TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio
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homem que não sabe trabalhar e não pode mandar em consequência disto os outros (Luiz Vilhena, Cartas soteropolitanas). Na recente classe de bacharéis e doutores que se afirmavam progressivamente na sociedade baiana, muitos são filhos de escravas negras, ou seus descendentes, mulatos claros de sobrecasaca e cartola identificados com os novos valores europeus modernizantes, os “gentlemen de cor” de quem falam na época os viajantes europeus, de passagem na capital da província. Esses homens progressivamente identificados com as elites, e por elas acolhidos, vivem uma vida à parte da grande comunidade negra das ruas, tendo mesmo eventualmente posições contra os seus irmãos de origem, como relata Freyre em [pg. 39] Ordem e Progresso: Em 1884 apresentaram-se candidatos à Câmara dos Deputados Gerais por esta província (Bahia), cerca de trinta cidadãos. De todos eles só havia um homem de cor — era o conselheiro Domingos Carlos da Silva, um ex-professor da faculdade de medicina desta província. Pois bem: o único que em documento escrito e público teve a coragem de pedir sufrágios em nome da escravidão. Foi além do sr. Pedro Moniz — digno representante dos engenhos de Santo Amaro — e que, com os srs. Lacerda Werneck e Coelho Rodrigues, votou contra a abolição dos açoites. Na verdade, a sociedade baiana no período surpreende os europeus, principalmente aqueles que conheciam outras sociedades onde o negro havia sido introduzido como escravo, como revela numa carta o ministro francês no Brasil, o conde de Alexis Saint Priest: Chegando aqui eu pensava que os mulatos formavam uma classe à parte, rejeitada pelos brancos e dominando os negros, mas sou forçado a convir que mesmo encontrando muitos indivíduos mulatos, estou ainda à procura do partido dos homens de cor. Na Martinica e nas
outras ilhas, a orgulhosa aristocracia dos brancos lá nascidos tornou temível a associação dos mestiços; a vaidade ferida fez muitas vezes derramar o sangue de uns pelos outros, mas no Brasil, nem essa aristocracia branca nem esta democracia parda existem na realidade. Os mulatos não formam em absoluto uma classe à parte, há muitos mulatos nos clubes, mas não há clubes de mulatos. Eles estão misturados, confundidos com todo o mundo, se os encontra na escravidão, nos mais vis dos ofícios, mas também na alta sociedade e no Senado. A guarda permanente é composta metade de mulatos que vivem às mil maravilhas juntos e servem fielmente ao governo atual. Na divisão dos partidos, tal como ela existe ainda hoje, seria bem difícil designar um lugar às pessoas de cor, nenhum deles é inacessível aos homens de cor. No entanto, afastados dos salões e dos escritórios, da política e dos negócios, é nas ruas do Centro e da orla, nos bairros populares, que surgem os negros. É com a proibição do entrudo em 1853, e o deslocamento das manifestações processionais negras para a época do Carnaval baiano, que este começa a tomar uma feição moderna com seus blocos e cordões, muitos deles com intenções críticas, que ressurgem no Carnaval carioca. Aparecem clubes carnavalescos liderados por africanos, crioulos e mestiços, já para o final do século, como a Embaixada Africana, os Pândegos da África, a Chegada da África, e muitos outros. Através dos nomes, claro estava o sentido de afirmação cultural do passado africano, parte se identificando com egípcios, abissínios, aparentemente alheios às suas origens, mas a maioria com motivos da África negra. Reportamo-nos a um desfile dos Pândegos da África: Vimos compacta multidão de negros e mestiços que a ele pode-se dizer, se haviam incorporado e que o acompanhavam cantando as cantigas africanas, sapateando as suas danças e vitoriando os seus ídolos ou santos que lhes eram mostrados do carro do feitiço. Dir-se-ia
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outras ilhas, a orgulhosa aristocracia dos brancos lá nascidos tor<strong>no</strong>u<br />
temível a associação dos mestiços; a vaidade ferida fez muitas vezes<br />
derramar o sangue de uns pelos outros, mas <strong>no</strong> Brasil, nem essa<br />
aristocracia branca nem esta democracia parda existem na realidade.<br />
Os mulatos não formam em absoluto uma classe à parte, há muitos<br />
mulatos <strong>no</strong>s clubes, mas não há clubes de mulatos. Eles estão<br />
misturados, confundidos com todo o mundo, se os encontra na<br />
escravidão, <strong>no</strong>s mais vis dos ofícios, mas também na alta sociedade e<br />
<strong>no</strong> Senado. A guarda permanente é composta metade de mulatos que<br />
vivem às mil maravilhas juntos e servem fielmente ao gover<strong>no</strong> atual.<br />
Na divisão dos partidos, tal como ela existe ainda hoje, seria bem<br />
difícil designar um lugar às pessoas de cor, nenhum deles é<br />
inacessível aos homens de cor.<br />
No entanto, afastados dos salões e dos escritórios, da política<br />
e dos negócios, é nas ruas do Centro e da orla, <strong>no</strong>s bairros<br />
populares, que surgem os negros. É com a proibição do entrudo<br />
em 1853, e o deslocamento das manifestações processionais<br />
negras para a época do Carnaval baia<strong>no</strong>, que este começa a tomar<br />
uma feição moderna com seus blocos e cordões, muitos deles com<br />
intenções críticas, que ressurgem <strong>no</strong> Carnaval carioca. Aparecem<br />
clubes carnavalescos liderados por africa<strong>no</strong>s, crioulos e mestiços,<br />
já para o final do século, como a Embaixada Africana, os Pândegos<br />
da África, a Chegada da África, e muitos outros. Através dos<br />
<strong>no</strong>mes, claro estava o sentido de afirmação cultural do passado<br />
africa<strong>no</strong>, parte se identificando com egípcios, abissínios,<br />
aparentemente alheios às suas origens, mas a maioria com<br />
motivos da África negra.<br />
Reportamo-<strong>no</strong>s a um desfile dos Pândegos da África:<br />
Vimos compacta multidão de negros e mestiços que a ele pode-se<br />
dizer, se haviam incorporado e que o acompanhavam cantando as<br />
cantigas africanas, sapateando as suas danças e vitoriando os seus<br />
ídolos ou santos que lhes eram mostrados do carro do feitiço. Dir-se-ia