Edição Especial - Faap
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doença. Logo, é preciso conhecer o Brasil de modo que se possa nele adaptar<br />
os remédios da teoria e se possa perceber a perspectiva da formulação até de<br />
uma teoria própria. Por isso, a cada novo semestre pergunto aos meus alunos<br />
em tom de desafio: o que é o Brasil? Noto que causo certo desconcerto pois<br />
nós, brasileiros, acreditamos conhecer o Brasil. Ele está presente em nós;<br />
respiramos seu ar, ardemos sob seu sol, comemos do seu chão. Ora, o que é o<br />
Brasil? Todo mundo acredita saber a resposta, sentimentalmente. Mas, na hora<br />
de racionalizar a questão, muitos ficam paralisados. Depois de alguns minutos,<br />
normalmente os estereótipos afloram: “o Brasil é samba, futebol e mulatas; o<br />
Brasil é malícia, jeitinho e muito desacerto e desigualdade social”. Quando<br />
ousamos compreender o Brasil autenticamente, nos perdemos.<br />
Percebemos que o país é bem mais complexo que os rótulos que o<br />
simplificam ao extremo. Como disse Sérgio Buarque, a identidade do Brasil está<br />
em devir; ainda não se consolidou. Como podemos explicar algo que ainda não é<br />
pleno, que está em transformação? Como admitir que não será exatamente o país<br />
que gostaríamos que fosse, mas tão somente aquilo que conseguiremos fazer que<br />
seja? Como compreender que vivemos num processo de interações múltiplas, na<br />
maioria das vezes desencontradas? Como demonstrar que isto ocorre com todos<br />
os povos, mas que a forma como ocorre conosco é mesmo peculiar?<br />
O certo é que se trata de um país repleto de paradoxos, de histórias mal-<br />
-contadas; explicações que não se fecham e que raramente são consistentes<br />
entre si. Vemos que para explicar o Brasil precisamos ter, antes de tudo, o senso<br />
de complexidade. O esforço requer que nos dispamos da arrogância e do<br />
ufanismo, sem nos deixarmos cair no derrotismo e na mais baixa auto-estima.<br />
Não podemos nos furtar a fazer digressões e lançar perguntas para as quais<br />
ainda não temos respostas. Neste momento, o melhor é nos preocuparmos mais<br />
com as perguntas a fazer do que com as respostas a dar. Elas, as respostas, virão<br />
com o tempo, se as perguntas estiverem corretas. O pensamento utilitarista<br />
norte-americano, a teoria econômica e a racionalidade do Homo economicus<br />
nem sempre se coadunam com o jeito do brasileiro; como todo povo, temos<br />
nossos particularismos, nossas manias, nossa idiossincrasia e isso nem sempre é<br />
captado por uma teoria geral. Logo, não há respostas prontas porque as<br />
perguntas ainda não estão claras. Primeiro, é preciso admitir o incômodo que<br />
nos ronda, para depois saber o que nos incomoda.<br />
Por isso, na perspectiva de ensinar meus alunos, peço-lhes que tenham<br />
dúvidas a respeito do Brasil; rogo-lhes que abandonem certezas, que se dispam<br />
de explicações coerentes e politicamente corretas dos livros oficiais de história,<br />
que abandonem o sentido da ética burguesa-protestante que deu fundamentos<br />
e espírito ao capitalismo, como nos ensinou Max Weber, e com a qual não<br />
conseguiremos apreender plenamente o sentido da formação nacional. E assim<br />
recorro a escritores, historiadores, sociólogos e antropólogos que, no fim dos<br />
anos 1920 e durante as décadas de 1930 e 1940 ousaram compreender e<br />
tentaram explicar o Brasil. Refiro-me especialmente a Paulo Prado (Retrato do<br />
Brasil), Mário de Andrade (Macunaíma, o herói sem nenhum caráter), Gilberto<br />
Freyre (Casa-Grande & Senzala) e Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do<br />
Brasil: compreender e superar..., Carlos Alberto Furtado de Melo, p. 190-199<br />
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