no rastro da viola estudo sobre patrimônio cultural imaterial ... - UTP
no rastro da viola estudo sobre patrimônio cultural imaterial ... - UTP
no rastro da viola estudo sobre patrimônio cultural imaterial ... - UTP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
NO RASTRO DA VIOLA<br />
ESTUDO SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL<br />
POR MEIO DA MÚSICA SERTANEJA (1940 - 1960)<br />
INTRODUÇÃO<br />
A busca do homem por algo que o identifique e que o torne comum<br />
aos seus é fator primordial para a manutenção <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des humanas.<br />
Sendo naturalmente um ser social, o sentimento de pertencimento<br />
aliado à identificação com o grupo, os hábitos, usos, costumes, saberes<br />
e fazeres faz com que as comuni<strong>da</strong>des se reconheçam e se mantenham<br />
vivas ao longo dos tempos.<br />
Partindo deste pressuposto, podemos afirmar que a memória <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de e de suas manifestações culturais é que a torna singular?<br />
A transmissão de seus valores através <strong>da</strong>s gerações contribui para sua<br />
permanência e consoli<strong>da</strong>ção?<br />
A preservação <strong>da</strong> memória está intimamente liga<strong>da</strong> às<br />
representações simbólicas que o indivíduo tem <strong>sobre</strong> si mesmo<br />
(memória individual) e o meio em que vive (memórias coletivas). Esse<br />
aspecto <strong>da</strong> memória está relacionado com o conceito de identi<strong>da</strong>de, ou<br />
seja, com a <strong>no</strong>ção de pertencimento de um indivíduo em seu grupo. O<br />
reconhecimento de si próprio <strong>no</strong>s outros.<br />
Esse conceito <strong>no</strong>rteador de valorização <strong>da</strong>s vivências e <strong>da</strong>s<br />
memórias coletivas é o que permeia a ideia de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> e<br />
<strong>no</strong>s faz refletir <strong>sobre</strong> o passado <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des e a relevância para<br />
seu presente.<br />
Autor: Lilia Maria <strong>da</strong> Silva<br />
Orientadora: Valéria Floria<strong>no</strong><br />
Os lugares de memória, como definiu o historiador Pierre Nora,<br />
seriam “locais materiais ou imateriais <strong>no</strong>s quais se cristalizam as<br />
memórias familiares, de uma nação ou de um grupo” 1 . Nesse sentido<br />
um aroma, um sabor, uma música ou até mesmo um símbolo <strong>da</strong> pátria<br />
podem reavivar o sentimento de pertencimento em um indivíduo ou do<br />
grupo como um todo.<br />
Embora sejam conceitos interligados – memória e história –<br />
atuam em universos diferentes compondo a reconstrução de algo<br />
passado. A memória trabalha com a afetivi<strong>da</strong>de, o que significa<br />
registrar subjetivamente, de maneira individual ou coletiva fatos<br />
e acontecimentos marcantes para seu meio social. Já a história<br />
representa a reconstituição problematiza<strong>da</strong> e incompleta do passado<br />
na tentativa de reconstruir, sob diversos pontos de vista, os fatos<br />
ocorridos nas socie<strong>da</strong>des humanas2 .<br />
Nesse sentido, trabalhar com conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> é<br />
acima de tudo, a busca pelo conhecimento de uma comuni<strong>da</strong>de. Seus<br />
valores, seus bens tangíveis (móveis e imóveis) e intangíveis (saberes e<br />
fazeres) e tudo aquilo que a torna singular. A análise de suas referências<br />
culturais pode eluci<strong>da</strong>r questões de preservação, de hábitos e tradições<br />
assim como seu modo de vi<strong>da</strong>, seus rituais, religiões, usos e costumes.<br />
Para explorar melhor os âmbitos afetivo e social que identificam<br />
os indivíduos, utilizaremos como ferramenta de apoio à construção e<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 217<br />
| História | 2010
esgate de um <strong>patrimônio</strong>, a memória que como diz Jacques Le Goff<br />
tem a capaci<strong>da</strong>de de “presentificar o Passado” 3 .<br />
Conceitos como referências, identi<strong>da</strong>de, <strong>patrimônio</strong> e<br />
pertencimento também são importantes e bastante recorrentes quando<br />
o assunto é preservação do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> material e <strong>imaterial</strong> de<br />
uma socie<strong>da</strong>de.<br />
Como referencial teórico neste <strong>estudo</strong>, utilizaremos os autores:<br />
Françoise Choay e sua obra “Alegoria do Patrimônio”, que perpassa<br />
to<strong>da</strong> a construção do conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> e Eric Hobsbawm<br />
em “Invenção <strong>da</strong>s Tradições”, <strong>no</strong> qual o autor explora a ideia <strong>da</strong><br />
apropriação de antigas tradições para um <strong>no</strong>vo contexto e a invenção<br />
de tradições para legitimar elementos identitários.<br />
No presente trabalho, o capítulo inicial objetiva fazer uma análise<br />
<strong>da</strong> evolução do conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>. Iniciaremos os <strong>estudo</strong>s<br />
partindo <strong>da</strong> construção do conceito, surgido <strong>no</strong> período de 1789 para<br />
resguar<strong>da</strong>r bens e obras de arte <strong>da</strong> França e faremos um pa<strong>no</strong>rama até<br />
os dias atuais, quando são incluí<strong>da</strong>s a preservação e a salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
manifestações culturais dos povos.<br />
Ao longo de sua trajetória, o <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> incorporou sob sua<br />
responsabili<strong>da</strong>de a identificação, conservação e a proteção <strong>da</strong>s tradições<br />
e <strong>da</strong>s manifestações <strong>da</strong> cultura popular por meio de registros, inventários<br />
e suporte econômico para tais saberes, assim como a transmissão<br />
desses conhecimentos por meio <strong>da</strong> educação formal e informal.<br />
No segundo capítulo, buscamos responder a questão: A música<br />
sertaneja pode ser vista como <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong> de uma<br />
socie<strong>da</strong>de? E a construção desse gênero musical, que aos poucos foi<br />
incorporado ao ambiente urba<strong>no</strong>, pode ser trata<strong>da</strong> como resgate de<br />
tradições e elemento identitário <strong>da</strong> cultura brasileira?<br />
Utilizando como referencial as déca<strong>da</strong>s de 1940 a 1960, ou seja, o<br />
apogeu do rádio, procuramos responder e interpretar essas questões.<br />
Além disso, buscamos rever a trajetória <strong>da</strong> carreira e <strong>da</strong> produção<br />
artística dos músicos Belarmi<strong>no</strong> e Gabriela e a relevância de sua obra<br />
para a formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de musical paranaense.<br />
Durante sua longa carreira, com músicas de versos simples e humor<br />
i<strong>no</strong>cente, a dupla consolidou a imagem do sertanejo, do caipira sulista.<br />
A expressão de sua arte consistia na valorização do homem do campo,<br />
de seu jeito simples e trabalhador, de sua responsabili<strong>da</strong>de diante<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do meio ambiente. Em vários momentos de sua trajetória<br />
artística, o casal de músicos consolidou a figura do caboclo, mostrando<br />
as diferentes faces do Paraná rural.<br />
1 MUITO ALÉM DO EDIFICADO<br />
A construção de um conceito é um processo contínuo de<br />
descobertas, análises, interpretações e deduções. Essa dinâmica faz<br />
com que as definições sejam revistas e amplia<strong>da</strong>s constantemente.<br />
Com o conceito de Patrimônio Cultural não poderia ser diferente. As<br />
discussões <strong>sobre</strong> a salvaguar<strong>da</strong>, preservação e conservação dos bens<br />
patrimoniais estão em constante processo de aprimoramento.<br />
Inicialmente proposto para resguar<strong>da</strong>r os bens edificados e as<br />
obras de arte de relevância nacional na França, o conceito de Patrimônio<br />
Cultural tomou proporções mundiais e ampliou seus horizontes para<br />
questionamentos muito maiores. Nesse sentido, pretenderamse<br />
incluir os bens representativos <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, os modos de<br />
vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações e os espaços de convivências e sociabili<strong>da</strong>de<br />
(exemplos de moradias, praças, mercados, etc.) de valor simbólico ou<br />
real que traduzissem sentimentos de pertencimento e apropriações<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 218<br />
| História | 2010
identitárias <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des em questão e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de como um<br />
todo.<br />
Este capítulo inicial, objetiva fazer um pa<strong>no</strong>rama <strong>sobre</strong> a construção<br />
desse conceito. Serão abor<strong>da</strong>dos os <strong>estudo</strong>s iniciados com a Revolução<br />
Francesa para proteger os monumentos históricos e obras de arte<br />
como ícones representativos <strong>da</strong> França e posteriormente a elaboração<br />
e a construção do conceito <strong>no</strong> Brasil.<br />
Ao discorrer <strong>sobre</strong> a atuali<strong>da</strong>de, o capítulo buscou as discussões<br />
mais recentes <strong>sobre</strong> salvaguar<strong>da</strong> e a conservação dos bens patrimoniais<br />
de naturezas tangível e intangível, bem como os instrumentos legais de<br />
proteção e registro desses bens.<br />
1.1 Sobre a ideia de <strong>patrimônio</strong><br />
A ampla varie<strong>da</strong>de de definições existentes <strong>sobre</strong> <strong>patrimônio</strong> torna<br />
o conceito multifacetado. Dessa forma, para que se possa chegar a um<br />
consenso são necessárias à análise, a comparação e a interpretação<br />
dos <strong>estudo</strong>s já existentes. A palavra <strong>patrimônio</strong> remete a um conceito<br />
“nômade” 4 , que pode diversificar seu sentido conforme é emprega<strong>da</strong><br />
para determinar algo de valor. A expressão qualifica<strong>da</strong> e requalifica<strong>da</strong>, por<br />
adjetivos genético, natural ou histórico, assume diferentes concepções<br />
que remetem a valores materiais ou simbólicos. O termo vem dos<br />
vocábulos pater (chefe de família, <strong>no</strong>ssos antepassados) e <strong>no</strong>mos (lei,<br />
uso, costumes relacionados à origem de uma socie<strong>da</strong>de) alguma coisa<br />
a ser preserva<strong>da</strong>, valoriza<strong>da</strong> e conserva<strong>da</strong> para que não se perca. A<br />
ideia pressupõe herança, riqueza, bens her<strong>da</strong>dos, enfim, to<strong>da</strong> sorte de<br />
elementos que sejam merecedores de cui<strong>da</strong>dos e proteção.<br />
Por ser muito abrangente, a <strong>no</strong>ção transita por diversas áreas do<br />
conhecimento. Nas ciências biológicas, por exemplo:<br />
Patrimônio genético são informações genéticas apresenta<strong>da</strong>s em<br />
forma de moléculas, substâncias metabólicas e extratos retirados<br />
de organismos com ou sem vi<strong>da</strong> que possuem amostras de<br />
materiais de espécies vegetais, fúngicos, microbia<strong>no</strong>s ou animal<br />
que foram coletados em um território nacional 5 .<br />
Além disso, é o <strong>patrimônio</strong> genético que identifica os fatores<br />
determinantes de ca<strong>da</strong> espécie.<br />
Na Ecologia, observa-se o uso do termo para designar os<br />
recursos naturais constituintes <strong>da</strong> paisagem, abrange rios, cachoeiras,<br />
depressões, montanhas, etc., se encaixam nesta concepção todos os<br />
elementos <strong>da</strong> natureza significativos para a Humani<strong>da</strong>de6 .<br />
Nas Ciências Humanas, <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> refere-se ao conjunto<br />
de criações realiza<strong>da</strong>s por um povo, faz parte de um processo dinâmico<br />
de uma cultura onde a criativi<strong>da</strong>de se expressa continuamente, de<br />
maneira viva e varia<strong>da</strong>. Abrange processos, práticas, os atores e suas<br />
ações. O conceito explora um universo simbólico representado por<br />
determina<strong>da</strong>s ações e bens de uma comuni<strong>da</strong>de. Está intimamente<br />
ligado à construção de uma memória coletiva e busca fortalecer uma<br />
identi<strong>da</strong>de nacional, que justifica a proteção e preservação dos bens<br />
eleitos7 .<br />
Dentro desse conceito, o contato permanente com as origens<br />
e a convivência nessa comuni<strong>da</strong>de provoca um sentimento de<br />
pertencimento e constrói uma identi<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong>, tornando essa<br />
socie<strong>da</strong>de única e distinta de qualquer outra. Nesse sentido, a distinção<br />
dos bens propostos à preservação varia conforme é atribuí<strong>da</strong> a idéia<br />
de “valor” ao bem e serve de base para a compreensão do modo como<br />
é constituído o conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>8 .<br />
Essa concepção de “valor” pode variar conforme a representação<br />
que o bem tem para a comuni<strong>da</strong>de. No caso de <strong>patrimônio</strong>s históricos<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 219<br />
| História | 2010
além do valor artístico, <strong>cultural</strong>, et<strong>no</strong>gráfico e o edificado, o valor<br />
nacional, ou seja, sua representativi<strong>da</strong>de para a nação e o universo<br />
simbólico que o permeia são as justificativas para sua preservação9 .<br />
O valor monetário e o valor de uso também estão implícitos <strong>no</strong>s bens<br />
patrimoniais edificados, <strong>da</strong>í sua relevância para a comuni<strong>da</strong>de.<br />
Em relação às obras de arte como um bem patrimonial, destacamos<br />
as palavras de Guilio Carlo Argan:<br />
Uma vez que as obras de arte são coisas às quais está relacionado<br />
um valor, há duas maneiras de tratá-las. Pode-se ter preocupação<br />
pelas coisas: procurá-las, identificá-las, classificá-las, conserválas,<br />
restaurá-las, exibi-las, comprá-las, vendê-las; ou, então, podese<br />
ter em mente o valor: pesquisar em que ele consiste, como se<br />
gera e transmite, se reconhece e se usufrui. 10<br />
A autora Françoise Choay, em sua obra “Alegoria do Patrimônio”,<br />
define <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> e seu correlato o <strong>patrimônio</strong> histórico11 ,<br />
como sendo:<br />
um bem destinado ao usufruto <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que se ampliou a<br />
dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma<br />
diversi<strong>da</strong>de de objetos que se congregam por seu passado comum:<br />
obras e obras-primas <strong>da</strong>s belas artes e <strong>da</strong>s artes aplica<strong>da</strong>s, trabalhos<br />
e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres huma<strong>no</strong>s. 12<br />
Nas palavras de Carlos Lemos, encontramos a definição de<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> como sendo “todo elenco de bens de<strong>no</strong>minados<br />
culturais” 13 . Em seu texto, o autor cita a classificação do professor<br />
francês Huges de Varine-Boham que sugere dividir o conceito de<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> em três grandes categorias: <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong><br />
natural, que engloba os elementos pertencentes ao meio ambiente;<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> não tangível que se refere ao conhecimento,<br />
às técnicas, ao saber e ao fazer, compreende to<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de<br />
<strong>sobre</strong>vivência do homem em seu meio e <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> tangível,<br />
que reúne objetos, construções, artefatos, enfim to<strong>da</strong> sorte de coisas<br />
obti<strong>da</strong>s a partir do meio ambiente e do saber fazer.<br />
Tendo em mente as <strong>no</strong>ções diferencia<strong>da</strong>s de <strong>patrimônio</strong> e os valores<br />
<strong>cultural</strong>/monetário, simbólico/específico que o simbolizam além de<br />
sua representativi<strong>da</strong>de para a construção de uma identi<strong>da</strong>de nacional,<br />
o Estado busca proteger os chamados bens patrimoniais culturais por<br />
meio de mecanismos legais de preservação e salvaguar<strong>da</strong>.<br />
1.2 A trajetória do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong><br />
A preservação de bens patrimoniais de valor mais simbólico que<br />
material como prática relaciona<strong>da</strong> ao processo de construção de uma<br />
identi<strong>da</strong>de nacional é uma prática dos Estados moder<strong>no</strong>s14 .<br />
Durante a Revolução Francesa, o conceito de <strong>patrimônio</strong> nacional<br />
surgiu para “responder à urgência de salvar <strong>da</strong> rapinagem e <strong>da</strong><br />
destruição os imóveis e as obras de arte, antes pertencentes ao clero<br />
e à <strong>no</strong>breza, que foram transformados em proprie<strong>da</strong>des do Estado” 15 .<br />
A escolha desses bens representativos de uma identi<strong>da</strong>de nacional<br />
esteve a cargo de uma elite que, mesmo não sendo forma<strong>da</strong> por<br />
aristocratas, não queriam ver destruí<strong>da</strong>s as riquezas <strong>da</strong> França.<br />
Ao longo do séc. XIX, apoiados pelos ideais de valorização <strong>da</strong> nação<br />
e por meio <strong>da</strong> construção de uma identi<strong>da</strong>de coletiva, os países europeus<br />
organizaram instrumentos eficazes para a seleção, a salvaguar<strong>da</strong> e a<br />
conservação dos seus <strong>patrimônio</strong>s nacionais, até então compostos por<br />
objetos de arte e edificações que ilustravam a concepção de monumento<br />
histórico, destacando a riqueza <strong>da</strong>s nações. 16<br />
Durante muito tempo, o conceito de <strong>patrimônio</strong> esteve ligado<br />
somente à preservação, conservação e salvaguar<strong>da</strong> de bens<br />
edificados. Pensa<strong>da</strong> em princípio para a conservação desses bens, a<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 220<br />
| História | 2010
prática ocidental de proteção ao <strong>patrimônio</strong>, não englobava as <strong>no</strong>vas<br />
discussões de proteção às práticas culturais dos povos.<br />
Somente a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930 é que alguns estudiosos,<br />
preocupados com o crescimento urba<strong>no</strong>, começaram a refletir <strong>sobre</strong><br />
a preservação e a conservação dos monumentos e de seu entor<strong>no</strong>.<br />
Arqueólogos, historiadores, arquitetos e vários outros profissionais<br />
de diferentes áreas do conhecimento começaram a realizar simpósios<br />
para chamar a atenção para a conservação do meio e <strong>da</strong>s culturas<br />
locais onde os monumentos históricos estavam localizados.<br />
A partir de <strong>no</strong>vembro de 1945, a Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) engajou-se nesse<br />
campo e passou a promover reflexões <strong>sobre</strong> estratégias pacíficas de<br />
desenvolvimento, em particular nas áreas de Ciências Naturais, Humanas<br />
e Sociais, <strong>da</strong> Cultura, <strong>da</strong> Comunicação, <strong>da</strong> Educação e <strong>da</strong> Informação17 .<br />
Mesmo com uma proposta muito abrangente, nem todos os<br />
países aderiram às proposições <strong>da</strong> Unesco. Desde sua criação, a<br />
enti<strong>da</strong>de conseguiu reunir vários países visando intermediar conflitos<br />
e salvaguar<strong>da</strong>r os bens culturais e naturais <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Em 1972,<br />
a Unesco conseguiu mobilizar 148 países em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> preservação<br />
do <strong>patrimônio</strong> natural e <strong>cultural</strong> <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de – “Convenção do<br />
Patrimônio Mundial” 18 .<br />
Além desse documento, outros <strong>da</strong> mesma natureza foram<br />
elaborados sempre com o objetivo de refletir <strong>sobre</strong> a questão<br />
patrimonial. Tais diretrizes, resultantes de conferências realiza<strong>da</strong>s ao<br />
longo do século XX, converteram-se em instrumentos <strong>no</strong>rmativos para<br />
a reflexão e a conservação dos bens.<br />
Esses documentos são comumente chamados de cartas<br />
patrimoniais. Os mais conhecidos são a “Carta de Veneza” (1964),<br />
a “Declaração de Amsterdã” (1975), a “Declaração do México”<br />
(1982) que fixaram <strong>no</strong>vos padrões para a restauração, conservação e<br />
preservação de bens patrimoniais.<br />
Tendo em vista o propósito inicial <strong>da</strong> Unesco, é interessante<br />
destacar como, <strong>no</strong> decorrer do século XX, a proposta ampliou-se<br />
significativamente de forma que abrangeu, não apenas o <strong>patrimônio</strong><br />
histórico, <strong>cultural</strong>, paisagístico e natural <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, como também<br />
construções mais simples e integra<strong>da</strong>s ao dia-a-dia <strong>da</strong>s populações<br />
(exemplos de moradias, mercados, praças, espaços de convivência,<br />
etc.) e, mais recentemente, os bens culturais de natureza intangível<br />
(como conhecimentos, práticas e técnicas populares) 19 .<br />
1.3 O <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong> – resgate e proteção<br />
Ao se trabalhar com o conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>, é preciso,<br />
antes de tudo, esclarecer que várias expressões definem o conjunto<br />
desses bens culturais. Entendendo que <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>, intangível,<br />
cultura <strong>imaterial</strong>, cultura tradicional e popular e <strong>patrimônio</strong> oral possam<br />
compor essa definição, iremos utilizar, em certa medi<strong>da</strong>, os termos<br />
propostos como sinônimos.<br />
A Unesco, na “Convenção para a Salvaguar<strong>da</strong> do Patrimônio<br />
Imaterial” formula<strong>da</strong> em 2003, definiu <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong> ou intangível<br />
como sendo:<br />
[...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e<br />
técnicas – junto com instrumentos, objetos, artefatos e lugares<br />
culturais que lhes são associados – que as comuni<strong>da</strong>des, os<br />
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte<br />
integrante de seu <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>. 20<br />
Com esse documento, a Unesco iniciou um <strong>no</strong>vo olhar <strong>sobre</strong> a<br />
diversi<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong> e em conjunto com diversos órgãos governamentais<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 221<br />
| História | 2010
e socie<strong>da</strong>de civil passou a discutir propostas e ações de valorização, resgate<br />
e preservação <strong>da</strong>s manifestações culturais, assegurando a plurali<strong>da</strong>de<br />
<strong>cultural</strong>, a heterogenei<strong>da</strong>de e a identi<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong> de ca<strong>da</strong> povo.<br />
[...] esse <strong>patrimônio</strong> se constitui de um conjunto de formas de<br />
cultura tradicional e popular ou folclórica, ou seja, as “obras<br />
coletivas” que emanam de uma cultura e se fun<strong>da</strong>mentam nas<br />
tradições transmiti<strong>da</strong>s oralmente ou a partir de expressões gestuais<br />
que podem sofrer modificações <strong>no</strong> decorrer do tempo por meio de<br />
processos de recriação coletiva. 21<br />
Nesse sentido, a Unesco ressalta também o apreço e a importância<br />
dos processos de interação que transformam e ressignificam os bens<br />
imateriais. Dessa forma, é estabelecido um constante processo de<br />
identificação e pertencimento do grupo com sua cultura <strong>imaterial</strong>. Além<br />
disso, a Unesco ain<strong>da</strong> adverte: “a humani<strong>da</strong>de empobrece quando se<br />
ig<strong>no</strong>ra ou se destrói a cultura de um grupo determinado” 22 .<br />
Contudo, essa reflexão <strong>sobre</strong> a valorização do conhecimento<br />
e a transmissão <strong>da</strong>s práticas culturais como forma de preservação<br />
dos saberes e fazeres tradicionais não nasceu em países europeus.<br />
Mas sim, <strong>no</strong>s países chamados “terceiro mundistas” como reação à<br />
Convenção <strong>da</strong> Unesco <strong>sobre</strong> a Salvaguar<strong>da</strong> do Patrimônio Mundial,<br />
Cultural e Natural em 1972, que contemplava somente os bens móveis<br />
e imóveis, conjuntos arquitetônicos e sítios urba<strong>no</strong>s ou naturais23 .<br />
O documento de 1972 impulsio<strong>no</strong>u discussões e a mobilização de<br />
vários países liderados pela Bolívia, que solicitavam formalmente à<br />
Unesco, a realização de <strong>estudo</strong>s que apontassem formas jurídicas de<br />
proteção às manifestações <strong>da</strong> cultura tradicional e popular como um<br />
importante aspecto do Patrimônio Cultural <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de.<br />
Por meio dessas reivindicações, os países conseguiram mecanismos<br />
com vistas à proteção <strong>da</strong> cultura tradicional e suas práticas. Entre o que<br />
pleiteavam talvez o mais importante tenha resultado <strong>da</strong> “Conferência<br />
Mundial <strong>sobre</strong> as Políticas Culturais” realiza<strong>da</strong> em Mondiacult (México)<br />
em 1982, <strong>da</strong><strong>da</strong> a relevância atribuí<strong>da</strong> às relações entre a cultura e a<br />
identi<strong>da</strong>de dos povos24 .<br />
Os membros <strong>da</strong> conferência, afirmavam que cultura e identi<strong>da</strong>de<br />
eram indissociáveis e nessa concepção a essência seria a multiplici<strong>da</strong>de<br />
<strong>cultural</strong> onde coexistem diversas tradições. Dentro desse conceito a<br />
cultura era considera<strong>da</strong> como:<br />
um “conjunto dos traços distintivos espirituais, materiais,<br />
intelectuais e afetivos” que distinguiam “uma socie<strong>da</strong>de e um<br />
grupo social”, abarcando “além <strong>da</strong>s artes e <strong>da</strong>s letras, os modos<br />
de vi<strong>da</strong>, os direitos fun<strong>da</strong>mentais do ser huma<strong>no</strong>, os sistemas de<br />
valores, as tradições e as crenças”. 25<br />
Nesses países e <strong>no</strong> mundo oriental, muito mais significativo que os<br />
bens materiais em si, são valoriza<strong>da</strong>s as expressões do conhecimento<br />
tradicional, as práticas e os processos culturais. Mais importante que<br />
a edificação de um templo é o saber empregado em sua construção.<br />
“O conhecimento empregado para a produção do bem é a vivência <strong>da</strong><br />
tradição <strong>no</strong> presente” 26 . De acordo com essa concepção, as pessoas que<br />
detém o conhecimento, preservam e transmitem as tradições, tornandose<br />
mais importantes que o bem produzido ou seja, que o produto final.<br />
Como resposta a essas reivindicações, em 1989 a Unesco aprovou<br />
a “Recomen<strong>da</strong>ção <strong>sobre</strong> a Salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Cultura Tradicional e<br />
Popular”, que recomen<strong>da</strong>va aos países membros:<br />
[...] a identificação, a salvaguar<strong>da</strong>, a conservação, a difusão<br />
e a proteção <strong>da</strong> cultura tradicional e popular, por meio de<br />
registros, inventários, suporte econômico, introdução do seu<br />
conhecimento <strong>no</strong> sistema educativo, documentação e proteção à<br />
proprie<strong>da</strong>de intelectual dos grupos detentores de conhecimentos<br />
tradicionais. 27<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 222<br />
| História | 2010
Entre os direitos culturais resguar<strong>da</strong>dos por este documento,<br />
estavam: os direitos autorais, o direito à participação na vi<strong>da</strong> <strong>cultural</strong><br />
(criação e fruição), o direito à difusão, o direito à identi<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong><br />
(ou de proteção ao <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>) e o direito à cooperação<br />
<strong>cultural</strong> internacional. Entre esses, o direito autoral foi o primeiro<br />
a ser reconhecido, pois esteve ligado de certa forma aos ideais<br />
revolucionários de movimentos na Inglaterra (1688 – Revolução<br />
Gloriosa), <strong>no</strong>s Estados Unidos (1776 - Independência), na França<br />
(1789 – Revolução Francesa), todos esses movimentos contribuíram<br />
para o reconhecimento <strong>da</strong> criação intelectual e artística como uma <strong>da</strong>s<br />
mais autênticas proprie<strong>da</strong>des individuais. 28<br />
O documento, ain<strong>da</strong> dentro de suas especifici<strong>da</strong>des, conceituou a<br />
cultura popular:<br />
A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam<br />
de uma comuni<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong> fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na tradição, expressa<strong>da</strong>s por<br />
um grupo ou por indivíduos e que reconheci<strong>da</strong>mente correspondem<br />
às expectativas <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de como expressão de sua identi<strong>da</strong>de<br />
<strong>cultural</strong> e social; as <strong>no</strong>rmas e os valores se transmitem oralmente,<br />
por repetição ou de outras maneiras. Suas formas compreendem,<br />
entre outras, a língua, a literatura, a música, a <strong>da</strong>nça, os jogos, a<br />
mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e<br />
outras artes 29 .<br />
Mesmo após a aprovação <strong>da</strong> “Recomen<strong>da</strong>ção”, poucos foram os<br />
países que se empenharam em criar instrumentos de proteção ao seu<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. Como iniciativa à preservação <strong>da</strong> cultura popular,<br />
a Unesco propôs três linhas de trabalho: os Tesouros Huma<strong>no</strong>s Vivos,<br />
as Línguas em Perigo <strong>no</strong> Mundo e a Música Tradicional.<br />
Um desses exemplos de preocupação com a cultura <strong>imaterial</strong> foi<br />
posto em prática pela França por meio do sistema “Maîtres d’Art” que<br />
apoiava mestres de ofícios tradicionais com o propósito de transmissão de<br />
seus conhecimentos para as <strong>no</strong>vas gerações. Outro exemplo foi o Brasil<br />
que, depois de várias discussões e experiências realiza<strong>da</strong>s nas déca<strong>da</strong>s<br />
de 1930, 1970 e 1980, expressou uma maior abrangência do conceito de<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>no</strong>s artigos 215 e 216 <strong>da</strong> Constituição brasileira:<br />
Art. 215. O Estado garantirá a todos o ple<strong>no</strong> exercício dos direitos<br />
culturais e acesso às fontes <strong>da</strong> cultura nacional, e apoiará e<br />
incentivará a valorização e a difusão <strong>da</strong>s manifestações culturais.<br />
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações <strong>da</strong>s culturas populares,<br />
indígenas e afro-brasileiras, e <strong>da</strong>s de outros grupos participantes<br />
do processo civilizatório nacional. 30<br />
Art. 216 - Constituem <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> brasileiro os bens de<br />
natureza material e <strong>imaterial</strong>, tomados individualmente ou em<br />
conjunto, portadores de referência à identi<strong>da</strong>de, à ação, à memória<br />
dos diferentes grupos formadores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, <strong>no</strong>s<br />
quais se incluem:<br />
I. as formas de expressão;<br />
II. os modos de criar, fazer e viver;<br />
III. as criações científicas, artísticas e tec<strong>no</strong>lógicas;<br />
IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços<br />
destinados às manifestações artístico – culturais;<br />
V. os conjuntos urba<strong>no</strong>s e sítios de valor histórico, paisagístico,<br />
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 31<br />
Nesses artigos também ficaram evidentes as necessi<strong>da</strong>des de<br />
se elaborar outras formas de acautelamento e preservação, além do<br />
tombamento para as formas de expressão <strong>da</strong> cultura tradicional e popular.<br />
As ações mais recomen<strong>da</strong><strong>da</strong>s entre organismos internacionais e<br />
que se mostraram mais eficientes para a preservação do <strong>patrimônio</strong><br />
intangível foram o inventário, o registro (escritos, so<strong>no</strong>ros, visuais, etc),<br />
a documentação e o apoio financeiro (suporte econômico a ativi<strong>da</strong>des<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 223<br />
| História | 2010
vincula<strong>da</strong>s aos detentores dos conhecimentos) para que possam fazer<br />
a difusão do conhecimento <strong>sobre</strong> as manifestações e por fim, proteção<br />
à proprie<strong>da</strong>de intelectual32 .<br />
Mais recentemente, o Estado brasileiro instituiu por meio do<br />
Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000, o registro do <strong>patrimônio</strong><br />
<strong>imaterial</strong>, onde:<br />
Art. 1 o Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza<br />
Imaterial que constituem <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> brasileiro.<br />
§ 1 o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:<br />
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos<br />
e modos de fazer enraizados <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des;<br />
II - Livro de Registro <strong>da</strong>s Celebrações, onde serão inscritos rituais e<br />
festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de,<br />
do entretenimento e de outras práticas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social;<br />
III - Livro de Registro <strong>da</strong>s Formas de Expressão, onde serão inscritas<br />
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;<br />
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados,<br />
feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e<br />
reproduzem práticas culturais coletivas.<br />
§ 2 o A inscrição num dos livros de registro terá sempre como<br />
referência a continui<strong>da</strong>de histórica do bem e sua relevância nacional<br />
para a memória, a identi<strong>da</strong>de e a formação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira.<br />
§ 3 o Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição<br />
de bens culturais de natureza <strong>imaterial</strong> que constituam <strong>patrimônio</strong><br />
<strong>cultural</strong> brasileiro e não se enquadrem <strong>no</strong>s livros definidos <strong>no</strong><br />
parágrafo primeiro deste artigo. 33<br />
1.4 O PATRIMÔNIO NO BRASIL<br />
No Brasil, o Patrimônio Cultural como objeto de <strong>estudo</strong> e<br />
preservação é relativamente recente. Foi a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
do século XX, com o advento do Modernismo 34 , proveniente de países<br />
europeus, que os intelectuais e artistas <strong>da</strong> época se engajaram<br />
<strong>no</strong> movimento que iria repercutir muito mais do que o inicialmente<br />
proposto.<br />
Na conjuntura do momento político e social brasileiro, o Modernismo<br />
surgiu como crítica social <strong>da</strong> época. Mais que um movimento artístico,<br />
assumiu uma atitude de ruptura com as idéias políticas e a ordem<br />
social do início do século.<br />
Caracterizado inicialmente como um movimento artístico, o<br />
Modernismo sensibilizou diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira<br />
e se propunha a resgatar uma identi<strong>da</strong>de nacional ain<strong>da</strong> ig<strong>no</strong>ra<strong>da</strong><br />
pelas classes dominantes. Rompendo com o caráter formal <strong>da</strong><br />
literatura barroca e sem aceitar o formalismo acadêmico, a missão<br />
do modernismo era repensar a função social <strong>da</strong> arte35 . Dentro desse<br />
contexto, os modernistas buscavam resgatar nas manifestações <strong>da</strong>s<br />
tradições populares, como dizia seu maior expoente o poeta Mário de<br />
Andrade, a ver<strong>da</strong>deira “alma nacional”.<br />
Esta busca por referências culturais genuinamente brasileiras, fez<br />
com que os modernistas voltassem seus olhos para a cultura popular,<br />
tentando encontrar de fato, subsídios para o resgate <strong>da</strong> tradição. Assim<br />
eles buscavam na particulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> produção<br />
artística brasileira seu caráter universal – a identi<strong>da</strong>de nacional.<br />
Ao se alinharem às ideias vanguardistas européias, os artistas e<br />
escritores brasileiros deram início a um movimento que se enraizaria<br />
por vários setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Arquitetos, músicos, jornalistas, etc.,<br />
os profissionais modernistas não romperam somente com uma tradição<br />
estética, romperam também com uma tradição <strong>cultural</strong> européia de<br />
produção colonial, passadista e severamente acadêmica36 .<br />
Dentro do Modernismo brasileiro, existiram várias correntes de<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 224<br />
| História | 2010
pensamento. Os conservadores se concentravam <strong>no</strong> grupo católico.<br />
Outro grupo se envolveu mais profun<strong>da</strong>mente com a militância política,<br />
esses grupos eram anti-revolucionários e temiam a anarquia e as<br />
ideologias de esquer<strong>da</strong>. Na semana de 22, o modernismo se apresenta<br />
como antiburguês. A Antropofagia, outra <strong>da</strong>s correntes modernistas,<br />
teve na pintura de Tarsila do Amaral sua maior <strong>no</strong>torie<strong>da</strong>de. Grupos<br />
locais, de expressão literária regional também chamavam a atenção<br />
para as expressões <strong>da</strong> cultura local37 .<br />
Com trânsito livre entre as diversas correntes do movimento,<br />
Mário de Andrade foi, sem dúvi<strong>da</strong>, o maior incentivador do resgate <strong>da</strong><br />
cultura nacional e um precursor <strong>da</strong> discussão <strong>sobre</strong> preservação do<br />
<strong>patrimônio</strong> histórico.<br />
Durante a déca<strong>da</strong> de 1920, vários projetos de lei em relação à<br />
proteção do <strong>patrimônio</strong> nacional suscitaram o comprometimento do<br />
Estado em relação à proteção dos bens nacionais. Dentre eles o do<br />
deputado pernambuca<strong>no</strong> Luiz Cedro, em 1923, que propunha a criação<br />
de uma “Inspetoria dos Monumentos Históricos dos Estados Unidos do<br />
Brasil para o fim de conservar os imóveis públicos ou particulares, que<br />
do ponto <strong>da</strong> história ou <strong>da</strong> arte revistam um interesse nacional”. Em<br />
1924, o poeta e deputado Augusto de Lima, representante de Minas<br />
Gerais, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto cujo objetivo<br />
era proibir a saí<strong>da</strong> de obras de arte brasileiras para o estrangeiro.<br />
Em 1925, Fernando de Mello Vianna, então presidente de Minas<br />
Gerais, organizou uma comissão para impedir que o <strong>patrimônio</strong> <strong>da</strong>s<br />
velhas ci<strong>da</strong>des mineiras se consumisse pelo efeito do comércio de<br />
antigui<strong>da</strong>des38 . Nesse mesmo a<strong>no</strong>, o jurista Jair Lins propôs que “os<br />
bens móveis ou imóveis, por natureza ou desti<strong>no</strong>, cuja conservação<br />
possa interessar a coletivi<strong>da</strong>de, devido a motivo de ordem histórica<br />
ou artística, serão catalogados, total ou parcialmente, na forma desta<br />
lei e, <strong>sobre</strong> eles, a União ou os Estados passarão a ter direito de<br />
preferência” 39 . O deputado baia<strong>no</strong> José Vanderlei de Araújo Pinho<br />
também falou deles ao incluir “livros raros ou antigos, os incunábulos,<br />
códices e manuscritos de valor lítero-histórico ou artístico”. 40<br />
Esses projetos apresentados ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920, serviram<br />
de inspiração para vários outros, embora nenhum tenha sido aprovado,<br />
pois, esbarravam <strong>no</strong> direito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, assegura<strong>da</strong> pela<br />
Constituição41 .<br />
Em 1936, já enfronhado <strong>no</strong> âmbito <strong>da</strong>s políticas públicas, devido<br />
à sua experiência <strong>no</strong> Departamento de Cultura <strong>da</strong> Prefeitura de São<br />
Paulo e a pedido de Gustavo Capanema, então ministro <strong>da</strong> Educação<br />
e Saúde, Mário de Andrade propôs um anteprojeto que, já de início,<br />
mostrava-se diferente dos modelos europeus.<br />
Especificamente o grande diferencial de seu texto encontrava-se<br />
na definição de Patrimônio Artístico Nacional como sendo “to<strong>da</strong>s as<br />
obras de arte pura ou de arte aplica<strong>da</strong>, popular ou erudita, nacional ou<br />
estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, e a organismos sociais<br />
e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes <strong>no</strong><br />
Brasil” 42 . Percebe-se que o texto do anteprojeto abrangia uma imensa<br />
gama de representações do conceito de arte. Nesse sentido, ele<br />
mesmo explicava o conceito como:<br />
arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a<br />
habili<strong>da</strong>de com que o engenho huma<strong>no</strong> se utiliza <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong>s<br />
coisas e dos fatos”. Em seu projeto Mário de Andrade agrupava as<br />
obras de arte em oito categorias:<br />
Arte arqueológica;<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 225<br />
| História | 2010<br />
1.<br />
2.<br />
Arte ameríndia;
3.<br />
4.<br />
5.<br />
6.<br />
7.<br />
8.<br />
Arte popular;<br />
Arte histórica;<br />
Arte erudita nacional;<br />
Arte erudita estrangeira;<br />
Artes aplica<strong>da</strong>s nacionais,<br />
Artes eruditas estrangeiras<br />
Mesmo sendo uma excelente proposta, em que Mário de Andrade<br />
conseguiu incluir a quase totali<strong>da</strong>de de representações culturais brasileiras,<br />
nas quais seriam preservados exemplares edificados representativos <strong>da</strong><br />
história do país, construções representativas dos modos de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des, bens patrimoniais naturais e paisagísticos, vocabulários,<br />
cantos, <strong>da</strong>nças, indumentária, modos de fazer e saberes oriundos <strong>da</strong><br />
tradição nacional, o anteprojeto nunca conquistou força de lei. Talvez<br />
devido aos parcos recursos financeiros destinados ao projeto ou por não<br />
contar com uma estrutura administrativa que pudesse manter a grande<br />
abrangência <strong>da</strong> proposta.<br />
Contudo, a gênese de um órgão especificamente voltado às<br />
questões patrimoniais, foi apresenta<strong>da</strong> em uma primeira versão <strong>no</strong><br />
anteprojeto de Mário de Andrade e somente efetiva<strong>da</strong> em 1937, <strong>no</strong><br />
decreto lei nº25 de autoria de Rodrigo M. F. de Andrade quando o<br />
Ministério de Educação e Saúde criou o SPHAN, Serviço do Patrimônio<br />
Histórico e Artístico Nacional, sob a direção do mesmo autor <strong>da</strong> lei.<br />
Nesta segun<strong>da</strong> versão o <strong>patrimônio</strong> nacional foi definido como:<br />
43<br />
[...] o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes <strong>no</strong> país e cuja<br />
conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a<br />
fatos memoráveis <strong>da</strong> história do Brasil, quer por seu excepcional<br />
valor arqueológico ou et<strong>no</strong>gráfico, bibliográfico ou artístico 44 .<br />
Já de imediato é possível perceber que a proposta do poeta<br />
modernista foi bastante altera<strong>da</strong> e dessa forma o <strong>patrimônio</strong> não<br />
contemplava nem o conhecimento nem as tradições populares, ou seja,<br />
a cultura <strong>imaterial</strong> ficava de fora <strong>da</strong> proteção do Estado.<br />
Além dos intelectuais Mário de Andrade e Rodrigo M.F. de<br />
Andrade, participaram do SPHAN, grandes <strong>no</strong>mes <strong>da</strong> cultura nacional.<br />
Entre eles podemos citar: Lúcio Costa (arquiteto), Carlos Drummond<br />
de Andrade, Afonso Ari<strong>no</strong>s de Melo Franco, Prudente de Moraes<br />
Neto, Manuel Bandeira, além <strong>da</strong> incontável amizade e participação do<br />
jornalista e amigo Paulo Duarte que promoveu uma campanha pelo<br />
jornal Folha de São Paulo, em 1937, de<strong>no</strong>mina<strong>da</strong> “Contra o Van<strong>da</strong>lismo<br />
e o Extermínio”, quando trouxe a público o triste estado de conservação<br />
do Patrimônio Arquitetônico brasileiro 45 .<br />
Sob a orientação desses importantes <strong>no</strong>mes <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de<br />
brasileira, nasceu a ação do tombamento como a “perpetuação <strong>da</strong><br />
memória”, mas precisamente <strong>no</strong> decreto Lei nº. 25 de 30.11.1937,<br />
mais restritivo <strong>no</strong> conceito de <strong>patrimônio</strong>, porém mais adequado para<br />
ser colocado em prática.<br />
Tombamento46 é a ação ou atributo que se dá ao bem patrimonial<br />
escolhido para que:<br />
Fique assegura<strong>da</strong> a garantia <strong>da</strong> perpetuação <strong>da</strong> memória. Tombar,<br />
enquanto for registrar, é também igual guar<strong>da</strong>r, preservar. O bem<br />
tombado não pode ser destruído e qualquer intervenção por que<br />
necessite passar deve ser analisa<strong>da</strong> e autoriza<strong>da</strong> 47 .<br />
Diversas instituições também deram suas contribuições para a<br />
preservação <strong>da</strong> cultura popular, entre elas podemos citar o Centro<br />
Nacional de Folclore e Cultura Popular, hoje ligado à FUNARTE,<br />
organismo originado <strong>da</strong> Comissão Nacional do Folclore, criado em<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 226<br />
| História | 2010
1947, ponto de parti<strong>da</strong> para o <strong>estudo</strong> do Folclore e <strong>da</strong>s manifestações<br />
culturais do país.<br />
Em 1975, Aloísio Magalhães48 fundou o Centro Nacional de<br />
Referência Cultural (CNRC) que defendia a busca nas raízes “vivas”<br />
<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional dos fun<strong>da</strong>mentos de um desenvolvimento social<br />
e econômico inclusivo e <strong>cultural</strong>mente sustentado.<br />
Em 1979, foi cria<strong>da</strong> a Fun<strong>da</strong>ção Nacional PróMemória, instituição<br />
incumbi<strong>da</strong> de implementar a política de preservação <strong>da</strong> então Secretaria<br />
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, incorporando o Programa<br />
de Ci<strong>da</strong>des Históricas e o CNRC. 49<br />
A déca<strong>da</strong> de 1980, foi marca<strong>da</strong> pela promulgação dos artigos<br />
215 e 216, já citados anteriormente que asseguravam o direito ao<br />
reconhecimento <strong>da</strong>s manifestações <strong>da</strong>s culturas populares.<br />
Na déca<strong>da</strong> de 1990, o Instituto Nacional de Folclore foi transformado<br />
em Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), vinculado<br />
à Funarte50 .<br />
Finalmente em 1997, ocorreu a realização do Seminário Patrimônio<br />
Imaterial, em Fortaleza, onde foram discutidos os instrumentos legais<br />
de preservação dos bens culturais de natureza <strong>imaterial</strong>. E em 1998 foi<br />
criado o Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial51 .<br />
Ao longo <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>s do século XX, até os dias atuais<br />
a preocupação com a documentação e o registro dos <strong>patrimônio</strong>s<br />
culturais imateriais tem sido constantemente discuti<strong>da</strong> <strong>no</strong> intuito de<br />
encontrar os melhores caminhos para a preservação <strong>da</strong>s manifestações<br />
culturais de natureza <strong>imaterial</strong>.<br />
Como marco dessa preocupação, podemos citar a Convenção<br />
para Salvaguar<strong>da</strong> do Patrimônio Cultural Imaterial, aprova<strong>da</strong> na 32ª<br />
Conferência Geral <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s em 17 de Outubro de 2003. E, <strong>no</strong><br />
mês de <strong>no</strong>vembro de 2005, em Paris, o Samba de Ro<strong>da</strong> do Recôncavo<br />
Baia<strong>no</strong> foi proclamado pela Unesco Obra-Prima do Patrimônio Oral e<br />
Imaterial <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de. 52<br />
Em abril de 2006, por meio do decreto nº 5753, o Brasil ratificou<br />
a Convenção <strong>da</strong> Unesco <strong>sobre</strong> a Salvaguar<strong>da</strong> do Patrimônio Cultural<br />
Imaterial. 53<br />
Para o registro dos bens imateriais, foram criados quatro Livros<br />
de Tombo divididos em: Livro de Registro dos Saberes, <strong>da</strong>s Formas de<br />
Expressão, <strong>da</strong>s Celebrações e dos Lugares.<br />
Nesses livros, já estão registrados como Patrimônio Cultural<br />
Imaterial Brasileiro os seguintes bens:<br />
1. Ofício <strong>da</strong>s Paneleiras de Goiabeiras (dez./2002);<br />
2. Arte Kusiwa dos Índios Wajãpi (dez./2002);<br />
3. Samba de Ro<strong>da</strong> do Recôncavo Baia<strong>no</strong> (out./2004);<br />
4. Modo de fazer <strong>viola</strong>-de-cocho (jan./2005);<br />
5. Ofício <strong>da</strong>s baianas de acarajé (jan./2005);<br />
6. Círio de Nossa senhora de Nazaré (out./2005);<br />
7. Jongo do Sudeste (dez./2005);<br />
8. Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos<br />
Rios Uaupés e Papuri (out./2006);<br />
9. Feira de Caruaru (dez./2006);<br />
10. Frevo (dez./2006);<br />
11. Tambor de Crioula do Maranhão (jun./2007); 54<br />
Além desses, outros inventários do <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong> estão<br />
em fase adianta<strong>da</strong> de documentação e registro para serem incluídos<br />
<strong>no</strong>s Livros Tombo, outros ain<strong>da</strong> estão em an<strong>da</strong>mento. Convém,<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 227<br />
| História | 2010
porém, destacarmos que o registro dos bens não assegura sua<br />
preservação, mas oferece visibili<strong>da</strong>de e estímulo para a perpetuação<br />
<strong>da</strong>s manifestações culturais. 55<br />
Como objetivo específico deste <strong>estudo</strong>, <strong>no</strong> segundo capítulo<br />
pretendemos trabalhar a música sertaneja como <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong><br />
<strong>imaterial</strong> brasileiro.<br />
2 Ao som <strong>da</strong> <strong>viola</strong>: <strong>da</strong> roça à ci<strong>da</strong>de<br />
Nestes versos tão singelos<br />
minha bela, meu amor<br />
pra você quero contar<br />
o meu sofrer e a minha dor<br />
sô igual a um sabiá<br />
qdo canta é só tristeza<br />
desde um gaio onde ele está<br />
(Tonico e Ti<strong>no</strong>co)<br />
Nunca vi ninguém viver tão feliz<br />
Como eu <strong>no</strong> sertão<br />
Perto de uma mata e de um ribeirão<br />
Deus e eu <strong>no</strong> sertão<br />
(Victor e Léo)<br />
Esses fragmentos <strong>da</strong> música “Tristeza do Jeca”(1918), de Angeli<strong>no</strong><br />
de Oliveira interpretado por Tonico e Ti<strong>no</strong>co na déca<strong>da</strong> de 1930 e “Eu<br />
e Deus <strong>no</strong> Sertão” de Victor Chaves interpretados por Victor e Léo<br />
em 2009, demonstram o apreço atemporal pela música sertaneja e<br />
suas inconfundíveis figuras emblemáticas e mantém um público fiel à<br />
tradição <strong>da</strong> musica rural formando um elo entre o campo e a ci<strong>da</strong>de.<br />
O <strong>estudo</strong> <strong>da</strong> música sertaneja propõe um breve conhecimento<br />
do meio rural. Nesse sentido, a análise dos elementos que compõe o<br />
universo simbólico <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> rural é imprescindível para o entendimento<br />
do significado <strong>da</strong> música ruralista <strong>no</strong> campo e <strong>no</strong> espaço urba<strong>no</strong>.<br />
Este segundo capítulo propõe analisar a música sertaneja, bem como<br />
os elementos que fazem parte do universo rural. Além dela, o homem do<br />
campo e seu jeito de an<strong>da</strong>r, falar, comer e plantar, durante muito tempo<br />
foram as referências (nem sempre positivas, como é o caso do pobre<br />
Jeca Tatu de Monteiro Lobato) do genuí<strong>no</strong> homem brasileiro.<br />
Com a análise desses elementos, procuraremos interpretar a<br />
construção de uma identi<strong>da</strong>de nacional nas primeiras déca<strong>da</strong>s do<br />
século XX (Modernismo) por meio <strong>da</strong> valorização <strong>da</strong>s manifestações<br />
culturais populares como forma de resgatar as tradições brasileiras.<br />
Dessa forma, este <strong>estudo</strong> propõe a música sertaneja como um<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong> nacional.<br />
O universo simbólico que permeia a vi<strong>da</strong> rural está representado<br />
em ca<strong>da</strong> traço <strong>da</strong>s manifestações populares. Mesmo atualmente,<br />
quando o sistema de plantio e colheita, os melhores grãos, as safras<br />
mais rentosas são subordina<strong>da</strong>s às regras do mercado internacional, o<br />
homem do campo não deixou seus conhecimentos de lado. Ao olhar o<br />
céu para descobrir o período de chuvas ou esperar o melhor mês para<br />
o plantio ou ain<strong>da</strong>, pedir as bênçãos dos santos para uma boa colheita<br />
através de festas, rezas e procissões, o caipira põe em prática séculos<br />
de conhecimentos acumulados pelos seus ancestrais e que ao longo do<br />
tempo foram transmitidos às gerações mais jovens.<br />
Observando as diferenciações feitas pelo sociólogo José de Souza<br />
Martins56 entre música sertaneja, que seria a música produzi<strong>da</strong> para<br />
o mercado fo<strong>no</strong>gráfico, ou seja, para ser grava<strong>da</strong> e vendi<strong>da</strong> e música<br />
caipira ou de raiz, que seria um meio de oração e lazer, de autoria<br />
anônima quando religiosa ou de compositor conhecido <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />
quando de caráter profa<strong>no</strong> (festas, mutirões, trabalho); esse gênero<br />
musical expressa sempre concepções coletivas57 .<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 228<br />
| História | 2010
Mesmo estando a par <strong>da</strong>s diferenças encontra<strong>da</strong>s pelo autor, neste<br />
<strong>estudo</strong> serão utilizados os termos música sertaneja, de raiz, caipira e<br />
rural como sinônimos para abor<strong>da</strong>r o estilo musical em questão, pois, <strong>no</strong><br />
espaço urba<strong>no</strong> as particulari<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s por Martins acabaram<br />
sendo minimiza<strong>da</strong>s pelos apreciadores desse gênero musical.<br />
Assim como o modo de viver do caipira, retrata o universo <strong>no</strong> qual<br />
ele está inserido, também algumas características são fun<strong>da</strong>mentais<br />
para identificar a música sertaneja. Mesmo em sua <strong>no</strong>va roupagem,<br />
o pop-sertanejo ou sertanejo romântico, onde foram incorporados<br />
instrumentos eletrônicos, a música caipira não deixou de lado seus<br />
versos simples ao falar do amor e <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de: <strong>da</strong> mulher ama<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />
família, <strong>da</strong> terra e de fazer menção às figuras emblemáticas como o<br />
boi, o vaqueiro e o sertanejo.<br />
Ao buscarmos uma análise desse meio rural e mais especificamente<br />
<strong>da</strong> música caipira, é preciso inicialmente conhecer alguns dos elementos<br />
que são identificadores do homem do campo.<br />
Dentro dessa perspectiva, utilizaremos os trabalhos produzidos<br />
<strong>sobre</strong> música popular brasileira, elaborados por José Ramos Tinhorão,<br />
José Roberto Zan, Rosa Nepomuce<strong>no</strong>, Martha Ulhôa e outros, que são<br />
imprescindíveis para a análise do tema.<br />
No Brasil do início do século, o Modernismo procurou consoli<strong>da</strong>r a<br />
identi<strong>da</strong>de nacional através <strong>da</strong> imagem do brasileiro nato, de origem<br />
e cultura genuinamente nacionais. A ideia de valorização do caboclo<br />
brasileiro como elemento identificador do povo está inseri<strong>da</strong> naquilo<br />
que, para Eric Hobsbawm é uma tradição inventa<strong>da</strong>.<br />
Por tradição inventa<strong>da</strong> entende-se um conjunto de práticas,<br />
<strong>no</strong>rmalmente regula<strong>da</strong>s por regras tácitas ou abertamente aceitas;<br />
tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, que visam inculcar<br />
certos valores e <strong>no</strong>rmas de comportamento através <strong>da</strong> repetição,<br />
o que implica, automaticamente uma continui<strong>da</strong>de em relação ao<br />
passado 58 .<br />
Nas pesquisas <strong>sobre</strong> a música popular rural, em sua grande maioria,<br />
são abor<strong>da</strong>dos diversos elementos e manifestações <strong>da</strong> cultura popular<br />
que compõem o meio rural, mostrando claramente o entrelaçamento<br />
<strong>da</strong> tradição com o gênero musical e definindo a riqueza <strong>cultural</strong> <strong>da</strong>s<br />
manifestações populares brasileiras. Dessa forma:<br />
As práticas tradicionais existentes – canções folclóricas, cantos<br />
de trabalho, músicas tradicionais, rezas, foram modifica<strong>da</strong>s,<br />
ritualiza<strong>da</strong>s e institucionaliza<strong>da</strong>s para servir a <strong>no</strong>vos propósitos [...]<br />
cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de idéias,<br />
sistemas de valores e padrões de comportamento 59 .<br />
Assim, a documentação e o registro do estilo musical rural vêm de<br />
encontro à <strong>no</strong>ção de preservação do <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong> e se mantém<br />
articula<strong>da</strong> às memórias e identi<strong>da</strong>des nacionais60 .<br />
2.1 O caipira<br />
O tipo huma<strong>no</strong> que amplamente de<strong>no</strong>minamos como “caipira”,<br />
segundo o professor José Roberto Zan61 , esteve ligado a um modo<br />
de vi<strong>da</strong> muito peculiar. Esse trabalhador ocupava uma pequena área<br />
de terra, desenvolvia a agricultura de subsistência, criava animais e<br />
complementava sua dieta alimentar através <strong>da</strong> caça e <strong>da</strong> pesca. O<br />
excedente de sua produção era comercializado ou trocado <strong>no</strong> mercado<br />
mais próximo. Essa relação de troca com as vilas ou ci<strong>da</strong>des não<br />
afetava de modo significante sua vi<strong>da</strong> para romper o equilíbrio social,<br />
ou seja, a dicotomia meio rural / meio urba<strong>no</strong>.<br />
No século XVIII, após o declínio do bandeirantismo, uma parte <strong>da</strong><br />
população se fixou pelo interior <strong>da</strong> capitania de São Vicente. Já <strong>no</strong><br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 229<br />
| História | 2010
século XIX, com a expansão <strong>da</strong>s grandes fazen<strong>da</strong>s de mo<strong>no</strong>cultura<br />
e pecuária, essa população se converteu em sitiantes, posseiros e<br />
agregados. Com a crise do café, esses trabalhadores livres migraram<br />
para os centros urba<strong>no</strong>s em busca de melhores condições de vi<strong>da</strong>,<br />
trazendo consigo suas tradições62 .<br />
No meio rural, esses trabalhadores exerciam seu convívio por meio<br />
de mutirões, práticas religiosas e festivas, que garantiam a reprodução<br />
<strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de de seus componentes, na qual a música era um elo<br />
fun<strong>da</strong>mental63 .<br />
Considerando essas práticas, Hobsbawm intervém <strong>no</strong> sentido de<br />
que a:<br />
Utilização de elementos antigos na elaboração de <strong>no</strong>vas tradições<br />
inventa<strong>da</strong>s, sempre se pode encontrar <strong>no</strong> passado de qualquer<br />
socie<strong>da</strong>de um amplo repertório de elementos e sempre há uma<br />
linguagem elabora<strong>da</strong>, composta de práticas e comunicações<br />
simbólicas 64 .<br />
Mais que um ritmo ou estilo, a música raiz está repleta de<br />
simbolismos que dinamizam o universo caipira transportando-o<br />
do meio rural para o urba<strong>no</strong>. A bagagem <strong>cultural</strong> trazi<strong>da</strong> pelos<br />
trabalhadores do campo, que buscavam na ci<strong>da</strong>de melhores<br />
condições de vi<strong>da</strong>, é rica em elementos significativos para o caipira<br />
que ressignificavam esses traços culturais para preservar suas<br />
tradições.<br />
Nas palavras de Hobsbawm:<br />
[...] na medi<strong>da</strong> em que há referência a um passado histórico, as<br />
tradições inventa<strong>da</strong>s caracterizam-se por estabelecer com ele<br />
uma continui<strong>da</strong>de bastante artificial. Em poucas palavras, elas são<br />
reações a situações <strong>no</strong>vas que, ou assumem a forma de referência<br />
a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado<br />
através <strong>da</strong> repetição quase que obrigatória 65 .<br />
Dessa forma, os elementos identificadores desse gênero musical<br />
são: as letras que narram os “causos” do cotidia<strong>no</strong>, sua interpretação<br />
que costumeiramente é canta<strong>da</strong> em dueto na distância de uma terça<br />
(três <strong>no</strong>tas) e o acompanhamento <strong>da</strong> <strong>viola</strong> caipira, instrumento<br />
insubstituível para o estilo musical66 .<br />
A música sertaneja, inicialmente conheci<strong>da</strong> como música caipira ou<br />
de “raiz” foi originalmente “centra<strong>da</strong> em valores católicos patriarcais<br />
tradicionais, que enfatizam uma sociabili<strong>da</strong>de em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> família extensa,<br />
<strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de comunitária e <strong>da</strong> obrigação religiosa her<strong>da</strong><strong>da</strong> e vitalícia” 67 .<br />
Os primeiros cantos, utilizando a <strong>viola</strong>, foram os <strong>da</strong> catequese.<br />
Misturando melodias portuguesas às dos índios, crenças cristãs às<br />
<strong>da</strong>nças pagãs, surgiram ritmos e gêneros como o cateretê e o cururu68 .<br />
Catequistas se moviam<br />
pra provar o seu amor<br />
aos nativos que temiam<br />
o estranho invasor<br />
mas ouvindo o som mavioso<br />
de uma <strong>viola</strong> a soluçar<br />
o selvagem, cauteloso,<br />
espreitava, a escutar. 69<br />
A origem desse gênero musical, com base <strong>no</strong> <strong>estudo</strong> de vários<br />
pesquisadores (folcloristas, historiadores, et<strong>no</strong>musicólogos) 70 e ain<strong>da</strong><br />
citando o professor Zan, pode estar liga<strong>da</strong> a manifestações musicais<br />
européias que ao longo do tempo se mesclaram com os aspectos <strong>da</strong><br />
cultura local71 . Os ritmos mais conhecidos são: a toa<strong>da</strong>, o toque –de –<br />
<strong>viola</strong> que acompanha as <strong>da</strong>nças catira e cururu, a música <strong>da</strong>s folias de<br />
Reis e do Divi<strong>no</strong> e a mo<strong>da</strong> de <strong>viola</strong>.<br />
Todos esses ritmos não se dissociavam <strong>da</strong>s práticas religiosas e<br />
<strong>da</strong>s manifestações populares. Esse entrosamento <strong>da</strong> música com o<br />
resgate <strong>da</strong> prática <strong>cultural</strong> vem de encontro ao que Hobsbawm propõe<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 230<br />
| História | 2010
quando fala <strong>sobre</strong> a “transformação rápi<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, que debilita<br />
ou destrói os padrões sociais para os quais as “velhas” tradições foram<br />
feitas” 72 .<br />
Influenciaram também a música caipira os fados portugueses,<br />
as toa<strong>da</strong>s, cantigas, viras, canas-verdes, valsinhas trazi<strong>da</strong>s pelos<br />
europeus e as modinhas européias de acordes melancólicos. Os cantos<br />
de trabalho, na colheita e <strong>no</strong>s mutirões também foram incorporados<br />
ao gênero e a narrativa melodramática tor<strong>no</strong>u-se padrão para o estilo<br />
musical. A música sertaneja caracteristicamente conta uma história,<br />
alegre ou triste, de amor ou de sau<strong>da</strong>de, de trabalho ou de diversão.<br />
Não é por acaso que a maioria <strong>da</strong>s letras retratam o relacionamento<br />
amoroso, o amor à terra ou o trabalho na roça.<br />
Era esse tipo de música que o caboclo sertanejo gostava de ouvir.<br />
Desde os fins do século XVI, chamava-se o mestiço de branco com<br />
índio de caá-boc73 , procedente do mato, e ain<strong>da</strong> “homem que tem casa<br />
<strong>no</strong> mato”, que na segun<strong>da</strong> metade do século XIX esses mestiços já<br />
seriam a maioria.<br />
Na vira<strong>da</strong> do século, encontramos outra designação; a contração<br />
<strong>da</strong> palavra tupi caa (mato) e pir (que corta). Cortar mato era o que o<br />
caboclo mais fazia, abrindo trilhas e limpando o terre<strong>no</strong> para proteger<br />
sua moradia de animais e plantar roça. Também era comum chamar<br />
os vizinhos para auxiliarem na colheita ou para trabalhos comunitários<br />
(mutirões) e após o dia de serviço se reuniam para tocar <strong>viola</strong>, <strong>da</strong>nçar,<br />
sapatear e bater palmas.<br />
2. 2 O INSTRUMENTO<br />
A <strong>viola</strong> é o coração <strong>da</strong> música brasileira. Esculpi<strong>da</strong> num toco de<br />
pau, com suas dez cor<strong>da</strong>s de tripa e toscos cravelhais deu forma às<br />
melodias, cadências e às poesias que aos poucos definiram o perfil<br />
musical do povo <strong>da</strong> terra.<br />
(Rosa Nepomuce<strong>no</strong>)<br />
Mais que um instrumento, a <strong>viola</strong> caipira é a própria alma <strong>da</strong> música<br />
ruralista. É a grande responsável pelo acordes característicos do estilo<br />
sertanejo. Mesmo <strong>no</strong> sertanejo romântico, ou seja, a fase mais moderna<br />
do gênero musical, a <strong>viola</strong> tem seu lugar garantido como elemento<br />
identificador <strong>da</strong> tradição. É através dela que se identificam as raízes <strong>da</strong><br />
música caipira e que recorrem os <strong>no</strong>vos cantores e compositores para<br />
<strong>da</strong>r “autentici<strong>da</strong>de” àquela música produzi<strong>da</strong> modernamente74 .<br />
Novamente recorremos a Hobsbawm para refletir <strong>sobre</strong> a<br />
necessi<strong>da</strong>de de “autenticar” a música produzi<strong>da</strong> <strong>no</strong> meio urba<strong>no</strong> com<br />
roupagem sertaneja:<br />
O contraste entre as constantes mu<strong>da</strong>nças e i<strong>no</strong>vações do<br />
mundo moder<strong>no</strong> e a tentativa de estruturar de maneira imutável<br />
e invariável ao me<strong>no</strong>s alguns aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social é que cria o<br />
ambiente propício para a invenção <strong>da</strong>s tradições [...] Nesse sentido,<br />
é necessário diferenciar as tradições dos costumes. O objetivo <strong>da</strong>s<br />
tradições é a invariabili<strong>da</strong>de. O passado real ou forjado a que elas<br />
se referem impõe práticas fixas (<strong>no</strong>rmalmente formaliza<strong>da</strong>s), tais<br />
como a repetição 75 .<br />
A <strong>viola</strong> caipira pode ser uma derivação do instrumento português<br />
chamado <strong>viola</strong> de arame ou <strong>viola</strong> braguesa (possivelmente originária<br />
de Braga) que foi introduzido <strong>no</strong> Brasil pelos jesuítas76 .<br />
É bem me<strong>no</strong>r que o violão, com a cintura mais acentua<strong>da</strong> e<br />
encordoado de maneira diferente. Ela possui dez cor<strong>da</strong>s, agrupa<strong>da</strong>s<br />
duas a duas, sendo algumas de aço e outras, revesti<strong>da</strong>s de metal.<br />
As <strong>viola</strong>s, geralmente, são feitas artesanalmente, e o tempo mínimo<br />
para se fazer uma <strong>viola</strong> é de dez dias. O conhecido artesão Zé Coco<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 231<br />
| História | 2010
do Riachão, um dos raros “fabricadores” de <strong>viola</strong>s e rabecas, utiliza<br />
uma cola feita de banana do mato, também conheci<strong>da</strong> por sumaré.<br />
No tampo, ele usa a madeira emburana de espinho; o braço é feito de<br />
cedro; o espelho, cravelhas e ornamentos de caviúna (candeia); e a<br />
lateral feita de pinho. Entretanto, na maioria <strong>da</strong>s <strong>viola</strong>s encontra<strong>da</strong>s,<br />
a madeira utiliza<strong>da</strong> para o tampo, foi o pinho que, de acordo com os<br />
violeiros, é a de melhor so<strong>no</strong>ri<strong>da</strong>de77 .<br />
2.3 O violeiro: crenças, simpatias e pactos<br />
Muitos insistem em dizer que não basta estu<strong>da</strong>r e treinar para<br />
ser bom violeiro. Como disse Chico Lobo, um dos maiores violeiros<br />
do Brasil “deve-se recorrer aos santos ou ao capeta se preferir, mas<br />
principalmente deve-se aceitar seu desti<strong>no</strong>” 78 .<br />
Fatos e len<strong>da</strong>s fizeram a fama dos violeiros. Não faltam histórias<br />
de mocinhas que perderam a cabeça por causa de violeiros que depois<br />
“enfiavam a <strong>viola</strong> <strong>no</strong> saco” e sumiam para não mais voltar.<br />
Algumas crenças também podem auxiliar o tocador de <strong>viola</strong>. Uma<br />
delas é fazer promessas a São Gonçalo. Batismos de <strong>viola</strong> e simpatias<br />
com cobras também dão bons resultados. Botar um guizo de cascavel<br />
dentro <strong>da</strong> <strong>viola</strong> também é recomendável. Mais eficiente que tudo isso<br />
é sem dúvi<strong>da</strong> o pacto com o diabo.<br />
Os violeiros contam que é simples, porém requer muita coragem<br />
do candi<strong>da</strong>to. À meia-<strong>no</strong>ite, o violeiro vai a uma encruzilha<strong>da</strong>, levando<br />
uma <strong>viola</strong> virgem e espera pelo dito cujo. Logo passa uma vaca com<br />
pintinhos, uma porca com cabritinhos, uma galinha com gatinhos e<br />
um cavaleiro num belo cavalo com arreio de ouro, soltando fogo por<br />
todos os lados. O tal pergunta qual é o desejo e o violeiro sem demora<br />
diz querer ser bom de <strong>viola</strong>. O outro passa as mãos nas cor<strong>da</strong>s e diz<br />
que o desejo será realizado e o preço do desejo almejado é a alma do<br />
tocador79 .<br />
Existem outras len<strong>da</strong>s e superstições que permeiam o universo <strong>da</strong><br />
música sertaneja. To<strong>da</strong>s essas histórias foram conta<strong>da</strong>s e reconta<strong>da</strong>s pelo<br />
Brasil afora, leva<strong>da</strong>s pelos tropeiros que cruzavam o país de <strong>no</strong>rte a sul.<br />
2.4 Acertando o tom: o caipira <strong>no</strong> estúdio<br />
A interpretação e a apropriação de gêneros rurais por artistas<br />
urba<strong>no</strong>s teve início <strong>no</strong> século XIX e se origi<strong>no</strong>u do interesse que o tema<br />
despertava <strong>no</strong> público urba<strong>no</strong> do teatro de revista80 . É com o respaldo<br />
dessa fonte que podemos dizer que o resgate <strong>da</strong> música sertaneja, e<br />
sua apropriação pelo meio urba<strong>no</strong>, foi uma tradição inventa<strong>da</strong>.<br />
Segundo o autor Hobsbawm:<br />
O termo “tradição inventa<strong>da</strong>” é utilizado num sentido amplo, porém<br />
nunca indefinido. Inclui tanto as tradições realmente inventa<strong>da</strong>s,<br />
construí<strong>da</strong>s e formalmente institucionaliza<strong>da</strong>s, quanto as que surgiram<br />
de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado<br />
de tempo e que se estabeleceram com e<strong>no</strong>rme rapidez 81 .<br />
A primeira compositora profissional a transformar em sucesso <strong>da</strong><br />
música popular brasileira a estilização consciente de um gênero rural<br />
foi a Maestrina Chiquinha Gonzaga82 . Convi<strong>da</strong><strong>da</strong> a elaborar a parte<br />
musical <strong>da</strong> revista musical Zizinha Maxixe, de Machado Careca, compôs<br />
um tango intitulado “Gaúcho” e <strong>no</strong> subtítulo “a <strong>da</strong>nça do corta–jaca”.<br />
A <strong>da</strong>nça do corta–jaca permaneceu por mais de dezessete a<strong>no</strong>s<br />
fazendo sucesso e embora a estilização do gênero musical tenha<br />
alcançado os salões do Palácio do Catete83 , deixaria essa música<br />
como uma composição isola<strong>da</strong> e o <strong>no</strong>vo gênero sem seguidores. Seria,<br />
porém, o teatro que mais uma vez estimularia os compositores urba<strong>no</strong>s<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 232<br />
| História | 2010
a buscar <strong>no</strong>s ritmos e mo<strong>da</strong>s de <strong>viola</strong> <strong>no</strong>vos motivos musicais para seu<br />
público84 .<br />
Esse interesse do público urba<strong>no</strong> pela vi<strong>da</strong> rural indicava a<br />
frustração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com expansão <strong>da</strong>s primeiras indústrias, a<br />
partir <strong>da</strong> República em contraste com a vi<strong>da</strong> idealiza<strong>da</strong> do homem do<br />
campo. A comparação entre as dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna: falta de<br />
dinheiro, desemprego, moradia em oposição à vi<strong>da</strong> simples e romântica<br />
do homem do campo85 .<br />
O estímulo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong> teatral de retratar a vi<strong>da</strong> rural foi retomado<br />
<strong>no</strong> período modernista o que propiciou criações em várias áreas<br />
culturais como a literatura, com Euclides <strong>da</strong> Cunha em seu romance<br />
Os Sertões, nas artes plásticas como a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> série de<br />
caipiras de Almei<strong>da</strong> Júnior (1899), que serviu de inspiração para os<br />
modernistas na Semana de 22, como valorização a cultura do interior<br />
do país e na música com composições de Villa-Lobos. As coisas, os<br />
cheiros, os personagens, os sons do Brasil, precisavam ser ouvidos,<br />
sentidos e prestigiados86 .<br />
Esta valorização <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira cultura nacional <strong>no</strong> limiar <strong>da</strong><br />
déca<strong>da</strong> de 1920 fez surgir uma geração de compositores <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des<br />
especialistas em canções, mo<strong>da</strong>s de <strong>viola</strong>, toa<strong>da</strong>s caipiras, cateretês,<br />
batuques sertanejos, chulas baianas e uma infini<strong>da</strong>de de criações<br />
do mesmo estilo. Alguns exemplos são Eduardo Souto (1882-1942),<br />
Marcelo Tupinambá (1892-1953), figuraria ain<strong>da</strong> vários outros grupos e<br />
cantores que se inspirariam na Troupe Sertaneja de João Pernambuco<br />
e <strong>no</strong> fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 20, a criação de duplas caipiras inspira<strong>da</strong>s na<br />
forma<strong>da</strong> por Jararaca e Ratinho em 192787 .<br />
A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930, o estilo sertanejo invade a ci<strong>da</strong>de com<br />
as mo<strong>da</strong>s de <strong>viola</strong> e uma i<strong>no</strong>vação: a execução <strong>da</strong>s canções é feita,<br />
ain<strong>da</strong> com caráter de amadores pelas próprias duplas caipiras. Essa<br />
<strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de foi trazi<strong>da</strong> do interior por Cornélio Pires88 .<br />
Pires era jornalista, e estudioso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> rural. Em 1929, numa<br />
produção independente, gravou “causos” e fragmentos de músicas<br />
tradicionais rurais. Nessa série de discos, na qual o próprio Cornélio Pires<br />
muitas vezes se apresentava contando anedotas estreavam as duplas<br />
de caipiras autênticos, trazidos <strong>da</strong> zona de <strong>viola</strong> do Tietê para São Paulo:<br />
os irmãos Maria<strong>no</strong> e Caçula (tio e pai de Caçulinha), Arlindo Santana e<br />
Sebastiãozinho, Lourenço e Olegário e Zico Dias e Ferrinho89 .<br />
Assim, saiu a famosa série vermelha com 30 mil cópias, uma<br />
ver<strong>da</strong>deira loucura para a época, trazendo anedotas, desafios,<br />
declamações, canas-verdes, cateretês e a primeira mo<strong>da</strong> de <strong>viola</strong><br />
grava<strong>da</strong>, “Jorginho do Sertão”, recolhi<strong>da</strong>s por Cornélio e canta<strong>da</strong> por<br />
Caçula e Maria<strong>no</strong>90 .<br />
À medi<strong>da</strong> que o país se urbanizou e precisou <strong>da</strong> mão de obra<br />
barata do povo do interior, levas de artistas caipiras e <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong>s<br />
também chegaram a São Paulo e ao Rio de Janeiro para disputar seus<br />
palcos e estúdios. Assim, embola<strong>da</strong>s e cocos se misturaram a maxixes,<br />
guarânias, rasqueados, chamamés, boleros, bala<strong>da</strong>s e rancheiras e a<br />
tudo o que se ouvia <strong>no</strong> rádio <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 50 e nas fronteiras do país91 .<br />
Na déca<strong>da</strong> de 1930, Torres e Serrinha introduziram o violão na<br />
música sertaneja ao lado <strong>da</strong> <strong>viola</strong> caipira ou em substituição <strong>da</strong> mesma.<br />
Um outro fator que contribuiu para a divulgação <strong>da</strong> música sertaneja<br />
foi o circuito dos circos que faziam tempora<strong>da</strong>s por todo interior<br />
adentrando-se pelo Paraguai e absorvendo suas influências musicais<br />
(a harpa, a polca e a guarânia) 92 .<br />
O circo era um dos locais privilegiados para a música caipira, pois<br />
sempre abriu espaço para a apresentação de artistas locais, muitos<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 233<br />
| História | 2010
de músicas sertanejas. Outros espaços eram as aberturas de shows<br />
de outros artistas e a apresentação ao vivo em rádios AM. Depois <strong>da</strong><br />
déca<strong>da</strong> de 1970, apareceu o espaço na televisão, importante meio de<br />
divulgação em massa.<br />
Durante a déca<strong>da</strong> de 1930, a música caipira conheceu um de seus<br />
grandes intérpretes e com o qual o gênero é amplamente reconhecido<br />
e divulgado, Raul Torres. Com a versatili<strong>da</strong>de dos profissionais de rádio<br />
<strong>da</strong> época, conquistou espaço e admiração <strong>da</strong>s gravadoras por meio de<br />
sua voz e interpretação musical93 .<br />
A hora e a vez <strong>da</strong> música caipira foram os a<strong>no</strong>s do apogeu do<br />
rádio. Como estouro de boia<strong>da</strong>, pipocaram grandes <strong>no</strong>mes do gênero<br />
musical. A descoberta de muitos desses <strong>no</strong>mes se deve ao produtor,<br />
versionista de músicas estrangeiras e caçador de talentos Capitão<br />
Furtado, sobrinho de Cornélio Pires. 94<br />
2.5 Belarmi<strong>no</strong> e Gabriela:<br />
pinhão e mo<strong>da</strong> de <strong>viola</strong><br />
A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930, até meados do século vinte, o rádio<br />
rei<strong>no</strong>u absoluto <strong>no</strong>s lares brasileiros. Na sala de visitas, em meio à<br />
mobília e bibelôs, o rádio foi o personagem principal <strong>da</strong> interação entre<br />
as famílias e o mundo. No Paraná, não foi diferente. Lazer e informação<br />
eram compartilhados nas horas que a família se reunia ao fim de ca<strong>da</strong><br />
dia. Grande companheiro <strong>da</strong>s donas de casa, os programas diários<br />
eram basicamente de dicas para o lar, rádios-<strong>no</strong>vela e muita música.<br />
Para os homens, o interesse maior estava nas transmissões esportivas<br />
e <strong>no</strong> <strong>no</strong>ticiário local e mundial. 95<br />
Foi nesse momento de efervescência do rádio que apareceram<br />
muitos talentos conhecidos até hoje. Nesta época as emissoras<br />
disputavam audiência dos ouvintes promovendo grandes shows de<br />
auditório, programas de calouros e patrocinando eventos sociais.<br />
Desse período surgiram grandes <strong>no</strong>mes <strong>da</strong> música sertaneja, que<br />
encontraram <strong>no</strong> Paraná solo fértil e campo aberto para semear seus<br />
trabalhos e divulgar seus talentos.<br />
Quando os aparelhos de rádio começaram a se popularizar <strong>no</strong><br />
Brasil, Vieira e Vieirinha já divulgavam a música regional paranaense,<br />
mas foi na déca<strong>da</strong> de 1940 que surgiu a dupla que mais fez sucesso<br />
nacional e internacionalmente com a música caipira: Nhô Belarmi<strong>no</strong> e<br />
Nhá Gabriela. 96<br />
As canções de Salvador Gracia<strong>no</strong>, o Nhô Belarmi<strong>no</strong> e Julia Alves, a<br />
Nhá Gabriela aju<strong>da</strong>ram a difundir o estilo sertanejo por mais de quarenta<br />
a<strong>no</strong>s. Seu jeito simples e seu humor brejeiro conquistaram a população<br />
urbana, tornando-os artistas de muita repercussão, em sua época.<br />
A influência <strong>da</strong> música na família Gracia<strong>no</strong> teve origem com seu<br />
bisavô italia<strong>no</strong> Vicenzo Gracia<strong>no</strong>. Sua esposa havia sido deser<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
pela família por ter se casado com um violeiro, numa época em que os<br />
músicos eram bastante discriminados. “Parece que dinheiro e música<br />
popular não são muito compatíveis”, comenta Ivan Gracia<strong>no</strong>, filho do<br />
casal, cuja bisavó afortuna<strong>da</strong> era a jovem Cristina Ferrari, irmã do<br />
famoso Enzo Ferrari. Vicenzo e Cristina fugiram para Curitiba <strong>no</strong> início<br />
do Século XX. Dessa união nasceu Antonio Gracia<strong>no</strong>, gaiteiro que teve<br />
<strong>no</strong>ve filhos, todos músicos. 97<br />
Um dos filhos, Salvador Gracia<strong>no</strong> (1920-1984), o Belarmi<strong>no</strong>, era<br />
natural de Rio Branco do Sul e Julia Alves (1923-1996), a Gabriela<br />
nasceu em Curitiba. Ele era músico desde sempre e aos quatorze a<strong>no</strong>s<br />
tirou a carteira de músico profissional para poder trabalhar à <strong>no</strong>ite<br />
junto aos irmãos.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 234<br />
| História | 2010
No princípio, Belarmi<strong>no</strong> se apresentou com a irmã Pascoalina,<br />
mas após o casamento dela e sua saí<strong>da</strong> dos palcos, formou duplas<br />
com amigos como a parceria com Chiquinho Montalto, com quem<br />
trabalhava na rádio PRB-2.<br />
Com apenas dezesseis a<strong>no</strong>s de i<strong>da</strong>de compôs seu primeiro grande<br />
sucesso “Lin<strong>da</strong> Serrana”(1936). Nhô Belarmi<strong>no</strong> já integrava o “Regional<br />
<strong>da</strong> PRB-2”, a Rádio Clube Paranaense, esse conjunto acompanhava os<br />
cantores na época e se apresentava ao vivo na re<strong>no</strong>ma<strong>da</strong> emissora.<br />
O casamento com Gabriela, Julia Alves, foi um desses acasos <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong>, como ela mesma dizia.<br />
Ela e algumas amigas resolveram<br />
FIGURA 1- Júlia e Salvador<br />
acompanhar uma colega que fez um<br />
Gracia<strong>no</strong><br />
teste na PRB-2 para um programa de<br />
calouros quando conheceu o Salvador<br />
e iniciaram um romance que duraria<br />
quarenta e cinco a<strong>no</strong>s e lhes <strong>da</strong>ria três<br />
filhos.<br />
A carreira propriamente dita iniciou<br />
por volta dos a<strong>no</strong>s 40 quando resolveram<br />
cantar num show <strong>no</strong> bairro Santa<br />
FONTE: Déca<strong>da</strong> 1940. 1 foto P&B.<br />
12cm. x 16cm. Acervo: FCC/ Cândi<strong>da</strong> o famoso valseado “Cavalo<br />
coleção Família Salvador Gracia<strong>no</strong><br />
Zai<strong>no</strong>” (Raul Torres). Agra<strong>da</strong>ram tanto<br />
que não pararam mais.<br />
“Imagina como era Curitiba, há quarenta e tantos a<strong>no</strong>s? A elite era<br />
mínima e o Nhô Belarmi<strong>no</strong> tinha que trabalhar com a maioria para<br />
ganhar dinheiro. A maioria queria ouvir isso aí. Essa era a música<br />
<strong>da</strong>qui. Meu pai sabia que, para atingir o maior número de pessoas,<br />
tinha que tocar o sertanejo porque era esse o estilo que agra<strong>da</strong>va<br />
paulistas, gaúchos, paranaenses e até <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong>s” 98 .<br />
Mais uma vez justifica-se o uso do conceito de Hobsbawm para<br />
uma “tradição inventa<strong>da</strong>”, pois devemos ressaltar que Salvador<br />
Gracia<strong>no</strong> e Júlia Alves (o Belarmi<strong>no</strong> e a Gabriela) eram citadi<strong>no</strong>s, ou<br />
seja, incorporaram em suas produções artísticas as tradições do meio<br />
rural. Assim:<br />
Consideramos que a invenção <strong>da</strong>s tradições é essencialmente um<br />
processo de formalização e ritualização, caracterizado por referirse<br />
ao passado, mesmo que apenas pela imposição <strong>da</strong>s repetições.<br />
Ela ocorre com mais freqüência quando uma transformação rápi<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de debilita ou destrói os padrões sociais para os quais as<br />
“velhas” tradições foram feitas, produzindo <strong>no</strong>vos padrões com os<br />
quais essas tradições são incompatíveis [...] Em suma, inventam-se<br />
<strong>no</strong>vas tradições quando ocorrem transformações suficientemente<br />
amplas e rápi<strong>da</strong>s tanto do lado <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> quanto do lado <strong>da</strong><br />
oferta. 99<br />
Em 1948, se transferiram para a ZYM-5 Rádio Guairacá,<br />
permanecendo nesta emissora por mais de vinte a<strong>no</strong>s. Com o sucesso<br />
alcançado <strong>no</strong> Paraná, a dupla ficou conheci<strong>da</strong> por todo o Brasil e até<br />
internacionalmente. Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro além do<br />
Paraguai, Uruguai e Argentina.<br />
Belarmi<strong>no</strong> e Gabriela gravaram o primeiro disco em 1953, na RCA<br />
- Victor (hoje BMG), com as músicas “Lin<strong>da</strong> Serrana”(Belarmi<strong>no</strong>)<br />
e “Parabéns Paraná” (Belarmi<strong>no</strong> e Pereirinha). Essa gravação fez<br />
parte <strong>da</strong>s comemorações do Centenário de Emancipação Política do<br />
Estado do Paraná. 100<br />
Ao longo de sua carreira, a dupla gravou 17 discos 78 RPM, 3<br />
compactos (vinil) e 11 LP’s, sendo que Nhô Belarmi<strong>no</strong> foi o compositor<br />
de cerca de 99% <strong>da</strong>s músicas grava<strong>da</strong>s pela dupla.<br />
O casal também se apresentou em diversos circos e teatros, tanto<br />
na capital quanto <strong>no</strong> interior do estado.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 235<br />
| História | 2010
FIGURA 2 - Circo Chic Chic<br />
FONTE: HILDAMARIA. Circo Chic Chic. 02 abr. 1978. 1 negativo<br />
P&B. 35 mm. Acervo FCC/ coleção Família Salvador Gracia<strong>no</strong>.<br />
Em Curitiba, Belarmi<strong>no</strong> se apresentou com Ivo Ferro <strong>no</strong> Cine Teatro<br />
Luz <strong>no</strong> final dos a<strong>no</strong>s trinta. Trabalhavam juntos várias e várias <strong>no</strong>ites,<br />
ensaiavam uns esquetes (peque<strong>no</strong>s quadros de teatro humorístico). O<br />
Belarmi<strong>no</strong> entrava com uma gaitinha de oito baixo, o violãozinho e fazia<br />
a primeira parte interpretando algumas músicas. Na segun<strong>da</strong> parte,<br />
eles interpretavam as peças de teatro cômico, onde grande parte era<br />
improvisa<strong>da</strong>:<br />
[...] Naquele tempo era uma peça por dia, todo dia mu<strong>da</strong>va o<br />
repertório, chegou uma hora que esgotou, o circo era <strong>no</strong>vo, o<br />
repertório era peque<strong>no</strong>. Então o Belarmi<strong>no</strong> propunha fazer peças<br />
de combinação, (...) o diálogo era por conta própria, então entrava<br />
em cena, às vezes não sabia mais o que dizer e esperando que<br />
entrasse um para salvar a pátria (...) sabe, era a coisa mais terrível,<br />
mas se tornava tão engraçado aquilo, que às vezes chegava o final<br />
e a gente não sabia como terminar a peça, mas sempre <strong>da</strong>va certo<br />
e o público aplaudia muito, gostava e pediam reprise. 101<br />
No Pavilhão Carlos Gomes, já com Gabriela, formou o trio Mineiro<br />
(Bolinha, Dircinha Valente e Belarmi<strong>no</strong>). Nessa época, montaram o<br />
próprio pavilhão na Rua Barão do Rio Branco. Para aju<strong>da</strong>r, Belarmi<strong>no</strong><br />
fazia doces para vender na porta do Pavilhão. Se o local era bom,<br />
eles ficavam fixos três meses. O pavilhão era armado na rua Itupava,<br />
depois ia para o bairro do Cajuru, tudo sendo levado na carroça.<br />
Ficavam lá seis meses e depois iam para o Boqueirão.<br />
Porém, foi através do rádio que a dupla ficou conheci<strong>da</strong><br />
nacionalmente. Em 1944, o jornal Gazeta do Povo, em sua coluna<br />
Palcos e Telas, anunciava a estreia <strong>da</strong>: “melhor dupla caipira do Brasil”<br />
[...] <strong>no</strong> Circo Irmãos Queirolo, onde<br />
iriam prosseguir por mais algum<br />
tempo.” 102<br />
FIGURA 3 – Propagan<strong>da</strong><br />
Durante os a<strong>no</strong>s que atuaram<br />
em rádios, a dupla tor<strong>no</strong>u<br />
conhecidos vários produtos ou casas<br />
comerciais que a patrocinavam. A<br />
propagan<strong>da</strong> era cotidiana na vi<strong>da</strong><br />
do casal caipira. Entre as que se<br />
destacavam, estava a Alfaiataria<br />
Guanabara e a <strong>da</strong>s Casas Lorusso.<br />
A vi<strong>da</strong> profissional desta<br />
dupla caipira foi <strong>da</strong>s mais ricas<br />
e dinâmicas. Além dos circos,<br />
<strong>da</strong> rádio, shows e programas de<br />
TV, eles ain<strong>da</strong> buscavam outros FONTE: Propagan<strong>da</strong> do show<br />
na Guairacá. Déca<strong>da</strong> de 1950.<br />
meios de se comunicar com o seu<br />
1 fotografia. P&B.Acervo FCC/<br />
público.<br />
coleção Família Salvador Gracia<strong>no</strong>.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 236<br />
| História | 2010
FIGURA 4 – Parceria impossível<br />
FONTE: HILDAMARIA. Parceria Impossível. 06 ago.1979. 1 negativo. P&B. 35<br />
mm. Acervo FCC/ coleção Família Salvador Gracia<strong>no</strong>.<br />
Nenhuma outra dupla musical conseguiu se identificar tanto<br />
com o Paraná como eles. O povo, a cultura e seus costumes foram<br />
representados por mais de quarenta a<strong>no</strong>s pelo casal, que foi semeador<br />
de distração e lazer na vi<strong>da</strong> dos paranaenses. Mesmo com o fim dos<br />
programas de palco-auditório <strong>da</strong> Guairacá, os músicos continuaram a<br />
ter um público fiel.<br />
Em 1959, veio a consagração definitiva na carreira musical com a<br />
gravação do famoso clássico “Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de”(Nhô Belarmi<strong>no</strong>),<br />
cujo sucesso rendeu à dupla diversas viagens pelo país em shows<br />
e apresentações. A música teve também várias regravações por<br />
inúmeros intérpretes, entre eles o cantor luso-brasileiro Roberto Leal e<br />
Pena Branca <strong>no</strong> CD “Semente Caipira” <strong>da</strong> Kuarup Discos.<br />
Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de<br />
As mocinhas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de são bonita e <strong>da</strong>nçam bem<br />
As mocinhas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de são bonita e <strong>da</strong>nçam bem<br />
Dancei uma vez com uma moreninha e ja fiquei querendo bem<br />
Dancei uma vez com uma moreninha e ja fiquei querendo bem<br />
E o sol já vai se pondo e as sau<strong>da</strong>des vêm atrás<br />
E o sol já vai se pondo e as sau<strong>da</strong>des vêm atrás<br />
Vou Buscar aquela lin<strong>da</strong> moreninha para mim viver em paz<br />
Vou Buscar aquela lin<strong>da</strong> moreninha para mim viver em paz<br />
Fui na casa <strong>da</strong> morena pedir água prá beber<br />
Fui na casa <strong>da</strong> morena pedir água prá beber<br />
não é sede não é na<strong>da</strong> moreninha eu vim aqui para te ver<br />
não é sede não é na<strong>da</strong> moreninha eu vim aqui para te ver<br />
Embora teu pai não queira que eu me case com você<br />
Embora teu pai não queira que eu me case com você<br />
Mas depois de nós casados moreninha ele vai me compreender<br />
Mas depois de nós casados moreninha ele vai me compreender 103<br />
Após vários a<strong>no</strong>s de sucesso, na déca<strong>da</strong> de 1980 problemas<br />
de saúde interromperam a carreira artística de Belarmi<strong>no</strong> e as<br />
apresentações <strong>da</strong> dupla.<br />
Sua última aparição em público foi <strong>no</strong> Programa “Som Brasil”,<br />
de Rolando Boldrin, que era fã <strong>da</strong> dupla desde criança. Com o<br />
impedimento de Belarmi<strong>no</strong> de cantar, Rolando Boldrin interpretou<br />
um dos clássicos <strong>da</strong> dupla “Passarinho Prisioneiro” até que Nhô<br />
Belarmi<strong>no</strong> também começou a cantar junto com o apresentador.<br />
Foi <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1983, a última gravação de Nhô Belarmi<strong>no</strong> cantando,<br />
interpretou “Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de” <strong>no</strong> álbum “Curitiba Ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
Gente”. Houve mais algumas aparições em público, mas Belarmi<strong>no</strong>,<br />
já bastante debilitado subia ao palco conduzido numa cadeira de<br />
ro<strong>da</strong>s e somente acompanhava sua esposa Gabriela. Junto dela, fez<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 237<br />
| História | 2010
sua última apresentação<br />
na comemoração dos<br />
sessenta a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Rádio<br />
Clube Paranaense onde<br />
recebeu uma <strong>da</strong>s maiores<br />
ovações de sua carreira<br />
artística. 104<br />
Em memória à famosa<br />
dupla caipira e sua<br />
extensa carreira artística,<br />
como reconhecimento à<br />
sua contribuição para a<br />
formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />
paranaense, na déca<strong>da</strong> de<br />
1990 foi construído um monumento <strong>no</strong> centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Curitiba<br />
<strong>no</strong> cruzamento <strong>da</strong>s Ruas Alame<strong>da</strong> Cabral e Cruz Machado.<br />
A fonte “Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de”, que homenageou Nhô Belarmi<strong>no</strong><br />
e Nhá Gabriela foi inaugura<strong>da</strong> em setembro de 1996, revitalizando<br />
um espaço público até então sem uso. Com desenhos do artista<br />
Fernando Canalli, possui colunas com pinhões <strong>no</strong>s capitéis,<br />
fazendo uma homenagem às suas origens européias e à identi<strong>da</strong>de<br />
paranaense. Entre as colunas existem painéis de azulejos com os<br />
versos <strong>da</strong> letra <strong>da</strong> música “Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de” (Nhô Belarmi<strong>no</strong>),<br />
o maior sucesso <strong>da</strong> dupla. Ao centro do monumento, a foto do<br />
casal com água caindo entre as colunas “como sinal de alegria e <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> que deve jorrar todo o tempo <strong>sobre</strong> os curitiba<strong>no</strong>s” 105 FIGURA 5 – Aniversário <strong>da</strong> Rádio Clube<br />
FONTE: Disponível em: www.boamúsicabrasileira.com.br.<br />
Acesso em: 19 mai. 2009<br />
.<br />
Citando a autora Françoise Choay, monumento é:<br />
Aquilo que traz à lembrança alguma coisa. A natureza afetiva do<br />
seu propósito é essencial: Não se trata de apresentar, de <strong>da</strong>r uma<br />
informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva. [...]<br />
chamar-se-á de monumento tudo que for edificado por uma comuni<strong>da</strong>de<br />
para rememorar fatos, acontecimentos, ritos ou crenças 106 .<br />
De acordo com o deputado Rafael Greca de Macedo, idealizador<br />
<strong>da</strong> fonte:<br />
Para que não <strong>no</strong>s esqueçamos de nós mesmos. Porque a Ci<strong>da</strong>de<br />
somos nós que fazemos. E uma ci<strong>da</strong>de é o conjunto de seus<br />
poetas, a memória de seus cantores, a perene lembrança de seus<br />
músicos e compositores. Generoso, o povo alimenta os artistas<br />
FIGURA 6 – Fonte mocinhas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
FONTE: CAMPOS, Marcos. Fonte Mocinhas <strong>da</strong> Cci<strong>da</strong>de. 02 jun. 2009. 1<br />
fotografia. Color. 10 cm x 15 cm. Acervo Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba/Casa<br />
<strong>da</strong> Memória.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 238<br />
| História | 2010
FIGURA 7 – Vista <strong>no</strong>turna <strong>da</strong> fonte<br />
FONTE: Disponível em: www.curitbatour.org.br. Acesso em: 19 mai. 2009. Acervo<br />
P. M. C./ Secretaria Comunicação Social.<br />
com inspiração e aplauso. Recebe de volta, <strong>no</strong> ciclo <strong>da</strong> criação, as<br />
harmonias compostas. 107<br />
Além <strong>da</strong> fonte, em 25 de outubro de 2007, estreou de forma<br />
solene <strong>no</strong> Museu Oscar Niemeyer em Curitiba-PR o filme “Belarmi<strong>no</strong><br />
e Gabriela”, dirigido por Geraldo Pioli, com roteiro de Geraldo<br />
Pioli e Altenir Silva, Direção Musical de Ivan Gracia<strong>no</strong>, e com a<br />
participação de Ivan Gracia<strong>no</strong>, Rui Gracia<strong>no</strong> e Soraya Valente, além<br />
de Cassianinho, Marinho Gallera, Jota Eme, Lico Luvizotto e do grupo<br />
Viola Quebra<strong>da</strong>.<br />
O filme é mais uma homenagem do povo paranaense à trajetória<br />
artística do casal.<br />
FIGURA 8 - Filme<br />
FONTE: Disponível em: www.boamúsica<br />
brasileira.com.br. Acesso em: 19 mai. 2009<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O desenvolvimento do conceito de Patrimônio Cultural foi<br />
paulatinamente sofrendo modificações. Se, <strong>no</strong> início, a preservação do<br />
<strong>patrimônio</strong> havia sido pensa<strong>da</strong> somente como um meio de salvaguar<strong>da</strong>r<br />
<strong>da</strong> depre<strong>da</strong>ção e <strong>da</strong> pilhagem as obras de artes e os edifícios<br />
monumentais <strong>da</strong> França pós Revolução, posteriormente foi adquirindo<br />
um aspecto mais denso relacionado com a proteção do <strong>patrimônio</strong><br />
<strong>cultural</strong> <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 239<br />
| História | 2010
Ao longo dessa trajetória, o <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> sofreu muitos<br />
revezes. Algumas per<strong>da</strong>s, irreparáveis, como a derruba<strong>da</strong> de grandes<br />
conjuntos arquitetônicos monumentais em <strong>no</strong>me <strong>da</strong> modernização e<br />
higienização dos espaços urba<strong>no</strong>s, defendi<strong>da</strong>s por algumas correntes<br />
de pensamento e outras que pregavam a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> preservação<br />
do bem, sem que se pudessem alterar os espaços do entor<strong>no</strong> dos<br />
monumentos e edifícios históricos.<br />
Finalmente a junção dessas duas concepções fez nascer uma<br />
<strong>no</strong>va corrente de pensamento. A utilização consciente dos edifícios<br />
históricos e seu bom uso fizeram com que também a comuni<strong>da</strong>de se<br />
sentisse responsável pelos bens preservados. Ganharam o <strong>patrimônio</strong><br />
histórico, as ci<strong>da</strong>des, as futuras gerações. Ganhamos todos nós.<br />
Mas recentemente, alguns países preocupados com sua cultura<br />
tradicional reivindicaram também a preservação, não só de seus<br />
monumentos arquitetônicos, mas também de suas manifestações<br />
culturais mais autênticas.<br />
A partir desse momento, o conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> ganhou<br />
mais uma vez. Incorporou sob sua responsabili<strong>da</strong>de a preservação<br />
<strong>da</strong> cultura dos povos, garantindo a continui<strong>da</strong>de através do registro,<br />
<strong>da</strong> documentação e do suporte <strong>da</strong> transmissão dos saberes às <strong>no</strong>vas<br />
gerações. Dessa forma, propiciou a manutenção <strong>da</strong>s tradições e<br />
valorizou as mais varia<strong>da</strong>s manifestações culturais garantindo assim a<br />
dinâmica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des e a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultural</strong>.<br />
Para que faça sentido à preservação de bens tangíveis e intangíveis<br />
em uma socie<strong>da</strong>de, é necessário que eles sejam relevantes para as<br />
comuni<strong>da</strong>des, <strong>no</strong> sentido de despertar na memória <strong>da</strong>s pessoas,<br />
sentimentos de pertencimento e de identi<strong>da</strong>de com o passado comum.<br />
A preservação dos monumentos e de monumentos históricos está<br />
intimamente liga<strong>da</strong> à memória coletiva. Sendo assim, são esses valores<br />
que respal<strong>da</strong>m a preservação dos bens patrimoniais.<br />
Ao <strong>no</strong>s deparar com esses conceitos, buscamos a melhor forma<br />
possível para alcançar meus objetivos. Pensando <strong>sobre</strong> a análise do<br />
tema proposto e o conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>, o referencial teórico<br />
utilizado para o desenvolvimento desse <strong>estudo</strong> foi imprescindível para<br />
a condução <strong>da</strong>s análises de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>. A autora Françoise<br />
Choay contribuiu para os <strong>estudo</strong>s referentes ao desenvolvimento<br />
do conceito de <strong>patrimônio</strong> desde sua origem até as discussões mais<br />
atualiza<strong>da</strong>s <strong>sobre</strong> preservação <strong>da</strong>s manifestações culturais.<br />
Num segundo momento, a utilização do texto de Eric Hobsbawm tor<strong>no</strong>u<br />
possível a análise <strong>da</strong> música popular brasileira rural. Sua apropriação pela<br />
indústria fo<strong>no</strong>gráfica e a disseminação <strong>no</strong> espaço urba<strong>no</strong>.<br />
Finalmente, e ain<strong>da</strong> utilizando Hobsbawm, citamos um caso<br />
paranaense de construção de identi<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong> música sertaneja,<br />
a dupla Belarmi<strong>no</strong> e Gabriela que se apropriaram de tradições rurais<br />
para valorizar o homem sertanejo <strong>no</strong> ambiente urba<strong>no</strong>.<br />
Ao iniciarmos essa pesquisa, o principal estava diretamente ligado<br />
com a produção artística <strong>da</strong> dupla Belarmi<strong>no</strong> e Gabriela. O primeiro<br />
objetivo proposto foi entender sua produção artística como um<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong>.<br />
No transcorrer desse <strong>estudo</strong>, percebemos que <strong>da</strong> forma<br />
como havíamos proposto o trabalho inicialmente, seria errôneo<br />
permanecermos nessa linha de <strong>estudo</strong>, pois o conceito de <strong>patrimônio</strong><br />
<strong>imaterial</strong> se fun<strong>da</strong>menta primordialmente na conjunção de um saber<br />
de domínio público. Algo que tenha relevância para a comuni<strong>da</strong>de,<br />
que a identifique, mas que também esteja disponível ao usufruto<br />
de todos. Como então, trabalhar com a carreira dos músicos, os<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 240<br />
| História | 2010
quais tinham uma autoria defini<strong>da</strong>, que marcaram gerações com o<br />
fortalecimento de uma identi<strong>da</strong>de forja<strong>da</strong> <strong>no</strong> espírito do homem rural<br />
paranaense?<br />
Partimos então para a exploração <strong>da</strong> música sertaneja como<br />
<strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. O universo simbólico que permeia esse estilo<br />
musical vem de encontro com a definição de <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>.<br />
Ser de domínio público, relevante para um meio social e servir como<br />
elemento identificador.<br />
Ao concentrar a pesquisa nesse enfoque, encontramos um solo<br />
fértil para o desenvolvimento de <strong>no</strong>ssos <strong>estudo</strong>s, visto que a música<br />
sertaneja e a preservação do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong> despertam<br />
muitas questões que, poderão ser aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em <strong>no</strong>vos <strong>estudo</strong>s.<br />
Além <strong>da</strong> música, o conceito de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>, por se tratar<br />
de um tema relativamente recente, sugere temas para os variados<br />
campos de pesquisa.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 241<br />
| História | 2010
NOTAS DE RODAPÉ<br />
1 HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. A memória pública. Disponível em: www.miniweb.com.br/ lugares_memória.html. Acesso em: 25 mai. 2009.<br />
2 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: BAHLS, Apareci<strong>da</strong> V. S. A busca de valores identitários: a memória<br />
histórica paranaense. p. 13.<br />
3 Jacques Le Goff. História e memória. São Paulo: Editora <strong>da</strong> Unicamp, 1994, p. 419.<br />
4 STENGERS, I. ap. CHOAY, Françoise. Alegoria do <strong>patrimônio</strong>. São Paulo: Unesp, 2001. p. 11.<br />
5 Esse conceito de material genético é o adotado pela convenção <strong>sobre</strong> Diversi<strong>da</strong>de Biológica, assina<strong>da</strong> <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em 5 de junho de<br />
1992, pelo Presidente <strong>da</strong> República, promulga<strong>da</strong> em 16.03.1998, por via do Decreto nº 2519, de 16 de março de 1998. Disponível em: http://<br />
www.lei.adv.br. Acesso em:18 mar. 2009.<br />
6 LEMOS, Carlos. O que é <strong>patrimônio</strong> histórico. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 8.<br />
7 HORTA, Maria de Lourdes P; FARIAS, Priscila; GRUNBERG, Eveline; et al. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: Iphan, 1999.<br />
8 FONSECA. Maria Cecília L. O <strong>patrimônio</strong> em processo: trajetória <strong>da</strong> política federal de preservação <strong>no</strong> Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Ministério<br />
<strong>da</strong> Cultura – Iphan, 2005. p. 35.<br />
9 id. ibid. p. 36.<br />
10 ARGAN, G.C. ap. FONSECA, ibid. p. 36.<br />
11 Em sua obra, a autora se utiliza dos termos <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> e <strong>patrimônio</strong> histórico como sinônimos para se referir aos bens edificados.<br />
12 CHOAY. op. cit. p. 11.<br />
13 LEMOS. op. cit. p. 8.<br />
14 FONSECA. op. cit. p. 37.<br />
15 SANT’ANNA, Márcia. A face <strong>imaterial</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>: os <strong>no</strong>vos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, Regina;<br />
CHAGAS, Mário (org.). Memória e <strong>patrimônio</strong>: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 47.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 242<br />
| História | 2010
16 SANT’ANNA, Márcia. A face <strong>imaterial</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>: os <strong>no</strong>vos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, Regina;<br />
CHAGAS, Mário (org.). op. cit. p. 48.<br />
17 PELEGRINI, Sandra. C.A.; FUNARI, Pedro Paulo. O que é <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong>. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 32.<br />
18 id. ibid. p. 33.<br />
19 id. ibid. p. 35.<br />
20 Convenção para a Salvaguar<strong>da</strong> do Patrimônio Imaterial, 2003, p.1. In: PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 46.<br />
21 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 62.<br />
22 Conferência mundial <strong>sobre</strong> as políticas culturais, 1982. In: PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 40.<br />
23 BRASIL – Inst. O registro do <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. Relatório final <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> comissão e do grupo de trabalho <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>.<br />
Brasília, Iphan, set, 1999.<br />
24 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 36.<br />
25 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 38.<br />
26 SANT’ANNA, Márcia. A face <strong>imaterial</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>: os <strong>no</strong>vos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, Regina;<br />
CHAGAS, Mário (org.). op. cit. p. 49.<br />
27 SANT’ANNA, Márcia. A face <strong>imaterial</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>: os <strong>no</strong>vos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, Regina;<br />
CHAGAS, Mário (org.). op. cit. p. 50.<br />
28 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 39.<br />
29 RECOMENDAÇÃO <strong>sobre</strong> a Salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Cultura Tradicional e Popular, 1989. p. 2. Disponível em: http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura.<br />
Acesso em: 02 abr. 2009.<br />
30 BRASIL. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil de 1988. Seção II <strong>da</strong> Cultura. Art. 215.<br />
31 FONSECA, Maria Cecília L. Para além <strong>da</strong> pedra e cal: por uma concepção ampla de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário<br />
(org.). op. cit. p. 59-60.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 243<br />
| História | 2010
32 BRASIL – Inst. O registro do <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. Relatório final <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> comissão e do grupo de trabalho <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>.<br />
Brasília, Iphan, set, 1999.<br />
33 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Cultura. Decreto nº 3.551, de 4 de ago. 2000. Disponível em: www.monumenta.gov.br Acesso em: 08 abr. 2009.<br />
34 Designação genérica de vários movimentos artísticos e literários (cubismo, <strong>da</strong><strong>da</strong>ísmo etc.), surgidos <strong>no</strong> fim dos séculos XIX e <strong>no</strong> XX, que<br />
buscaram examinar e desconstruir os sistemas estéticos <strong>da</strong> arte tradicional. No Brasil o movimento iniciado com a Semana de Arte Moderna<br />
(1922), refletiu-se na busca de meios de expressão autenticamente brasileiros, fugindo dos tradicionais modelos europeus. In: HOUAISS,<br />
Antonio. Dicionário Houaiss <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, 2001.<br />
35 FONSECA. op. cit. p. 89.<br />
36 id. ibid. p. 89.<br />
37 FONSECA. op. cit. p. 83.<br />
38 BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Cultura. Disponível em: www.monumenta.gov.br. Acesso em: 08 abr. 2009.<br />
39 LEMOS. op. cit. p. 37<br />
40 id. ibid. p. 37.<br />
41 FONSECA. op. cit. p. 96.<br />
42 LEMOS. op. cit. p. 38.<br />
43 id. ibid. p. 39.<br />
44 LEMOS. op. cit. p. 43.<br />
45 FONSECA. op. cit. p. 38.<br />
46 As expressões “Livro Tombo” e tombamento provêem do direito Português, onde a palavra “tombar” significa “inventariar”, “arrolar” ou “inscrever”<br />
<strong>no</strong>s arquivos do Rei<strong>no</strong>, guar<strong>da</strong>dos na “Torre do Tombo”. Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro. In: FONSECA. op. cit. p. 179.<br />
47 LEMOS. op. cit. p. 85.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 244<br />
| História | 2010
48 Coordenador do projeto do Centro Nacional de Referência Cultural CNRC, 1975-1980<br />
· Membro do Conselho de Cultura do Distrito Federal, 1976-1980<br />
· Nomeado diretor do então Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1979 - Presidente <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Nacional Pró-Memória 1979.<br />
Vice-presidente do Comitê do Patrimônio Mundial <strong>da</strong> Unesco, em Sidney, 1981.<br />
. Membro do Bureau do Comitê do Patrimônio Mundial <strong>da</strong> Unesco, 1981-1982<br />
· Membro do Conselho Superior <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Brasileira para Conservação <strong>da</strong> Natureza, 1981-1982<br />
· Secretário <strong>da</strong> Cultura do MEC, 1981.<br />
49 IPHAN. Os sambas, as ro<strong>da</strong>s, os bumbas, os meus e os bois: trajetória <strong>da</strong> salvaguar<strong>da</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong> <strong>no</strong> Brasil. Brasília - DF,<br />
Ministério <strong>da</strong> Cultura. 2006.p. 5.<br />
50 id. ibid.p.7.<br />
51 id. ibid. p.6.<br />
52 id. ibid. p.6.<br />
53 id. ibid. p.6.<br />
54 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 74.<br />
55 id. ibid. p. 81.<br />
56 MARTINS, José de Souza. Viola Quebra<strong>da</strong>. In: Revista Debate & Crítica. São Paulo: HUCITEC Lt<strong>da</strong>, n. 4. p. 23-47, 1974. Disponível em: www.<br />
sitemason.vanderbilt.edu/files. Acesso em: 18 mai. 2009.<br />
57 MARTINS. ap. ZAN, José Roberto. Da roça à Nashville. Revista Rua. Campinas: Labeurbe, n. 1, 1995. p. 113-136. ISSN: 1413-2109.<br />
58 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção <strong>da</strong>s tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 9.<br />
59 id. ibid. p. 14.<br />
60 PELEGRINI; FUNARI. op. cit. p. 62.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 245<br />
| História | 2010
61 No que se refere ao termo, ver ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br/unicamp/<br />
Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso em: 04 mai. 2009. Atualmente, o autor <strong>da</strong> entrevista é professor doutor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campinas,<br />
Membro do Conselho Editorial <strong>da</strong> Editora UNICAMP, - ArtCultura (UFU) e - Cader<strong>no</strong>s de Pós-Graduação do Instituto de Artes/UNICAMP. Tem<br />
experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia <strong>da</strong> Cultura e <strong>da</strong> Arte, atuando principalmente <strong>no</strong>s seguintes temas: música popular,<br />
indústria fo<strong>no</strong>gráfica, música sertaneja, música popular brasileira e indústria <strong>cultural</strong>.<br />
62 ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br / unicamp / Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso<br />
em: 04 mai. 2009.<br />
63 ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br/ unicamp / Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso<br />
em: 04 mai. 2009.<br />
64 HOBSBAWM. op. cit. p. 14.<br />
65 HOBSBAWM. op. cit. p. 10.<br />
66 ULHÔA, Martha T. Música Sertaneja em Uberlândia na déca<strong>da</strong> de 1990. In: Revista Artcultura, nº 9, 2004. Uberlândia: Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
de Uberlândia, Instituto de História. p. 58.<br />
67 ULHÔA, Martha T. Música Sertaneja em Uberlândia na déca<strong>da</strong> de 1990. In: Revista Artcultura, nº 9, 2004. Uberlândia: Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
de Uberlândia, Instituto de História. p. 61.<br />
68 NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: <strong>da</strong> roça ao rodeio. São Paulo: 34, 1999. p. 56.<br />
69 CAPITÃO FURTADO; LAUREANO. Como nasceu o Cururu. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br. Acesso em: 23 abr. 2009.<br />
70 Para maiores esclarecimentos ver os <strong>estudo</strong>s dos autores: Ayrton Mugnaini Jr,. W Cal<strong>da</strong>s; J Martins; M de Souza Chaúi; M Marcondes.<br />
71 ULHÔA, Martha T. Música Sertaneja em Uberlândia na déca<strong>da</strong> de 1990. In: Revista Artcultura, nº 9, 2004. Uberlândia: Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
de Uberlândia, Instituto de História. p. 61.<br />
72 HOBSBAWM. op. cit. p. 12.<br />
73 Caá-boc. O termo definia o tipo relatado por J. A. Cal<strong>da</strong>s, em 1759, “um mestiço de branco com índia”. CALDAS. ap. NEPOMUCENO. op.<br />
cit. p. 56.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 246<br />
| História | 2010
74 ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br/ unicamp/ Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso<br />
em: 04 mai. 2009.<br />
75 HOBSBAWM. op. cit. p. 10.<br />
76 ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br/ unicamp/ Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso<br />
em: 04 mai. 2009.<br />
77 STTI, Kilza. Pesquisa. Pesquisa realiza<strong>da</strong> <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s sessenta <strong>no</strong> litoral <strong>no</strong>rte de São Paulo. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br /<br />
origem. Acesso em: 25 abr. 2009.<br />
78 NEPOMUCENO. op. cit. p. 76.<br />
79 id. ibid. p. 77.<br />
80 TINHORÃO, José R. Pequena história <strong>da</strong> música popular brasileira. São Paulo: Círculo do Livro. p. 187.<br />
81 HOBSBAWM. op. cit. p. 9.<br />
82 Francisca Edwiges Neves, a Chiquinha Gonzaga, nasceu <strong>no</strong> Rio de Janeiro, a 17 de outubro de 1847. Filha de uma família ilustre do Império. O<br />
sucesso de Chiquinha Gonzaga começou em 1877, com a polca “Atraente”. A partir <strong>da</strong> repercussão de sua primeira composição impressa, Chiquinha<br />
resolveu se lançar <strong>no</strong> teatro de varie<strong>da</strong>des. Estreou compondo a trilha <strong>da</strong> opereta de costumes “A Corte na Roça”, de 1885. Em 1934, aos 87 a<strong>no</strong>s,<br />
Chiquinha Gonzaga escreveu a partitura <strong>da</strong> opereta “Maria”. Chiquinha compôs as músicas de 77 peças teatrais, tornando-se responsável por cerca<br />
de 2000 composições. Em 1897, todo o Brasil <strong>da</strong>nçou sua estilização do corta-jaca, sob a forma de tango “Gaúcho”, mais conhecido como “Corta-<br />
Jaca”. Dois a<strong>no</strong>s depois, compôs “Ó Abre Alas”, a primeira marcha carnavalesca que se tem <strong>no</strong>tícia. Viveu até 28 de fevereiro de 1935, às vésperas<br />
do carnaval, festa que ela tanto amava. Disponível em: www.e-biografias.net/biografias. Acesso em: 08 mai. 2009.<br />
83 Oficialmente ele foi Sede do Gover<strong>no</strong> Federal de 24 de fevereiro de 1897 até 1960. Grande repercussão gerou o polêmico sarau organizado,<br />
em 1914, pela caricaturista Nair de Teffé, esposa do presidente Hermes <strong>da</strong> Fonseca, durante o qual foi executado o famoso “Corta- Jaca”,<br />
de Chiquinha Gonzaga. Pela primeira vez, a música popular era interpreta<strong>da</strong> <strong>no</strong>s salões de um Solar aristocrático. Disponível em: www.<br />
museu<strong>da</strong>república.org.br. Acesso em: 12 mai 2009.<br />
84 TINHORÃO. op. cit. p. 190.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 247<br />
| História | 2010
85 id. ibid. p. 198.<br />
86 NEPOMUCENO. op. cit. p.16.<br />
87 TINHORÃO. op. cit. p. 198.<br />
88 id. ibid. p. 200.<br />
89 id. ibid. p. 200.<br />
90 NEPOMUCENO. op. cit. p. 110.<br />
91 DONADIO, Van<strong>da</strong> C. Pesquisa. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br. Acesso em: 25 abr. 2009.<br />
92 ULHÔA, Martha T. Música Sertaneja em Uberlândia na déca<strong>da</strong> de 1990. In: Revista Artcultura, nº 9, 2004. Uberlândia: Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
de Uberlândia, Instituto de História, p.63.<br />
93 TINHORÃO. op. cit. p. 201.<br />
94 NEPOMUCENO. op. cit. p. 113.<br />
95 BOLETIM informativo casa Romário Martins. Nas on<strong>da</strong>s do rádio. Curitiba: Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba. v. 23. n.115. dez. 1996.<br />
96 SOUZA NETO, Ma<strong>no</strong>el. A [Des] Construção <strong>da</strong> música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004. p. 202.<br />
97 id. ibid. p. 204.<br />
98 id.ibid. p. 206.<br />
99 HOBSBAWM. op. cit. p. 12.<br />
100 MUGNAINI Jr, Ayrton. Enciclopédia <strong>da</strong>s músicas sertanejas. São Paulo: Letras & Letras, 2001.<br />
101 FERRO, Ivo. Entrevista concedi<strong>da</strong> à Roseli Boschilia. In Boletim informativo <strong>da</strong> casa Romário Martins. n. 75: Memórias de Nhô Belarmi<strong>no</strong> e<br />
Nhá Gabriela. Curitiba, Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba, 1985. p.15.<br />
102 BOLETIM informativo <strong>da</strong> casa Romário Martins. n. 75: Memórias de Nhô Belarmi<strong>no</strong> e Nhá Gabriela. Curitiba, Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba,<br />
1985. p. 16.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 248<br />
| História | 2010
103 GRACIANO, Salvador. Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br. Acesso em: 23 abr. 2009.<br />
104 Disponível em: www.boamusicabrasileira.com/nhobelarmi<strong>no</strong>enhagabriela. Acesso em: 17 mai. 2009.<br />
105 Trecho do discurso proferido <strong>no</strong> dia 26/03/2003, <strong>no</strong> sétimo aniversário de falecimento de Nhá Gabriela. Disponível em: www.boamusicabrasileira.<br />
com / nhobelarmi<strong>no</strong>enhagabriela. Acesso em: 17 mai. 2009.<br />
106 CHOAY. op cit. p. 17.<br />
107 Trecho do discurso proferido <strong>no</strong> dia 26/03/2003, <strong>no</strong> sétimo aniversário de falecimento de Nhá Gabriela. Disponível em: www.boamusicabrasileira.<br />
com/ nhobelarmi<strong>no</strong>enhagabriela. Acesso em: 17 mai. 2009.<br />
FONTES<br />
BELARMINO E GABRIELA. Direção de Geraldo Pioli. Curitiba: Pioli Produções, 2007, son., color.<br />
BOLETIM Informativo Casa Romário Martins. Memória Nhô Belarmi<strong>no</strong> e Nhá Gabriela: Curitiba: Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba, v. 12, n. 75, jun. 1985.<br />
BOLETIM Informativo Casa Romário Martins: Nas On<strong>da</strong>s do Rádio. Curitiba: Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba, v. 23, n. 115, dez. 1996.<br />
BOLETIM Informativo Casa Romário Martins: O cotidia<strong>no</strong> de Curitiba durante a 2ª Guerra Mundial. Curitiba: Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba, v.<br />
22, n.107, out. 1995.<br />
LEMOS, Carlos. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 2000.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
BRASIL. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil de 1988. Seção II <strong>da</strong> Cultura. Art. 215.<br />
BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Cultura. Decreto nº 3.551, de 4 de ago. 2000. Disponível em http://www.monumenta.gov.br/site. Acesso em: 08 abr. 2009.<br />
BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Cultura. Disponível em: http://www.monumenta.gov.br/site. Acesso em: 08 abr. 2009.<br />
BRASIL. O registro do <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. Relatório final <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> comissão e do grupo de trabalho <strong>patrimônio</strong> <strong>imaterial</strong>. Brasília, Iphan,<br />
set, 1999.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 249<br />
| História | 2010
BRASIL. Senado Federal. Decreto n.2519.16 mar. 1998. Disponível em: http:// www.lei.adv.br. Acesso em: 18 mar. 2009.<br />
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbri<strong>da</strong>s: São Paulo: USP. 2000.<br />
CAPITÃO FURTADO; LAUREANO. “Como nasceu o Cururu”. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br. Acesso em: 23 abr. 2009.<br />
CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Unesp, 2001.<br />
DONADIO, Van<strong>da</strong> C. Pesquisa. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br. Acesso em: 25 abr. 2009.<br />
FENIANOS, Eduardo E. Manual Curitiba: a ci<strong>da</strong>de em suas mãos. Curitiba: Univer Ci<strong>da</strong>de, 2003.<br />
FONSECA, Maria Cecília L. Para além <strong>da</strong> pedra e cal: por uma concepção ampla de <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário<br />
(org.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos.Rio de Janeiro:DP&A, 2003.<br />
_____ O <strong>patrimônio</strong> em processo: trajetória <strong>da</strong> política federal de preservação <strong>no</strong> Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; Ministério <strong>da</strong> Cultura – IPHAN,<br />
2005.<br />
GRACIANO, Salvador. Mocinhas <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com. br. Acesso em: 23 abr. 2009.<br />
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção <strong>da</strong>s tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.<br />
HOERNER Junior, Valério. 1943-Rádio Clube Paranaense: a pioneira do Paraná. Curitiba: Champagnat, 2005. (Coleção Legado n. 15).<br />
HORTA, Maria de Lourdes; FARIAS, Priscila; GRUNBERG, Eveline; et al.Guia básico de educação patrimonial. Iphan, Brasília, 1999.<br />
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, 2001.<br />
IPHAN. Os sambas, as ro<strong>da</strong>s, os bumbas, os meus e os bois: trajetória <strong>da</strong> salvaguar<strong>da</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong> <strong>no</strong> Brasil. Brasília- DF,<br />
MinC. 2006.<br />
KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os rituais do tombamento e a escrita <strong>da</strong> História: Curitiba: UFPR, 2000.<br />
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?: a questão dos bens culturais <strong>no</strong> Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira1997.<br />
MARTINS, José de Souza. Viola Quebra<strong>da</strong>. In: Revista Debate & Crítica. São Paulo: HUCITEC Lt<strong>da</strong>, n. 4. p. 23-47, 1974. Disponível em: www.<br />
sitemason. vanderbilt. edu/files. Acesso em: 18 mai. 2009.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 250<br />
| História | 2010
MARTINS. ap. ZAN, José Roberto. Da roça à Nashville. Revista Rua. Campinas: Labeurbe, n. 1, 1995. p. 113-136. ISSN: 1413-2109.<br />
MUGNAINI Jr, Ayrton. Enciclopédia <strong>da</strong>s músicas sertanejas. São Paulo: Letras & Letras, 2001.<br />
NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: <strong>da</strong> roça ao rodeio. São Paulo. 34, 1999.<br />
O DIREITO à Memória: Patrimônio Histórico e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.<br />
PELEGRINI, Sandra C.A.; FUNARI, Pedro Paulo. O que é <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong> <strong>imaterial</strong>. São Paulo: Brasiliense, 2008.<br />
RECOMENDAÇÃO <strong>sobre</strong> a Salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Cultura Tradicional e Popular, 1989. p. 2. Disponível em: http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura.<br />
Acesso em: 02 abr. 2009.<br />
SANT’ANNA, Márcia. A face <strong>imaterial</strong> do <strong>patrimônio</strong> <strong>cultural</strong>: os <strong>no</strong>vos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, Regina;<br />
CHAGAS, Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.<br />
SOUZA NETO, Ma<strong>no</strong>el. A [Des] Construção <strong>da</strong> música na cultura paranaense. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2004. p. 202.<br />
STTI, Kilza. Pesquisa. Pesquisa realiza<strong>da</strong> <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s sessenta <strong>no</strong> litoral <strong>no</strong>rte de São Paulo. Disponível em: www.<strong>viola</strong>tropeira.com.br /<br />
origem. Acesso em: 25 abr. 2009.<br />
TINHORÃO, José Ramos. História social <strong>da</strong> Música Popular Brasileira. São Paulo: 34, 1998.<br />
_____ Pequena história <strong>da</strong> música popular brasileira. São Paulo: Círculo do Livro. p. 187.<br />
ULHÔA, Martha T. Música Sertaneja em Uberlândia na déca<strong>da</strong> de 1990. In: Revista Artcultura, nº 9, 2004. Uberlândia: Universi<strong>da</strong>de Federal de<br />
Uberlândia, Instituto de História. p. 56- 65. ISSN: 1516-8603.<br />
ZAN, José Roberto. Do êxodo rural à indústria <strong>cultural</strong>. (Entrevista). Disponível em: www.unicamp.br/unicamp/ Jornal <strong>da</strong> Unicamp. Acesso em:<br />
04 mai. 2009.<br />
Mo<strong>no</strong>grafias - Universi<strong>da</strong>de Tuiuti do Paraná 251<br />
| História | 2010