impossibilia-8-octubre-2014
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A partir do tema, estilo ou destinatário, percebe-se que a obra de Luandino Vieira pode alcançarleitores de variadas idades, seja pela linguagem que não faz concesões ou pelo enfoque dado à narativa, quedescreve a guera de independência de Angola. O termo crosover fiction é entendido, segundo Becket(2009), como ficção que atravesa o público infantil para o adulto e do adulto para o infantil.Uma vez que a crosover iction rediscute os limites de público de textos, ampliando visões econceitos sobre literatura, seria posível traçar um paralelo com a discusão sobre pós-modernidade, pois, talcomo no caso desta última, vários conceitos foram rediscutidos, sendo a identidade um dos principais,como será visto adiante.A este propósito, consideremos o seguinte excerto de A guera dos fazedores de chuva com os caçadoresde nuvens: “4. Falou o Grande Kibaia: Nasceu na Luanda. É ilho da tera. Portanto não é inimigo. Étraidor! Tem de morer” (Vieira, 2006: 17). Nele se mostra a discusão sobre identidade angolana frente aosanos de opresão colonial e se relete sobre as relações entre culturas. O asunto permeia o livro de formageral e é também um dos temas presentes no livro de Mia Couto.Sobre identidades, diz Bhabha (2003) que o indivíduo vive nos tempos atuais localizado numa zonafronteiriça, em que tempo e espaço se cruzam para produzir iguras complexas de diferença, identidade,pasado, presente. Coroborando ese pensador, Hal (2008) airma que as identidades são produtos decomplexos cruzamentos culturais e estão em transição no mundo globalizado. Soa razoável airmar que asociedade no século XXI vive uma rediscusão de fronteiras, reconigurando as realidades através dediferentes modos. O panorama parece favorável a uma discusão sobre limites para a literatura destinada acrianças e jovens, pois, asim como outros campos da vida social, a literatura não estaria apartada dasmudanças de seu tempo, reletindo sobre as alterações e repensando os gêneros literários. A própria históriada literatura infantojuvenil demonstra de forma geral como os livros editados para crianças estavam deacordo com os preceitos sociais, morais, religiosos e educativos sobre a infância de cada época.Uma vez que o cenário atual permitiria uma maior abertura a inluências múltiplas, questões comoquais são as fronteiras entre literatura destinada ao público infantojuvenil e adulto e sobre faixas etárias deleitores pasaram a ser pensadas com mais vigor: “Embora a tendência nos países ocidentais desde meadosdo século XX fose de distinguir nitidamente entre literatura infantil e adulta, hoje não tem acontecidosempre, nem é um caso universal. Muitas vezes, as fronteiras são bastante indeinidas ou mesmoinexistentes” (Becket, 2009: 87).As literaturas editadas para diferentes públicos teriam mais pontos de intersecção, o que traz para oprimeiro plano o lugar de objeto literário dos livros destinados para crianças e jovens. Pode-se pensar que asobras analisadas na pesquisa se airmem como material estético, independentemente da faixa etária aZuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre 2014) Artículo recibido el 05/08/2014 – Aceptado el 11/09/2014 – Publicado el 30/10/2014.98
alcançar, e sejam vistas pelo leitor como um convite ao pensamento, alargando a noção de literaturainfantojuvenil.Como foi visto nos dois livros e conforme a perspectiva de Coelho (2000) e Góes (2010), aairmação de Sandra Becket sobre a questão do destinatário e o papel da literatura infantojuvenil hojeparece ser relevante:O fenômeno crosover levanta uma pergunta muito básica, mas esencial: existe a idade coreta para ler umlivro? O mesmo fenômeno responde à pergunta: deinitivamente não. Por que a idade seria um prérequisitoda leitura? Os leitores não podem ser agrupados em categorias de idade rigidamente deinidas. [.]Livros crosover transcendem as bareiras convencionalmente reconhecidas dentro do mercado de icção. Elesdemonstram uma habilidade notável na forma narativa para ultrapasar as idades, desaiando nosasclasicações de escritor, leitor e texto. (Becket, 2009: 270, grifos próprios)A questão de faixas etárias para leitores tratada pela especialista foi também questionada peloprópria Mia Couto. Em entrevista ao site espanhol La Insigna, em 2005, o escritor declarou que A chuvapasmada não era um livro para crianças; era apenas um livro que continha ilustrações. A partir da airmaçãode Mia Couto, é preciso ser cauteloso com as clasicações do mercado editorial, muitas vezes responsávelpor segmentar o público em obras capazes de serem desfrutadas por faixas etárias distintas. Walsh, citadopor Shavit (2003), airma ser comum a destinação de um livro para crianças ser uma decisão tomada emprimeira instância pelo editor, sendo difícil alterá-la posteriormente. Ao se ler: “Contudo, seus pés raivososprocuravam ainda atingir a cadeira da falecida. E eu me perguntei: será que o noso avô alguma vez tinhamorado todo ele, inteiro, na crença daquele sagrado?” (Couto, 2004: 46), não se pode dizer em primeirainstância, seguindo presupostos mais rígidos de clasicação, que se trata de um livro para crianças e jovens.Por exemplo, as orações não são curtas e há a discusão de temas complexos, como a relação do avô com amorte da esposa e o papel dos antepasados no cotidiano da família.Neste sentido, Ramos (2007) comenta que muitas vezes a designação de literatura infantojuvenil sebaseia em critérios exclusivamente formais e externos ao texto, sendo mais uma estratégia editorial que aintenção do autor. Segundo a estudiosa, iso poderia gerar categorizações contraditórias, levando aoquestionamento de que o título de literatura para a infância e adolescência não seja oriundo dos elementosintrínsecos às obras, mas sim o resultado de como os editores as deinam e apresentem enquanto objetosmateriais.O livro do moçambicano Mia Couto é asim um legítimo representante da literatura crosover, jáque ultrapasa as fronteiras de idade do leitor e trabalha com temáticas sérias e polêmicas:Zuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre 2014) Artículo recibido el 05/08/2014 – Aceptado el 11/09/2014 – Publicado el 30/10/2014.99
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alcançar, e sejam vistas pelo leitor como um convite ao pensamento, alargando a noção de literaturainfantojuvenil.Como foi visto nos dois livros e conforme a perspectiva de Coelho (2000) e Góes (2010), aairmação de Sandra Becket sobre a questão do destinatário e o papel da literatura infantojuvenil hojeparece ser relevante:O fenômeno crosover levanta uma pergunta muito básica, mas esencial: existe a idade coreta para ler umlivro? O mesmo fenômeno responde à pergunta: deinitivamente não. Por que a idade seria um prérequisitoda leitura? Os leitores não podem ser agrupados em categorias de idade rigidamente deinidas. [.]Livros crosover transcendem as bareiras convencionalmente reconhecidas dentro do mercado de icção. Elesdemonstram uma habilidade notável na forma narativa para ultrapasar as idades, desaiando nosasclasicações de escritor, leitor e texto. (Becket, 2009: 270, grifos próprios)A questão de faixas etárias para leitores tratada pela especialista foi também questionada peloprópria Mia Couto. Em entrevista ao site espanhol La Insigna, em 2005, o escritor declarou que A chuvapasmada não era um livro para crianças; era apenas um livro que continha ilustrações. A partir da airmaçãode Mia Couto, é preciso ser cauteloso com as clasicações do mercado editorial, muitas vezes responsávelpor segmentar o público em obras capazes de serem desfrutadas por faixas etárias distintas. Walsh, citadopor Shavit (2003), airma ser comum a destinação de um livro para crianças ser uma decisão tomada emprimeira instância pelo editor, sendo difícil alterá-la posteriormente. Ao se ler: “Contudo, seus pés raivososprocuravam ainda atingir a cadeira da falecida. E eu me perguntei: será que o noso avô alguma vez tinhamorado todo ele, inteiro, na crença daquele sagrado?” (Couto, 2004: 46), não se pode dizer em primeirainstância, seguindo presupostos mais rígidos de clasicação, que se trata de um livro para crianças e jovens.Por exemplo, as orações não são curtas e há a discusão de temas complexos, como a relação do avô com amorte da esposa e o papel dos antepasados no cotidiano da família.Neste sentido, Ramos (2007) comenta que muitas vezes a designação de literatura infantojuvenil sebaseia em critérios exclusivamente formais e externos ao texto, sendo mais uma estratégia editorial que aintenção do autor. Segundo a estudiosa, iso poderia gerar categorizações contraditórias, levando aoquestionamento de que o título de literatura para a infância e adolescência não seja oriundo dos elementosintrínsecos às obras, mas sim o resultado de como os editores as deinam e apresentem enquanto objetosmateriais.O livro do moçambicano Mia Couto é asim um legítimo representante da literatura crosover, jáque ultrapasa as fronteiras de idade do leitor e trabalha com temáticas sérias e polêmicas:Zuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre <strong>2014</strong>) Artículo recibido el 05/08/<strong>2014</strong> – Aceptado el 11/09/<strong>2014</strong> – Publicado el 30/10/<strong>2014</strong>.99