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23.02.2013 Views

ORELHAS DO LIVRO Roberto Moura focaliza um Rio de Janeiro subalterno, eventualmente marginal, indefinido, a partir da virada do último século, que teria particular expressividade no engendramento da identidade moderna da cidade. Ao lado da história de Tia Ciata e da diáspora baiana no Rio, um trabalho de contexto que inter- relaciona e desvenda esta cidade, em contrapartida àquela que “se civiliza” no Centro e na Zona Sul, redefinida pela reforma do prefeito Pereira Passos. Abrindo a obra com um painel da situação política nacional, quando da Abolição e do advento da República, o autor traça o roteiro da vinda dos negros de Salvador para o Rio de Janeiro, “uma história possível, uma história banal, sublime, vergonhosa”. E mostra como a colônia baiana se impõe no mundo carioca, em torno de seus líderes vindos dos postos do candomblé e dos grupos festeiros, cuja influência se estenderia a toda a comunidade heterogênea que se formou nos bairros, em torno do cais do porto e depois na Cidade Nova, tocada pelas transformações urbanas. São revisitadas figuras lendárias como Hilário, o mais fecundo fundador de ranchos e sujos do Carnaval carioca; a casa de candomblé de João Alabá, com as tias Amélia, mãe de Donga, Perciliana, mãe de João Baiana, e a mais famosa de todas, Tia Ciata, cuja casa se tornará a capital na Pequena África, em torno da Praça Onze. Mais do que em qualquer cidade brasileira, a diversificação da vida e o ritmo cosmopolita do Rio de Janeiro permitiriam que certos hábitos musicais dos negros se encontrassem com a música ocidental de feição popular. O maxixe e o seu sucessor, o samba, acharam terreno propício na Cidade Nova: festeiros baianos, músicos e compositores negros, em processo de profissionalização,

e empresários da caótica vida noturna da cidade criariam as formas da canção popular carioca, antecedendo uma geração de compositores que, junto com burgueses de Vila Isabel, depois de 1930, fariam a “época de ouro” da música popular brasileira. Assim definida por uma densa experiência sócio-cultural, quase sempre omitida pelos meios de informação da época, sedimenta-se, já no fim da República Velha, uma verdadeira cultura popular carioca, que se mostraria, ao lado dos novos hábitos civilizatórios das elites, fundamental na redefinição do Rio de Janeiro e na formação de sua personalidade moderna. Fruto do encontro de uma fluminense com um paraense no Rio de Janeiro, Roberto Moura, pai de Pedro e Alice, é tricolor. Cineasta, dirigiu e produziu na Corisco Filmes, desde os anos 70, firmemente sediada na praça Tiradentes, uma linha de documentários que lançam olhar poético-antropológico sobre a cidade, abordando as repercussões da modernidade no povo negro e sua expressão através da indústria cultural. Filmes e livros, como os escritos e filmados sobre Tia Ciata e Cartola. Nos anos 80, começou a experimentar a ficção numa série de trabalhos que desembocaram num filme protagonizado por Grande Othelo, uma biografia precoce de uma geração pós- Cinema Novo. Esse longa foi sua tese em Cinema no doutorado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de S. Paulo, depois de ter se graduado e feito o mestrado na Escola de

ORELHAS DO LIVRO<br />

Roberto Moura focaliza um <strong>Rio</strong> de Janeiro subalter<strong>no</strong>,<br />

eventualmente marginal, indefinido, a partir da virada do último<br />

século, que teria particular expressividade <strong>no</strong> engendramento da<br />

identidade moderna da cidade. Ao lado da história de Tia Ciata e<br />

da diáspora baiana <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>, um trabalho de contexto que inter-<br />

relaciona e desvenda esta cidade, em contrapartida àquela que “se<br />

civiliza” <strong>no</strong> Centro e na Zona Sul, redefinida pela reforma do prefeito<br />

Pereira Passos. Abrindo a obra com um painel da situação política<br />

nacional, quando da Abolição e do advento da República, o autor<br />

traça o roteiro da vinda dos negros de Salvador para o <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, “uma história possível, uma história banal, sublime,<br />

vergonhosa”. E mostra como a colônia baiana se impõe <strong>no</strong> mundo<br />

carioca, em tor<strong>no</strong> de seus líderes vindos dos postos do candomblé e<br />

dos grupos festeiros, cuja influência se estenderia a toda a<br />

comunidade heterogênea que se formou <strong>no</strong>s bairros, em tor<strong>no</strong> do<br />

cais do porto e depois na Cidade Nova, tocada pelas<br />

transformações urbanas.<br />

São revisitadas figuras lendárias como Hilário, o mais<br />

fecundo fundador de ranchos e sujos do Carnaval carioca; a casa<br />

de candomblé de João Alabá, com as tias Amélia, mãe de Donga,<br />

Perciliana, mãe de João Baiana, e a mais famosa de todas, Tia<br />

Ciata, cuja casa se tornará a capital na <strong>Pequena</strong> África, em tor<strong>no</strong><br />

da Praça Onze.<br />

Mais do que em qualquer cidade brasileira, a diversificação<br />

da vida e o ritmo cosmopolita do <strong>Rio</strong> de Janeiro permitiriam que<br />

certos hábitos musicais dos negros se encontrassem com a música<br />

ocidental de feição popular. O maxixe e o seu sucessor, o samba,<br />

acharam terre<strong>no</strong> propício na Cidade Nova: festeiros baia<strong>no</strong>s,<br />

músicos e compositores negros, em processo de profissionalização,

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