impossibilia-8-octubre-2014
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Ao pesar aquela nosa tristeza, ela se interogou: que falas seriam aquelas que tanto ensombravam o meurosto?– Meu pai, por que fala de morte com um miúdo desta idade?– São verdades que ese miúdo necesita ir amanhando – respondeu o avô. (Couto, 2004: 50)A morte é um tema tabu na casa do menino, pois sua mãe questiona o avô sobre o propósito deconversar sobre ese tema com uma criança. O avô toma para si o papel de introdutor do asunto com seuneto e deixa claro que está tentando, de certa forma, suavizar e naturalizar a morte, talvez a sua própria.Quando faz uso da palavra ‘amanhar’, que posui como um de seus signicados cultivar e lavrar a tera,percebe-se que sua intenção ao tocar nese ponto pode ter sido a de querer preparar a criança para a viagemderadeira que este iria fazer, de forma a naturalizá-la. O texto convidaria o leitor a reletir sobre o fato,entendendo a morte como uma das etapas da vida e capaz de caregar em si toda uma poética, pois o avôcruza a linha da vida de uma forma lírica: “O avô, então, mudou suas tonalidades. Tocou-me as mãos comosempre izera quando pescávamos. – Eu não estou a partir, meu neto. Eu vou só ver o mar” (Couto, 2004:67). Percebe-se a partir do excerto a leveza com que o mais velho cita a questão da morte na conversa com oneto, pois airma que irá conhecer o mar. Ao dizer que viajará ao oceano, pode-se pensar que permanecerávivo, pois o mar é uma das analogias com o ininito, e icaria sempre presente na memória e no coração dosfamiliares.A morte é um tema tabu não somente na família do protagonista, não sendo também consideradoadequado a uma obra entendida como inserindo-se na literatura infantojuvenil. Mais que um lugar comum,a concepção de que os livros destinados à infância e adolescência não devem tocar em asuntos maissombrios pode afastar esa literatura da realidade, pois esas questões fazem parte do dia-a-dia dosindivíduos. Como salienta Abramovich (2002), a morte é comunicada o tempo todo, seja em epidemias,pobreza, atentados teroristas, asaltos e ainda é pouco explorada nos textos. A integração de temas maissérios em livros destinados para a infância e adolescência pode ser entendida como uma estratégia poética dese abordar eses temas e de os aproximar do jovem leitor.A temática de A guera dos fazedores de chuva com os caçadores de nuvens: guera para crianças é aguera de independência de Angola, travada entre o poder português e as forças nacionalistas:4. Falou o Grande Kibaia: Nasceu na Luanda. É ilho da tera. Portanto não é inimigo. É traidor! Tem demorer;5. E dise Nzumba iá Poxi: Não tem direito de morer com barba; e arancou-lhe as barbas;Zuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre 2014) Artículo recibido el 05/08/2014 – Aceptado el 11/09/2014 – Publicado el 30/10/2014.96
6. E dise Kabila Kango: O sangue dele não pode sujar a tera dos seus antepasados! e deu-lhe porinhadas(Vieira, 2006: 17).A princípio, a violência contida no excerto poderia ser percebida como para adultos e não paracrianças e jovens, mas o próprio subtítulo da obra –‘guera para crianças’ indicaria a relevância que o autorpercebe em levar o tema para os pequenos leitores, talvez para fazê-los comprender melhor a história de seupovo. Becket (2009) lembra que temas mais sombrios estão na literatura infantil há séculos; vide os contosde fadas de Perault, dos irmãos Grimm e de Andersen, entremeados com cenas de crueldade, violência emorte. Em vários contos da tradição oral e textos populares, a guera frequentemente está asociada aosmomentos cruciais na vida dos personagens e também na airmação dos mesmos enquanto heróis, comosalienta Ramos (2007). Outra importância da temática bélica nas obras tem que ver com o âmbito históricoe político, asumindo neste sentido esta literatura um importante papel documental que partilha dadossocioculturais da nação com os leitores mais novos.Temas-tabus podem ser lidos por pesoas de diferentes idades e não haveria restrições no que dizrespeito a crianças. A guera dos fazedores de chuva amplia a experiência dos jovens leitores, levando-os aconhecer outras realidades. Todorov (2009), retornando ao raciocínio defendido por Compagnon (2009),defende que o lugar da literatura é revelar o mundo e ajudar o indivíduo a viver, levando-o a ter experiênciassingulares: “A realidade que a literatura aspira comprender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada éasim tão complexo), a experiência humana” (Todorov, 2009: 77). A escolha temática de Luandino Vieira etambém de Mia Couto evidencia a relação intrínseca entre a arte literária e a vida.As fronteiras porosas entre a literatura para adultos e a literatura para crianças e jovens:crosover ictionAs duas obras estudadas também podem ser clasicadas como livros de crosover iction. Esteconceito é recente e uma das primeiras referências ao mesmo se deu em 1997. A tradução literal de crosoverfiction 1 é ‘icção de cruzamento’, e esta econtra-se exemplicada no seguinte excerto:7. Dise Kibaia Kinene: Os dois são prisioneiros; os dois são inimigos; mas só um é traidor! [.]9. E Dialó voltou a ser Amador Lopes; e entrou em Malanje com os braços, mãos e pernas amaradas dechocalhos de quisaca e quisango e sinos e campainhas; e ninguém podia desamarar, saía sangue e elemoria; então o povo riram muito. (Vieira, 2006: 16)1Todas as citações do livro Crosover fiction: global and historical perspectives são de tradução própria.Zuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre 2014) Artículo recibido el 05/08/2014 – Aceptado el 11/09/2014 – Publicado el 30/10/2014.97
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Ao pesar aquela nosa tristeza, ela se interogou: que falas seriam aquelas que tanto ensombravam o meurosto?– Meu pai, por que fala de morte com um miúdo desta idade?– São verdades que ese miúdo necesita ir amanhando – respondeu o avô. (Couto, 2004: 50)A morte é um tema tabu na casa do menino, pois sua mãe questiona o avô sobre o propósito deconversar sobre ese tema com uma criança. O avô toma para si o papel de introdutor do asunto com seuneto e deixa claro que está tentando, de certa forma, suavizar e naturalizar a morte, talvez a sua própria.Quando faz uso da palavra ‘amanhar’, que posui como um de seus signicados cultivar e lavrar a tera,percebe-se que sua intenção ao tocar nese ponto pode ter sido a de querer preparar a criança para a viagemderadeira que este iria fazer, de forma a naturalizá-la. O texto convidaria o leitor a reletir sobre o fato,entendendo a morte como uma das etapas da vida e capaz de caregar em si toda uma poética, pois o avôcruza a linha da vida de uma forma lírica: “O avô, então, mudou suas tonalidades. Tocou-me as mãos comosempre izera quando pescávamos. – Eu não estou a partir, meu neto. Eu vou só ver o mar” (Couto, 2004:67). Percebe-se a partir do excerto a leveza com que o mais velho cita a questão da morte na conversa com oneto, pois airma que irá conhecer o mar. Ao dizer que viajará ao oceano, pode-se pensar que permanecerávivo, pois o mar é uma das analogias com o ininito, e icaria sempre presente na memória e no coração dosfamiliares.A morte é um tema tabu não somente na família do protagonista, não sendo também consideradoadequado a uma obra entendida como inserindo-se na literatura infantojuvenil. Mais que um lugar comum,a concepção de que os livros destinados à infância e adolescência não devem tocar em asuntos maissombrios pode afastar esa literatura da realidade, pois esas questões fazem parte do dia-a-dia dosindivíduos. Como salienta Abramovich (2002), a morte é comunicada o tempo todo, seja em epidemias,pobreza, atentados teroristas, asaltos e ainda é pouco explorada nos textos. A integração de temas maissérios em livros destinados para a infância e adolescência pode ser entendida como uma estratégia poética dese abordar eses temas e de os aproximar do jovem leitor.A temática de A guera dos fazedores de chuva com os caçadores de nuvens: guera para crianças é aguera de independência de Angola, travada entre o poder português e as forças nacionalistas:4. Falou o Grande Kibaia: Nasceu na Luanda. É ilho da tera. Portanto não é inimigo. É traidor! Tem demorer;5. E dise Nzumba iá Poxi: Não tem direito de morer com barba; e arancou-lhe as barbas;Zuza, Júlia. “O fenômeno crosover fiction e as obras editadas para crianças e jovens de Mia Couto e Luandino Vieira: uma discusão sobre opúblico leitor”. Imposibilia Nº8, Págs. 86-103 (Octubre <strong>2014</strong>) Artículo recibido el 05/08/<strong>2014</strong> – Aceptado el 11/09/<strong>2014</strong> – Publicado el 30/10/<strong>2014</strong>.96