Edição Especial - Faap
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Na Europa, quando se iniciou o debate mais amplo sobre reforma ou aperfeiçoamento ou ajustamento dos sistemas policiais, influenciado em parte também pelo competente estudo de Jean-Claude Monet (1986,1993), recentemente publicado no Brasil (2002), a atenção foi focada em cinco dimensões: a) importância da formação e profissionalização do policial: valorização do estatuto individual ou coletivo? Mudança das práticas policiais? Se a questão já é complexa em um sistema centralizado como o francês, pode-se imaginar o desafio quando consideramos que Argentina e Brasil são repúblicas federativas. Temos, portanto, um longo caminho a percorrer. b) importância da modernização de armamentos, equipamentos, veículos, informatização, polícia técnica e científica. Colocam-se aqui também as questões relacionadas com nossas estruturas federativas que descentralizam o orçamento e dificultam estratégias de modernização conectadas com a própria reorganização possível do sistema produtivo de ambos os países. A definição de prioridades de segurança no âmbito dos dois países já poderia ser um expressivo passo para novos investimentos e parcerias industriais compartilhadas. c) importância da maior interação e, em certos casos, até de unificação do ato de policiar em suas múltiplas funções. Em realidade, tratar-se-ia – pelo menos teoricamente – de se fazer um esforço de simplificação das corporações e das carreiras e respectivas estruturas. Monjardet mostra que no caso francês estudava-se o recrutamento, formação inicial e mobilidade em três níveis nas cinco corporações: execução, comando, direção e planejamento. Alerta, sobretudo, para os problemas de toda qualificação de mão-de-obra, além da sobreposição ao “civil” e “fardado”: identificação das funções, critérios de comparabilidade ou de equivalência de qualificação e competência. Na Europa e no Brasil, como provavelmente na Argentina, trata-se de questão delicada a não ser abordada com atropelos, sob pena de se criar ou aprofundar uma inquietante crise de identidade profissional. Experiências concretas de policiamento comunitário em São Paulo e em outros estados brasileiros precisam ser mais conhecidas e analisadas, pois certamente sugerem os melhores caminhos a serem adotados em uma estrutura federativa com metrópoles urbanas como São Paulo e Buenos Aires, além de outras grandes, médias e pequenas cidades e distritos rurais nos respectivos entes federativos. d) a relação entre competências policiais e território é muito complexa, talvez mais ainda nas estruturas federativas. Além das diferenças nas funções policiais, trata-se de adequar o saber profissional, sua quantidade e qualidade às demandas efetivas, pois a criminalidade tem enorme facilidade migratória, como se a polícia sempre estivesse atrás. Na França buscou-se uma centralização da direção das polícias urbanas, de informação e de fronteira/aeroportos. A explicação principal está relacionada com a dificuldade de se conter o aumento rápido e contínuo da pequena delinqüência, fator importante para se entender o aumento do sentimento de insegurança da população. Além de problema da polícia é, naturalmente de governo. Isso significa que tem havido uma politização crescente do sentimento de insegurança da população. Na situação 12 Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006
asileira atual, pode-se sugerir que a questão da segurança pública vai se tornar um dos pontos centrais do debate eleitoral das eleições gerais de 2006, pois elas abrangem os governos estaduais, o governo federal e os respectivos Legislativos. Se as questões técnicas relacionadas com a redistribuição da polícia ou do policiamento ostensivo são experimentos cada vez mais freqüentes, não são ainda muito conhecidos os efeitos do provável desequilíbrio entre o local de recrutamento e local de emprego do profissional. Finalmente, também há falta de clareza institucional e política sobre o tema das “guardas municipais” ou “polícias municipais”, com as conhecidas polêmicas existentes em muitos países e que, segundo alguns, poderiam implicar em maior grau de corrupção e maior tendência de partidarização, sem falar de outras conseqüências na estrutura profissional e no próprio conceito do sistema de segurança pública. Aspectos importantes desse debate são as constatações de que a centralização excessiva pode afastar a comunidade e as autoridades locais da polícia. Outra contribuição, segundo Monjardet, refere-se à grande relevância de planos locais de segurança desenvolvidos com participação das autoridades e lideranças locais em perspectiva de médio e longo prazo. O estudo de Bernard Bonnet (1993), relacionado com a adaptação do modelo francês de polícia às demandas locais de segurança, resume uma problemática em quatro pontos, que pode ser bem útil para troca de experiências entre nossas polícias: 1. Aumento da demanda local de segurança: aumento da criminalidade no meio urbano e falta de legitimidade da política de intervenção policial; 2. Ambigüidades das demandas de segurança: insegurança por medo difuso (Aids, poluição, doenças, etc), que aumenta sentimento de insegurança e o amplia; 3. Realidade da demanda de segurança: mudança nas características da criminalidade, como aumento de roubos e violência ligada ao narcotráfico; explosão da violência urbana, em ambientes degradados, de miséria e de exclusão; finalmente, as próprias insatisfações policiais, resultantes da insegurança crescente, de riscos maiores, do sentimento de impotência, sem falar das questões salariais próprias às situações de ajuste econômico de países como Argentina e Brasil. Bernard Bonnet também observa, no caso francês, a existência de reticências policiais à estratégia de aproximação com a população, pois seria muito mais um discurso do que efetiva prática profissional. Estudos em andamento sobre as experiências brasileiras neste aspecto, muito positivas, serão úteis para futuros intercâmbios entre Argentina e Brasil. 4. Embora não possamos generalizar, experiências francesas e também brasileiras em todos os níveis de políticas de adaptação a essas novas realidades, na última década, apontam para pontos comuns, especificamente: • Afirmação da estratégia de intervenção: aumento da presença da polícia nas ruas; na luta contra drogas e diferentes tipos de trabalho clandestino; • Emergência da estratégia comunitária: atendimento e maior presença nos locais sensíveis; atenção às escolas, aos idosos e aos transportes urbanos e projetos locais de segurança (diagnóstico de segurança e projeto de ações concertadas). O mundo da segurança no diálogo argentino-brasileiro..., Braz de Araujo, p. 7-16 13
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Na Europa, quando se iniciou o debate mais amplo sobre reforma ou<br />
aperfeiçoamento ou ajustamento dos sistemas policiais, influenciado em parte<br />
também pelo competente estudo de Jean-Claude Monet (1986,1993),<br />
recentemente publicado no Brasil (2002), a atenção foi focada em cinco<br />
dimensões:<br />
a) importância da formação e profissionalização do policial: valorização do<br />
estatuto individual ou coletivo? Mudança das práticas policiais? Se a questão já<br />
é complexa em um sistema centralizado como o francês, pode-se imaginar o<br />
desafio quando consideramos que Argentina e Brasil são repúblicas federativas.<br />
Temos, portanto, um longo caminho a percorrer.<br />
b) importância da modernização de armamentos, equipamentos, veículos,<br />
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questões relacionadas com nossas estruturas federativas que descentralizam o<br />
orçamento e dificultam estratégias de modernização conectadas com a própria<br />
reorganização possível do sistema produtivo de ambos os países. A definição de<br />
prioridades de segurança no âmbito dos dois países já poderia ser um expressivo<br />
passo para novos investimentos e parcerias industriais compartilhadas.<br />
c) importância da maior interação e, em certos casos, até de unificação do<br />
ato de policiar em suas múltiplas funções. Em realidade, tratar-se-ia – pelo<br />
menos teoricamente – de se fazer um esforço de simplificação das corporações<br />
e das carreiras e respectivas estruturas.<br />
Monjardet mostra que no caso francês estudava-se o recrutamento, formação<br />
inicial e mobilidade em três níveis nas cinco corporações: execução, comando,<br />
direção e planejamento. Alerta, sobretudo, para os problemas de toda qualificação<br />
de mão-de-obra, além da sobreposição ao “civil” e “fardado”: identificação das<br />
funções, critérios de comparabilidade ou de equivalência de qualificação e<br />
competência. Na Europa e no Brasil, como provavelmente na Argentina, trata-se<br />
de questão delicada a não ser abordada com atropelos, sob pena de se criar ou<br />
aprofundar uma inquietante crise de identidade profissional. Experiências<br />
concretas de policiamento comunitário em São Paulo e em outros estados<br />
brasileiros precisam ser mais conhecidas e analisadas, pois certamente sugerem os<br />
melhores caminhos a serem adotados em uma estrutura federativa com metrópoles<br />
urbanas como São Paulo e Buenos Aires, além de outras grandes, médias e<br />
pequenas cidades e distritos rurais nos respectivos entes federativos.<br />
d) a relação entre competências policiais e território é muito complexa,<br />
talvez mais ainda nas estruturas federativas. Além das diferenças nas funções<br />
policiais, trata-se de adequar o saber profissional, sua quantidade e qualidade às<br />
demandas efetivas, pois a criminalidade tem enorme facilidade migratória,<br />
como se a polícia sempre estivesse atrás. Na França buscou-se uma centralização<br />
da direção das polícias urbanas, de informação e de fronteira/aeroportos.<br />
A explicação principal está relacionada com a dificuldade de se conter o<br />
aumento rápido e contínuo da pequena delinqüência, fator importante para se<br />
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uma politização crescente do sentimento de insegurança da população. Na situação<br />
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Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.5(edição especial), 2006