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Edição Especial - Faap

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Uma bonita utopia, entendida, depois, como herética.<br />

Por volta de fins do século XIV e meados do século XV, os lusitanos<br />

acreditavam que o mundo viveria a idade do Espírito Santo. Ou seja, depois do<br />

“Tempo do Pai” (o Deus de que nos fala o Antigo Testamento) e do “Filho”<br />

(do Cristo da evangelização), viria o tempo do Divino Espírito Santo. Seu<br />

exemplo mais eloqüente era a representação dessa utopia por meio das “Festas<br />

do Divino Espírito Santo”, ainda bastante freqüentes no Brasil e no arquipélago<br />

dos Açores (filho de açorianos, menino assisti a várias dessas festas, na periferia<br />

de São Paulo). A festa consiste em que se entronize um menino como Rei; esse<br />

menino soltará os presos e depois distribuirá comida farta e gratuita a toda gente.<br />

Não se trata de uma festa voltada à louvação dos santos e nem do passado, mas<br />

um culto dirigido à idealização do futuro, do mundo que se espera. Note-se o<br />

quão interessante é isto: a “autoridade maior” é uma criança, frágil e singela que<br />

não nos mete medo; não há prisão, os crimes são perdoados, os prisioneiros<br />

libertos; não há fome; há fartura e tudo é dado generosamente pelo Espírito<br />

Santo. Ao contrário do que acreditam os economistas de Chicago, nesta cultura,<br />

nesta utopia, existiria, sim, almoço gratuito. “There is free lunch, sim senhor!”<br />

Estamos, portanto, falando no sentimento utópico de um mundo sem<br />

autoridade, sem crime e sem escassez. O mundo que gostaríamos de ter e que,<br />

inadvertidamente, para o bem e para o mal, às vezes acreditamos que exista.<br />

3) Junte-se a isto a imensa imaginação dos navegadores, que julgavam aqui<br />

ter encontrado o paraíso e teremos um terceiro aspecto a considerar.<br />

Imaginemos a cena: depois de meses de viagem, aqueles homens de humor<br />

enfastiado aportam numa terra em que a água doce é farta e o alimento está à<br />

altura das mãos. Os homens e mulheres que os recebem são bons e ingênuos<br />

como crianças (como o menino da festa do Espírito Santo); as moças nuas,<br />

disponíveis e oferecidas por seus pais e irmãos que acreditavam estar diante de<br />

deuses. Diz Sérgio Buarque que “já as primeiras notícias de Colombo sobre as<br />

suas Índias tinham começado a desvanecer-se naquele Novo Mundo os limites<br />

do possível. E se todas as coisas ali surgiram magnificadas para quem as viu com<br />

os olhos da cara, apalpou com as mãos, calcou com os pés, não seria estranhável<br />

que elas se tornassem ainda mais portentosas para os que sem maior trabalho e<br />

só com o ouvir e o sonhar se tinham por satisfeitos” (Visão do Paraíso, p. 5).<br />

Acreditou-se no Paraíso, acreditou-se que o tempo do Espírito Santo existia<br />

realmente, de fato; em carne, osso e sem roupa.<br />

4) Junte-se a estes três elementos – a “ausência de orgulho de raça”, a<br />

“utopia do tempo do Espírito Santo” e a “Visão do Paraíso” – um quarto: o<br />

exacerbado personalismo dos ibéricos, ao qual fiz alusão acima. Aquilo que<br />

Sérgio Buarque chamou de “a cultura da personalidade, que parece constituir<br />

o traço mais decisivo na evolução da gente hispânica, desde tempos imemoriais<br />

(...) a importância particular que atribuem ao valor próprio da pessoa humana,<br />

a autonomia de cada um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e<br />

no espaço (...) Para eles”, continua Sérgio Buarque, “o índice do valor de um<br />

homem infere-se, antes de tudo, da extensão em que não precise depender dos<br />

demais, em que não necessite de ninguém, em que se baste. Cada qual é filho<br />

194<br />

Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006

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