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23.02.2013 Views

apesar de honesta, vive de pequenas transações, do dia-a-dia, em que ganham penosamente alguns mil réis. O subúrbio é o refúgio dos infelizes. Os que perdem o emprego, as fortunas, os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação normal vão se aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura de amigos fiéis, que lhes dêem alguma coisa, para o sustento seu e dos filhos. Com a distensão provocada pela reforma, começariam a se solidificar núcleos suburbanos em torno das estações de trem, formando um tecido urbano que no século XX se tornaria praticamente contínuo. Pequenas companhias loteadoras vendem terrenos valendo-se da expansão do serviço de transporte, e mesmo alguns bairros antes aristocráticos, como São Cristóvão, se transfigurariam em bairros fabris. Na vida do subúrbio, a estação da estrada de ferro representa um grande papel: é o centro, é o eixo dessa vida. Antigamente, quando ainda não havia por aquelas bandas jardins e cinemas, era o lugar predileto para os passeios domingueiros das meninas casadouras da localidade e dos rapazes que querem casar, com vontade ou sem ela. (...) De resto é em torno da estação que se aglomeram as principais casas de comércio do respectivo subúrbio. Nas suas proximidades, abrem-se os armazéns de comestíveis mais sortidos, os armarinhos, as farmácias, os açougues e — é preciso não esquecer — a característica e inolvidável quitanda (Lima Barreto, Feiras e mafuás). O decreto 1882 concedia favores tributários às empresas que construíssem habitações populares para seus empregados, no caso, as novas indústrias que se instalavam na capital a partir da iniciativa das novas lideranças do empresariado urbano, que se ombreiam progressivamente com a tradicional oligarquia agrário- exportadora, como sua parceira e, eventualmente, adversária na partilha do poder e nas decisões sobre o rumo do processo político-econômico. Essas facções modernizantes, reformadoras,

se tornam parceiras do Estado na reconstrução nacional e da capital da República, recebendo encargos e evidentemente as grandes verbas públicas acionadas para as reformas urbanas ligadas à infra-estrutura da cidade, necessária para a instalação de suas fábricas, onde eram parceiras em maior ou menor grau de empresas ou capitalistas estrangeiros. Era com estes parceiros que se tenta implantar uma política de obras voltada para habitação popular, que, com a reforma do Centro e dos bairros da Zona Sul, completaria a reestruturação da cidade. A Companhia Evoneas Fluminense faz uso das facilidades concedidas pelo decreto 3.151, dando começo aos trabalhos de construção de uma vila operária num terreno situado na praia de São Cristóvão entre as ruas General Bruce e Dr. Gusmão, compreendendo uma escola, consultório médico e sete armazéns, além do prédio das moradias com 81 cômodos para solteiros, 46 casas de sexta classe com dois pavimentos para famílias, e 12 casas de quinta classe. O plano conjugava uma elaborada racionalização da ocupação do espaço pelo operário e sua família com a proximidade de serviços médicos e educacionais, constituindo um núcleo autônomo. Um cuidadoso regulamento previa a disciplina da vila operária, [pg. 59] sugerindo a nosso proletariado indiferenciado um comportamento adequado, que do ambiente de trabalho se estendia para a moradia e lazer, também subordinados ao controle patronal. Em 1892 a Companhia pedia o cancelamento da concessão. São aprovados planos de “familistérios” de acordo com projeto de Luís Rafael Vieira Souto e Antônio Domingues dos Santos, como os de Artur Sauer, visando a levantar habitações higiênicas nas freguesias de maior concentração de cortiços e estalagens, gastos que seriam pagos a longo prazo também pelos

apesar de honesta, vive de pequenas transações, do dia-a-dia, em que<br />

ganham pe<strong>no</strong>samente alguns mil réis. O subúrbio é o refúgio dos<br />

infelizes. Os que perdem o emprego, as fortunas, os que faliram <strong>no</strong>s<br />

negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação <strong>no</strong>rmal vão se<br />

aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura de amigos<br />

fiéis, que lhes dêem alguma coisa, para o sustento seu e dos filhos.<br />

Com a distensão provocada pela reforma, começariam a se<br />

solidificar núcleos suburba<strong>no</strong>s em tor<strong>no</strong> das estações de trem,<br />

formando um tecido urba<strong>no</strong> que <strong>no</strong> século XX se tornaria<br />

praticamente contínuo. <strong>Pequena</strong>s companhias loteadoras vendem<br />

terre<strong>no</strong>s valendo-se da expansão do serviço de transporte, e<br />

mesmo alguns bairros antes aristocráticos, como São Cristóvão, se<br />

transfigurariam em bairros fabris.<br />

Na vida do subúrbio, a estação da estrada de ferro representa um<br />

grande papel: é o centro, é o eixo dessa vida. Antigamente, quando<br />

ainda não havia por aquelas bandas jardins e cinemas, era o lugar<br />

predileto para os passeios domingueiros das meninas casadouras da<br />

localidade e dos rapazes que querem casar, com vontade ou sem ela.<br />

(...) De resto é em tor<strong>no</strong> da estação que se aglomeram as principais<br />

casas de comércio do respectivo subúrbio. Nas suas proximidades,<br />

abrem-se os armazéns de comestíveis mais sortidos, os armarinhos, as<br />

farmácias, os açougues e — é preciso não esquecer — a característica<br />

e i<strong>no</strong>lvidável quitanda (Lima Barreto, Feiras e mafuás).<br />

O decreto 1882 concedia favores tributários às empresas que<br />

construíssem habitações populares para seus empregados, <strong>no</strong><br />

caso, as <strong>no</strong>vas indústrias que se instalavam na capital a partir da<br />

iniciativa das <strong>no</strong>vas lideranças do empresariado urba<strong>no</strong>, que se<br />

ombreiam progressivamente com a tradicional oligarquia agrário-<br />

exportadora, como sua parceira e, eventualmente, adversária na<br />

partilha do poder e nas decisões sobre o rumo do processo<br />

político-econômico. Essas facções modernizantes, reformadoras,

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