Orion 7
international sci-fi and fantasy web-zine (novels, comics. illustrations)
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análises feitas antes da consulta.<br />
– É adoptada – uma resposta vaga que não a<br />
compromete. – Há algum problema?<br />
– Não, não, muito pelo contrário – o homem fita<br />
Beatriz através da lente de ampliar sobre a máscara. – É um<br />
exemplar muito interessante.<br />
– Exemplar? – ofende-se Joana.<br />
– Peço desculpa, deformação profissional, queria<br />
dizer que há poucas crianças como ela. Com mutações<br />
específicas do ADN. Mutações que não se encontram nas<br />
gerações anteriores – vira-se para a rapariga. – É possível<br />
trazê-la para fazermos mais testes? Gostava realmente de<br />
observá-la em pormenor.<br />
– Com que propósito? Ela não é nenhuma cobaia.<br />
– Obviamente. Nada de mal, é uma mera recolha<br />
de tecidos. Várias amostras que depois trabalharemos em<br />
laboratório. Sabe, esta sequência aqui – e apresenta um<br />
conjunto de letras, que representam aminoácidos, mas<br />
nada revelam a Joana –, surgiu entretanto noutros países.<br />
A sua filha talvez seja a primeira criança que a transporta<br />
entre nós… Disse que era adoptada? Sabe quem são os<br />
pais biológicos?<br />
Joana abana a cabeça.<br />
– Sim, teremos de fazer um historial genético –<br />
escreve furiosamente no papel. – Uma mutação milagrosa,<br />
por assim dizer. Resultados preliminares apontam para<br />
uma desactivação da síndrome de Hipógenes. Se definitiva<br />
ou temporária, ainda não há evidências. E certezas só com<br />
o tempo e com estudos… Mas devem tomar cuidado as<br />
duas. Precauções redobradas. A doença pode não se<br />
comportar da mesma forma. Nem sabemos se pode ficar<br />
ativa sem manifestar sintomas. Há que acompanhá-la.<br />
Deixe-me trazer-lhe os formulários.<br />
Joana aproveita a ausência temporária para<br />
fugirem as duas do consultório.<br />
O alarme surge na forma de um telefonema e de<br />
uma voz familiar.<br />
– Sou o agente que falou consigo quando houve o<br />
problema com a sua vizinha…<br />
Joana sente o coração disparar.<br />
– Sim, tentei falar consigo várias vezes.<br />
– Entendo, mas não tinha novidades para lhe dar.<br />
Aliás, a bem dizer, esperava não precisar de falar consigo<br />
novamente – faz uma pausa. – Mas hoje encontrei o seu<br />
nome.<br />
– Encontrou o meu nome, onde?<br />
– Num mandato. Vamos buscar a criança.<br />
– Por… porquê? Encontrou familiares?<br />
– Não, é uma notícia melhor. Uma notícia<br />
excelente. Parece que a menina pode estar livre dos<br />
sintomas. Há mais crianças assim. Temos estado a<br />
recolhê-las.<br />
– Para análises? – pergunta Joana, sabendo no<br />
íntimo que não.<br />
– Bem – a voz hesita. – Eles estão a criar uma<br />
quinta para os vigiar. Desconfiam que a doença pode<br />
manifestar-se em contacto com portadores ativos. Querem<br />
criar um ambiente protegido.<br />
– Isso é para a vida toda – diz ela, a voz tremendo<br />
de fúria e medo. – Nunca mais a verei.<br />
A voz cala-se.<br />
– Não podem fazer isso! Nao dou autorizaçao.<br />
– Ela não é sua filha, senhora Joana – diz o homem<br />
com pragmatismo.<br />
– Mas… mas… não é justo. Ela não merece isso –<br />
eu não mereço isso, quer dizer.<br />
A voz hesita.<br />
– Não sei o que dizer – responde por fim. – Como<br />
pai, que atitude teria eu, se fossem os meus filhos? Sem<br />
dúvida, por instinto, jamais os retirariam das minhas mãos<br />
enquanto tivesse forças para os defender. Mas, não estaria<br />
a ser egoista? Perante a possibilidade de uma cura, ou no<br />
mínimo de uma supressão desta maldita… coisa… não<br />
seria meu dever como pai garantir-lhes uma vida melhor,<br />
mesmo que nunca mais estivesse com eles? Diga-me se<br />
quer que a menina passe por aquilo que passou.<br />
– Foi por isso que ligou? – faz-se luz no espírito da<br />
rapariga. – Quer criar dúvidas para que eu não ofereça<br />
resistência?<br />
– Quero que não cometa nenhum disparate – a<br />
voz muda abruptamente de tom: o pai foi substituido pelo<br />
polícia. – Lembre-se da sua situação precária. Podemos<br />
acusá-la de rapto. Mas não o faremos. Os seus relatórios<br />
psiquiátricos indicam que o seu envolvimento emocional<br />
é genuíno. Contudo, um passo em falso e deitará tudo a<br />
perder.<br />
– Ligou para saber se eu estava em casa… – Joana<br />
endireita-se, já sem o ouvir. – Vêem a caminho.<br />
– Senhora Joana…<br />
Desliga abruptamente. O telefone volta a tocar, e<br />
a rapariga arranca-o da parede. Mas com pouco resultado,<br />
porque em cada divisão há outro aparelho.<br />
Menos de uma hora depois, ela e Beatriz já se<br />
encontram na estrada.<br />
–oOo-<br />
–oOo-<br />
São parcos os seus recursos, e menores ainda as<br />
suas alternativas. Resta-lhe um contacto antigo, um dos<br />
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