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T H A I S S I M O N E
T H A I S S I M O N E
T H A I S S I M O N E
Poesia para todos os universos.
Título | Cometa
Edição | Autor
Ano Edição | 2020
Tipo de Suporte | Papel
Páginas | 84
Editor(a) | Thais Simone Procópio Silva Dixini
Capa | Rogério Júnio
Diagramação | Rogério Júnio
Revisão | Ágata Kaiser, Fátima Aparecida dos Santos
e José Pedro Afonso da Silva
Prefácio | Ágata Kaiser
Ilustrações | Rogério Júnio
Copyright © Thais Simone, 20 20
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Corpos celestes rodopiam por este céu.
Celestiais em amor, em criação.
Planam? Em mim não. Eles me sustentam.
Dedico a vocês este Cometa: José Pedro.
Virgínia. Gustavo. Léo. Alfredo. Greicielly.
Obrigada pelos olhares
que às vezes me emprestam.
Sou grata por caçarem estrelas, luas e
cometas comigo, seja no labor do dia,
seja no silêncio da noite.
Ora (direis) ouvir estrelas!
Ágata Kaiser
Logo na primeira das Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria
Rilke aconselha Franz Xaver Kappus, o poeta a quem dirige seus
escritos, a parar de pedir opiniões a respeito de seus poemas. E
então lhe diz:
Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo.
Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende
suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse
a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto, acima
de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua
noite: “Sou mesmo forçado a escrever?”. Escave dentro de si uma
resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela
pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a
1
sua vida de acordo com essa necessidade.
Este trecho de Rilke explica a segunda publicação de Thais
Simone, relativamente ágil se comparada à do seu primeiro livro,
Ausente. Cometa é um atestado de que a autora é forçada a
escrever, morreria se lhe fosse vedado escrever, e construiu a sua
vida de acordo com essa necessidade. Os poemas que nos são
ofertados nesse livro ora se assemelham a flashes de luz natural que
surgem de surpresa em noites calmas a cujos céus estamos atentos;
ora se assemelham a luzes artificiais, fogos de artifício, que sabemos
como surgem e quando explodem, mas que ainda assim nos
causam estupor. Alguns se assemelham, também, a nebulosas ou
buracos negros, que nos estarrecem pela magnitude ou nos
absorvem para uma escuridão sem fim.
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1
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta e A canção de amor e de
morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. Traduções de Paulo Rónai e
Cecília Meireles. 4ª. edição. São Paulo: Globo, 2013, p. 22.
A metáfora é a estrela que mais brilha neste céu de palavras.
Contrastes, antíteses, jogos com a linguagem cotidiana e suas
expressões, a quebra de automatismo na ambiguidade daquilo que
é corriqueiro e irrompe com novo significado, a constante
metalinguagem – explícita ou velada, a transição de sentidos em um
mesmo vocábulo ao longo de um poema, por exemplo, são alguns
dos outros recursos que orbitam esta estrela e provocam o efeito
poético no leitor.
A subjetividade de um eu-lírico que não cansa de se dizer
permanece potente. No entanto, aqui esse “eu” diz de si e se
presenteia aos outros, tanto para aqueles a quem lhe dedica um
poema em especial quanto para aqueles que se identificam ali,
mesmo que no anonimato. O sentimento que reverbera no texto e
ressoa na leitura rasga e ilumina o escuro interno como um cometa o
faz no céu noturno.
O maior presente deste livro, porém, é que ele está repleto de
pequenas celebrações. Muitos desses poemas, antes de serem
expressões subjetivas, homenagens a conhecidos, espelhos a
desconhecidos, arcabouços de recursos da linguagem poética, são
registros solenes daquilo que é simples, certo e fugaz. A infância, a
avó, uma peça de roupa, o seu desnudamento, a pedra, o sono, a
falta dele, o medo, a vida e a morte – tudo são razões para celebrar
e, diferente do cometa que vem como um lampejo de luz e some,
criar permanência naquilo que o tempo é incapaz de conter.
E como se não bastasse, tresloucado amigo que lê este livro,
longe de qualquer senso, semelhante à racionalidade de Bilac, este
"eu" apresenta a Thais Simone como “ela”, distante, alheia, outra.
Aquela, a desassossegada, como se não fosse “ela” o “eu” que
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08
também abre as janelas, pálida de espanto, e vê cintilar a Via-
Láctea, e ouve e entende estrelas. Para, então, como uma confissão
de sua condição de poeta, traduzi-las e jogá-las na nossa cara.
“Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.”
Paulo Leminski
Observatório
O Cometa é um convite para olhar o céu que existe do lado de
fora e para sondar o universo do lado de dentro.
Brincar com o brilho ao se aproximar do sol antes de se lançar de
volta à escuridão.
Espiar essa luz que nos atravessa e nos revela.
Permitem-se olhares nus, lentes, telescópios, mas a travessia
deste corpo menor é melhor apreciada fechando-se os olhos e
viajando-se pelas linhas, pelas palavras e pelas páginas com
poeiras de poesia. Aguçar outros sentidos é opcional.
Há uma elipse traçada. Chegar-se-á ao destino, eventualmente.
Apenas não há garantias entre os corpos menores do sistema
solar. A trajetória pode ser a esperada, mas o seu regresso não dá o
privilégio de não se alterar aquele que (per)segue o Cometa.
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Núcleo
Gelo,
rocha,
poeira.
Frio,
maciço
e fragmentos.
Na escuridão
o sol revela
detritos do ser
em movimento.
Ego
Vivo imerso nesse mundo
caçando identidades.
Às vezes sou único.
Solidão. Liberdade.
Outras sou legião.
Entrego-me a vontades.
Quando rodo entre outros:
loucos estão sãos.
Os certos: presos a imagens.
Se nego meu abismo profundo
é por medo da verdade.
O espanto me movimenta,
a angústia me desafia.
Resta ao amor pelo mundo
a arte de sobreviver.
Ao final, não me concluo.
Entre perdas e perdidos
transformo véus em nuvens
e elas passam.
Não sou todo
porque me busco.
Se sou todos,
me sobra
nada.
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Destino
Ontem éramos não mais que promessas
para viver hoje cheios de lembranças.
Sina essa de querer do passado,
a juventude.
Do futuro,
a sabedoria,
mas sem noção
do que fazer
com o resto do dia.
Insatisfação transborda
sem saída.
Mas em essência,
na escuridão que o espelho não enxerga,
o tempo grita:
nada muda.
Transforme-se.
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Grãos
Sempre andei de mãos dadas com o tempo.
Os anos passaram comigo distraída entre teus dedos,
perdendo-me em suspiros
ao tentar voltar para o antigo abrigo.
Sou dessas feita de ânsias,
tantas que se assomam e me reconstroem todo dia.
Nunca acordei sendo a mesma,
mas disso não te queixaste.
De vez em quando,
sentias falta do que fui
enquanto admiravas o que ainda seria.
Esquecidos do vento que me carregava,
ou de tuas mãos que me moldavam,
já estive distante...
Tão longe que não me alcançavas.
E tão perto que me fundia.
Tuas mãos de vidro
continuam capazes de mover pêndulos
e regular relógios.
E eu ali
sempre escapulindo e voltando
aos teus dedos.
Eu sou aquela que os homens não retêm
a areia do tempo.
A que parte,
quebrando a ampulheta,
é a mesma que corre contigo,
o único capaz de me conter.
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Fragmento
Cristal arrebentado.
Pedaço menor vira pó e não há o que salvar.
Descarte-os com cuidado.
Cacos maiores são achados:
as decomposições a partir do caos
e seus desvios de beleza.
A luz em um único pedaço de cristal
transforma a cor.
Carrega leveza de arco-íris.
Ergue-se sobre nossas cabeças,
sem se poder apontar início ou fim.
Não importa.
Luz de prisma se eleva
acima da queda, do estilhaço ou de nós.
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Coração
Trago comigo o começo da busca.
Núcleo feito de palavras comuns
emendadas pela dúvida
e provocadas pela sabedoria,
ainda que culpem o desejo.
Guardo a preciosidade de tudo que precisam,
não do que almejam.
Não dito caminhos.
Essa sina me é desconhecida.
Estejam livres para escolhê-los.
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Dores
Não sinto dor como os outros.
O que consome,
cria dúvida,
atormenta,
me acorda.
O que me apontam de pecado
me parece natural
e casto.
Meu sexo é forte,
mas delicado.
Aguento,
mas me incomodo com facilidade.
Eu incomodo
e castro olhares.
Encaro quaisquer raios
e caço tempestades.
Estou sempre em combate
contra essa paz,
guerra disfarçada.
Meu pensamento é pungente
e dói.
Dói de morrer,
mas não morro.
Teimo.
Raro é um instante,
sempre uma surpresa.
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18
Luto contra a idolatria da beleza,
porque não creio em superfícies.
No fundo, prefiro a sutileza.
O que me parece belo,
outros ignoram:
honestidade,
retidão,
generosidade.
Coisa simples me faz feliz.
O complicado
me faz poema.
Então descubro,
sem pudor,
que minha pena corre violenta.
Tudo que escreve carrega essa doce brutalidade,
ainda que velada.
Se tem véu,
eu arranco.
Se é mentira,
aponto.
Se sou eu,
minto,
porque prefiro sonhar acordado.
Garanto: não há dor maior que essa.
Polar
Você sente mais do que entende
e é mais do que sabe.
Você imagina mais do que cria,
se desfaz com facilidade.
Quando esse outro você assume,
corre riscos desnecessários.
Fala mais que deve,
é mais ansioso que feliz de verdade.
Ele se cala.
O silêncio só é assustador
quando a palavra não se declara.
Então vem o rótulo,
as drogas,
a família que parte ou se parte.
Ninguém para salvar,
sem ter o que resgatar,
resta o abandono
na melhor idade.
Do tratamento
só falam em controle
que é da ignorância,
o retalho.
Há esperança na luz,
lucidez
e no esconderijo da alma,
o remendo.
19
Fobia
Medo de avião
por causa dos tropeços
e do sapato alto
pela altura.
Medo da alma negra,
sempre a alheia.
A sua própria
desconhece-se.
Medo do ladrão
e da violência,
até da que lhe imputam.
Medo de sofrer.
Medo do carro na estrada
que carrega
o que quer estar.
Apocalipse é esquecer
e virar meteoro que desaba.
Medo do tempo,
esse ser sempre perdido
entre lamentos.
Medo da correspondência
não acontecer.
Medo se tem até do fantasma
e de tudo por conhecer.
Lista grande é a dos medos do homem
que tem tanto o que perder nessa vida,
mas só uma coisa viva para temer.
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Cuidar
Cura.
Processo lento.
Igual saudade,
não são isentas de dor,
mas carecem de amor
pelo corpo, pela alma.
Curar(-se) (o outro)
dedicação à busca,
à procura pela liberdade
do ser em seu momento,
em seu movimento,
em seu espaço.
Reconstruir-se o tempo todo
e amar(-se).
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Luz acesa
Insone mais uma vez.
Coisa primitiva
acorda sem motivo
procurando voz,
movimento e dor,
causas de medo.
Coisa elaborada
busca razão,
palavra e conforto
para combater o receio.
Ambas esperam.
O mesmo sol que cega,
esclarece.
22
Na noite
Natureza morta nos cerca.
À consciência refúgio é sonhar.
Entre um olho fechado e outro
jaz portal de transcendência.
A criação se achega
ao esquisito,
ao absurdo.
Fareja segurança no impossível.
Alma livre certa do existir.
Se desperta, seria louca.
Na noite,
foro rebelde
incapaz de julgamentos,
constrói mundos.
23
Oração
Ore fora de hora.
Agradecer pelo sol,
pelo pão,
pelo irmão,
pela solidão de quem não está só.
O ser completo se busca
para se encontrar mutilado.
Por quê? Deus não explica.
Então não suplique.
Abrace a dúvida.
Talvez aí nasça a fé.
Acolha com amor.
O talvez que ora é perdão.
24
Penitente
Alma que passa,
procura e anseia,
esqueça de quem é
o corpo onde viceja.
Alma em eterna busca,
você quase sabe de si
e de seus desejos.
Caçadora de momentos,
não é na carne que ama
que alcançará clareza.
Alma, caminhe
rumo ao poço profundo
onde mora, onde arqueja.
Viva na escuridão
para perceber a luz
do todo
e sua beleza.
25
Natureza
A natureza é sábia.
Círculo incansável
transitando plácido de um horizonte a outro,
mesmo que você esteja cansado.
Sábia quando não é eterna.
Tira do pai, dá ao filho
em força e espírito.
É sábia!
Gera o forte, testa a dúvida.
Observa.
Não salva, recria.
Sábia é a natureza
mesmo que roube suspiros da mãe
e encerre esperas.
Lava rostos com enxurradas.
Ela se renova
no feminino que se adapta
ao masculino que convida.
Sua natureza pensa que sabe,
mesmo se seu coração for fraco.
Renove-se e se estranhe.
Essa sua natureza faz de você o ser que passa.
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Nebulosa
Gesta a expectativa
do que sente,
mas não conhece.
Ignora o concepto.
Gesta o pensamento
latente ou fugitivo.
Ignora se ele é certo.
Gesta seu fardo
com peso de festa.
Não ignores o movimento
rumo ao mundano
ou ao secreto.
Parteja a estrela,
palavra viva,
fruto da criação divina.
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Limiar
Perdendo de vista o que é celeste,
o que é terreno;
o que é caos,
o que é sereno.
tudo é grande,
mundo enorme,
e eu, assim, tão humano.
Perco de vista quem sou.
Ponto no céu.
Ponto no mar.
Estou solto nos azuis,
só o amor a me segurar.
Sou nada no imenso.
Mas sou eu,
muito eu,
no horizonte do meu pensar.
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Coma
Atmosfera difusa
na luz revelada.
Cabeleira exposta
em milhões de átomos
quebrados.
Denunciam o corpo
celeste
e menor.
O eu
divino
e feroz.
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Corpo
Ele treme à noite.
Noite fria.
Medo.
Desejo.
Pura exaustão.
Tremula luz em foco.
Acorda a coragem,
guia o prazer.
Só de pensar,
treme a mão
sobre o corpo da lua.
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Vígil
Insone outra vez.
Culpa da febre,
do calafrio
e do suor no torso.
Desejo não é sonho,
é fracasso.
O sonho deixa a gente dormir em paz.
Desejo, não.
Esse desperta,
arde e consome.
Enquanto isso,
a gente some,
nos dissolvendo
em carícias sem beijo
até clarear.
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Revolto
Estou à beira do precipício,
ali, naquela quina do penhasco,
bem onde o mundo acaba.
Os cabelos açoitam o rosto
e o vestido,
que, sem saber já não me continha,
está indócil por continuar agarrado ao corpo.
Aos meus pés, o mar.
É sempre em água
que o mundo se esvai,
como a que me escorre pela face.
Amarro cada desejo
à esperança
nos fios de cabelo
e os liberto.
Sacudidos pela nova força
eles açoitam ou se afastam.
Pequenos olhos piscam aturdidos,
testemunhas de um desespero
que chamo fé.
Estou à beira do precipício,
de costas para o mundo que se acaba,
e com os cabelos em festa.
Pairo ali,
naquela quina do penhasco,
bem onde os sonhos partem.
Observo
um selvagem amanhecer.
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Legados
Esse sonho pagão
de mulher redimida
não fui eu quem o teve.
O brilho no olho,
no escuro da noite insone,
pertence à busca esquecida.
A boca rasgada
partilhando a alegria
vem do desejo escondido.
O perfume marcante
abraçando o reencontro
é para deleite e registro.
O beijo indomado,
quase possível,
na imaginação sobrevive.
A mão pairando no horizonte
à procura da sua
essa é minha.
E ela carrega o mesmo afã
na saudação
e na partida.
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O véu
Ela se cobre com o véu
pelo mistério que ele evoca.
São suaves os toques
que o tecido exige
para ocultar o corpo
ou desvelar a alma.
A timidez a encobrir
o prazer de descobrir-se.
O véu seduz,
desperta os sentidos
ao brincar com os olhos
e com as mãos que o manejam.
Quem controla o véu
que paira no ar
quando o tecido se move
sem revelar?
Embora ele acredite
que domine os segredos
capazes de desnudá-la,
embora seja nele
o desejo despertado,
o véu só cai
pelas mãos que o dominam
e manipulam.
E, sempre,
quem o manipula
é ela.
34
Melindre
Na sua ausência
só há um breve recordar,
uma fantasia
e mais nada...
Espero sua presença...
Em sua presença
esqueço o tempo,
sonho acordada,
esqueço tudo...
Mas não quero me entregar!
Exijo sua ausência!
Neste momento
me irrita seu silêncio
e me aborrecem suas palavras!
Fale sem dizer
e será querido.
Quero
e não quero.
Amo
e odeio.
Almejo tanto seu silêncio
quanto suas palavras.
A mulher,
ambígua por natureza,
deseja apenas.
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Desafio
Não compreendo a voz
que deixa essa boca
e tem forma de tudo, menos de adeus.
Não reconheço esse olhar de dúvida
de quem pensa mais do que parece querer.
Se decidir enfrentar,
seja o medo, o desejo ou o eu,
suspenda tudo,
da respiração à mirada.
Porque se esse tremor pousar em boca ávida,
o eu não será mais seu.
Só se concede o que já não lhe pertence.
Então se não vai,
tome logo da boca que não é sua
o fôlego meu.
36
Toque
Suas mãos já foram mais rápidas,
mais rudes, mais implacáveis.
Já domaram cabelos com mais força,
mais egos massagearam.
Se mentiam, o ignoravam.
Antes suas mãos não sabiam que diziam tanto.
Para provocar movimentos,
apenas roubavam suspiros
e calavam falas.
Agora elas amadurecem.
A prática fez ciência,
sencientes,
também fez delas sagazes.
O tempo que cobra o viço,
não pôde roubar o amor à arte.
Para suas mãos
tudo é uma questão de ainda.
Mãos que ainda querem,
ainda trançam e buscam.
Seguras, sabem que ainda agradam.
Erguidas em honra ao passado,
encontra presentes.
Suas mãos
antes trilhavam por fios dúbios, indecisos,
agora correm gentis,
sem a pressa da vulgaridade.
Hoje são antigas as mãos.
Sabem o que fazem.
37
Receita
Amor guardado
em bolha de sabão
perde-se no ar
e explode quase sem som.
Fonte da juventude
corre do outro lado
sorrindo à vontade
entre os anéis de uma saudação.
Abraço saudoso
no primeiro encontro
e sonhar acordado
com tudo que poderia acontecer,
senão...
Admirar a beleza
da pessoa alheia,
um amor platônico
feito oração.
Beijo em boca
doce de suspiros,
morangos
e uma raspinha de limão.
38
Vinho
Conheci seu corpo:
veludo no toque da mão dedicada.
Conheci suas cores
em tons de rubro:
provocação em imagem.
Conheci seu sabor,
os mil gostos de cada uva
e outros das misturas que dela fazem.
Vinho e beijo.
O prazer depende da química.
Delicada seleção de pecados.
Seja suave ou seco,
seja jovem, verde ou reservado,
não importa.
Apenas se derrame em minha taça.
Enovele-se em minha língua,
dobre minha resistência
e me conduza...
levemente inebriada.
39
Trivial
Noite.
Dia que expressa sua falta
um desqualificado sinônimo de ausência
e de pecado.
Noite.
Momento ideal:
vão,
inconsequente,
abrigo de sombras
para imaginações frágeis.
Noite.
Vultos vagam saudosos
onde estiveram
procurando reflexos
do que já foram,
do que seriam,
caso ficassem,
caso não fossem
covardia.
Noite.
Antro de escuridão,
desejo
e medo.
Odes à lua:
a verdade desnuda
bebendo sangue de amantes
em pequenas doses de malícia.
40
Aéreo
Vida estranha é essa
de viajante
que decide seguir sozinho.
Mas enquanto uns andam,
correm,
fazem seu caminho,
outros cruzam o céu.
Eita!
Vida estranha essa
de quem está livre de raízes!
Mas...
Quem voa mal saúda quem vai lá embaixo.
Foge!
Confusão raivosa em seu movimento.
Vida estranha essa a da escapulida!
Agitação,
surpresa
e euforia.
Acalmem-se, seres do ar.
Guardem sua pena.
Porque a estrada que lhe mostram
jamais foi aberta!
Já o céu
não tem destino ou viela.
Vida estranha essa
a que dá o mesmo céu
ao passarinho
e aos olhos que observam.
41
Cabeleira
Cachos soltos.
Fios lisos.
Conexões de todos os tipos.
Cores.
Amores.
Unem céu e corpo,
etéreo e mundano.
razão e falta de juízo.
Atravessam o cosmo urbano.
Sujos ou limpos,
cobrem as ruas.
Aparência pura.
O cometa em cada um
nasce do espírito
mesmo em gente careca.
42
Cauda
Radiação solar
e o que ela dispersa:
corações partidos,
o fim
de alguns dilemas.
De longe admirar
o rastro do poema.
Cauda de cometa
carrega fardos:
amizade, coragem,
tudo que no espaço
se dilacera.
Véu de cometa
Pedaço que é meu
cerne encantado.
Rasgo,
corto,
atravesso
o universo alado.
Poeira do caos,
cruzo a escuridão;
sou dela o reflexo:
sem luz
sou movimento
com os olhos fechados.
O calor me guia:
sou maior ao ser adivinhado.
Descoberto em minha indiferença,
sou transformado.
Amo as curvas do universo
e as elipses às quais sou destinado.
Não sou o tempo,
mas dele dou notícia.
Quer saber de mim?
Olhe logo.
Voltarei
em um instante.
Não no seu.
44
Supernova
Brilha!
Brilha, rude estrelinha!
Brilha e avisa
a esse povo de meu Deus
desse estado interessante
de ser subjugado.
Esbraveja com luz
a agonia de ser astro.
Deixa que olhem.
Resplandece tudo o que pode.
Estoura,
explode antes do anonimato.
Brilha o seu suspiro de luz,
sua despedida do infinito impensável.
Nada te resta.
Não.
Nada vai restar!
Brilha e destrói tudo.
Deixa tudo faltar.
Ah, é.
Resta isso:
um olhar de telescópio.
Enxerido vigilante
e testemunha embasbacada.
Sobra todo o espanto
do eu dilacerado.
45
Exéquias
Pessoa aberta,
palavra certa,
rumo ignoto,
pensamento roto,
corpo no chão.
Colchão de penas,
beleza cérea,
sorriso perdido,
olhar vão.
Mirada molhada,
partida finda,
terra e lágrima.
Adeus ao caixão.
46
Ao pó
Nem sempre temos os mesmos ídolos,
mas muitos têm referências.
Ícones, inspirações,
amores platônicos.
Exemplos.
Contemplá-los é brincar de prisma.
Eles mudam nossa percepção,
nos provocam.
São raios de luz:
não podemos tocá-los.
Eles nos alcançam
e aquecem.
Mesmo quando anoitece
a luz que parte
transcende a crença
no amanhecer.
47
Criança
Inspiro o perfume do tempo
para espirrar lembranças.
Vem em mim saudade
da maçã,
da panela lascada,
do café guardado no pote de alumínio.
Nostalgia:
recordar-se sem encher os olhos de água.
Na infância da qual mal me lembro
volto para casa
à luz da lua cheia.
48
Lulu
Uma poesia leve antes de dormir.
Só mais uma...
(promessa).
Uma noite curta para seguir.
Cansaço sem sono.
(revirando, revirar).
Um raio de luz fria na ponta do nariz.
Carinho de mãe, beijo de colibri
(Hipnotizar).
E assim, namorando a lua, adormeci.
(Entregar é quase sonhar).
49
Rodopio
Ela me pediu um favor
como quem pede sorriso.
Entrou pela sala nova
dançando entre as luzes
e me mirou através das lentes
de uma câmera secreta.
Não sei o que ela viu,
só ouvi seu clique
e movimento.
Girando e girando,
exibiu sua coleção de versos:
tudo misturado com pó de diamante.
O que me pediu
não foi fardo grande assim.
Cabia no coração
quando salta em festa.
Deixei-a com seus segredos
a sonhar com cometas.
Enquanto ela jazia,
esperando um beijo,
sussurrei:
"Boa noite,
Branca de Neve!"
E saí atrás dos poemas dela.
50
Carta
Amiga, naturalmente
desnaturada:
esqueço-me de você todos os dias
só para ser surpreendida
pelas conexões de nossas almas.
Entre nós não há (des)culpas.
Talvez por amarmos tudo
que nos apontam como defeitos.
Mas sim, sinto sua falta.
Tudo que não tenho, invento:
corações, quimeras, asteroides,
palavras ou dragões.
Só não pude inventá-la.
Não, minha amiga,
é im-pos-sí-vel inventá-la!
51
Afeto
Você e sua amizade esquisita
me deixa em dúvida se somos certos.
Aparece quando eu acho que não preciso,
silencia quando tudo é dor,
mas não sai do meu lado.
Sua lembrança vira sorriso.
Quando piso na bola,
você denuncia a falha
com piada ou esporro.
Ou você é doido,
ou somos amigos.
Encontrar você é lidar com o avesso do espelho.
Ódio e amor correndo no meio.
Isso incomoda e me move.
Semelhantes em tantas coisas,
a gente cresce na dessemelhança
de um irmão, um escolhido ou intrometido
e em todos os desiguais dos quais nos cercamos.
52
Perseverante
Enquanto alguns celebram a ida,
outros participam da glória
e curtem o sol que banha os caminhos primeiros.
Ande!
Homem nasce com dois pés:
feito para estrada
e para o corpo se mover como um só.
Nem sempre.
Faça seu trajeto
como se faz no baile.
Suave é o caminho dos que começam a jornada
dançando sua fé.
Vá com ela:
seu pé esquerdo
ou o avesso do que é direito.
Siga seguro.
A estrada não é mais que retas ou curvas.
Vá mesmo inseguro.
Confie no outro pé.
53
Passado
Esse passo
aprendi agora.
Não ando mais como outrora.
Hoje vou mais longe.
A passada nova tem o peso do ontem,
mas ontem havia estrada.
Reta, certa.
Só não sabia onde me levava.
Hoje não tenho mais linha.
Sei que vou para o norte
com a sensação de infinito.
Esse passo
sem caminho desenhado
é de quem já deixou a estrada,
largou o vazio
e vive sem nada.
Nada é preciso.
O passo que aprendi
é inseguro e sozinho.
Deixa sangue nas pegadas
porque sou eu
reconstruindo o meu caminho.
54
Os escuros
O ídolo cruza o tempo.
A criança, um momento.
Luz, nós somos cegos.
Fantasias vão parar em sonhos.
Amigos ficam.
Amores vagam.
Adivinha:
tudo que é afeto se movimenta,
como a luz do amanhã
que é certa.
E nós continuamos cegos.
55
Asas
Asas que me querem,
que me envolvem,
que me levam.
Sustentam meu ar,
meu caminhar.
Asas de imaginação
do meu pensar,
instrumentos da ação que me move
para cá e para lá.
Minhas asas são para voar.
Querem mudar.
56
Terrenos
Outros corpos jazem pelo universo.
Nem todos (se) interessam.
Somos terrenos demais,
mal entendemos de nós.
Sequer suportamos
observar o que temos por perto.
Somos humanos.
Amontoados de poeira
vivendo em um desses corpos fugazes.
Corpos que erram.
Da necessidade de reconhecimento
sondamos no que parece distante
uma alma.
Esta nos impulsiona,
apesar da força
da gravidade.
Por ela, alguns viajam,
enquanto outros
escrevem.
Princípio
Início com nuvem
pode virar tempestade.
Sol
pretende ser doce em primavera.
Arde no verão.
Vento fala de outonos e de folhas secas.
O frio denuncia invernos,
água de geladeira
e gente sem canção.
E a seca é a língua do sertanejo.
Tudo certo e previsível
até enfiarem versos início adentro.
Misturaram tudo.
Às vezes é assim.
No início de tudo
não se atinava com nada,
até o mundo ter poesia.
Criou-se por inspiração.
58
Convite
Falar é fácil
Ter ciência não.
A conexão para a fala é primitiva.
A ciência exige menos reflexo.
Refletir tortura.
Falar só dói nos outros.
59
O caminho
O caminho
se apresenta.
Longo,
se estende daqui
até o pensamento.
Dança sobre pedras
onde nascem árvores
e florescem desafios.
Não tenha medo,
diz a voz do lobo.
Tenha nada,
responde o louco.
Segue
cheio de sombras,
tortuoso,
quase vazio.
O caminho
se apresenta:
é perigoso.
Já dragou pessoas inteiras
e as conduziu
ao infinito.
60
Antes
Antes da flor
há o começo,
feitio do talvez.
Do caule
se equilibra uma oferta
na folha ao vento.
Antes da flor
há esperança
rasgando o céu
como semente.
Germina no pó
pela luz
no escuro ventre.
Sua raiz caminha para a água
na delicadeza
que a bruta terra leva.
Antes da flor
vem a dúvida:
que se revele a promessa
feita em broto.
61
Cerrado
Frio de cerrado:
Tem neblina
dançando sobre a terra.
Vem para dentro de casa
com seu pé
que mata de susto
tudo o que estiver
debaixo do cobertor.
Na colina
baila a cerração,
esse sentimento
de nuvem
ao redor do peito.
Parece tão leve
esse peso
que o vento carrega.
Gelo dá em qualquer lugar:
em pé,
em planta,
e em gente
quando a saudade aperta.
Lá vem geada.
Corre.
Corre para esquentar.
62
Terra
Passo firme.
Cruzo estradas.
No alto da ribanceira
o chão se acaba.
Sem solo
e sem pegada
cai a alma.
Anda por terra que faz criaturas do barro
e as cobre ao final.
Arrasto os pés pelo mundo,
esse mesmo que agora acaba.
Perco rumo
e voo fundo
para o inferno de areia
e cristal de lágrima.
Reergo pelo som do vento
e sigo outra estrada.
Novo é o caminho,
mas agonizo ao ver o morro.
E se o chão acabar de novo?
Ouço dos ares a cantiga:
chão é mundo, querida,
e o mundo não acaba.
Perdê-lo é mais fácil.
Um rodopio de vida e pronto.
Sem chão.
Sem pó.
Sem nada.
63
Letárgicos
Gente anda pela terra.
O pé não sente o grão
ou coisa singela.
Não reage ao sol.
Não se cobre da chuva.
Participa da apatia.
Vida entorpecida,
descuidada,
distraída.
Não me olha.
Não se vê.
Não se sabe semente manifesta.
64
Rascunho
Trinta e seis assuntos inacabados
espreitam pela janela.
Olhares famintos
como velas.
Uma aldeia inteira ao relento.
São trinta e seis,
sem refinamento.
Nada de títulos
nessa turba de ideias
perdida em balões vazios.
Aguardam sem medo o destino:
silêncio ou desafio.
66
Travessa
Essa palavra nos chama à vida todos os dias.
Desperta corpo,
invoca energias
palpáveis, invisíveis.
Cria confusões,
faz alarde,
canta,
vibra.
Ela nasce no peito
e se abre na boca,
igual a beijo.
Grava em alma
coisas de ser.
Acolhe outras
com lealdade.
Abrange complexos sentimentos sem idade.
A palavra que dança
entre seus lábios
não tem sentido.
É nada
do que se esperava.
Só se revela
na agonia
e ao pé do ouvido
para se calar em segredo.
67
Maldição
Que se acabe o papel
esse branco delator
de tempo inútil,
ladrão de folhas,
devorador de almas.
Que não haja mais árvore cortada
para produzi-lo.
Que acabe a tinta
que o mancha.
Que ele se faça inútil
e frágil como é,
como sou
ao encará-lo.
68
Corvo
Palavra dormente e preguiçosa
ergue-se como uma pena
e risca sem interesse ou idioma.
Quando pousa, é frenesi,
com discurso desconexo.
Ódio se assoma em espera eterna.
Se a obscuridade do corvo se mantém
em caderno imaculado, é grave.
Verde esperança carrega pensamentos felizes.
Achega-se. Talvez ela faça o corvo voar.
Ele voa, mas engole o inseto.
Não se ouve lamento,
enterro sem lágrima.
O bicho segue calado.
Mantém a pequena besta presa ao túmulo.
Nesse estado, a palavra é surda e muda.
Cansado de evitar a luz,
ele abre as asas.
Dói mais do que quando a fala queima com a verdade.
A criatura não fala.
Falam por ela,
dão ao silêncio o nome de uma doença.
Felizmente, aquela é ave sem medo.
Encara o espantalho
e se sacode num riso sardônico.
Sua letra protesta:
doença é não escrever.
69
No susto
De repente,
declara-se o amor pela vida.
Não a minha,
que passa despercebida há muito,
mas pela que grita lá fora.
Não é o habitual.
Mais fácil é reclamar da pobre
com o furor de paixão
não correspondida.
De repente, ama-se
essa que nos persegue
por esquinas escusas
e vidraças empoeiradas.
Que raro descobrir-se amando.
De repente,
passamos por ela
ciente das flores nas canetas.
Amamos aquela vida escritora
que nos seus recônditos
é poeta.
70
Rejeitos
Vento de mudança trouxe à tona papéis perdidos.
Letras esquecidas
e as infinitas ilusões que as criaram.
Personagens inteiros dormiam.
Todos pretendiam ser pessoas,
fragmentos empoetizados.
A maioria sequer nasceu,
desejo de vida feita de abortos.
As sobras nascidas tiveram como destino certo
a prisão em um papel sujo de adjetivos.
Exatamente como este.
Fadadas à existência dos miseráveis,
jogadas vida (a)fora.
Expostas à infâmia,
e a uma força rude que não era sua.
Entre uma tarde de domingo e o adeus, o azar.
Tão delicados. Tão cheios de vícios.
Para sempre perdidos
os papéis dos personagens.
Sua sina
– sepultura final –
não seria revelada.
71
Ladrão
Por mais livre que seja o verso,
por mais movimento que ganhe o verbo,
continuo com sede.
Com fome.
Estou quase morrendo.
Mal consigo respirar.
Ah, gente que lê poema, compreendei!
Ainda há muitas almas para roubar.
72
Impressão
Letra não impressiona mais.
Foto. Foto. Foto.
Foto virou fato,
mesmo as sem contexto,
especialmente as desprovidas de contexto.
O fato mal é lido.
Boato é difundido
- tudo bem. Sempre foi.
Interpretação? Pra quê?
As coisas são o que parecem,
não são o que são,
nem são simplesmente.
E eu aqui,
preocupada com a Verdade,
teimando em escrever poesia...
Coisa mais descabida.
73
No papel
Escrever é falar com a criança
que não nasceu.
É ter irmã.
É ter aliança.
Até a que não aconteceu.
Escrever é dizer para dentro,
projetar em letra,
ler a espera
e crescer no silêncio.
74
Artes
A palavra me expressa.
Seja dura, seja suave,
poesia, literatura,
elas abrem minha boca
e se projetam.
A arte não.
A arte me fecha.
Dá um nó na garganta
e não me permite a fala.
A arte me sai
do mesmo jeito que entra:
pelos olhos.
75
Cometa
Não sou daqui.
Venho do lugar onde os caminhos
levam a nada,
porque o importante é caminhar.
Engana-se. Eu não sou daqui.
Fui inventado durante o sono
para possibilidades infinitas.
Meu corpo pequeno
foi moldado pelo vento
em barro de terra negra
mesclada à água do mar
e cozido em fogo sereno.
No princípio, tudo era assim.
Não. Daqui não sou.
Sou fragmento
vindo de outro espaço.
Por isso, esse vazio que me rodeia.
De onde eu vim, isso se chama aura.
Não se iluda.
Não pertenço a este lugar.
Apenas me perdi aqui.
E por um tempo incerto
minha órbita fará o seu trajeto.
Aproveite este momento.
Ele está chegando ao fim.
76
Agradecimentos
Houve asteroides. Uma “chuva” de meteoritos. Esses, que
cruzaram os céus durante meu vislumbre de vida, me mostraram
ângulos e riscaram o firmamento, nem sempre durante a noite. Há
uma infinidade de números entre os corpos celestes que se fizeram
meus, ainda que por um momento. Entre eles alguns devem ser
nomeados.
Ágata e o começo. Gratidão pelo céu sereno.
Fafá, amiga que caça comigo as estrelas que caem nas palavras.
Flávio, aquele que busca a luz, acaba incandescendo em si
próprio. Nesse universo ele desvela amizade.
Gê, o poeta. Por que todas as estrelas são distantes?
Nelma, a leitora de estrelas e das cartas, inclusive aquelas para o
jovem poeta.
Neném por me mostrar o que está além do céu.
Roger na capa de herói, desses que voam conosco.
A turma da filosofia que teimou em pensar comigo.
E por fim, aos meus mortos e sua herança óbvia, não
necessariamente longínqua.
78
Autobiografia
Foto: Flávio Silva
Ela nasceu para ser Thais, assim com
“h” e dispensando acento. Dessas
delicadezas que só o silente agá tem para
dar civilidade ao som e ocultar a rudeza. A
expectativa dos outros era essa.
Mineira de Belo Horizonte, não se deu
conta da arte, só da inquietação
insuportável. Um encontro a fez imaginar
um mundo impensável. Seu nome era
Oswaldo França Júnior, convidado da
escola. Até hoje ela lamenta ter perdido o livro com a dedicatória
que aceitou com tanta vergonha. O autor lhe dizia que um dia seus
braços iam se abrir. A imaginação dela tomou essas asas.
Sempre amou idiomas, o seu e os alheios. Inglês, espanhol.
Descobriu que há coisas que só podem ser ditas em língua distante.
Sossegou? Não.
Em algum momento de seu caminho teve que estudar alguma
coisa que acalmasse a fome de saber. Evitando as Humanas,
mergulhou fundo na Medicina. Não sabia quão humana se faria
com isso, contrariando as previsões de sua família.
Essa foi sua primeira encarnação ou a primeira reconhecida.
Nesse período suas letras foram tomadas por termos técnicos,
exceto quando em presença de alguns seres sensíveis. Poucos
poemas sobreviveram.
Mulheres às quais a vida lhes nega irmãs de sangue ficam
caçando uma irmã de alma. Encontrou-a entre pedras como a de
Ágata. Sua arte começou a emergir ali.
79
Para se arriscar na rede, escreveu em espanhol, mais por inibição
que por ousadia.
O acalmar-se não aconteceu e ela tomou coragem de mostrar
seu poema em sua língua natal. Isso aconteceu em Patos de Minas.
Seu primeiro livro independente – Ausente – se rebelou para sair
da gaveta em 2015, dez anos depois de ter sido escrito. Só foi
impresso em 2016 para ser lançado oficialmente em 2017.
Precisou ser assim para que a autora-palavra maturasse. Esse
Ausente ganhou as gavetas, os óculos e os dedos de muitos amigos,
conhecidos e de gente de bem.
Ao invés de o primeiro livro ajudar no tal aquietar-se, agravou o
sentimento.
Ela foi fazer pós-graduação em Filosofia e depois em Psicologia
Fenomenológica e Existencial. No entanto, o título que ela aceita é o
de poeta. Este ela teve que agarrar com as mãos. Como o Cometa.
Para viajar, ela o carrega por perto, como um lápis ou caneta.
80
Observatório
Núcleo
Ego
Destino
Grãos
Fragmento
Coração
Dores
Polar
Fobia
Cuidar
Luz acesa
Na noite
Oração
Penitente
Natureza
Nebulosa
Limiar
Coma
Corpo
Vígil
Revolto
Legados
O véu
Melindre
10
11
12
13
14
15
16
17
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
81
Sumário
Desafio
Toque
Receita
Vinho
Trivial
Aéreo
Cabeleira
Cauda
Véu de cometa
Supernova
Exéquias
Ao pó
Criança
Lulu
Rodopio
Carta
Afeto
Perseverante
Passado
Os escuros
Asas
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
82
Terrenos
Princípio
Convite
O caminho
Antes
Cerrado
Terra
Letárgicos
Pulsar
Rascunho
Travessa
Maldição
Corvo
No susto
Rejeitos
Ladrão
Impressão
No papel
Artes
Cometa
Autobiografia
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
79
83
Formato: 14,8cm x 21cm
Tipologia: Futura Bk BT 11 e Butler Ligth 14
1ª Edição: 2020
Poesia para todos os universos.
Os poemas agarrados na cabeleira deste Cometa percorreram
céus terrenos, traçaram uma elipse pelo cosmos para conquistar o
nosso íntimo vazio, levando fragmento de palavra ao espaço dentro e
fora de nós.
Ele nos carrega por uma coleção de escritos etéreos, mundanos ou
fincados no chão. Sensível, a presença andarilha deste pequeno astro
só é detectada ao se aproximar do sol guardado em cada leitor.
Entregue-se ao pó de letras que só a poesia concentra, carrega e
dispersa.