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andre.vilaron
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23.02.2013 Views

no meio, nem no fim. E mesmo quando há muita gente, os espectadores, os ogãs, as filhas-de-santo em descanso escondem-no com os seus corpos (Estudos do sincretismo católico fetichista, em Estudos afro-brasileiros). Bastide ressalva, entretanto, que a ordem das imagens e os demais elementos no altar variam de acordo com o calendário místico, o que revela sua funcionalidade dentro do culto do candomblé, como também [pg. 130] são paramentados os altares em muitas casas de santo para as festas de Maria ou de santo Antônio do calendário católico, quando no terreiro são cantadas sentidas ladainhas. A presença da gente do candomblé nas igrejas, a missa precedendo as principais festas dos orixás, já era uma tradição dos baianos e se mantém ainda hoje no Rio de Janeiro, mesmo com a oposição de alguns párocos preocupados com a africanização da cerimônia cristã, nos dias dos santos africanos, tomada pelas tias negras com seus trajes rituais. A missa era preâmbulo da festa no barracão, memória do tempo em que a presença do negro na igreja justificava as suas festas religiosas separadas, vistas pelos senhores como uma mera repercussão “primitiva” da celebração católica. Esse sentido de máscara já no grupo baiano no Rio de Janeiro havia sido substituído por uma compreensão diversa da missa, quando o ritual católico era encarado com um espírito estritamente devocional, integrado como um momento complementar e propiciatório à celebração do orixá homenageado. Uma cerimônia de abertura, quando o negro se comprometia com a comunidade maior antes de reafirmar suas próprias tradições. Dessa invasão do candomblé à religião católica fazem parte as festas de Salvador, como a lavagem de Nosso Senhor do Bonfim, que, também de origem portuguesa, é apropriada pelos negros e reinterpretada a partir de seus

costumes de lavagem dos objetos sacrificiais com óleo de dendê, sangue ou água consagrada. Na Bahia, nas sextas-feiras, dia de Oxalá, na igreja do Senhor do Bonfim, os candomblés saem em procissões, as mulheres levando a água para a festa em jarras ornadas de flores, como já era de uso na época, lideradas pelos pais-de-santo. Garfo de Exu. Desenho de Abdias do Nascimento. Posta Funarte, 1982. Dessa forma, mesmo entre os nagôs da diáspora baiana do Rio, o catolicismo tinha presença no culto. Inicialmente incorporado como subterfúgio, seus elementos, entretanto, foram, através do processo de alquimia religiosa, precipitado pela irregularidade da vida do negro, se integrando de forma profunda aos rituais e à mentalidade religiosa do grupo. Com os bantos o processo ocorre de forma diversa, uma vez que a Igreja tinha sido acionada na operação portuguesa em Angola, e muitos dos que para aqui foram trazidos escravizados já tinham tido contato com o catolicismo ainda em terra africana. São notáveis suas festas cariocas, muitas vezes saídas das irmandades católicas, que durante o ciclo do Natal vão as ruas [pg. 131] celebrar motivos religiosos que se desdobram em festejos populares. Nesses grupos de festeiros negros, cucumbis, pastoris, que mais tarde seriam deslocados para o Carnaval, fica patente a presença dos bantos, que com sua extrema sociabilidade se opõem à atitude mais reservada e eventualmente esotérica dos iorubas. Mas são os baianos no Rio de Janeiro, grupo constituído

costumes de lavagem dos objetos sacrificiais com óleo de dendê,<br />

sangue ou água consagrada. Na Bahia, nas sextas-feiras, dia de<br />

Oxalá, na igreja do Senhor do Bonfim, os candomblés saem em<br />

procissões, as mulheres levando a água para a festa em jarras<br />

ornadas de flores, como já era de uso na época, lideradas pelos<br />

pais-de-santo.<br />

Garfo de Exu. Desenho de Abdias<br />

do Nascimento. Posta Funarte,<br />

1982.<br />

Dessa forma, mesmo entre os<br />

nagôs da diáspora baiana do <strong>Rio</strong>, o<br />

catolicismo tinha presença <strong>no</strong><br />

culto. Inicialmente incorporado<br />

como subterfúgio, seus elementos,<br />

entretanto, foram, através do<br />

processo de alquimia religiosa,<br />

precipitado pela irregularidade da<br />

vida do negro, se integrando de<br />

forma profunda aos rituais e à<br />

mentalidade religiosa do grupo.<br />

Com os bantos o processo ocorre de<br />

forma diversa, uma vez que a Igreja<br />

tinha sido acionada na operação<br />

portuguesa em Angola, e muitos dos que para aqui foram trazidos<br />

escravizados já tinham tido contato com o catolicismo ainda em<br />

terra africana. São <strong>no</strong>táveis suas festas cariocas, muitas vezes<br />

saídas das irmandades católicas, que durante o ciclo do Natal vão<br />

as ruas [pg. 131] celebrar motivos religiosos que se desdobram em<br />

festejos populares. Nesses grupos de festeiros negros, cucumbis,<br />

pastoris, que mais tarde seriam deslocados para o Carnaval, fica<br />

patente a presença dos bantos, que com sua extrema sociabilidade<br />

se opõem à atitude mais reservada e eventualmente esotérica dos<br />

iorubas. Mas são os baia<strong>no</strong>s <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, grupo constituído

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