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Edição Especial - Faap

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de si mesmo, de seu esforço próprio, de suas virtudes” (Raízes do Brasil, p. 32).<br />

Da minha infância, lembro-me que das piores ofensas que se podia fazer a um<br />

menino era apontá-lo como “filhinho de papai”. No Brasil, ser “filho de rico” traz<br />

vantagens, é claro – e, na nossa esperteza, muitos prefeririam sê-lo, se fosse<br />

optativo –, mas nem sempre traz respeito. Chamar alguém de “filhinho de papai”<br />

significa dizer que o sujeito seria incapaz de fazer-se por si próprio. É, mas não o<br />

fez por obra e esforço de si próprio. Fizera-se pelo poder e beneplácito do outro,<br />

o que lhe retira valor e vaidade. Uma espécie de desonra entre os nossos povos –<br />

imagino que na Argentina também seja assim. No Brasil, certamente, uma das<br />

primeiras experiências de vaidade de qualquer garoto consiste em mostrar, para os<br />

outros, aquilo que conseguiu fazer sozinho. “Olha, fui eu que fiz!”, diz orgulhoso<br />

para deleite dos pais. Adulto, percebi que os mitos brasileiros se dão, sobretudo,<br />

em torno das pessoas que “vieram de baixo” e venceram; que se fizeram à margem<br />

e sem o auxílio dos outros. Silvio Santos, um grande empresário brasileiro do setor<br />

de comunicações, até hoje é desmerecido porque teria sido ajudado pelo<br />

comediante Manoel da Nóbrega. Os exemplos atualmente mais eloqüentes desse<br />

personalismo, desse “fazer-se por si mesmo” (mas não os únicos), são nosso<br />

presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu vice, José de Alencar Gomes da Silva.<br />

Não por acaso, ambos “da Silva”, nome de gente “sem eira e nem beira”, que se<br />

fez sozinho. Pode não ser suficiente para outros predicados mais exigentes, mas<br />

ter-se feito por si só distingue o sujeito para grande parcela da população. Fez-se<br />

por si mesmo e, não raro, isto basta.<br />

Essas características trouxeram muitas vantagens, mas também inúmeras<br />

desvantagens. A enorme capacidade de adaptação, a criatividade e a habilidade<br />

de conviver com diferentes vêm dessa ausência de orgulho de raça; mas isto<br />

também criou o seu contrário, que é a pequena percepção de que somos uma<br />

nação. Não acalentamos orgulhos coletivos e cultivamos um difuso “complexo<br />

de inferioridade”, que o dramaturgo Nelson Rodrigues chamou de “complexo<br />

de vira-latas”. Nossa percepção de pátria, dirá Rodrigues, está antes nos campos<br />

de futebol do que no sentimento patriótico, na raça, na história, nos grandes<br />

feitos heróicos políticos ou militares. Para Nelson, somos a pátria quando<br />

somos a “pátria de chuteiras”. Exemplos que contrariam essa tese são raros.<br />

Não é sem motivo, portanto, que qualquer provocação futebolística de nossos<br />

irmãos argentinos toque tão fundo em nossa alma, nesse sentido, recalcada.<br />

A utopia do “tempo do Espírito Santo” parece ter-nos proporcionado<br />

crenças num mundo melhor que, um dia, virá, como se diz no Brasil,<br />

“quando e se Deus quiser”. Chame-se isto de “esperança” no nível<br />

psicológico, ou de “sebastianismo” no nível político, não importa: é assim<br />

que encaramos todos os dias a cada manhã. A alegria advém dessa utopia e<br />

nos dá a idéia de que “não existe pecado ao sul do Equador”, que “um<br />

menino” ou um Messias já veio e por isso estamos irremediavelmente<br />

condenados ao perdão. A ausência da idéia de pecado e o sentimento de<br />

salvação na terra nos afastam do trabalho metódico, da disciplina; a ausência<br />

do medo de punição nos remete à inimputabilidade e à falta de um maior<br />

senso de responsabilidade, auto-indulgência e jeitinhos.<br />

Brasil: compreender e superar..., Carlos Alberto Furtado de Melo, p. 190-199<br />

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