Impactos da indústria canavieira no Brasil (Plataforma BNDES - Ibase
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ETANOL X ALIMENTOS: UM FALSO DILEMA?<br />
A forma como o tema dos potenciais impactos <strong>da</strong> produção<br />
de eta<strong>no</strong>l e outros agrocombustíveis sobre a produção<br />
de alimentos vem sendo discutido sugere que a questão<br />
é meramente quantitativa, ou seja, a diferença entre a<br />
área de terras agricultáveis disponíveis <strong>no</strong> país e a área<br />
necessária para atender a deman<strong>da</strong> de eta<strong>no</strong>l. Partindo<br />
deste entendimento, algumas análises eco<strong>no</strong>métricas<br />
afi rmam que não se pode estabelecer qualquer relação<br />
entre a expansão <strong>da</strong> cana-de-açúcar, aumento do preço <strong>da</strong><br />
terra e conseqüente aumento do preço dos alimentos . A<br />
<strong>indústria</strong> corrobora, atestando que as alterações <strong>no</strong> uso <strong>da</strong><br />
terra não tem qualquer conseqüência, pois a mesma se dá<br />
sobre pastagens degra<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Outros estudos afi rmam que<br />
até metade <strong>da</strong> área agricultável do <strong>Brasil</strong> pode ser destina<strong>da</strong><br />
à produção de biomassa para energia desde que aumente a<br />
efi ciência de produção de alimentos através <strong>da</strong> massifi cação<br />
de tec<strong>no</strong>logias “modernas” e insumos 7 .<br />
Desta forma, a estratégia de defesa do eta<strong>no</strong>l adota<strong>da</strong> pelo<br />
gover<strong>no</strong> brasileiro, pelo setor empresarial e seus pares,<br />
sugere que a questão <strong>da</strong> competição por alimentos é apenas<br />
um falso dilema levantado por setores não familiarizados<br />
com a matemática <strong>da</strong> agricultura brasileira. Mas será<br />
mesmo? Reduzir a discussão de impactos a estes poucos<br />
fatores não será uma simplifi cação demasia<strong>da</strong> do debate<br />
sobre segurança alimentar?<br />
Antes de tudo é preciso resgatar a complexi<strong>da</strong>de que<br />
envolve a questão. As divergências de ponto de vista não<br />
se resumem, absolutamente, a discordâncias quantitativas<br />
sobre a existência ou não de terras disponíveis para a<br />
expansão <strong>da</strong> cana-de-açúcar. Na ver<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> argumento<br />
é construído em cima de diferentes escalas de análise.<br />
Subjacentes a isso estão diferentes entendimentos sobre a<br />
natureza do território agrário, modelo tec<strong>no</strong>lógico, conceito<br />
de desenvolvimento, bem como visões distintas sobre a<br />
importância <strong>da</strong> dimensão ambiental e humana na ativi<strong>da</strong>de<br />
agrícola.<br />
Em primeiro lugar é preciso considerar que o <strong>Brasil</strong> é<br />
um país continental, de grande diversi<strong>da</strong>de ambiental,<br />
socioeconômica e cultural, impossibilitando generalizações<br />
e médias. Essa diversi<strong>da</strong>de impede tirar conclusões<br />
consistentes com base apenas na análise de <strong>da</strong>dos<br />
agregados em escala de país como se o mesmo fosse<br />
um bloco homogêneo. Seguir este caminho implica em<br />
desconsiderar a diversi<strong>da</strong>de de dinâmicas sócioespaciais<br />
<strong>da</strong> agricultura brasileira, generalizando afi rmações em um<br />
campo que é cheio de especifi ci<strong>da</strong>des. Afi rmações sobre a<br />
inexistência de impactos na produção de alimentos feitas<br />
com base em cálculos na escala de país não podem ser<br />
extrapola<strong>da</strong>s para o âmbito regional, estadual, municipal ou<br />
local 7 . Comuni<strong>da</strong>des rurais que vêm sofrendo com alterações<br />
11<br />
drástica na paisagem agrícola resultante do arren<strong>da</strong>mento<br />
de terras para a cana-de-açúcar, certamente estão sujeitas<br />
a impactos. Estes impactos não aparecem por não estarem<br />
sendo mensurados, e como já foi afi rmado por um sábio<br />
cientista, a falta de evidências de impacto não é evidência<br />
<strong>da</strong> falta de impactos.<br />
Cabe ain<strong>da</strong> ressaltar que há diferenças conceituais sobre<br />
sustentabili<strong>da</strong>de agrícola e segurança alimentar que<br />
infl uenciam sobremaneira o resultado <strong>da</strong>s análises. Muitos<br />
dos estudos têm como foco analisar <strong>da</strong>dos de alguns<br />
commodities, reduzindo o grupo de “alimentos” a um<br />
peque<strong>no</strong> número de cultivos. Isso tem como pressuposto<br />
dietas pouco diversifi ca<strong>da</strong>s, desconsiderando o papel de<br />
produtos <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de – geralmente suprimidos pelo<br />
avanço <strong>da</strong>s mo<strong>no</strong>culturas – na segurança alimentar local.<br />
O enfoque de sistemas de produção é preterido, <strong>da</strong>ndo lugar<br />
a uma visão compartimenta<strong>da</strong> por produto. Desta forma,<br />
as mo<strong>no</strong>culturas de larga escala, com grande aporte de<br />
insumos químicos e mecanização são considera<strong>da</strong>s como<br />
imperativo para a efi ciência e desenvolvimento <strong>da</strong> agricultura<br />
brasileira. Este tipo de visão subtrai <strong>da</strong> agricultura a sua<br />
dimensão natural e minimiza as suas inter-relações com<br />
o meio-ambiente. Este conjunto de elementos traduz uma<br />
percepção do território agrário como espaço unicamente<br />
produtivo, com o mesmo status que um “chão de fábrica”.<br />
Desconsidera-se, portanto, que o território agrário é antes<br />
de tudo um espaço social, com relações culturais próprias,<br />
localmente construí<strong>da</strong>s que emolduram a ativi<strong>da</strong>de agrícola.<br />
Este equívoco não é apenas um desvio “urba<strong>no</strong>” ingênuo<br />
<strong>da</strong> forma de ver o campo e a produção de alimentos,<br />
mas um erro conceitual grave que compromete qualquer<br />
esforço analítico sobre a relação entre produção de eta<strong>no</strong>l<br />
e segurança alimentar.<br />
Análises com esta complexi<strong>da</strong>de não são simples,<br />
principalmente na ausência de <strong>da</strong>dos. Os esforços para<br />
monitorar a dinâmica de evolução <strong>da</strong> cana-de-açúcar para<br />
produção de eta<strong>no</strong>l <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> são poucos diante<br />
<strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de que o processo ganhou <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s<br />
e <strong>da</strong> dimensão <strong>da</strong> área de abrangência. As principais<br />
fontes de <strong>da</strong>dos disponíveis resumem-se aos <strong>da</strong>dos de<br />
acompanhamento de safra e do Projeto GeoSafras produzidos<br />
pela CONAB, a Pesquisa Agrícola Municipal produzi<strong>da</strong> pelo<br />
IBGE e o projeto de mapeamento <strong>da</strong> cana-de-açúcar <strong>no</strong><br />
Centro-Sul do país através <strong>da</strong> análise de imagens de satélite<br />
desenvolvido pelo INPE em parceria com a ÚNICA . Alguns<br />
Estados possuem sistemas de levantamento <strong>da</strong> produção<br />
por município, caso do Instituto de Eco<strong>no</strong>mia Agrícola-<br />
IEA <strong>no</strong> Estado de São Paulo, oferecendo <strong>da</strong>dos adicionais<br />
àqueles levantados pelo IBGE.<br />
No entanto, os esforços de análise sobre estes <strong>da</strong>dos e<br />
publicados ain<strong>da</strong> são tímidos, restringindo-se a alguns