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Um Lugar à Mesa: O Talento na Economia Social (Nº 3)

A terceira edição da Um Lugar à Mesa é dedicada ao Talento na Economia Social: "Queremos homenagear quem trabalha e quem vive a Economia Social. Porque neste setor o talento é coração, é genuinidade, é justiça e verdadeira vocação. É um sim constante quando o mundo rema para o não." -- Filipa Sampaio Nunes | Coordenadora da Fundação Manuel Violante (no Editorial). Contamos com artigos dos seguintes autores convidados: - Paula Guimarães (Empreendedora Social) - Henrique Sim-Sim (Coordenador da Área Social e de Desenvolvimento da Fundação Eugénio de Almeida) - Cristina Tomé (Consultora, Coach, Mentora e Voluntária na Fundação Manuel Violante) - Joana Moreira (Empreendedora Social e Diretora Executiva do Movimento Transformers) - João Cotter Salvado (Professor de Estratégia e Empreendedorismo na Católica Lisbon School of Business & Economics e Voluntário na Fundação Manuel Violante) Estes artigos trazem a debate diferentes ângulos sobre captação, desenvolvimento e retenção de talento em organizações com missão social. Propomos, assim, reflexão sobre as reais necessidades de qualificação do setor e as oportunidades de investimento no talento das pessoas que constituem estas organizações. Este número apresenta, ainda, uma Grande Entrevista a Patrícia Rocha, Diretora Executiva da Fundação Manuel Violante, onde refletimos sobre um caminho de 15 anos de impacto e transformação, ao leme desta família da Economia Social. --- A Um Lugar à Mesa, promovida pela Fundação Manuel Violante (FMV), é a primeira publicação digital em Portugal dedicada à liderança social. Trata-se de uma publicação trimestral online e gratuita que tem como objetivo dar voz aos líderes de organizações com missão social em Portugal.

A terceira edição da Um Lugar à Mesa é dedicada ao Talento na Economia Social:

"Queremos homenagear quem trabalha e quem vive a Economia Social. Porque neste setor o talento é coração, é genuinidade, é justiça e verdadeira vocação. É um sim constante quando o mundo rema para o não." -- Filipa Sampaio Nunes | Coordenadora da Fundação Manuel Violante (no Editorial).

Contamos com artigos dos seguintes autores convidados:

- Paula Guimarães (Empreendedora Social)
- Henrique Sim-Sim (Coordenador da Área Social e de Desenvolvimento da Fundação Eugénio de Almeida)
- Cristina Tomé (Consultora, Coach, Mentora e Voluntária na Fundação Manuel Violante)
- Joana Moreira (Empreendedora Social e Diretora Executiva do Movimento Transformers)
- João Cotter Salvado (Professor de Estratégia e Empreendedorismo na Católica Lisbon School of Business & Economics e Voluntário na Fundação Manuel Violante)

Estes artigos trazem a debate diferentes ângulos sobre captação, desenvolvimento e retenção de talento em organizações com missão social. Propomos, assim, reflexão sobre as reais necessidades de qualificação do setor e as oportunidades de investimento no talento das pessoas que constituem estas organizações.

Este número apresenta, ainda, uma Grande Entrevista a Patrícia Rocha, Diretora Executiva da Fundação Manuel Violante, onde refletimos sobre um caminho de 15 anos de impacto e transformação, ao leme desta família da Economia Social.

---

A Um Lugar à Mesa, promovida pela Fundação Manuel Violante (FMV), é a primeira publicação digital em Portugal dedicada à liderança social.

Trata-se de uma publicação trimestral online e gratuita que tem como objetivo dar voz aos líderes de organizações com missão social em Portugal.

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O T A L E N T O N A E C O N O M I A S O C I A L


caro

leitor



/ U M L U G A R À M E S A / J U L 2 0 2 2 • N º 3

CONTEÚDOS

02

M E N S A G E M A O L E I T O R

Uma breve nota de Filipa Sampaio Nunes

(Coordenadora da FMV) sobre a presente publicação

05

C O M O C H A M A R E R E T E R

T A L E N T O N O S E T O R S O C I A L ?

Paula Guimarães

11

D E Q U E C O M P E T Ê N C I A S

P R E C I S A M O S J O V E N S

E M P R E E N D E D O R E S P A R A

R E S P O N D E R À S N E C E S S I D A D E S

D A E C O N O M I A S O C I A L ?

Henrique Sim-Sim

15

A S P E S S O A S C O M O C H A V E P A R A

O S U C E S S O D A S O R G A N I Z A Ç Õ E S

S O C I A I S

Cristina Tomé


19

C O M O É Q U E A S O R G A N I Z A Ç Õ E S

P O D E M I R A O E N C O N T R O D A

G E R A Ç Ã O Q U E S E M O V E P E L O

P R O P Ó S I T O ?

Joana Moreira

25

C O M P E T Ê N C I A S N A E C O N O M I A

S O C I A L : O Q U E F A L T A E C O M O

L Á C H E G A R ?

João Cotter Salvado

29

G R A N D E E N T R E V I S T A : O

C A M I N H O D E 1 5 A N O S C O M A

F U N D A Ç Ã O M A N U E L V I O L A N T E

Com Patrícia Rocha


Como chamar e

reter talento na

Economia Social?

P A U L A G U I M A R Ã E S


P Á G I N A 6

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • PAULA GUIMARÃES

PAULA

GUIMARÃES

Empreendedora Social

A economia social desempenha, hoje, um papel fundamental na coesão e no

desenvolvimento social na Europa. Segundo o Eurocid, o seu impacto no domínio

do mercado de trabalho é muito relevante, dado que “(...) oferece emprego pago

a cerca de 14,5 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 6,5% da população

ativa da UE-27".

Em Portugal, constitui um setor essencial para a coesão e para o

desenvolvimento social, uma vez que a efetivação dos nossos direitos em

matéria de ação social depende, quase exclusivamente, da atividade que este

setor desenvolve.

A sua capilaridade e proximidade junto das populações, a forma mais flexível da

sua gestão e o recurso ao dirigismo voluntário tornaram a economia social um

parceiro excelente para o Estado e permitiram, nas últimas décadas, a expansão

mais rápida da rede de respostas sociais. É no contexto deste setor que

emergem, com mais facilidade, expressões de inovação social, que se

treinam competências, que se exercita uma cidadania ativa e que se

experimenta o exercício da democracia, da gestão partilhada de

responsabilidades e de voluntariado comprometido.

É igualmente aqui que se cruzam pessoas em momentos diferenciados dos

seus percursos individuais; estagiários e profissionais em inicio de carreira e

indivíduos em situação de reforma, disponíveis para partilhar percursos e

conhecimentos.


P Á G I N A 7

A economia social oferece, ainda, a oportunidade para sair das zonas de

conforto, para interagir com a diferença, com a heterogeneidade de modelos

de governo, de públicos e de metodologias.

E, se considerarmos que, em muitos concelhos do nosso país, as instituições

de economia social são os únicos ou os principais empregadores,

percebemos que é com a sua iniciativa e crescimento que verdadeiramente

contamos, se queremos combater o despovoamento.

Por último, importa sublinhar que exercer funções em qualquer uma das

subfamílias, cooperativas, fundações, mutualidades ou associações pode ser

muito gratificante por nos permitir contribuir, direta ou indiretamente, para a

melhoria da qualidade de vida da comunidade e do nosso semelhante.

A economia social é, por tudo isto, um território potencialmente propício ao

desenvolvimento pessoal, à aprendizagem de um sentido cívico de servir, a

um posicionamento laboral de entreajuda, colaboração, diversidade e

intergeracionalidade.

Mas nem sempre trabalhar na economia social é a primeira escolha de alguém

que quer iniciar a sua atividade profissional e, muitas vezes, os que nela estão

inseridos procuram outras alternativas no setor público e no setor empresarial.

Atrair e reter talento é urgente e dessa capacidade depende o crescimento do

setor, a sua afirmação como parceiro social e o reforço da sua influência na

definição das políticas públicas e das tendências de sustentabilidade em

qualquer um dos seus pilares (ambiental, social ou económico).

Quais são, então, os fatores contribuem para tornar a economia social menos

atrativa e como podemos contrariá-los?

1 – O silêncio do sistema de ensino

Diria que o primeiro fator se situa na forma como o ensino desvaloriza a

economia social e os problemas sociais complexos que esta visa enfrentar.

Somos ensinados que podemos trabalhar por conta própria ou por conta de

outrém em empresas ou no Estado, mas raramente nos dizem que a

economia social é um território aliciante.

Ao longo do percurso académico, é preciso intensificar o debate sobre as

questões centrais que afetam a vida em comunidade, como a pobreza, os

desafios da longevidade, os modelos de proteção social, a inclusão social, a

cidadania, etc... Trazer estes temas para a escola, tal como aconteceu com as

alterações climáticas, permitiria valorizar o papel da economia social e

apresentá-la às gerações mais novas como uma real alternativa para trabalhar,

criar e impactar o futuro.

Há entidades a fazer esse caminho e muitas com resultados interessantes, mas o

que é facto é que muitos estudantes universitários continuam a ignorar a

possibilidade de integrarem os quadros de entidades da economia social.



P Á G I N A 9

Existem diversas iniciativas de formação em economia social nas Universidades e

Politécnicos mas, na maioria dos casos, estas constituem ofertas de formação

complementar em áreas das ciências sociais e humanas.

Entendo que devemos falar deste universo em todas as áreas de saber, da

engenharia à arquitetura, do direito à economia, da gestão à medicina. Todos

estes domínios exigem profissionais qualificados, sensíveis à especificidade do

setor e que estejam vocacionados para trabalhar em entidades diferentes.

2 – A ausência de perspetiva de desenvolvimento de carreira

Trabalhar na economia social é estimulante, emocionalmente compensador e

promotor do auto-conhecimento, mas não vale a pena escamotear a realidade. O

setor paga mal e, pior, não é aliciante em matéria de progressão profissional.

As entidades da economia social têm uma estrutura de receitas que dá

pouca margem para compensar financeiramente os seus quadros. Em

virtude do modelo de gestão, centrado na cooperação com o Estado, e face à

dificuldade em complementar as comparticipações públicas com a obtenção de

receitas próprias, os salários praticados raramente ultrapassam as tabelas

definidas -- que são manifestamente insuficientes para cativar quem quer que

seja.

Desde os trabalhadores auxiliares aos diretores técnicos, a economia social

apresenta um cenário miserabilista em matéria remuneratória que,

naturalmente, afasta muitos dos perfis que seriam necessários.

Encontramos recursos humanos excecionais, fiéis às organizações, que vestem a

camisola e que se auto-motivam diariamente, mas a mobilidade e as

dificuldades em recrutar são cada vez maiores.

Para além dos problemas relacionados com as baixas remunerações, temos o

vazio no que se refere ao desenvolvimento de carreira, à justa expectativa

da mudança, da promoção e do desafio de experimentar outras funções.

A inexistência de planos de carreira, o facto de muitos técnicos iniciarem

funções de coordenação demasiado cedo e nelas se eternizarem durante

décadas e a triste realidade da inexistência de reconversão funcional de

trabalhadores auxiliares favorece o burn out, a passividade e o desinteresse.

Dinamizando em conjunto as suas estruturas locais e nacionais, a economia

social tem de enfrentar este aspeto e criar mecanismos de intercâmbio, de

progressão dentro do setor e de gestão com escala de incentivos. Tem,

ainda, de criar um sistema coerente e consequente de avaliação de

desempenho e de ponderação de salários emocionais complementares.

Sem esse esforço, como podemos “vender” a ideia de que trabalhar na economia

social vale a pena? Como podemos competir com a oferta das empresas e do

Estado?


P Á G I N A 1 0

3 – O modelo de gestão

Os jovens enfrentam dificuldades crescentes de inserção no mercado de trabalho

e muitas pessoas em situação de desemprego não encontram facilmente nova

colocação. Mas isso não significa que não devam ser exigentes quando procuram

um emprego.

Cada vez mais, queremos identificar-nos com a missão, com os valores e com os

modelos organizacionais dos locais onde trabalhamos.

Queremos ganhar bem, mas queremos outras coisas igualmente importantes

para a nossa vida: horários flexíveis e compatíveis com as outras dimensões

pessoais; respeito pela nossa cultura e hábitos de vida.

Ambicionamos ser considerados partes interessadas pelas entidades onde

trabalhamos, isto é, ser ouvidos, ser reconhecidos e beneficiar de políticas de

responsabilidade social interna.

A economia social, em muitos destes aspetos, está aquém do seu potencial e a

organização e gestão das suas entidades dificilmente se adequa aos interesses e

práticas atuais, mantendo-se hierarquizada, opaca e antiquada.

É difícil implementar teletrabalho quando o negócio em causa é a prestação de

cuidados. É difícil flexibilizar os modelos de assiduidade, quando se trabalha,

obrigatoriamente, por turnos -- em respostas sociais que não podem fechar.

Mas outros aspetos podem ser melhorados para tornar sedutor trabalhar numa

IPSS, numa cooperativa ou numa Misericórdia...

Aumentar a transparência, criar conselhos de colaboradores, apelar ao

associativismo dos trabalhadores, reduzir os níveis hierárquicos e

implementar uma liderança partilhada e colaborativa.

Em Portugal, a economia social ainda está atrasada em muitos aspetos de

governance. Verificamos isso, por exemplo, na inexistência de códigos de

conduta, de elaboração de relatórios de sustentabilidade, de adoção de práticas

anti-corrupção e assédio e de promoção da igualdade de género ou da

diversidade étnica e religiosa.

Os novos trabalhadores querem saber mais, participar mais e sentir orgulho na

entidade a que estão ligados pelo vínculo laboral.

Essa relação de confiança e de sentimento de pertença é o que mantém o

cordão umbilical e a motivação e a economia social pode e deve estar na linha

da frente destes propósitos, para poder ser o melhor setor para trabalhar!


De que competências

precisam os jovens

empreendedores para

responder às necessidades

da Economia Social?

H E N R I Q U E S I M - S I M


P Á G I N A 1 2

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • HENRIQUE SIM-SIM

HENRIQUE

SIM-SIM

Coordenador da Área Social e de Desenvolvimento

Fundação Eugénio de Almeida

As organizações da economia social têm, nos últimos anos, atravessado tempos

verdadeiramente desafiantes que as têm levado a responder, a reagir e a

adaptar-se a uma nova realidade que teima em não ter uma linha condutora.

Efetivamente, estas organizações, como toda a sociedade, teve de aprender a

combater, a proteger os seus clientes e a relacionar-se de uma nova forma com

os seus familiares, a gerir equipas à distância e sobre esforço.

Tiveram de aprender a enquadrar o seu funcionamento em regimes mistos de

presencial e teletrabalho, respondendo, ao mesmo tempo, à própria incerteza da

comunidade que as rodeia. Quando tudo parecia encaminhar-se, estas

organizações tiveram, ainda, de responder à crise migratória, social e económica,

em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Se, por um lado, as organizações da economia social com respostas protocoladas

tiveram estes (e outros) desafios, também as outras organizações de suporte e de

infraestrutura tiveram de se relacionar de novos modos com os seus públicos e

com a sua comunidade, de forma a responder a um nível de incerteza nunca

antes visto: reajustando o seu planeamento estratégico, criando novos serviços e

respostas, programando e reprogramando atividades, gerindo projetos e

iniciativas quase no modo de “navegação à vista”.


P Á G I N A 1 3

É neste contexto que este artigo de opinião é escrito: num tempo em que o país

se encontra a sair de uma crise sanitária que deu origem a uma crise económica

e social e, ao mesmo tempo, a imergir numa crise de saúde mental. Num tempo,

ainda, em que surge uma nova crise global com impactos locais. Falamos de

uma nova crise económica resultante de uma situação muitíssimo complexa que

leva a taxa de inflação a escalar como não se via há 20 anos, resultando num

sufoco social cujos efeitos estão ainda por avaliar.

Nestes tempos desafiantes e nos que se estão, paulatinamente, a aproximar,

resultantes do impacto das alterações climáticas, os profissionais das

organizações do terceiro sector são chamados a dizer presente. Estes

profissionais são chamados a responder exemplarmente nas suas funções, a

manter-se focados no serviços às pessoas com elevados padrões de

qualidade, a encontrar novas respostas baseadas na inovação e na

criatividade face a situações nunca antes vividas e a usar toda a sua

flexibilidade e adaptabilidade.

Neste contexto, simultaneamente, verifica-se a diminuição do financiamento

e do investimento do Estado no sector social, na educação e na saúde. Isto

exige que novas respostas, mais eficazes e eficientes, sejam encontradas pelos

distintos atores da sociedade.

"Os profissionais das organizações

do terceiro sector são chamados a

dizer presente."

Portugal tem vindo, desde 2013, a desenvolver uma ampla estratégia de política

pública de promoção do empreendedorismo e da inovação social, com o

objetivo de gerar novas soluções (complementares às respostas tradicionais)

para os problemas societais. Mas essa estratégia tem, ainda, o objetivo de

capacitação das entidades da economia social, com vista à sua sustentabilidade

económica e financeira.

Com o quadro global anteriormente apresentado, é cada vez mais evidente a

necessidade do envolvimento de distintos profissionais neste movimento

denominado Inovação e Empreendedorismo Social. Um movimento tão

apaixonante quanto impactante. É todo um novo mundo de “novas profissões”

que está a surgir e que requer diferentes formações académicas e, sobretudo,

novas competências comportamentais que permitam criar valor neste caos de

incerteza.

E que competências serão estas?

Da minha perceção, e do trabalho com organizações sociais e empreendedores

que venho acompanhando ao longo dos anos, diria que a resiliência é, talvez, a


P Á G I N A 1 4

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • HENRIQUE SIM-SIM

mais importante e necessária competência nestes tempos que vivemos, com

constantes alterações dos contextos e com o muitíssimo elevado grau de

incerteza enfrentado em qualquer processo. Falamos desta capacidade de saber

constantemente "dar a volta" e encontrar novas soluções para o conjunto de

problemas que surge no processo de desenvolvimento de um conceito ou

projeto.

A par da resiliência, diria que a capacidade de, a todo o momento, encontrar

oportunidades nas dificuldades que surgem, utilizando a criatividade e a

flexibilidade, a capacidade de decidir num espaço curto de tempo, de

assumir riscos, não tendo o “medo paralisador que impede que as coisas

aconteçam”, serão outras competências muito importantes nos tempos que

vivemos.

Naturalmente que a empatia, a capacidade de motivar e gerir equipas, de

comunicar e de convencer outros a aderir ao seu projeto são muito importantes.

Todavia, nos tempos que vivemos, considero que saber gerir crises, resolver os

problemas e, ainda assim, ter capacidade crítica para criar e aproveitar

novas oportunidades são, a par da já referida resiliência, as competências mais

importantes a desenvolver e as que mais beneficiarão as organizações da

economia social.

O Empreendedorismo Social e, sobretudo, a Inovação Social apresentam-se, hoje,

como novos drivers para novas startups e para o desenvolvimento de novos

produtos e serviços de base digital; para novos negócios de impacto; para a

alteração do paradigma das respostas e do funcionamento das organizações

sociais. Além disso, impulsionam novos instrumentos financeiros e de

financiamento que poderão permitir alcançar maior sustentabilidade para o

setor da economia social. Uma sustentabilidade focada, sempre, em solucionar

os desafios sociais que as comunidades sentem. O compromisso que os países

das Nações Unidas estabeleceram em 2015, fixando 169 metas alinhadas em 17

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, são mais um alinhamento político

que estimula a criatividade e a inovação do sector social.

São precisas novas soluções para dar resposta a estas metas globalmente

elencadas e localmente impactantes. A capacidade de sensibilizar e envolver

os jovens empreendedores (“a mais bem preparada geração de sempre”)

neste alinhamento de médio prazo, incrementará a capacidade de manter o

rumo e de resistir às diferentes tempestades dos contextos atuais.

Francisco de Quevedo, escritor espanhol do Séc. XVI, referiu um dia que “o que se

aprende na juventude dura a vida inteira”. Temos, por isso, a oportunidade de

transformar as tais “vidas inteiras” com foco no impacto, se apostarmos

estrategicamente na sua formação para os desafios globais e,

simultaneamente, no reforço das várias competências comportamentais e

empreendedoras desde cedo. Será esse um desafio que o sector da economia

social está disposto a abraçar?


As pessoas como chave

para o sucesso das

organizações sociais

C R I S T I N A T O M É


P Á G I N A 1 6

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • CRISTINA TOMÉ

CRISTINA

TOMÉ

Consultora, Coach, Mentora e Voluntária na Fundação Manuel Violante

O tema PESSOAS tem tanto para ser dito que, para contrariar a minha vontade

de enveredar por várias áreas e perspectivas, socorri-me de 3 perguntas que

permitem enquadrar alguns dos desafios e tendências necessários, ao falar de

Gestão de Recursos Humanos na Economia Social (ES).

O setor social é considerado um espaço onde as pessoas têm

oportunidade de crescimento profissional?

Antes de uma resposta linear, será útil caracterizar o setor social em termos de

indicadores relacionados com as Pessoas. À semelhança do que se tem verificado

em vários países europeus, Portugal tem assistido, nos últimos anos, a um

crescimento do setor social e consequente aumento da empregabilidade. De

acordo com dados do INE 2018, a ES representou 5,3% das remunerações e do

emprego total e 6,1% do emprego remunerado da economia nacional.

Ainda segundo dados do INE, divulgados no seu relatório de 2018, e no que

respeita aos colaboradores ao serviço das entidades da ES, 81,0% tinham

contratos de trabalho sem termo, mais de 70% tinham horário fixo, 5,3% eram de

nacionalidade estrangeira e 42,3% das entidades da ES não tomaram nenhuma

medida de conciliação da vida profissional e pessoal em 2018. Quase 1/3 das

pessoas (32,4%) do setor recebiam o salário mínimo nacional.

Como é que estes dados impactam a dinâmica da Gestão de Recursos Humanos

na ES? Segundo Ana Rita Sousa, Diretora de RH e Diretora Técnica da Unidade


de Cuidados Continuados Integrados na Santa Casa da Misericórdia de Mortágua:

“Actualmente o maior desafio na gestão de RH nas instituições sociais é

mesmo o recrutamento. É muito difícil recrutar pessoas para trabalhar nesta

área. O trabalho por turnos, trabalhar aos fim de semana e feriados, as noites,

a dificuldade de trabalhar com e para pessoas, aliado aos baixíssimos salários

e a carreiras que desapareceram com as sucessivas subidas do SMN, que não

foram acompanhadas de subida nos salários intermédios são tudo factores

que afastam as pessoas desta área. Prevejo que irá haver um problema sério

de mão de obra num espaço de tempo não muito longo. E este é um sector

onde ainda não é possível trabalhar sem pessoas. As pessoas são o maior

activo e não há preocupação nenhuma em tornar esta área de actuação

atractiva”.

A opinião desta Diretora ilustra o que já é uma certeza, também, na economia

nacional. De acordo com o “Talent Shortage Survey 2022”, realizado pela

Manpower, 67% dos empregadores portugueses têm alguma dificuldade em

encontrar os candidatos certos e 18% sente muita dificuldade na sua

contratação. Estes números indiciam que o recrutamento será o grande desafio

da GRH nos próximos tempos. Se este desafio será critico para o setor privado,

mais ainda o será para o setor social.

No contexto atual, tendo em conta o aumento do número de Organizações

Sociais, a concorrência por recursos e pessoas será cada vez maior. Neste

sentido, a diferenciação far-se-á pela eficácia e eficiência da sua gestão o que,

desde logo, permitirá atrair novos recursos e fundos. Este é um contexto onde

não há espaço para uma gestão de base filantrópica e caritativa.

As recompensas pelo bom desempenho são objetivas e

atendem às necessidades específicas dos colaboradores?

Como já referido anteriormente, e convindo reforçar, é preciso ter atenção e não

alimentar a ideia de que, pelo facto de as atividades desenvolvidas no setor

social serem tão meritórias, até é possível equacionar um salário mais baixo – a

experiência atual diz-nos que não deve ser esse o caminho sob o risco de se

manter a dificuldade de atrair talento, isto é, profissionais qualificados.

Será útil pensar que, quando se fala em remuneração, podemos ter presentes

outras formas de reconhecimento, sem tradução financeira:

Tarefas desafiadoras

Definição clara das responsabilidades

Tomada de decisão partilhada

Comunicação aberta e clara

Sistema de avaliação de desempenho

Formação

Como refere Cristina Passos, Coordenadora de atividades da Fundação LIGA:

“Envolver para comprometer é o principal desafio na gestão de RH nas

Instituições Sociais. Com situações financeiras frágeis, em que não é possível o

reconhecimento do desempenho pela remuneração, esta é uma dimensão que


P Á G I N A 1 8

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • CRISTINA TOMÉ

ganha neste contexto uma maior relevância, de forma a que cada colaborador

assuma o projeto organizacional como seu e se envolva no alcance dos

objetivos”.

Atualmente, quando falamos da profissionalização dos Recursos Humanos e do

seu papel chave no aumento da eficácia e eficiência da gestão dos projetos

sociais, bem como do seu impacto para a sustentabilidade das Organizações,

verificamos que “sustentabilidade” é o argumento mais utilizado quando se

pensa em implementar técnicas e ferramentas de GRH num contexto de

escassez de recursos. Como ficamos? Talvez devamos assumir que existe um

caminho a percorrer e que os resultados que se vão obter compensarão os

constrangimentos do processo.

A Direção Técnica tem competências para reavaliar as

práticas de RH com uma perspetiva mais estratégica?

Segundo o que Ana Rita Sousa diz no seu artigo (2021), "(…) no que concerne ao

desempenho das funções de assistente social enquanto diretor técnico e, em

consequência, gestor de recursos humanos das instituições do terceiro setor,

torna-se imperioso que a formação seja complementada por alguns

conhecimentos na área da gestão, mais em concreto na gestão de recursos

humanos. É por todas estas razões imperioso que se repense a formação base

de Serviço Social e se equacione a hipótese de introduzir uma unidade

curricular específica que dote estes profissionais de competências que lhes

permitam desempenhar as funções de diretor técnico com maior segurança,

eficácia e eficiência(…)”. Pela minha experiência como mentora de Organizações

do setor social, consigo identificar um conjunto de variáveis comuns que se

verificam em muitas das Direções Técnicas, como por exemplo:

Desconhecimento de metodologias e ferramentas de RH

Acumulação de funções

Reduzidas conhecimentos na área de gestão financeira

Gerir a sua auto-motivação

Escassez de recursos

Reforçando o que foi dito anteriormente, acredito que estamos todos de acordo

que o caminho da eficiência e eficácia passa pela profissionalização das práticas

de Recursos Humanos e pelo desenvolvimento de novas competências nos seus

colaboradores. Como é referido por Marta Santos da Dianova Portugal (2022), “A

Gestão do Talento assume-se, assim, como uma área crítica para as

Organizações, e, mais ainda, em Organizações Sociais. Por outras palavras, as

pessoas assumem uma importância acrescida pelo facto de se estar a prestar

um serviço com grande grau de complexidade e imprevisibilidade. Já para não

mencionar, em muito assente no conhecimento táctico adquirido”.


Como é que as

organizações podem ir

ao encontro da geração

que se move pelo

propósito?

J O A N A M O R E I R A


P Á G I N A 2 0

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • JOANA MOREIRA

JOANA

MOREIRA

Empreendedora Social e Diretora Executiva do Movimento Transformers

Vivemos numa geração onde se fala em propósito, mas onde os números de

voluntariado estão cada vez mais baixos e a volatilidade no mercado de trabalho

chegou a um nível preocupante. As pessoas já não ficam muito tempo nas

organizações e a culpa não é delas, é das organizações que não se foram

transformando.

E se fossemos nós, líderes das organizações, a contribuir para esse caminho de

descoberta garantindo que, enquanto as organizações cá estão, geram o seu

máximo potencial e nós aprendemos com isso?

Princípio da Colaboração e da Partilha

Ainda há muitas organizações que, pela sua cultura e estruturas altamente

verticais, ouvem pouco. Isto faz com que as organizações sejam lentas, isto é,

com que as pessoas tenham de esperar por decisões que, na sua maioria,

poderiam ser tomadas mais rapidamente, se confiássemos mais nas pessoas que

trabalham connosco.

Dar autonomia, responsabilizar, confiar. Permitir que as pessoas falhem e

que, assim, se possa crescer. Isto só se consegue com uma cultura baseada na

partilha, onde todas as pessoas podem contribuir, ter voz e trabalhar em

conjunto.


P Á G I N A 2 1

Qualquer pessoa é capaz de trabalhar muito, quando se sente motivada. O que

faz a verdadeira diferença é a capacidade para continuar quando o trabalho não

é assim tão empolgante. E isso só se consegue quando há colaboração, quando

criamos esses espaços de diálogo e damos voz. Este processo é altamente

empoderador, faz com que cada pessoa tenha vontade de manifestar a sua

identidade e de partilhar as suas causas -- causas essas que podem vir a ser

novas áreas de negócio da organização, que podem ligar equipas, ser tema de

conversa e, consequentemente, tema de inovação.

Garantir que as pessoas se sentem ouvidas e têm possibilidade de trazer as suas

causas para dentro das organizações é, para mim, uma das melhores formas de

potenciarmos o talento. No Movimento Transformers, como na maioria das

organizações, enfrentámos, nos últimos anos, alguns constrangimentos com

recursos humanos. Sendo uma organização com uma estrutura pequena, sempre

que alguém decide sair, o impacto dessa decisão é grande. Começámos a ter

uma verdadeira cultura de partilha em consequência disso. Perguntamos

frequentemente como é que as pessoas se sentem e o que podemos fazer,

enquanto organização, para que se sentirem melhor. Isto já nos fez implementar

muitas mudanças.

"Garantir que as pessoas se sentem ouvidas e têm

possibilidade de trazer as suas causas para dentro das

organizações é, para mim, uma das melhores formas de

potenciarmos o talento."

Uma dessas mudanças é a anuidade para Bem-Estar. Estava eu a pensar em

“Benefícios para RH” e ocorreu-me que garantir um seguro de saúde a cada

pessoa seria benéfico. Quando auscultei a minha equipa, numa das nossas

rondas de feedback (que explico em detalhe mais adiante), percebi que apenas

uma pessoa tinha a ambição de ter seguro de saúde. Chegámos, então, à

conclusão que deveríamos garantir, antes, um apoio para Bem-Estar. Esse apoio

poderá ser utilizado para pagar o ginásio, o seguro de saúde, consultas de

psicologia ou massagens. Andei meses a pensar no que seria melhor e, em

apenas dez minutos, tomámos uma decisão coletiva que me parece bem

melhor do que tudo aquilo que explorei. Poupámos tempo, poupámos

dinheiro (porque podíamos ter ativado seguros que ninguém usaria) e as pessoas

sentiram-se felizes e parte do processo de decisão.

Expertise no mundo e não na área de estudo

Deveríamos, cada vez menos, contratar pela área de estudo e mais pelo valor

pessoal. Em que atividades de voluntariado estiveste envolvida? Qual a tua

experiência associativa? Já viajaste muito? O que é que a tua área de

estudo pode contribuir para a função que podes vir a desempenhar? Que

valor podes acrescentar? São estas as perguntas que as novas gerações querem

ouvir numa entrevista.



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/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • JOANA MOREIRA

A geração que se move pelo propósito está mais interessada em saber como

podemos potenciar as suas competências sociais, como vamos promover o work

life balance, como vamos estimular a sua aprendizagem. São pessoas que não

param de aprender e que muito nos ensinam sobre modelos de desenvolvimento

pessoal. Por isso, importa mesmo perceber como podemos ir ao encontro deste

desejo inato de conhecer o mundo.

Nos últimos anos, temos materializado isto em investimento na aprendizagem.

Perguntamos frequentemente o que é que as pessoas gostavam de aprender e

investimos nessas experiências. Nem sempre a ligação à área de trabalho é óbvia

e temos que perceber porquê. Quando isso acontece (alguém querer aprender

sobre uma área diferente da da sua função), pode ser uma pista sobre o

desalinhamento com a função. Nesses casos, temos dois caminhos: percebemos

se essa poderá vir a ser uma nova função dentro da organização ou, em conjunto,

começamos a explorar alternativas noutras organizações e ajudamos a pessoa

nesse processo. Manter alguém que não é feliz nas nossas organizações

custa-nos muito mais do que ajudá-la a encontrar o seu lugar.

Não esquecer que as dores de crescimento custam muito menos do que as dores

de arrependimento.

As organizações devem ser círculos de segurança

Dentro de um círculo de segurança, quando as pessoas confiam e partilham os

seus sucessos e fracassos, o que sabem e o que não sabem, o resultado é a

inovação. É natural.

Isto não significa que tenhamos que ser uma família, mas antes um espaço de

confiança para as pessoas poderem manifestar a sua integridade. Se pensarmos

bem, as novas gerações cresceram a utilizar filtros de Instagram, a representar

papéis sociais e a vestir personagens que não são as suas. As redes sociais

trouxeram muitas coisas boas, mas também muitas coisas más. A dificuldade de

interação social, a falta de debates cara-a-cara, a dificuldade em expressarmos as

nossas emoções, pensamentos e convicções. Passamos a maioria do nosso

tempo nas nossas organizações. Por isso, estas devem ser, também, este

espaço de vulnerabilidade onde partilhamos as nossas inquietações e

sucessos pessoais.

Nos dias mais complicados, o que faz as pessoas ficarem são as ligações que têm

com os seus colegas, e não o valor do seu salário ou a sua função. Por isso, temos

que criar esses espaços seguros dentro das nossas organizações.


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/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • JOANA MOREIRA

Feedback honesto e regular: acredito que o maior fator de crescimento

pessoal e organizacional é o feedback. Organizações mais evoluídas social e

economicamente são aquelas onde as pessoas partilham feedback com

regularidade. Enquanto tomam café, na mesa de reuniões. Isto deve acontecer

também em momentos marcados na agenda, onde todas as pessoas se

sentam para ouvir e dar feedback sobre o trabalho dos colegas. Importei o

feedback 360º da cultura da Netflix: no Movimento Transformers, acontecem

uma vez por trimestre e são momentos longos onde cada pessoa pode dar a

sua opinião sobre o trabalho de todas as pessoas, de forma clara e com

sugestões de melhoria.

Tempo só para equipa, dedicado a retiros, team-buildings, jantares ou outra

atividade que faça sentido. É aqui que nos conhecemos verdadeiramente, que

vamos tirando as máscaras (ou filtros) que vamos colocando nas paredes dos

escritórios. E, na lógica da partilha, perguntem às pessoas o que gostavam de

fazer.

Lideranças empáticas: o modelo de chefe tradicional já não funciona para as

novas gerações. Estas gerações querem que lhes perguntem como estão,

como as podemos ajudar, querem sentir-se ouvidas. Querem alguém que as

compreenda, mas que as desafie e lhes exija, que saibam quais são os seus

valores antes de saber o nome do seu cargo. Isto só se consegue com

lideranças empáticas, que devem investir num processo profundo de

desenvolvimento pessoal.

Ao ler isto, pode parecer que estamos a definir as regras para um bom grupo de

amigos. Mas a verdade é que é isso que a geração que se move pelo propósito

procura. Em boa verdade, é isso que todos procuramos: um sítio que nos

permita ter voz e a nossa própria identidade, que nos dê espaço para falhar,

mas que nos exija excelência e genialidade. Nietzsche dizia que Aquele que

tem um Porquê para viver consegue suportar quase qualquer Como. Quando

transformamos as nossas organizações em espaços onde as pessoas adoram

trabalhar, estamos a estimular a inovação e a criatividade. Mudamos o chip de

trabalhar por obrigação para trabalhar com sentido de orgulho. Ir trabalhar

para a organização é substituído por trabalharmos uns para os outros.

Podemos exigir mais porque também damos mais. Podemos dar feedback

radical quando as coisas não correm assim tão bem, porque não foi uma decisão

minha, foi uma decisão nossa.

A última linha da procura do propósito é a de encontrar a felicidade. Por isso,

temos que tornar as nossas organizações espaços mais felizes.


Competências na

Economia Social: o

que falta e como lá

chegar?

J O Ã O C O T T E R S A L V A D O


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/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • JOÃO COTTER SALVADO

JOÃO

COTTER SALVADO

Professor de Estratégia e Empreendedorismo na Católica Lisbon School of Business &

Economics e Voluntário na Fundação Manuel Violante

As organizações da Economia Social têm um papel fundamental na nossa

sociedade, mas o seu enorme potencial não é por vezes aproveitado ao máximo.

O foco destas organizações nos problemas mais importantes e negligenciados da

nossa sociedade e os valores imprimidos na sua atuação fazem com que estas

organizações tenham, não só um grande potencial de geração de riqueza e

trabalho, mas também uma capacidade de transformação profunda da

sociedade, tornando-a mais mais justa e inclusiva.

Para este potencial ser consolidado, acredito que há três competências

fundamentais que podem ter um papel importante nesta missão: o foco na

inovação estratégica, as competências de medição de impacto e a

orientação para a escala. Apresento de seguida cada uma destas competências

com sugestões de perguntas iniciais para começar a desenvolvê-las.

Em primeiro lugar, precisamos de desenvolver competências relacionadas com a

inovação estratégica. Este tipo de inovação acontece quando as organizações

descobrem no seu contexto problemas importantes por resolver e desenvolvem

soluções eficazes (que se tornam, por vezes, referências no mercado). Isto pode

acontecer quando a organização encontra um novo cliente/beneficiário que não

está bem servido e desenvolve uma solução para o servir, ou quando a

organização desenvolve uma forma diferente de oferecer os produtos/serviços

que tem oferecido, ou seja, criando mais valor e resolvendo de forma

diferenciada o problema dos seus clientes/beneficiários.


P Á G I N A 2 7

No fundo, a inovação estratégica implica a organização olhar para o seu modelo

de atuação de forma crítica e perceber como redefini-lo com base nas

necessidades à sua volta. Que outros clientes/beneficiários posso servir com as

minhas competências? Que outros produtos/serviços posso desenvolver para

colmatar as carências presentes no contexto onde me insiro? Como posso

modificar de forma significativa a forma como sirvo os meus

clientes/beneficiários com os produtos/serviços que já ofereço neste momento?

Estas são algumas perguntas que podem ajudar a pensar sistematicamente este

tipo de inovação e a gerar novas ideias.

Em segundo lugar, precisamos de competências específicas na medição do

impacto. O impacto não é mais do que as mudanças positivas, significativas e

duradouras que a organização gera com as suas atividades na vida das pessoas e

comunidades. A medição do impacto requer a análise, o cálculo e a

monitorização destas mudanças. Para as organizações da Economia Social, a

capacidade de identificar o seu impacto e conseguir medi-lo de forma adequada

é fundamental para demonstrar que a organização cumpre a sua missão e cria

as mudanças pretendidas. Este processo é útil internamente, pois a organização

consegue aprender e perceber como melhorar a sua intervenção, mas também é

útil externamente pois aumenta a transparência e permite às diferentes partes

interessadas comprovarem que a intervenção está a ser bem sucedida.

"O impacto não é mais do que as mudanças

positivas, significativas e duradouras que a

organização gera com as suas atividades na

vida das pessoas e comunidades."

Há muitas abordagens para a medição de impacto mas todas elas assentam em

processos que começam pela definição clara de quatro dimensões concretas da

intervenção (a que chamo de 4 P’s): Público-alvo (quem são as pessoas para

quem iremos dirigir a nossa solução?); Prevalência (quantas pessoas do nosso

público-alvo estamos a conseguir servir?); Profundidade (qual a mudança

concreta que estamos a gerar nestas pessoas comparando o antes e o depois?);

Permanência (como é que esta mudança é experienciada ou o que acontece de

facto no curto, médio e longo prazo?). Este processo ajudará a estabelecer uma

explicação lógica e credível de como uma dada intervenção gera resultados de

curto e médio prazo e como esses resultados geram um processo de

transformação que leva ao impacto. O passo seguinte é a construção de um

conjunto de indicadores credíveis, mensuráveis e comparáveis que permitam

medir cada resultado-chave associado à mudança que a organização quer gerar.


P Á G I N A 2 8

/ UM LUGAR À MESA / JUL 2022 • Nº 3 • JOÃO COTTER SALVADO

Finalmente, precisamos de uma orientação para a escala. Muitas organizações

da Economia Social têm modelos de intervenção robustos que criam valor e são

sustentáveis no tempo. Mas porque não fazer estas soluções crescer? O que faz

com que, por vezes, eu queira servir mais clientes/beneficiários mas não tenha

capacidade para o implementar? Esta é uma competência essencial se queremos

criar mais impacto e continuar a corrigir as injustiças no mundo à nossa volta. O

processo de fazer crescer uma organização é exigente e começa por eu perceber

porque é que o que eu faço funciona e é bem sucedido: os produtos/serviços que

ofereço permitem-me, com certeza, criar impacto de forma sustentada? Qual é o

ingrediente mágico que faz com eu esteja a mudar o mundo? O que é que tenho

de único e valioso na minha organização que me distingue de outras

organizações à minha volta? Uma vez tendo o modelo de atuação estável (quer

em termos financeiros e quer de impacto) é então começar a pensar como dar

passos no sentido de perceber onde e como posso atuar: qual a minha ambição

de curto, médio e longo prazo? Quero de facto fazer crescer o meu impacto?

Tenho uma equipa capaz e motivada para crescer? Estamos todos juntos nesta

missão de nos tornarmos maiores? O que pode correr mal e como me posso

precaver? Estas reflexões são fundamentais para se começar a desenhar o plano

específico de crescimento.

Estas três competências não devem estar apenas nas direções das organizações

ou nos gestores de projeto. Estas são capacidades que devem estar

descentralizadas. As organizações têm de criar condições para que os

colaboradores, voluntários, parceiros, beneficiários/clientes possam utilizar todos

os seus talentos e estarem capacitados para ajudar a organização a ser cada dia

melhor: a saber inovar na sua estratégia, a medir o seu impacto e a adquirir

capacidade de fazer crescer aquilo que faz bem.


GRANDE ENTREVISTA:

O CAMINHO DE 15 ANOS

COM A FUNDAÇÃO

MANUEL VIOLANTE

C O M P A T R Í C I A R O C H A

D I R E T O R A E X E C U T I V A D A F U N D A Ç Ã O M A N U E L V I O L A N T E


No Programa GOS - Gestão de

Organizações Sociais da AESE

Business School (2022).


P Á G I N A 3 1

PATRÍCIA ROCHA

U M A E N T R E V I S T A E X C L U S I V A

Conduzida por Katarina Amaral Dias (KAD).

KAD: O que é

que significa

estar à frente da

Fundação Manuel

Violante?

PR: Sinceramente? Significa

estar à frente de uma

organização que pode mudar a

economia social. É um prazer

gigante trabalhar numa

organização que, no final do dia,

tem um impacto social que pode

ser do tamanho do setor. Mais do

que orgulho do caminho já feito,

das conquistas e dos desafios

ultrapassados, a possibilidade do

futuro e do caminho que há para

fazer entusiasma-me todos os

dias. Quando cheguei à

economia social, vinda do setor

privado, perguntaram-me o que

me motivava a estar na

Fundação e o porquê do setor

social. A minha resposta foi a

que hoje ainda é: pelo impacto

tão grande de simples

melhorias. O setor social tem um

efeito multiplicador irresistível

para quem gosta de ter impacto

e fazer a diferença. E esse é

claramente o meu caso. A

Fundação Manuel Violante

permitiu-me descobrir o sítio

onde o posso fazer da maneira

certa. O que nos move é,

sempre, o serviço às

organizações, é para elas que

trabalhamos e com elas que

queremos continuar este

caminho.


P Á G I N A 3 2

KAD: Que desafio te foi

lançado quando assumiste

o leme desta organização?

PR: Perceber onde a

Fundação podia

acrescentar valor ao que já

existe e é feito. Sempre

existiu a preocupação de

não duplicar esforços ou

ser redundante. Foi preciso

descobrir onde e a quem

os nossos talentos e

competências melhor

serviam. Descobrimos que

é no setor social e por ai

iniciámos caminho. No

nosso ADN, está a

capacidade de acrescentar

valor e de ter impacto, e

foi exatamente isso a que

me desafiaram. De que

forma conseguimos fazer a

diferença na sociedade

portuguesa? Onde

podemos ajudar? Foi a

estas perguntas que fomos

respondendo ao longo do

tempo, e a que

continuaremos com

certeza a responder.

KAD: Estudaste Economia.

Trabalhar na Economia

Social sempre foi evidente

para ti?

PR: Nada evidente, apesar

de ter valores pessoais

muito coincidentes com os

que se vivem na economia

social. A justiça e a

igualdade (de

oportunidades) sempre me

moveram, mas de forma

muito orgânica, pouco

estruturada ou

consequente. Dizem que

na vida nada é por acaso e,

embora não partilhe

inteiramente dessa

opinião, gosto de pensar

que vim parar ao sitio

onde faz mais sentido que

esteja. Onde diariamente

vivo de acordo com os

meus valores e onde

profissionalmente me

realizo, sabendo que essa

vivência faz a diferença na

vida de outros.

Trabalhei muitos anos na

área financeira e sentia-me

completamente realizada

profissionalmente, até

saber que afinal não. Agora

sim, ao pôr meu

conhecimento e

experiência ao serviço da

economia social, sei que

encontrei o meu propósito.

KAD: O que é que a tua

personalidade partilha da

identidade da Fundação?

PR: Naturalmente que

muito se misturam, para o

bem e para o mal. Fui

muito inspirada pela

identidade da Fundação e

das pessoas que compõem

os seus órgãos sociais e sei

que partilhei muito de

quem sou com a

identidade e

posicionamento da

Fundação. Raramente

estamos tranquilos com o

que fazemos. Procuramos

constantemente melhorar

o que fazemos, questionar,

ir mais longe, ter mais

impacto. Somos inquietas


com o nosso trabalho e gostamos de nos desafiar e de desafiar outros. Atingimos

um nível de maturidade em que reconhecemos o nosso valor, posicionamento e

expertise, mas mantemos um nível de humildade que nos garante consciência

das nossas limitações e do caminho que ainda temos pela frente. Esta forma de

estar, inquieta mas confiante, é claramente partilhada entre mim e a Fundação.

KAD: O que é que te marcou mais nas iniciativas de capacitação com as

primeiras organizações sociais que colaboraram com a Fundação?

PR: O trabalho extraordinário que estas organizações fazem. É incrível a

importância que socialmente têm para os públicos que servem e, por isso, para a

comunidade onde estão inseridas. Um trabalho que, muitas vezes, mais ninguém

quer fazer, porque é difícil emocionalmente, porque é mal pago e quase nada

reconhecido. Surpreendeu-me a bondade destas pessoas, a capacidade de dar ao

outro e de receber tão pouco em troca. Como se fosse normal, como se não

fizessem nada de especial. A quem vem do privado, causa estranheza.

Surpreendeu-me, também, o tanto que estas organizações fazem com tão pouco,

como se reinventam e ajustam, sempre a pensar no bem estar dos seus

beneficiários. Percebi que, com pouco conhecimento, pequenas ajudas e

colaborações, conseguimos capacitar e transformar estas organizações e as suas

equipas. Acho que é justo dizer que me cativaram quase imediatamente e foi

com imenso prazer que dei o salto para o lado delas e que com elas continuei o

meu caminho.

KAD: Recebeste algum conselho que marcou o teu percurso? De quem?

PR: Provavelmente serei mal interpretada, mas a verdade é que não consigo

destacar uma só pessoa. Aprendo com quase todas as pessoas com quem me

cruzo, com a minha equipa, com os meus administradores, com os meus

voluntários e com as nossas organizações. Aprender está mais em como ouvimos

do que no que nos dizem. O que sei hoje e que não sabia quando comecei este

percurso é que temos realmente tudo nas nossas mãos. Tenhamos vontade,

resiliência e ambição e conseguimos mudar o mundo.

KAD: Qual é o lugar da Fundação Manuel Violante, hoje, na Economia Social?

PR: De abrir caminho. De tornar o setor social num setor chave para o

desenvolvimento social e económico do país. Queremos ser uma organização

que desafia, que põe o dedo na ferida, mas que contribui para a resolução desses

desafios. Acreditamos que a força deste setor está em todos os players deste

ecossistema, do seu trabalho conjunto e em rede, e posicionamo-nos como uma

organização que, também muito por conta do seu ADN, potencia esse trabalho e

o capitaliza para o país.

KAD: Conheces alguns dos voluntários da Fundação há anos. O que é que de

mais valioso tens aprendido com estas pessoas?

PR: Que a capacidade de dar do ser humano não tem limites. Que a bondade, a

empatia e a solidariedade são valores que se mantém vivos. Que juntos somos

mesmo muito mais do que a soma das partes.


P Á G I N A 3 4

KAD: Estás no centro da mediação

entre gestores corporativos e

líderes sociais. Como é fazer esta

mediação? Cada uma das partes

tem de aprender uma nova língua?

PR: É maravilhoso e uma das coisas

que mais gosto de fazer. Todos

somos muitas coisas ao mesmo

tempo, e ter possibilidade de

juntar duas das minhas facetas

num único dia de trabalho deixame

muito realizada. De um lado,

temos a estrutura, a organização e

a racionalidade; de outro lado,

temos o orgânico, o improviso e a

emoção. Dois mundos distintos que

tanto têm a aprender um com o

outro. Que tanto têm a ganhar um

com o outro. Poder fazer essa

ponte, aprender com essa ponte, é

um privilégio.

KAD: Que desafio te lanças hoje,

assumindo o leme desta organização?

PR: Quero muito contribuir para o

reforço e valorização da economia

social em Portugal. Endereçar os

problemas do setor, juntar as pessoas

certas e, juntos, fazermos caminho

para os ultrapassar. Acredito que uma

sociedade desenvolvida não pode

viver os problemas sociais que ainda

hoje vivemos. Acredito que esse é um

problema de todos e que só com a

participação de todos o vamos

conseguir resolver. Talvez gostasse

que a Fundação fosse o motor que

iniciasse esse caminho, que inspirasse

e motivasse a essa mudança. Que

fosse o motor da consciência de que

somos sempre uns para os outros e

que só nessa unidade poderemos ser

melhores e efetivamente progredir.



SE ESTÁ ENVOLVIDO NO

SETOR SOCIAL

E Q U E R C O L A B O R A R C O M A R E V I S T A

U M L U G A R À M E S A , E S C R E V A - N O S P A R A :

H E L L O @ F M A N U E L V I O L A N T E . P T


/ U M L U G A R À M E S A / J U L 2 0 2 2 • N º 3

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