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Edição Especial - Faap

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Para o bem e para o mal, somos em tudo contrários aos protestantes do<br />

norte. Neles, a idéia de salvação apenas após a morte fez com que o esforço, a<br />

poupança, a competição e o reinvestimento consolidassem o capitalismo<br />

mundial. Nós queremos a salvação aqui e agora. O pós-morte é incerto e o<br />

capitalismo é apenas uma vaga idéia daquilo que gostaríamos de ter se nada nos<br />

custasse em termos de comportamento.<br />

Ao nosso modo, criamos certa indolência gostosa de descansar nas redes e<br />

apreciar o horizonte e a silhueta dos corpos e acreditar que o amanhã virá<br />

infalivelmente; de agirmos de modo perdulário em relação às nossas riquezas<br />

naturais seja porque o manancial é inesgotável, seja porque o futuro está muito<br />

longe e não nos diz respeito, pois estaremos, sim, todos mortos – keynesianos<br />

por conveniência, nesse sentido. Esse jeito de ser produziu alguns (poucos)<br />

gênios, é verdade, sobretudo na arte, na música, no lúdico do jogo de futebol.<br />

Mas mesmo eles foram exceções que comprovam a inadequação a um tipo de<br />

capitalismo que prosperou nos últimos duzentos anos e que nos deixou e ainda<br />

deixa, enquanto economia, para trás.<br />

A visão do paraíso permitiu que se estabelecesse um espírito menos sovina,<br />

uma calma que é quase “um jeito de corpo”, um suíngue, um modo de estar<br />

no mundo. Mas retirou de muitos de nós o ímpeto do trabalho, o que só pôde<br />

ser compensado pela mão-de-obra do escravo africano, ou pela má esperteza que<br />

hoje nos atrasa enquanto civilização. Por conta disto, o trabalho por muito<br />

tempo foi compreendido como coisa para os desprovidos de sorte e de posses<br />

e até de inteligência, o que se deu tanto no Brasil como em Portugal. Romances<br />

como os de Machado de Assis e os de Eça de Queiroz demonstram isto com<br />

enorme visceralidade. Ademais, basta lembrar a frase popular, dita com<br />

escárnio: “o mundo é dos espertos”.<br />

Já o personalismo – se nos forneceu exemplos de superação como anotei<br />

acima – dificultou também nossa capacidade de associação. Esse personalismo é,<br />

em gênero e grau, contrário ao “individualismo utilitarista” do protestante norte-<br />

-americano, por exemplo, que fez com que lá seja válida a expressão “vícios<br />

privados, benefícios públicos”. Esse personalismo não apenas dificulta como repele<br />

qualquer tipo de ação associativa e, ouso afirmar, é nele que reside nossa maior<br />

dificuldade em consolidar instituições. Ninguém se vê como parte das instituições.<br />

Se as instituições são espelhos da sociedade, nosso espelho mostra uma imagem<br />

deformada, pouco esmerada, bastante desleixada, como a figura de um semeador<br />

que vai, sem preocupação, jogando suas sementes; preso apenas ao método que<br />

chamo “SPP” (se pegar, pegou). A propósito disto, Sérgio Buarque se ateve ao<br />

sentido dessa palavra, “desleixo”. Para ele, palavra tão tipicamente portuguesa<br />

quanto “saudade” e que, segundo Buarque, significaria menos falta de energia do<br />

que a “íntima convicção de que não vale a pena”.<br />

Assim, enquanto a personalidade nos afasta da idéia de instituições, a<br />

religião nos promete o paraíso sem trabalho e sem pecado; a facilidade de nos<br />

caldearmos uns com os outros retira o rigor das regras impessoais e impõe o<br />

“cordialismo” que, na verdade, dissimula interesses individuais, esconde<br />

relações de poder e elimina o mérito, tornando o jogo democrático menos claro<br />

196<br />

Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006

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