Edição Especial - Faap

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27.08.2013 Views

nos gabinetes ministeriais, atribuir-lhes a responsabilidade de fixar metas convergentes de médio e longo prazo e expurgá-las da discussão das negociações correntes das dívidas, sobretudo as da dívida externa. d) Definição de estratégia comum no campo agrícola Diferentemente do que se passa no campo industrial, os países do Mercosul, Argentina e Brasil em particular, têm enormes vantagens comparativas e competitivas no campo agrícola. O Mercosul pode se tornar, no curto prazo, um supridor mundial confiável de alimentos de alto conteúdo energético e protéico para abastecer os mercados emergentes da Ásia (China, Índia, Indonésia), além dos mercados coreanos e japoneses. Há razoável evidência empírica sugerindo um achatamento da curva de oferta alimentar dos Estados Unidos da América e da Europa Ocidental (esgotamento da fronteira agrícola, falta de água, contaminação do subsolo). O Mercosul pode e deve se dotar de uma task force agrícola, com forte participação dos produtores e trabalhadores rurais, tendo como meta a definição de objetivos estratégicos no campo da expansão da produção agrícola que compreendam a sustentabilidade dos recursos naturais a serem mobilizados para proteção do meio ambiente, melhorias de produtividade, inovação tecnológica, agregação de valor e promoção social do trabalhador rural. É surpreendente que, até hoje, nada ou quase nada tenha sido feito neste âmbito. e) Definição de uma política industrial regional A única maneira de acabar com as atuais fricções comerciais intrazona que geram tentações irrefreáveis de medidas restritivas ao comércio reside na prévia adoção do princípio de um mercado industrial regional unificado, seja para abastecer os respectivos mercados internos, seja para alcançar grau crescente de competitividade nos mercados mundiais. Apesar do Brasil ser o primeiro mercado industrial do bloco, a regionalização da produção industrial vai permitir o aumento das escalas de produção dos quatro países para maior benefício dos dois sócios menores. O Uruguai, com 3 milhões de habitantes, não pode almejar um lugar ao sol na área industrial pensando apenas no seu mercado doméstico. Inversamente, o Brasil não deve temer uma crescente importação de produtos industriais de procedência geográfica dos outros três sócios. Em primeiro lugar, um comércio transfronteiriço de crescente valor agregado gera maior estímulo a trocas crescentes em ambos os lados da fronteira. Em segundo lugar, uma definição regional de cadeias produtivas, explorando as potencialidades de complementação e especialização industriais, usando instrumentos modernos de out-sourcing regional associado à total remoção de barreiras burocráticas, sobretudo na transposição das fronteiras, fará do mercado industrial do Mercosul um forte instrumento de expansão das exportações para o resto da América Latina e para os grandes mercados da Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e da União Européia. A fim de evitar a adoção de políticas industriais estatizantes e falsamente organizadores do mercado, de inspiração “gosplaniana”, caberá aos governos a adoção de marcos regulatórios regionais, livres de burocracia e com concessões 34 Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006

preferenciais recíprocas, cabendo aos industriais e centrais sindicais as definições relativas à complementação e especialização industriais. f) Investimentos na infra-estrutura Mesmo supondo que fossem adotadas as sugestões anteriores contidas nas letras a) a e), de nada serviriam se o Mercosul não vier a superar os gargalos estranguladores hoje existentes nas infra-estruturas de transporte, de energia e comunicações. Felizmente aqui as notícias são alvissareiras. Sob a liderança e o empenho pessoal do presidente Lula, que obsessivamente vem tratando do tema da infra-estrutura, mecanismos operacionais já se encontram em movimento. A Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul- -Americana (Iirsa) já elaborou um estoque de programas e projetos a nível sub- -continental. O BID, a Cooperação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco de Inversión y Comércio Exterior (Bice) já estão mobilizando recursos para tais investimentos. Caso o Congresso brasileiro negocie e aprove a Parceria Público Privada (PPP), capitais externos serão atraídos para gerar produção ao longo dos eixos modernizados de infra-estrutura, aumentando consideravelmente a eficiência logística da produção e do comércio exterior não só do Mercosul, mas de todo o sub-continente sul-americano, com reflexos quase imediatos nas economias dos dois países associados, como Chile, Bolívia e Venezuela, e mais adiante Peru, Colômbia e Equador. Como mencionei anteriormente, esta listagem de “antibióticos” não é exaustiva, embora já por si muito ambiciosa. Proposta de ação: Para que este papel não tenha uso meramente ilustrativo e acadêmico, proponho, agora na qualidade de Presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que este texto seja circulado entre os órgãos congêneres do Mercosul, a saber: o Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (Cari), o Consejo Uruguayo para las Relaciones Internacionales (Curi) e o Centro Paraguayo de Estudios Internacionales (Cepei). Comentários, sugestões e críticas serão bem- -vindos. Se todos estiverem de acordo, o Cebri se responsabiliza por sintetizar todas as contribuições recebidas e encaminhá-las à Presidência Pro-Tempore do Mercosul como contribuição dessas prestigiosas entidades à próxima Cúpula do Mercosul, que terá lugar nas cidades de Belo Horizonte e Ouro Preto no próximo mês de dezembro. O Mercosul não é para principiantes, José Botafogo Gonçalves, p. 30-35 35

nos gabinetes ministeriais, atribuir-lhes a responsabilidade de fixar metas<br />

convergentes de médio e longo prazo e expurgá-las da discussão das negociações<br />

correntes das dívidas, sobretudo as da dívida externa.<br />

d) Definição de estratégia comum no campo agrícola<br />

Diferentemente do que se passa no campo industrial, os países do<br />

Mercosul, Argentina e Brasil em particular, têm enormes vantagens<br />

comparativas e competitivas no campo agrícola. O Mercosul pode se tornar, no<br />

curto prazo, um supridor mundial confiável de alimentos de alto conteúdo<br />

energético e protéico para abastecer os mercados emergentes da Ásia (China,<br />

Índia, Indonésia), além dos mercados coreanos e japoneses.<br />

Há razoável evidência empírica sugerindo um achatamento da curva de<br />

oferta alimentar dos Estados Unidos da América e da Europa Ocidental<br />

(esgotamento da fronteira agrícola, falta de água, contaminação do subsolo). O<br />

Mercosul pode e deve se dotar de uma task force agrícola, com forte<br />

participação dos produtores e trabalhadores rurais, tendo como meta a<br />

definição de objetivos estratégicos no campo da expansão da produção agrícola<br />

que compreendam a sustentabilidade dos recursos naturais a serem mobilizados<br />

para proteção do meio ambiente, melhorias de produtividade, inovação<br />

tecnológica, agregação de valor e promoção social do trabalhador rural. É<br />

surpreendente que, até hoje, nada ou quase nada tenha sido feito neste âmbito.<br />

e) Definição de uma política industrial regional<br />

A única maneira de acabar com as atuais fricções comerciais intrazona que<br />

geram tentações irrefreáveis de medidas restritivas ao comércio reside na prévia<br />

adoção do princípio de um mercado industrial regional unificado, seja para<br />

abastecer os respectivos mercados internos, seja para alcançar grau crescente de<br />

competitividade nos mercados mundiais. Apesar do Brasil ser o primeiro<br />

mercado industrial do bloco, a regionalização da produção industrial vai<br />

permitir o aumento das escalas de produção dos quatro países para maior<br />

benefício dos dois sócios menores. O Uruguai, com 3 milhões de habitantes,<br />

não pode almejar um lugar ao sol na área industrial pensando apenas no seu<br />

mercado doméstico. Inversamente, o Brasil não deve temer uma crescente<br />

importação de produtos industriais de procedência geográfica dos outros três<br />

sócios. Em primeiro lugar, um comércio transfronteiriço de crescente valor<br />

agregado gera maior estímulo a trocas crescentes em ambos os lados da<br />

fronteira. Em segundo lugar, uma definição regional de cadeias produtivas,<br />

explorando as potencialidades de complementação e especialização industriais,<br />

usando instrumentos modernos de out-sourcing regional associado à total<br />

remoção de barreiras burocráticas, sobretudo na transposição das fronteiras,<br />

fará do mercado industrial do Mercosul um forte instrumento de expansão das<br />

exportações para o resto da América Latina e para os grandes mercados da Área<br />

de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e da União Européia.<br />

A fim de evitar a adoção de políticas industriais estatizantes e falsamente<br />

organizadores do mercado, de inspiração “gosplaniana”, caberá aos governos a<br />

adoção de marcos regulatórios regionais, livres de burocracia e com concessões<br />

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Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006

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