TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio
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prestamista a quantia ajustada. De ordinário, reuniam-se aos domingos para o recebimento e contagem das quantias arrecadadas, comumente em cobre, e tratarem de assuntos relativos aos empréstimos realizados. Se o associado precisava de qualquer importância, assistia-lhe o direito de retirá-la, descontando-se-lhe, todavia, os juros correspondentes ao tempo. Se a retirada do capital era integral, neste caso, o gerente era logo reembolsado de certa percentagem que lhe era devida, pela guarda dos dinheiros depositados. Como era natural, a falta de escrituração proporcionava enganos prejudiciais às partes. Às vezes, o mutuário retirava o dinheiro preciso para sua alforria, e diante dos cálculos do gerente o tomador pagava pelo dobro da quantia emprestada. No fim de cada ano, como acontece nas sociedades anônimas ou de capital limitado, era certa a distribuição de dividendos. Discussões acaloradas surgiam nessas ocasiões, sem que todavia os associados chegassem às vias de fato, tornando-se desnecessária e imprópria a intervenção policial. Assim auxiliavam-se mutuamente, no interesse principal de obterem suas cartas de alforria, e dela usarem como se encontrassem ainda nos sertões africanos. Resgatavam-se pelo auxílio mútuo de esforço paciente, esses heróis de trabalho. [pg. 38] A população escrava, desta forma, se dividia entre escravos alforriados, muitos que ainda se mantinham sob obrigações com os senhores, e os libertos. Essa subclasse de indivíduos libertos, ou em processo de se libertar, se caracterizava a partir da postura de cada um frente a sua comunidade de origem, seja de nação ou de ofício, uns identificados com seus irmãos escravos, envolvidos tanto com as sublevações, apesar de já libertos, quanto com as juntas de alforria; outros se afastando, se individualizando, alguns procurando se mimetizar com os brancos e ascender. Muitos negros de ofício chegam a comprar escravos para escapar das tarefas braçais estigmatizantes associadas à escravatura, negros que carregavam vistosamente os instrumentos de trabalho de seus
novos donos, também negros, pela rua baiana. Entre os mulatos, já por natureza mais aproximados do mundo dos brancos, alguns eram integrados aos estratos mais altos da população. Entretanto, na vida brasileira e no mundo moderno em geral, a cor da pele não necessariamente define a prática e a visão de mundo de cada indivíduo. Nos mulatos, particularmente, se manifesta uma aguda sensibilidade para a questão da identidade racial, muitas vezes resolvida por uma aderência a um dos extremos, sem se perceberem como uma possibilidade virtual, como uma metáfora biológica de uma nacionalidade brasileira vinda do encontro das diversas raças de nossa formação. Muitos forros trabalham nas forças militares e policiais, confinados às posições subalternas como no mundo civil, expostos aos trabalhos mais pesados. Muitas vezes alguns não puderam aceitar e se desesperaram, com as lembranças que tais tarefas brutas traziam dos seus dias como escravo, esmagados pela impressão de que, apesar da carta de alforria, nada tinha mudado, de que haviam sido enganados. Outros libertos negam-se a aceitar trabalho ligado ao próprio sistema escravagista, principalmente os postos de controle e repressão, estes cada vez mais difíceis de serem preenchidos, como confirma a incompreensão de Vilhena: A Bahia que possue uma numerosa população contudo há dificuldades de conseguir todos os obreiros livres, geralmente há queixa nisto: Exmo. Sr., em meu poder mais de 60 pedidos para lugares de feitores, apontadores, mas ninguém para trabalhar, há repugnância, eis ahi o exemplo mais evidente em que vivem, preferem pois a vadiação a hum trabalho honesto, pelo qual conseguem o pão necessário para o sustento de suas famílias, e habilitam-se d’esta maneira para os empregos de feitores, e apontadores, pois quanto a mim, prefiro um feitor dentre os melhores trabalhadores, de que um
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prestamista a quantia ajustada.<br />
De ordinário, reuniam-se aos domingos para o recebimento e<br />
contagem das quantias arrecadadas, comumente em cobre, e tratarem<br />
de assuntos relativos aos empréstimos realizados.<br />
Se o associado precisava de qualquer importância, assistia-lhe o<br />
direito de retirá-la, descontando-se-lhe, todavia, os juros<br />
correspondentes ao tempo. Se a retirada do capital era integral, neste<br />
caso, o gerente era logo reembolsado de certa percentagem que lhe era<br />
devida, pela guarda dos dinheiros depositados. Como era natural, a<br />
falta de escrituração proporcionava enga<strong>no</strong>s prejudiciais às partes.<br />
Às vezes, o mutuário retirava o dinheiro preciso para sua alforria, e<br />
diante dos cálculos do gerente o tomador pagava pelo dobro da<br />
quantia emprestada. No fim de cada a<strong>no</strong>, como acontece nas<br />
sociedades anônimas ou de capital limitado, era certa a distribuição de<br />
dividendos. Discussões acaloradas surgiam nessas ocasiões, sem que<br />
todavia os associados chegassem às vias de fato, tornando-se<br />
desnecessária e imprópria a intervenção policial.<br />
Assim auxiliavam-se mutuamente, <strong>no</strong> interesse principal de obterem<br />
suas cartas de alforria, e dela usarem como se encontrassem ainda<br />
<strong>no</strong>s sertões africa<strong>no</strong>s. Resgatavam-se pelo auxílio mútuo de esforço<br />
paciente, esses heróis de trabalho. [pg. 38]<br />
A população escrava, desta forma, se dividia entre escravos<br />
alforriados, muitos que ainda se mantinham sob obrigações com<br />
os senhores, e os libertos. Essa subclasse de indivíduos libertos,<br />
ou em processo de se libertar, se caracterizava a partir da postura<br />
de cada um frente a sua comunidade de origem, seja de nação ou<br />
de ofício, uns identificados com seus irmãos escravos, envolvidos<br />
tanto com as sublevações, apesar de já libertos, quanto com as<br />
juntas de alforria; outros se afastando, se individualizando, alguns<br />
procurando se mimetizar com os brancos e ascender. Muitos<br />
negros de ofício chegam a comprar escravos para escapar das<br />
tarefas braçais estigmatizantes associadas à escravatura, negros<br />
que carregavam vistosamente os instrumentos de trabalho de seus