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23.02.2013 Views

social, racial, cultural, ou quanto à sua experiência de trabalho, formariam uma classe intersticial, prestadora de serviços ao complexo sócio-econômico que liderava o país. O Rio de Janeiro “civiliza-se”. O grupo baiano iria situar-se na parte da cidade onde a moradia era mais barata, na Saúde, perto do cais do porto, onde os homens, como trabalhadores braçais, buscam vagas na estiva. Com a brusca mudança no meio negro ocasionada pela Abolição, que extingue as organizações de nação ainda existentes no Rio de Janeiro, o grupo baiano seria uma nova liderança. A vivência de muitos como alforriados em Salvador — de onde trouxeram o aprendizado de ofícios urbanos, e às vezes algum dinheiro poupado — , e a experiência de liderança de muitos de seus membros — em candomblés, irmandades, nas juntas ou na organização de grupos festeiros — , seriam a garantia do negro no Rio de Janeiro. Com os anos, a partir deles apareceriam as novas sínteses dessa cultura negra no Rio de Janeiro, uma das principais referências civilizatórias da cultura nacional moderna. [pg. 44]

O RIO DE JANEIRO DOS BAIRROS POPULARES A mobília era a mais reduzida possível. Na sala principal, havia duas ou três cadeiras de madeira, com espaldar de grades, a sair de quando em quando do encaixe, ficando na mão do desajeitado como um enorme pente; havia também uma cômoda, com o oratório em cima, onde se acotovelavam muitas imagens de santos; e secavam em uma velha xícara ramos de arruda. Na sala de jantar, havia uma larga mesa de pinho, um armário com alguma louça, um grande banco e cromos e folhinhas adornavam as paredes. Lima Barreto, Numa e ninfa Na virada do século, com quase um milhão de habitantes, o Rio de Janeiro era o centro vital do país. Principal sede industrial, comercial e bancária, principal centro produtor e consumidor de cultura, a cidade era a melhor expressão e a vanguarda do momento de transição por que passava a sociedade brasileira. Depois de um período de grande instabilidade no país, pela subordinação de toda a economia nacional às oscilações do preço do café no mercado internacional, e agravada a situação interna com os problemas enfrentados pelo novo regime, Campos Sales (1898-1902) renegocia a dívida externa, e sob o preço de uma maior dependência do capital financeiro internacional é obtida uma trégua econômica. Essa situação seria aproveitada para um reaparelhamento do sistema, a estabilidade momentaneamente obtida permitindo um primeiro acerto entre as elites no novo sistema. Se Campos Sales termina seu mandato sob o repúdio das

social, racial, cultural, ou quanto à sua experiência de trabalho,<br />

formariam uma classe intersticial, prestadora de serviços ao<br />

complexo sócio-econômico que liderava o país. O <strong>Rio</strong> de Janeiro<br />

“civiliza-se”.<br />

O grupo baia<strong>no</strong> iria situar-se na parte da cidade onde a<br />

moradia era mais barata, na Saúde, perto do cais do porto, onde<br />

os homens, como trabalhadores braçais, buscam vagas na estiva.<br />

Com a brusca mudança <strong>no</strong> meio negro ocasionada pela Abolição,<br />

que extingue as organizações de nação ainda existentes <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, o grupo baia<strong>no</strong> seria uma <strong>no</strong>va liderança. A vivência de<br />

muitos como alforriados em Salvador — de onde trouxeram o<br />

aprendizado de ofícios urba<strong>no</strong>s, e às vezes algum dinheiro<br />

poupado — , e a experiência de liderança de muitos de seus<br />

membros — em candomblés, irmandades, nas juntas ou na<br />

organização de grupos festeiros — , seriam a garantia do negro <strong>no</strong><br />

<strong>Rio</strong> de Janeiro. Com os a<strong>no</strong>s, a partir deles apareceriam as <strong>no</strong>vas<br />

sínteses dessa cultura negra <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, uma das<br />

principais referências civilizatórias da cultura nacional moderna.<br />

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