TiaCiata_e_a_Pequena_%C3%81frica_no_Rio

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23.02.2013 Views

a prosperidade dos baianos, as festas na casa de Ciata eram freqüentadas principalmente pelos “de origem” e pelos negros que a eles se juntavam, estivadores, artesãos, alguns funcionários públicos, policiais, alguns mulatos e brancos de baixa classe média, gente que progressivamente sé aproxima pelo lado do samba e do Carnaval, e por “doutores gente boa” atraídos pelo exotismo das celebrações. * Hoje, d. Carmem já se foi, resta a saudade dela, a lembrança de sua generosidade e de seu carisma, e uma linda documentação que fizemos de uma das suas Ibejadas, em cinema, fotografia e gravação nunca editada, mas guardada com carinho pela Corisco, na Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro (Nota do Autor). O desenvolvimento de novas possibilidades produtivas nas cidades e a imobilização de pequenos capitais, por famílias ou organizações negras, permite a ascensão econômica, muitas vezes apenas episódica, de determinadas minorias, quando as ligações político-religiosas se conjugam com interesses sócio-econômicos comunitários. O patrimonialismo do terreiro não visava exatamente o núcleo familiar (em geral desestruturado pelo poder escravagista), mas o próprio grupo social negro enquanto continuação possível de valores étnicos ancestrais. (...) Essa transmissão de saberes, técnicas, competências — características de uma patrimonialização — foi vital, sobretudo no Rio de Janeiro (Muniz Sodré, O terreiro e a cidade). Além de doceira, Tia Ciata era perita em toda a cozinha nagô, no xinxim de galinha de Oxum feito com azeite de dendê, cebola, coentro, tomate, leite de coco e azeite, no acarajé de feijão branco e camarão, no sarapatel de sangue de porco e miúdos, prato espantoso para o paladar ocidental, ou no tradicional vatapá baiano, ainda na receita tradicional, com caldo de cabeça de peixe,

amendoim, dendê, creme de milho, creme de arroz ou fruta-pão, temperados com audácia e sabedoria. No dia dos orixás os pratos eram preparados no rigor dos preceitos, como na ocasião da festa de Ibejada feita para seu anjo de guarda. O [pg. 103] caruru dos ibejes se inicia com o ritual da matança dos frangos, a carne separada para o orixá e o restante para a refeição comunal em enormes gamelas onde se adicionam os ingredientes, o quiabo pacientemente cortado em fatias, camarão seco, castanhas, ervas e o dendê. O ajeum, a comida da assistência, cuidadosamente servida com o oguedê frito no azeite, farofa, deboru, abará, acarajé e feijão preto, presidida a festa por Xangô, cujo quiabo de sua característica o situa nesse enredo da culinária mitológica. As bebidas tradicionais, hoje praticamente desaparecidas, eram feitas em casa, principalmente o aluá preferido pela maioria dos orixás, também vendido nas ruas pelas negras. Feito geralmente de milho fermentado em utensílios de barro com cascas de abacaxi, a bebida é preparada com antecedência de três a sete dias antes de ser servida, assim como o xequetê, outra bebida ritual preparada com frutas fermentadas para acompanhar os pratos votivos. Nas festas em torno do Carnaval, a família de Ciata saía no “Rosa Branca” e nó seu sujo, “Macaco é Outro”. Os hábitos de solidariedade, de trabalho e criação coletivos tornavam possível a saída do rancho, já que era o grupo que costurava e bordava as roupas, confeccionava os ornamentos, os instrumentos de percussão e criava o enredo e as músicas. O “Rosa Branca”, como outros ranchos da época, já se utilizava de instrumentos de corda que se integravam na orquestra aos tamborins, chocalhos e cuícas, seus componentes impondo um ritmo e um sapateado, estilizando e abrandando a vigorosa coreografia do batuque. A casa de Hilária se torna um dos pontos principais do itinerário dos

amendoim, dendê, creme de milho, creme de arroz ou fruta-pão,<br />

temperados com audácia e sabedoria. No dia dos orixás os pratos<br />

eram preparados <strong>no</strong> rigor dos preceitos, como na ocasião da festa<br />

de Ibejada feita para seu anjo de guarda. O [pg. 103] caruru dos<br />

ibejes se inicia com o ritual da matança dos frangos, a carne<br />

separada para o orixá e o restante para a refeição comunal em<br />

e<strong>no</strong>rmes gamelas onde se adicionam os ingredientes, o quiabo<br />

pacientemente cortado em fatias, camarão seco, castanhas, ervas<br />

e o dendê. O ajeum, a comida da assistência, cuidadosamente<br />

servida com o oguedê frito <strong>no</strong> azeite, farofa, deboru, abará, acarajé<br />

e feijão preto, presidida a festa por Xangô, cujo quiabo de sua<br />

característica o situa nesse enredo da culinária mitológica. As<br />

bebidas tradicionais, hoje praticamente desaparecidas, eram feitas<br />

em casa, principalmente o aluá preferido pela maioria dos orixás,<br />

também vendido nas ruas pelas negras. Feito geralmente de milho<br />

fermentado em utensílios de barro com cascas de abacaxi, a<br />

bebida é preparada com antecedência de três a sete dias antes de<br />

ser servida, assim como o xequetê, outra bebida ritual preparada<br />

com frutas fermentadas para acompanhar os pratos votivos.<br />

Nas festas em tor<strong>no</strong> do Carnaval, a família de Ciata saía <strong>no</strong><br />

“Rosa Branca” e nó seu sujo, “Macaco é Outro”. Os hábitos de<br />

solidariedade, de trabalho e criação coletivos tornavam possível a<br />

saída do rancho, já que era o grupo que costurava e bordava as<br />

roupas, confeccionava os ornamentos, os instrumentos de<br />

percussão e criava o enredo e as músicas. O “Rosa Branca”, como<br />

outros ranchos da época, já se utilizava de instrumentos de corda<br />

que se integravam na orquestra aos tamborins, chocalhos e<br />

cuícas, seus componentes impondo um ritmo e um sapateado,<br />

estilizando e abrandando a vigorosa coreografia do batuque. A<br />

casa de Hilária se torna um dos pontos principais do itinerário dos

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