Dentro da normalidade, existia-se assim num imaginário de cinzento carregado, sem ambiguidade para as cores vistosas. O que se distinguia, então, dimanava pela agitação profunda à superfície dos pântanos. O sono de Eufémia degenerara na insónia de Humberto. O sonho íntimo de cada um generalizava em placidez sonâmbula. E o Tóino Doido a separar as águas, onde nem as havia… - Nasceu-te por estímulo espontâneo… - sugeriu enfim Humberto, como numa tosca carícia, ao ferir Eufémia com a verdade sobre o seu pesadelo. Qual flor caduca, de pólen esparso sobre um deserto estéril. - E o que m’importa aquela porta! - balbuciava perto o Tóino, tolhido num torpor hipnótico. Em fetal despojamento, murchara-lhe já todo o vigor fatal, desorientando o último frémito da sua perdida tramontana. Recomposto fisicamente, o alienado moço decidiu, portanto, pôr-se a andar – rompendo aquele elã de paradoxal recorrência, que o obsidiava a Eufémia Delgado e Humberto Catarino. Aliás, irreconhecíveis pretextos de sua história volúvel, sem uma memória consentida ou consequente. Superado o abismo original, Tóino iria meigo calcorrear meio mundo. A pedibus calcantibus. Refazendo-se, ao palmilhar as energias telúricas. – Passar a pé a ponte, sempre, mas nunca a pontapé… Nessa serenidade discorreria, da ladina ladainha ao ralho relho: – A alegria é uma alergia… – transtornado e introvertido, lastimando a todos que se atrevessem a sorrir, sequer, quando ele avassalar como um turbilhão turbulento, em seu círculo cíclico de convivências e conivências. No escárnio da carne, todo o estro se tolda ante o seu vasto astro. António da Bernarda era um maníaco mnemónico no manicómio de Santa Comba Dão, eclipsando a Mortágua limítrofe em lama e alma. 70
Euripide by Ornella Micheli 71