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23.02.2013 Views

O recrutamento de trabalhadores nas obras de remodelação da cidade era realizado nas esquinas pelo arregimentador que escolhia entre a pequena multidão que logo se formava ávida pela oportunidade de trabalho. Pelas fotos de Augusto Malta, podemos perceber uma presença significativa de trabalhadores [pg. 66] negros. Entretanto, mesmo ali, perduravam as preferências pelos braços mais alvos que se levantavam nas esquinas disputando uma diária. D. Carmem, vizinha das obras na época, depõe: “quem trabalhava mais mesmo era o português, essa gente, espanhóis, era mais essa gente. Não era fácil, eles não gostavam de dar emprego pro pessoal preto da África, que pertencia assim à Bahia, eles tinham aquele preconceito” (Depoimento de Carmem Teixeira da Conceição, Tia Carmem, arquivo Corisco Filmes). Diretoria da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, em companhia de seu advogado Evaristo de Morais. Correio da Manhã, p.3, 14.10.1906. Biblioteca Nacional. As pequenas profissões não ligadas diretamente à estrutura capitalista moderna que se impunha com suas regras, ainda permitindo a iniciativa pessoal ou de um grupo descapitalizado,

valendo-se de sua força de trabalho e do domínio de alguma técnica, e podendo ser realizadas numa parte da própria moradia em pequenas oficinas improvisadas, na cozinha, ou na própria rua paralelamente à venda, seriam muito exploradas pelos negros na cidade, muitos já tendo ganho experiência, como forros ou escravos de ganho, nesses expedientes na cidade de Salvador. Gente que oferecia serviços ou que vendia o que produzia na [pg. 67] porta, nos cantos das ruas, alguns em tabuleiros armados, ou que se engajava em pequenas obras, em serviços de reparo e manutenção. Pedreiros, ferradores, alfaiates, sapateiros, barbeiros, ferreiros, marceneiros, lustradores, tecelões, pintores de paredes ou tabuletas, torneadores, estofadores, serradores (não senadores), tintureiros, costureiras, bordadeiras, lavadeiras, doceiras, arrumadeiras, artesãos, vendedores ambulantes de seu próprio trabalho ou de quinquilharias, de roletes de cana, bilhetes, refrescos, livretos, e de toda a sorte de coisa miúda, o “faz-tudo”, crianças com balas, biscoitos, se defendendo e ajudando as pequenas unidades familiares. Ainda Luiz Edmundo: uma das figuras mais populares, não só do largo como da cidade, o velho Bandeira, preto, vendedor de jornais, alto, gordo, simpático, com a sua perna deformada por uma elefantíase, é quem dá vida e alegria a esse ângulo da praça. Fala alto, discute, ri, gargalha escandalosamente, mostrando sempre maravilhosa e clara dentadura. Também vende, o preto, folhetos de cordel: A História da princesa Macalona, o João de Calais, A vida de s. Francisco de Assis, O testamento do falo, bem como as “últimas vontades” de todos os animais e ainda aquela literatura que o Quaresma então espalha, pelas portas de engraxates e que se vende a cavalo, num barbante, ao lado do Livro de são Cipriano e do Dicionário das flores, das frutas ou da linguagem dos namorados (op. cit.). A família negra, que não sobrevivera ao período da escravatura, a não ser como exceção, geralmente a partir dos

valendo-se de sua força de trabalho e do domínio de alguma<br />

técnica, e podendo ser realizadas numa parte da própria moradia<br />

em pequenas oficinas improvisadas, na cozinha, ou na própria rua<br />

paralelamente à venda, seriam muito exploradas pelos negros na<br />

cidade, muitos já tendo ganho experiência, como forros ou<br />

escravos de ganho, nesses expedientes na cidade de Salvador.<br />

Gente que oferecia serviços ou que vendia o que produzia na [pg.<br />

67] porta, <strong>no</strong>s cantos das ruas, alguns em tabuleiros armados, ou<br />

que se engajava em pequenas obras, em serviços de reparo e<br />

manutenção. Pedreiros, ferradores, alfaiates, sapateiros,<br />

barbeiros, ferreiros, marceneiros, lustradores, tecelões, pintores de<br />

paredes ou tabuletas, torneadores, estofadores, serradores (não<br />

senadores), tintureiros, costureiras, bordadeiras, lavadeiras,<br />

doceiras, arrumadeiras, artesãos, vendedores ambulantes de seu<br />

próprio trabalho ou de quinquilharias, de roletes de cana, bilhetes,<br />

refrescos, livretos, e de toda a sorte de coisa miúda, o “faz-tudo”,<br />

crianças com balas, biscoitos, se defendendo e ajudando as<br />

pequenas unidades familiares. Ainda Luiz Edmundo:<br />

uma das figuras mais populares, não só do largo como da cidade, o<br />

velho Bandeira, preto, vendedor de jornais, alto, gordo, simpático, com a sua<br />

perna deformada por uma elefantíase, é quem dá vida e alegria a esse ângulo<br />

da praça. Fala alto, discute, ri, gargalha escandalosamente, mostrando sempre<br />

maravilhosa e clara dentadura. Também vende, o preto, folhetos de cordel: A<br />

História da princesa Macalona, o João de Calais, A vida de s. Francisco de<br />

Assis, O testamento do falo, bem como as “últimas vontades” de todos os<br />

animais e ainda aquela literatura que o Quaresma então espalha, pelas portas<br />

de engraxates e que se vende a cavalo, num barbante, ao lado do Livro de são<br />

Cipria<strong>no</strong> e do Dicionário das flores, das frutas ou da linguagem dos namorados<br />

(op. cit.).<br />

A família negra, que não sobrevivera ao período da<br />

escravatura, a não ser como exceção, geralmente a partir dos

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