Edição Especial - Faap
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saldos comerciais a favor da Argentina; b) primarização das exportações<br />
argentinas, com queda do componente de manufaturas industriais associadas a<br />
uma tendência pouco dinâmica nas vendas de trigo e petróleo; c) a adoção,<br />
pelas autoridades argentinas, de um leque de medidas restritivas às exportações<br />
brasileiras (quotas, licenciamento não automático, barreiras técnicas) que<br />
ameaçam implodir de vez com a zona de livre comércio do Mercosul.<br />
Parece um paradoxo que a Argentina, em plena fase de recuperação de sua<br />
economia, venha tomando medidas restritivas às exportações brasileiras em<br />
grau e amplitude inéditas. Será necessário um recuo histórico político-<br />
-econômico de políticas praticadas pelos dois países para buscar compreender<br />
tal paradoxo. Enumerarei a seguir algumas diferenças estruturais, tanto políticas<br />
como econômicas, que ainda persistem no campo bilateral, a despeito da<br />
existência do Mercosul:<br />
1. Composição dos setores agrícola e industrial nacionais na formação do PIB:<br />
enquanto o Brasil, desde 1950, tenha buscado, até em excesso, praticar uma<br />
política de acelerada industrialização de sua economia em todas as suas etapas<br />
(bens de consumo não-duráveis, duráveis, insumos industriais, bens<br />
intermediários, indústria pesada), a Argentina, no mesmo período, flutuou na<br />
adoção de políticas que penalizavam fortemente o setor industrial nacional e<br />
favoreciam as importações ou na proteção de setores nacionais ineficientes<br />
(infra-estrutura) com fortes subsídios do tesouro;<br />
2. Destino das produções agrícola e industrial: no Brasil as exportações<br />
agrícolas estavam concentradas no café e no açúcar, sendo o principal cliente os<br />
Estados Unidos da América. Na Argentina, as exportações de lã, carnes e trigo<br />
tinham como principal destino a Europa;<br />
3. Abastecimento do mercado interno: a política brasileira sempre favoreceu o<br />
abastecimento do mercado interno e penalizou as exportações. Basta lembrar que<br />
em 1950 o Brasil tinha uma população de 50 milhões de habitantes e hoje tem 180<br />
milhões. A Argentina sempre favoreceu o abastecimento do mercado externo,<br />
facilitado pelo baixo crescimento demográfico. Em 1950, a Argentina tinha 18<br />
milhões de habitantes, hoje tem 35 milhões.<br />
4. Papel da burguesia: a burguesia brasileira soube aproveitar as condições<br />
favoráveis oferecidas pela política de substituição de importações e proteção<br />
tarifária elevada, em vigor por quatro décadas, para desenvolver um forte<br />
sentimento nacionalista e desenvolvimentista, ainda que às custas de certo<br />
atraso tecnológico, ineficiência competitiva e brutal concentração de renda. A<br />
burguesia argentina, na falta de políticas consistentes, desenvolveu uma cultura<br />
mais rentista que produtiva, dando precedência ao financeiro sobre o produtivo<br />
e buscando padrões de consumo de nível europeu elevado, o que se reflete na<br />
arquitetura e urbanismo, no mobiliário, na indumentária, na posse de carros de<br />
luxo e na gastronomia de alto conteúdo protéico;<br />
5. Não-interligação da infra-estrutura de transporte e comunicações: todo o<br />
sistema ferroviário argentino-brasileiro só tinha em comum sua destinação<br />
atlântica. Eram, e ainda são, sistemas paralelos que não se encontram nem no<br />
O Mercosul não é para principiantes, José Botafogo Gonçalves, p. 30-35<br />
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