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andre.vilaron
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23.02.2013 Views

O Rio de Janeiro se torna um importante porto negreiro a partir do século XVIII, quando cerca de dois milhões de negros aqui aportam, principalmente a partir de sua segunda metade, quando o trânsito se intensifica com a necessidade da mão-de- obra escrava acentuada pela descoberta das minas. São principalmente negros bantos vindos da costa de Angola que chegam para o mercado instalado no Valongo, apesar de, a partir dos acordos com o Daomé, também absorver o mercado carioca negros da Costa da Mina. No século XIX, com o desenvolvimento da cultura do café no Sudeste, se manteria o fluxo escravagista para o Rio de Janeiro, e muitos negros viriam do Nordeste para as plantações do vale do Paraíba como para trabalhar no interior paulista. A escravatura urbana na nova capital, tão bem documentada pelo trabalho de Debret, começa a perder importância com a transferência maciça de negros vendidos para as plantações. A população negra do Rio de Janeiro só voltaria a crescer já na segunda metade do século XIX com a decadência do café no vale do Paraíba e com as chegadas sistemáticas dos baianos que vêm tentar a vida no Rio de Janeiro. Para o negro baiano, a capital do Império era uma miragem e, de repente, uma realidade: Tinha na Pedra do Sal, lá na Saúde, ali que era uma casa de baianos e africanos, quando chegavam da África ou da Bahia. Da casa deles se via o navio, aí já tinha o sinal de que vinha chegando gente de lá. (...) Era uma bandeira branca, sinal de Oxalá, avisando que vinha chegando gente. A casa era no morro, era de um africano, ela chamava Tia Dadá e ele Tio Ossum, eles davam agasalho, davam tudo até a pessoa se aprumar. (...) Tinha primeira classe, era gente graúda, a baianada veio de qualquer maneira, a gente veio com a nossa roupa de pobre, e cada um juntou sua trouxa: “vamos embora para o Rio porque lá no Rio a gente vai ganhar dinheiro, lá vai ser um lugar muito bom”. (...) Era barato a passagem, minha filha, quando não tinha, as

irmãs inteiravam pra ajudar a passagem. Eu queria achar um livro que a enchente extraviou, aquele livro sim é que tinha as baianas todas, subindo em cima do navio, tocando prato. Tinha nas minhas coisas mas a enchente extraviou. (...) Dois, três dias de viagem, a comida a gente fazia antes de vir, depois era ali mesmo, tomava camaradagem com aqueles homens de lá de dentro do navio, sabe como é baiana, mais uma graça, mais outra (Depoimento de Carmem Teixeira da Conceição, arquivo Corisco Filmes). A Abolição engrossa o fluxo de baianos para o Rio de Janeiro, liberando os que se mantinham em Salvador em virtude de laços com escravos, fundando-se praticamente uma pequena diáspora baiana na capital do país, gente que terminaria por se identificar com a nova cidade onde nascem seus descendentes, e que, naqueles tempos de transição, desempenharia notável papel na reorganização do Rio de Janeiro popular, subalterno, em volta do cais e nas velhas casas no Centro. O crescimento urbano-industrial e as migrações internas provocadas pela Abolição acarretariam um crescimento populacional acelerado. Se em 1890 o Rio de Janeiro tinha 522.561 habitantes, 15 anos após [pg. 43] já subira para 811.443, para chegar ao primeiro milhão no final da Primeira Guerra Mundial, em 1917. Migrantes europeus vêm para a indústria, migrantes internos chegam ao Rio de Janeiro ainda estropiados pelas secas, alguns soldados das lutas de Canudos inventando suas casas no morro da Favela. Centenas de negros libertos vindos de todas as partes aportam na cidade, procurando possibilidades num mercado de trabalho onde teriam dificuldades, dadas as suas características raciais e culturais. À parte da vida desta ralé, o esforço de consolidação nacional com a República reforça a máquina burocrática e repressiva estatal que se estrutura na cidade. Indivíduos heterogêneos quanto à origem

irmãs inteiravam pra ajudar a passagem. Eu queria achar um livro<br />

que a enchente extraviou, aquele livro sim é que tinha as baianas<br />

todas, subindo em cima do navio, tocando prato. Tinha nas minhas<br />

coisas mas a enchente extraviou. (...) Dois, três dias de viagem, a<br />

comida a gente fazia antes de vir, depois era ali mesmo, tomava<br />

camaradagem com aqueles homens de lá de dentro do navio, sabe<br />

como é baiana, mais uma graça, mais outra (Depoimento de Carmem<br />

Teixeira da Conceição, arquivo Corisco Filmes).<br />

A Abolição engrossa o fluxo de baia<strong>no</strong>s para o <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, liberando os que se mantinham em Salvador em virtude<br />

de laços com escravos, fundando-se praticamente uma pequena<br />

diáspora baiana na capital do país, gente que terminaria por se<br />

identificar com a <strong>no</strong>va cidade onde nascem seus descendentes, e<br />

que, naqueles tempos de transição, desempenharia <strong>no</strong>tável papel<br />

na reorganização do <strong>Rio</strong> de Janeiro popular, subalter<strong>no</strong>, em volta<br />

do cais e nas velhas casas <strong>no</strong> Centro.<br />

O crescimento urba<strong>no</strong>-industrial e as migrações internas<br />

provocadas pela Abolição acarretariam um crescimento<br />

populacional acelerado. Se em 1890 o <strong>Rio</strong> de Janeiro tinha<br />

522.561 habitantes, 15 a<strong>no</strong>s após [pg. 43] já subira para<br />

811.443, para chegar ao primeiro milhão <strong>no</strong> final da Primeira<br />

Guerra Mundial, em 1917. Migrantes europeus vêm para a<br />

indústria, migrantes inter<strong>no</strong>s chegam ao <strong>Rio</strong> de Janeiro ainda<br />

estropiados pelas secas, alguns soldados das lutas de Canudos<br />

inventando suas casas <strong>no</strong> morro da Favela. Centenas de negros<br />

libertos vindos de todas as partes aportam na cidade, procurando<br />

possibilidades num mercado de trabalho onde teriam dificuldades,<br />

dadas as suas características raciais e culturais. À parte da vida<br />

desta ralé, o esforço de consolidação nacional com a República<br />

reforça a máquina burocrática e repressiva estatal que se<br />

estrutura na cidade. Indivíduos heterogêneos quanto à origem

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