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23.02.2013 Views

continuidade a Mãe Agripina “que não só manteve a tradição da casa, como ainda deu-lhe mais nome, construindo, inclusive, a Roça de Coelho da Rocha, para onde transferiu o Axé” (id., ib.). [pg. 99] Praça Onze; lateral da rua Senador Eusébio para a rua Visconde de Itaúna, c.1920. Arquivo Francisco Duarte/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Na casa de Alabá, no Rio de Janeiro, Hilária era a primeira, Iyá Kekerê, mãe-pequena, sucedendo Deolinda, responsável pelas obrigações das feitas no santo, pela instrução sobre as oferendas propiciatórias que cada um devia fazer à medida que avançasse no culto, influindo sobre as questões espirituais e materiais dos fiéis. Como Ebami, mais sete anos de feita, era também a Achogum da casa, a mão-de-faca, ligada ao sacrifício dos animais. A mãe- pequena é a auxiliar direta do pai ou da mãe-de-santo que lidera o candomblé no contato com as noviças, a quem prescreve os banhos rituais (principalmente quando o chefe, como Alabá, é homem) e dirige as iaôs, já iniciadas, nas danças dos orixás. A Iyá Kekerê tanto usa o adjá, um instrumento próximo da sineta que

marca situações cerimoniais como propicia ou mantém o transe dos cavalos possuídos dos orixás. É sua força e ascendência no santo que seria o centro da presença de Hilária junto à comunidade, um peso de líder que se fortalece tanto na organização das jornadas de trabalho, como na preparação dos ranchos, embora ela nunca saísse neles. Ciata de Oxum — orixá que expressa a própria essência da mulher, patrona da sensualidade e da gravidez, protetora das crianças que ainda não falam, deusa das águas doces, da beleza e da riqueza. Na vida no santo e no trabalho, Ciata era festeira, não deixava de comemorar as festas dos orixás em sua casa da praça Onze, quando depois da cerimônia religiosa, freqüentemente antecedida pela missa cristã assistida na igreja, se armava o pagode. Nas danças dos orixás aprendera a mostrar o ritmo no corpo, e, como relembra sua contemporânea, d. Carmem, “levava meia hora fazendo miudinho na roda”. Partideira, cantava com autoridade, respondendo os refrões nas festas que se desdobravam por dias, alguns participantes saindo para o trabalho e voltando, Ciata cuidando para que as panelas fossem sempre requentadas, para que o samba nunca morresse. Havia na época muita atenção da polícia às reuniões dos negros: tanto o samba como o candomblé seriam objetos de contínua perseguição, vistos como coisas perigosas, como marcas primitivas que deveriam ser necessariamente extintas, para que o ex-escravo se tornasse parceiro subalterno “que pega no pesado” de uma sociedade que hierarquiza sua multiculturalidade. Quanto às festas, que se tornam tradicionais na casa de Ciata, a respeitabilidade do marido, funcionário público depois ligado à própria polícia como burocrata, garante o espaço que, livre das batidas, se configura como local privilegiado para as reuniões. Um

marca situações cerimoniais como propicia ou mantém o transe<br />

dos cavalos possuídos dos orixás. É sua força e ascendência <strong>no</strong><br />

santo que seria o centro da presença de Hilária junto à<br />

comunidade, um peso de líder que se fortalece tanto na<br />

organização das jornadas de trabalho, como na preparação dos<br />

ranchos, embora ela nunca saísse neles.<br />

Ciata de Oxum — orixá que expressa a própria essência da<br />

mulher, patrona da sensualidade e da gravidez, protetora das<br />

crianças que ainda não falam, deusa das águas doces, da beleza e<br />

da riqueza. Na vida <strong>no</strong> santo e <strong>no</strong> trabalho, Ciata era festeira, não<br />

deixava de comemorar as festas dos orixás em sua casa da praça<br />

Onze, quando depois da cerimônia religiosa, freqüentemente<br />

antecedida pela missa cristã assistida na igreja, se armava o<br />

pagode. Nas danças dos orixás aprendera a mostrar o ritmo <strong>no</strong><br />

corpo, e, como relembra sua contemporânea, d. Carmem, “levava<br />

meia hora fazendo miudinho na roda”. Partideira, cantava com<br />

autoridade, respondendo os refrões nas festas que se<br />

desdobravam por dias, alguns participantes saindo para o<br />

trabalho e voltando, Ciata cuidando para que as panelas fossem<br />

sempre requentadas, para que o samba nunca morresse.<br />

Havia na época muita atenção da polícia às reuniões dos<br />

negros: tanto o samba como o candomblé seriam objetos de<br />

contínua perseguição, vistos como coisas perigosas, como marcas<br />

primitivas que deveriam ser necessariamente extintas, para que o<br />

ex-escravo se tornasse parceiro subalter<strong>no</strong> “que pega <strong>no</strong> pesado”<br />

de uma sociedade que hierarquiza sua multiculturalidade. Quanto<br />

às festas, que se tornam tradicionais na casa de Ciata, a<br />

respeitabilidade do marido, funcionário público depois ligado à<br />

própria polícia como burocrata, garante o espaço que, livre das<br />

batidas, se configura como local privilegiado para as reuniões. Um

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