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23.02.2013 Views

populares de dança, onde se cometeriam “gafes”. Com a fundação de uma das mais tradicionais gafieiras do Rio, ainda hoje funcionando num dos cantos do antigo Campo de Santana, na praça da República, o saudoso Júlio Simões, seu mitológico líder, cariocamente, devolveria a piada a denominando “Gafieira Elite Clube”. Aurélio Cavalcanti Pianista. In: Luiz Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro, Conquista, 1957, 5v., v.3,p.467. A polca, fazendo os casais dançarem enlaçados, sua permissividade avalizada pela origem européia, é lançada pelas companhias teatrais da praça Tiradentes, como suas partituras são oferecidas nas lojas de música do Centro. Sua semelhança na divisão rítmica com o lundu permite uma fusão nacional e sugere uma forma moderna de dançar que teria seu desdobramento no maxixe, numa experiência popular com a dança que ganhara tradição no Rio desde muito, a partir do batuque dos bantos, quando os dançarinos separados se tocavam e bailavam enlaçados na umbigada. A polca-lundu Quem não tem ciúmes não ama é anunciada pelo Jornal do Commercio de 1873 como “a ciumenta polca dos ciúmes, interessante, chistosa e de muita influência para dançar”, assim como a Mexidinha, “reimpressa a pedido geral”, e o “sucesso colossal é a quadrilha de velhas com suas cinco contradanças”, aparecendo com agrado nos vários âmbitos da cidade, sugerindo o surgimento de uma democrática e híbrida, negra mas multicultural, música popular brasileira moderna. Mas é o maxixe que se celebriza nesse Rio de Janeiro em transformação, como uma música associada a um modo de

dançar que, vinda de setores populares estigmatizados e mesmo do lumpezinato, da vida noturna carioca, é veiculada como um modismo já explicitamente por uma indústria cultural e, assim, atinge toda a cidade. Vinda dos bailes negros e das gafieiras da Cidade Nova, essa nova dança, marcada [pg. 79] pelas tradições corporais do negro e por sua sensualidade, passa a ocupar as fantasias dos homens das classes médias, e conseqüentemente a atrair a atenção da censura de costumes, fazendo parte de um tipo de divertimento urbano moderno que transcorre fora do âmbito da família. Como os cafés-concerto de francesas, nas elites abonadas o maxixe é consumido apenas pelos homens, preservadas as suas mulheres para situações de um lazer menos “escandaloso”, e mobilizadas para seu divertimento libidinoso fêmeas das classes inferiores. O maxixe, que começa a ser dançado com a música dos tangos brasileiros, outro importado parcialmente nacionalizado como a polca, é inicialmente também mais um jeito de dançar do que um gênero coreográfico específico. Entretanto, apesar dos estigmas e das proibições que eventualmente sofre em nome da moral pública, iria lentamente conquistar a cidade, sempre através de seu front, as revistas da praça Tiradentes. Com o sucesso do dançarino Duque em Paris, sofisticando seus passos elaborados e sensuais, o maxixe conquistaria definitivamente a capital, chegando até a ser compreendido como “manifestação da cultura nacional”. Seu ápice se dá na década de 20, continuando depois como coisa menor até ser definitivamente destronado pelo fox-trote e depois pelo samba, com o qual chega a se confundir em composições híbridas, como no caso do próprio Pelo telefone. O jornalista Francisco Duarte fala do maxixe e de seu sucessor, o samba, que encontram terreno ideal na Cidade Nova,

populares de dança, onde se cometeriam “gafes”. Com a fundação de uma das<br />

mais tradicionais gafieiras do <strong>Rio</strong>, ainda hoje funcionando num dos cantos do<br />

antigo Campo de Santana, na praça da República, o saudoso Júlio Simões,<br />

seu mitológico líder, cariocamente, devolveria a piada a de<strong>no</strong>minando “Gafieira<br />

Elite Clube”.<br />

Aurélio Cavalcanti<br />

Pianista. In: Luiz Edmundo, O <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro do meu tempo. <strong>Rio</strong> de Janeiro,<br />

Conquista, 1957, 5v., v.3,p.467.<br />

A polca, fazendo os casais<br />

dançarem enlaçados, sua<br />

permissividade avalizada pela<br />

origem européia, é lançada<br />

pelas companhias teatrais da<br />

praça Tiradentes, como suas<br />

partituras são oferecidas nas<br />

lojas de música do Centro. Sua<br />

semelhança na divisão rítmica<br />

com o lundu permite uma fusão<br />

nacional e sugere uma forma<br />

moderna de dançar que teria<br />

seu desdobramento <strong>no</strong> maxixe,<br />

numa experiência popular com<br />

a dança que ganhara tradição <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> desde muito, a partir do<br />

batuque dos bantos, quando os dançari<strong>no</strong>s separados se tocavam<br />

e bailavam enlaçados na umbigada. A polca-lundu Quem não tem<br />

ciúmes não ama é anunciada pelo Jornal do Commercio de 1873<br />

como “a ciumenta polca dos ciúmes, interessante, chistosa e de<br />

muita influência para dançar”, assim como a Mexidinha,<br />

“reimpressa a pedido geral”, e o “sucesso colossal é a quadrilha de<br />

velhas com suas cinco contradanças”, aparecendo com agrado <strong>no</strong>s<br />

vários âmbitos da cidade, sugerindo o surgimento de uma<br />

democrática e híbrida, negra mas multicultural, música popular<br />

brasileira moderna.<br />

Mas é o maxixe que se celebriza nesse <strong>Rio</strong> de Janeiro em<br />

transformação, como uma música associada a um modo de

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