TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio
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da dominação [pg. 34] imposta ao africano: o sacerdote era definitivamente associado ao soldado conquistador e ao mercenário escravagista. As irmandades partem dos nexos iniciais de distinção entre os indivíduos, grupando-os, assim, a partir de suas características raciais e sociais, e cultivando-as como rivalidades. Irmandades ligadas a uma nação, ou exclusivamente a um sexo, irmandades de negros africanos, negros brasileiros, de mulatos e, evidentemente separadas, irmandades de brancos. Integrados todos como fiéis, mas percebidos como diversos e assim hierarquizados, eis o princípio da Igreja colonial, uma ordem coreograficamente explicitada no espetáculo das procissões, assegurando a diferenciação das raças e a divisão no meio escravo. Esse catolicismo negro geraria uma série de subcultura de etnias, de castas, se constituindo, com a Independência e depois com a Abolição, em embrião das subculturas de classe. É no seio das confrarias negras que as tradições africanas ganhariam o espaço necessário à sua perpetuação na aventura brasileira, sincretizadas com o código religioso do branco, de maneira mais ou menos formal, inicialmente apenas como um disfarce legitimador, mas progressivamente absorvendo o catolicismo como uma influência profunda que se expande nas religiões populares urbanas negras da modernidade. Entretanto, na rua, evitada pelos aristocratas, domínio do povinho, do negro, progressivamente se contestam essas distinções no meio popular, e nela surgem as grandes manifestações do encontro dessa pluralidade de civilizações africanas de extrema expressividade místico-religiosa. O Ocidente, via Portugal e seu catolicismo ritualizado, já vira renascer surdamente no sagrado a festa recalcada pela Inquisição. As
narrativas, como a de Froger, descrevem as procissões medievais portuguesas: a do Santíssimo Sacramento, que não é menos considerável nesta cidade por uma quantidade prodigiosa de cruzes, de relicários, de ricos ornamentos e de tropas em armas, de corpos de ofícios, confrarias e de religiosos, como também ridícula pelos grupos de máscaras, de músicos e de dançarinos, os quais por suas posturas lúbricas atrapalham a ordem desta santa cerimônia (Froger, Voyages de Mr. de Gennes). Mas é em Salvador que se redefine o calendário cristão num novo ciclo de festas populares, quando nos santos católicos seriam encontradas correspondências e identidades associadas aos orixás nagôs, homenageados não só em cerimônias privadas, mas, a partir de então, com toda exuberância na festa “católica”, nas ruas, nas praças, nos mercados e mesmo nas igrejas da cidade. Esse ciclo de festas populares que daria substância à identidade profunda de Salvador, criando elementos fundamentais à sua personalidade moderna de cidade, se inicia com o Advento, um mês antes do Natal, aberto pela festa de santa Bárbara, a Iansã, que já na metade do século XIX tinha a participação marcante dos africanos, celebrando sua entidade de devoção no mercado dos Arcos de Santa Bárbara. Dias depois é homenageada Iemanjá, no dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, a festa armada em torno de sua igreja, onde, já no princípio do século XIX, se misturavam brancos, pretos e mulatos, as negras com seus turbantes, suas camisas finamente bordadas e saias franzidas e rodadas. O Natal era [pg. 35] pretexto para uma série de manifestações dos negros: cheganças, bailes, pastoris, bumba- meu-boi e cucumbis, que saíam à rua revelando, mesmo em meio da dura repressão provocada pelas insurreições dos escravos, a
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da dominação [pg. 34] imposta ao africa<strong>no</strong>: o sacerdote era<br />
definitivamente associado ao soldado conquistador e ao<br />
mercenário escravagista.<br />
As irmandades partem dos nexos iniciais de distinção entre<br />
os indivíduos, grupando-os, assim, a partir de suas características<br />
raciais e sociais, e cultivando-as como rivalidades. Irmandades<br />
ligadas a uma nação, ou exclusivamente a um sexo, irmandades<br />
de negros africa<strong>no</strong>s, negros brasileiros, de mulatos e,<br />
evidentemente separadas, irmandades de brancos. Integrados<br />
todos como fiéis, mas percebidos como diversos e assim<br />
hierarquizados, eis o princípio da Igreja colonial, uma ordem<br />
coreograficamente explicitada <strong>no</strong> espetáculo das procissões,<br />
assegurando a diferenciação das raças e a divisão <strong>no</strong> meio<br />
escravo. Esse catolicismo negro geraria uma série de subcultura<br />
de etnias, de castas, se constituindo, com a Independência e<br />
depois com a Abolição, em embrião das subculturas de classe. É<br />
<strong>no</strong> seio das confrarias negras que as tradições africanas<br />
ganhariam o espaço necessário à sua perpetuação na aventura<br />
brasileira, sincretizadas com o código religioso do branco, de<br />
maneira mais ou me<strong>no</strong>s formal, inicialmente apenas como um<br />
disfarce legitimador, mas progressivamente absorvendo o<br />
catolicismo como uma influência profunda que se expande nas<br />
religiões populares urbanas negras da modernidade.<br />
Entretanto, na rua, evitada pelos aristocratas, domínio do<br />
povinho, do negro, progressivamente se contestam essas<br />
distinções <strong>no</strong> meio popular, e nela surgem as grandes<br />
manifestações do encontro dessa pluralidade de civilizações<br />
africanas de extrema expressividade místico-religiosa. O Ocidente,<br />
via Portugal e seu catolicismo ritualizado, já vira renascer<br />
surdamente <strong>no</strong> sagrado a festa recalcada pela Inquisição. As