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análises feitas antes da consulta.<br />

– É adoptada – uma resposta vaga que não a<br />

compromete. – Há algum problema?<br />

– Não, não, muito pelo contrário – o homem fita<br />

Beatriz através da lente de ampliar sobre a máscara. – É um<br />

exemplar muito interessante.<br />

– Exemplar? – ofende-se Joana.<br />

– Peço desculpa, deformação profissional, queria<br />

dizer que há poucas crianças como ela. Com mutações<br />

específicas do ADN. Mutações que não se encontram nas<br />

gerações anteriores – vira-se para a rapariga. – É possível<br />

trazê-la para fazermos mais testes? Gostava realmente de<br />

observá-la em pormenor.<br />

– Com que propósito? Ela não é nenhuma cobaia.<br />

– Obviamente. Nada de mal, é uma mera recolha<br />

de tecidos. Várias amostras que depois trabalharemos em<br />

laboratório. Sabe, esta sequência aqui – e apresenta um<br />

conjunto de letras, que representam aminoácidos, mas<br />

nada revelam a Joana –, surgiu entretanto noutros países.<br />

A sua filha talvez seja a primeira criança que a transporta<br />

entre nós… Disse que era adoptada? Sabe quem são os<br />

pais biológicos?<br />

Joana abana a cabeça.<br />

– Sim, teremos de fazer um historial genético –<br />

escreve furiosamente no papel. – Uma mutação milagrosa,<br />

por assim dizer. Resultados preliminares apontam para<br />

uma desactivação da síndrome de Hipógenes. Se definitiva<br />

ou temporária, ainda não há evidências. E certezas só com<br />

o tempo e com estudos… Mas devem tomar cuidado as<br />

duas. Precauções redobradas. A doença pode não se<br />

comportar da mesma forma. Nem sabemos se pode ficar<br />

ativa sem manifestar sintomas. Há que acompanhá-la.<br />

Deixe-me trazer-lhe os formulários.<br />

Joana aproveita a ausência temporária para<br />

fugirem as duas do consultório.<br />

O alarme surge na forma de um telefonema e de<br />

uma voz familiar.<br />

– Sou o agente que falou consigo quando houve o<br />

problema com a sua vizinha…<br />

Joana sente o coração disparar.<br />

– Sim, tentei falar consigo várias vezes.<br />

– Entendo, mas não tinha novidades para lhe dar.<br />

Aliás, a bem dizer, esperava não precisar de falar consigo<br />

novamente – faz uma pausa. – Mas hoje encontrei o seu<br />

nome.<br />

– Encontrou o meu nome, onde?<br />

– Num mandato. Vamos buscar a criança.<br />

– Por… porquê? Encontrou familiares?<br />

– Não, é uma notícia melhor. Uma notícia<br />

excelente. Parece que a menina pode estar livre dos<br />

sintomas. Há mais crianças assim. Temos estado a<br />

recolhê-las.<br />

– Para análises? – pergunta Joana, sabendo no<br />

íntimo que não.<br />

– Bem – a voz hesita. – Eles estão a criar uma<br />

quinta para os vigiar. Desconfiam que a doença pode<br />

manifestar-se em contacto com portadores ativos. Querem<br />

criar um ambiente protegido.<br />

– Isso é para a vida toda – diz ela, a voz tremendo<br />

de fúria e medo. – Nunca mais a verei.<br />

A voz cala-se.<br />

– Não podem fazer isso! Nao dou autorizaçao.<br />

– Ela não é sua filha, senhora Joana – diz o homem<br />

com pragmatismo.<br />

– Mas… mas… não é justo. Ela não merece isso –<br />

eu não mereço isso, quer dizer.<br />

A voz hesita.<br />

– Não sei o que dizer – responde por fim. – Como<br />

pai, que atitude teria eu, se fossem os meus filhos? Sem<br />

dúvida, por instinto, jamais os retirariam das minhas mãos<br />

enquanto tivesse forças para os defender. Mas, não estaria<br />

a ser egoista? Perante a possibilidade de uma cura, ou no<br />

mínimo de uma supressão desta maldita… coisa… não<br />

seria meu dever como pai garantir-lhes uma vida melhor,<br />

mesmo que nunca mais estivesse com eles? Diga-me se<br />

quer que a menina passe por aquilo que passou.<br />

– Foi por isso que ligou? – faz-se luz no espírito da<br />

rapariga. – Quer criar dúvidas para que eu não ofereça<br />

resistência?<br />

– Quero que não cometa nenhum disparate – a<br />

voz muda abruptamente de tom: o pai foi substituido pelo<br />

polícia. – Lembre-se da sua situação precária. Podemos<br />

acusá-la de rapto. Mas não o faremos. Os seus relatórios<br />

psiquiátricos indicam que o seu envolvimento emocional<br />

é genuíno. Contudo, um passo em falso e deitará tudo a<br />

perder.<br />

– Ligou para saber se eu estava em casa… – Joana<br />

endireita-se, já sem o ouvir. – Vêem a caminho.<br />

– Senhora Joana…<br />

Desliga abruptamente. O telefone volta a tocar, e<br />

a rapariga arranca-o da parede. Mas com pouco resultado,<br />

porque em cada divisão há outro aparelho.<br />

Menos de uma hora depois, ela e Beatriz já se<br />

encontram na estrada.<br />

–oOo-<br />

–oOo-<br />

São parcos os seus recursos, e menores ainda as<br />

suas alternativas. Resta-lhe um contacto antigo, um dos<br />

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