TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio
TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio
multiplicidade de iniciativas que não nos autoriza ir mais longe do que perceber líderes de rua, de ponto, de bando, que, multiplicados, enfrentam a polícia municipal e depois o Corpo de Bombeiros e batalhões de Exército chamados às pressas. A luta sangrenta, não registrada nos livros de uma história voltada para o mito nacional da harmonia e da passividade popular frente aos governantes, termina em muitas mortes e prisões, como um episódio relevante, cruento, no processo de reestruturação da cidade, que se valeria do tijolo à pólvora para impor sua racionalidade civilizatória. Em novembro de 1910, durante as festividades que marcavam a subida à presidência de Hermes da Fonseca, estoura outra rebelião de caráter popular, desta vez, uma revolta na armada de guerra, quando os marinheiros, sob o comando do negro João Cândido, tomam três cruzadores fundeados na baía de Guanabara e, voltando seus canhões sobre a capital federal, exigem uma nova abolição, rebelando-se contra os castigos corporais impostos pela Marinha. Oswald de Andrade, surpreendido pelos acontecimentos em meio a um namoro com uma atriz da companhia Grasso, mais tarde evocaria os acontecimentos num livro de memórias: No Rio de Janeiro assisti à primeira revolução política que o Brasil teve nesse século — a do marinheiro João Cândido. O marechal Hermes da Fonseca tinha assumido a presidência da República num ambiente de grande hostilidade. Era um joguete mais ou menos cretino nas mãos do caudilho sulista Pinheiro Machado. Foi quando se esboçou a luta civilista encabeçada pela figura de Rui Barbosa. Uma noite, tendo-se demorado numa pensão do Centro, em visita aos artistas de Giovanni Grasso, senti, à madrugada que começava, um movimento desusado na rua, onde passou a trote um piquete de cavalaria. A estranheza do fato cresceu quando ouvi falar a palavra revolução entre gente que juntava nas esquinas. Revolução? Coisa assombrosa para a sede de
emoção e conhecimento de minha mocidade. Indaguei como se passava o caso e apontaram-me o mar. Apressei-me em alcançar o começo da avenida Central, hoje Rio Branco, no local onde se abre a praça Paris. Aproximei-me do cais, entre sinais verdes e vermelhos, escutei um prolongado soluço de [pg. 141] sereia. Aquele grito lúgubre no mar escuro me dava exata medida da subversão. Que seria? (Oswald de Andrade, em Um homem sem profissão). A mais aristocrática de nossas armas, a Marinha, na Primeira República recrutava seus oficiais entre a antiga nobreza do Império, entre os filhos da aristocracia rural e na nova burguesia urbana. Já a marujada que sempre faltava, tal era a fama da vida de marinheiro, era arrebanhada à força para preencher os quadros, de forma autoritária, contrária às leis estabelecidas na “democracia” brasileira, aferrados os rapazes a engajamentos nunca menores que dez anos. Marinheiros principalmente negros e mestiços, responsáveis pelas manobras braçais nos enormes navios importados pelas compras faraônicas da Marinha, autorizadas pelo Congresso de Rodrigues Alves, ou como criados dos elegantes oficiais em sua elaborada rotina, muitos dos engajados meninos de menos de quinze anos. As grandes verbas obtidas pela Marinha — que, juntamente com três grandes couraçados, compra dos estaleiros ingleses mais outras 24 naves, sendo três submarinos — não repercute nos salários dos marinheiros nem nas suas condições de trabalho. A dureza do trabalho e a rigidez da disciplina militar mantida por um regime penal apoiado em castigos corporais, um resíduo direto da escravatura, como afirmavam os comunicados dos marinheiros à Presidência e ao Congresso, ao longo dos acontecimentos. Mas um bárbaro chibatamento de um marinheiro faz surgir a revolta há muito armada nas conversas entre a marujada, a luta se precipitando com a visão insuportável do corpo do companheiro
- Page 155 and 156: AS BAIANAS NA FESTA DA PENHA Saía
- Page 157 and 158: quase a dançar também, olhando o
- Page 159 and 160: polícia de então e intimados a ir
- Page 161 and 162: culturalmente despreparado e intole
- Page 163 and 164: Não é assim Que se maltrata uma m
- Page 165 and 166: partir da popularização do rádio
- Page 167 and 168: A POLÊMICA DO PELO TELEFONE (...)
- Page 169 and 170: Capa da partitura Ai, si a rolinha,
- Page 171 and 172: carnavalesco Pelo telefone, com let
- Page 173 and 174: No entanto, nem nas primeiras vers
- Page 175 and 176: Aí está o canto ideal Triunfal. V
- Page 177 and 178: Para se jogar.” Ismael Silva: Iss
- Page 179 and 180: oda de amigos que o samba teria sid
- Page 181 and 182: O general Foch Pelo telefone Mandou
- Page 183 and 184: AS TRANSFORMAÇÕES NA COMUNIDADE N
- Page 185 and 186: esta parte da costa da África. Os
- Page 187 and 188: dos bantos, nações que negociaria
- Page 189 and 190: costumes de lavagem dos objetos sac
- Page 191 and 192: uniformização das expressões do
- Page 193 and 194: quando o crescente lunar aparecia n
- Page 195 and 196: astros, era comum passar dias em je
- Page 197 and 198: Provoca agitação sem perder o fô
- Page 199 and 200: Velhos, onde o ambiente recende a p
- Page 201 and 202: Pontos de Exu. Desenhos de Sebasti
- Page 203 and 204: pelas classes superiores e por suas
- Page 205: Era o dia 12 de novembro de 1904 e
- Page 209 and 210: a acompanha. Tem V. Exa. o prazo de
- Page 211 and 212: lutas políticas. Fuzilamentos e to
- Page 213 and 214: Salve o Navegante Negro Que tem por
- Page 215 and 216: Lili foi criada dentro da casa de s
- Page 217 and 218: Atestado de óbito de Tia Ciata (11
- Page 219 and 220: trabalhava na fábrica de calçados
- Page 221 and 222: quando a gente via passar um na pad
- Page 223 and 224: populoso morro de São Carlos. Eu m
- Page 225 and 226: sensível à sua queda para a músi
- Page 227 and 228: volumoso com a idade, de impecável
- Page 229 and 230: Damião, na Ibejada de d. Carmem Te
- Page 231 and 232: nós, que encantados por sua presen
- Page 233 and 234: todos os clubes paravam na porta de
- Page 235 and 236: só pra sair naqueles negócios de
- Page 237 and 238: Do rio Joana E vieram também serei
- Page 239 and 240: CARVALHO, Lia Aquino de. Contribui
- Page 241 and 242: Abedé, Cipriano 99 Abomeu 129 Abul
- Page 243 and 244: Barreto, Afonso Henriques de Lima 4
- Page 245 and 246: Corneta Gira 109 Coronel Costa 101
- Page 247 and 248: Glicéria 97,151 Gobineau; Joseph A
- Page 249 and 250: Lima, Carlos A. 124 Lima, Vivaldo d
- Page 251 and 252: Nanci 156 Nadir 157,158 Napoleão I
- Page 253 and 254: Ribeiro, José Fernandes 71 Rocha,
- Page 255 and 256: Tia Calu Boneca 95 Tia Carmem do Xi
multiplicidade de iniciativas que não <strong>no</strong>s autoriza ir mais longe do<br />
que perceber líderes de rua, de ponto, de bando, que,<br />
multiplicados, enfrentam a polícia municipal e depois o Corpo de<br />
Bombeiros e batalhões de Exército chamados às pressas. A luta<br />
sangrenta, não registrada <strong>no</strong>s livros de uma história voltada para<br />
o mito nacional da harmonia e da passividade popular frente aos<br />
governantes, termina em muitas mortes e prisões, como um<br />
episódio relevante, cruento, <strong>no</strong> processo de reestruturação da<br />
cidade, que se valeria do tijolo à pólvora para impor sua<br />
racionalidade civilizatória.<br />
Em <strong>no</strong>vembro de 1910, durante as festividades que<br />
marcavam a subida à presidência de Hermes da Fonseca, estoura<br />
outra rebelião de caráter popular, desta vez, uma revolta na<br />
armada de guerra, quando os marinheiros, sob o comando do<br />
negro João Cândido, tomam três cruzadores fundeados na baía de<br />
Guanabara e, voltando seus canhões sobre a capital federal,<br />
exigem uma <strong>no</strong>va abolição, rebelando-se contra os castigos<br />
corporais impostos pela Marinha. Oswald de Andrade,<br />
surpreendido pelos acontecimentos em meio a um namoro com<br />
uma atriz da companhia Grasso, mais tarde evocaria os<br />
acontecimentos num livro de memórias:<br />
No <strong>Rio</strong> de Janeiro assisti à primeira revolução política que o Brasil teve<br />
nesse século — a do marinheiro João Cândido. O marechal Hermes da<br />
Fonseca tinha assumido a presidência da República num ambiente de<br />
grande hostilidade. Era um joguete mais ou me<strong>no</strong>s creti<strong>no</strong> nas mãos<br />
do caudilho sulista Pinheiro Machado. Foi quando se esboçou a luta<br />
civilista encabeçada pela figura de Rui Barbosa. Uma <strong>no</strong>ite, tendo-se<br />
demorado numa pensão do Centro, em visita aos artistas de Giovanni<br />
Grasso, senti, à madrugada que começava, um movimento desusado<br />
na rua, onde passou a trote um piquete de cavalaria. A estranheza do<br />
fato cresceu quando ouvi falar a palavra revolução entre gente que<br />
juntava nas esquinas. Revolução? Coisa assombrosa para a sede de