas, fissuras ou fragmenta-<br />
ções no campo da percepção humana, bem ao feitio do que<br />
se havia estipulado como meta artística, cultural e científica<br />
em Explorations in Communication.<br />
Herbert Marshall McLuhan conhecia retórica e tinha apreciá-<br />
veis dotes de orador. Estava seguro do impacto e da ressonân-<br />
cia da comunicação dramática, aprendida com sua mãe Elsie,<br />
mulher culta, atriz e diseuse de poesia. Donde suas conhecidas<br />
sound-bites (“formulações breves e altissonantes”), as quais,<br />
verbalmente bem elaboradas, ele acrescentava doses de um<br />
humor algo irônico, temperando-as com pitadas de um exage-<br />
ro expressivo que beirava a hipérbole. Não ficará aqui desloca-<br />
da, portanto, uma breve digressão filológica.<br />
Tal digressão poderá demonstrar que a língua inglesa fixa<br />
uma distinção semântica entre os verbos to explore e to exploit,<br />
conferindo a este último o significado pouco abstrato de “fa-<br />
zer uso de recursos de uma região, um país etc.” ou, pejorati-<br />
vamente, “usar uma pessoa para satisfazer propósitos egoís-<br />
tas”; “aproveitar-se de alguém para atingir finalidades própri-<br />
as”. Quanto a to explore, seu étimo é o latim ex-plorare (“grito<br />
alto dado por caçadores ao localizar presas de caça”). Sincroni-<br />
camente, to explore diz o mesmo que to search out (“lançar-se a<br />
uma busca”), especializando-se to explore em “to look wisely<br />
and carefully”. 8 Por extensão de significado, tem-se “viajar por<br />
um território com o propósito de conhecê-lo”; acessoriamente,<br />
“proceder a um exame atento, com a finalidade de detecção<br />
de problemas e possibilidades”; “inquirir com seriedade”. To<br />
explore subsume as funções de “explorar riquezas”; “investi-<br />
gar sistematicamente” ou “escrutinar criativamente”. Quer<br />
também dizer “prospectar (coisas úteis ou valiosas)”. Há ain-<br />
___________________<br />
8 In Collins Thesaurus of the English Language. New York: Harper-Collins, 2002.<br />
51
da um sentido médico especializado, que é o de “examinar<br />
para (se) chegar a um diagnóstico”.<br />
Pense-se um instante em browsers como o antigo Netscape e o<br />
conhecido Internet Explorer. Seus nomes lembram ou não<br />
uma viagem espacial ou, com maior precisão, uma exploração<br />
de espaços virtuais? Em inglês, um explorer viaja, desloca-se<br />
daqui para ali (travels around) ou dá um giro ou uma volta<br />
(tours), inspeciona ou observa do alto (algo) em seu conjunto<br />
(surveys), com uma preocupação eminentemente heurística,<br />
isto é, ocupando-se com descobertas. O Explorer 1 terá sido o<br />
primeiro satélite artificial terrestre lançado ao espaço pelos<br />
EUA, em 31 de janeiro de 1958.<br />
“I may be wrong, but I’m never in doubt”. Com este dístico, Marshall<br />
McLuhan estava dizendo que a si próprio não concedia os<br />
benefícios da dúvida. Desassombrado, corajoso e assertivo, foi<br />
um explorer 9 como poucos haverá, por seu pendor aventuresco<br />
(jamais aventureiro) e a generosidade intelectual, além da magnanimidade,<br />
uma e outra prerrogativas dos homens de espírito,<br />
no sentido que, na França, se dá a esta expressão. Viajante<br />
mercurial e, a seu modo, andarilho e alpinista, além de marinheiro<br />
como o personagem de Edgar Allan Poe, Marshall<br />
McLuhan subiu colinas, chegou a cumes e desceu a cavernas<br />
da comunicação teórica; jamais demonstrou incômodo ou cansaço<br />
em percorrer planícies ou subir em direção a um planalto.<br />
___________________<br />
9 A este respeito, é particularmente instrutivo o livro de Carlos F. Collado e Roberto H. Sampieri, Marshall McLuhan,<br />
el explorador solitário. (Mexico: Grijalbo, 1995).<br />
Aventurou-se em mares sem dispor de cartas náuticas, tendo<br />
conseguido sobrenadar onde outros afundaram. Internauta<br />
avant la lettre, era cioso de sua condição de viajor destemido, fugindo<br />
de sendas batidas apontadas por guias de turismo convencional<br />
ou à la mode, para acolher o imprevisto ou ir ao encontro<br />
do inesperado. Parecia gostar de mostrar-se em flashes, oferecer<br />
insights pela clareza instantânea de sua mente e, bem ao gosto<br />
de sua época, dar aulas como se de um happening — a intervenção<br />
festiva e descontraída ou a representação teatral improvisada,<br />
solicitando a participação ativa dos circunstantes — se<br />
tratasse, para nada dizer da “tempestade de ideias”, técnica à<br />
qual amiúde recorria.<br />
Em tudo e por tudo distintas dos relatórios de pesquisas (uni-<br />
versitárias) contemporâneas, suas explorações, de porte filosófi-<br />
co e cariz multidisciplinar, representaram um exercício de sen-<br />
sibilidade aguda ao que emergia como novo, exigindo um<br />
novo modo de pensar. McLuhan as tinha na conta de um au-<br />
têntico “campo de provas” ou uma “área de manobras”; ja-<br />
mais, porém, uma “zona de conforto”.<br />
Por fim, mas não menos importante, explorer, como substanti-<br />
vo, designa um instrumento ou ferramenta usado para (uma)<br />
exploração; tem, por sinônimo, probe.<br />
52
Probes<br />
A exploração filosófica se associa à investigação filológica para<br />
elucidar “de dentro” o que se oculta sob a pele das palavras.<br />
Oriundo do latim probare (“provar” ou “aprovar mediante<br />
teste”), probe diz respeito a uma ação exploratória, a uma “expedição<br />
ou incursão que se destinem a coletar informações<br />
acerca de uma região remota ou desconhecida”. O mesmo<br />
substantivo serve também para nomear a “sonda cirúrgica”.<br />
To probe significa “sondar”, no sentido de “explorar”, “investigar”<br />
ou “fazer uma sindicância”; donde, “inquirir” e mesmo<br />
“esmiuçar”. Quando dizia “I´m probing (this or that)”,<br />
McLuhan fazia referência à condução de uma busca de caráter<br />
exploratório (para eventual estabelecimento dos fatos),<br />
uma perquirição. 10 É este também o significado de probe no<br />
jargão jornalístico dos EUA.<br />
Em suas estratégias de reflexão e de expressão de seu pensamento,<br />
McLuhan elegeu o aforismo 11 — daí talvez o epíteto de<br />
____________________<br />
10 The Probes é hoje marca de um produto do Nova Scotia College of Art and Design,no Canadá, que abriga arqui-<br />
vos originais (em formato PDF) em regime de comodato com The Herbert Marshall McLuhan Foundation, detentora<br />
dos direitos eletrônicos da obra do eminente teórico canadense da comunicação.<br />
11 Substantivo derivado do verbo grego antigo aphoricsein (“definir”; “estabelecer limites”), aforismo quer dizer “decla-<br />
ração”, “frase curta e concisa”, veiculada pela tradição (cultural, literária, jurídica, filosófica) e corrente em “praça públi-<br />
ca” ou “fórum”, no intento de exprimir um princípio (“algo que é como é por princípio”). Com o aforismo, pode-se<br />
expressar uma verdade que se pretenda incontrastável. Caracterizam-no o modo categórico, terminante e irretorquí-<br />
vel que marcam sua forma e demarcam seu conteúdo. Textos econômicos, sucintos e mesmo lacônicos, em construção<br />
frasal paratática (orações absolutas e frases autoexplicativas), aforismos convêm a um estilo fragmentário e assistemáti-<br />
co na escrita filosófica, relacionando-se ainda a uma reflexão de natureza prática ou moral, dadas a sua admissível perti-<br />
nência e sua evidente incisividade. Da Antiguidade aos tempos modernos, filósofos da estatura de F. Nietzsche (Alema-<br />
nha, 1844-1900), L. Wittgenstein (Viena, 1889-Cambridge, 1951) e M. Heidegger (Alemanha, 1889-1976), recorreram a<br />
aforismos (frases lapidares) para substanciar suas proposições filosóficas. E obtiveram o mesmo grande sucesso.<br />
“oráculo da era eletrônica” — como forma simples de linguagem,<br />
com a qual pudesse dar a conhecer porções (bits/bites) de<br />
informação, dar curso à sua percepção expandida, exercitar sua<br />
inteligência ou fazer valer seu talento lítero-filosófico. Marshall<br />
McLuhan fez manejo apto desta forma metafórica de expressarse,<br />
na qual reconhecia, em sua face interna, um elemento intuitivo,<br />
às vezes mesmo irracional, mesmo sob a aparência de uma<br />
construção sintática rigorosamente estruturada. A inspiração e<br />
o bom humor que invariavelmente o assistiam, permitiam a<br />
McLuhan imprimir a seus probes, como aforismos, uma tensão<br />
entre um polo de natureza lógica e outro de ordem ético-estética,<br />
deixando entrever um intuito prospectivo e uma intenção<br />
pedagógica. 12 Em nada aleatórios e, menos ainda, ingênuos —<br />
engenhosos, certamente — os “mcluhanismos” (para os mais<br />
críticos, “mcluhanices”) valem por uma surpreendente coleção<br />
de juízos bem definidos, de proveniência abdutiva (pela descontextualização),<br />
recorte metafórico e alinhavo feito sob a impressão<br />
desconcertante causada pelo paradoxo.<br />
O pensador canadense da comunicação e da mídia preferiu o<br />
aforismo ao argumento de cátedra; a enunciação da hipótese<br />
sedutora à da tese sisuda. Seus quips (“tiradas”) e wittcisms<br />
(“comentários denotativos de grande presença de espírito,<br />
que se caracterizam pela capacidade de percepção e a escolha<br />
de palavras”) revelam-no por inteiro. Agudeza teórica, complexidade<br />
filosófica e simplicidade na expressão final; convocação<br />
dos sentidos elementares, em sinestesia; e referência alusiva<br />
a sentidos intelectualmente estabelecidos<br />
____________________<br />
12 Marshall McLuhan e David Carson publicaram The Book of Probes, (Gingko Press, 2003), tendo como editores Eric<br />
McLuhan e William Kuhn. Compõem também o volume comentários feitos por Eric McLuhan e W. Terrence Gordon.<br />
53
Para constar, segue-se a transcrição, em língua portuguesa, de<br />
alguns probes de Herbert Marshall McLuhan.<br />
‣“Somente os pequenos segredos precisam de proteção.<br />
As grandes descobertas são protegidas pela incredulidade<br />
do público”.<br />
‣“Com o telefone e a TV, não é tanto a mensagem, mas sim o<br />
mensageiro, que está sendo enviado”.<br />
‣“O dinheiro vivo é o cartão de crédito do pobre”.<br />
‣“Olhamos para o presente por um espelho retrovisor. Va-<br />
mos de ré para o futuro”.<br />
‣“Você quer dizer que minha falácia inteira está errada!”<br />
‣“A lama às vezes dá a ilusão de profundidade.”<br />
‣“O carro se tornou a carapaça, a concha protetora e agres-<br />
siva do homem da cidade”.<br />
‣“O problema da educação especializada e barata é que<br />
você nunca para de pagar por ela.”<br />
‣“As pessoas, na verdade, não leem os jornais. Elas entram ne-<br />
les toda manhã, como num banho quente”.<br />
‣“Hoje em dia todos nós vivemos muitos séculos em<br />
uma década”.<br />
‣“O grande negócio dos negócios está se tornando hoje a<br />
constante invenção de novos negócios”.<br />
‣“Quando você está ao telefone, você não tem corpo”.<br />
‣“O amanhã é o nosso endereço fixo”.<br />
‣“As respostas estão sempre contidas nos problemas,<br />
e não fora deles”.<br />
‣“Esta informação é de segurança máxima. Quando a tiver<br />
lido, autodestrua-se”.<br />
‣“Os homens na fronteira do tempo ou do espaço abandonam<br />
suas identidades prévias. A vizinhança confere identidade. As<br />
fronteiras a roubam”.<br />
‣“A ignorância quanto ao uso do conhecimento cresce<br />
exponencialmente”.<br />
‣“A nova mídia não é a forma como nos relacionamos com<br />
o ´velho´ mundo. Ela é o novo mundo e remodela o que ain-<br />
da resta do velho”.<br />
‣“Os efeitos da nova mídia em nossas vidas sensoriais são<br />
comparáveis aos efeitos da nova poesia. Eles não mudam<br />
os nossos pensamentos, mas a estrutura do nosso mundo”.<br />
Eis o homem: Herbert Marshall McLuhan, quintessencial!<br />
54
Referências<br />
CARPENTER, Edmund e MCLUHAN, H. Marshall (editores). Explorations<br />
in Communication. Boston (MA): The Beacon Press, 1960.<br />
COLLADO, Carlos F. e SAMPIERI, H. Marshall McLuhan, el explorador<br />
solitário. Mexico: Grijalbo, 1995.<br />
IRVING, John A. (editor). Mass Media in Canada. Toronto: The Ryerson<br />
Press, 1962.<br />
LORIMER, Rowland e MCNULTY, Jean. Mass Communication in<br />
Canada. Toronto/New York/ Oxford: Oxford University Press,<br />
1996.<br />
MCLUHAN, Herbert Marshall e CARSON, David. The Book of Probes<br />
(Editado por Eric McLuhan e William Kuhns). Berkeley (CA):<br />
Ginkgo Press, 2003.<br />
MCLUHAN, Herbert Marshall. Understanding Media: the Extensions<br />
of Man. New York: McGraw-Hill, 1964.<br />
_________. Verbi-voco-visual Explorations. New York: Something Else<br />
Press, 1967.<br />
ROSENTHAL, Raymond. McLuhan Pro&Con.: New York: Funk&Wagnalls,<br />
1968.<br />
55
McLuhan e as extensões<br />
RODRIGO MIRANDA BARBOSA<br />
DOUTORANDO EM COMUNICAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA<br />
BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL, BRASIL<br />
RMBDESIGN@GMAIL.COM<br />
Resumo<br />
O artigo pretende chamar a atenção para o esquecido conceito de<br />
extensões utilizado por McLuhan e outros autores, apresentando o<br />
seu início e as problemáticas que envolvem discutí-lo, como a rela-<br />
ção homem e máquina, biológico e tecnológico, o conceito de tecno-<br />
logia e a busca de uma melhor definição do conceito de extensões.<br />
Palavras chave<br />
McLuhan, tecnologia, extensões do humano, Ernst Kapp<br />
56
Meu tema principal é a extensão do sistema nervoso na<br />
era elétrica, e assim, a ruptura completa com cinco mil<br />
anos de tecnologia mecânica. Isso eu declaro e repetida-<br />
mente. Eu não digo se é uma coisa boa ou ruim. Fazê-lo<br />
seria inútil e arrogante. (McLuhan, 1987, p. 300) 1<br />
Marshall McLuhan, o literato canadense que se tornou um<br />
dos maiores nomes sobre os estudos dos meios de comunica-<br />
ção e seus efeitos, alcançou seu sucesso estrondoso com o li-<br />
vro Understanding Media: the extensions of man em 1964. É de<br />
se esperar que a concepção de meios de comunicação en-<br />
quanto extensões do homem seja então um ponto fundamen-<br />
tal para a discussão do trabalho deste autor.<br />
Apesar dessa aparente importância pouco se discutiu sobre<br />
uma concepção tão abrangente que envolve filosofia da tec-<br />
nologia, antropologia da tecnologia, o conceito de técnica e<br />
de meios de comunicação, isso para elucidar apenas algu-<br />
mas problemáticas possíveis.<br />
Ainda assim, parece-nos que a sua simples expressão encerra<br />
o debate, sofrendo de um processo de naturalização que pou-<br />
cos ousam questioná-lo. É também enganoso pensar este des-<br />
prezo pelo conceito se deu apenas por aqueles que não se<br />
aprofundaram nos estudos de McLuhan. Um dos exemplos<br />
mais emblemáticos é o de W. Terrence Gordon que no glossá-<br />
rio produzido para a versão crítica do livro Understanding Me-<br />
dia: the extensions of man (2003) e no índice remissivo da biogra-<br />
____________________<br />
1 Tradução livre. Trecho de carta enviada para o jornalista canadense Robert Fulford em 1 de Junho de 1964.<br />
fia Marshall McLuhan: Escape Into Understanding (1997) escrita<br />
pelo mesmo autor, o termo “extensão” é simplesmente inexis-<br />
tente. Na biografia Marshall McLuhan: The Medium and the Mes-<br />
senger (1989) escrita por Philip Marchand também não há men-<br />
ção ao termo “extensão” ou similares no índice remissivo.<br />
Será então que a noção de extensão é tão óbvia assim?<br />
McLuhan é possivelmente o maior expoente do conceito de<br />
extensões, mas não o único. Atrevemo-nos assim a investi-<br />
gar outros autores que problematizaram as relações entre ho-<br />
mem e tecnologia e as possíveis influências no pensamento<br />
de McLuhan com o objetivo de trazer a tona a vasta proble-<br />
mática que traz consigo o conceito de extensões e como este<br />
pode ser um dos pontos fundamentais para compreender as<br />
tecnologias e os meios de comunicação.<br />
A concepção mais básica de extensão é a de que os objetos téc-<br />
nicos estendem faculdades mentais e corporais do humano.<br />
Aristóteles talvez tenha sido o primeiro a colocar em discus-<br />
são o tema por volta do século 5 a.C.. Para Martin Lister<br />
(2009) em dois trabalhos Aristóteles iniciaria a discussão das<br />
ferramentas enquanto extensões. O primeiro trabalho seria<br />
Eudemian Ethics e o segundo A Política. Aristóteles percebe<br />
nestes o corpo como uma ferramenta natural da alma. Os ins-<br />
trumentos são como escravos sem vida, e os escravos en-<br />
quanto instrumentos com vida. O autor estende esse concei-<br />
to ao relacionar que para a navegação, o leme é o instrumen-<br />
to inanimado e o piloto, o instrumento animado.<br />
57
Em Eudemian Ethics diz “Para o corpo é o instrumento natu-<br />
ral da alma, enquanto o escravo é como se fosse uma parte e<br />
ferramenta destacável do mestre, a ferramenta sendo uma<br />
espécie de escravo inanimado” (Barnes, 1984 apud Lister,<br />
2009, Tradução livre).<br />
No livro A Política Aristóteles reafirma:<br />
Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, ou-<br />
tros animados. Assim é que, para a navegação, o leme é o<br />
instrumento inanimado e o piloto, o instrumento anima-<br />
do. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de ins-<br />
trumento. (Everson 1996, p. 15 apud Lister, 2009)<br />
Ainda que Aristóteles possa ter sido um dos primeiros a situ-<br />
ar o problema da extensão, é o geógrafo e filósofo da tecnolo-<br />
gia alemão Ernst Kapp que em Grundlinien einer Philosophie<br />
der Technik (1877) inaugura o termo “filosofia da tecnologia”<br />
e onde a noção de extensão (ou, projeção) ganha realmente<br />
corpo e importância fundamental. O autor concebe a tecnolo-<br />
gia, da mesma forma que Aristóteles, como uma forma de<br />
“projeção do órgão” (organ projection) (Lister, 2009), optando<br />
pelo termo projektion em vez do equivalente em alemão para<br />
extensão (Brey, 2000).<br />
… a relação intrínseca que surge entre as ferramentas e ór-<br />
gãos, e que é para ser revelada e enfatizada - embora seja<br />
mais uma descoberta inconsciente do que consciente de<br />
invenção - é que na ferramenta o ser humano produz conti-<br />
nuamente a si mesmo. Uma vez que o órgão cuja utilidade<br />
e poder deve ser aumentado é o fator dominante, a forma<br />
apropriada de uma ferramenta pode ser obtida somente a<br />
partir desse órgão. A riqueza das criações intelectuais, por-<br />
tanto, surge de mãos, braços e dentes. O dedo dobrado tor-<br />
na-se um gancho, o oco da mão uma tigela; na espada, lan-<br />
ça, remo, pá de ferro, rastilho, arador e pá de cavar, obser-<br />
va-se diversas posições de mão, braço e dedos, cuja adap-<br />
tação à caça, jardinagem, pesca, e ferramentas do campo é<br />
facilmente perceptível. (Kapp, 1877, p. 44-45 apud Mi-<br />
tcham 1994, p. 23-24, Tradução Livre).<br />
O aspecto mais importante da visão de Kapp sobre a tecnolo-<br />
gia enquanto projeção dos órgãos é que o objeto técnico tem<br />
um aspecto morfológico intrinsecamente ligado ao órgão<br />
que o objeto técnico está estendendo. Percebemos que a rela-<br />
ção entre forma e função é essencial para Kapp. Os instru-<br />
mentos devem ter o aspecto de órgão humano, assim um<br />
gancho deve parecer-se com uma mão.<br />
Para Kapp a tecnologia configurava-se como um meio de<br />
“superar a dependência da natureza bruta” (Mitcham 1994,<br />
p. 23). E isso se dá a partir da colonização do espaço e do<br />
tempo que permite “ligar as línguas mundo, semiótica, e in-<br />
venções em uma transfiguração global da terra e um habitat<br />
verdadeiramente humano.” (Mitcham 1994, p. 23). Neste tex-<br />
to Kapp teria previsto uma rede de telégrafos "universal tele-<br />
graphics" que iria transformar (encolher) o tempo e (manipu-<br />
lar) o espaço. Argumentando que o telégrafo seria uma exten-<br />
58
são do sistema nervoso assim como as estradas de ferro são<br />
extensões do sistema circulatório.<br />
Somente após o fato, em muitos casos, os paralelos morfo-<br />
lógicas tornam-se aparentes. (Na verdade, o capítulo 9 do<br />
Grundlinien é dedicada ao inconsciente). E é só nesta base<br />
que a ferrovia é descrita como uma externalização do siste-<br />
ma circulatório (capítulo 7), e o telégrafo como uma exten-<br />
são do sistema nervoso (capítulo 8). (Mitcham, 1994, p. 23,<br />
Tradução Livre).<br />
E para Carl Mitcham, Kapp leva essa relação morfológica ao<br />
extremo ao considerar a linguagem como uma extensão “Fi-<br />
nalmente, até mesmo a linguagem e o Estado são analisados<br />
como extensões da vida mental e da res publica ou externa da<br />
natureza humana.” (Mitcham, 1994, p. 23).<br />
Para o filósofo Taede A. Smedes (2009), o conceito de Kapp<br />
não se restringe a uma projeção do órgão, pois estes órgãos<br />
também são ampliações e exteriorizações. "Grande parte da<br />
tecnologia foi, segundo Kapp, um alargamento e externaliza-<br />
ção de órgãos humanos, como a tecnologia que substitui as ca-<br />
pacidades humanas." (2009, p. 50, Tradução livre).<br />
A comparação morfológica parece simples, mas esconde que<br />
esta projeção não é apenas da forma. Uma forma semelhante<br />
deve ter uma função semelhante para Kapp, assim os nervos<br />
humanos transformam-se em cabos de telégrafo, as lentes em<br />
instrumentos óticos imitam as lentes do olho humano, e os sistemas<br />
ferroviários imitariam a estrutura do sistema vascular.<br />
Segundo Kapp, “Os seres humanos inconscientemente transferem<br />
forma, função e as proporções normais de seu corpo para<br />
as obras das suas mãos” (Kapp 1877, p. v-vi, apud Brey, 2000,<br />
Tradução livre).<br />
Isso significa que os humanos usam suas próprias faculda-<br />
des como um padrão de referência sempre que criam novos<br />
artefatos, e esse processo não se dá de forma consciente. Esta<br />
última característica sendo a mais duvidosa, pois retira qual-<br />
quer possibilidade de intencionalidade na ação de construir<br />
um objeto técnico.<br />
Sendo assim, as propriedades dos órgãos biológicos são<br />
transferidas aos artefatos (forma, função, proporção) e estes<br />
órgãos projetados realçam estes poderes naturais. Ainda que<br />
para Kapp a forma sempre siga a função, ou seja, para duas<br />
coisas serem funcionalmente similares, elas devem ser tam-<br />
bém morfologicamente similares, segundo Brey (2000), Kapp<br />
tende a perceber essas projeções mais como substitutas dos<br />
órgãos humanos do que como complementos. Este propõe<br />
assim, a partir do seu conceito de projeção, uma naturaliza-<br />
ção da produção dos artefatos tecnológicos.<br />
59
O debate das extensões em McLuhan<br />
Dentre os diversos autores que escreveram sobre extensões,<br />
sob qual McLuhan se apóia? Parece difícil precisar quem apre-<br />
sentou e foi sua inspiração para o conceito. Dois autores pro-<br />
curaram sistematizar de forma mais profunda essas influên-<br />
cias: Richard Cavell no livro McLuhan in Cultural Space (2003);<br />
e Alice Rae na sua tese McLuhan’s Unconscious (2008).<br />
Para estes autores as referências de McLuhan podem ter vindo<br />
de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), Henri Bergson (1859-<br />
1941), Ernst Cassirer (1874-1945), Teilhard de Chardin (1881-<br />
1955), James Joyce (1882-1941), Sigmund Freud (1856-1939),<br />
Edward T. Hall (1914-2009), Buckminster Fuller (1895-1983), e<br />
Lewis Mumford (1895-1990). Todos estes devidamente citados<br />
por McLuhan em seus trabalhos. Mas talvez o caso mais interes-<br />
sante seja a relação de McLuhan com Edward T. Hall.<br />
Segundo Rae (2008), apesar de McLuhan ter lido o livro de<br />
Freud nos anos anteriores a publicação de The Mechanical Bri-<br />
de (1951), é Edward T. Hall com o seu livro The Silent Langua-<br />
ge (1959) que aparece no livro A Galáxia de Gutenberg (1977):<br />
Hoje o homem desenvolveu extensões para praticamente<br />
tudo o que ele costumava fazer com seu corpo .... todas as<br />
coisas materiais feitas pelo homem podem ser tratadas<br />
como extensões do que o homem fez uma vez com seu cor-<br />
po ou alguma parte especializada do corpo dele. (Hall,<br />
1959, p. 79, Tradução livre; McLuhan, 1977, p.21).<br />
Ted Carpenter (2001, p. 19) que até escreveu livro com<br />
McLuhan atribui justamente a Edward Hall o conceito utilizado<br />
por McLuhan. McLuhan em diversas cartas enviadas a Walter<br />
Ong, fala do seu apreço por Edward Hall e em uma delas<br />
atribui crédito do conceito de extensões a este. Após McLuhan<br />
conhecer Hall, os dois trocaram diversas cartas e Hall até enviou<br />
uma versão prévia do seu livro Beyond Culture (1976) no<br />
qual inclui uma nota em que afirma que o termo extensão foi<br />
tomado "emprestado" por McLuhan A Galáxia de Gutenberg<br />
(Hall, 1976, p. 245, nota 4; McLuhan, 1987, p. 515, nota 1).<br />
McLuhan, triste com a acusação, contesta que Hall tenha<br />
sido um dos primeiros a conceitualizar o termo extensão, em<br />
uma de suas cartas para Walter Ong em 1962. Dizendo que a<br />
ideia de Hall veio de Buckminster Fuller. Ele “teve a idéia de<br />
nossas tecnologias como outerings de sentido e função a par-<br />
tir de Buckminster Fuller” (McLuhan, 1987, p. 287;308, nota<br />
1, Tradução livre). Mas é possível que o próprio Fuller esti-<br />
vesse ciente do trabalho de Freud, pois o mesmo tinha gera-<br />
do muita atenção nos EUA.<br />
Para Richard Cavell, o autor James M. Curtis em Culture as<br />
Polyphony (1978) deu algumas pistas indicando que até Hegel te-<br />
ria influenciado McLuhan:<br />
Não se costuma associar Hegel com a tecnologia, mas ele o<br />
fez e com o princípio com que McLuhan chocou as pessoas<br />
cento e cinqüenta anos depois: a interpretação da tecnologia<br />
como a extensão do homem (Curtis, 1978, p. 34-35 apud Ca-<br />
vell, 2003, p. 256-257, nota nº52, Tradução livre).<br />
60
Cavell encontra ainda outros autores que poderiam ter influ-<br />
enciado McLuhan. Notando outras apropriações como a de<br />
Georg Von Békésy (1967) e a do arquiteto Le Corbusier em<br />
que a arte decorativa é “uma extensão de nossos membros -<br />
de fato de membros artificiais“. (1987, p. 72).<br />
Uma vez que fica difícil rastrear de forma assertiva a partir<br />
de qual conceito McLuhan se apropria. O que parece ficar<br />
claro, é que o próprio McLuhan rastreou o “conceito” 2 de ex-<br />
tensões nestes autores tão diversos, mas ainda assim não pro-<br />
pôs um conceito de forma clara e objetiva.<br />
Mas qual é o sentido de extensão utilizado por McLuhan?<br />
Para McLuhan toda tecnologia é uma extensão. Ela pode ser<br />
tanto do corpo como da inteligência do homem.<br />
Em termos gerais não podemos dizer que McLuhan tenha<br />
um conceito muito desenvolvido ou que propõe uma diferen-<br />
ciação clara entre vários tipos de extensões. A própria no-<br />
menclatura escolhida pelo autor cria essa dificuldade uma<br />
vez que o mesmo por vezes utiliza o termo “extensão”, em<br />
outras pode denominar de “tradução”, “repetição” ou “inten-<br />
sificação” para representar o mesmo processo.<br />
Segundo Rae (2008), a partir de 1973, McLuhan deixa de utili-<br />
zar muitas vezes a noção de tecnologias enquanto extensões<br />
e passa a utilizar termos relacionados a linguagem como<br />
"metáfora" ou "palavra" com uma "estrutura lingüística" e<br />
____________________<br />
2 Ainda que possamos identificá-las mais como ideias do que propriamente conceitos elaborados de forma sistemática.<br />
que vai desembocar no modelo tetrádico do livro Laws of Me-<br />
dia (1988) escrito com seu filho, Eric McLuhan.<br />
Ainda assim, podemos chegar a algumas definições. As ex-<br />
tensões de McLuhan podem ser divididas em dois tipos. De<br />
um lado extensões do corpo e de outro, extensões de faculda-<br />
des cognitivas como as funções dos sentidos, sistema nervo-<br />
so central e até a consciência. Esta última encarada como a<br />
fronteira final das extensões.<br />
Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das<br />
extensões do homem: a simulação tecnológica da consciên-<br />
cia, pela qual o processo criativo do conhecimento se esten-<br />
derá coletiva e corporativamente a toda a sociedade huma-<br />
na, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos<br />
através dos diversos meios e veículos. (1969, p.17)<br />
Já as extensões do corpo podem ser extensões de partes do<br />
corpo humano que podem ser usadas para agir no mundo,<br />
se proteger do ambiente ou regular certas funções do corpo.<br />
As roupas, por exemplo, são uma extensão da pele e que es-<br />
tendem a função do controle de temperatura e de proteção<br />
do corpo. Outros utensílios como jarras, fósforos, e dinheiro<br />
também são considerados como tecnologias que estendem<br />
funções de “armazenamento e mobilidade” (1969, p. 207).<br />
Os meios de comunicação são analisados enquanto extensões<br />
dos sentidos. Em destaque o sentido da visão e da audição. O<br />
rádio e o telefone, por exemplo, funcionam como orelhas de lon-<br />
61
ga distância. E as extensões como a escrita e a imprensa são extensões<br />
visuais. E foram analisados como executando funções<br />
de processamento de informação do sistema nervoso central.<br />
Funções como gestão da informação, armazenamento e a recuperação<br />
que eram executadas pelo sistema nervoso central.<br />
Um dos pontos importantes do conceito de extensão é que<br />
para ele as extensões criam um entorpecimento e devido a<br />
isso não são percebidos enquanto extensões e também não<br />
permite perceber os novos ambientes criados decorrentes<br />
dos efeitos dos meios.<br />
O exame da origem e do desenvolvimento das extensões<br />
individuais do homem deve ser precedido de um lance de<br />
olhos sobre alguns aspectos gerais dos meios e veículos —<br />
extensões do homem — a começar pelo jamais explicado<br />
entorpecimento que cada uma das extensões acarreta no<br />
indivíduo e na sociedade. (1969, p.20).<br />
McLuhan recorre ao mito de Narciso em Understanding Me-<br />
dia para se referir ao efeito de entorpecimento enquanto um<br />
efeito do processo de extensão. No mito grego de narciso, o<br />
jovem narciso é conhecido pela sua beleza e orgulho e dessa<br />
forma desdenha daqueles que o amam. Nemesis ao ver essa<br />
situação induz Narciso a olhar o seu reflexo na água. Narci-<br />
so apaixona-se pelo seu próprio reflexo, ou seja, por si mes-<br />
mo. E não conseguindo escapar da beleza de seu reflexo,<br />
Narciso morre.<br />
Para McLuhan, Narciso não se apaixona por si mesmo, pois<br />
este não percebe se trata de um reflexo. Ele acreditava que era<br />
outra pessoa, quando na verdade era uma parte sua estendi-<br />
da. "A extensão de si mesmo pelo espelho embotou suas per-<br />
cepções até que ele se tornou o servomecanismo de sua pró-<br />
pria imagem prolongada ou repetida." (1969, p. 59).<br />
Cada nova extensão exerce uma pressão sobre nós, e em de-<br />
corrência dessa pressão exercida pela faculdade estendida,<br />
nosso corpo procura nos proteger entorpecendo aquela área<br />
ou bloqueando a percepção. Dessa forma, toda extensão é<br />
(também) uma amputação. Para lidar com essas pressões, se-<br />
gundo McLuhan, contra-irritantes devem ser aplicados, e<br />
que se resumem em novas extensões.<br />
Fisiologicamente, o sistema nervoso central, essa rede elé-<br />
trica que coordena os diversos meios de nossos sentidos<br />
desempenha o papel principal. Tudo o que ameaça a sua<br />
função deve ser contido, localizado ou cortado, mesmo ao<br />
preço da extração total do órgão ofendido. […] Qualquer<br />
invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputa-<br />
ção de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e<br />
equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo.<br />
Assim, não há meio de recusarmo-nos a ceder às novas re-<br />
lações sensórias ou ao “fechamento” de sentidos provoca-<br />
do pela imagem da televisão. Mas o efeito do ingresso da<br />
imagem da televisão variará de cultura a cultura, depen-<br />
dente das relações sensórias existentes em cada cultura.<br />
(1969, p.61;63)<br />
62
Se McLuhan não se preocupa com a descrição do processo<br />
de projeção, só pontua que existem os paralelos entre artefa-<br />
tos e faculdades humanas, fato que é levantado por seus críti-<br />
cos. Em contraposição ele aponta o que considera mais im-<br />
portante, que são os efeitos dos seus usos, e a relação que te-<br />
mos com nossas extensões.<br />
Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-<br />
nos a elas como servomecanismos. Eis por que, para utili-<br />
zar esses objetos-extensões-de-nós-mesmos. devemos ser-<br />
vi-los, como a ídolos ou religiões menores. Um índio é um<br />
servomecanismo de sua canoa, como o vaqueiro de seu ca-<br />
valo e um executivo de seu relógio. […] Fisiologicamente,<br />
no uso normal da tecnologia (ou seja, de seu corpo em ex-<br />
tensão variada vária), o homem é perpetuamente modifica-<br />
do por ela, mas em compensação sempre encontra novos<br />
meios de modificá-la. É como se o homem se tornasse o<br />
órgão sexual do mundo da máquina, como a abelha do<br />
mundo das plantas, fecundando-o e permitindo o evolver<br />
de formas sempre novas. O mundo da máquina correspon-<br />
de ao amor do homem atendendo a suas vontades e dese-<br />
jos, ou seja, provendo-o de riqueza (1969, p. 64-65)<br />
McLuhan apresenta a partir da noção de extensão e de tecnolo-<br />
gia uma visão importante e diferenciada de outros autores, ao<br />
colocar que o homem e o objeto técnico fazer parte de um mes-<br />
mo sistema. A canoa necessita do homem para configurar um<br />
sistema funcional, eles são partes intrínsecas de um mesmo<br />
projeto. Da mesma forma como Aristóteles situa que para a<br />
navegação é uma composição de partes animadas e inanima-<br />
das, mas que ainda assim ambos servem como um tipo de ins-<br />
trumento para um projeto maior que é a navegação.<br />
Para McLuhan as extensões são extensões funcionais de pro-<br />
priedades de faculdades humanas, mas não necessariamente<br />
propriedades morfológicas, ainda que algumas dessas analo-<br />
gias possam ser traçadas. Neste quesito McLuhan não fica<br />
apenas na morfologia como Kapp e percebe que outras fun-<br />
ções também podem ser exteriorizadas. Ainda assim em al-<br />
gumas propostas Kapp e McLuhan se aproximam, pois am-<br />
bos vão considerar, por exemplo, o telégrafo como uma ex-<br />
tensão do sistema nervoso central. Ou ainda na concepção<br />
de que os meios elétricos (telégrafo no caso de Kapp) teriam<br />
a potencialidade de abolir as dimensões do tempo e do espa-<br />
ço.<br />
Kapp percebe os mais variados artefatos a partir da dupla:<br />
similaridades morfológicas - similaridade funcional. O mai-<br />
or problema da similaridade morfológica para entender as<br />
extensões, é que elas não dão conta da noção de máquina.<br />
Quando a força motriz vista a partir de André Leroi-Gour-<br />
han (1984; 1965) e Georges Friedmann (1968) passa a ser exe-<br />
cutada pela máquina, a relação entre forma e função deixa<br />
de correr em paralelo. McLuhan escapa dessa limitação ao<br />
relacionar as extensões a partir das funções exercidas.<br />
63
Considerações<br />
A noção de McLuhan de extensão se complica na tentativa<br />
de perceber uma relação exata da função exercida pelo huma-<br />
no, seja mentalmente, seja fisicamente. Isso é percebido, no<br />
caso de McLuhan, ao encarar a roupa como uma extensão da<br />
pele ou a casa como extensão do controle de temperatura in-<br />
terna do corpo. Poderíamos então nos perguntar o que seria<br />
estendido então com uma indústria de química? Um avião<br />
estende as asas que não possuímos ou nossa faculdade de lo-<br />
comoção? Ou estamos falando de um sentido mais restrito<br />
de extensão? Assim, quando se recorre a uma demasiada abs-<br />
tração e as propriedades se tornam inverossímeis, a ideia de<br />
que os artefatos são cópias funcionais de órgãos humanos<br />
pode tornar-se cada vez mais vazia.<br />
Percebemos assim que há diversas problemáticas envolvidas<br />
na noção de extensão. Tentamos mostrar como uma concep-<br />
ção vista como “simples”, ou “esquecida” de tecnologias en-<br />
quanto extensões do homem abre espaço para uma série de<br />
perguntas e problemas que tem repercussão tanto para a filo-<br />
sofia da tecnologia, antropologia da técnica, quanto para a<br />
comunicação. Entre estas estão:<br />
(1) Quais as diferenças entre termos como extensão, exterio-<br />
rização, prótese, projeção e simulação? Encontramos aqui a<br />
necessidade de uma investigação sobre as nomenclaturas,<br />
pois se não sabemos com o que estamos tratando encontra-<br />
remos fatalmente dificuldades em avançar nas definições.<br />
(2) Toda tecnologia é uma extensão do humano? Esta ques-<br />
tão desemboca no que estamos considerando como tecnolo-<br />
gia, e consequentemente no conceito de meios de comunica-<br />
ção. Além disso, coloca a questão de o que é que é estendido:<br />
é o sensório humano, músculos, ou órgãos, como em Aristó-<br />
teles e McLuhan, ou é a própria tecnologia, como em Jacques<br />
Ellul? O que significa dizer que os meios de comunicação es-<br />
tendem a consciência?<br />
(3) A noção de extensão carrega consigo a proposta de um<br />
fim da separação entre homem e máquina, entre biológico e<br />
tecnológico? Tanto Freud, Bergson, Teillard, Mumford e<br />
Edward Hall, segundo Rae (2008), percebem as extensões em<br />
termos de um processo evolutivo. E dessa forma, borrando<br />
cada vez mais as diferenças entre tecnologia e o que é orgâni-<br />
co, ou seja, uma não separação. E que pode tomar sentidos<br />
mais extremos como para Rae (2008, Tradução livre) que diz<br />
que “Se a tecnologia não é nada mais de que uma adaptação<br />
evolutiva, então não há distinção para ser encontrada entre<br />
um órgão como o olho e uma tecnologia como o telescópio”.<br />
(4) A relação de causalidade das tecnologias e a concepção de<br />
determinismo tecnológico 3 . A definição básica de determinis-<br />
mo é a de que o desenvolvimento tecnológico condiciona a dinâmi-<br />
ca social e indica o rumo das transformações culturais. Uma vez<br />
que Innis e McLuhan encaram que as tecnologias exercem<br />
____________________<br />
3 Para um aprofundamento sobre a questão do determinismo tecnológico ver MARTINO, L.C. &<br />
BARBOSA, R. M. Do determinismo tecnológico à determinação teórica [no prelo].<br />
64
uma influência maior do que sua relação meio e fim, e nem<br />
sempre previsíveis ou conscientes, devido a isso estes são fre-<br />
quentemente acusados de serem deterministas tecnológicos. É<br />
possível falar de determinismo quando as tecnologias são nos-<br />
sas extensões? É possível se livrar do determinismo? O deter-<br />
minismo pode ser encarado como um aporte epistemológico,<br />
e/ou como uma questão metafísica?<br />
(5) A extensões como objetos essencialmente físicos? Como<br />
lidar com objetos que possuem uma relação maior com a fun-<br />
ção de status. Para McLuhan, o dinheiro, por exemplo, pode<br />
ser encarado como uma extensão, pois “No começo, é muito<br />
vaga a sua função de prolongar o anseio do homem por coi-<br />
sas distantes a partir dos bens e produtos mais próximos.”<br />
(1969, p.153). Mas seu caráter físico deixa ser prioritário para<br />
a noção de extensão, uma vez que o aspecto material do di-<br />
nheiro é praticamente inexpressivo. O dinheiro pode ser fei-<br />
to de moedas de ouro, sal, plástico como em cartão de crédi-<br />
to, ou qualquer outro material, trata-se em grande parte de<br />
uma convenção social.<br />
Ou seja, o aspecto principal do dinheiro é o que Brey chama<br />
de “funções de status”, onde os poderes e funções correspon-<br />
dentes não provêm de suas propriedades físicas, mas inclu-<br />
em funções simbólicas, morais e religiosas. Ainda que isto<br />
não signifique que um artefato como um martelo que tenha<br />
uma função física, não possa ter também uma “função de sta-<br />
tus” atribuída a ele.<br />
Assim, cada vez mais nos distanciamos de uma definição de ex-<br />
tensão e de tecnologia. O dinheiro estende alguma faculdade me-<br />
tal ou corporal? Ela pode ser considerada como uma tecnologia?<br />
(6) Podemos considerar o uso de animais e humanos enquanto<br />
extensões? Um moinho movido por força animal, ou uma fábri-<br />
ca gerenciada por pessoas e máquinas são também considera-<br />
das extensões? Um dos exemplos é o uso do cavalo para o com-<br />
bate e para a agricultura são considerados como tecnologias no<br />
estudo de Lynn White sobre a tecnologia medieval<br />
(7) Objetos naturais como pedras, pedaços de madeira, ou<br />
água podem ser considerados extensões ou somente aqueles<br />
construídos? A água em uma roda d'água não seria uma tec-<br />
nologia? Ou teríamos que enquadrar todo funcionamento da<br />
natureza enquanto extensões e dessa forma aproximar a um<br />
funcionalismo extremo?<br />
Estas questões são apenas amostras da importância e para<br />
onde a questão das extensões, colocadas em destaque por<br />
McLuhan, podem nos levar, e que pedem a meu ver de uma<br />
análise mais sistematizada. A naturalização do conceito de<br />
extensões, e uma falta de atenção às demarcações do concei-<br />
to de tecnologia, nos levam a colocar a tecnologia como sen-<br />
do ao mesmo tempo tudo e nada. Fato que ocorre nas discus-<br />
sões epistemológicas da comunicação, ou na falta delas, no<br />
que se refere ao conceito de meios de comunicação enquanto<br />
tecnologias da comunicação. Nesse sentido, o debate em rela-<br />
65
ção ao conceito de extensões, meios de comunicação e tecno-<br />
logias são essenciais para o saber comunicação.<br />
66
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67
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68
Parte 2<br />
APROXIMAÇÕES 1<br />
Marshall McLuhan: meios,<br />
mensagens, determinismo e<br />
esquecimento na aldeia global<br />
MARIANE CARLA FONSECA<br />
FILOMENA MARIA AVELINA BONFIM<br />
Profundo e nefasto: o debate<br />
sobre a televisão na obra de McLuhan e<br />
Adorno<br />
JANARA SOUSA<br />
PEDRO RUSSI<br />
McLuhan e Anísio Teixeira:<br />
aproximações em torno<br />
da tecnologia<br />
RAQUEL DE ALMEIDA MORAES
Marshall McLuhan<br />
meios, mensagens, determinismo<br />
e esquecimento na aldeia global<br />
MARIANE CARLA FONSECA<br />
GRADUADA EM GESTÃO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA<br />
HABILITAÇÃO EM JORNALISMO<br />
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS (CAMPUS ARCOS)<br />
PÓS-GRADUANDA NO PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI, MINAS GERAIS, BRASIL<br />
MARIANE.JOR@GMAIL.COM<br />
FILOMENA MARIA AVELINA BOMFIM (ORIENTADORA)<br />
PÓS-DOUTORA MCLUHAN PROGRAM IN CULTURE AND<br />
TECHNOLOGY (MPCT), UNIVERSIDADE DE TORONTO, CANADÁ<br />
PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI,<br />
MINAS GERAIS, BRASIL<br />
FMABOMFIM@UFSJ.EDU.BR<br />
Resumo<br />
Este trabalho tem como objetivo estabelecer um traçado conceitual e<br />
histórico da trajetória de Herbert Marshall McLuhan a partir de um le-<br />
vantamento bibliográfico e exploratório. Com isso, constrói-se um apa-<br />
nhado “vida-obra” com apontamentos críticos sobre o canadense que<br />
morreu em 1980 amargando certo ostracismo e críticas ferrenhas dos<br />
acadêmicos em Comunicação. Além disso, carregou os fardos do deter-<br />
minismo e do senso comum, considerados norteadores de seu traba-<br />
lho. O curioso, porém, foi a reviravolta percebida em seu pós-morte. A<br />
partir dos anos 90, com a ascensão tecnológica e dos meios de comuni-<br />
cação, a obra mcluhaniana veio à tona novamente, impulsionada pela<br />
publicação de Laws Of Media – que expõe as noções das Tétrades.<br />
Este artigo vem ao encontro dessa dualidade de McLuhan, levantando<br />
os contrapontos à obra do professor canadense e apontando, ao mes-<br />
mo tempo, sua pertinência ao contexto atual.<br />
Palavras chave<br />
comunicação, McLuhan, mídias, tétrades, determinismo<br />
70
Introdução<br />
Nos anos 90 o termo “globalização” se transformou em uma<br />
das pautas da década. Falou-se em colapso da União Soviética,<br />
telescópio Hubble, Aids, genocídio em Ruanda e na tal transfor-<br />
mação eminente a que o mundo inteiro estaria sujeito. Para al-<br />
guns, o significado desse fenômeno estava ligado à empolga-<br />
ção de unir territórios desde a queda do muro de Berlim (talvez<br />
a onda chegasse à Coréia ou sensibilizasse Cuba). Para outros,<br />
tratava-se de uma nova Pangeia, desta vez simbólica, com o pla-<br />
neta se transformando em uma grande vizinhança mediada<br />
por computadores.<br />
Entre uma teoria e outra, a questão veio à baila em happy hours,<br />
elevadores, metrôs, bancos de praça e carteiras escolares. Na<br />
época, redações iniciadas com “no mundo globalizado em que<br />
vivemos” se transformaram em clichês insuportáveis para os<br />
professores de Língua Portuguesa. Não demorou muito para<br />
que o terceiro planeta do Sistema Solar, quinto maior do uni-<br />
verso, com 71% de seu território coberto por água e único ha-<br />
bitado passasse a ser chamado de “aldeia global”, algo bem<br />
semelhante ao que John Lennon cantava em Imagine e fazia<br />
dele um popstar sonhador. Mas de onde surgiu esse termo?<br />
A resposta está em Herbert Marshall McLuhan, teórico cana-<br />
dense que usou a expressão pela primeira vez em 1962 – no<br />
livro A Galáxia de Gutenberg – e não chegou a presenciar esta e<br />
outras de suas idéias tornando-se realidade. Ao menos total-<br />
mente. Morto em 31 de dezembro de 1980, um ano após sofrer<br />
uma trombose que o impossibilitaria de qualquer atividade,<br />
McLuhan testemunhou com olhos atentos a formação de uma<br />
tribo mundial que agregava novos aparatos tecnológicos às<br />
comunicações, reestruturando métodos, transformando men-<br />
sagens e reformatando sociedades. Segundo o autor, a partir<br />
dessa nova “ordem” os processos cognitivos seriam alterados<br />
e a própria cultura impressa encontraria sua crítica mais pun-<br />
gente devido a seu compromisso quase absoluto com a lineari-<br />
dade. McLuhan também alertou que a nova estrutura promo-<br />
veria identidades coletivas formadas em meio a um trânsito<br />
de informações intenso e multidirecional.<br />
Ao trazer a perspectiva mcluhaniana para a atualidade, a<br />
questão da World Wide Web parece se encaixar à teoria do cana-<br />
dense, algo curioso ao considerar que McLuhan pareceu esbo-<br />
çar esse cenário quando a internet ainda era uma ideia 1 e Bill<br />
Gates um garotinho de sete anos.<br />
Com isso, longe de ser beneficiado por dons premonitórios,<br />
McLuhan é por vezes apontado como um visionário, além de<br />
transgressor. Os títulos se devem principalmente ao fato de<br />
que enquanto muitos aplaudiam a Teoria Matemática da Co-<br />
municação 2 , centrada na emissão de mensagens, por exemplo,<br />
____________________<br />
1 Na realidade um mecanismo de comunicação recém-desenvolvido nos EUA com o objetivo de conectar bases<br />
militares e departamentos de pesquisa do país.<br />
2 Defendida por Shannon e Weaver – matemáticos e engenheiros elétricos norte-americanos – essa teoria<br />
apontava que “o objetivo da comunicação seria reproduzir num ponto de forma exata, uma mensagem selecio-<br />
nada em outro ponto. Porém, toda transmissão de informação poderia chegar acarretada de interrupções e<br />
ruídos” (REBOUÇAS, 2008).<br />
71
McLuhan defendia que o foco deveria ser voltado aos meios<br />
em si, já que um novo cenário estava sendo construído, aba-<br />
lando conceitos e paradigmas como tempo, espaço e oralida-<br />
de. Dentro dessa dinâmica, novos media demandariam novas<br />
estruturações de mensagens e, consequentemente, instituiri-<br />
am novas formas de comportamento. Segundo Tapley (1998,<br />
p.04), a lógica mcluhaniana está aí: trata-se de assumir que as<br />
mídias constituem parte do mundo que as pessoas habitam e<br />
em que interagem. Não por outro motivo o mesmo autor ates-<br />
ta que ao surgir um novo meio ou ser transformado um anti-<br />
go, o tecido social sofre mutações para se adaptar.<br />
Assim, das pinturas rupestres aos emoticons no MSN, o que se<br />
percebeu – sob o ponto de vista mcluhaniano – foram modificações<br />
na forma de expressar ou relatar fatos em diferentes suportes.<br />
Com a expansão dos mesmos e a facilidade de acesso a<br />
eles, formou-se o infomar 3 cantado por Gilberto Gil. Antes dele,<br />
McLuhan apontou que o excesso de informações e a característica<br />
mutante dos meios alienariam seus usuários. Não se tratava<br />
de uma questão marxista envolvendo dominantes e dominados.<br />
Dizia respeito, antes, ao excesso. Munday (2003) lembra a<br />
analogia feita por McLuhan baseando-se no conto A descent into<br />
the Maelström, de Edgar Allen Poe. Nele, um marinheiro relata<br />
como evitou ser engolido por um redemoinho gigantesco ao estudar<br />
os efeitos das correntes. Para McLuhan, o turbilhão aquático<br />
de Poe seria uma metáfora para o caos do mundo moderno<br />
enquanto as ações do marinheiro em Maelström esboçariam<br />
____________________<br />
3 “Criar meu web site, fazer minha homepage. Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje... que<br />
veleje nesse infomar?” (Pela Internet, Gilberto Gil, 1996).<br />
uma solução: cada indivíduo garantiria sua passagem pelo turbilhão,<br />
a salvo, depois de adentrá-lo e estudá-lo.<br />
Todavia, mesmo ao apresentar audiências até certo ponto autônomas<br />
e capazes de expelir a “bala mágica” 4 dos meios de<br />
massa, McLuhan deixou expostas grandes contradições teóricas<br />
que, rebatidas com veemência, se transformaram em trunfos<br />
de seus críticos mais intensos: alguns acadêmicos detectam<br />
em seus textos traços de arbitrariedade e senso comum;<br />
grandes expoentes como Raymond Williams o acusam de cometer<br />
o pecado do determinismo tecnológico.<br />
O que se percebe é a construção de um novo modelo de “médico<br />
x monstro” em que McLuhan atua como “visionário x louco”.<br />
Para Friesner (2005), um dos aspectos mais notáveis em relação<br />
ao teórico canadense não está ligado à teoria em si, mas à rapidez<br />
com que ele oscilou entre a aclamação popular e a rejeição<br />
geral. Rockman (1968, p.138) ressalta esse mesmo paradoxo:<br />
____________________<br />
DeMott chamou McLuhan de “Mr. Big da midcult 5 ”. Tom<br />
Wolfe o colocou no patamar de Darwin, Freud e Eistein. (...)<br />
Uma carta ao jornal Daily Star de Toronto, assinada por um<br />
certo Dr.Holt, chamou-o “a maior farsa de sua década”. E<br />
Frank Kermode acreditava que se vivêssemos em uma Era<br />
Literata, o livro “A Galáxia de Gutenberg” seria leitura obri-<br />
gatória para todo mundo.<br />
4 Termo cunhado pela Escola Norte-Americana em meados da década de 40. Para os pensadores da época, como<br />
Laswell, chamados behavioristas, as audiências (“alvos fáceis” dos meios de comunicação), reagiriam de forma unifor-<br />
me às investidas midiáticas.<br />
5 “Diz-se da cultura intelectual intermediária, entre o erudito e o “popular”; cultura média”. (Dictionary.com)<br />
72
Nesse quase maniqueísmo, McLuhan se perde. Muito embora<br />
atualmente seja abençoado por algum reconhecimento tardio,<br />
o canadense ainda não figura como grande referência quando<br />
a comunicação é colocada como objeto de estudo. Por quê?<br />
Este artigo tem como objetivo levantar essa questão, ao mes-<br />
mo tempo em que apresenta as teorias mcluhanianas em con-<br />
sonância com a contemporaneidade, num contexto em que<br />
das interações mais simples aos processos educacionais, as<br />
mensagens passaram a ser mediadas por conectores que pare-<br />
cem ignorar tempo, espaço e linearidade.<br />
2. Herbert Marshall McLuhan: prazer em conhecer<br />
Herbert Marshall McLuhan nasceu em Edmonton, Canadá, a<br />
21 de julho de 1911. Filho de um corretor de seguros e de uma<br />
atriz, McLuhan foi desde cedo a plateia mais atenta da mãe:<br />
ao colocar o filho mais velho para dormir, Elsie McLuhan fu-<br />
gia aos padrões mais comuns e, ao invés de contar alguma his-<br />
tória assinada pelos Irmãos Grimm, recitava Shakespeare. Por<br />
alguma razão que só a Neurolinguística consegue explicar, o<br />
menino desenvolveu verdadeira paixão por Literatura e gra-<br />
duou-se em Literatura Inglesa pela Universidade de Manito-<br />
ba na década de 30. Mesmo tendo escrito em um diário, em<br />
1931, que jamais se tornaria um acadêmico, McLuhan logo se<br />
viu atuando em salas de aula.<br />
Após a obtenção do título de Mestre em Artes e Língua Ingle-<br />
sa (também pela Universidade de Manitoba), McLuhan pas-<br />
sou dois anos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.<br />
Conforme conta Trinta (2003), ali McLuhan teve contato com<br />
I.A Richards, psicólogo, crítico, poeta e professor de Literatu-<br />
ra que apresentou o canadense aos segredos da filosofia da<br />
retórica; além de F.R. Leavis, crítico e educador. Mais tarde<br />
McLuhan passou a lecionar New Criticism inglês na Universi-<br />
dade de Saint Louis. Em 1944 retornou ao Canadá, onde leci-<br />
onou Humanidades no Assumption College. Dois anos de-<br />
pois já fazia parte do corpo docente da Universidade de To-<br />
ronto, passando a conviver com o professor de Economia Po-<br />
lítica Harold Innis.<br />
73
Salta aos olhos a jornada transdiciplinar de Marshall McLuhan.<br />
Tal multiplicidade não tinha relação com mera curiosidade aca-<br />
dêmica, mas com a crença de que a totalidade estava longe de<br />
definir saberes e os próprios meios de comunicação.<br />
Por mídia, McLuhan entendia bem mais do que meios tais<br />
como o jornal, o rádio e a TV. Neste rol estavam incluídos a<br />
estrada, o dinheiro, o relógio, a roda, a roupa e outros tan-<br />
tos artefatos humanos que se prestassem à realização de ati-<br />
vidades de comunicação: são tecnologias ou aplicações de<br />
conhecimentos científicos, conquistas humanas e sociais.<br />
(TRINTA, 2003, p.06)<br />
Tais concepções mcluhanianas aparecem dispostas ao longo<br />
de sua obra datada inicialmente da década de 40, muito embo-<br />
ra seu primeiro livro, The Mechanical Bride: Folklore of Industrial<br />
Man, tenha sido publicado em 1951. Segundo Marchessault<br />
(2005), essas foram as décadas mais importantes na constru-<br />
ção teórica de McLuhan. Apesar de a produção do canadense<br />
acumular 17 livros de autoria própria e dezenas de artigos pu-<br />
blicados ao longo dos anos até o final da década de 80, a auto-<br />
ra defende que foi nas primeiras publicações que McLuhan<br />
mostrou seu caráter mais “profético”, cristalizado na década<br />
seguinte com A Galáxia de Gutenberg.<br />
A carreira acadêmica de McLuhan foi brevemente interrompi-<br />
da em 1967, quando exames detectaram a presença de um tu-<br />
mor na parte inferior de seu cérebro. Uma intervenção cirúrgi-<br />
ca foi realizada, mas acarretou perda de memória e de sensibi-<br />
lidade a ruídos e cheiros. Mesmo assim, McLuhan retomou su-<br />
as atividades meses depois.<br />
Na década de 70, após os saltos de Neil Armstrong na Lua te-<br />
rem sido transmitidos ao vivo pela TV, Woodstock ter virado<br />
comportamentos do avesso e os Beatles anunciarem que o so-<br />
nho havia acabado, McLuhan prosseguiu publicando artigos<br />
e participando de conferências. O cinema também o solicitou:<br />
o canadense interpretou a si mesmo em Annie Hall, realizado<br />
por Wood Allen em 1977. Herbert Marshall McLuhan morreu<br />
três anos depois, em casa, às vésperas de um Réveillon.<br />
74
3. As ideias de McLuhan: genialidade ou loucura?<br />
Quando McLuhan falou sobre a aldeia global, o rádio e a TV ain-<br />
da eram as grandes coqueluches do mundo, trazendo som e ima-<br />
gens a um planeta habituado à oralidade crua e à escrita. Naque-<br />
la época, ele não imaginou que no século XXI o Google se trans-<br />
formaria em um dos grandes inventos da humanidade, trazendo<br />
no mesmo barco o Youtube, o Wikipedia e o Twitter. Obviamen-<br />
te, ele não poderia deduzir que Susan Boyle viraria celebridade<br />
instantânea ou que a morte de Michael Jackson seria anunciada<br />
em primeira mão em um site de fofocas da internet.<br />
Todos esses fenômenos atualmente parecem banalizados por<br />
uma geração que nasceu em frente a computadores. No con-<br />
texto mcluhaniano, falar sobre eles exigia, no mínimo, um<br />
grande nível de abstração. Quando McLuhan começou a apre-<br />
ender as ideias de I.A.Richards, se deparou com a possibilida-<br />
de de não ser “o conteúdo de um poema o que, esteticamente,<br />
importa; mas, antes, o impacto que uma sucessão de inspira-<br />
das metáforas produzirá, como efeito psíquico, na mente do<br />
leitor” (TRINTA, 2003, p.03). Foi partindo desse princípio de<br />
negligência ao conteúdo e importância aos efeitos que<br />
McLuhan baseou suas teorias.<br />
Para o canadense, os homens não eram os únicos protagonistas<br />
do teatro do absurdo que parecia se inaugurar. Os meios<br />
pareceram vívidos à medida que eram reformatados e toda<br />
uma gama de material de entretenimento e informação começou<br />
a convergir. Enquanto grandes teóricos se debruçavam so-<br />
bre paradigmas de emissores-receptores ou bradavam contra<br />
a Indústria Cultural e a reprodução em massa, McLuhan olhava<br />
com mais atenção para o fato de que tudo aquilo não causaria<br />
mudanças na sociedade. Toda parafernália e mistura já<br />
eram em si pacotes de grandes transformações. Mais do que<br />
aparelhos, eram extensões dos homens e manifestações sociais.<br />
“Para cada meio, McLuhan pousava um sentido e repousava<br />
nele a sua tese de exploração sensorial” (ESTRÁZULAS,<br />
2007, p.03). Assim, além de uma caixa mágica com luz, som e<br />
imagem, a TV seria um prolongamento da visão e da audição.<br />
Da mesma forma, um carro seria uma extensão dos pés e as<br />
camisetas (das lisas às estampadas com o rosto de Che Guevara)<br />
seriam extensões da pele.<br />
Com essas proposições, McLuhan abriu duas vertentes: a) os mei-<br />
os correspondem a um vasto conjunto de suportes e b) são pro-<br />
longamentos físicos. As mensagens, assim, seriam tão mutantes e<br />
complexas quanto os meios que as abrigam, adaptando-se a eles.<br />
Daí o surgimento da máxima “o meio é a mensagem”.<br />
No contexto de McLuhan, a TV trazia à tona o fato de que os<br />
conteúdos jornalísticos apresentados ali não podiam ser apre-<br />
endidos com a profundidade e o requinte crítico dos jornais<br />
impressos. Ao ler uma página do Toronto Star 6 a informação<br />
podia ser decodificada e assimilada no tempo exigido por seu<br />
receptor, mas o mesmo não era permitido quando as notícias<br />
____________________<br />
6 Jornal impresso canadense, fundado em 1892. Atualmente o impresso de maior circulação no país, com cerca de<br />
400 mil exemplares.<br />
75
eram veiculadas por um telejornal, dada a rápida transição en-<br />
tre as matérias e os assuntos abordados.<br />
Para McLuhan, os indivíduos não ficavam imunes aos proces-<br />
sos de reconstrução midiática, passando por transformações à<br />
parte simultaneamente. Ao analisar a dinâmica evolutiva das<br />
últimas décadas, percebe-se que o desenvolvimento dos mei-<br />
os esteve intimamente ligado às mudanças sociais. Nos anos<br />
2000 a informação assumiu status de “item de sobrevivência”.<br />
Ironicamente, o ritmo pós-moderno pareceu tolher a comodi-<br />
dade de ler um jornal ou uma revista e assistir a um telejornal.<br />
Ante esse cenário e em resposta ao emprego dos computado-<br />
res, surgiram os jornais online com seções de Tempo Real. A<br />
notícia deixou de ser composta por um texto longo e analítico,<br />
passando a ser representada por fragmentos atualizados minu-<br />
to a minuto, com links que permitem aprofundamento ou res-<br />
gate de informações a qualquer momento, em qualquer or-<br />
dem. A princípio, a troca de átomos por bits significou ameaça<br />
de extinção aos impressos. Mais tarde, com a aceitação do<br />
novo meio e suas formas de transmissão, ficou claro que o sur-<br />
gimento de uma mídia não demandava “a morte” de seus pre-<br />
decessores. Para esse fenômeno McLuhan também teceu expli-<br />
cações, no exato momento em que teóricos e universitários<br />
questionavam seu legado.<br />
4. McLuhan e seu “crime”: senso comum?<br />
Eric McLuhan, filho de Marshall e co-autor de Laws of Media,<br />
divide os desafetos do pai em dois grupos: o de leitores que<br />
diziam não entender suas ideias e o de detratores que o des-<br />
prezavam por não detectarem traços científicos em sua obra.<br />
No primeiro grupo estava Dwight Macdonald, que chegou a<br />
escrever em uma resenha sobre Understanding Media – no Bra-<br />
sil publicado sob o título Os meios de comunicação como exten-<br />
sões do homem – que “as partes são melhores que o todo. Uma<br />
única página é impressionante, duas são estimulantes, cinco<br />
levantam sérias dúvidas, dez as confirmam" (MUNDAY,<br />
2003, p.01). Adiante, Macdonald classifica seu texto como<br />
“nonsense impuro”.<br />
DeMott (1969), por sua vez, preferiu rotular o trabalho de<br />
McLuhan como delirante, de difícil compreensão, embora<br />
com sentido. Segundo o autor, McLuhan produzia com opacidade,<br />
lançava livros densos com expressões como “interiorizações<br />
de tecnologia alfabética” e publicações que mais lembravam<br />
recortes acumulados sobre Matemática, Teologia Política<br />
e História, fugindo do que convencionalmente poderia<br />
ser chamado de “dissertação”. Em relação a isso, Federman<br />
(2003, p.01) diz o seguinte: “McLuhan não é de fácil leitura,<br />
pelo menos até que você tenha aprendido a decifrar sua linguagem<br />
e a quebrar o hábito de ler linearmente”.<br />
De fato, o trabalho mcluhaniano não respeita um critério cro-<br />
nológico e pode ser apreciado em qualquer ordem, sob qual-<br />
quer perspectiva, sem anular a conexão estabelecida entre su-<br />
76
as ideias. Todavia, “ler” McLuhan não diz respeito somente a<br />
“assimilar” um conteúdo, mas também a “decodificá-lo”.<br />
“Uma lição que McLuhan teve de cor referia-se à necessidade<br />
de acostumar estudantes universitários a uma análise crítica<br />
de seu ambiente cultural – com destaque para a difusão da<br />
propaganda comercial” (TRINTA, 2003, p.03). Não por outro<br />
motivo, livros como The Mechanical Bride (1951) e Counterblast<br />
(1969) são verdadeiras coletâneas de anúncios, tirinhas de jor-<br />
nais, gravuras, acrósticos ou representações abstratas de um<br />
McLuhan que defendia os meios de comunicação como for-<br />
mas de arte, de expressão.<br />
Quanto às acusações de teorias pautadas no senso comum, as<br />
mesmas se baseavam no fato de McLuhan não ter adotado em<br />
nenhum de seus livros qualquer critério científico. Ao invés<br />
de análises bibliográficas ou exploração de teorias em voga,<br />
McLuhan seguiu outros caminhos. “McLuhan se apartou do<br />
pesquisador tradicional, obrigado por praxes e convenções<br />
acadêmicas a se definir e pautar por critérios peculiares ao<br />
que se pode ter por uma postura científica. Fale-se, antes, em<br />
envergadura poética” (TRINTA, 2003, p.06).<br />
Para Friesman (2005), estava aí o grande erro: McLuhan pre-<br />
feria citar artistas a teóricos, ler menos como um estudioso e<br />
mais como um visionário, se posicionar como um poeta, e<br />
não como um cientista empírico. Se para ele comunicar era<br />
uma atitude de arte, então que seus escritos também o fos-<br />
sem. No entanto, para a pesquisa em comunicação na época,<br />
aceitar as estripulias mcluhanianas na academia era equiva-<br />
lente a permitir que Jimi Hendrix conduzisse a Orquestra Fi-<br />
larmônica de Berlim.<br />
Além disso, ao afirmar que os meios alteravam sociedades e<br />
moldavam novos comportamentos ao sugerir novas lingua-<br />
gens, McLuhan fez disparar o alerta de pensadores dos media.<br />
Com isso, foi taxado determinista e fundou-se aí a corrente an-<br />
ti-McLuhan mais forte.<br />
77
5. Determinismo tecnológico<br />
Conforme lembra Tremblay (2003, p.16), em McLuhan “a socie-<br />
dade e o indivíduo são modelos para as mídias”, estabelecendo<br />
uma relação de interdependência entre criadores e criaturas.<br />
No entanto, ao focar essa relação, McLuhan negligenciou fato-<br />
res sociais, econômicos, culturais e políticos em favor da valori-<br />
zação técnica, passando a pertencer, então, ao grupo de determi-<br />
nistas tecnológicos – posto dividido também com Harold Innis.<br />
A grande diferença é que o segundo parecia contar com<br />
maior credibilidade: ao contrário de McLuhan, que recusa-<br />
va a roupagem de um universitário clássico, Innis assumia<br />
o estereótipo do verdadeiro intelectual canadense. “Sob vá-<br />
rios aspectos, Innis encarnava um típico representante da<br />
cultura livresca da era Gutenberg, segundo McLuhan. A fi-<br />
gura que evoca seu personagem é, sobretudo, a do escriba<br />
mais estudioso do que a do profeta carismático” (TREM-<br />
BLAY, 2003, p.17). Portanto, entre o estritamente acadêmico<br />
e o pensador pop, a escolha mais evidente beneficiava In-<br />
nis, o que não o excusou de também ser apontado como<br />
portador da síndrome do determinismo tecnológico.<br />
Na definição do dicionário Aurélio (1993, p.183), o verbete<br />
determinismo corresponde a um termo filosófico que represen-<br />
ta “uma conexão rigorosa entre os fenômenos (naturais ou<br />
humanos), de modo que cada um deles é completamente<br />
condicionado pelos que o precederam”. Vieira (2008, p.42),<br />
completa essa definição:<br />
O determinismo constitui uma concepção da ciência experi-<br />
mental que se fundamenta pela possibilidade da busca de<br />
relações constantes entre os fenômenos; isto é, uma doutri-<br />
na que afirma serem todos os acontecimentos, inclusive<br />
vontades e escolhas humanas, causados por acontecimen-<br />
tos anteriores, ou seja, o homem é fruto direto do meio.<br />
Ao fugir um pouco da concepção antropológica de Laraia (1997),<br />
que aplica o determinismo sob os pontos de vista social e geográ-<br />
fico, o determinismo tecnológico supõe que tecnologia e transfor-<br />
mações sociais se inscrevem numa relação em que a primeira<br />
atua como uma força condutora de mudanças sociais, indepen-<br />
dentemente de escolhas e ações humanas. Assim, conforme lem-<br />
bra Lima (2001), sob a ótica do determinismo tecnológico as tec-<br />
nologias são apresentadas como autônomas, forças independen-<br />
tes, autocontroláveis, autodetermináveis e autoexpandíveis.<br />
Aplicada à análise da obra de McLuhan, surgiria a interpre-<br />
tação de que este autor pensaria a evolução das culturas<br />
como decorrentes de uma afetação direta dos modelos de<br />
tecnologias que emergem, fazendo com que sua compreen-<br />
são ficasse reduzida a uma lógica causal, linear e sequenci-<br />
al, na qual a tecnologia, exclusivamente, determinasse os<br />
modos de se ser humano. (PEREIRA, 2006, p.04)<br />
Foi a partir dessa premissa que Raymond Williams, um dos<br />
maiores contestadores de McLuhan, baseou suas críticas. Para<br />
Williams (2003), a metáfora do meio como mensagem seria<br />
ideológica, ofensiva, abstraída de sentido e alheia a caracteres<br />
78
históricos. O autor, defendendo a efetividade humana, susten-<br />
tou que os meios podem incitar transformações, mas não de-<br />
terminá-las. Williams aponta que os meios foram desenvolvi-<br />
dos e implementados para ajudar nas práticas humanas já co-<br />
nhecidas ou almejadas, todas ligadas a interesses e vontades<br />
dos grupos que as contêm.<br />
A princípio, nesse ponto, McLuhan parece ter dado um tiro no<br />
próprio pé.<br />
Todos os meios agem sobre nós de modo total. Eles são tão<br />
penetrantes que suas conseqüências pessoais, políticas, eco-<br />
nômicas, estéticas e psicológicas, morais, éticas e sócias não<br />
deixam qualquer fração de nós mesmos inatingida, intoca-<br />
da ou inalterada. (MCLUHAN, 1969, p.54)<br />
No universo mcluhaniano, na galáxia de Gutenberg, os meios<br />
deixaram de ser interpretados como meros canais e passaram<br />
a ser reconhecidos como agentes inanimados dos processos<br />
de interação. Embora manipulados por seres humanos, os arte-<br />
fatos em si ganhavam amplitude e destaque nas teorias de<br />
McLuhan, sendo responsáveis por mutações sociais que iriam<br />
desde a gramática das mensagens à estruturação das socieda-<br />
des. Assim, ao invés de os meios se adaptarem a construções<br />
sociais inéditas, os grupos estariam sujeitos a novas formata-<br />
ções frente às tecnologias. Trinta (2003, p.09) resume essas idéi-<br />
as da seguinte forma:<br />
O conteúdo de um meio é sempre um outro meio. O conteú-<br />
do da escrita é a fala, tal como a palavra escrita é o conteú-<br />
do da imprensa, e a imprensa, o conteúdo do telégrafo. (...)<br />
Todos os meios são metáforas ativas por seu poder de tradu-<br />
zir a experiência em novas formas (...). Não haverá mudan-<br />
ça tecnológica nos meios de comunicação que não venha<br />
acompanhada por uma espetacular mudança social. Todas<br />
as mudanças sociais representam efeitos das novas tecnolo-<br />
gias sobre o equilíbrio de nossa vida sensorial.<br />
Curiosamente, nessa explanação tem-se intrínseca uma outra<br />
noção de McLuhan: a das Tétrades, também conhecidas como<br />
“Leis da Mídia”, uma tentativa mcluhaniana de adequar seu<br />
pensamento à demanda cientificista. Ao receber uma proposta<br />
editorial para revisar e reeditar Understanding Media,<br />
McLuhan optou por buscar um ponto de equilíbrio entre a ciência<br />
convencional e seu estilo rejeitado pelos acadêmicos.<br />
Para chegar a esse ponto, concluiu que precisaria encontrar e<br />
defender pressupostos de fácil verificação. Foi daí que levantou<br />
o seguinte problema: “Que tipo de afirmação podemos fazer<br />
sobre a mídia e que pode ser testada, provada ou refutada<br />
por qualquer um? O que todas as mídias têm em comum? O<br />
que fazem?” (MCLUHAN, 1988, p. 08). O resultado dessas indagações<br />
foram quatro postulados que, na verdade, já estavam<br />
dispersos ao longo de sua obra.<br />
79
6. As leis da mídia: o quarteto fantástico de McLuhan<br />
Conforme já citado anteriormente, McLuhan propôs encarar os<br />
meios como extensões do homem. Isto é, ante as limitações dos<br />
indivíduos, aparatos tecnológicos eram desenvolvidos para am-<br />
pliar suas potencialidades. Assim, em suma, toda tecnologia<br />
amplifica algum órgão ou faculdade do usuário. Consequente-<br />
mente, todo meio, quando explorado ao máximo e tendo esgo-<br />
tado seu potencial (ou caindo em desuso por desinteresse de<br />
seus usuários) pode reverter no seu oposto (avanço e reversão).<br />
Tem-se aqui duas leis da mídia elucidadas por McLuhan.<br />
A terceira diz respeito ao fato de que ante uma nova proposta<br />
midiática, o artefato anterior se torna obsoleto sem que isso implique<br />
em sua extinção: de acordo com McLuhan, os arquétipos<br />
que antecedem novas mídias se convertem, nesse momento,<br />
em exemplares de arte. Há de se frisar – abrindo frestas<br />
para a quarta lei – que caracteres dos meios anteriores manifestam-se<br />
nos aparatos considerados “modernos” (recuperação).<br />
Daí o fundamento para se dizer que o conteúdo de um<br />
novo meio é sempre um antigo meio. “Toda inovação, enquanto<br />
torna algo vigente obsoleto, recupera características similares,<br />
anteriormente em desuso (...). Comunicar algo novo é como<br />
um milagre: difícil, mas não impossível. Mais arte do que ciência”<br />
(NEVITT, MCLUHAN, 1994, p.15).<br />
Segundo Theall (2001), as Tétrades podem ser associadas à ana-<br />
logia da proporcionalidade (A está para B assim como C está<br />
para D). No entanto, conforme frisa o autor, McLuhan voltou<br />
sua atenção muito mais às diferenças do que às similaridades<br />
de cada uma. Daí a defesa de que não se tratam de fatores se-<br />
quenciais, mas de complementos. “Os quatros aspectos são ine-<br />
rentes a cada artefato desde o início. Todos são complementares<br />
e requerem observação atenta dos meios como algo concreto<br />
em seu contexto, não abstrato” (MCLUHAN, 1966, p.98).<br />
Assim que as quatro proposições foram (re)descobertas,<br />
McLuhan iniciou uma busca ferrenha por dois fatores: a quinta<br />
lei da mídia e, ainda, algum exemplo de artefato que pudesse<br />
refutar o que acabara de elucidar. Não encontrou nada. Resol-<br />
veu então pôr em prática sua intenção cientificista e apresentou<br />
as Tétrades a colegas de trabalho e acadêmicos da Universida-<br />
de de Toronto, além de visitantes e alunos do Centro de Cultu-<br />
ra e Tecnologia. A intenção era alcançar leitores em potencial do<br />
que seria a segunda edição de Understanding Media e, mais tar-<br />
de, se transformou em Laws of media: the new science.<br />
Contudo, nem assim McLuhan recebeu aprovação. As Leis<br />
da Mídia só foram divulgadas oito anos após sua morte. Nes-<br />
se período, McLuhan amargou considerável ostracismo que<br />
só foi remediado na década de 90, quando a aldeia global co-<br />
meçou a ser efetivamente materializada na contemporaneida-<br />
de.<br />
80
Conclusão<br />
Na cena acadêmica, McLuhan foi durante décadas um teórico<br />
negligenciado. Entre coadjuvante e antagonista, o canadense<br />
foi acusado de dois delitos: não ser cientificamente inclinado<br />
e, assim, não oferecer teorias prontas ao Olimpo da comunica-<br />
ção. O erro de McLuhan foi fazer de seu trabalho um arquéti-<br />
po de toda poesia que o rodeava desde o berço. Poder-se-ia di-<br />
zer que, traído por suas próprias teorias, o canadense ignorou<br />
a fugacidade dos públicos modernos e esperou deles que com-<br />
preendessem toda a metáfora e hipertextualidade de suas pu-<br />
blicações. Todavia, McLuhan usava mais uma vez de sua irre-<br />
verência: se o que pregava era o criticismo, entregar teorias<br />
prontas a acadêmicos e universitários seria como entregar a<br />
fórmula da Coca-Cola para os fabricantes da Pepsi. Talvez a<br />
grande questão fosse de fato esperar que seu “público-alvo”<br />
estivesse realmente preparado para entender sua teoria, já<br />
que falar de aldeia global, extensões e redes parecia absurdo<br />
demais à sua época.<br />
Ao considerar que sua atuação foi visionária, chega a ser possí-<br />
vel compreender o porquê de tantas críticas. McLuhan era a<br />
bug da Matrix – ameaçava adentrar o sistema causando rebuli-<br />
ço. Ora, incidir sobre os meios os holofotes analíticos tendia à<br />
balela quando o foco até então voltava-se a quem os administra-<br />
va e à passividade da grande massa numa relação vertical imu-<br />
tável. Daí deduzir que chamar a atenção para transformações<br />
sociais dinâmicas e constantes no ritmo das evoluções tecnológi-<br />
cas não fizesse sentido. Obviamente, a aventura interdisciplinar<br />
também soava como ameaçadora e beirava à heresia quando<br />
um canadense metido a analista comunicacional sugeria mistu-<br />
rar cânones da literatura a peças publicitárias e discussões so-<br />
bre canais de comunicação dilatados e populares.<br />
A falha de McLuhan, portanto, foi ater-se a objetos considera-<br />
dos paralelos aos interesses “batizados” como científicos e tar-<br />
diamente dar o braço a torcer para amenizar seu caráter “van-<br />
guardista” em nome de uma possível congruência entre suas<br />
perspectivas e a de seus opositores.<br />
Mas agora, às portas da revolução informacional, McLuhan<br />
ressurge das cinzas. Muito embora seus postulados ainda se-<br />
jam pouco estudados e soem muito mais como slogans dos<br />
anos 2000, o canadense vem sendo tardiamente resgatado, reti-<br />
rado do limbo em que se encontrava como indigente enquan-<br />
to parte de suas teorias ganhava notoriedade de forma quase<br />
anônima – os créditos foram dados a McLuhan de forma apa-<br />
gada, praticamente restrita aos grupos de estudo no Canadá.<br />
Ainda assim, com tantos arquétipos, novos conceitos e para-<br />
digmas virtuais em voga, McLuhan parece ter oferecido ao<br />
mundo as provas que tanto lhe cobraram ao longo do tempo.<br />
Nada mais cientificista que isso.<br />
81
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83
Profundo e nefasto:<br />
o debate sobre a televisão<br />
na obra de McLuhan e Adorno<br />
JANARA SOUSA<br />
PROFESSORA-ADJUNTA DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL<br />
JANARA.SOUSA@GMAIL.COM<br />
PEDRO RUSSI<br />
PROFESSOR-ADJUNTO DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO<br />
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BRASÍLIA, BRASIL<br />
PEDRORUSSI@GMAIL.COM<br />
Resumo<br />
Adorno e McLuhan foram e continuam sendo um dos principais expo-<br />
entes da pesquisa em Comunicação no século XX. Lidos e citados por<br />
investigadores do mundo inteiro, eles compõem um grupo bastante<br />
restrito que poderíamos arriscar chamar de clássicos da pesquisa em<br />
nossa área, dadas a qualidade e a importância de suas obras. Represen-<br />
tantes de duas escolas de pensamento seminais para o saber comunica-<br />
cional – Escola de Frankfurt e Escola de Toronto – os autores se desta-<br />
cam ainda por sua capacidade de continuar a influenciar e inspirar ge-<br />
rações de novos pesquisadores. A proposta deste artigo é, na medida<br />
do possível, comparar a matriz teórica e metodológica desses teóricos<br />
no que diz respeito ao estudo da Televisão. Aparentemente opostas, as<br />
contribuições de McLuhan e Adorno convergem em alguns pontos, em<br />
especial, na centralidade dada aos processos de comunicação media-<br />
dos como chave de leitura para explicar os fenômenos sociais e no lo-<br />
cal de destaque que ambos destinaram à Televisão em suas obras.<br />
Palavras chave<br />
comunicação, televisão, Marshall McLuhan, Theodor Adorno<br />
84
Introdução<br />
Theodor Adorno (1903-1969) e Marshall McLuhan (1911-1980)<br />
marcaram profundamente a tradição de pesquisa em Comuni-<br />
cação. Fulguram nos textos sobre a história das teorias da área<br />
como personalidades importantes, pensadores destacados,<br />
que formaram escolas de pensamento e inspiram continuado-<br />
res. Os contemporâneos optaram por matrizes diferentes (e<br />
por que não dizer opostas?) para analisar o impacto do proces-<br />
so comunicacional. Mas, o que eles tiveram, indiscutivelmen-<br />
te, em comum foi a preocupação de compreender os efeitos<br />
do processo comunicacional, contudo, privilegiando chaves<br />
de leituras diferentes: McLuhan, o meio; Adorno, a mensa-<br />
gem. Nosso interesse está em perceber tais chaves de leitura e<br />
compreender as formas (pesquisa) por meio das quais eles<br />
procuraram conhecer o mais destacado no entorno aos meios,<br />
o meio e a mensagem respectivamente.<br />
As décadas 50 e 60 foram os períodos em que mais se concen-<br />
trou a produção científica de McLuhan e Adorno. O canaden-<br />
se McLuhan publicou nessa ocasião três das suas mais impor-<br />
tantes obras: “A Galáxia de Gutenberg”, “Os Meios de Comu-<br />
nicação como Extensões do Homem” e “O Meio é a Mensa-<br />
gem”. O trabalho de McLuhan foi profundamente marcado<br />
por um debate sobre o impacto da tecnologia, i.e., de que for-<br />
ma haveria uma penetrabilidade dessa tecnologia nas ações<br />
cotidianas. Para o autor, os meios de comunicação criam um<br />
novo ambiente social e isso muda profundamente a maneira<br />
como percebemos e estamos no mundo. A centralidade dada<br />
aos meios de comunicação fez com que McLuhan fosse acusa-<br />
do de um determinismo tecnológico. Um determinismo que,<br />
até hoje, se emprega não como compreensão do que isso signi-<br />
ficou ou significa – se for o caso –, senão, como categorização<br />
de validação de um pensamento. Nesse sentido, as discussões<br />
de McLuhan não seriam válidas por serem deterministas ou<br />
vice-versa. A questão é pensar quais foram as formas epistêmi-<br />
cas que lhe possibilitaram pensar a centralidade dos meios. Se<br />
partirmos de que não foi por acaso, é necessário compreender<br />
suas particularidades epistemológicas e metodológicas.<br />
Por sua vez Adorno – expoente da Escola de Frankfurt – esta-<br />
va preocupado em denunciar os danos causados pela Indús-<br />
tria Cultural sobre a cultura de massa (conceito especialmen-<br />
te acunhado, junto a Horkheimer, em “Dialética do Esclareci-<br />
mento”, no ano 1947). A análise e interpretação da cultura<br />
será para entender uma ideologia capitalista em co-autoria<br />
com a Indústria Cultural. Nessa linha, o autor apontou o efei-<br />
to perverso dos meios de comunicação que fizeram da cultu-<br />
ra um negócio de grandes proporções, cujo objetivo princi-<br />
pal é conformar, controlar e manipular a audiência. A pers-<br />
pectiva crítica de Adorno foi apontada por muitos como pes-<br />
simista. Aqui retomamos o supramencionado, é importante<br />
destacar o pessimismo de Adorno ou, se nosso interesse é<br />
epistêmico, a compreensão dos processos intelectuais que<br />
lhe permitiram pensar dessa forma.<br />
85
Se o leitor observar detidamente estas linhas de apresentação,<br />
deparar-se-á com dois pensadores que, pelas suas condições e<br />
maneiras de produção intelectuais relacionadas à Comunica-<br />
ção (seja pelo meio ou mensagem), tornam-se referentes inten-<br />
sos nas suas posições epistêmicas.<br />
A proposta deste artigo é a de investigar como esses dois auto-<br />
res, aparentemente tão opostos, enfrentaram o debate sobre a<br />
televisão. Como é a experiência da TV? Qual o impacto dessa<br />
experiência? Ambos os teóricos escreveram textos específicos<br />
para tratar somente deste tema e acreditamos que esse debate<br />
é fundamental para compreendermos os efeitos dos processos<br />
comunicacionais não somente na perspectiva de entender ex-<br />
clusivamente a visão de dois representantes de escolas de pen-<br />
samento distinto, mas, especialmente, para compreender a<br />
nós mesmos na medida em que eles formam as nossas princi-<br />
pais influências que nos auxiliam hoje no debate sobre a Co-<br />
municação. Adorno e McLuhan, certamente, ainda têm muito<br />
a nos dizer sobre o poderoso, profundo e nefasto “gigante tí-<br />
mido” (MCLUHAN, 1964).<br />
Televisão: “A sala de aula sem paredes”<br />
Antes de mergulharmos nas semelhanças e diferenças no modo<br />
de debater a experiência e o efeito da televisão, entre Adorno e<br />
McLuhan, vamos primeiro apresentar um pouco do pensamen-<br />
to de cada um desses autores sobre esse meio de comunicação.<br />
Comecemos, então, por McLuhan que escreveu dois textos im-<br />
portantes, no qual a televisão é o aspecto privilegiado de análi-<br />
se. O primeiro texto é “A televisão: o gigante tímido”, publica-<br />
do na obra “Os meios de comunicação como extensões do ho-<br />
mem”, em 1964. O segundo texto, chamado “Visão, som e fú-<br />
ria”, foi publicado originalmente 1954 no periódico americano<br />
Commonweal. Seguramente, há mais na obra de McLuhan sobre<br />
a televisão do que somente estes dois textos. Certamente, pode-<br />
mos encontrar esse debate diluído em diversas obras do autor,<br />
entretanto, optamos por esse material considerando que ele<br />
traz o recorte específico sobre a televisão e, em certa medida,<br />
sumariza o pensamento do autor sobre o tema. Entretanto, é<br />
preciso esclarecer que, à medida que se fez necessário, recorre-<br />
mos a outros textos do autor no intuito de esclarecer conceitos e<br />
dúvidas. Não há dúvidas de que para um mergulho mais pro-<br />
fundo fosse necessário recolher mais material, tarefa que opor-<br />
tunamente será empreendida.<br />
Ao começar o seu debate sobre as características e efeitos da<br />
televisão, McLuhan (1964) deixa claro que sua análise não é<br />
sobre conteúdo e sim sobre o meio. Esse é, evidentemente, um<br />
dos argumentos mais contundentes e inovadores na obra do<br />
86
autor, o qual ele faz questão de enfatizar, quando se refere à<br />
TV. De acordo com ele, a imagem desse canal causa uma per-<br />
turbação psíquica e social e não a sua programação. McLuhan<br />
(1964) reclama que os cientistas políticos e os historiadores<br />
têm sistematicamente negligenciado o estudo dos efeitos soci-<br />
ais e pessoais dos meios separadamente do seu conteúdo. E<br />
essa é a tarefa que o autor se propõe a empreender, abrindo o<br />
caminho inferencial para compreender a esfera mediática des-<br />
de outra perspectiva, a dos meios, i.e., desenha outra porta de<br />
entrada analítica ao configurar um saber diferente para inter-<br />
pretar a relação sociedade-meios.<br />
É importante trazer uma classe de conceitos fundamentais do<br />
pensamento de McLuhan, que nos auxiliará na leitura sobre as<br />
características da televisão. Trata-se do debate sobre meio frio e<br />
meio quente, um tema que para muitos atuais críticos e estudio-<br />
sos de McLuhan não seria necessário mais enfrentar, porque já<br />
foi resolvido ou não leva a nenhuma compreensão afinada da<br />
proposta desse pensador. Porém, para avançarmos na empresa<br />
de analisar o pensamento do teórico sobre a televisão, vale desta-<br />
car essa tipificação dos meios de comunicação. Segundo aspectos<br />
da sua natureza, os meios quentes são caracterizados por sua<br />
alta definição: “(...) Alta definição se refere a um estado de alta<br />
saturação de dados” (MCLUHAN, 1964, p. 38). Essa alta defini-<br />
ção faz com que os meios quentes, como o rádio, o cinema e o im-<br />
presso, não deem margem para participação e envolvimento da<br />
audiência. Já o que caracteriza os meios frios é exatamente a po-<br />
breza das informações, que obrigada o receptor a participar e se<br />
envolver na perspectiva de “completar”, “fechar” o significado<br />
das informações que recebem.<br />
Assim colocado, a televisão, enquanto meio frio, promove a parti-<br />
cipação. “A TV não funciona como pano de fundo. Ela envolve.<br />
É preciso estar com ela” (MCLUHAN, 1964, p. 350). Quanto mais<br />
alta definição um meio tem, menor a possibilidade de participa-<br />
ção. Contudo, se o meio é de baixa definição, o envolvimento do<br />
receptor é maior. Na TV, segundo McLuhan (1964), a programa-<br />
ção deve ser envolvente do tipo “faça você mesmo”. O próprio<br />
ator deve assumir esse espírito e estar pronto para improvisar e<br />
manter a intimidade com o público. “A TV não é tanto um meio<br />
de ação quanto de reação” (MCLUHAN, 1964, p. 359). Por isso,<br />
McLuhan acredita que o consumidor da televisão é ativo, en-<br />
quanto o dos meios quentes é passivo.<br />
O meio frio da TV incentiva a criação de estruturas em pro-<br />
fundidade no mundo da arte e do entretenimento, criando<br />
ao mesmo tempo um profundo envolvimento da audiência.<br />
Quase todas as tecnologias e entretenimentos que se segui-<br />
ram a Gutenberg não têm sido meios frios, mas quentes; frag-<br />
mentários, e não profundos; orientados no sentido do consu-<br />
mo e não da produção (MCLUHAN, 1964, p. 350 e 351).<br />
Vamos avançar e compreender que a experiência da televisão<br />
é fortemente marcada por suas características tecnológicas. A<br />
construção da imagem da TV é uma trama em mosaico, ao<br />
contrário dos meios impresso, por exemplo, cuja imagem é vi-<br />
sual e linear. Por causa dessa característica, o público precisa<br />
87
de um envolvimento profundo no processo de construção da<br />
trama. É por essa razão que McLuhan afirma que um ator tele-<br />
visivo precisa ter essa interpretação íntima, quase improvisa-<br />
da, por que esse meio não suporta personalidades bem deline-<br />
adas e favorece mais a construção de processos do que a apre-<br />
sentação de produtos prontos e acabados. Esse argumento é<br />
algo que os continuadores de McLuhan foram reafirmar e<br />
aprofundar, como é o caso do pesquisador estadunidense<br />
Joshua Meyrowitz (1985) 1 , que fez um livro sobre o impacto<br />
da televisão no comportamento social.<br />
A televisão exerce uma força sinestésica e unificadora sobre<br />
a vida das populações letradas e desmonta, assim como os<br />
outros meios eletrônicos, a rigorosa especialização dos senti-<br />
dos e a hierarquia imposta pelos meios escrito/impresso. As-<br />
sim colocado, outra característica da TV é justamente a capa-<br />
cidade de promover a singularidade e a diversidade, já que<br />
as experiências profundas são únicas e de significados parti-<br />
culares e não massivos.<br />
A TV, conforme McLuhan, instaura uma nova maneira de en-<br />
carar a realidade, avançando pode-se estabelecer também<br />
como uma forma diferente de descrever a realidade. Ela ali-<br />
menta a paixão pelo envolvimento profundo e isso não se li-<br />
mita somente à experiência com a televisão, mas se estende<br />
para todos os outros setores das nossas vidas. O autor argu-<br />
menta que ela mudou a nossa organização imaginativa por-<br />
____________________<br />
1 O título original do livro é “No Sense of Place: The Impact of Electronic Media on Social Behavior”.<br />
que não separa e especializa os sentidos. Haveria, dessa ma-<br />
neira, um entendimento de conjunção dos sentidos, não uma<br />
dicotomia dos mesmos, i.e., note-se a interdependência de<br />
sentidos. A televisão é uma extensão do tato e isto implica<br />
dizer que ela envolve uma inter-relação dos sentidos. A cul-<br />
tura letrada, por exemplo, ao estender a visão e promover<br />
uma organização uniforme do espaço e do tempo, permitia o<br />
distanciamento e o não-envolvimento.<br />
A televisão é menos um meio visual do que tátil-auditivo,<br />
que envolve todos os nossos sentidos em profunda inter-re-<br />
lação. Para as pessoas há muito habituadas à experiência<br />
meramente visual da tipografia e da fotografia, parece que<br />
é a sinestesia, ou profundidade tátil da experiência da TV,<br />
que as desloca de suas atitudes correntes de passividade e<br />
desligamento (MCLUHAN, 1964, p. 378).<br />
Um aspecto interessante que podemos interpretar a partir da<br />
argumentação de McLuhan sobre as características da TV é<br />
que não há passividade nessa experiência. Embora a televisão<br />
seja vista por muitos como espaço da falta de ação e de acolhi-<br />
mento ingênuo das mensagens, McLuhan defende que essa<br />
maneira de encará-la é herdeira da cultura letrada. A TV, ao<br />
contrário dessa cultura, exige participação imediata, envolvi-<br />
mento e respostas criativas: “(...) ela nos envolve numa profun-<br />
didade móvel e comovente, mas que não nos excita, agita ou<br />
revoluciona. Presume-se que seja esta a característica de toda<br />
experiência profunda” (MCLUHAN, 1964, p. 379). Essa rela-<br />
88
ção implica uma ação distante e distinta ao que poderia ser<br />
A→B. Tal situação de ingerência direta e de mão única (A→B)<br />
não sustenta uma compreensão de interdependência e inter-re-<br />
lação dos sentidos. Daí a crítica, por parte de McLuhan, ao en-<br />
tendimento de uma relação unidirecional de acolhimento.<br />
O efeito de séculos vivendo sob a influência da cultura letrada<br />
faz McLuhan (2002) se perguntar se essa especialização faz<br />
com que não consigamos encarar os novos meios de comuni-<br />
cação como cultura séria. O livro nos hipnotizou de tal forma<br />
que McLuhan questiona se somos capazes de perceber que a<br />
forma própria de um meio de comunicação é tão importante<br />
quanto o conteúdo que ele transmite. O que o autor chama a<br />
atenção é que as tecnologias criam novas formas de ambiência<br />
e isso, sem dúvida, é a sua principal mensagem. “Cada forma<br />
(dispositivo ou metrópole), cada situação planejada e realiza-<br />
da pela inteligência factiva do homem é uma janela que revela<br />
ou deforma a realidade” (MCLUHAN, 2002, p. 155). O autor<br />
completa afirmando que as inovações nos meios de comunica-<br />
ção promovem profundas mudanças sociais.<br />
Ainda com relação ao binômio meio/mensagem, McLuhan<br />
(2002) coloca, como exemplo da importância do próprio<br />
meio para além do conteúdo veiculado, que mesmo que o<br />
conteúdo jornalístico fortaleça o nacionalismo, a página do<br />
jornal não o faz já que sua característica é ser intercultural e<br />
internacional. A mensagem que não está explícita é a de que<br />
o mundo é uma única cidade.<br />
A política, por exemplo, está para McLuhan (1964) profunda-<br />
mente afetada pelas características da televisão, afetada por<br />
suas lógicas. O teórico acredita que chegou ao fim a votação<br />
em legendas. Nós votamos, agora, em personalidades. Ou<br />
seja, em lugar de ponto de vistas políticos, optamos por atitu-<br />
de e posições políticas inclusivas. Para exemplificar esse argu-<br />
mento, McLuhan dá o exemplo das eleições presidenciais dos<br />
Estados Unidos, que foram disputadas por Kennedy e Nixon.<br />
O primeiro foi o vencedor por que era uma personalidade<br />
muito mais afeita às características da televisão, que suporta<br />
menos o conflito de opiniões e promove o envolvimento em<br />
profundidade, do que o bem delineado perfil de Nixon. Perso-<br />
nalidades facilmente classificáveis frustram o telespectador<br />
porque não lhes permite a possibilidade de complementar/<br />
participar do conteúdo veiculado (MCLUHAN, 1964). Como<br />
exercício analítico, podemos nos aproximar aos tempos atuais<br />
e observar o pano de fundo “marketeiro” nos “embates políti-<br />
cos”, em detrimento dos programas políticos dos partidos.<br />
Presenciamos o redesenho de candidatos políticos (personali-<br />
dade a ser desenvolvida), por exemplo, no trânsito de um<br />
“Lula Talibã” para um “Lula paz e amor”.<br />
Finalmente, vale terminar o escrutínio do pensamento de<br />
McLuhan sobre a televisão trazendo um último exemplo, que<br />
é bastante enfatizado na obra do autor: trata-se do papel edu-<br />
cativo da televisão. O título desse apartado traz a sugestão de<br />
que a televisão seria uma sala de aula sem paredes. McLuhan<br />
acredita que a televisão impactou profundamente a educação.<br />
89
“A TV mudou a nossa vida sensória e nossos processos men-<br />
tais. Criou um novo gosto por experiências em profundidade,<br />
que afeta tanto o ensino da língua como o desenho industrial<br />
dos carros” (MCLUHAN, 1964, p. 373). As crianças, que nasce-<br />
ram sobre a égide da televisão, lançam sobre os meios impres-<br />
sos todo o seu envolvimento sensório e tentam viver a experi-<br />
ência da leitura como vivem a experiência da TV.<br />
Aprendendo a assistir televisão<br />
Adorno escreveu três textos específicos sobre a televisão:<br />
“Prologue to Television” e “Television as Ideology”, ambos publi-<br />
cados originalmente no livro “Critical models: interventions<br />
and catchwords”, em 1963; e “Television and the patterns of mass<br />
culture”, publicado originalmente com o título “How to look<br />
at television”, em 1954, no periódico americano “Quartely of<br />
film, radio and television”. Mais uma vez, retomamos o argu-<br />
mento colocado sobre a questão da escolha dos textos de<br />
McLuhan para explicar também nossa escolha com relação<br />
aos textos de Adorno. Para tornar mais factível a compara-<br />
ção e desenhar categorias mais sólidas de análise, buscamos<br />
os textos dos dois autores que declararam abertamente mer-<br />
gulhar no tema da televisão. Embora, não tenhamos coloca-<br />
do essa ação como uma camisa de força, na medida em que<br />
consultamos outros textos para sanar dúvidas e questões<br />
que ficaram em aberto.<br />
O primeiro aspecto que Adorno esclarece em seu texto “Tele-<br />
vision and the patterns of mass culture” é que ele pretende<br />
analisar a natureza da televisão e do seu repertório de ima-<br />
gens e não programas televisivos específicos, embora no<br />
seu texto “Television as Ideology” ele apresente o resultado<br />
da análise de conteúdo de trinta e quatro programas de tele-<br />
visão. Os três textos se complementam e apresentam um<br />
quadro importante do pensamento de Adorno sobre os efei-<br />
tos da televisão.<br />
90
Sobre esses efeitos, o autor acredita que para compreendê-los é<br />
preciso ter nas mãos categorias da psicologia e conhecimento so-<br />
bre os meios de comunicação de massa. Adorno acredita que de-<br />
vamos questionar sistematicamente os estímulos sócio-psicológi-<br />
cos do material televisivo, tanto do ponto de vista descritivo,<br />
quanto do psicodinâmico, assim como analisar os pressupostos<br />
prévios da pauta desse meio para avaliar seus possíveis efeitos.<br />
Ao revelar as implicações sócio-psicológicas e os mecanismos<br />
da televisão, que com frequência atuam sob o disfarce de um<br />
falso realismo, não somente poderão melhorar seus progra-<br />
mas, mas, também – e isto talvez seja mais importante – pode-<br />
rá sensibilizar o público quanto ao efeito nefasto de alguns des-<br />
tes mecanismos (trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 239).<br />
Um aspecto interessante do debate de Adorno sobre a televi-<br />
são é que ele pensa em termos de um “melhoramento” da<br />
programação desse meio. Ou seja, para Adorno precisamos<br />
compreender bem a televisão para aprender a lidar com ela<br />
e a melhorar sua pauta. Porém, melhorar a pauta implica<br />
uma ação direta: melhorar a sociedade. Contudo, ainda a in-<br />
tensidade mantém-se: meios→receptores. O teórico acredita<br />
mesmo que não se trata somente de um aprimoramento de<br />
um ponto de vista estético ou artístico, mas, sobretudo, de<br />
uma nova postura do telespectador: “(...) o esforço que se re-<br />
quer é em si mesmo de natureza moral, pois consiste em en-<br />
carar com conhecimento de causa dos mecanismos psicológi-<br />
cos que atuam em diversos níveis com o propósito de nos<br />
converter em vítimas cegas e passivas” (trad. livre) (ADOR-<br />
NO, 1977, p. 259). Adorno acredita que sua análise trará reco-<br />
mendações claras ao público, que de posse desse conheci-<br />
mento terá mais condição de se defender do efeito nefasto<br />
da televisão. Adverte-se um despertar do público, dar ele-<br />
mentos para que ele tome consciência, desvende o que está<br />
oculto e que por não ser possível observar diretamente, leva-<br />
o, nessa manobra danosa, à funesta falta de consciência.<br />
Antes de passar para as características e efeitos da televisão pro-<br />
priamente ditos, vale destacar dois aspectos da cultura de mas-<br />
sa que nos permitirão compreender melhor a argumentação de<br />
Adorno. O primeiro aspecto a ser destacado é o fato da cultura<br />
de massa fazer referência aos arquétipos estabelecidos durante<br />
o desenvolvimento da sociedade de classe média, mais precisa-<br />
mente no final do século XVII e XVIII, na Inglaterra. Desde en-<br />
tão a produção de produtos culturais cresceu e, segundo o au-<br />
tor, não somente em quantidade, mas, também, em novas quali-<br />
dades. O ponto crucial é que a cultura de massa incorporou ele-<br />
mentos de sua predecessora, inclusive as proibições. A diferen-<br />
ça entre as duas culturas está no fato de que a cultura de massa<br />
se estabeleceu como um negócio em larga escala.<br />
Quanto mais se expande o sistema de "comercialização" da<br />
cultura, mais ela tende a assimilar a arte também "séria" do<br />
passado, mediante a adaptação desta arte aos próprios re-<br />
quisitos de sistema. O controle é tão amplo que qualquer<br />
violação das suas regras é estigmatizada a priori como "pe-<br />
dantismo" e é improvável que alcance a maior parte da po-<br />
pulação. O esforço conjunto do sistema resulta no que pode-<br />
91
ia ser chamado a ideologia dominante do nosso tempo<br />
(trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 241).<br />
Outro efeito dessa cultura de massa, que mantém uma relação<br />
direta com a ideologia da cultura de classe média do passado,<br />
é o seu caráter conservador, controlador e dogmático. O autor<br />
defende que essas características tendem a favorecer reações<br />
automatizadas e a fragilizar a capacidade de resistência indivi-<br />
dual. Haveria uma falta de compreensão (alienação) das pró-<br />
prias condições e relações nas quais o indivíduo se encontra<br />
na existência do mundo.<br />
O segundo aspecto apresentado por Adorno (1977) como<br />
comum nos meios de comunicação de massa é a estrutura<br />
sociológica da audiência, que mudou profundamente. O au-<br />
tor considera que não existe mais a antiga “elite culta”.<br />
Agora vários estratos populacionais que não tinham conta-<br />
to com a arte foram convertidos em consumidores cultu-<br />
rais. Esses novos consumidores costumam ser exigentes<br />
quanto à perfeição técnica e a exatidão das informações e<br />
parecem conhecer o seu potencial poder sobre os produto-<br />
res (ADORNO, 1977). De certa forma, parece existir um in-<br />
cômodo “de classe” na análise de Adorno, exposto quando<br />
se admite o acesso e consumo da “não elite culta” – a modo<br />
de ilustração lembramos da crítica realizada pelo autor,<br />
comparando o Jazz e a música Culta (Clássica).<br />
Um aspecto dessa ideologia que impregna a cultura de mas-<br />
sa de hoje é que antes se vivia um equilíbrio entre a ideolo-<br />
gia e as condições sociais concreta dos consumidores. Hoje,<br />
há um problema porque não há mais esse equilíbrio.<br />
A mensagem implícita dos meios de comunicação é dos valo-<br />
res conservadores de outrora, essa mensagem transforma es-<br />
ses valores em normas de uma estrutura social cada vez mais<br />
hierárquica e autoritária. As mensagens de adaptação e obedi-<br />
ência impregnam o nosso cotidiano.<br />
Quanto mais inarticulado e difuso parece ser o público da cul-<br />
tura de massa, maior a probabilidade dos meios de comunica-<br />
ção alcançarem a sua “integração”. Os ideais de conformidade<br />
e convencionalismo eram inerentes nos romances populares<br />
desde o início. Agora, porém, esses ideais foram traduzidos<br />
em prescrições bem claras sobre o que fazer e o que não fazer.<br />
O resultado dos conflitos é predefinido e todos os conflitos são<br />
farsa pura. A sociedade é sempre a vitoriosa e o indivíduo é<br />
apenas um fantoche manipulado pelas normas sociais (trad.<br />
livre) (ADORNO, 1977, p. 245 e 246).<br />
Adorno explica que esse constante reforço dos valores tradici-<br />
onais poderia significar o esvaziamento deles, mas não é bem<br />
assim. Trata-se mais propriamente de uma estratégia na medi-<br />
da em que quanto menos se crer na mensagem, e quanto me-<br />
nos ela está em harmonia com a existência dos espectadores,<br />
mas ela se mantém na cultura moderna.<br />
92
Pois bem, essas são características comuns aos meios de comuni-<br />
cação na cultura de massa e que, seguramente, estão presentes<br />
na televisão. Mais quais as características específicas que Adorno<br />
confere a esse meio de comunicação? Porque o autor reservou es-<br />
paços para discuti-lo em profundidade?<br />
Adorno aponta três características próprias da televisão, que<br />
nos auxiliam a compor o quadro dos seus efeitos: a sua estru-<br />
tura de várias camadas, a previsibilidade e a redução da sua<br />
narrativa em estereótipos.<br />
A primeira característica está ligada ao conteúdo que está explícito<br />
e ao que está oculto na televisão. Adorno não acredita que<br />
as mensagens de controle e dominação estejam tão evidentes<br />
para o público. Os meios de comunicação não representam<br />
para as massas apenas uma soma de ações, mas diversos estratos<br />
de significados superpostos. A mensagem da TV é impregnada<br />
de um pseudo-realismo: o conteúdo mais explícito é aparentemente<br />
mais realista e menos totalitário, mas ele funciona<br />
somente como uma estratégia para derrubar as barreiras para<br />
que o significado oculto se instale e conduza as reações do público:<br />
“Tem lugar uma clara divisão em gratificações permitidas,<br />
gratificações proibidas e repetição das gratificações proibidas,<br />
em uma forma um pouco modificada e desviada” (trad. livre)<br />
(ADORNO, 1977, p. 248). Esses múltiplos estratos de significados<br />
são, para o autor, estratégias do meio tecnológico para<br />
controlar a audiência. Alentando, dessa forma, uma passividade<br />
da audiência, isso não deixa de ser um entendimento da manipulação<br />
nos processos comunicativos massivos. A televisão<br />
está à disposição de um aparato dominador diante do qual as<br />
estratégias desviantes da recepção não aconteceriam de forma<br />
espontânea. Somente a participação de algum outro (iluminado),<br />
provocaria um processo de possível resistência, porém carente,<br />
mantendo-se, não obstante, a maldosa condição da TV.<br />
A outra característica atribuída à televisão é a previsibilidade<br />
da sua tipologia de programas. O público já está familiarizado<br />
com a divisão de conteúdo em diversas classes, como: comédia,<br />
histórias românticas, de terror e etc. Esses gêneros se transfor-<br />
mam em fórmulas que programam o espectador. Ou seja, ele<br />
supõe o que vai acontecer e como vai se sentir sem mesmo ter<br />
começado a assistir o programa. O autor defende que somente<br />
a televisão consegue transformar essas pautas em universais.<br />
Na verdade, o pseudo-realismo permite a identificação dire-<br />
ta e sumamente primitiva alcançada pela cultura popular; e<br />
apresenta uma fachada de prédios, salas, vestidos e rostos<br />
triviais como se constituíssem a promessa de que algo exci-<br />
tante e emocionante pode acontecer a qualquer momento<br />
(trad. livre) (ADORNO, 1977, p. 253).<br />
Como última característica, Adorno discute a tendência à cria-<br />
ção de clichês da televisão. Ela tende a deformar o mundo pro-<br />
movendo perigosas dicotomias, como bem/mal, ruim/bom e<br />
branco/preto. Embora considerando a importância dos este-<br />
reótipos para organização e previsão da experiência, no caso<br />
da TV o autor pondera que eles são demasiados e endureci-<br />
dos. O efeito perverso é que as pessoas perdem a sua capacida-<br />
de de compreensão da realidade e de mudar de ideia.<br />
93
Considerações Finais<br />
As propostas de leituras, como chave de acesso a duas esferas in-<br />
terpretativas, sobre o meio (McLuhan) e mensagem (Adorno) permi-<br />
tem compreender as distinções entre esses autores. Tais distinções<br />
não são simplesmente performáticas, e sim com relação à matriz<br />
interpretativa dos processos comunicacionais.<br />
Vamos iniciar pelo primeiro autor: McLuhan. O entendimen-<br />
to do meio coloca no cenário um conceito de amplificação,<br />
não só no sentido do alcance (mais público), senão também –<br />
e principalmente – no que diz respeito a uma amplificação<br />
temporal e espacial - tecnológica. Isto é, um meio posterior<br />
avança com relação ao outro, porém não o anula, muito pelo<br />
contrário. Veja-se que haveria uma matriz de continuidade<br />
de significados (semioticamente falando), não unicamente<br />
de dispositivos mais avançados. Cabe dizer que estamos di-<br />
ante de uma proposta epistêmica que prima pelo reconheci-<br />
mento de uma sociedade em ação contínua de significações.<br />
Se um dispositivo supera o outro, a superação não se dá pela<br />
aniquilação e sim pela dinâmica de acrescentar sentidos.<br />
Para Adorno, a mensagem está na cena principal da sua compre-<br />
ensão sobre a relação estabelecida no âmbito da comunicação de<br />
massa. A postura crítica desse pensador ancora-se justamente na-<br />
quilo onde um aparato ideológico da indústria cultural amarra a<br />
sua força, i.e., na mensagem direcionada para um espectador<br />
que simplesmente exerce a sua função de testemunha de algo so-<br />
bre o qual não pode exercer nenhum outro tipo de movimento. A<br />
possível saída mantém a mesma linha de raciocínio, ela acontece<br />
de outro ato também alheio a esse espectador desconectado da<br />
realidade, por estar embrulhado pela mensagem A→B, a luz ofe-<br />
recida por aquele que pode e entende o que está por trás da más-<br />
cara. A mensagem, nesta postura epistêmica, não é observada na-<br />
quilo que entendemos como estratégias desviantes, muito pelo<br />
contrário. Há nesse sentido, uma concepção conservadora dos<br />
processos comunicacionais (mediáticos).<br />
É importante notar essas diferenças, porque ao falar mensagem,<br />
neste caso, ou meios, no anterior, ambos devem ser compreendi-<br />
dos como conceitos (i.e., processos epistêmicos, lógicos) e não me-<br />
ramente como termos que podem ser utilizados indistintamente.<br />
As diferenças entre os dois autores também são evidentes<br />
com relação ao caminho construído para pensar a Comunicação.<br />
Adorno, ao privilegiar a mensagem, segue o caminho da<br />
análise no sentido próprio da palavra, ou seja, decompondo<br />
cada parte desta, separando os elementos para compreender e<br />
desvelar seu conteúdo ideológico. As mensagens destrinchadas<br />
revelam o conteúdo repressor, controlador e manipulador<br />
dos meios de comunicação. A análise de conteúdo aliada a um<br />
quadro teórico próprio da dialética marxista permite ao autor<br />
encontrar as evidências desse conteúdo ideológico nos meios.<br />
Já McLuhan percorre o caminho do método histórico e compa-<br />
rativo, tentando observar o quadro atual de impacto dos mei-<br />
os a partir de um olhar para o passado que pode revelar os si-<br />
nais dos efeitos macro e microssociais destes. A comparação<br />
com o efeito de outros meios de comunicação dá ao autor as<br />
94
pistas e os insights para pensar o “meio ambiente” que cada<br />
novo canal vai criando. É esse caminho que permite ao pesqui-<br />
sador afirmar que a televisão é uma experiência envolvente e<br />
em profundidade que estimula a participação. Já a era impres-<br />
sa, por exemplo, foi o predomínio do olho, da especialização,<br />
burocratização e individualização (SOUSA, 2009).<br />
A experiência da televisão para Adorno é o cenário do perverso<br />
já que os valores do seu conteúdo são conservadores e controla-<br />
dores. O enfoque na mensagem fez Adorno perceber o desfile de<br />
estereótipos disfarçados em conteúdos pretensamente criativos,<br />
mas que sempre traziam mais do mesmo.<br />
Acreditamos que os quadros de interpretação dos pesquisa-<br />
dores e suas distintas chaves de leitura do mesmo fenômeno<br />
não são opostos e sim profundamente complementares.<br />
Meio e mensagem são aspectos do complexo fenômeno do<br />
impacto dos meios de comunicação. Enfocar o meio é tentar<br />
ver o quadro mais amplo no sentido temporal e espacial. É<br />
valorizar efeitos mais duradouros e menos pontuais e passa-<br />
geiros e tentar dar um quadro analítico mais amplo sobre os<br />
processos que vivem as sociedades complexas. Valorizar a<br />
mensagem é não perder a importância da atualidade e consi-<br />
derar a relevância das demandas que nos desafiam no pre-<br />
sente momento. Além disso, é trazer o debate político para o<br />
seio da pesquisa em Comunicação.<br />
O debate sobre a televisão que trouxemos para pensar o trabalho<br />
de Adorno e McLuhan talvez tenha mudado bastante. O próprio<br />
McLuhan (1964) afirmou que quando a definição da imagem da<br />
televisão mudasse e melhorasse – e, portanto, já não exigisse tan-<br />
to a participação do espectador – não deveríamos mais chamá-la<br />
de televisão. Seria outro meio, outra proposta, outro ambiente<br />
novo e singular. Já para Adorno, provavelmente, o que teríamos<br />
seria mais do mesmo. Em uma escala muito maior sentenciando,<br />
assim, o triunfo da Indústria Cultural.<br />
Para além de pensar como esse quadro teórico pode ou não<br />
responder às questões da atualidade, vale a pena destacar que<br />
o pensamento de Adorno e McLuhan seguramente têm in-<br />
fluências profundas na pesquisa na nossa área, na medida em<br />
que compõem, provavelmente, o quadro das referências mais<br />
lido e citado. Portanto, rever a obra desses investigadores é<br />
compreender também o cenário e as perspectivas da atual pes-<br />
quisa em Comunicação.<br />
95
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1985.<br />
SOUSA, Janara. Teoria do Meio: contribuições, limites e desafios.<br />
Brasília: Editora Universa, 2009.<br />
96
McLuhan e Anísio Teixeira<br />
aproximações em torno da tecnologia<br />
RAQUEL DE ALMEIDA MORAES<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (UNB)<br />
BRASÍLIA, DF, BRASIL<br />
RACHEL@UNB.BR<br />
Resumo<br />
O artigo estabelece aproximações sobre o conceito de tecnologia entre<br />
Marshall McLuhan e Anisio Teixeira. Utilizando o método bibliográfi-<br />
co é descoberto que Teixeria inspirou-se em McLuhan o seu conceito<br />
de tecnologia como extensões dos sentidos, incluindo a problemática<br />
dos valores com fundamento em John Dewey. Por fim, são feitas consi-<br />
derações sobre a atualidade desses autores.<br />
Palavras chave<br />
tecnologia, Marshall McLuhan, Anísio Teixeira<br />
97
Introdução<br />
O objetivo deste texto é tecer algumas aproximações entre<br />
Marshal McLuhan e Anísio Teixeira em torno da tecnologia.<br />
Prefaciando, em 1969, o livro de McLuhan dentro de sua cole-<br />
ção: “A galáxia de Gutemberg”, Anísio Teixeira assim expressa:<br />
A novidade dos nossos tempos tumultuados, com o início<br />
da era eletrônica em substituição à mecânica e tipográfica<br />
de nossa extinta era moderna pela maior transformação tec-<br />
nológica de toda a história, será a de que vamos entrar na<br />
nova era tribal da aldeia mundial pelos novos meios de co-<br />
municação, mas agora em contraste com os nossos antepas-<br />
sados espontaneístas e semiconscientes, em estado de aler-<br />
ta, como diz McLuhan (McLuhan,1972, p.13)<br />
Pelo o que se pode apreender, Teixeira juntamente com<br />
McLuhan, foram entusiastas da tecnologia eletrônica e viam<br />
nela a possibilidade da entrada da humanidade na era da “al-<br />
deia mundial”, só que num estado de alerta.<br />
A seu ver, não mais como os antepassados “espontaneístas e<br />
semiconscientes”, mas ao contrário, conscientes e com planejamento<br />
das suas experiências, voltados para o benefício da<br />
própria humanidade.<br />
Vejamos com um pouco mais de detalhes as concepções desses<br />
filósofos, no que se assemelham e algumas das críticas a<br />
McLuhan quanto à tecnologia.<br />
McLuhan e a Tecnologia<br />
Para McLuhan (1988) os meios podem ser entendidos como<br />
extensões dos sentidos humanos. Para ele, o meio é a mensa-<br />
gem e significa “em termos da era eletrônica, que já se criou<br />
um ambiente totalmente novo. O “conteúdo” desse novo am-<br />
biente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O<br />
novo ambiente reprocessa o velho tão radicalmente quanto a<br />
TV está reprocessando o cinema.” (idem, p. 11-12)<br />
Para ele a humanidade está se aproximando da fase final da<br />
extensão do homem com a possibilidade da “simulação tecno-<br />
lógica da consciência pela qual o processo criativo do conheci-<br />
mento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a socie-<br />
dade humana” (idem, p. 17). E pondera que se isso será bom<br />
ou não, é uma questão em aberto.<br />
Ao analisar a questão da linguagem e da tradução, Mcluhan<br />
argumenta que o computador, pela tecnologia, pode traduzir<br />
qualquer língua instantaneamente e que o próximo passo lógi-<br />
co seria não traduzir, mas “superar as línguas através de uma<br />
consciência cósmica geral, muito semelhante ao inconsciente<br />
coletivo sonhado por Bergson”. (idem, p. 99)<br />
Mais adiante ele argumenta: “Mas um computador consciente<br />
ainda seria uma extensão de nossa consciência, como um tele-<br />
scópio é uma extensão do olho, ou um boneco de ventríloquo<br />
é uma extensão do ventríloquo”. (idem, p. 394)<br />
98
McLuhan concebia a linguagem como tecnologia que transla-<br />
da o pensamento para a fala e é transladado por outras tecno-<br />
logias no decurso da civilização: hieróglifos, alfabeto fonético,<br />
imprensa, telégrafo, fonógrafo, radio, telefone etc.<br />
Para Maria Isabel Nascimento (2001), MacLuhan via na evolução<br />
tecnológica um ator principal na vida social: “o que é dito é condi-<br />
cionado pela maneira como se diz. O próprio meio passou a ser a<br />
principal atração, a informação”.<br />
Com sua tese de aldeia global, o canadense trouxe para a edu-<br />
cação um novo enfoque baseado nas teorias da comunicação,<br />
algo que só viria à tona nos anos noventa do século XX com a<br />
Educomunicação.<br />
Andrew Feenberg (2010, p. 205), por sua vez, vindica que<br />
MacLuhan percebia a tecnologia como “órgãos sexuais do<br />
mundo máquina”. Mas critica sua visão de tecnologia argu-<br />
mentando que ela é determinista assim como a de Marx.<br />
Anisio Teixeira e a Tecnologia<br />
Segundo Anísio Teixeira, com a moderna intensificação do<br />
processo tecnológico, criou-se a “cultura tecnológica” que re-<br />
presenta “mais do que tudo, o reino dos meios em contraposi-<br />
ção ao reino dos fins e valores fundamentais da vida huma-<br />
na”. (Teixeira, 1971, p.19) [grifos do autor]<br />
Recorrendo a John Dewey quando afirma que “os meios são<br />
parcelas dos fins, não podendo, portanto, considerá-los neu-<br />
tros nem indiferentes” (idem, ibidem), Anísio Teixeira conside-<br />
ra fundamental o estudo do processo cultural no intuito de as-<br />
segurar a correspondência entre meios e fins de modo a ter<br />
seu controle.<br />
Em vista disso, afirma que: “Tal estudo é que poderá dar-nos<br />
consciência do processo da cultura sob que vivemos e de que<br />
somos hoje cegamente dependentes, e, pela consciência, a pos-<br />
sibilidade de dirigir e orientar seu desenvolvimento”. (idem,<br />
ibidem) [grifos do autor].<br />
No entanto, a separação entre o saber humanístico do saber cien-<br />
tífico foi motivada, segundo o filósofo e educador, por “causas<br />
que não foram intelectuais mas sociais” (idem, ibidem), especiali-<br />
zou o cientista de tal modo “que ele próprio chegou a ser excluí-<br />
do do mundo do pensamento propriamente dito”, criando a “fa-<br />
lácia das duas culturas do homem” (idem, ibidem).<br />
Indo mais longe do que a cultura humanista, a ciência pôs-se<br />
a serviço do sistema econômico dominante dando origem à<br />
99
indústria, “como solução do problema da produção, sem con-<br />
sideração a quaisquer aspectos humanos” (idem, p. 15).<br />
E continua:<br />
Aliada ao sistema econômico dominante, criou as tecnolo-<br />
gias que transformaram materialmente o mundo, tecnolo-<br />
gias que, por sua vez, moldaram o homem para a fácil<br />
conformação às condições do sistema econômico que aca-<br />
bou por assimilar a ponto de incorporá-lo a sua segunda<br />
natureza (Ibid)<br />
Partindo das críticas de Whitehead ao ciclo fechado do pensa-<br />
mento positivo, pragmático e operacional da ciência moderna,<br />
Teixeira alerta sobre “o perigo de estarem as tecnologias limitan-<br />
do, senão destruindo, a inerente natureza transcendente e críti-<br />
ca do pensamento humano” (idem, p. 11).<br />
Diante disso, formula sua tese sobre a possibilidade da ex-<br />
tensão do método científico ao processo cultural e, desse<br />
modo, à restauração da educação humanística do homem<br />
combinando autores como Raymond Williams (cultura),<br />
Marshal Macluhan (tecnologia) e John Dewey (educação).<br />
A partir dessas referências, Teixeira desenvolve uma concep-<br />
ção de educação que, ao mesmo tempo em que adapta, ajusta<br />
o homem à sua cultura, lhe fornece as bases para uma compre-<br />
ensão que ultrapasse os limites da pura especialização para o<br />
trabalho, tornando-o partícipe no controle, revisão e reforma des-<br />
sa mesma cultura, que é a grande marca do seu pensamento<br />
liberal progressista.<br />
100
Considerações finais<br />
À guisa de comparação, temos que para esses autores a tecno-<br />
logia assume diferentes nuances dependendo da concepção<br />
de homem e mundo em que se baseiam.<br />
Em McLuhan há uma fusão do humano com o tecnológico<br />
aproximando-se de um entusiasta das mídias (Mattelart, 2001)<br />
e do pós-humano, com o cyborg e a Internet (Rüdiger, 2007).<br />
Como entusiasta da mídias Mattelart, no entanto, critica<br />
McLuhan argumentando que ele, ao aproximar o significante<br />
do significado (meio e mensagem), conteúdo e forma, acaba<br />
por beneficiar o monopólio da forma, do meio sob o conteú-<br />
do, à mensagem (idem, p. 75).<br />
Outra crítica à McLuhan é a partir do geopolítico Brzezinski<br />
(1969 apud Mattelart 2002, p. 100) . Para este o canadense, ao se<br />
apoiar nas idéias de Teilhard de Chardin da “nova unidade mun-<br />
dial” da aldeia global, não percebe que ao invés de aldeia global<br />
assiste-se à formação de uma “cidade global”, isto é, “um nó de<br />
relações interdependentes, nervosas, agitadas e tensas, produto-<br />
ras de anomia, anonimato e de alienação política” (idem, p. 100)<br />
Sobre essas críticas contemporâneas o próprio McLuhan argu-<br />
menta que sua visão utópica da aldeia global não se aplica na<br />
atualidade. Para ele: “Village is fission, not fusiuon, in<br />
depth...The village is not the place to find ideal peace and har-<br />
mony” (Gordon, 1997, p. 105). Traduzindo livremente: Aldeia<br />
é fissão, não fusão, em profundidade... A aldeia não é o lugar<br />
ideal para encontrar a paz e a harmonia.<br />
Ele considera que as tribos têm maior potencial de unidade.<br />
Nesse sentido, para Josef Mikovec (2011), Geers (2011) e<br />
Xiangsui (1999), o movimento Zapatista está se mantendo na<br />
luta contra-hegemônica para se libertar da dominação mexica-<br />
na e da alienação graças à Internet, e faz sua estratégia políti-<br />
ca considerando esse meio de comunicação eletrônica.<br />
Para Ronfeldt et al (2011, p. 27) os índios de Chiapas (Exército<br />
Zapatista de Litertação Nacional, EZLN) não querem tão so-<br />
mente a terra, como Marx suporia, mas buscam encontrar um<br />
meio de preservar sua comunidade e cultura. E vem na netwar<br />
(guerra eletrônica) um caminho para alcançar essa meta.<br />
Já Anísio Teixeira utiliza como referência evolutiva a tecnologia<br />
na comunicação teorizada por McLuhan ponderando, no entanto,<br />
sobre os riscos que há por estar subordinada ao mundo do<br />
poder econômico, aproximando-se, portanto, mais do humanismo<br />
como postura filosófica e educacional.<br />
Por fim, para Grosswiler (1996), o método de McLuhan era<br />
como o método dialético de Marx, não era mecânico nem de-<br />
terminista mas garimpava nos interstícios da interação midiá-<br />
tica para alcançar a abertura da consciência e a autonomia.<br />
Embora discordasse da análise marxiana sobre a infraestrutu-<br />
ra da economia capitalista determinar o avanço tecnológico<br />
da sociedade simbolizado pela indústria, MacLuhan propu-<br />
101
nha os meios de comunicação determinando o desenvolvimen-<br />
to social, à semelhança do que Marx fazia com a economia.<br />
Essa é uma polêmica, no entanto, que desenvolveria numa ou-<br />
tra oportunidade, dado a complexidade temática e o escopo<br />
deste Seminário que ora participo.<br />
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103
Parte 3<br />
APROXIMAÇÕES II<br />
Muito além da interatividade:<br />
o olhar de McLuhan sobre as novas<br />
formas de ver o telejornalismo<br />
ANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER<br />
Marcas do narrador implícito numa<br />
aproximação conceitual com McLuhan<br />
ALEXANDRE KIELING<br />
Visão e atualidade das contribuições de<br />
McLuhan sobre a automação e os<br />
consequentes impactos nas organizações, na comunicação<br />
e no mundo do trabalho<br />
JOÃO JOSÉ CURVELLO
Muito além da interatividade<br />
o olhar de McLuhan sobre as<br />
novas formas de ver o telejornalismo<br />
ANA CAROLINA ROCHA PESSÔA TEMER<br />
DOUTORA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA UNIVERSIDADE<br />
METODISTA DE SÃO PAULO<br />
PROFESSORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE<br />
DE COMUNICAÇÃO E BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE<br />
FEDERAL DE GOIÁS, BRASIL<br />
ANACAROLINA.TEMER@GMAIL.COM<br />
Resumo<br />
Os avanços tecnológicos provocam mudanças estruturais na sociedade<br />
e nos próprios meios de comunicação. A televisão, como meio de comu-<br />
nicação de massa, vem inserindo espaços dentro de sua programação<br />
para novas práticas centradas nas possibilidades de interação/interati-<br />
vidade o telespectador. Essas mudanças têm alterado o formato e o con-<br />
teúdo do telejornal, e até mesmo a forma como os telespectadores “vê-<br />
em” esse produto jornalístico. Este artigo faz uma análise ampla sobre<br />
as possibilidades que essas mudanças trazem para o telespectador, e<br />
em especial, como afetam a relação telejornalismo/cidadania.<br />
Palavras chave<br />
televisão, internet, telejornal, interatividade, cidadania<br />
105
“Qualquer inovação ameaça o equilíbrio da organização existente.”<br />
(Marshall McLuhan)<br />
Sobre televisão: uma breve introdução<br />
Desde a criação da televisão o jornalismo esteve presente na<br />
programação diária das emissoras. No entanto, a dinâmica de<br />
uso destes espaços foi reconfigurada ao longo das décadas,<br />
passando por períodos de maior e menor prestígio, e por usos<br />
diferenciados das imagens e recursos tecnológicos diversos. O<br />
momento atual aponta para uma nova reconfiguração do espa-<br />
ço destinado ao telejornalismo, em um claro indicativo de que<br />
está ocorrendo um processo diferenciado na pela conquista e<br />
manutenção da audiência e principalmente, uma busca quase<br />
frenética retomada de um prestígio ou importância estratégica<br />
que as emissoras de televisão percebem que está lentamente<br />
se deslocando para outros setores, como a Internet e até mes-<br />
mo as Redes Sociais.<br />
No mundo atual, falar a notícia, a informação, é um capital<br />
precioso e volátil, e a transmissão de novos dados em tempo<br />
real não apenas virou sinônimo de bom jornalismo, como<br />
também se tornou elemento fundamental para credibilidade<br />
e prestígio do telejornalismo, estratégia essencial para o tele-<br />
jornalismo buscar seduzir uma audiência cada vez mais<br />
sabe, em geral via internet, os principais assuntos do dia. A<br />
rede mundial é sinônima de um mundo que se move em alta<br />
velocidade, no qual o ontem é um passado longínquo, e in-<br />
formação esta acessível em tempo real em cada esquina, por<br />
meios cada vez mais portáteis e de baixo custo. A questão é:<br />
como esses novos meios estão impactando no telejornalis-<br />
mo? Como este modelo já tradicional de transmissão de in-<br />
formações jornalística está se adaptando a essas mudanças,<br />
inclusive utilizando, de forma instrumental, estes novos mei-<br />
os? Quais são as novas faces do telejornalismo em tempos de<br />
internet, redes sociais e twitters?<br />
Não são perguntas fáceis de serem respondidas. E, ainda mais<br />
grave, o futuro aponta para a radicalização deste cenário. De<br />
fato, uma pesquisa feita pela Microsoft sobre o comportamen-<br />
to do consumidor de internet europeu, divulgada em abril de<br />
2009 em vários sites 1 , indica que a rede já superou a televisão<br />
em número de usuários/horas de uso. Apesar de todas as es-<br />
pecificidades do Brasil, seria ilusão que a audiência brasileira<br />
segue em outro sentido. No Brasil, assim como em várias par-<br />
tes do mundo, os jovens estão cada vez mais “ligados” na In-<br />
ternet, e fascinados pelas tecnologias de última geração.<br />
De olho nessa mudança de comportamento, as emissoras de<br />
televisão brasileiras de sinal aberto – apenas para fazer um re-<br />
corte - vêem investindo em sites e em outros elementos que<br />
possibilitem um link entre a sua programação os usuários das<br />
redes – (web, redes sociais, twitters). Essa relação se estende<br />
para o telejornalismo, que tem buscado se adaptar a esses no-<br />
vos recursos, tanto no que diz respeito a estratégias para a pro-<br />
____________________<br />
1 www.bit.pt, www.fábricadeconteudos.com<br />
106
dução de conteúdos como também – ou principalmente –<br />
como elemento para conquistar os receptores mais jovens ou<br />
mais equipados em recursos para acessar as redes.<br />
Neste texto, iremos analisar algumas destas práticas, entendo-<br />
as como estratégias que criam novos espaços para que os teles-<br />
pectadores interajam de forma diferenciada com os telejor-<br />
nais, mas também buscando compreender se essa interação/<br />
interatividade efetivamente cria condições para uma comuni-<br />
cação dialógica, que efetivamente muda o caráter do telejorna-<br />
lismo, eventualmente abrindo espaço para que questões liga-<br />
das ao interesse público e à cidadania tenham mais destaque<br />
e/ou sejam tratadas de forma diferenciada. Ou ainda, se as no-<br />
vas tecnologias interativas apontam caminhos para efetivas<br />
mudanças no telejornalismo nacional.<br />
Sob o olhar de McLuhan e da Escola Canadense<br />
Mas se estamos falando de tecnologia, e principalmente, se esta-<br />
mos questionando como a tecnologia afeta aos indivíduos e as rela-<br />
ções sociais convêm olhar para a tecnologia a partir de um olhar<br />
específico, um olhar que, apesar de já não ser novo, ainda tem algo<br />
ao mesmo tempo sedutor e assustador: o olhar de McLuhan.<br />
A preocupação com os efeitos dos próprios meios de comuni-<br />
cação como tecnologia foi uma questão colocada de forma<br />
tardia nos estudos da mídia. O pioneiro nessa corrente foi<br />
Harold Adams Innis, mas sem dúvida Marshall McLuhan,<br />
um canadense, historiador da economia, que partia do princí-<br />
pio segundo o qual a principal força da transformação cultu-<br />
ral são as transformações ocorridas nas tecnologias e, princi-<br />
palmente, nas tecnologias da comunicação, deu novo impul-<br />
so aos questionamentos sobre essa relação.<br />
McLuhan foi um fenômeno no seu tempo, mas o seu legado<br />
foi em muitos momentos mal compreendido e/ou marcado<br />
por leituras superficiais. Visto com maior aprofundamento,<br />
seus escritos revelam um pesquisador com sólida formação<br />
humanista e grande estudioso de retórica. Na visão do au-<br />
tor os meios – ou seja, tudo aquilo que cria vínculos entre<br />
dois ou mais indivíduos – são os elementos que determi-<br />
nam os processos de comunicação e a própria articulação<br />
social. Neste processo, o desenvolvimento de cada um dos<br />
meios de comunicação – que em essência nada mais são do<br />
que extensões do sistema nervoso humano – exerce um<br />
107
tipo de influência decisiva na ação social do indivíduo e na<br />
própria estruturação social, transformando o modo de o ho-<br />
mem entender a si mesmo.<br />
Focado nesta perspectiva, a preocupação central de McLuhan<br />
era entender o papel dinâmico das mídias e das tecnologias,<br />
que por sua vez são vistas como meios que articulam o proces-<br />
so básico da construção histórica da sociedade. McLuhan não<br />
apenas analisa os meios a partir de sua ligação com as trans-<br />
formações antropológicas e simbólicas, como também traba-<br />
lha a partir de uma perspectiva diferenciada da história, atri-<br />
buindo à cultura um papel semelhante a um “espelho retrovi-<br />
sor”, uma vez que se fundamenta no olhar da tradição, do pas-<br />
sado, do que tende a ser conservador, enquanto as novas tec-<br />
nologias apontam para a mudança e a transformação não ape-<br />
nas das técnicas, mas da própria vida social.<br />
McLuhan não estava solto no tempo e no espaço, ao contrário,<br />
dialogava com outros autores de sua época, inclusive com pes-<br />
quisadores de outras esferas do conhecimento. Assim, na mes-<br />
ma época em que Einstein buscava entender a relação tempo/<br />
espaço na teoria da relatividade, McLuhan também procura en-<br />
tender como os meios estruturam essa relação e, ao modificá-la,<br />
estruturam (desestruturam, re-estruturam) também a maneira<br />
como o homem organiza o seu raciocínio e a sua vida.<br />
Para McLuhan, o ambiente criado pelo homem, condicionado<br />
pela tecnologia que ele domina, é a sua segunda natureza: “o<br />
homem é perpetuamente modificado por ela [tecnologia], mas<br />
em compensação sempre encontra novos meios para modifi-<br />
cá-la” (McLUHAN: 2002, p. 65).<br />
Em função disso, esse autor desloca os estudos de comunicação<br />
da questão do conteúdo das mensagens para o estudo dos mei-<br />
os, invertendo a maneira de olhar da Teoria Crítica (TREM-<br />
BLAY: 2003), vendo a tecnologia e a forma como o homem pas-<br />
sa a lidar com essa tecnologia, e especialmente com as tecnolo-<br />
gias da comunicação, como fator fundamental ao processo his-<br />
tórico. Os meios de comunicação reajustam psiquicamente os<br />
indivíduos, são tecnologias da inteligência, cuja compreensão é<br />
o ponto central da organização social. Toda tecnologia é tam-<br />
bém um “ambiente” um ordenador cultural que afeta tanto o<br />
corpo quanto as mentes. “Os ambientes não são envoltórios pas-<br />
sivos, mas processos ativos” (GOMES: 1997, p. 118-119).<br />
São os meios, e não os conteúdos, que modificam a sociedade.<br />
Ainda que “todos os meios existam para “...conferir as nossas<br />
vidas uma percepção artificial e valores arbitrários”<br />
(McLUHAN: 2002, p. 224), cada meio tem uma dinâmica pró-<br />
pria, uma vez que nenhum meio existe por si só, ele usa e se<br />
apodera dos conteúdos de outros meios, em um processo que<br />
modifica as possibilidades de utilização do novo meio, mas<br />
que também altera os usos sociais do meio já existente.<br />
108
E é justamente neste ponto que a relação dos novos meios com<br />
o jornalismo, e especificamente com o telejornalismo, torna-se<br />
um elemento ao mesmo tempo sedutor e angustiante. Sedutor<br />
porque traz promessas de uma interatividade antes impossível,<br />
de avançar no “ouvir o público” e prestar novos e melhores ser-<br />
viços. Mas também angustiante porque a prótese técnica que é<br />
inserida no processo, essa nova extensão do corpo, causa a mes-<br />
ma dor de uma amputação: o corpo conhecido se torna desco-<br />
nhecido, oferecendo limites e possibilidades que o seu usuário<br />
deve, eventualmente de forma dolorosa, testar.<br />
O que é jornalismo?<br />
Ainda que nenhuma atividade seja mais representativa da mo-<br />
dernidade do que o Jornalismo, é difícil relacionar seu estudo,<br />
que de muitas formas se construiu sobre bases empiristas e<br />
funcionalistas, a visão de McLuhan sobre as mudanças sociais<br />
decorrentes das tecnologias.<br />
A imprensa, como nós a construímos no nosso imaginário atual,<br />
tem como base valores como a busca permanente pela verdade, o<br />
questionamento de todas as autoridades e todos os mitos, a luta<br />
pela transparência nas ações do estado, a confiança no progresso e<br />
no próprio se humano (Marcondes Filho: 2000, p. 9).<br />
O jornalismo é tudo que se opõe ao atraso, ao obscurantismo, ao<br />
que dúbio ou secreto. O jornalista é um comunicador, mas é tam-<br />
bém um profissional da informação, indivíduo inserido em um<br />
processo produtivo ao mesmo tempo organizado e direcionado,<br />
ordinariamente inserido em uma organização empresarial cuja fi-<br />
nalidade principal é o lucro, e que não vacila em utilizar tecnolo-<br />
gias que racionalizem economicamente o processo de produção.<br />
Não é surpreendente, portanto, que a atividade profissional<br />
caminhe em paralelo com as mudanças tecnológicas, apresen-<br />
tando-se e inserindo-se com desenvoltura em cada novo meio<br />
de comunicação que alcança um mínimo de atenção dos recep-<br />
tores. Um olhar mais atento, no entanto, verá que a cada novo<br />
meio, a cada nova tecnologia, o jornalismo se adapta, se modifi-<br />
ca, se reconstrói, em um processo que reconstrói não apenas a<br />
109
própria atividade profissional – o jornalismo -, mas também os<br />
jornalistas e as expectativas e comportamentos dos receptores.<br />
De fato, cada nova possibilidade tecnológica representa tam-<br />
bém uma nova possibilidade de articulação interna de um sis-<br />
tema que, ao mesmo tempo em que expõe a pluralidade de<br />
opiniões, também controla a exposição dessas opiniões. Cada<br />
nova tecnologia representa também uma nova possibilidade<br />
de acesso à informação, e a cada nova possibilidade cresce no<br />
receptor a falsa sensação de que desfruta incondicionalmente<br />
dos benefícios resultantes da liberdade de expressão.<br />
No entanto, é inegável que o jornalismo “... via de regra,<br />
atua junto com grandes forças econômicas e sociais: um conglo-<br />
merado jornalístico raramente fala sozinho.” (MARCONDES<br />
FILHO: 1989, p.11). Desta forma, mesmo tempo compromis-<br />
so com a informação verdadeira e atual, os veículos jornalís-<br />
ticos também buscam defender seus próprios interesses.<br />
Neste sentido, a vantagem oferecida pelos novos meios, pe-<br />
las novas tecnologias, está em proporcionar aos produtores<br />
de informações – grandes ou pequenos_ melhores condi-<br />
ções de publitizar seus próprios pontos de vista, oferecen-<br />
do aos leitores um maior leque de possibilidades de acesso<br />
a/as informação/informações.<br />
____________________<br />
2 Para Marcondes Filho (2002) o primeiro jornalismo nasce com a Revolução Francesa, a partir do ideal de trazer raciona-<br />
lidade os acontecimentos e expor a verdade. O segundo é o embrião do modelo de jornalismo moderno: o início do<br />
jornal como empresa capitalista e do jornalismo que valoriza a imparcialidade e o interesse público. O terceiro jornalismo<br />
surge no século 20, quando ele assume características de monopólios. O quarto jornalismo é o da era tecnológica.<br />
Este novo jornalismo, que Marcondes Filho (2002) define<br />
como quarto jornalismo 2 , é resultante de processos que tive-<br />
ram início por volta dos anos 1970, que se acoplam a expan-<br />
são da indústria da consciência no plano das estratégias de<br />
comunicação e persuasão dentro do noticiário e da informa-<br />
ção. Esse modelo é marcado pela inflação de comunicados e<br />
de materiais de imprensa fornecidos por agentes empresari-<br />
ais e públicos (assessorias de imprensa) eventualmente de-<br />
preciando-a informação “pela overdose”. O modelo também<br />
é marcado pela perda de importância da informação jornalís-<br />
tica, e do próprio jornalista, que passa a competir com “...sis-<br />
temas de comunicação eletrônica, pelas redes, pelas formas<br />
interativas de criação, fornecimento e difusão de informa-<br />
ções” (MARCONDES FILHO: 2002, p. 30).<br />
Especificamente quando falamos de telejornalismo, falamos<br />
também de um processo de comunicação que envolve mais de<br />
uma etapa, em uma relação híbrida de apreensão da realidade<br />
e representação dos acontecimentos atuais (os fatos) à socieda-<br />
de. Estas ações, cuja simplicidade aparente escondem tramas<br />
complexa de atividades profissionais especializadas, é direta-<br />
mente afetada pelas mudanças tecnológicas. O modelo de tele-<br />
jornalismo como conhecemos hoje, com múltiplas reportagens<br />
e várias entrevistas, só se tornou possível em função da porta-<br />
bilidade dos equipamentos de filmagem.<br />
Mudanças mais recentes, como elementos facilitadores da<br />
transmissão ao vivo em tempo real e a edição não linear,<br />
110
também tem afetado em maior e menor grau o conteúdo do<br />
telejornalismo. Da mesma forma, ainda que nem todas as<br />
emissoras e todos os telejornais tenham aderido incondicio-<br />
nalmente às novidades, sem dúvida que as possibilidades<br />
de interação em tempo real via internet já afetam o modo<br />
de fazer o telejornalismo.<br />
A preocupação das emissoras com os novos meios fica clara tam-<br />
bém em outras ações: os sites dos telejornais são cada vez mais ela-<br />
borados tanto em termos estéticos quando em navegabilidade, e<br />
os conteúdos estão sendo disponibilizados cada vez mais rápido<br />
ou até mesmo tempo real (paralelamente a transmissão pela TV).<br />
Todos estes recursos criam não apenas novas possibilidades<br />
de acesso a informação, mas também novas possibilidades de<br />
indivíduos ou grupos sociais interagirem – mandarem suas<br />
mensagens, mostrar a sua presença e interesse – aos produto-<br />
res dos telejornais. Essas ações, evidentemente, afetam o pró-<br />
prio jornalismo como ator social, criando novas relações de<br />
força (relações de poder) não apenas entre os produtores e<br />
consumidores de produtos jornalísticos, mas nas relações de<br />
força/poder entre o jornalismo e a sociedade.<br />
Neste sentido, ainda que tenham proliferado trabalhos que<br />
analisam o jornalismo a partir das ações profissionais e o<br />
conteúdo do jornalismo, é necessário rever também como<br />
as tecnologias afetam as relações do jornalismo como insti-<br />
tuição social, como alimentador dos processos agente ativo<br />
na vida da sociedade.<br />
Nesta perspectiva é necessário rever também rever o jornalis-<br />
mo a partir do olhar de McLuhan, entendendo que as novas<br />
tecnologias não representam “a morte da notícia”, mas abre<br />
espaço para que a atividade atue não apenas em novos espa-<br />
ços, mas também desenvolva novos papeis. Igualmente impor-<br />
tante é acrescentar que o jornalismo, como reflexo do compor-<br />
tamento da própria sociedade na modernidade, absorveu as<br />
tecnologias sem racionalizar esse processo.<br />
A adoção de computadores, sistemas de rede, acesso on line<br />
à Internet, fusão e mixagem de produtos na tela conduzi-<br />
ram as empresas jornalísticas a uma reformulação completa<br />
de seu sistema de trabalho, adaptando em seu interior a<br />
alta velocidade de circulação de informações, exigindo que<br />
o homem passasse a trabalhar na velocidade do sistema<br />
(MARCONDES FILHO: 2003, p. 36).<br />
111
Sobre o conteúdo do (novo?) jornalismo<br />
O telejornalismo mudou, mas a questão é: mudou para me-<br />
lhor? Antes de responder a essa pergunta, é importante fazer-<br />
mos algumas reflexões. A verdade é que, para a maior parte<br />
dos estudiosos da área, o telejornalismo nunca foi marco de<br />
qualidade de informação jornalística. Ainda que tenha aponta-<br />
do para uma grande massa de indivíduos sem o hábito da lei-<br />
tura do jornal impresso a importância da informação, o telejor-<br />
nalismo brasileiro sempre esteve atrelado a interesse das gran-<br />
des empresas de mídia, ou até mesmo a interesses do Estado.<br />
O indivíduo, o público receptor, foi tratado como audiência;<br />
sua voz só passou a ser motivo de preocupação quando a que-<br />
da desta audiência – que aconteceu em parte por motivos eco-<br />
nômicos e estruturais - começou a incomodar.<br />
Neste sentido, a principal preocupação nas redações não são<br />
as mudanças estruturais e sociais que as novas tecnologias<br />
podem trazer, mas se a tecnologia pode estar trazendo de<br />
volta para as redações uma proximidade com o público que<br />
havia sido perdida e/ou diluída nas rotinas produtivas das<br />
redações desde o processo industrial. Ou, em outras pala-<br />
vras, se a tecnologia pode trazer/manter/conquistar uma<br />
boa audiência para o telejornal. Aliás, como a redação dos te-<br />
lejornais de sinal aberto está cada vez mais consciente que<br />
parte do publico migrou para outros veículos e para as emis-<br />
soras codificadas (cabo ou satélite) a palavra de ordem é<br />
usar buscas novos espaços de interatividade (real ou não)<br />
que conquistem o público C, a fatia alvo para qual os produ-<br />
tores hoje voltam seus olhares ambiciosos.<br />
Mas antes de se deter sobre essas estratégias, no entanto, é im-<br />
portante analisar se no ambiente de convergência tecnológica<br />
o fazer jornalístico sofre impactos tanto em seu aspecto teóri-<br />
co quanto na ética de seu exercício profissional. De fato, a in-<br />
serção da tecnologia aproxima cada vez o jornalismo de ou-<br />
tros modelos de comunicação mediada e consequentemente o<br />
afasta da informação, da neutralidade e da imparcialidade<br />
que, em tese, é característica do jornalismo.<br />
A emergência dos novos meios aponta para um destronamento<br />
do jornalista da sua “a tendência de apoiar-se em si mesmo”<br />
(WOLTON: 1991), forçando-o a se relacionar-se com o mundo e<br />
suas exigências estéticas que antes não prevaleciam: a notícia<br />
deixa de se impor a partir do interesse implícito que carrega<br />
consigo: “agora é preciso fazer significar ao destinatário que se<br />
tratada dele” (MARCONDES FILHO: 2002, pág. 39).<br />
112
Internet, televisão e interatividade<br />
Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e informa-<br />
ção afetam não apenas o jornalismo, mas exercem um papel es-<br />
truturante na organização da sociedade e da nova ordem mun-<br />
dial (MATTELART E MATTELART: 2002). Não há como sepa-<br />
rar os avanços tecnológicos da compreensão de como a socieda-<br />
de se organiza e age: “na época atual, a técnica é uma das di-<br />
mensões fundamentais onde está em jogo a transformação do<br />
mundo humano por ele mesmo” (LEVY: 1993, p.7).<br />
Na análise do jornalismo essa separação fica ainda mais difí-<br />
cil. Vivemos na sociedade midiatizada e mediada pelos meios,<br />
na qual todos os acontecimentos cotidianos estão sempre pas-<br />
síveis de se tornar públicos: as redes sociais, as propostas de<br />
transparência do Estado, as relações virtuais cada vez mais<br />
constantes, criam possibilidades para se conhecer detalhes da<br />
vida de indivíduos que, em outro momento histórico, seria<br />
inacessível. Todos os assuntos, importantes ou não, estão dis-<br />
postos e explicados em milhares de site na Internet, dando a<br />
impressão de que nada mais é secreto ou desconhecido.<br />
É verdade que a pauta das conversas diárias (ainda?) passam,<br />
quase sempre, pelo que foi divulgado na TV e nos jornais.<br />
Mas a perspectiva mudou. Em um estudo realizado este ano<br />
no Campus da UFG comprovou-se que a maior parte dos estu-<br />
dantes tiveram acesso à informação sobre a morte do líder da<br />
Al Qaeda, Osama Bin Laden pelos veículos tradicionais de jor-<br />
nalismo 3 . Da mesma forma, um estudo do mesmo grupo de<br />
pesquisa, mas do ano anterior, mostrou que os jovens estudan-<br />
tes de jornalismo não acompanhavam diariamente os telejor-<br />
nais, e mesmo quando o “viam”, ele atuava como pano de fun-<br />
do para outras atividades 4 .<br />
Estes são apenas alguns dos estudos que apontam que, no<br />
mundo onde proliferam informações, a importância do jorna-<br />
lismo não está simplesmente em mostrar os fatos, mas em<br />
mostrar como compreendê-los, em classificá-los, sistematizá-<br />
los, hierarquizá-los. Além disso, o telejornalismo atual já não<br />
se limita ao modelo tradicional de transmissão de informa-<br />
ções, e tem voltado os seus esforços para o jornalismo diver-<br />
sional e a prestação de serviços. De fato, alguns telejornais –<br />
como é o caso do Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão –<br />
tem se especializado em assuntos mais leves, aparentemente<br />
voltados para as donas de casa, com dicas de culinária,<br />
moda e lazer. Da mesma forma, tem sido significativa a pre-<br />
sença do material voltado para “ensinar alguma coisa”, se-<br />
jam em matérias direta ou indiretamente ligadas aos direitos<br />
do consumidor, sejam aspectos específicos do serviço públi-<br />
co, reforçando a relação do telejornalismo com a cidadania.<br />
Mas isso não é tudo, pois a relação da televisão com meios<br />
como a internet e o twitter exigem um olhar mais complexo. E<br />
____________________<br />
3 TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Bin Laden e a morte da notícia - Trabalho apresentado no GT – Jornalismo do<br />
XI Congresso Lusocom, realizado de 4 a 6 de agosto de 2011.<br />
4 TEMER, A. C. R. P. . Espiando a notícia: a recepção do Jornal Nacional por jovens estudantes de jornalismo. In: BARBOSA,<br />
Marialva; MORAIS, Osvando J de. (Org.). Comunicação, Cultura e Juventude. 01 ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 01, p. 183-212<br />
113
neste olhar é necessário considerar também até que ponto na<br />
incorporação das tecnologias, as novas mídias surgem com a<br />
promessa de serem espaços democratizantes porque ampliam<br />
o acesso à informação, e principalmente, na elaboração/cons-<br />
trução da informação.<br />
Neste sentido, o mais recente questão mágica que de tempos<br />
em tempos assombra os estudiosos, é a interatividade. Mas o<br />
que é interatividade?<br />
No Brasil a expressão surge a partir do neologismo inglês interac-<br />
tivity, e é utilizada para principalmente para denominar uma<br />
qualidade específica da chamada computação interativa (interacti-<br />
ve computing). A denominação, no entanto, era insuficiente clarifi-<br />
car a qualidade da modificação na relação usuário-computador re-<br />
sultante da incorporação de periféricos que permitiam acompa-<br />
nhar, em tempo real, os efeitos das intervenções do usuário. Da<br />
mesma forma, dado a intervenção mediada, essa nova relação<br />
não constituía uma interação, uma vez que o termo remete a no-<br />
ção de contato interpessoal. Para enfatizar essa diferença passou-<br />
se a usar a expressão 'interatividade', aceitando-se que o adjetivo<br />
interativo um qualificador de interação em seu sentido amplo.<br />
Portanto, interatividade é caráter ou condição de interativo, é a<br />
capacidade de interagir ou permitir interação.<br />
Apesar de ser uma expressão que ganhou notoriedade com o<br />
surgimento da internet, a interatividade também pode ser dis-<br />
cutida dentro dos meios de comunicação tradicionais. De fato,<br />
os processos interativos estão presentes em diferentes estân-<br />
cias na comunicação mediada, mas somente a expressão inter-<br />
atividade se torna mais aplicável quando há uma “interven-<br />
ção permanente sobre os dados”, ou seja, um tipo especifico<br />
de interação quantitativamente e qualitativamente mais signi-<br />
ficativa, ou pelo menos significativo o suficiente para alterar a<br />
relação predominantemente unidirecional que caracterizada<br />
os processos de comunicação mediados anteriores a dissemi-<br />
nação dos computadores pessoais.<br />
Partindo desses significados, há interação na televisão quando<br />
o telejornal abre espaço para o cidadão se manifestar enquan-<br />
to o telejornal está sendo veiculado, e essa manifestação tam-<br />
bém veiculada dentro do telejornal. Ou seja, jornalista e cida-<br />
dão exerceram uma ação mutuamente.<br />
No entanto, é importante observar que a interatividade não cor-<br />
responde necessariamente a uma resposta genuína dos mem-<br />
bros da audiência, uma vez que o poder comunicativo não está<br />
dividido de forma igualitária. Neste sentido, a participação do<br />
telespectador dentro do telejornal pode ser reativa, uma vez<br />
que sua ação está limitada pelos profissionais de redação.<br />
Desta forma, os dispositivos interacionais midiatizados, ou<br />
desenvolvidos em zonas de incidência da midiatização são<br />
flexíveis, mas não plenamente acessíveis para os receptores.<br />
Consequentemente, tendem a ser rápidos e superficiais.<br />
114
As tensões entre televisão, telejornalismo e interatividade<br />
O diálogo entre comunicação e cidadania ganha fôlego novo a<br />
partir das novas tecnologias da comunicação. Isso porque “os<br />
efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e<br />
dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os senti-<br />
dos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem<br />
qualquer resistência.” (MCLUHAN: 2002, p. 34).<br />
As mídias digitais e as possibilidades da interatividade afe-<br />
tam diretamente a relação das mídias tradicionais com o seu<br />
público e com o modo de produzir e/ou fazer telejornalismo.<br />
A partir das novas possibilidades oferecidas pela computa-<br />
ção, pela telefonia móvel e acessível, já não é possível pen-<br />
sar mais dentro da lógica homogeneizante da sociedade de<br />
massas, da imprensa unidirecional elaborada a partir da ló-<br />
gica da produção industrial. As novas possibilidades tecno-<br />
lógicas mudam o conteúdo dos telejornais, mas, sobretudo,<br />
afetam as expectativas dos receptores e os usos que os re-<br />
ceptores fazem deste conteúdo.<br />
Neste sentido, convém perguntar: se as tecnologias mudam as<br />
condições de interatividade dos receptores com as mídias,<br />
como fica a relação do telespectador com a telejornalismo?<br />
A elaboração desta resposta exige que se reveja as diferenças<br />
entre os conceitos de conceito de público/audiência para, so-<br />
mente a partir do seu entendimento, compreender melhor o<br />
telespectador do jornalismo produzido para a televisão.<br />
O termo audiência ganhou destaque nos estudos de comunica-<br />
ção a partir da década de 1980, conforme destaca Orozco<br />
(2006), ao assinalar que o público deixa de ser visto como alie-<br />
nado diante dos meios de comunicação e passa a ser compre-<br />
endido como um ente capaz de agir e reagir. Público ou audi-<br />
ência é um coletivo de telespectadores que, por razões varia-<br />
das se conectam a certa programação ou programa de televi-<br />
são, movidos pelo interesse em assimilar determinados temas<br />
ou conteúdos que satisfaçam seus interesses sociais, políticos<br />
ou culturais, ou as necessidades específicas de lazer ou busca<br />
por satisfação, a partir de escolhas subjetivas mas condiciona-<br />
das pelos seus valores e percepções do mundo.<br />
A audiência, portanto, não é uma massa homogênea, mas um<br />
público com interesses direcionados, que só responde aos estí-<br />
mulos dos produtores se estes compreenderem o contexto cul-<br />
tural, social e econômico no qual estão inseridos.<br />
No Brasil, pensar a audiência significa pensar também nas<br />
características históricas da televisão brasileira, no seu pas-<br />
sado fortemente influenciado por interesses comerciais,<br />
pela qualidade estética de suas produções, pelo seu vínculo<br />
estreito com o lazer. Em função disso, a tensão na relação<br />
do veículo com seu público, é que, para os empresários da<br />
televisão, a audiência só é válida quando formada por con-<br />
sumidores em potencial.<br />
115
Esta é a importância maior da comunicação em um sistema<br />
produtivo: transforma a população em mercado ativo de consumo,<br />
gerando a disposição ao consumo, relacionando cada bem, produ-<br />
to ou serviço ao extrato social a que está destinado, atingindo<br />
simultaneamente a todos os extratos e imprimindo maior agili-<br />
dade ao mecanismo produtivo. (In KEHL: 1986, p. 205).<br />
No entanto, o consumo de produtos (anunciados exaustiva-<br />
mente pela publicidade) quanto de bens simbólicos (comporta-<br />
mento, visão de mundo, etc.) nem sempre pode ser diagnosti-<br />
cado previamente, ou elaborado de forma a produzir, sem<br />
margem de erros, resultados específicos. Sabemos hoje que<br />
nem o público consome tudo o que vê na TV, nem a televisão<br />
expõe de forma clara todos os seus interesses e produtos 5 ,<br />
mas na sociedade moderna fica difícil trabalhar com a hipóte-<br />
se de que há uma ingenuidade de parte a parte nesta relação.<br />
O planejamento e o conhecimento dos interesses do público –<br />
para não falarmos das estratégias de uso da televisão adota-<br />
das pelo público – não suprimem, no entanto, o caráter impre-<br />
visível desta relação.<br />
Entre as previsões anunciadas que se concretizam se alojam<br />
também reações inesperadas para as quais os pesquisado-<br />
res buscam explicações posteriores. Ainda que conscientes<br />
disto, os planejadores também são movidos por pautas cole-<br />
tivas, por modismos específicos e por pretensas soluções<br />
____________________<br />
5 Um exemplo disso são as reportagens que criam expectativas sobre jogos e disputas esportivas que a própria<br />
emissora vai transmitir.<br />
mágicas de conquista do público. A mais recente destas re-<br />
ceitas mágicas, é a interatividade.<br />
Mas nem mesmo a interatividade é resposta a todos os proble-<br />
mas – ou todas as mudanças e necessidades de adaptações que a<br />
televisão tem que enfrentar. De fato, é importante considerar<br />
que, embora tenham se passado mais de 60 anos da chegada da<br />
televisão no Brasil, o comportamento dos produtores de televi-<br />
são e do telejornalismo frente ao receptor não mudou expressiva-<br />
mente. Todas as ações continuam voltadas para a conquista cega<br />
dos números, para o aproveitamento das tecnologias como for-<br />
ma de deslumbrar o telespectador e manter alto o número de<br />
aparelhos ligados. O interesse pelo cidadão está esta em segun-<br />
do plano, aliás, em alguns casos nem mesmo está nos planos,<br />
não interessa à programação. Mesmo nos momentos em que a<br />
televisão usa termos como jornalismo cidadão ou cidadania, ou<br />
se direciona ao cidadão com algum pretexto, o faz na expectativa<br />
transformá-lo em audiência, de cativá-lo.<br />
Essa relação é comprovada a partir da estratégia que a TV em<br />
se apoiar nas pesquisas para definir sua grade de programa-<br />
ção e, principalmente, a se colocar como mediadora dos confli-<br />
tos e questões do público ao tratar dos assuntos pertinentes à<br />
cidadania como saúde, segurança, emprego, entre outros.<br />
Neste sentido, a interatividade oferecida hoje aos receptores –<br />
e que tem vínculos estreitos com a cidadania, está limitada<br />
aos registros das possibilidades. Para ser assegurada, para efe-<br />
116
tivamente assumir uma dimensão de inclusão do cidadão,<br />
essa interatividade obrigatoriamente deveria conferir a todo<br />
membro da sociedade o igual direito de ser plenamente repre-<br />
sentado, de ter acesso aos meios e da participar da vida em co-<br />
mum e das decisões coletivas de forma plena. 6<br />
Quando consideramos que somente podemos pensar no indivíduo<br />
enquanto cidadão quando, além de ter a liberdade<br />
de forma plena, alcançando não somente os seus direitos<br />
civis e sociais, mas também conquistando a condição de interferir<br />
ou participar em todos os âmbitos da vida em sociedade<br />
– aí, incluído na própria agenda dos meios – verificamos<br />
que a “interatividade” hoje oferecida aos telespectadores<br />
do telejornalismo não assegura o direito de acesso do<br />
cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação<br />
social na condição de emissores – produtores e<br />
difusores – de conteúdos, e portanto não assegura os processos<br />
de cidadania que deveriam ser inerentes a interatividade.<br />
Desta forma essa interatividade é antes uma estratégia<br />
(pouco efetiva) de busca pela audiência. Seu equivoco,<br />
aliás, está justamente em voltar-se para um público que já<br />
não aceita estratégias, pois busca espaços onde possa se exprimir<br />
como cidadão.<br />
Isto não quer dizer que a televisão não tenha mudado, não este-<br />
ja mudando, mas aponta a imensa dificuldade dos produtores<br />
de televisão, entre eles os próprios jornalistas responsáveis pelo<br />
telejornalismo, em aceitar as mudanças que as mudanças trazi-<br />
____________________<br />
6 Este trecho remete ao próprio conceito de cidadania, conforme definido na obra de Gentilli (2005, p. 93)<br />
das pelas novas mídias vão além do instrumental. Para esses<br />
produtores é muito bom que o computador seja uma “maquina<br />
de escrever” mais eficientes, que o telefone celular substituía os<br />
ruídos e interferências dos rádios ponto a ponto acoplados aos<br />
carros de reportagens, que as fermentas de busca permitam<br />
que os arquivos desocupem espaços. Mas é só isso.<br />
O que parece estar fora de sua visão são as mudanças estru-<br />
turais que estes equipamentos trazem consigo. Que frente<br />
em frente a “velha tela da televisão” existe um novo telespec-<br />
tador, uma nova audiência, um novo público, que já desequi-<br />
librou a organização do modelo televisivo atual. No entanto,<br />
o próprio McLuhan vê a audiência como uma elemento ati-<br />
vo, e seguindo essa visão produtores devem se conscientizar<br />
que a opção não é mais convencer esse público de que a tele-<br />
visão é moderna e interativa, nem mesmo buscar elementos<br />
de multimídia. Ou a televisão muda de fato a sua relação<br />
com a audiência e se insere em uma relação transmidiática, -<br />
na qual a soma da televisão com a internet não é apenas<br />
uma mudança de ambiente, mas na criação de uma nova am-<br />
biência que exige modelos de narratividade diferentes dos<br />
modelos até então utilizados na televisão ou mesmo na inter-<br />
net, - ou a audiência irá migrar para espaços onde possa se<br />
expressar de forma mais completa.<br />
O que, aliás, já está acontecendo...<br />
117
Referências<br />
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Paulus, 2003.<br />
MATTELART, Michèle e MATTELART, Armand. História das Teorias<br />
da Comunicação. 9º ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.<br />
McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem.<br />
(Understanding media). 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.<br />
OROZCO, G.G, Comunicação Social e mudança tecnológica: um cenário<br />
de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de (org). A sociedade<br />
midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006<br />
TEMER, Ana Carolina R. P. Espiando a notícia: a recepção do Jornal<br />
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TREMBAY, Gaetán. De Marshall macluhan a Harold Innis ou da Aldeia<br />
Global ou Império Mundial. Porto alegre: Revista Famecos, n.<br />
22, dez.2003.<br />
118
Marcas do narrador implícito numa<br />
aproximação conceitual com McLuhan<br />
ALEXANDRE KIELING<br />
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO<br />
PROFESSOR E PESQUISADOR DO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO<br />
DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA<br />
DISTRITO FEDERAL, BRASIL<br />
ALEXANDREK@UCB.BR<br />
Resumo<br />
O presente artigo ocupa-se de uma primeira reflexão diante das experi-<br />
ências narrativas operadas no âmbito do projeto de pesquisa de conteú-<br />
dos digitais interativos e transmidiáticos abrigado no mestrado em Co-<br />
municação da Universidade Católica de Brasília. À luz das perspecti-<br />
vas de McLuhan, busca-se uma análise das incursões com uso da tecno-<br />
logia digital nos cruzamentos de linguagem e códigos da Internet e TV.<br />
Promove-se uma aproximação com o entendimento de que na transmi-<br />
dialidade a tecnologia pode se inscrever como narrador implícito.<br />
Palavras chave<br />
narrador implícito, tecnologia, ambiência, transmidialidade<br />
119
1 Os pressupostos de McLuhan<br />
Nosso exercício de reflexão recorre a três pressupostos encon-<br />
trados nos postulados de McLuhan: (a) a ideia de implicação<br />
sociocultural que cada nova tecnologia produz; (b) a noção<br />
de ambiente; e (c) a perspectiva de decorrência e interligação<br />
de um meio em relação ao outro. Este último, do nosso pon-<br />
to de vista, a partir dos processos comunicacionais e da cons-<br />
trução textual.<br />
1.1 O primeiro pressuposto<br />
O pensador canadense destacava nos anos 1960 que nenhum<br />
meio ou tecnologia, concebido com extensões do homem, era<br />
introduzido na sociedade sem produzir consequências sociais<br />
e pessoais nas nossas vidas. No entendimento de McLuhan,<br />
“a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de<br />
escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz<br />
nas coisas humanas” (p. 22). Efetivamente, o presente proces-<br />
so de transição entre as mídias analógicas e as digitais tem re-<br />
sultado em algumas reconfigurações. Nós temos defendido<br />
(KIELING, 2009/2010) que uma das mais significativas se dá<br />
nos processos de produção, circulação e consumo de bens sim-<br />
bólicos gerados, ofertados e acessados por meio da comunica-<br />
ção mediada pelas mídias.<br />
Sabidamente, cada meio analógico, jornal, revista, cinema, rá-<br />
dio, TV e mesmo a nativa digital, que é a Internet, era opera-<br />
do a partir de sistemas com fluxos verticais e bastante hierar-<br />
quizados. Cada qual obedecia às lógicas dadas pelas condi-<br />
ções de produção impressa, da radiodifusão e da rede fixa. No<br />
jornal e na revista era necessário trabalhar textos dentro de de-<br />
terminados limites de linhas e diagramação, submetidos aos<br />
processos gráficos e de impressão, depois distribuídos nas<br />
bancas ou entregue na casa do assinante para ser lido no dia<br />
seguinte. No cinema, complexas ações de gravação em pelícu-<br />
la, revelação, montagem, cópias, distribuição em salas de exi-<br />
bição e apresentação em sessões diárias. No rádio e TV, capta-<br />
120
ção de imagens e/ou som em equipamentos eletrônicos arma-<br />
zenados em fitas magnéticas, editados e transmitidos em siste-<br />
mas irradiantes de ondas hertzianas sintonizadas por apare-<br />
lhos de recepção. Na Internet o processo exigia computadores<br />
de mesa, redes fixas e acesso discado pela linha telefônica.<br />
Com a digitalização esses processos estão também horizontali-<br />
zados. Atualmente, produção, circulação e consumo de cada<br />
texto midiático pode se dar em um mesmo aparelho portátil,<br />
ser disponibilizado em conexões sem fio e acessado em recep-<br />
tores móveis. Até mesmo a velha TV, graças ao middleware<br />
Ginga e aos outros dispositivos de conectividade, pode exibir<br />
qualquer conteúdo de imagem, som e dados.<br />
1.2 O segundo pressuposto<br />
A nossa dinâmica nos encaminha para o segundo pressuposto:<br />
a ideia de ambiente. McLuhan ensina que “toda tecnologia gra-<br />
dualmente cria um ambiente humano totalmente novo” (p. 10).<br />
E mais, destaca que esses ambientes são somente envoltórios.<br />
Uma espécie de esfera passiva, ao contrário, é ativa e interfere<br />
na dinâmica do espaço. Nesse sentido configuraria e controla-<br />
ria tanto a proporção, quanto a forma, a ação e as associações<br />
humanas (McLUHAN, 1964, p. 10). Tal entendimento justifica-<br />
ria o postulado de que o meio, ao delimitar, ao estabelecer deter-<br />
minadas condições operativas no seu interior, configuraria a<br />
condição de mensagem. Se pensarmos no ambiente analógico e<br />
vertical dos meios, analisados, na época, pelo pesquisador da<br />
escola de Toronto, há pertinência de sentido. Mas se perceber-<br />
mos o novo ambiente digital horizontalizado, no qual as instân-<br />
cias de produção e recepção podem experimentar interações<br />
numa oferta tecnológica bidirecional (BARBOSA FILHO; CAS-<br />
TRO 2009; KIELING, 2010), o meio enquanto mensagem tende<br />
a se diluir em processos dissipativos.<br />
Verón (2004) nos provoca quanto ao fim da experiência das mí-<br />
dias, no caso da TV, como fenômeno de recepção massiva. Eco<br />
(1984), que estudou o exemplo europeu no qual a TV Pública<br />
veio antes da TV Comercial, ao fazer uma classificação tempo-<br />
ral e histórica, entendia como Paleo TV o período inicial da mí-<br />
dia televisiva quando esta procurava reproduzir tudo que suas<br />
câmeras pudessem captar do mundo exterior. Neo TV seria o<br />
121
que veio a seguir, quando o conteúdo se volta para o interior<br />
do meio e sua capacidade de criar realidades, um mundo pró-<br />
prio (auditório, ficção, celebridades) numa operação autorrefle-<br />
xiva. Por fim, alguns teóricos fora do ambiente semiótico falam<br />
de a Pós TV (Piscitelli, 1998; Ramonet, 2002) que se encaminha-<br />
ria para a segmentação. Para Verón, essa diluição, que se vê<br />
agravada pela digitalização, a dispersão de audiência, a quebra<br />
da recepção contínua vinculada ao fluxo da grade de programa-<br />
ção, tende a desconstituir o fenômeno da assistência massiva.<br />
Imagine-se então agora com a audiência fragmentada pelos gra-<br />
vadores digitais, pelos repositórios de vídeos nas redes e pelos<br />
receptores móveis. Ou então a possibilidade dos públicos tam-<br />
bém produzirem. O princípio de controle oferecido pelo meio à<br />
instância de produção parece se relativizar.<br />
O fato é que vai se configurando um novo ambiente que ten-<br />
siona o anterior, perturba sua ordem, seu sistema enquanto<br />
meio ordenador social, regulador das condições de sociabilida-<br />
de, produção, acesso e consumo. Todavia, nesse processo, o<br />
ambiente anterior não desaparece. Da mesma maneira, suas<br />
lógicas e suas dinâmicas passam a conviver com o novo.<br />
McLuhan entendia que “o conteúdo de qualquer meio ou veí-<br />
culo é sempre o outro meio e veículo. O conteúdo da escrita é<br />
a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa,<br />
é o conteúdo do telégrafo” (p. 22). Por esse motivo, a tendên-<br />
cia do conteúdo de um meio seria se tornar mais forte porque<br />
o conteúdo seria outro meio. No fenômeno presente da digita-<br />
lização, em certo sentido, essa perspectiva pode ser verificável<br />
nos portais, nas redes sociais que reúnem diversos conteúdos<br />
revitalizados a partir da sua herança analógica. É o caso dos<br />
vídeos e das fotos permanentemente disponíveis, das publica-<br />
ções dos conteúdos colaborativos, da interação com os públi-<br />
cos. Novas formas de construção textual que se apropriam<br />
das antigas e, às vezes, tão somente a reproduzem.<br />
E nesse movimento, os processos de seleção, filtros, e velhas<br />
hierarquias procuram se manter. Defende-se que nessa dinâmica,<br />
mais complexa de revitalização dos conteúdos, e nos<br />
processos pensados por McLuhan, há uma intersecção de duas<br />
lógicas que coabitam; não apenas um ambiente, mas uma<br />
ambiência. Esse espaço, de um lado reúne várias mídias e as<br />
dinâmicas de um sistema fechado mais vinculado à ordem<br />
operativa, necessária às dinâmicas operativas da tecnologia, e<br />
de outro, um sistema aberto vinculado às dinâmicas dissipativas<br />
1 dos conteúdos, vistos como bens simbólicos e, portanto,<br />
da produção de sentido que deles resulta (KIELING, 2009).<br />
Algo como, de um lado, o sistema numa relação homem-máquina,<br />
na qual predominam os esforços de estabilidade e ordem<br />
2 . Há controle do discurso na lógica do esquema da teoria<br />
da informação descrita por Shannon e Weaver 3 (Fig. 1).<br />
____________________<br />
1 Prigogine (1990) desenvolveu a teoria de dissipação a partir do movimento de partículas de espaço para outro,<br />
considerando que a cada deslocamento estas partículas tendiam a se ajustar aos novos ambientes, mas sem perder<br />
sua referência de origem.<br />
2 Dinâmicas pensadas a partir das lógicas dos sistemas de função descritas por Luhmann. O autor entende os meios<br />
de comunicação como um sistema fechado, autofortificados (que se protegem do ambiente externo), autorreferen-<br />
tes (autonomia e organização interna, uma autopoiésis interna) e heterorreferentes (sua relação com o ambiente<br />
externo se daria por um acoplamento estrutural).<br />
3 SHANNON, C.; WEAVER, W. The mathematical theory of communication. Urbana: The University of<br />
Illinois Press, 1949.<br />
122
Fig. 1 – Esquema baseado na teoria da informação de Shannon e Weaver<br />
Mensagem<br />
Emissor Receptor<br />
Canal<br />
De outro lado, há dinâmicas processuais da relação sujeito-su-<br />
jeito mais dedicadas à produção dos bens simbólicos. Opera-<br />
ções de construção do discurso nas quais a geração do conteú-<br />
do não se processa apenas nas possibilidades de interpreta-<br />
ção, mas também nas possibilidades interativas de produção.<br />
Experimentam-se os efeitos de geração e circulação de senti-<br />
do 4 (Fig. 2).<br />
Fig. 2 – Esquema baseado na teoria da comunicação como processo<br />
____________________<br />
Mensagem (...)<br />
Emissor (R) Receptor (E)<br />
Canal<br />
4 Trata-se do processo de construção de sentido pensada por Verón (2004) e do sistema de significação, o SSI, que<br />
vai depender de variáveis externas, sociais, culturais que podem dissipar interpretações e escolhas, como pensaria<br />
Prigogine (1990), para fora da proposta original dos textos midiáticos, das suas estruturas modelizantes do script, do<br />
roteiro, do estúdio, dos esquemas da multicâmera, das normas de estilo, de redação, dos manuais.<br />
Constitui-se deste modo a noção de ambiência midiática 5 (KIE-<br />
LING 2009/2010) por meio da qual as duas dinâmicas convi-<br />
vem no fenômeno de digitalização das mídias (Fig. 3).<br />
Fig. 3 – Esquema desenvolvido para ilustrar o postulado de ambiência.<br />
Naturalmente que, como alertava McLuhan, a eficácia dessa<br />
configuração dos meios depende do uso e da própria estrutu-<br />
ra que as associações humanas conformam. Na linha de tem-<br />
po das tecnologias, o autor canadense, considerando que a téc-<br />
nica de alguma forma molda a associação e o trabalho huma-<br />
nos, encontra na idade da pedra e do manuscrito princípios<br />
de uma organização tribal. Na era da mecânica e da prensa<br />
percebe uma fragmentação e individualização. No período da<br />
elétrica encontra elementos de retribalização a partir, sobretu-<br />
do, do fluxo da energia que aglutina as comunidades e o con-<br />
sumo de Cinema, Rádio e TV, que são compartilhados. Segura-<br />
mente escapou ao autor a fase de massificação e uniformiza-<br />
ção, também presentes nessa fase elétrico-eletrônica, especial-<br />
____________________<br />
5 Trata-se da perspectiva da midiosfera (KIELING 2009/2010) na qual, a partir de um esquema de elipses (Fig. 3) no<br />
qual percebemos dois sistemas (o SPD, Sistema de Produção e Distribuição, e o SSI, Sistema de Significação, incluin-<br />
do consumo e interpretação). Na dinâmica imaginada das elipses, um sistema permeia o outro num processo de<br />
interação por meio do qual se constitui um lugar, um espaço, um terreno virtual de confronto e acomodação entre<br />
as lógicas de cada sistema. Mas, ao mesmo tempo, configura-se um espaço de realização, de consumação.<br />
123
mente na segunda metade do século 20. Se aplicarmos a mes-<br />
ma lógica a essa etapa da digitalização, no âmbito dessa am-<br />
biência midiática, vamos encontrar efeitos de uma nova tribali-<br />
zação nas mídias sociais e no convívio virtual, porém perma-<br />
necem vigorosos indicadores de segmentação. Quem dispõe<br />
de todos os aparatos tecnológicos de recepção tende a decidir<br />
individualmente ou em pequenos grupos onde, quando, de<br />
que forma e que conteúdo vai acessar.<br />
1.3 O terceiro pressuposto<br />
O quadro descrito acima nos conduz ao terceiro pressuposto<br />
que trata da intersecção dos meios. Mais que se alimentar dos<br />
antecessores, o digital efetivamente atualiza todos e multipli-<br />
ca suas bases de distribuição. Ou ainda, produz cruzamentos<br />
e associações tecnológicas. Scolari (2008) lembra que “as trans-<br />
missões de rádio, TV e cinema são desenhados, produzidos,<br />
pós-produzidos, e cada vez mais, distribuídos usando as tec-<br />
nologias digitais” (p. 82), configurando-se o uso de uma multi-<br />
plicidade de linguagens, em diferentes camadas nas quais se<br />
incorporam várias formas de expressão e vários meios. Agre-<br />
ga-se novos dispositivos àqueles que já eram mobilizados, as<br />
vezes ao mesmo tempo, para a compreensão da narrativa.<br />
Condição que é incrementada pela possibilidade oferecida pe-<br />
los sistemas digitais de amplificar, arquivar, reconverter e re-<br />
produzir textos sem perda da qualidade original e sem prejuí-<br />
zo ao conjunto de dados informativos (SCOLARI, 2009).<br />
Um processo no qual o conteúdo ou o texto depois de digitali-<br />
zado ou já gerado digitalmente, além de poder ser fragmenta-<br />
do, manipulado, recombinado, pode ser distribuído de manei-<br />
ra transmidiática, por vários meios, conferindo um efeito de<br />
transmidialidade ou hipermedialidade, como propõe Scolari.<br />
Tal circulação em diversas mídias insere esses conteúdos na<br />
dinâmica de narrativas que alimentam um fluxo na perspecti-<br />
va da convergência pensada por Jenkins (2009). Mas, o fluxo<br />
de conteúdos, por meio de múltiplas plataformas, estaria sujei-<br />
124
to “à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao<br />
comportamento migratório dos públicos dos meios de comu-<br />
nicação, que vão a qualquer parte em busca das experiências<br />
de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29). Nes-<br />
se sentido, a noção de convergência implicaria não apenas nas<br />
transformações tecnológicas, mas igualmente mercadológicas,<br />
culturais e sociais, verificando-se a mudança de escala, cadên-<br />
cia ou padrão nas coisas humanas, pensadas por McLuhan.<br />
Juntamente com esse processo vamos verificar a inscrição dos<br />
públicos que, graças às ofertas interativas constitutivas das<br />
tecnologias digitais, podem se lançar de maneira mais intensa<br />
às interações com as instâncias produtoras. Estes sujeitos co-<br />
municacionais são qualificados como prosumidor (SCOLARI,<br />
2008), ou produser (BRUNS, 2009). Esta última categoria, o pro-<br />
dutor/usuário, não estaria diretamente envolvida em formas<br />
de produção de conteúdos, mas sim em produsage, que, segun-<br />
do Bruns, seria a construção contínua e colaborativa e a ampli-<br />
ação do conteúdo já existente com a finalidade de melhorar<br />
esse texto.<br />
Boa parte destes produsers atua nas redes sociais e, conforme re-<br />
cente classificação do MIT, estaria dividida em quatro grupos de<br />
atividades interativas:<br />
(a) aqueles criadores profissionais ou podcasters, que pro-<br />
movem a distribuição e publicação de conteúdos;<br />
(b) aqueles voyeurs, que apenas dão algum tipo de retorno<br />
como “curtir”;<br />
(c) aqueles que repassam o conteúdo acessado aos ami-<br />
gos, agindo como mediadores destes textos;<br />
(d) e os efetivamente colaborativos. Estes últimos, mais<br />
atuantes, se subdividem em duas subcategorias, os<br />
que ajudam na busca de informações (como colabora-<br />
dores de uma investigação jornalística) e os crowdsour-<br />
cing que trabalham coletivamente 6 (Fig. 4)<br />
Fig. 4 – Adaptação do gráfico desenvolvido pelo grupo de estudo do MIT. 7<br />
____________________<br />
6 O crowdsourcing é um modelo de produção que utiliza a inteligência e os conhecimentos coletivos e voluntári-<br />
os espalhados pela Internet para resolver problemas, criar conteúdo e soluções ou desenvolver novas tecnologias .<br />
7 Acessível em: http://web.mit.edu/comm-forum/mit7/papers/Frigo_MIT-MEL_SocialTV.pdf;<br />
http://mobile.mit.edu/research/next-tv/next-tv . Último acesso em 20/1/2012.<br />
125
2 O impacto provocado pela ambiência<br />
As operações dessa ambiência midiática têm mobilizado os<br />
grandes conglomerados midiáticos que já recorrem às múlti-<br />
plas possibilidades de chegar a esse produtor-usuário, nos ter-<br />
mos de Bruns. Cada vez mais jornais, revistas, rádios, TVs e<br />
sites da WWW são reunidos em versões integradas nos por-<br />
tais da rede de computadores ou ganham versões em recepto-<br />
res móveis com os tablets e smartphones. É fato que a instância<br />
de produção vem sendo impactada pelas possibilidades que<br />
gradualmente instituem uma nova maneira de produção, cir-<br />
culação e consumo dos conteúdos transmidiáticos. Esses mo-<br />
vimentos contaminam especialmente os processos e a estru-<br />
tura de realização de narrativas digitais. É o caso da constru-<br />
ção de relatos que tem mobilizado diferentes plataformas tec-<br />
nológicas e que na sua articulação narrativa geram composi-<br />
ções não pensadas por McLuhan.<br />
Dentre essas possibilidades está aquela na qual as tecnologias<br />
passam a fazer parte da história, atuando inclusive com uma<br />
função narrativa de narrador implícito. Uma experiência nes-<br />
se sentido foi empreendia no âmbito do grupo de pesquisa de<br />
conteúdos digitais transmidiáticos e interativos da Universida-<br />
de Católica de Brasília. A equipe produziu um vídeo cuja abor-<br />
dagem sobre adoção se ocupa de estimular as pessoas à essa<br />
maneira de paternidade e maternidade. A estrutura narrativa<br />
da história utiliza como fio condutor uma família que costu-<br />
ma usar as redes sociais para se informar sobre como cuidar<br />
do filho com síndrome de Down e também para compartilhar<br />
experiências com outros pais.<br />
Para compor a estrutura narrativa, o grupo de pesquisadores<br />
optou pelo uso da mediação da Internet para o cruzamento da<br />
história da família âncora com as histórias de outras famílias<br />
com experiência de adoções de crianças com necessidades es-<br />
peciais. A escolha buscava preservar o espaço real dos perso-<br />
nagens e incluí-los num espaço fílmico com a menor contami-<br />
nação possível. A perspectiva documental procurava o regis-<br />
tro do contato natural entre as famílias por meio da rede.<br />
Desta maneira, a costura entre o espaço real e o espaço fílmico<br />
exigiu uma intervenção da tecnologia.<br />
126
3 O meio como narrador<br />
Acredita-se que esse deslocamento do suporte, da própria tec-<br />
nológica, agrega novo status comunicacional ao meio. O movi-<br />
mento permite o entendimento de que a condição de meio, no<br />
caso da mencionada narrativa, assume, em certo sentido, uma<br />
condição de fim. Incorpora um estatuto de inscrição narrativa.<br />
Recordemos que a narratologia como uma manifestação de dis-<br />
curso, encontra nos relatos audiovisuais da televisão (polifôni-<br />
cos) pelos menos quatro níveis de enunciadores (locutores ou<br />
narradores), de certa maneira comuns ao cinema (KIELING,<br />
2009). Primeiro, que seria o enunciador ausente, encontramos a<br />
instituição midiática. Um segundo enunciador seria o processo<br />
de produção de programas. Sejam meios, formas e estéticas de<br />
produção (incluindo os diretores, escritores, realizadores, edito-<br />
res, operadores de câmera). São os “narradores implícitos” (GE-<br />
NETTE, 1991; JOST, 2004) que servem ao sistema produtivo e<br />
ao mesmo tempo vão ser responsáveis pela enunciação manifes-<br />
ta na realização dos textos televisivos e de instrumentos de au-<br />
toproteção do sistema. O terceiro é o narrador implícito que são<br />
os apresentadores, personagens. No caso do documentário so-<br />
bre adoção seriam as pessoas de cada família que falam na his-<br />
tória. E, por fim, o narrador virtual, que é o espectador, ou o<br />
produtor usuário que envia colaborações para o texto, como já<br />
descrito no presente artigo.<br />
Todavia, o que aqui nos interessa é o narrador implícito. Este<br />
é o caso dos dispositivos tecnológicos que com o advento da<br />
digitalização passam a fazer parte da narrativa com escritura<br />
no texto, seja por meio de aplicativos que ajudam a estrutura<br />
da narrativa, seja por meio de dispositivos de interatividade<br />
com a instância de recepção que permitam ações colaborati-<br />
vas ou construções alternativas de linearidade e não lineari-<br />
dade. Trata-se, portanto, do suporte que deixa de ser meio e<br />
passa a ser fim, não apenas instrumento, mas figura como<br />
narrador ou personagem implícito que não está necessaria-<br />
mente declarado, porém intervém e também dialoga com a<br />
história, enunciando e produzindo efeitos de sentido. Isso<br />
ocorre no documentário, pois a tecnologia passa a fazer par-<br />
te da narrativa.<br />
Observe-se que no relato o aplicativo de rede social alinhavan-<br />
do a estrutura do texto audiovisual exigiu um construto estéti-<br />
co e narrativo. Foi criada uma interface gráfica (Foto 1 e 2),<br />
desenvolvida exclusivamente para o vídeo de referente factu-<br />
al, que terminou por figurar com um papel enunciativo. A in-<br />
terface promoveu o espaço de interação entre os personagens<br />
localizados em cidades de regiões diferentes do país.<br />
Portanto, uma inscrição que não somente interfere no fluxo narra-<br />
tivo normal como estabelece nova ordem interna organizando a<br />
relação dialógica das famílias (personagens). Noutro sentido, pro-<br />
duz uma intersecção entre as lógicas e a estética do vídeo com a<br />
das redes. Sem a ação articuladora da tecnologia e, particular-<br />
mente, da interface gráfica a construção do texto audiovisual<br />
apresentaria elipses temporais e espaciais de difícil compreensão.<br />
127
Foto 1- Still do diálogo da família da história âncora<br />
com outra família por meio da Internet<br />
O uso da tecnologia como parte da mensagem, do discurso e<br />
da narrativa, tende a resgatar o que Marshall McLuhan escre-<br />
veu em 1963, quando afirmou que “o meio era a mensagem”.<br />
É bem verdade que o autor canadense fez essa reflexão a par-<br />
tir de outra realidade (a televisão analógica em seu estágio ini-<br />
cial) e tecnologias (eletricidade) e pensava no palimpsesto<br />
(GENETTE, 1992) que emoldurava ou enquadrava os conteú-<br />
dos às condições de produção e de recepção.<br />
Mas sua análise deve ser vista aqui numa dimensão referenci-<br />
al, uma vez que o meio, no caso descrito, se torna mais que<br />
um meio. Avança a partir do pressuposto de limitação do tex-<br />
to e institui a premissa de abertura em relação ao enquadra-<br />
mento do sistema fechado de cada mídia para a produção tex-<br />
tual. Imagina-se, arriscando uma noção distinta, que há uma<br />
transposição conceitual a partir do postulado de McLuhan,<br />
quando se confere à tecnologia um caráter enunciador no inte-<br />
rior do discurso. Não exterior a ele.<br />
Foto 2 - Still da interface gráfica usada no documentário<br />
Trata-se de narrativas que podem adquirir vida própria. No<br />
exemplo, o roteiro proposto – o roteiro guia – é apenas uma<br />
proposta inicial sujeito a incorporações no processo de realiza-<br />
ção, na medida em que o que vai resultar da conversa por<br />
meio da Internet não está previsto. Há um espaço de registro<br />
da experiência, uma característica do documentário.<br />
128
4 Apontamentos finais<br />
Acreditamos estar diante da perspectiva de uma ampliação das<br />
marcas de ruptura paradigmática que vivemos com a digitaliza-<br />
ção das mídias. Como vimos, o uso da tecnologia digital vem<br />
gradualmente introduzindo novas dinâmicas tanto nas práticas<br />
da instância de produção quanto nos hábitos e práticas da ins-<br />
tância de recepção. Há novos referentes em construção.<br />
Notadamente, o pressuposto da inserção da tecnologia digi-<br />
tal no estatuto de inscrição narrativa, aqui apresentado, per-<br />
mite inferir uma transcendência. Nessa ambiência mediáti-<br />
ca a tecnologia promove o deslocamento do meio da sua<br />
condição de suporte para parte do conteúdo, da lingua-<br />
gem, da narrativa. Além disso, rompe os limites das própri-<br />
as condições de produção de cada mídia tal qual foram<br />
constituídas a partir das capacidades do papel, da impres-<br />
sora, da película, do projetor, das ondas hertzianas, das an-<br />
tenas, dos transmissores, dos aparelhos fixos de transmis-<br />
são, do tratamento do som, das cores, das imagens, das re-<br />
des físicas, das máquinas.<br />
A horizontalização dos processos de produção, distribuição e<br />
recepção apresenta, assim, ao objeto tecnologia uma possibili-<br />
dade de subjetivação na condição de agente narrativo. Tal in-<br />
gresso no espaço do conteúdo tende a desalojar o meio do seu<br />
lugar harmônico. A condição única que ocupava como parte de<br />
um sistema fechado, cuja função de suporte era servir de trans-<br />
porte e entrega do texto pode agora ser bem mais complexa.<br />
Ao ingressar no universo narrativo tem de incorporar a insta-<br />
bilidade do sistema aberto da criação, sua imprevisibilidade<br />
na produção de sentido desde o processo de realização dos<br />
textos até sua interpretação pelas instâncias de recepção. Hoje<br />
uma constante na construção de conteúdos digitais interativos<br />
é uma possibilidade que cada vez mais apresenta seus exem-<br />
plos no mundo audiovisual.<br />
É nessa perspectiva que entendemos existir, no interior do dis-<br />
curso audiovisual digital, a nova possibilidade de a tecnolo-<br />
gia ser continuamente ressignificada. Naturalmente, é uma<br />
proposição em sua fase reflexiva primária que procura dar<br />
conta de uma primeira aproximação com a experiência em cur-<br />
so, mas as pistas até aqui encontradas indicam pertinência na<br />
direção da inscrição da tecnologia como espaço narrativo.<br />
129
Referências<br />
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VERÓN, E. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.<br />
130
Visão e atualidade das contribuições<br />
de McLuhan sobre a automação e os<br />
consequentes impactos nas organizações,<br />
na comunicação e no mundo do trabalho<br />
JOÃO JOSÉ CURVELLO<br />
PROFESSOR E DIRETOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO<br />
EM COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA<br />
CURVELLO@POS.UCB.BR<br />
Resumo<br />
O artigo apresenta uma análise a partir das contribuições de McLuhan<br />
sobre os impactos da automação nas organizações e no mundo do tra-<br />
balho e suas consequências, incluídos os processos de comunicação. A<br />
partir do último capítulo de Understanding Media, e com a introdução<br />
de aportes de autores no campo da comunicação, da filosofia, da socio-<br />
logia e da administração, tece-se um paralelo entre as previsões de<br />
McLuhan e os cenários atuais. Ao final, tentamos reconstituir o que se-<br />
ria uma nova visão a partir dos pressupostos da prospectiva.<br />
Palavras chave<br />
McLuhan, automação, trabalho, aprendizagem, comunicação organizacional<br />
131
Introdução<br />
Em primeiro lugar, na abertura deste texto, gostaríamos de ex-<br />
plicitar nosso lugar de fala. Diferentemente dos pesquisadores<br />
que se voltam para o pensamento de McLuhan pelo viés da<br />
mídia e de suas contribuições para uma teoria do meio, nos-<br />
sas observações e análises partem desde o campo das organi-<br />
zações sociais, com interesse redobrado nos aspectos epistemo-<br />
lógicos e teóricos presentes nos estudos que se dedicam a deci-<br />
frar os intrincados percursos da comunicação nos contextos<br />
organizacionais. Particularmente, interessa-nos, aqui, discutir<br />
como a obra de McLuhan se inscreve entre as pioneiras em tra-<br />
tar de fenômenos tão complexos como o contexto das relações<br />
de trabalho, marcadas por processos técnicos, políticos, legais,<br />
econômicos, culturais e sociais que se transformam a olhos vis-<br />
tos e que exigem constante observação e interpretação.<br />
Desse lugar de fala, portanto, é que escolhemos como eixo a<br />
explorar, neste texto de perfil teórico e com base em pesquisa<br />
bibliográfica, o tratamento dado por McLuhan à questão da<br />
automação e suas conseqüências, sobretudo nos processos de<br />
produção, de consumo e de aprendizagem no âmbito das or-<br />
ganizações industriais. Em um segundo momento, faremos<br />
um contraponto com o cenário atual, a partir da contribuição<br />
de autores que se dedicam ao estudo desses contextos, e tam-<br />
bém veremos como essas transformações anunciadas por<br />
McLuhan se confirmaram ou não nos contextos organizacio-<br />
nais pelo viés da comunicação. Por fim, tentamos atualizar a<br />
visão de McLuhan, a partir de estudos prospectivos sobre ten-<br />
dências científicas e tecnológicas que sinalizam para uma hi-<br />
bridização cada vez maior entre homens e máquinas.<br />
132
A visão<br />
Nossa análise tem como ponto de partida o capítulo final de “Os<br />
meios de comunicação como extensões do homem (Understan-<br />
ding Media)”, dedicado à automação ou cibernação (MCLUHAN,<br />
1969, pp. 388-403). Nesse capítulo, McLuhan começa sua reflexão<br />
a partir da tese de que o advento da eletricidade provoca uma<br />
aceleração dos processos, o que acaba por contribuir para mudar<br />
a percepção de tempo e espaço, que passam a ser percebidos<br />
como nada uniformes, como descontínuos.<br />
Para o autor, a rede global, que se viabiliza pela tecnologia, se<br />
assemelha ao nosso sistema nervoso central, com um campo<br />
unificado de percepção. Essa ordem se apresenta como direta-<br />
mente oposta à da sociedade mecanizada, antes vista como<br />
fragmentada, e que o próprio McLuhan (1969, p. 390) denomi-<br />
nava de “monofratura da manufatura”.<br />
Segundo ele, a automação “não é uma extensão dos princípios<br />
mecânicos da fragmentação e da separação de operações. Tra-<br />
ta-se antes da invasão do mundo mecânico pela instantaneida-<br />
de da eletricidade” (MCLUHAN, 1969, p. 391). Trata-se de um<br />
novo modo de pensar, tanto quanto de fazer. Trata-se de um<br />
processo que se apresenta como sincrônico.<br />
McLuhan diz que a automação faz com os processos de traba-<br />
lho e produção o mesmo que o rádio e a televisão com suas au-<br />
diências, agora ampliadas e sensibilizadas: uma nova forma<br />
de interprocessamento. Uma espécie de produção de massas,<br />
não em termos quantitativos, mas de “amplexo inclusivo ins-<br />
tantâneo” (MCLUHAN, 1969, p. 391-392).<br />
Nessa área da automação, as indústrias de bens e consumo<br />
têm caráter estrutural idêntico às estruturas de entretenimen-<br />
to, por conta da aproximação com um estado por ele denomi-<br />
nado de “informação instantânea”. McLuhan já nos dizia que,<br />
com isso, no circuito de automação, o consumidor torna-se<br />
também produtor (tal e qual os “atuais” prosumers 1 , produ-<br />
sers 2 ou cocriadores 3 ).<br />
Nesse novo contexto tecnológico, energia e produção tendem a<br />
se fundir com informação e aprendizagem. A comercialização e<br />
o consumo tendem a se unificar com a aprendizagem, o esclare-<br />
cimento, a busca de informações. Dessa forma, produção, con-<br />
sumo e aprendizagem se constituem em um processo inextricá-<br />
vel. Aqui, é importante destacar que, mais de vinte anos após<br />
____________________<br />
1 O termo prosumer, que aparece pela primeira vez na literatura na obra A terceira onda de Alvin Tofler, descreve os<br />
“consumidores engajados no processo de co-produção de produtos, significados e identidades. São consumidores<br />
proativos e dinâmicos em compartilhar seus pontos de vista. Eles estão na vanguarda em relação à adoção de tecno-<br />
logias, mas sabem identificar valor nos produtos escolhidos. Distinguem-se dos early adopters pelas suas atitudes<br />
interventoras relativas a marcas, informação e meios de comunicação” (TROYE, XIE, 2007; XIE, BAGOZZI, TROYE,<br />
2008 apud FONSECA et al., 2008, p.4).<br />
2 Produsers são atores que não se envolvem em uma forma tradicional de produção de conteúdo, mas são envolvi-<br />
dos em produsage - a construção colaborativa e contínua de conteúdos existentes na busca de melhorias. Os partici-<br />
pantes em tais atividades não são produtores no sentido convencional, industrial. O termo implica uma distinção<br />
entre produtores e consumidores que não existe mais. Os resultados de seu trabalho não são produtos existentes<br />
como pacotes completos e suas atividades não são uma forma de produção porque eles procedem com base em<br />
um conjunto de pressupostos e princípios que são marcadamente diferentes do modelo industrial convencional<br />
(BRUNS, 2008).<br />
3 Cocriação é um termo desenvolvido principalmente por Prahalad e Krishnan (2008) no qual propõem às indústri-<br />
as o envolvimento de seus clientes no desenho de produtos, de forma a manter um processo continuo de inovação.<br />
133
sua morte, McLuhan parece influenciar reflexões recentes de au-<br />
tores como Richard Sennet (2006) quando este último desenvol-<br />
ve em livro sua tese sobre a cultura do novo capitalismo, anco-<br />
rada justamente na inter-relação entre o consumo, a nova buro-<br />
cracia do processo produtivo e a capacitação permanente.<br />
McLuhan reconhecia que esse processo levaria possivelmen-<br />
te ao desemprego, cuja saída estaria na aprendizagem<br />
como novo emprego dominante. Ele nos diz que emprego,<br />
operários, trabalhos especializados perderiam espaço na<br />
era da automação, o que pode ser comprovado pela redu-<br />
ção drástica do número de trabalhadores em indústrias tra-<br />
dicionais como a automobilística, por exemplo.<br />
O processo de automação nos traz um mundo em que compu-<br />
tadores começam a pensar, mas um “computador consciente<br />
ainda seria uma extensão da nossa consciência” (MCLUHAN,<br />
1969, p. 394). Com isso, o que se armazena e desloca é, sobretu-<br />
do, percepção e informação, em que “o próprio esforço do ho-<br />
mem agora se torna uma espécie de esclarecimento”, no qual<br />
nos basta nomear e programar para que algo se realize, seja<br />
feito sob medida.<br />
McLuhan previa, ainda, que a aceleração e a interdependência<br />
elétricas eliminariam a linha de montagem na indústria, devi-<br />
do ao alto grau de conexão de todas as fases de uma opera-<br />
ção. Isso implicaria a aceleração da sincronização que deverá<br />
ser feita de empresa a empresa, indústria a indústria, país a<br />
país, numa espécie de inter-relacionamento orgânico.<br />
O todo da sociedade passou a ser encarado como “uma úni-<br />
ca máquina unificada criadora de riqueza”, uma riqueza<br />
cuja manipulação já não é privilégio de produtores, empre-<br />
sários, corretores, mas que passa a ser partilhada por técni-<br />
cos e também pelas indústrias da comunicação, da criação.<br />
Nesse cenário, ao mesmo tempo em que há sinalização de cor-<br />
tes nos quadros de empregados, em razão do ajuste das em-<br />
presas às novas regras de competição internacional, cresce,<br />
em contrapartida, a demanda por profissionais capazes de li-<br />
dar com o universo simbólico multimídia. Confirma-se, aqui,<br />
a tendência apontada por Robert Reich (1992), de uma crescen-<br />
te demanda mundial por uma elite de profissionais competen-<br />
tes na arte de análise e produção simbólica.<br />
McLuhan também reforça a tese de que pensar e compreender<br />
a comunicação como interação é inerente à eletricidade e à au-<br />
tomação, por combinar energia e informação, por praticamen-<br />
te impor o feedback ou a informação de retorno, o que acaba<br />
por criar um circuito informativo onde antes só havia fluxo<br />
único e mecanicamente sequencial.<br />
“O feedback significa o fim da linearidade introduzida no<br />
mundo ocidental pelo alfabeto e as formas contínuas do es-<br />
paço euclidiano. O feedback, ou diálogo entre o mecanismo<br />
e sua ambiência, acarreta o entrelaçamento de máquinas iso-<br />
ladas numa galáxia de máquinas que toma conta de tota a<br />
planta ou layout da fábrica. Daqui deriva um novo entrela-<br />
çamento entre plantas isoladas e fábricas, no sentido de<br />
134
toda uma matriz industrial dos materiais e serviços de uma<br />
cultura”. (MCLUHAN, 1969, p. 397-398).<br />
A aceleração elétrica requer, ainda, um conhecimento comple-<br />
to dos efeitos últimos, o que pressupõe uma valorização da es-<br />
tratégia e do planejamento. Nesse contexto, executivos, gesto-<br />
res etc. vivem pressionados pela aquisição de novos conheci-<br />
mentos, por atualização permanente e por uma produção mui-<br />
tas vezes conduzida sem condições de acompanhar o resulta-<br />
do (que é instantâneo, às vezes imperceptível, invisível).<br />
Isso exige dos gestores e demais trabalhadores adaptabilidade<br />
diante do “interprocessamento instantâneo e complexo”, pois<br />
à medida que tudo se torna mais complexo, torna-se também<br />
menos especializado.<br />
Riqueza e trabalho são fatores de informação e demandam es-<br />
truturas novas que se configuram e reconfiguram como novos<br />
espaços mercadológicos, mas também sociais. Um impacto vi-<br />
sível é o da introdução crescente de uma visão utilitarista ao<br />
ensino, que passa a ser pressionado para preparar ainda mais<br />
os indivíduos para lidar com a profundidade e a inter-relação<br />
indispensáveis para lidar nesse cenário de simultaneidade.<br />
“De repente, os homens passaram a ser nômades à cata de<br />
conhecimento - nômades como nunca, informados como nun-<br />
ca, livres como nunca do especialismo fragmentário, mas en-<br />
volvidos como nunca no processo social total; com a eletrici-<br />
dade, efetuamos a extensão de nosso sistema nervoso cen-<br />
tral, globalmente, inter-relacionando instantaneamente toda<br />
a experiência humana” (MCLUHAN, 1969, p. 401-402).<br />
O trabalho se virtualiza, se desloca, leva o indivíduo a uma<br />
nova necessidade de definição quanto a seu lugar no mun-<br />
do, leva-o a pensar sobre o que fazer, o que aprender, o que<br />
e como criar. 4<br />
____________________<br />
4 Também podemos ver isso na apropriação de De Masi sobre o ócio criativo (1999), caracterizado por “uma rique-<br />
za mais bem-distribuída, uma autodeterminação sobre as tarefas, uma atividade intelectual mais rica em conteúdos, maior<br />
importância dada à estética, à qualidade de vida, e maior espaço para a auto-realização subjetiva”.<br />
135
A atualidade<br />
Como é possível perceber, o texto premonitório de McLuhan<br />
sobre a automação e seus impactos no mundo do trabalho, an-<br />
tecipava um movimento que rompe com antigos paradigmas<br />
que apontavam para uma estabilidade do sistema. As influên-<br />
cias do ambiente externo, marcado pela competitividade cres-<br />
cente em escala mundial, provocam rupturas e tentam impor<br />
o estabelecimento de novas relações de trabalho baseadas na<br />
mobilidade e na flexibilidade. Essas novas relações, em princí-<br />
pio, levando-se em conta o discurso no qual vieram embala-<br />
das, poderiam representar ganhos para os trabalhadores, uma<br />
vez que acenavam com um novo ambiente de trabalho, mais<br />
cooperativo, participativo, independente e centrado na apren-<br />
dizagem e na criatividade, ao mesmo tempo em que criavam<br />
um novo modelo: o da organização virtual, caracterizada como<br />
uma rede temporária de parceiros independentes - fornecedo-<br />
res, consumidores, e até mesmo concorrentes - ligados pela<br />
tecnologia da comunicação para dividir habilidades, custos e<br />
o acesso de cada um ao mercado; uma organização sem níveis<br />
hierárquicos, sem integração vertical, com as relações basea-<br />
das na flexibilidade, na confiança, na sinergia e no trabalho<br />
em equipe (DAVIDOW e MALONE, 1993).<br />
Como já escrevemos em trabalhos anteriores (CURVELLO,<br />
2001), o antigo tripé do conceito de organizações - pessoas,<br />
estrutura e tecnologia – entra em xeque, uma vez que esses<br />
componentes não mais precisam abrigar-se sob um mesmo<br />
espaço nem operarem a um mesmo tempo para configura-<br />
rem uma organização. Entretanto, de todos os componentes<br />
de uma organização, as pessoas são as que sofrem os maiores<br />
impactos com a automação, a virtualização e a desestruturação<br />
das burocracias. A crescente informatização dos processos<br />
administrativos e a proliferação de novas tecnologias<br />
para transmissão de dados apontam para o desaparecimento<br />
dos escritórios, para uma "deslocalização" do trabalho, para<br />
uma corrosão dos cargos, ou até mesmo para o fim do emprego<br />
nos moldes como o conhecemos (BRIDGES, 1995). Hoje,<br />
cresce o número de pessoas que trabalham como empregados<br />
temporários ou em atividades terceirizadas.<br />
Esse desenvolvimento tecnológico - das primeiras máquinas, sim-<br />
ples e automáticas, introduzidas pela Revolução Industrial, até<br />
chegarmos à automação em larga escala, propiciada pela microin-<br />
formática e pelo avanço das chamadas “redes neurais” – se con-<br />
tribuiu para liberar o trabalhador da fadiga, também ajudou a ex-<br />
cluí-lo, quase que totalmente, do processo produtivo.<br />
Nesse cenário, estar dentro ou estar fora das organizações já<br />
não são posições tão nítidas. Como nos diz Harvey (1994: 178-<br />
179), não podemos simplesmente fingir que nada mudou,<br />
quando a desindustrialização, a transferência geográfica de<br />
fábricas, as práticas mais flexíveis de emprego, a automação e<br />
as inovações estão às nossas portas.<br />
Outra característica das mudanças operadas na cena organizacio-<br />
nal é a mudança no volume e nos conteúdos de informação. Infor-<br />
mação essa cada vez mais circular, dinâmica e acessível de qual-<br />
quer ponto, através de um simples comando no computador.<br />
136
Essa nova organização, automatizada, sem estruturas físicas e<br />
com poucas pessoas trabalhando em espaços cada vez mais<br />
imaginários, impõe uma nova forma de lidar com a informa-<br />
ção e com a comunicação. Os fluxos comunicativos são abala-<br />
dos ou ganham novos impulsos. A tecnologia desenha uma<br />
nova forma de conversar e dialogar e a própria organização<br />
tem de repensar e reformular seus discursos legitimadores.<br />
Essa organização que também se configuraria em rede caracteri-<br />
zaria, segundo Castells (1999, p. 213), um novo tipo de desen-<br />
volvimento no interior do capitalismo – o qual denomina de<br />
“informacionalismo” -, ao alterar, mas não substituir, o modo pre-<br />
dominante de produção. O novo contexto de redes de empre-<br />
sas, de incremento das ferramentas tecnológicas, de concorrên-<br />
cia global e de redefinição do papel regulador do Estado impõe<br />
uma nova ética, um novo espírito, mas não uma cultura nova,<br />
no sentido de sistema de valores, porque toda e qualquer visão<br />
unificadora é rejeitada pela nova ordem. Até mesmo a expres-<br />
são “nova ordem” é rejeitada. Contudo, como bem observou<br />
Castells, há mesmo “um código cultural comum nos diversos<br />
mecanismos da empresa em rede”.<br />
Na verdade, o informacionalismo, para Castells (1999, p.<br />
216-217) caracteriza-se por:<br />
”muitas culturas, valores e projetos que passam pelas mentes<br />
e informam as estratégias dos vários participantes das redes,<br />
mudando no mesmo ritmo que os membros da rede e seguin-<br />
do a transformação organizacional e cultural das unidades<br />
da rede. É de fato uma cultura, mas uma cultura do efêmero,<br />
uma cultura de cada decisão estratégica, uma colcha de reta-<br />
lhos de experiências e interesses, em vez de uma carta de di-<br />
reitos e obrigações. É uma cultura virtual multifacetada,<br />
como nas experiências visuais criadas por computadores no<br />
espaço cibernético ao reorganizar a realidade. Não é fantasia,<br />
é uma força concreta porque informa e põe em prática pode-<br />
rosas decisões econômicas a todo momento no ambiente das<br />
redes. Mas não dura muito: entra na memória do computa-<br />
dor como a matéria-prima dos sucessos e fracassos passados.<br />
A empresa em rede aprende a viver nessa cultura virtual.<br />
Qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede como um<br />
código cultural em determinada época e espaço condena a<br />
rede à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a<br />
geometria variável requerida pelo informacionalismo. O ‘es-<br />
pírito do informacionalismo’ é a cultura da ‘destruição criati-<br />
va’, acelerada pela velocidade dos circuitos optoeletrônicos<br />
que processam seus sinais.”<br />
É justamente aí, nessa espécie de inversão de sentido provoca-<br />
da pela destruição criativa, que o sistema se legitima e impõe<br />
seus novos limites, uma vez que a cooperação e a participação<br />
passam a se dar sobre bases cada vez menos sólidas, neutras e<br />
vazias de confiança, como bem definiu Sennet (2000). Para ele,<br />
“as ficções de trabalho em equipe, pela própria superficialida-<br />
de de seu conteúdo e seu foco no momento imediato, sua fuga<br />
à resistência e ao confronto, são assim úteis no processo de do-<br />
minação” (SENNET, 2000, p. 138). Ainda segundo Sennet,<br />
uma das características dessa nova era do trabalho em equipe<br />
137
é o que chama de “jogo de poder sem autoridade”, em que a dilui-<br />
ção de responsabilidades contribui para o surgimento do “ho-<br />
mem irônico”, que Rorty (apud SENNET, 2000, p. 138) define<br />
como uma pessoa que jamais seria capaz de se levar a sério,<br />
porque sempre sabe que os termos em que se descreve estão<br />
sujeitos a mudança, sempre sabe da contingência e da fragili-<br />
dade de seus vocabulários finais e, portanto, do seu “eu”. Ou<br />
seja: o caráter irônico seria autodestrutivo, uma vez que provo-<br />
ca uma sensação de que não somos reais, de que nossas neces-<br />
sidades são meras ficções. O que nos ajuda a concluir que as<br />
falsas novas bases de relacionamento podem provocar uma<br />
perda do sentido do trabalho e da vida.<br />
Esse sentimento é certamente provocado pela “centralidade do<br />
trabalho”, incorporada à ideologia burguesa como categoria<br />
universal e fundadora de toda a vida social, como atividade na-<br />
tural de produção e troca de valores de uso, é necessária à re-<br />
produção material da vida em sociedade. Esse caráter central,<br />
forjado a partir dos séculos 18 e 19, contribuiu para dissociar o<br />
trabalho das demais atividades da vida social, como lazer, famí-<br />
lia e comunidade. Essa noção opõe trabalho a lazer e separa as<br />
esferas doméstica e pública da vida social, ao mesmo tempo em<br />
que começa a confundir trabalho com emprego, ou seja, o exer-<br />
cício de funções na ou para a produção. Foi por esta época que<br />
o emprego, vinculado à centralidade do trabalho,<br />
“tornou-se importante referencial para o desenvolvimento<br />
emocional, ético e cognitivo do indivíduo ao longo de seu<br />
processo de socialização e, igualmente, para o seu reconhe-<br />
cimento social, para atribuição de prestígio social intra e ex-<br />
tragrupal. O desemprego tornou-se fonte de tensão psicos-<br />
social, tanto do ponto de vista individual, como para a vida<br />
comunitária”(LIDTKE apud CATTANI, 2000, p. 272) .<br />
Esse fenômeno se relaciona com as redes de signos e signifi-<br />
cados organizados que expressam, ocultam e atribuem senti-<br />
do às intrincadas relações corporativas, e a que convenciona-<br />
mos chamar de culturas organizacionais. A ordem, nessas<br />
redes, é definida, basicamente, pela memória. O caos, na apa-<br />
rente incompreensão do ambiente organizacional em muta-<br />
ção, está na destruição, no rompimento da memória. Essa<br />
destruição da memória está na raiz das desestruturações im-<br />
postas às organizações. Modelos, como as reengenharias im-<br />
plantadas, sobretudo, a partir da década de 1990, buscam<br />
apagar essa ordem, digamos, histórica, e substituí-la por<br />
uma nova ordem produtiva e associativa. Só que os fracas-<br />
sos de suas implantações nos mais diversificados ambientes<br />
organizacionais mais destroem os antigos códigos ordenado-<br />
res do que constroem o novo. Aprender, nesses contextos, se<br />
torna um imperativo para a sobrevivência física e simbólica.<br />
Assim como previa McLuhan, uma nova configuração de<br />
aprendizagem se instala nas organizações. As mudanças es-<br />
truturais e processuais implantadas nas empresas de alguma<br />
forma as têm forçado a uma maior qualificação. Segundo<br />
Fleury (1996: 188), referindo-se a Philippe Zarifian (1994 e<br />
138
1996), os novos modelos organizacionais podem ser distin-<br />
guidos entre organizações qualificadas e qualificantes. A or-<br />
ganização qualificada se caracterizaria pelo trabalho em equi-<br />
pes ou células; a autonomia delegada às células e sua respon-<br />
sabilização pelos objetivos de desempenho: qualidade, cus-<br />
tos, rendimento, etc.; diminuição dos níveis hierárquicos e o<br />
desenvolvimento das chefias para as atividades de "anima-<br />
ção" e gestões de recursos humanos; a reaproximação das re-<br />
lações entre áreas e funções da empresa.<br />
A organização qualificante, ainda segundo Zarifian, incorpora-<br />
ria outras características além das já citadas: a valorização da<br />
aprendizagem e da inovação permanentes; devem ser centra-<br />
das sobre a inteligência e domínio das situações de imprevis-<br />
to, que podem ser exploradas como momentos de aprendiza-<br />
gem pelo conjunto dos empregados; a organização deve estar<br />
aberta para a explicitação da estratégia empresarial, realizada<br />
pelos próprios empregados (...); deve favorecer o desenvolvi-<br />
mento da co-responsabilidade em torno de objetivos comuns,<br />
entre as áreas de produção e de serviços (...); deve dar um con-<br />
teúdo dinâmico à competência profissional, ou seja, permitir<br />
que os assalariados invistam em projetos de melhoria perma-<br />
nente de tal modo que eles pensem o seu know-how não<br />
como um estoque de conhecimentos a serem preservados,<br />
mas como uma competência - ação ao mesmo tempo pessoal e<br />
engajada em projeto coletivo (FLEURY, 1996: 189).<br />
Essa visão representa, sem dúvidas, uma evolução aos mode-<br />
los de treinamento e formatação característicos do tayloris-<br />
mo. Esses modelos reproduziam estruturas que separavam o<br />
saber do fazer, o agir do pensar, a partir da ideia de que uma<br />
elite pensante (e dominante) poderia atender às necessida-<br />
des de descoberta e redefinição organizacionais; aos demais,<br />
só restava a tarefa de cumprir com o planejado. Também cen-<br />
travam o aprendizado numa dimensão individual. Ainda<br />
que a empresa definisse o que deveria ser aprendido, quan-<br />
do e como, esse aprendizado representava quase que exclusi-<br />
vamente um reforço aos currículos individuais. A valoriza-<br />
ção vinha geralmente do número de cursos e títulos acumula-<br />
dos e não da circulação do conhecimento.<br />
Podemos adiantar, a partir dessas contribuições, que o advento<br />
desse novo modelo de organização traz consigo uma radical<br />
mudança no processo de troca de informações nas organizações<br />
e afeta, sobretudo, todo um sistema de comunicação<br />
tradicionalmente baseado no paradigma da transmissão controlada<br />
de informações.<br />
O fato, porém, é que o novo cenário do trabalho, na deno-<br />
minada sociedade pós-industrial e informacionalista, é um<br />
cenário em profunda transformação, no qual a valorização<br />
da velocidade - traduzida na busca incessante pelo resulta-<br />
do no curto prazo, nas estruturas orientadas por projetos, e<br />
na flexibilidade dos contratos - acaba por não permitir que<br />
as pessoas desenvolvam experiências ou construam uma<br />
139
narrativa coerente para suas vidas, além de afetar a confian-<br />
ça e o comportamento ético (SENNET, 2000).<br />
Isso faz com que os antigos paradigmas do vínculo e da estabilida-<br />
de, tão caros à comunicação organizacional, entrem em xeque e,<br />
com eles, as formas de comunicação e de construção de sentido.<br />
Segundo Varona (1996, p.5), a organização digital e automati-<br />
zada está deslocando paulatinamente o intercâmbio de infor-<br />
mação em forma de átomos (memorandos, documentos, revis-<br />
tas, jornais e livros) para um sistema de informação baseada<br />
em “bits”. Nesse novo tipo de organização, o verdadeiro valor<br />
da comunicação terá de estar mais afinado com comunidade<br />
do que com informação.<br />
Nessa linha de preocupação, autores como Parks e Floyd, cita-<br />
dos por Varona (1996), identificam duas correntes opostas que<br />
têm dominado o debate acerca do impacto das novas tecnolo-<br />
gias de informação sobre a interação entre as pessoas. Uma<br />
das correntes afirma que a comunicação mediada por meios<br />
eletrônicos é superficial, impessoal e, muitas vezes, hostil.<br />
Para seus adeptos, o espaço cibernético só pode criar uma ilu-<br />
são de comunidade. A outra corrente, liderada por Rheingold<br />
(apud VARONA, 1996), diz que a comunicação por meio ele-<br />
trônico contribui para quebrar as barreiras físicas tradicional-<br />
mente impostas pela administração e, assim, pode criar novas<br />
relações e comunidades.<br />
Ainda com relação ao impacto das novas tecnologias na estrutura<br />
da comunicação organizacional, Daniels e Spiker, também<br />
citados por Varona (1996, p.5), identificam três correntes:<br />
a centralizadora - defende a idéia de que a nova tecnologia facilita<br />
a centralização e o controle da comunicação, via acesso<br />
direto aos bancos de dados e ao esvaziamento das funções intermediárias<br />
-, a descentralizadora - afirma o contrário, por entenderem<br />
que o aumento do fluxo informativo reduz as possibilidades<br />
de controle e abre caminhos para uma circulação<br />
mais livre -, e a corrente neutra - afirma que o fator determinante<br />
da centralização ou descentralização da estrutura de comunicação<br />
depende muito mais da filosofia gerencial vigente<br />
em uma dada organização.<br />
Outra forma de encarar o problema vem de uma abordagem<br />
filosófica do impacto da comunicação tecnológica, que procura<br />
realçar a necessidade de se estudar as implicações humanas.<br />
Segundo O´Connel, citado por Varona (1996, p.13), há<br />
seis hipóteses relacionadas com as possíveis mudanças impostas<br />
pela introdução da comunicação mediada por meio eletrônico,<br />
que transcrevemos a seguir, em tradução livre:<br />
1. A oportunidade de interações face a face e as possibilidades<br />
de comunicação não verbal tendem a diminuir<br />
consideravelmente...;<br />
2. A informação em fluxo descendente tenderá a ser<br />
mais informal devido às características físicas e comunicativas<br />
do correio eletrônico, o que implicará<br />
uma redefinição do que é estrutura formal e informal<br />
na comunicação organizacional;<br />
140
3. A informação transmitida por meio eletrônico<br />
provocará uma diminuição da transmissão de<br />
mensagens afetivas e axiológicas...;<br />
4. As dimensões de confiança e credibilidade que<br />
se estabelecem entre as pessoas por meio da interação<br />
pessoal terão de ser repensadas;<br />
5. Como os computadores impõem uma disciplina<br />
linear de pensamento e um estilo de comunicação<br />
que, para se adaptar ao novo meio, deve ser preciso<br />
e imediato, podem criar um clima de redução<br />
de tolerância aos estilos individuais de comunicação<br />
e uma conseqüente intolerância ao pensamento<br />
complexo e não linear.<br />
6. O computador acabará determinando novas formas<br />
de execução do trabalho, com tempos cada<br />
vez mais acelerados.<br />
Como já vimos ao longo do texto, as novas tecnologias e a vir-<br />
tualização das organizações estão operando verdadeira revolu-<br />
ção nos processos produtivos e de troca de informações, e exi-<br />
gindo de organizações e empregados novas atitudes e novas<br />
competências. Destes, é cada vez mais cobrada a capacidade<br />
de transformar a verdadeira enxurrada de informações recebi-<br />
das em conhecimento produtivo.<br />
O interessante nesse processo de virtualização é que, paralela-<br />
mente aos diversos problemas que causa, como o desemprego<br />
e as incertezas da imaterialidade, permite inúmeras novas<br />
oportunidades, como a possibilidade de se estabelecerem no-<br />
vas relações de trabalho, não mais baseadas em normas e regu-<br />
lamentos padronizados de mediação, mas na confiança. Tam-<br />
bém a qualificação das pessoas tende a aumentar com a maior<br />
circulação e o maior acesso às informações globalizadas. As<br />
organizações estão propensas a obter ganhos em eficácia, em<br />
razão do livre trânsito de idéias e do incentivo permanente à<br />
inovação. O diálogo, a comunicação, em suma, apesar da im-<br />
pessoalidade, tende a se tornar mais franco, em razão da mai-<br />
or interatividade. As amarras burocráticas e hierárquicas ten-<br />
dem a se tornar mais maleáveis.<br />
No entanto, sabemos que a mesma automação que permite li-<br />
bertar o homem dos trabalhos mais estafantes e também im-<br />
põe novas formas de aprendizagem e de relacionamento traz<br />
também embutida a possibilidade de aumentar os controles,<br />
as amarras e a vigilância sobre o indivíduo, além de induzir<br />
ao consumo de uma gama de conteúdos vendendo a ilusão de<br />
que a escolha é do trabalhador e do usuário.<br />
Dessa forma, convém perguntar que novas visões seri-<br />
am possíveis a partir das contribuições de McLuhan so-<br />
bre a automação.<br />
141
Uma nova visão?<br />
Antes de tentarmos buscar possíveis novas visões emanadas<br />
desde McLuhan e atualizadas por seguidores e outros pes-<br />
quisadores, das mais variadas correntes, convém lembrar<br />
que qualquer possível previsão sobre os desdobramentos fu-<br />
turos da tecnologia e seus usos e impactos sociais não nasce-<br />
rá de simples abstração ou mesmo de exercício fútil de futu-<br />
rologia. Mesmo McLuhan, inserido que estava no esta-<br />
blishment produtivo da época, só chegou a prever o que pre-<br />
viu porque teve a rara oportunidade de conviver com a intro-<br />
dução de processos tecnológicos avançados por parte da in-<br />
dústria da informática. Como lembra Gamareli (2006, p. 30<br />
apud SALARELLI, 2011, p. 6):<br />
O traço profético do último capítulo de Understanding media<br />
não consiste, assim, em resgatar o enorme porte de uma<br />
incomensurável mudança tecnológica, evidentemente já<br />
percebida, pelo menos em nível de classe media - a primei-<br />
ra, com efeito, a ser afetada pela concorrência do trabalho<br />
desenvolvido pelos processadores - quanto em delinear<br />
suas características mais significativas de desenvolvimento<br />
futuro. De fato, McLuahn conhecia de dentro, o potencial<br />
da indústria informática e, principalmente, mais que as<br />
inovações propostas na vertente tecnológica, era bem cons-<br />
ciente dos objetivos do mercado aos quais ela podia aspirar.<br />
Nos anos em que vinha à luz Understanding media<br />
McLuhan, como se sabe, desenvolvia consultorias para a<br />
IBM sobre um tema que é um verdadeiro programa: “Vocês<br />
não devem mais construir máquinas de escrever, mas<br />
oferecer ao cliente a resposta às perspectivas de desenvol-<br />
vimento de suas atividades”<br />
As reflexões que faremos aqui, com a intenção de identificar<br />
uma possível nova visão seguirá os procedimentos já clássicos<br />
da prospectiva, palavra que remete a prospecto, ou a maneira<br />
de observar um objeto, e também ao latim prospicere, que significa<br />
olhar para longe. Nessa linha, prospectiva poderia ser definida<br />
a partir de quatro princípios “ver longe, ver amplamente,<br />
analisar em profundidade e aventurar-se, acrescentando o<br />
pensar humanístico” (BERGER, 1967, apud YEZID SOLER,<br />
2004, p.1). Ou ainda como bem descreveu Bertrand de Jouvenel,<br />
“existem duas formas de ver o futuro, a primeira como<br />
uma realidade única, própria dos oráculos, profetas y adivinhos.<br />
A segunda forma de ver o futuro é como uma realidade<br />
múltipla, estes seriam os futuros possíveis (futuribles) (YEZID<br />
SOLER, 2004, p.1).<br />
Na linha dos futuros possíveis, no contexto organizacional, in-<br />
fluenciado pelas novas configurações da automação, agora po-<br />
tencializada pela pesquisa avançada nos campos da neurociên-<br />
cia, das ciências cognitivas, da biotecnologia, da bioinformática,<br />
da robótica e da nanotecnologia, é viável pensar em um futuro<br />
em que organismos e máquinas venham a se fundir.<br />
Em artigo recente, Girlanda e Fernández Castrillo (2011) apre-<br />
sentam um desafiador panorama no qual discutem as influên-<br />
cias de McLuhan, das perspectivas pós-humanistas até o que<br />
chamam de neuromídia, e trazem a previsão de Raymond<br />
142
Kurzweil de que, em razão do aumento exponencial da veloci-<br />
dade das mudanças tecnológicas, no futuro próximo (2045),<br />
será possível transcender as limitações de nossos corpos e cé-<br />
rebros biológicos, de tal forma que não haverá nenhuma dis-<br />
tinção entre homem e máquina. No artigo, os autores citam al-<br />
guns projetos recentes que atualizam a perspectiva mcluhania-<br />
na, como os estudos ligados a sistemas de Realidade Virtual<br />
(RV), Realidade Aumentada e 3D Vision, bem como as novas<br />
pesquisas sobre “sentidos artificiais” e, especialmente, sobre a<br />
condição pós-humanística na esfera midiática:<br />
Haverá em breve uma integração completa entre orgânico e<br />
inorgânico, natural e artificial, como afirmam vários intelec-<br />
tuais que cunharam novos conceitos como pós-humanismo<br />
e Singularidade. [...] Raymond Kurzweil (2005) e Vernor<br />
Vinge (1993) definem o conceito de singularidade em ter-<br />
mos de criação tecnológica de superinteligência humana, o<br />
que representaria um colapso na capacidade dos seres hu-<br />
manos para modelar o futuro depois disso.<br />
Vinge foi o primeiro a utilizar este termo em um artigo<br />
de 1983, e um artigo de 1993 mais tarde intitulado "A Sin-<br />
gularidade Tecnológica: Como sobreviver na era do pós-<br />
humano". Neste texto, ele explicou que dentro de trinta<br />
anos, teríamos os meios tecnológicos para criar uma inte-<br />
ligência sobre-humana (GIRLANDA e FERNÁNDEZ<br />
CASTRILLO, 2011, p.535).<br />
Os mesmos autores alertam que muitas destas previsões tam-<br />
bém trazem para o centro do debate os problemas de limites<br />
e as implicações desses processos a partir de uma perspecti-<br />
va bioética e sócio-política (GIRLANDA e FERNÁNDEZ<br />
CASTRILLO, 2011, p.536).<br />
Sobre essas discussões, Salarelli (2011) nos apresenta às reflexões<br />
desenvolvidas por Lanier (2010); Carr (2010) e Schirrmacher<br />
(2009). Lanier nos diz que “as tecnologias digitais nos colocam<br />
em uma condição de lock in face a seus próprios resultados”<br />
(SALARELLI, 2011, p. 13). Para o autor:<br />
Esse fenômeno, que se encontra em todos os níveis, desde a<br />
organização dos ícones em nossa tela, até o modus operandi<br />
colaborativo das redes sociais, produz êxitos desastrosos,<br />
como a asfixia de qualquer cenário alternativo na organiza-<br />
ção dos dados vinculada pelas rígidas e maniqueístas alter-<br />
nativas do dígito binário ou, ainda, como pode ser observa-<br />
do face todas as aplicações 2.0, a convicção disseminada de<br />
que as multidões interconectadas e falantes podem repre-<br />
sentar um degrau de inteligência superior em relação à dos<br />
indivíduos singulares (SALARELLI, 2011, p. 13).<br />
Já Nicholas Carr preocupa-se com os efeitos da automação e<br />
das novas mídias sobre o cérebro. Para ele:<br />
“o uso das novas tecnologias está modificando profundamen-<br />
te a atividade de nosso cérebro, na medida em que as áreas<br />
ativadas pela prática da leitura realizada através do livro im-<br />
presso são subutilizadas, enquanto aquelas relacionadas à<br />
leitura na tela tendem à hipertrofia. O resultado, inevitável,<br />
é que o pensamento lógico-dedutivo, o aprofundamento<br />
143
interior, o exercício da faculdade da memória, isso é, as<br />
habilidades específicas relacionadas à cultura das páginas<br />
impressas, estão fadadas a se tornarem secundárias em rela-<br />
ção às competências fisiológicas necessárias para a fruição<br />
das novas mídias, que privilegiam a paratáxis - isso é, o mul-<br />
titasking - mais que a hipotáxis” (SALARELLI, 2011, p. 14).<br />
Essa visão crítica também aparece em Frank Schirrmacher<br />
que, em seu trabalho, “afirma que, em breve, não será mais<br />
possível entender ‘onde começa o computador e onde acaba o<br />
cérebro’ (cap. 18), prefigurando uma espécie de isomorfismo<br />
entre a psique humana e os sistemas de gestão da informação,<br />
provocado pelo efeito desses últimos sobre o conjunto de nos-<br />
sas faculdades cognitivas” (SALARELLI, 2011, p. 14).<br />
A possibilidade aqui desenhada de que organismos e máquinas<br />
venham a se fundir e que as tecnologias indutoras da automação<br />
não sejam mais concebidas e utilizadas como máquinas, mas<br />
como parceiros cognitivos integrados (vide GIRLANDA e FERNÁN-<br />
DEZ CASTRILLO, 2011, p.537), implicará, com certeza, novas dis-<br />
cussões sobre a dimensão humana no trabalho, os aspectos éticos<br />
envolvidos na gestão, a chamada consciência moral, entre outros<br />
temas relevantes para a sociedade. Organizações sociais tendem<br />
também a se transformar em espaços cada vez mais híbridos, re-<br />
gidos por inteligências múltiplas e ampliados por cérebros artifi-<br />
ciais, que precisarão aprender a equilibrar racionalidade e emoci-<br />
onalidade nas tomadas de decisão.<br />
Certamente será necessária uma retomada dos debates em tor-<br />
no do que é meio, do que é mensagem, do que é conteúdo,<br />
nesses possíveis novos processos comunicacionais que advi-<br />
rão das interações entre “parceiros cognitivos integrados” em<br />
que não será mais possível perceber o meio como extensão hu-<br />
mana, mas como algo intrínseco à própria natureza desse ser<br />
hibridizado. Como nos diz Salarelli (2011, p. 15), “na era da<br />
automação, temos a possibilidade de observar, a elevação po-<br />
tencial da técnica, portanto do meio sobre a mensagem”.<br />
A proposta inicial deste texto foi a de analisar, a partir do que<br />
denominamos de visão de McLuhan, a atualidade de seu pen-<br />
samento sobre os impactos da automação nos contextos orga-<br />
nizacionais, na comunicação e no mundo do trabalho. Tam-<br />
bém buscamos identificar que possível nova visão poderia ad-<br />
vir da conjuntura atual e do desenvolvimento exponencial<br />
das pesquisas nos campos da tecnologia, da cognição, da robó-<br />
tica e da inteligência artificial. O que é possível vislumbrar,<br />
desde já, é que a visão de McLuhan se confirmou em muitos<br />
aspectos e que suas ideias e provocações ainda serão muito<br />
úteis para ajudar a iluminar os caminhos daqueles pesquisa-<br />
dores que se aventurarem a percorrer o futuro que desde já, e<br />
sempre, está em construção.<br />
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