Edição Especial - Faap
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uma crise na energia pode comprometer toda uma imagem de um governo, fato que os políticos deveriam ter sempre presente. Assim, por motivos diferentes, as reestruturações de ambos os setores de energia podem ser classificadas como incompleta, no caso do Brasil; ou em fase de revisão e retrocesso, no caso da Argentina, com efeitos semelhantes sobre a elevação dos riscos na visão dos investidores privados. As diferenças na evolução recente redundaram em importantes assimetrias e restrições que poderão impactar uma desejável política de intercâmbio energético entre os dois países. Merecem destaque: No Brasil as estatais continuam em posição dominante no setor elétrico– -federais (Eletrobrás, Chesf, Furnas e Eletrosul) e estaduais (Cemig, Copel, Cesp e Celesc) –, assim como no setor de petróleo e gás, onde a Petrobrás ocupa uma posição monopolista “de fato”. Já na Argentina o setor estatal está, no momento, praticamente ausente como agente produtivo, tanto na energia elétrica como no petróleo e no gás. Na Argentina os preços são formados, em princípio, num mercado competitivo que, entretanto, foi impactado por uma intervenção discricionária (congelamento das tarifas) do governo na área da energia. No Brasil a Petrobrás, formadora de preços pela posição monopolista que detém, acompanha, mais ou menos, o nível dos preços internacionais embora, no momento, esteja havendo uma relativa manipulação eleitoral. Na área do gás natural o nivelamento aos preços internacionais ainda não se estabeleceu. De qualquer forma há um amplo espaço para a interferência governamental que poderá inibir ou afastar os indispensáveis investimentos privados. Na Argentina a exportação de gás para o Chile se dá por meio de gasodutos privados, ao contrário do Brasil, onde há maior interferência estatal na operacionalização dos intercâmbios via Petrobrás e empresas elétricas estatais. No Brasil ocorreu um esvaziamento do processo de planejamento do setor elétrico e, eventualmente, da capacidade de viabilização de projetos mais importantes, como resultado de vários fatores: • Transferência tempestuosa do planejamento da Eletrobrás para o Ministério, o que, por falta de condições deste, redundou na descontinuidade da atividade. • Opção equivocada do governo anterior ao atribuir ao regulador (Aneel), junto com a licitação de concessões, a responsabilidade pelo inventário hidrelétrico, tendo, além disso, decidido por não elaborar novos projetos básicos, além daqueles disponíveis, o que se refletiu na redução do escopo de projetos e detalhamento dos projetos. Em vários casos, comprometeu-se a potencialidade dos aproveitamentos rendendo-se, sem maiores considerações, às pressões dos ambientalistas, reduzindo o potencial de energia firme dos projetos, tornando-os “a fio d’água” pela redução das áreas inundadas e a correspondente capacidade de acumulação e regularização. O caso dos projetos do Rio Tocantins constitui um exemplo emblemático, em particular pela questionável duplicação da capacidade de Tucuruí, que não proporciona um aumento equivalente de energia firme. 50 Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006
3. Mercosul Um problema importante, mas que não cabe detalhar na presente exposição, reside nos recorrentes problemas enfrentados nas relações internas do bloco do Mercosul, em grande parte causadas pela assimetria do porte econômico entre os países membros, opondo o relativo gigantismo do Brasil ao porte intermediário da Argentina e cada um destes ao porte de menor expressão do Uruguai e Paraguai. Tais assimetrias são realçadas por não haver a mitigação das diferenças na figura de parceiros equivalentes, a exemplo da União Européia, que também enfrenta tal situação, mas onde as pressões e críticas acabam se diluindo um pouco entre vários líderes mais ou menos equivalentes: Alemanha, Inglaterra, França e Itália. Nestas condições é natural que as assimetrias acabem por configurar uma eventual dificuldade e resistência na tentativa da viabilização de programas de integração energética, o que, de certa forma, já ocorre no caso do açúcar e álcool e na pressão do governo da Argentina sobre os investimentos da Petrobrás no gasoduto de San Martin (ampliação imediata da capacidade de transporte). Outro problema, de natureza política, reside na relativa indefinição, em ambos os países, das políticas públicas e de desenvolvimento, em termos de uma visão estratégica de médio e longo prazo na área da energia, faltando uma clara definição quanto às opções e prioridades. E mesmo que em algumas das entidades governamentais exista ou venha a existir tal preocupação, a implementação das definições e correspondentes projetos enfrentariam as dificuldades derivadas das conjunturas políticas restritivas de difícil superação, quando as áreas econômicas se defrontam com a prioridade da manutenção da estabilidade econômica. 4. Exemplos de integração no Cone Sul Apesar dos problemas acima apontados, os países do Cone Sul já desenvolveram, no passado, importantes projetos de intercâmbio energético. Sem mencionar interligações elétricas menores entre o Brasil com o Uruguai e o Paraguai, merecem menção os seguintes: • Usina Hidrelétrica de Salto Grande (1.600 MW), no Rio Uruguai, entre a Argentina e o Uruguai; iniciativa estatal com a divisão da energia. • Usina de Itaipu, no Rio Paraná (12.600 MW), entre o Brasil e o Paraguai; iniciativa estatal com a divisão da energia. • Usina de Yaciretá, no Rio Paraná, (4.000 MW), entre a Argentina e o Paraguai; iniciativa estatal com a divisão da energia. • Gasoduto Bolívia-Argentina – iniciativa estatal. • Gasoduto Bolívia-Brasil, iniciativa estatal: Petrobrás/YPF.Bo/Enron. • 5 interligações de gás entre Argentina e Chile; iniciativa privada. • Gasoduto para Uruguaiana; iniciativa privada. Os benefícios decorrentes da viabilização destas interconexões e intercâmbios deveriam inspirar políticas mais dinâmicas de integração energética. As vantagens são claramente bilaterais e recíprocas. Assim, por exemplo, países como Paraguai e Bolívia se beneficiaram com os ingressos de Perspectiva de cooperação no mundo da energia, Peter Greiner, p. 45-55 51
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uma crise na energia pode comprometer toda uma imagem de um governo, fato<br />
que os políticos deveriam ter sempre presente.<br />
Assim, por motivos diferentes, as reestruturações de ambos os setores de<br />
energia podem ser classificadas como incompleta, no caso do Brasil; ou em fase<br />
de revisão e retrocesso, no caso da Argentina, com efeitos semelhantes sobre a<br />
elevação dos riscos na visão dos investidores privados. As diferenças na evolução<br />
recente redundaram em importantes assimetrias e restrições que poderão<br />
impactar uma desejável política de intercâmbio energético entre os dois países.<br />
Merecem destaque:<br />
No Brasil as estatais continuam em posição dominante no setor elétrico–<br />
-federais (Eletrobrás, Chesf, Furnas e Eletrosul) e estaduais (Cemig, Copel,<br />
Cesp e Celesc) –, assim como no setor de petróleo e gás, onde a Petrobrás<br />
ocupa uma posição monopolista “de fato”. Já na Argentina o setor estatal está,<br />
no momento, praticamente ausente como agente produtivo, tanto na energia<br />
elétrica como no petróleo e no gás.<br />
Na Argentina os preços são formados, em princípio, num mercado<br />
competitivo que, entretanto, foi impactado por uma intervenção discricionária<br />
(congelamento das tarifas) do governo na área da energia. No Brasil a<br />
Petrobrás, formadora de preços pela posição monopolista que detém,<br />
acompanha, mais ou menos, o nível dos preços internacionais embora, no<br />
momento, esteja havendo uma relativa manipulação eleitoral. Na área do gás<br />
natural o nivelamento aos preços internacionais ainda não se estabeleceu. De<br />
qualquer forma há um amplo espaço para a interferência governamental que<br />
poderá inibir ou afastar os indispensáveis investimentos privados.<br />
Na Argentina a exportação de gás para o Chile se dá por meio de gasodutos<br />
privados, ao contrário do Brasil, onde há maior interferência estatal na<br />
operacionalização dos intercâmbios via Petrobrás e empresas elétricas estatais.<br />
No Brasil ocorreu um esvaziamento do processo de planejamento do setor<br />
elétrico e, eventualmente, da capacidade de viabilização de projetos mais<br />
importantes, como resultado de vários fatores:<br />
• Transferência tempestuosa do planejamento da Eletrobrás para o<br />
Ministério, o que, por falta de condições deste, redundou na descontinuidade<br />
da atividade.<br />
• Opção equivocada do governo anterior ao atribuir ao regulador (Aneel),<br />
junto com a licitação de concessões, a responsabilidade pelo inventário<br />
hidrelétrico, tendo, além disso, decidido por não elaborar novos projetos<br />
básicos, além daqueles disponíveis, o que se refletiu na redução do escopo de<br />
projetos e detalhamento dos projetos. Em vários casos, comprometeu-se a<br />
potencialidade dos aproveitamentos rendendo-se, sem maiores considerações,<br />
às pressões dos ambientalistas, reduzindo o potencial de energia firme dos<br />
projetos, tornando-os “a fio d’água” pela redução das áreas inundadas e a<br />
correspondente capacidade de acumulação e regularização. O caso dos projetos<br />
do Rio Tocantins constitui um exemplo emblemático, em particular pela<br />
questionável duplicação da capacidade de Tucuruí, que não proporciona um<br />
aumento equivalente de energia firme.<br />
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Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006