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<strong>Minha</strong> <strong>História</strong> <br />
<strong>Um</strong> <strong>pouco</strong> <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> <strong>te</strong> con<strong>te</strong>i <br />
Lua Blanco <br />
São 22:26 horas numa quinta-‐feira <strong>de</strong> Rock in Rio, e não consigo parar <strong>de</strong> sorrir. <br />
Estou sentada no sofá vermelho <strong>que</strong> amo no estúdio Nave 33 no bairro Recreio dos <br />
Ban<strong>de</strong>iran<strong>te</strong>s. Enquanto milhares <strong>de</strong> pessoas estão curtindo o show <strong>de</strong> alguma banda <strong>de</strong> <br />
hard rock a <strong>pouco</strong>s quilômetros daqui, Juliano, meu produtor gaúcho e caprichoso, está <br />
<strong>de</strong>bruçado sobre a mesa <strong>de</strong> mixagem <strong>te</strong>rminando <strong>de</strong> programar os últimos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> <br />
percussão e <strong>te</strong>clados da base guia para a faixa Rir Por Não Chorar, música <strong>que</strong> está <br />
rapidamen<strong>te</strong> furando a fila e se tornando a minha predileta do meu primeiro álbum solo. <br />
Ela foi composta pelo Guga, meu namorado talentoso e <strong>te</strong>imoso, em longas etapas <br />
<strong>de</strong> erros e acertos, e eu “briguei” por sua perfeição e estrutura i<strong>de</strong>al duran<strong>te</strong> meses. Na <br />
minha opinião, a letra inicial da primeira par<strong>te</strong> era perfeita, mas o refrão não encaixava. <br />
Reprovei várias novas opções <strong>de</strong> letra até resolvermos mudar também toda a melodia do <br />
refrão. Mas, foi só numa madrugada da semana passada, enquanto eu estava no aeroporto <br />
<strong>de</strong> Aracaju com a equipe da minha peça, embarcando para Fortaleza, quando <strong>te</strong>rminava <br />
nossa turnê <strong>te</strong>atral, <strong>que</strong> o Guga me mandou um WhatsApp <strong>que</strong> me fez respirar aliviada: ele <br />
finalmen<strong>te</strong> havia achado a letra perfeita para o refrão <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> tanto procurava, <strong>de</strong>pois <br />
<strong>de</strong> inúmeras versões <strong>de</strong>scartadas. Vibrei <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>! Dois dias atrás, com a ajuda do <br />
Juliano, fechamos a melodia <strong>de</strong>finitiva do trecho novo e nos trancamos no estúdio para <br />
encontrar o arranjo <strong>que</strong> <strong>de</strong>sse vida à oitava faixa gravada do álbum. Agora, ouvindo a <br />
música tomar forma exatamen<strong>te</strong> do jeito <strong>que</strong> imaginei <strong>que</strong> ela soaria, com todos os <br />
<strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong> e produção <strong>que</strong> eu sentia <strong>que</strong> ela pedia, sei <strong>que</strong> valeu a pena seguir <br />
meu instinto e brigar por essa música. Ela resume minha alma e eu a amo por isso. <br />
Estou com o coração em festa! A conquista <strong>de</strong>ssa faixa é só mais um indício claro do <br />
<strong>que</strong> ainda não consegui absorver por completo: meu sonho está se realizando. A lenta <br />
percepção <strong>de</strong>sse fato está me levando a pensar na minha vida e nos meus anos <strong>de</strong> trajetória <br />
até es<strong>te</strong> ponto. Está me lembrando <strong>de</strong> on<strong>de</strong> es<strong>te</strong> sonho nasceu e como ele evoluiu e <br />
amadureceu ao longo dos anos. Vejo mais do <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> o quão necessário foi a <strong>de</strong>mora, a <br />
espera e o aprendizado. Tomada por esta sensação, abri meu laptop trambolhão, <strong>que</strong> <br />
carrego sempre comigo nas minhas vindas quase diárias ao estúdio, e comecei a digitar. <br />
Eu sempre me pergunto por <strong>que</strong> meus fãs me amam tanto. Des<strong>de</strong> <strong>que</strong> a novela <br />
Rebel<strong>de</strong> estreou, e o número dos meus seguidores no Twit<strong>te</strong>r começou a crescer, <br />
assustadoramen<strong>te</strong> rápido, adolescen<strong>te</strong>s suados e sorri<strong>de</strong>n<strong>te</strong>s começaram a aparecer na <br />
<br />
1
entrada dos lugares <strong>que</strong> eu ia. Me enchiam <strong>de</strong> presen<strong>te</strong>s, cartas e abraços e eu me <br />
perguntava o quê – em tão <strong>pouco</strong> <strong>te</strong>mpo – os havia levado a agir da<strong>que</strong>la forma comigo. <br />
Eu sei <strong>que</strong> muita gen<strong>te</strong> se i<strong>de</strong>ntificou e se apegou ao nosso remake da novela <br />
mexicana, e por isso se aproximou. Mas, até hoje, quando eu vejo a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gen<strong>te</strong> <br />
<strong>que</strong> ficou do meu lado <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> o projeto <strong>te</strong>rminou, e o carinho <strong>que</strong> essa gen<strong>te</strong> <strong>te</strong>m por <br />
mim, eu me pergunto a razão disso. Por <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la menina morena <strong>de</strong> cachinhos em <br />
Brasília não parou <strong>de</strong> tremer e chorar quando me abraçou? Por <strong>que</strong> a loirinha <strong>de</strong> óculos <strong>que</strong> <br />
conheci em Fortaleza gastou tanto <strong>te</strong>mpo escrevendo a<strong>que</strong>la carta <strong>de</strong> dois metros pra mim? <br />
Por <strong>que</strong> a<strong>que</strong>le menino em Campinas invadiu o palco da minha peça pra falar comigo na <br />
coxia? Por <strong>que</strong> essa mulher vem todos os dias assistir ao musical <strong>que</strong> estou fazendo em São <br />
Paulo? Quando eu conheço ou encontro com um fã, eu olho bem no olho <strong>de</strong>le e <strong>te</strong>nto <br />
en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r por <strong>que</strong> ele foi até lá só para me ver. <br />
Estamos entrando, enfim, em uma nova fase da minha carreira e <strong>tudo</strong> vai mudar a <br />
partir daqui. Essa fase conta primordialmen<strong>te</strong> com a ajuda e o apoio <strong>de</strong> vocês, esse meu <br />
grupo lindo <strong>de</strong> incentivadores <strong>que</strong> intitulamos <strong>de</strong> Lunáticos. Quero <strong>te</strong>r vocês mais perto <strong>de</strong> <br />
mim, participando mais e <strong>te</strong>ndo mais acesso à minha vida. Para isso acon<strong>te</strong>cer, sinto <strong>que</strong>, <br />
an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> <strong>tudo</strong>, o mais importan<strong>te</strong> é vocês me conhecerem, saberem <strong>de</strong> fato <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu vim, <br />
o <strong>que</strong> passei, e <strong>que</strong>m eu me tornei. Eu <strong>que</strong>ro <strong>que</strong> vocês conheçam a Lua mesmo, por fora e <br />
por <strong>de</strong>ntro, a<strong>que</strong>la <strong>que</strong> sempre es<strong>te</strong>ve por trás da Roberta, e <strong>de</strong> todos os meus outros <br />
personagens. Quero compartilhar com vocês coisas da minha vida, da minha história, <strong>que</strong> <br />
vocês provavelmen<strong>te</strong> não sabem. Quero <strong>que</strong> vocês conheçam <strong>que</strong>m vocês <strong>que</strong>rem seguir. <br />
Quero <strong>que</strong> vocês saibam a <strong>que</strong>m estão ajudando e admirando e por <strong>que</strong> estou fazendo <strong>de</strong> <br />
<strong>tudo</strong> para os meus sonhos se realizarem. Quero dividir com vocês a minha vida, a minha <br />
história. <br />
Se vocês vão gostar ou não, fica a cargo <strong>de</strong> cada um, mas pelo menos vou saber <strong>que</strong> <br />
<strong>que</strong>m continua ao meu lado é por<strong>que</strong> gosta mesmo <strong>de</strong> mim e vou ficar feliz por <strong>te</strong>r dado <br />
essa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar e me aproximar um <strong>pouco</strong> mais <strong>de</strong> vocês. <br />
Foi com essa mesma in<strong>te</strong>nção <strong>que</strong> criei meu canal no YouTube e outras surpresas <br />
<strong>que</strong> ainda vão chegar, on<strong>de</strong> pre<strong>te</strong>ndo dividir coisas com vocês e trocar i<strong>de</strong>ias e experiências <br />
sobre minhas produções, emoções, sentimentos, dúvidas e vitórias. Tem muita coisa boa <br />
vindo aí e não vejo a hora <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> ficar pronto logo! Realmen<strong>te</strong> é uma fase muito <br />
empolgan<strong>te</strong>, essa <strong>que</strong> estamos entrando. Pensem nesse eBook, então, como um prólogo <br />
para a nossa nova fase, uma introdução a todo o acesso à minha vida <strong>que</strong> vou disponibilizar <br />
pra vocês a partir daqui, ok? <br />
<br />
2
Como <strong>tudo</strong> começou <br />
Eu nasci no dia 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1987, no bairro da Lapa em São Paulo, para Maria <br />
Claudia e Billynho, meus <strong>que</strong>ridos pais, <strong>que</strong> logo se mudaram <strong>de</strong> volta pra sua cida<strong>de</strong> natal e <br />
a minha cida<strong>de</strong> do coração, Rio <strong>de</strong> Janeiro. <br />
Muita gen<strong>te</strong> pergunta sobre minha infância, por <strong>que</strong> <strong>te</strong>nho tantos irmãos, por <strong>que</strong> eu <br />
falo inglês e por <strong>que</strong> passamos a vida toda cantando juntos. Tenho respostas prontas, na <br />
versão curta, para cada <strong>de</strong>ssas perguntas, mas hoje vou contar a versão semi longa <strong>que</strong> é <br />
algo sobre o qual eu raramen<strong>te</strong> falo. A verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> eu tive uma criação muito diferen<strong>te</strong> <br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> cristã <strong>que</strong> vivia separada do resto do mundo. Vou explicar. <br />
Alguns anos an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> eu nascer, meus pais moravam juntos em Nova York <br />
trabalhando com música e estudando <strong>te</strong>atro nas escolas <strong>de</strong> lá. Quando minha mãe <br />
engravidou do meu irmão mais velho, o Pedro Sol, eles voltaram para o Brasil com o projeto <br />
<strong>de</strong> reconstruir suas vidas aqui. <strong>Minha</strong> mãe sempre <strong>te</strong>ve uma espécie <strong>de</strong> busca pela verda<strong>de</strong> <br />
e o seu lugar no mundo, como muitos <strong>de</strong> nós <strong>te</strong>mos. A <strong>de</strong>la tinha sido in<strong>te</strong>nsificada pela <br />
perda do pai alguns anos an<strong>te</strong>s e por outras dificulda<strong>de</strong>s <strong>que</strong> ela tinha vivido até a<strong>que</strong>le <br />
ponto. Quando voltaram para o Rio, conheceram um grupo <strong>de</strong> “cristãos revolucionários”, <br />
como se <strong>de</strong>finiam. Eles se encantaram logo, ela em especial, pela energia <strong>de</strong>les. Sentiram <br />
<strong>que</strong> Deus os tinha chamado para <strong>de</strong>dicar suas vidas a Ele <strong>de</strong>sse forma especial e original.. <br />
Esse grupo fazia par<strong>te</strong> <strong>de</strong> um movimento <strong>que</strong> tinha começado na Califórnia, na <br />
década <strong>de</strong> 70, por jovens hippies <strong>que</strong> <strong>que</strong>riam mudar <strong>de</strong> vida. Como não se conformavam <br />
em viver escravos do Sis<strong>te</strong>ma, <strong>de</strong>cidiram começar, digamos, sua própria socieda<strong>de</strong> paralela. <br />
Eles eram <strong>de</strong>votos a Jesus e aos ensinamentos da Bíblia, mas não se filiavam a nenhuma <br />
religião organizada. Tinham um lí<strong>de</strong>r, seus próprios valores, seu próprio estilo <strong>de</strong> vida e suas <br />
próprias in<strong>te</strong>rpretações das escrituras. <strong>Um</strong> <strong>de</strong> seus ensinamentos era <strong>que</strong> o convertido <br />
largasse <strong>tudo</strong> da sua vida passada (incluindo o nome!) e <strong>de</strong>dicasse sua vida 100% a Jesus. Os <br />
membros viviam <strong>de</strong> forma comunitária em núcleos <strong>que</strong> chamavam <strong>de</strong> “lares missionários”. <br />
Lá os membros eram divididos em funções (ou “ministérios”), e executavam seus trabalhos <br />
<strong>de</strong> forma organizada, separada da socieda<strong>de</strong> normal, a fim <strong>de</strong> cumprir a gran<strong>de</strong> missão <br />
<strong>de</strong>les <strong>que</strong> era “salvar o mundo pra Jesus”. Eles foram logo se expandindo e formando mais <br />
núcleos <strong>que</strong> se espalharam ao redor do mundo, convidando pessoas para fazerem par<strong>te</strong> <br />
<strong>de</strong>les. Morava gen<strong>te</strong> junta <strong>de</strong> diversas nacionalida<strong>de</strong>s, falando todo tipo <strong>de</strong> idioma. Para <strong>que</strong> <br />
todos pu<strong>de</strong>ssem se comunicar, <strong>de</strong> todos os povos e em todos os lugares, estabeleceram <strong>que</strong> <br />
o inglês seria a língua padrão do grupo. Formaram, também, sis<strong>te</strong>mas <strong>de</strong> ensino para <strong>que</strong> <br />
toda a educação fosse in<strong>te</strong>rna, no formato “homeschooling” (<strong>que</strong> é quando a criança não <br />
vai para a escola, apren<strong>de</strong> <strong>tudo</strong> em casa). A renda <strong>de</strong>les se baseava em doações (como se <br />
fosse uma ONG ou um projeto social) e na venda <strong>de</strong> ma<strong>te</strong>riais didáticos, infantis e cristãos. <br />
<br />
3
Pareciam a galera do filme A Vila, só <strong>que</strong> sem monstros e vestidos <strong>de</strong> época; ou, <br />
então, a al<strong>de</strong>ia dos Outros, ou da Dharma Initiative, na série Lost, só <strong>que</strong> sem experiências <br />
médicas e assassinatos em ilhas mis<strong>te</strong>riosas; ou, até mesmo, freiras em conventos, só <strong>que</strong> <br />
sem o celibato e os uniformes engraçados. Era uma espécie <strong>de</strong> seita <strong>que</strong> vivia em paz <br />
<strong>te</strong>ntando fazer do mundo um lugar melhor. Eu carinhosamen<strong>te</strong> apeli<strong>de</strong>i essa fase in<strong>te</strong>ira da <br />
minha vida <strong>de</strong> A Bolha e vou chamar assim ao longo do meu relato. <br />
Depois <strong>que</strong> meu irmão tinha nascido e meu pai estava pronto para acompanhar <br />
minha mãe num compromisso tão radical e permanen<strong>te</strong>, os três entraram para Bolha e foi lá <br />
<strong>que</strong> eu nasci. (Curiosida<strong>de</strong>: meu pai passou a se chamar Paulo, e, minha mãe, Cristal; mas <br />
anos <strong>de</strong>pois ela mudou pra Nina. Foram os nomes <strong>de</strong>les por quase vin<strong>te</strong> anos.) Fui criada lá, <br />
vivendo em casas enormes com várias famílias morando juntas, estudando em salas <strong>de</strong> aula <br />
caseiras, e apren<strong>de</strong>ndo <strong>tudo</strong> sobre a Bíblia e sobre a vida missionária <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> levava. Fui <br />
alfabetizada em inglês por causa disso. Eu tinha <strong>pouco</strong> contato com o mundo <strong>de</strong> fora, e <br />
<strong>de</strong>ntro da nossa realida<strong>de</strong> não era necessário falar outro idioma. Visitava meus avós e o <br />
resto dos nossos familiares <strong>de</strong> vez em quando, mas eu não convivi com eles na primeira <br />
par<strong>te</strong> da minha vida; eles eram apenas a<strong>que</strong>las pessoas simpáticas, <strong>que</strong> não en<strong>te</strong>ndiam <strong>tudo</strong> <br />
<strong>que</strong> eu falava, mas <strong>que</strong> sorriam muito quando me viam. <br />
Por causa <strong>de</strong> todo o supor<strong>te</strong> <strong>que</strong> os núcleos ofereciam no cuidado às crianças e <br />
bebês, as mães eram incentivadas a <strong>te</strong>r muitos filhos, e é por isso <strong>que</strong> minha mãe acabou <br />
<strong>te</strong>ndo seis. Nós éramos consi<strong>de</strong>rados uma família <strong>de</strong> médio por<strong>te</strong>, por<strong>que</strong> o normal era <strong>te</strong>r <br />
muito mais. <strong>Um</strong>a das minhas amigas vem <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> doze filhos, e isso era ok. Meus <br />
irmãos e eu crescemos dormindo em dormitórios enormes cheios <strong>de</strong> crianças da nossa <br />
ida<strong>de</strong> e sempre <strong>te</strong>ndo gen<strong>te</strong> em volta com <strong>que</strong>m brincar. Ficávamos com nossos pais na <br />
hora do jantar e aos domingos, normalmen<strong>te</strong>, e o resto da semana era com a nossa turma <br />
sob o cuidado dos nossos professores. <br />
Como meu pai é músico, compositor e produtor musical, colocaram-‐no para <br />
trabalhar no <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> criação e produção do ma<strong>te</strong>rial musical da Bolha, tanto <br />
ex<strong>te</strong>rno, quanto in<strong>te</strong>rno. <strong>Minha</strong> mãe trabalhou em diversas áreas da Bolha (quando ela não <br />
estava ocupada <strong>te</strong>ndo outro filho), e uma <strong>de</strong>las era a da evangelização, <strong>que</strong> se resumia em <br />
sair para a rua e passar a mensagem <strong>de</strong> Jesus nos escritórios, empresas, presídios, <br />
restauran<strong>te</strong>s, hospitais. Além disso, os dois também cantavam juntos, e faziam shows e <br />
apresentações em diversos lugares com con<strong>te</strong>údo tanto religioso quanto secular. <br />
Devido ao trabalho do meu pai na música, ele era transferido com frequência para <br />
outros núcleos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da <strong>de</strong>manda <strong>que</strong> cada um tivesse, e provavelmen<strong>te</strong> <strong>de</strong>vido a <br />
outras razões também <strong>que</strong> não eram explicadas para mim na época. Só sei <strong>que</strong> morei em <br />
vários bairros do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em Ni<strong>te</strong>rói, em São Paulo, em Salvador, em Lima-‐Peru. <br />
<br />
4
Eu sempre gos<strong>te</strong>i da minha infância. Não conhecia nada diferen<strong>te</strong>, não sabia como as <br />
outras crianças viviam. Para mim, viver da<strong>que</strong>la forma era lindo! Eu não ia para escola <br />
normal, não assistia <strong>te</strong>levisão, não tinha acesso a balas ou doces como a maioria das <br />
crianças <strong>te</strong>m, e como a alimentação da Bolha focava em ser saudável, eu mal ingeri açúcar <br />
branco nos meus primeiros anos <strong>de</strong> vida... e não sentia falta <strong>de</strong> nada disso. <br />
Eu <strong>te</strong>nho memórias <strong>de</strong> acordar cedo algumas manhãs para ajudar meu pai a fazer o <br />
café da manhã para o “lar” (os adultos revezavam na função da primeira refeição do dia, e <br />
para as outras tinha a equipe da cozinha). Ele <strong>que</strong>brava uns cin<strong>que</strong>nta ovos num po<strong>te</strong> <br />
gigan<strong>te</strong> e me <strong>de</strong>ixava batê-‐los. Aí ele juntava <strong>tudo</strong> num panelão e fazia ovo mexido <br />
suficien<strong>te</strong> para alimentar todo mundo na casa. Ainda tinham as se<strong>te</strong> ban<strong>de</strong>jas gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <br />
bolo <strong>de</strong> fubá <strong>que</strong> ele assava para acompanhar (chamava <strong>de</strong> corn bread), e os litros <strong>de</strong> café <br />
preto <strong>que</strong> ele preparava para os adultos com os coadores <strong>de</strong> pano. Tudo na cozinha era <br />
tamanho industrial; até hoje <strong>nunca</strong> sei quantos copos <strong>de</strong> arroz jogar na panela, sempre <br />
acaba sobrando. Meu pai cozinha tão bem <strong>que</strong> as pessoas torciam para chegar a vez <strong>de</strong>le no <br />
rodízio do café da manhã. Tinha o clássico <strong>de</strong>le: a granola caseira. Levava quilos <strong>de</strong> aveia e <br />
açúcar mascavo e ficava melhor <strong>que</strong> todas as granolas vendidas em loja. Ele próprio torrava <br />
os amendoins no forno. Sempre achei isso fascinan<strong>te</strong>! Claro também tinham os pratos <br />
básicos <strong>de</strong> café da manhã, <strong>que</strong> eram os mingaus. Meu pai inventava todo tipo <strong>de</strong> mingau <br />
com lei<strong>te</strong>: aveia, fubá, tapioca, sagu, arroz, trigo, canjica... O <strong>que</strong> tivesse <strong>de</strong> ingredien<strong>te</strong> na <br />
dispensa ele tacava no mingau! Até hoje sou maluca por mingau por causa disso. <br />
<strong>Minha</strong> mãe me levava para ajudar no berçário, <strong>que</strong> é on<strong>de</strong> ela acabou passando boa <br />
par<strong>te</strong> <strong>de</strong> uma década. Ela me ensinou a trocar fraldas, a segurar um bebê <strong>de</strong> uma forma <br />
segura e confortável, a fazer um bebê parar <strong>de</strong> chorar e a começar a ensinar coisas a ele. <br />
Depen<strong>de</strong>ndo do tamanho do núcleo e da época <strong>de</strong> fertilida<strong>de</strong> das mães, o número <strong>de</strong> bebês <br />
no berçário variava, mas <strong>te</strong>r entre cinco a oito bebês lá por vez era algo rotineiro. A partir da <br />
época em <strong>que</strong> a Estrela nasceu, eu já tinha tamanho suficien<strong>te</strong> para ajudar a cuidar dos <br />
meus irmãos mais novos também. Eu lembro <strong>que</strong> quando o Daniel era bebê, minha mãe ia <br />
sair uma noi<strong>te</strong> e me <strong>de</strong>ixou cuidando <strong>de</strong>le no quarto <strong>de</strong>la. Tudo bem <strong>que</strong> ele estava <br />
dormindo e, é claro, tinham adultos na casa supervisionando, mas era eu <strong>que</strong> estava <br />
responsável por ele até minha mãe voltar, e isso fez com <strong>que</strong> eu me sentisse muito gran<strong>de</strong>. <br />
Eu tinha se<strong>te</strong> anos na época. Quando a Marisol nasceu, aí eu já tirava <strong>de</strong> letra, já nem <strong>que</strong>ria <br />
supervisão para cuidar <strong>de</strong>la. Até hoje eu sou louca por bebês. <br />
Iniciação na música <br />
A música sempre foi uma par<strong>te</strong> gran<strong>de</strong> da minha vida. <strong>Minha</strong> mãe cantava pra mim <br />
no berço, e meu pai sempre <strong>de</strong>dilhava um violão perto <strong>de</strong> mim. A Bolha era muito rica em <br />
cultura musical, e tinha várias músicas próprias <strong>que</strong> tinham sido compostas in<strong>te</strong>rnamen<strong>te</strong> <br />
<br />
5
pelos seus membros, algumas inclusive eram do meu pai. Todas a crianças aprendiam as <br />
músicas e passavam o dia in<strong>te</strong>iro cantando. Tinham muitas músicas <strong>de</strong> passagens da Bíblia <br />
musicalizadas, <strong>que</strong> eram para nos ajudar a <strong>de</strong>corar os versículos mais importan<strong>te</strong>s. Lembro <br />
<strong>de</strong>las até hoje. <br />
Também me lembro <strong>de</strong> <strong>que</strong> quando a gen<strong>te</strong> morava em Lima, no Peru, entre meus <br />
seis e se<strong>te</strong> anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, o núcleo em <strong>que</strong> nós vivíamos era enorme, era uma fazenda linda <br />
com cavalos e plantações <strong>de</strong> milho e alcachofra, com várias casas espalhadas pelo <strong>te</strong>rreno. <br />
O maior quarto na casa principal era o dormitório das crianças, on<strong>de</strong> a gen<strong>te</strong> dormia em <br />
beliches e camas <strong>de</strong> correr com rodinhas, e fazia a maior bagunça junto. Eu <strong>te</strong>nho muita <br />
memória <strong>de</strong> lá. Nosso quarto tinha um janelão <strong>que</strong> dava para o quintal do sítio, e todo dia <br />
<strong>de</strong> manhã meu pai passava pelo quintal <strong>de</strong>dilhando o violão e cantando uma música linda <br />
pra gen<strong>te</strong> acordar. Até hoje eu amo acordar ao som <strong>de</strong> <strong>de</strong>dilhado <strong>de</strong> violão por causa <strong>de</strong>ssa <br />
época. <br />
Nós tínhamos nos mudado para Lima por<strong>que</strong> esse núcleo tinha um bom estúdio <strong>de</strong> <br />
gravação e precisavam <strong>de</strong> um produtor trabalhando nele, nas produções do ma<strong>te</strong>rial da <br />
Bolha. Então era lá <strong>que</strong> meu pai passava os dias <strong>de</strong>le, trabalhando com música e gravações <br />
<strong>que</strong> era o <strong>que</strong> ele mais ama fazer. Eu lembro <strong>que</strong> a minha sala <strong>de</strong> aula era <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <br />
casinha <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira em algum lugar do <strong>te</strong>rreno, e eu ficava a aula in<strong>te</strong>ira sonhando e <br />
torcendo para um dia meu pai me chamar para gravar uma música com ele. <strong>Um</strong> dia ele me <br />
chamou e eu fi<strong>que</strong>i louca! Ele tinha uma música infantil para gravar e precisava <strong>de</strong> uma voz <br />
<strong>de</strong> criança. Essa foi minha primeira experiência em um estúdio <strong>de</strong> gravação e eu não podia <br />
<strong>te</strong>r ficado mais feliz, ainda mais por<strong>que</strong> eu estava matando aula. Já começou cedo meu <br />
gosto por matar aula. <br />
Foi no Peru, também, <strong>que</strong> o Daniel nasceu, por isso o nome composto <strong>de</strong>le é Cielo, <br />
em espanhol. Eu aprendi espanhol fluen<strong>te</strong> enquanto morei lá, por<strong>que</strong> minha professora era <br />
uma senhora espanhola fofa <strong>que</strong> se empenhou em me ensinar, e criança realmen<strong>te</strong> <strong>te</strong>m <br />
mais facilida<strong>de</strong> em apren<strong>de</strong>r novos idiomas. Eu falava perfeito, me diziam, o <strong>que</strong> só me <br />
atrapalhou quando fui apren<strong>de</strong>r português direito por<strong>que</strong> eu confundia as palavras. Porém, <br />
por falta <strong>de</strong> uso, hoje meu espanhol <strong>de</strong>finhou. Descobri isso nas minhas visitas recen<strong>te</strong>s pra <br />
Punta Del Es<strong>te</strong> e Buenos Aires, em <strong>que</strong> eu parecia uma <strong>de</strong>ficien<strong>te</strong> mental <strong>te</strong>ntando formular <br />
frases num portunhol bem furreca. Mas ainda en<strong>te</strong>ndo <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> dizem e <strong>te</strong>nho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <br />
voltar a praticar para retomar minha fluência. <br />
A gen<strong>te</strong> não assistia <strong>te</strong>levisão, mas tínhamos, sim, acesso a muitos filmes. A Bolha, <br />
além <strong>de</strong> fornecer ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong> produção in<strong>te</strong>rna, também fazia seleções <strong>de</strong> filmes e outras <br />
formas <strong>de</strong> entre<strong>te</strong>nimento <strong>que</strong> eram permitidos e “edifican<strong>te</strong>s” para a gen<strong>te</strong>. Então, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <br />
pe<strong>que</strong>na, eu fui apaixonada por cinema, principalmen<strong>te</strong> os musicais. Eu mergulhei em <strong>tudo</strong> <br />
<strong>que</strong> nos permitiam assistir. Vivia à base <strong>de</strong> toda a coleção <strong>de</strong> musicais da Shirley Temple, os <br />
filmes do Gene Kelly, com <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> para Cantando na Chuva e Brigadoon, e, claro, meu <br />
<br />
6
primeiro filme preferido <strong>de</strong> todos os <strong>te</strong>mpos, A Noviça Rebel<strong>de</strong>. A gen<strong>te</strong> podia ver alguns <br />
<strong>de</strong>senhos da Disney também, como Bambi, Pocahontas e O Rei Leão, mas Pinóquio só nos <br />
era permitido ver o primeiro pedaço. O resto do filme, a partir da hora <strong>que</strong> ele sai <strong>de</strong> casa <br />
para ir ao colégio e encontra a raposa e o gato <strong>que</strong> eram os gran<strong>de</strong>s vilões da história, eles <br />
cortavam por<strong>que</strong> não <strong>te</strong>ria uma boa influência na gen<strong>te</strong>. Fui ver o filme in<strong>te</strong>iro já gran<strong>de</strong> e <br />
morri <strong>de</strong> rir. <br />
Quando eu tinha oito anos, minha família voltou para o Brasil e foi morar pela <br />
segunda vez (a gen<strong>te</strong> já tinha ido an<strong>te</strong>s, mas não lembrava) no município <strong>de</strong> Embu das Ar<strong>te</strong>s, <br />
em São Paulo. Lá, o núcleo era numa casa enorme <strong>que</strong> eu amava. Tinha piscina, e quadra, e <br />
até uma casinha <strong>de</strong> vidro na la<strong>te</strong>ral ex<strong>te</strong>rna da casa <strong>que</strong> eu achava muito espaçosa. Quando <br />
vol<strong>te</strong>i para essa casa, já adolescen<strong>te</strong>, <strong>de</strong>scobri <strong>que</strong> ela é muito menor do eu lembrava, mas o <br />
<strong>que</strong> importa é quando a gen<strong>te</strong> é pe<strong>que</strong>no e acha <strong>que</strong> <strong>tudo</strong> à nossa volta é gigan<strong>te</strong>. <br />
Foi em Embu <strong>que</strong> meu pai começou a ensaiar músicas comigo e com meus irmãos <br />
para cantarmos para as pessoas. Ele nos enfileirava e tocava violão do nosso lado, e a gen<strong>te</strong> <br />
se apresentava com um sorriso no rosto e um leve passinho <strong>de</strong> um lado pro outro. Foi nessa <br />
época, também, <strong>que</strong> surgiu na minha vida o fenômeno do “Christmas Push”, <strong>que</strong> era todo o <br />
movimento em torno <strong>de</strong> alegrar o Natal das pessoas. <br />
Por volta do início <strong>de</strong> novembro, quando os shoppings estavam começando e <br />
pendurar enfei<strong>te</strong>s <strong>de</strong> Natal pelas escadas rolan<strong>te</strong>s, a Bolha se preparava para o nosso <br />
movimento natalino. Ensaiávamos músicas fofas natalinas, preparávamos panfletos e CDs <br />
<strong>de</strong> Natal para ven<strong>de</strong>r e distribuir. Ficávamos até o dia 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro em função <strong>de</strong>s<strong>te</strong> <br />
feriado. Visitávamos festas e eventos <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano, batíamos nas portas dos vizinhos, <br />
íamos para par<strong>que</strong>s, restauran<strong>te</strong>s, e shoppings fazendo nossa apresentação e cantando <br />
sobre o Natal. Todos, ou pelo menos a gran<strong>de</strong> maioria, sempre ficava muito feliz e <br />
emocionada <strong>de</strong> ver várias crianças e jovens juntos cantando <strong>de</strong>ssa forma. Mantivemos a <br />
tradição do “Christmas Push” até os anos avançados da minha adolescência, e é por isso <strong>que</strong> <br />
o Natal até hoje é uma data (e uma época) muito marcan<strong>te</strong> pra mim. <br />
Meu primeiro contato com o mundo real <br />
No ano <strong>de</strong> 1996, a Bolha começou a passar por algumas mudanças e a li<strong>de</strong>rança <br />
incentivou algumas famílias a saírem dos gran<strong>de</strong>s núcleos com <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> membros e <br />
abrirem núcleos menores, Bolhinhas, digamos. Quando eu fiz nove anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mu<strong>de</strong>i <br />
com minha família para um sítio lindo cercado <strong>de</strong> mato, como piscina, no topo <strong>de</strong> uma <br />
colina em Itaipava, no estado do Rio. A Marisol era bebê nessa época. Nosso sex<strong>te</strong>to <strong>de</strong> <br />
irmãos já estava completo. Na nossa casa, além da minha família, tinha mais dois outros <br />
membros da Bolha <strong>que</strong> vieram juntos para dar um supor<strong>te</strong>. Continuamos vivendo segundo <br />
<br />
7
os princípios recomendados, mas num con<strong>te</strong>xto bem menor e com algumas mudanças, a <br />
maior <strong>de</strong>las: começar a fre<strong>que</strong>ntar a escola! <br />
Para nós, <strong>que</strong> tínhamos nascido <strong>de</strong>ntro da Bolha e não fazíamos i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como as <br />
pessoas levavam a vida na par<strong>te</strong> <strong>de</strong> fora, O Mundo Real era retratado <strong>de</strong> uma forma <br />
distan<strong>te</strong>, perdida e proibida. Chamavam <strong>de</strong> O Sis<strong>te</strong>ma. Finalmen<strong>te</strong> eu <strong>te</strong>ria a chance <strong>de</strong> <br />
conhecer uma escola “sis<strong>te</strong>mática”, cheia <strong>de</strong> crianças diferen<strong>te</strong>s <strong>que</strong> não viviam como eu. <br />
Eu estava vibran<strong>te</strong>. O Pedro, a Ana Terra e eu fomos matriculados no IPAE, o Instituto <br />
Petropolitano Adventista <strong>de</strong> Ensino, e a Estrela, o Daniel e a Marisol continuariam sendo <br />
cuidados pela minha mãe em casa. Com o <strong>te</strong>mpo, a separação dos dois grupos foi <br />
in<strong>te</strong>nsificando, e foi-‐se nomeando um <strong>de</strong> “The Big Guys” (os gran<strong>de</strong>s), e o outro grupo <strong>de</strong> <br />
“The Little Guys” (os pe<strong>que</strong>nos), nomes <strong>que</strong> até hoje são piada in<strong>te</strong>rna entre a gen<strong>te</strong> e <br />
motivo <strong>de</strong> implicância, principalmen<strong>te</strong> com a Estrela <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> gostou <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixada pra <br />
trás com os Little Guys. <br />
Meu tio Paulinho, irmão do meu pai, morava com a esposa e os dois filhos em <br />
Petrópolis também. Na verda<strong>de</strong>, acho <strong>que</strong> fomos para lá para ficar perto <strong>de</strong>les. Eles eram <br />
adventistas e tinham muito em comum com o viver fora, isolados da socieda<strong>de</strong> e <strong>tudo</strong> mais. <br />
Eu adorava meu tio por<strong>que</strong> ele falava em inglês comigo e me fazia sentir em casa. Até hoje <br />
nós o chamamos <strong>de</strong> Uncle Paulinho (<strong>que</strong> é tio em inglês), <strong>de</strong> tanto <strong>que</strong> nos apegamos a ele <br />
na<strong>que</strong>la época. Tia Gisele sempre foi muito doce com a gen<strong>te</strong>, e meus primos Lisieux e <br />
Marcel eram da nossa ida<strong>de</strong>, e como estávamos acostumados a <strong>te</strong>r muita criança por perto, <br />
logo nos apegamos a eles. Eles já estudavam no IPAE, então fomos com eles para o nosso <br />
primeiro dia <strong>de</strong> aula. Ever! <br />
(Detalhe engraçado: Duran<strong>te</strong> gran<strong>de</strong> par<strong>te</strong> da minha vida, eu só conheci meus pais <br />
como Paulo e Nina, por<strong>que</strong> era assim <strong>que</strong> todos os chamavam. Porém, ironicamen<strong>te</strong>, ao <br />
escolher seu novo nome pra Bolha, meu pai acabou ficando com o mesmo nome do próprio <br />
irmão, o <strong>que</strong> sempre me confundiu quando comecei a conviver com meu tio. Eu me <br />
perguntava, “por <strong>que</strong> eles têm o mesmo nome? Será <strong>que</strong> a vovó ficou sem criativida<strong>de</strong>?”. Só <br />
<strong>de</strong>pois <strong>que</strong> fui en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r <strong>que</strong> minha linda vozinha não tinha nada a ver com isso.) <br />
Meu primeiro dia <strong>de</strong> aula foi assustador e meio surreal por<strong>que</strong> <strong>tudo</strong> era novida<strong>de</strong> <br />
para mim. Eu falava português, mas não tão fluen<strong>te</strong>men<strong>te</strong>, e ainda confundia muitas <br />
palavras com o espanhol. Fora isso, todo o formato <strong>de</strong> aula e <strong>de</strong> comportamento dos alunos <br />
era <strong>de</strong>sconhecido por mim. Eu fui para 2a série junto com a prima Lisieux, a Terrinha foi pro <br />
CA, o Marcel estava na 1a série, e o Pedro acho <strong>que</strong> foi pra 3a. Fi<strong>que</strong>i feliz <strong>de</strong> <strong>te</strong>r minha <br />
prima do meu lado dando supor<strong>te</strong>, mas logo comecei a en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r <strong>que</strong> a vida fora da Bolha <br />
era muito diferen<strong>te</strong> do <strong>que</strong> aquilo a <strong>que</strong> eu estava acostumada. <br />
Todo o meu processo <strong>de</strong> adaptação foi lento e cheio <strong>de</strong> gafes. Os meus colegas <br />
chegavam na escola, mas eu não sabia <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eles vinham, como eles moravam. Tinha uns <br />
<br />
8
<strong>que</strong> chegavam num ônibus cheio <strong>de</strong> crianças, e fi<strong>que</strong>i na esperança <strong>de</strong>les morarem em <br />
alguma bolha também, mas tinha vergonha <strong>de</strong> perguntar. O meu curto vocabulário em <br />
português não incluía gírias ou expressões <strong>de</strong> uso comum, então eu vivia dando bola fora. <br />
<strong>Um</strong> dia eu disse para a professora <strong>que</strong> meu colega estava me molestando, <strong>que</strong> em espanhol <br />
é implicar. Eu não imaginava <strong>que</strong> em português fosse algo diferen<strong>te</strong>. Levei uma bronca da <br />
professora <strong>que</strong> dizia para eu não mentir, e muitas risadas dos outros colegas. <br />
Na par<strong>te</strong> da educação, até <strong>que</strong> eu me adap<strong>te</strong>i bem. Eu era in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong> e aprendia <br />
rápido. Fiz uns <strong>te</strong>s<strong>te</strong>s para provar <strong>que</strong> eu havia tido uma educação boa en<strong>te</strong>s <strong>de</strong> entrar na <br />
escola e <strong>que</strong> eu estava pronta para estar na 2a série, e passei tranquila. Aprendi a escrever <br />
em letra corrida, já <strong>que</strong> no inglês se <strong>te</strong>m mais o costume <strong>de</strong> escrever com letra <strong>de</strong> forma e <br />
isso me atrapalhava no português quando a professora ditava algo pra gen<strong>te</strong> escrever <br />
rápido. Eu era boa com números, habilida<strong>de</strong> <strong>que</strong> fui largando quando cheguei no Ensino <br />
Médio (não nasci pra mexer com fórmulas). Mas, no geral, eu gostava <strong>de</strong> estudar. Porém, eu <br />
gostava mais ainda era <strong>de</strong> aprontar. Des<strong>de</strong> meu primeiro ano na escola eu gostava <strong>de</strong> <br />
transgredir os limi<strong>te</strong>s impostos pelas autorida<strong>de</strong>s. Queria conhecer melhor esse mundo fora <br />
da Bolha, <strong>que</strong> não seguia as suas regras e não era castigada por isso. Queria explorar <strong>tudo</strong> e <br />
ver até on<strong>de</strong> eu conseguiria ir sem ser castigada. Acabei sendo muito castigada ao longo da <br />
minha vida colegial por isso, mas, no fundo, até hoje gosto <strong>de</strong> chegar no limi<strong>te</strong> das coisas e <br />
ver até on<strong>de</strong> elas me permi<strong>te</strong>m. Só assim consigo reconhecer o meu espaço. <br />
Para mim foi muito divertido na<strong>que</strong>la casa em Itaipava. Eu e meus irmãos <br />
chegávamos da escola no fim da tar<strong>de</strong> e pulávamos direto na piscina. Passávamos muito <br />
<strong>te</strong>mpo brincando do lado <strong>de</strong> fora, <strong>de</strong>scíamos as la<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> grama <strong>de</strong>itados em caixas <strong>de</strong> <br />
papelão, escalávamos as árvores, corríamos com os cachorros. Costumávamos ir para <br />
Nogueira andar a cavalo, uma das minhas ativida<strong>de</strong>s preferidas. Meu pai nos levou ao <br />
cinema pela primeira vez, nessa época, para assistir O Corcunda <strong>de</strong> Notre Dame. Foi <br />
surpresa. Ele colocou os “Big Guys” no carro sem dizer para on<strong>de</strong> íamos. Levou junto uma <br />
caixa gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> uvas passas. Quando chegamos no cinema <strong>de</strong> Petrópolis e vimos a <strong>te</strong>la <br />
da<strong>que</strong>le tamanho não acreditamos na maravilha daquilo <strong>tudo</strong>. Comemos as uvas passas na <br />
maior felicida<strong>de</strong> enquanto curtíamos um corcunda <strong>que</strong> tinha o tamanho do nosso carro. <br />
Passávamos muito <strong>te</strong>mpo com a família do Uncle Paulinho, eles nos ajudaram <br />
bastan<strong>te</strong> no processo <strong>de</strong> adaptação ao mundo real. Meus primos me explicavam muita <br />
coisa, e in<strong>te</strong>rmediavam algumas situações <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> comunicação com colegas <strong>que</strong> não <br />
nos en<strong>te</strong>ndiam. Eu adorava a casa <strong>de</strong>les e até hoje, quando vou lá, sinto um gostinho <strong>de</strong> <br />
infância feliz. Eles me ensinaram a calçar sapatos resis<strong>te</strong>n<strong>te</strong>s para fazer trilhas pelo mato, <br />
como construir um balanço no galho <strong>de</strong> uma árvore, e a apreciar <strong>que</strong>ijo <strong>que</strong>n<strong>te</strong> com mel <br />
jogado em cima. Lições muito valiosas até hoje. A gen<strong>te</strong> até acompanhava meus primos nos <br />
cultos da igreja adventista para conhecer. Eu gostava por <strong>que</strong> falavam da Bíblia e <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> <br />
<strong>que</strong> eu conhecia, só não en<strong>te</strong>ndia por <strong>que</strong> não <strong>de</strong>ixavam ba<strong>te</strong>r palmas e, ao invés disso, <br />
ficavam dando tchauzinho. <br />
<br />
9
<strong>Minha</strong> vozinha por par<strong>te</strong> <strong>de</strong> pai, Ruth (Tetê, pros íntimos), também vinha nos visitar <br />
muito. Ela é uma linda <strong>que</strong> sempre foi muito <strong>de</strong>dicada a gen<strong>te</strong>, mesmo quando morávamos <br />
longe. Ela preparava bolos enormes para os nossos aniversários, e dava muito carinho <br />
quando nos via. Ela morava com o meu avô em Copacabana, num apartamento gran<strong>de</strong> <strong>que</strong> <br />
até hoje <strong>te</strong>m cheiro <strong>de</strong> infância, cheiro <strong>de</strong> vozinha. <br />
Foi nessa época, também, <strong>que</strong> eu comecei a me in<strong>te</strong>ressar por meninos, mas não <br />
sabia muito bem como lidar com isso. A minha única referência <strong>de</strong> atração pelo sexo oposto <br />
era os filmes antigos <strong>que</strong> eu assistia, mas não ensinavam muita coisa. O fato do personagem <br />
do Gene Kelly ficar com (spoiler alert!) a Kathy Sel<strong>de</strong>n no final <strong>de</strong> Cantando na Chuva, não <br />
me ensinava como <strong>que</strong> eu conseguiria chamar a a<strong>te</strong>nção do David, o menino mais lindo da <br />
turma do meu irmão. <strong>Um</strong> dia meu pai me <strong>de</strong>u 1 real para comprar minha merenda na escola <br />
(eu sempre levava lanche <strong>de</strong> casa, mas esse dia era uma ocasião especial e, na época, 1 real <br />
era muita coisa). Mas, ao invés <strong>de</strong> comprar algo pra comer, lembro <strong>que</strong> comprei um drops <br />
<strong>de</strong> Halls (mesmo não sendo permitida chupar bala) só pra eu <strong>te</strong>r algo para oferecer ao David <br />
quando eu cruzasse com ele no pátio da escola. E não era nem para <strong>te</strong>r <strong>de</strong>sculpa para puxar <br />
um assunto, o assunto era esse! -‐ “Quer uma bala?” “<strong>que</strong>ro.” Ele aceitou duas vezes e na <br />
<strong>te</strong>rceira recusou, mas eu fi<strong>que</strong>i feliz por<strong>que</strong> vi <strong>que</strong> estávamos avançando na nossa relação. <br />
<strong>Um</strong> <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong>pois, entrou uma menina nova na escola <strong>que</strong> se chamava Juliana, e o David só <br />
dava a<strong>te</strong>nção à ela e só aceitava as balas <strong>de</strong>la. Fi<strong>que</strong>i arrasada. <strong>Um</strong> dia, cara <strong>de</strong> pau <strong>que</strong> sou, <br />
pergun<strong>te</strong>i por<strong>que</strong> ele gostava mais <strong>de</strong>la. Ele olhou para mim e disse: <br />
— Lua, você é muito in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong>, mas a Juliana é bonita. — Fi<strong>que</strong>i chocada com essa <br />
resposta. Des<strong>de</strong> quando ser in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong> é uma coisa ruim? Tomei como elogio, e <strong>de</strong>sisti <strong>de</strong> <br />
oferecer balas a ele. Ele não me merecia. <br />
<strong>Um</strong> belo dia chegou a epi<strong>de</strong>mia do piolho. Estava por todas as par<strong>te</strong>s. Todas as <br />
crianças começaram a pegar e, quando vi, eu estava coçando a cabeça como se não <br />
houvesse amanhã. <strong>Minha</strong> mãe <strong>te</strong>ntou <strong>de</strong> <strong>tudo</strong>, passou todos os remédios e nada <strong>de</strong>les <br />
morrerem. Kwell era praticamen<strong>te</strong> água com açúcar para esses piolhos <strong>que</strong> estavam tão <br />
acostumados a continuar vivos. <strong>Um</strong> dia ela veio com um remédio novo <strong>que</strong> <strong>te</strong>ve uma reação <br />
alérgica na minha cabeça e começou a <strong>que</strong>imar meu couro cabeludo, eu gritava e minha <br />
mãe corria para enxaguar. Foi uma cena horrorosa. Depois disso ela <strong>de</strong>sistiu da luta e me <br />
levou, junto com a Terra e a Lisieux (<strong>que</strong> também não escaparam da epi<strong>de</strong>mia), para o salão <br />
e mandou cortar nosso cabelo curto, no estilo joãozinho. <br />
A vantagem foi <strong>que</strong> o piolho foi embora. A <strong>de</strong>svantagem foi <strong>que</strong> eu passei os dois <br />
próximos anos dando razão ao David por não <strong>te</strong>r me achado bonita, por<strong>que</strong> quando meu <br />
cabelo começou a crescer, encarei <strong>de</strong> vez a fase <strong>te</strong>nebrosa da pré-‐adolescência. <br />
Perdida entre dois mundos <br />
10
Nos mudamos <strong>de</strong> volta para o Rio, e fomos morar em Vargem Gran<strong>de</strong> na casa <strong>que</strong> <br />
mais marcaria nossas vidas. Não tinha piscina, mas tinha muito mato, e dois andares, e uma <br />
mangueira enorme no quintal para gen<strong>te</strong> escalar e pendurar um balanço; e ela estava, <br />
também, a cinco minutos da praia mais linda da cida<strong>de</strong>, a Prainha. Tenho muitas memórias <br />
do nosso <strong>te</strong>mpo na<strong>que</strong>la casa. Até agora, a maior par<strong>te</strong> da minha vida foi <strong>de</strong>ntro da<strong>que</strong>les <br />
portões. Não vou me es<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r falando <strong>de</strong>ssa fase por<strong>que</strong> precisa sobrar história para eu <br />
contar no meu Blog, e por<strong>que</strong> <strong>que</strong>ro continuar um <strong>pouco</strong> mis<strong>te</strong>riosa também! Mas, vou dar <br />
uma resumida. <br />
Eu dividia quarto com a Terra e nos aproximamos mais <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> por causa disso; a <br />
Estrela, o Daniel e a Mari ficaram juntos no quarto das crianças; e o Pedro improvisou um <br />
canto para ele por<strong>que</strong> já se consi<strong>de</strong>rava bem gran<strong>de</strong> e não <strong>que</strong>ria dormir com as irmãs. <br />
<strong>Minha</strong> mãe nos matriculou no extinto Colégio Cida<strong>de</strong> – Unida<strong>de</strong> Recreio, <strong>que</strong> era perto da <br />
nossa casa, e como ela é amiga <strong>de</strong> infância da dona, ela conseguiu bolsa pros três mais <br />
velhos. Fui bolsista praticamen<strong>te</strong> minha vida toda. Foi graças à generosida<strong>de</strong> das pessoas <br />
<strong>que</strong> tive uma boa educação pós-‐Bolha, e serei e<strong>te</strong>rnamen<strong>te</strong> grata a todas elas por isso. <br />
Os “Little Guys” continuaram estudando em casa por um <strong>te</strong>mpo. Depois <strong>de</strong> alguns <br />
anos, a Estrela foi matriculada no colégio também, e assim por dian<strong>te</strong>. Aos <strong>pouco</strong>s cada um <br />
dos pe<strong>que</strong>nos foi introduzido a esse encantador mundo mágico <strong>que</strong> é a vida real. E cada um <br />
lidou com isso <strong>de</strong> uma forma diferen<strong>te</strong>. Vou <strong>te</strong>ntar resumir a minha experiência. <br />
Foi nessa época <strong>que</strong> comecei a sentir o contras<strong>te</strong> entre meus dois mundos. Eu ia <br />
para a escola e <strong>te</strong>ntava me enturmar com os meus colegas, fazia <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> para convencê-‐los <br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> eu era um <strong>de</strong>les, só uma adolescen<strong>te</strong> qual<strong>que</strong>r. Mas, toda hora a minha realida<strong>de</strong> <br />
vinha à tona. “Por <strong>que</strong> você fala inglês com seus irmãos?”; “Por <strong>que</strong> você não po<strong>de</strong> ir lá pra <br />
casa <strong>de</strong>pois da aula?”, “Por <strong>que</strong> você não po<strong>de</strong> ir com a gen<strong>te</strong> na matinê domingo?”, “Por <br />
<strong>que</strong> você não conhece o Silvio Santos?”. Tinham inúmeras situações on<strong>de</strong> a única explicação <br />
para pergunta <strong>de</strong> um amigo era “por<strong>que</strong> eu moro em uma Bolha <strong>que</strong> não segue os mesmos <br />
costumes <strong>que</strong> o resto do mundo”. Eu lembro <strong>que</strong> quando me perguntavam o <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria <br />
ser quando crescesse, eu ficava na dúvida. Será <strong>que</strong> a Bolha ia me <strong>de</strong>ixar seguir uma <br />
profissão, ou eu tinha <strong>que</strong> fazer o <strong>que</strong> meus pais faziam para o resto da minha vida? <strong>Um</strong>a <br />
vez eu respondi pra uma amiga <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria ser missionária, e ela perguntou, “o <strong>que</strong> é isso?”. <br />
Nunca mais <strong>de</strong>i essa resposta; era muito difícil <strong>de</strong> explicar. <br />
Gostava muito <strong>de</strong> ir à escola e socializar, e conhecer melhor essas pessoas e seus <br />
costumes engraçados, suas referências e piadas estranhas, e seu universo <strong>de</strong> cultura nova e <br />
<strong>de</strong>sconhecida. Mas quando eu voltava para casa na hora do almoço, <strong>tudo</strong> voltava ao normal. <br />
Eu tinha tarefas na par<strong>te</strong> da tar<strong>de</strong>, e horário certo para fazer <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa, estudar a Bíblia <br />
e cuidar das crianças. A gen<strong>te</strong> revezava para lavar a louça, mas sempre era bastan<strong>te</strong> louça, <br />
eram muitos pratos, talheres e panelas, então fui criando um <strong>de</strong>sgosto gran<strong>de</strong> por essa <br />
11
tarefa. Até hoje gosto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar acumular um <strong>pouco</strong> a louça na pia an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> lavar, só por<strong>que</strong> <br />
agora eu posso. <br />
No Rio, havia muitos núcleos da Bolha, gran<strong>de</strong>s e pe<strong>que</strong>nos, espalhados pela cida<strong>de</strong>, <br />
então tínhamos um gran<strong>de</strong> le<strong>que</strong> <strong>de</strong> convivência. Nosso núcleo continuava pe<strong>que</strong>no, mas as <br />
pessoas <strong>que</strong> vinham morar com a nossa família se revezavam com frequência e também <br />
passamos a visitar, quase <strong>que</strong> diariamen<strong>te</strong>, os gran<strong>de</strong>s núcleos, um <strong>de</strong>les, inclusive, tinha <br />
um estúdio on<strong>de</strong> meu pai passou a trabalhar. Eu tinha os meus amigos mais próximos, a <br />
Esther, a Melo, a Sharon, o Sean, e mais uma galera <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> encontrava nos finais <strong>de</strong> <br />
semana e nos encontros e eventos da Bolha. Todos moravam em núcleos maiores e <br />
continuavam estudando em casa. Para eles, então, eu e meus irmãos éramos os liberais do <br />
círculo, a gen<strong>te</strong> conhecia O Mundo. Eu me sentia muito bem com eles e criamos um vínculo <br />
for<strong>te</strong> <strong>que</strong> dura até hoje. Sinto <strong>que</strong>, fora da minha família, são eles <strong>que</strong> mais me conhecem <br />
por<strong>que</strong> sabem da on<strong>de</strong> vim, e por<strong>que</strong> passamos pelas mesmas coisas juntos. <br />
Então passei a maior par<strong>te</strong> da minha adolescência nesse contras<strong>te</strong> entre os dois <br />
mundos, me sentindo quase uma agen<strong>te</strong> dupla, <strong>te</strong>ntando fazer par<strong>te</strong> e me encaixar em dois <br />
universos totalmen<strong>te</strong> diferen<strong>te</strong>s. Imagina o meu conflito! Se ser adolescen<strong>te</strong> já é sofrido, <br />
imagina <strong>te</strong>ntar achar o seu lugar em dois mundos! Provavelmen<strong>te</strong> por isso, eu aprontava <br />
muito nessa época. Continuei <strong>que</strong>rendo <strong>te</strong>star os limi<strong>te</strong>s dos dois con<strong>te</strong>xtos. Perdi um <strong>pouco</strong> <br />
o medo das consequências, e <strong>de</strong>safiava as autorida<strong>de</strong>s a me colocarem no meu lugar. E me <br />
colocavam. Na sexta série fui expulsa do colégio por mal comportamento. <strong>Minha</strong> mãe até <br />
po<strong>de</strong>ria <strong>te</strong>r recorrido, mas ela escolheu me man<strong>te</strong>r em casa duran<strong>te</strong> os seis meses restan<strong>te</strong>s <br />
da<strong>que</strong>le ano para eu “apren<strong>de</strong>r minha lição”. No ano seguin<strong>te</strong> repeti a sexta numa turma <br />
cheia <strong>de</strong> “pirralhos”, e no ano <strong>de</strong>pois disso cursei a sétima e a oitava série no supletivo. Não <br />
curti essa experiência por<strong>que</strong> no supletivo não tinha amigos, e eu odiava ficar sem minha <br />
vida social. Então quando vol<strong>te</strong>i para o Colégio Cida<strong>de</strong>, no Ensino Médio, passei a me <br />
comportar muito melhor. <br />
<strong>Um</strong> dia, para minha total alegria, a Melo, minha amiga inseparável (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os <strong>de</strong>z <br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, quando ela me viu aos prantos assistindo Titanic no cinema e me consolou <br />
duran<strong>te</strong> a sessão in<strong>te</strong>ira) veio morar na minha casa com os pais <strong>de</strong>la. Eu não podia acreditar <br />
na minha sor<strong>te</strong>. Nenhuma colega minha da escola tinha a chance <strong>de</strong> morar com a melhor <br />
amiga, e lá estava eu, convivendo diariamen<strong>te</strong> com a minha. A Melo (curto pra Melody, <strong>que</strong> <br />
é melodia em inglês – sim, nome diferen<strong>te</strong> era normal na Bolha) veio dormir no quarto meu <br />
e da Terra, e nos divertimos muito duran<strong>te</strong> o <strong>te</strong>mpo em <strong>que</strong> ela es<strong>te</strong>ve lá. É claro <strong>que</strong> ficou <br />
ainda mais difícil <strong>de</strong> explicar para os meus amigos do condomínio por<strong>que</strong> eu tinha uma <br />
amiga morando na minha casa, mas eu não me importava. Po<strong>de</strong>r dividir o fardo da vida com <br />
ela já fazia <strong>tudo</strong> valer a pena. <br />
O pai da Melo é uma pessoa muito iluminada e especial. Ele era pastor <strong>de</strong> jovens na <br />
Bolha, e passou a cuidar da gen<strong>te</strong> diretamen<strong>te</strong> quando foi morar lá em casa. As regras <br />
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ficaram mais rígidas, e os es<strong>tudo</strong>s da Bíblia mais in<strong>te</strong>nsos, mas ele ensinou tanto para a <br />
gen<strong>te</strong> <strong>que</strong> eu sei <strong>que</strong> <strong>de</strong>vo muito a ele pelo <strong>que</strong> sou hoje. O nome <strong>de</strong>le é John, mas eu só <br />
<strong>de</strong>scobri isso recen<strong>te</strong>men<strong>te</strong>. A vida toda chamamos ele <strong>de</strong> Uncle Phil, <strong>que</strong> era seu nome na <br />
Bolha. Ele é americano e ex-‐atleta, então nos ensinou a jogar bas<strong>que</strong><strong>te</strong>, baseball, softball, e <br />
vários outros espor<strong>te</strong>s americanos <strong>que</strong> ele tinha jogado na juventu<strong>de</strong>. Ele era muito legal. <br />
Conversava muito comigo. Ele plantou uma semen<strong>te</strong> no meu coração em relação ao amor <br />
por Deus e o porquê <strong>de</strong> a gen<strong>te</strong> estar vivendo da<strong>que</strong>la forma, e pela primeira vez, eu <br />
en<strong>te</strong>ndi <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> por<strong>que</strong> meus pais tinham escolhido aquilo <strong>tudo</strong>. Tudo <strong>que</strong> vivi até aqui, <br />
e o fato <strong>de</strong> eu não me arrepen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> nada, é graças a essa semen<strong>te</strong>. <br />
<strong>Um</strong> <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong>pois, a família da Esther foi morar em Vargem Gran<strong>de</strong> também, bem <br />
perto da minha casa, e eu vibrei mais ainda por <strong>te</strong>r minhas duas melhores amigas perto <strong>de</strong> <br />
mim. Mas, um dia, o pai da Esther <strong>de</strong>cidiu <strong>que</strong> eu não era uma boa influência para ela <br />
(realmen<strong>te</strong>, eu aprontava muito!), e passou a proibir nossa amiza<strong>de</strong>. Passei três anos sem <br />
falar com ela e arrasada por<strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> estava per<strong>de</strong>ndo as melhores histórias para contar <br />
uma pra outra. Sentia muito a falta <strong>de</strong>la, mas ela era minha irmã, e não se per<strong>de</strong>m irmãs. Eu <br />
sabia <strong>que</strong> era só uma <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> <strong>te</strong>mpo. Quando ela fez 18 anos voltamos a nos falar e <br />
<strong>nunca</strong> mais saí da sua vida. Fui madrinha do casamento <strong>de</strong>la, e hoje sou a madrinha da sua <br />
linda filhinha, Alice. Quando chegar minha vez <strong>de</strong> fazer essas coisas <strong>de</strong> casar e <strong>te</strong>r filho, <br />
po<strong>de</strong> <strong>te</strong>r cer<strong>te</strong>za <strong>que</strong> a Esther também vai estar do meu lado. <br />
<strong>Um</strong>a outra pessoa muito marcan<strong>te</strong> <strong>de</strong>ssa época foi o S<strong>te</strong>phen, meu amigo <br />
cana<strong>de</strong>nse. Ele <strong>nunca</strong> chegou a morar com a gen<strong>te</strong>, mas <strong>que</strong> era muito próximo da minha <br />
família e vivia lá em casa. Passava os fins <strong>de</strong> semana conosco e participava <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> da nossa <br />
vida. No meu aniversário <strong>de</strong> 15 anos, ele gravou uma versão personalizada <strong>de</strong> As Long As <br />
You Love Me, dos Backstreet Boys, em <strong>que</strong> ele mudou a letra para “as long as you’re Lua” <br />
(contanto <strong>que</strong> você seja a Lua) e fez todo um rap para acompanhar o refrão. Era para tocar <br />
na minha festa <strong>de</strong> 15 anos, <strong>que</strong> fiz num haras <strong>de</strong> uma amiga. Mas, rolou uma falta <strong>de</strong> <br />
comunicação e eu só fui <strong>de</strong>scobrir o CD na manhã seguin<strong>te</strong>, quando fui abrir os presen<strong>te</strong>s. <br />
Agra<strong>de</strong>ci muito a ele na época, mas <strong>nunca</strong> <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> zoar ele pelo rap. Hoje ele <strong>te</strong>m uma <br />
banda linda nos Estados Unidos, com mais dois amigos da<strong>que</strong>la época, chamada Saints of <br />
Valory, on<strong>de</strong> ele é o <strong>te</strong>cladista. Torço muito pelo sucesso contínuo <strong>de</strong>les. <br />
A <strong>que</strong>stão dos meninos <br />
A existência dos meninos continuava sendo uma gran<strong>de</strong> <strong>que</strong>stão na minha vida. Eu <br />
gostava <strong>de</strong>les, e <strong>que</strong>ria a sua a<strong>te</strong>nção, mas não sabia a forma certa <strong>de</strong> me relacionar. Eu me <br />
sentia como se existisse algum código relacional universal para se seguir, mas <strong>que</strong> ninguém <br />
tinha me ensinado. Eu <strong>que</strong>ria viver um gran<strong>de</strong> amor como eu via nos filmes, mas não sabia <br />
por on<strong>de</strong> começar. Os meninos da minha sala e os da Bolha eram muito diferen<strong>te</strong>s dos caras <br />
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dos filmes. Esses conflitos imagino <strong>que</strong> sejam comuns para maioria dos adolescen<strong>te</strong>s <strong>que</strong> <br />
começam a <strong>de</strong>scobrir sua sexualida<strong>de</strong>. Mas, no meu caso, acho <strong>que</strong> era mais complicado <br />
ainda. <br />
Conforme eu fui crescendo, fui apren<strong>de</strong>ndo uma das principais regras da Bolha: a <br />
segregação. A regra era para todos os membros: só po<strong>de</strong> se relacionar com gen<strong>te</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <br />
da Bolha. Os “sis<strong>te</strong>máticos”, como chamavam as pessoas <strong>de</strong> fora, eram proibidos. Diziam <br />
<strong>que</strong> essa regra era para garantir <strong>que</strong> o vírus do HIV não entrasse no grupo, e para man<strong>te</strong>r as <br />
famílias e as relações in<strong>te</strong>rnas, etc. Nunca me preocupei muito com as razões. A minha <br />
dúvida era: essa regra vale também para mim? Aos doze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>? Será <strong>que</strong> eles vão <br />
vir para minha escola conferir se eu estava beijando os meninos do Sis<strong>te</strong>ma? <br />
Depois do meu primeiro beijo – <strong>que</strong> foi no parquinho da escola com um menino da <br />
minha sala chamado Antônio – vi <strong>que</strong> os adultos pareciam não se importar com <strong>que</strong>m eu <br />
estava beijando. Então fi<strong>que</strong>i mais tranquila. Mas todo o formato relacional da galera da <br />
escola era novida<strong>de</strong> para mim. Eu lembro quando surgiu na minha vida o <strong>te</strong>rmo “ficar”. Eu <br />
não fazia i<strong>de</strong>ia do <strong>que</strong> era aquilo. Não sabia <strong>que</strong> era o nome dado para um acon<strong>te</strong>cimento <br />
isolado e único, e <strong>que</strong> para ele se repetir, você <strong>te</strong>ria <strong>que</strong> “ficar” <strong>de</strong> novo. Pra mim a palavra <br />
ficar dava um sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> para a relação. Ela por <strong>de</strong>finição era algo <strong>que</strong> se <br />
mantinha. <br />
Nessa época eu estava encantada com um amigo do meu irmão, o Rodrigo, <strong>que</strong> eu <br />
sonhava em namorar. Mas não sabia <strong>que</strong> esse era o nome <strong>que</strong> se dava. Eu <strong>que</strong>ria estar do <br />
lado <strong>de</strong>le na hora do recreio e na hora da saída do colégio, <strong>que</strong>ria sempre ser vista com ele, <br />
e po<strong>de</strong>r estar pertinho <strong>de</strong>le toda hora. Eu <strong>que</strong>ria <strong>que</strong> ele ficasse do meu lado. Logo, na <br />
minha cabeça, isso significava <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria ficar com ele. Acho <strong>que</strong> alguém acabou <br />
comentando do meu in<strong>te</strong>resse, por<strong>que</strong> um dia ele me ligou. <br />
— É verda<strong>de</strong> <strong>que</strong> você <strong>que</strong>r ficar comigo? — eu <strong>que</strong>ria explodir <strong>de</strong> alegria! <br />
— Ah... É... <br />
— Então, mas on<strong>de</strong> a gen<strong>te</strong> ficaria? — <strong>Minha</strong> men<strong>te</strong> começou a embolar. O <strong>que</strong> ele <br />
<strong>que</strong>ria saber? Quais seriam os locais <strong>de</strong>finidos em <strong>que</strong> andaríamos <strong>de</strong> mãos dadas? <br />
— Ah... Em todos os lugares. — Óbvio. Como são os namoros normais, pensei. <br />
Acho <strong>que</strong> o assus<strong>te</strong>i com esse papo, ou então ele não en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>u nada mesmo, <br />
por<strong>que</strong> <strong>de</strong>sconversou e logo <strong>de</strong>sligou. Nunca fi<strong>que</strong>i com o Rodrigo. Quando eu aprendi a <br />
<strong>te</strong>rminologia correta, <strong>de</strong>i muita risada pela minha idiotice, mas a essa altura, Inês já era <br />
morta. <br />
<strong>Um</strong> <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong>pois, comecei a me envolver com um menino <strong>que</strong> estudava em outro <br />
colégio, amigo <strong>de</strong> uma amiga, chamado Bernardo. O Bernardo era uma graça! Moreno, <br />
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surfista, tinha uma skoo<strong>te</strong>r (na qual eu era proibida <strong>de</strong> andar), e um papo muito bom. Ele, <br />
sim, <strong>que</strong>ria ficar. Passávamos horas ao <strong>te</strong>lefone duran<strong>te</strong> toda a tar<strong>de</strong>, e ia, <strong>de</strong> vez em <br />
quando, para minha casa, <strong>de</strong> skoo<strong>te</strong>r, para visitar. Aos <strong>pouco</strong>s comecei a me sentir mal por <br />
estar me envolvendo com um menino fora da Bolha, e toda a<strong>que</strong>la culpa <strong>de</strong> estar <br />
<strong>que</strong>brando a regra da segregação me veio à tona. Não estava certo. Eu tinha <strong>que</strong> ser fiel às <br />
minhas origens e ao meu estilo <strong>de</strong> vida, por mais <strong>que</strong> eu não en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>sse muita coisa. <strong>Um</strong> <br />
dia chamei o Bernardo ao shopping para dizer <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> não podia continuar se vendo. <br />
Ele resistiu muito e ficou cobrando uma explicação. Afinal, a gen<strong>te</strong> estava se dando tão bem. <br />
Eu não fazia i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como explicar <strong>tudo</strong> pra ele, mas mesmo assim eu <strong>te</strong>n<strong>te</strong>i. Me enrolei <br />
tanto no meu discurso <strong>que</strong> no final ele perguntou, <br />
— Então você <strong>te</strong>m <strong>que</strong> <strong>te</strong>rminar comigo para eu não <strong>te</strong> passar Aids?? — Eu ri alto na <br />
cara <strong>de</strong>le quando percebi o quão maluca eu estava sendo, mas não ia voltar atrás só por<strong>que</strong> <br />
ele não en<strong>te</strong>ndia meu mundo. Terminamos e <strong>nunca</strong> mais nos falamos. Eu até o vi na praia <br />
algumas vezes, anos <strong>de</strong>pois, mas fi<strong>que</strong>i com vergonha <strong>de</strong> cumprimentar. Ele <strong>nunca</strong> mais me <br />
levaria a sério. <br />
Outro menino <strong>que</strong> marcou muito essa época foi o João Rodolfo. Eu fui apaixonada <br />
pelo João por uma boa par<strong>te</strong> da minha 5ª série. Ele era músico e tinha uma banda com o <br />
irmão, e um cabelo comprido, loiro escuro, até o ombro. Meu próprio Taylor Hanson <br />
personificado. Acho <strong>que</strong> até hoje sou atraída a músicos <strong>de</strong> cabelo comprido por causa do <br />
João. Ele também gostava <strong>de</strong> mim, eu acho, por<strong>que</strong> <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> nos beijamos pela primeira <br />
vez, ele continuou me procurando e <strong>que</strong>rendo estar perto <strong>de</strong> mim. <strong>Um</strong> dia ele foi numa <br />
radiozinha local com a banda <strong>de</strong>le e <strong>de</strong>dicou a mim a música Sozinho, do Caetano. Eu achei <br />
a coisa mais romântica do mundo, mas isso por<strong>que</strong> eu não en<strong>te</strong>ndia a letra ainda. Eu <br />
cantarolava “fala <strong>que</strong> me ama, só <strong>que</strong> é da boca pra fora” pensando nele, e achando linda a <br />
forma com <strong>que</strong> ele se <strong>de</strong>clarou pra mim. <br />
Muito infelizmen<strong>te</strong>, a culpa da minha dupla i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ba<strong>te</strong>u em relação ao João <br />
também, e lá fui eu planejar o meu término com ele. Eu até escrevi <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu ia dizer <br />
num papelzinho na noi<strong>te</strong> an<strong>te</strong>rior e <strong>de</strong>corei o discurso. Não <strong>que</strong>ria soar maluca <strong>de</strong> novo. <br />
Mas não tinha jeito. O João não en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>u nada e ficou muito tris<strong>te</strong> comigo. O pior foi <strong>que</strong> <br />
eu não sabia lidar com “ex”. Não sabia qual era o protocolo <strong>de</strong> comportamento nesses <br />
casos, então sempre <strong>que</strong> ele vinha falar comigo <strong>de</strong>pois do “término”, eu virava a cara e <br />
ignorava ele, por<strong>que</strong> achava <strong>que</strong> era assim <strong>que</strong> se fazia. E ele não tinha feito nada <strong>de</strong> <br />
errado! <strong>Minha</strong> iniciação em relacionamentos foi um <strong>de</strong>sastre. (Estou rindo muito em voz <br />
alta ao escrever es<strong>te</strong> capítulo. Estou achando <strong>que</strong> preciso procurar esses meninos hoje, <strong>que</strong> <br />
já são homens, e pedir <strong>de</strong>sculpas por <strong>te</strong>r sido tão maluca.) <br />
Fui vivendo minha vida nesse conflito todo e nessa dúvida do <strong>que</strong> eu podia fazer ou <br />
não fazer, dividindo minha vida social entre a escola e os eventos jovens paralelos, entre o <br />
Mundo e a Bolha, por alguns anos. Tenho muito mais histórias engraçadas e <br />
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constrangedoras <strong>de</strong>ssa época, mas vou guardar para outra hora, preciso continuar meu <br />
relato. Com os anos, conforme eu crescia, fui me afastando um <strong>pouco</strong> da minha cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <br />
<strong>que</strong> as regras da Bolha estavam certas, ou <strong>de</strong> <strong>que</strong> elas serviam pra mim. Eu era jovem, <br />
saudável, cheia <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>s, meu cabelo já tinha crescido, os meninos estavam <br />
reparando mais em mim, e eu <strong>que</strong>ria viver um <strong>pouco</strong>. <br />
Nessa época, eu e meus irmãos começamos a fre<strong>que</strong>ntar uma aca<strong>de</strong>mia <strong>que</strong> tinha <br />
um ótimo programa <strong>de</strong> natação. A Terra e eu, <strong>que</strong> éramos a dupla imbatível da época, logo <br />
nos enturmamos. A aca<strong>de</strong>mia, assim como o colégio, virou uma fon<strong>te</strong> primordial <strong>de</strong> vida <br />
social. <strong>Um</strong> núcleo novo da Bolha se abriu ao lado <strong>de</strong>ssa aca<strong>de</strong>mia, e veio uma família da <br />
Colômbia morar nela. Conhecemos o Javi e a Nina, dois irmãos <strong>de</strong>ssa família <strong>que</strong> eram da <br />
nossa ida<strong>de</strong>, e logo viramos amigos inseparáveis. Por eles estarem no mesmo conflito <strong>que</strong> a <br />
gen<strong>te</strong>, vivendo na Bolha e convivendo no mundo, nos i<strong>de</strong>ntificamos em praticamen<strong>te</strong> <strong>tudo</strong> e <br />
<strong>de</strong>cidimos ser “melhores amigos pra sempre”. Foi uma época muito feliz, <strong>de</strong> in<strong>te</strong>nsa <br />
convivência e <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> piadas in<strong>te</strong>rnas. Amo o Javi e a Nina até hoje e morro <strong>de</strong> <br />
sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les! Queria muito <strong>que</strong> voltassem para o Brasil. <br />
Foi nesse mesmo núcleo da família do Javi, on<strong>de</strong> também conheci o James, um <br />
americano nascido no Chile <strong>que</strong> vivera na Bolha a vida toda também, e a <strong>que</strong>m me apeguei <br />
automaticamen<strong>te</strong>. O James é a pessoa mais in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong> <strong>que</strong> conheço e um dos meus amigos <br />
mais <strong>que</strong>ridos até hoje. Sempre zoei ele por ser nerd, mas a verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> ele veio com <br />
uma dose <strong>de</strong> neurônios a mais mesmo, e sempre foi um <strong>pouco</strong> inconformado com o fato da <br />
vida toda ser um <strong>pouco</strong> mais <strong>de</strong>vagar do <strong>que</strong> o seu raciocínio. É um excelen<strong>te</strong> fotógrafo e <br />
um programador digital <strong>de</strong> não sei o quê (<strong>nunca</strong> sei o <strong>que</strong> esses nerds fazem vidrados tanto <br />
<strong>te</strong>mpo no computador). Mais incrível do <strong>que</strong> ele, só a mulher com <strong>que</strong>m ele escolheu se <br />
casar, a Goreti, com <strong>que</strong>m <strong>te</strong>ve a linda Alice. A Gory é uma pessoa muito especial <strong>que</strong> amo <br />
<strong>de</strong> paixão. <br />
Foi nessa aca<strong>de</strong>mia, ao lado da casa do Javi e do James, <strong>que</strong> tive minha primeira <br />
<strong>de</strong>cepção amorosa. Eu estava ficando com o Tiago, <strong>que</strong> era da nossa galera lá da aca<strong>de</strong>mia, <br />
amigo do irmão mais velho do Javi e da Nina, e <strong>de</strong>ssa vez eu senti <strong>que</strong> era diferen<strong>te</strong>. <br />
Ficamos pela primeira vez na Festa Junina da Bolha, on<strong>de</strong> ele tinha ido para me ver e eu <br />
logo me encan<strong>te</strong>i. Ele tinha (<strong>te</strong>m ainda!) olhos ver<strong>de</strong>s, a pele bem clarinha, ombros largos, <br />
altura perfeita. A gen<strong>te</strong> já estava bem apegado, se vendo todos os dias, e indo ao cinema <br />
junto <strong>de</strong> vez em quando. Ele falava inglês (o <strong>que</strong> sempre foi um motivo meu <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <br />
imediata com uma pessoa), era muito in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong>, bom <strong>de</strong> conversar, e parecia en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r a <br />
situação toda da Bolha. Como eu própria já estava me resolvendo com essa <strong>que</strong>stão, sentia <br />
<strong>que</strong> estava pronta para algo mais sério. Eu tinha cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> ir namorar. Meu <br />
primeiro namoro! Eu estava muito feliz. <br />
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<strong>Um</strong> dia, na aca<strong>de</strong>mia, o Tiago pediu para conversar comigo e logo pensei, “é hoje <br />
<strong>que</strong> ele pe<strong>de</strong>!” Fomos sozinhos para um canto, mas ele estava com a cara bem séria. Então <br />
falei brincando, pra aliviar o clima: <br />
— Que foi? Vai <strong>te</strong>rminar comigo? — e ri, me achando muito brincalhona. Ele <br />
continuou com a mesma expressão facial e disse, <br />
— Mais ou menos, — meu sorriso caiu na hora. Por <strong>que</strong> eu não tinha percebido? Por <br />
<strong>que</strong> essa resposta era a última <strong>que</strong> eu esperava? Eu pensei <strong>que</strong> ele estava apaixonado! <br />
(Emoji da cara sofrida.) Ele continuou: — Na verda<strong>de</strong>, eu ia sugerir <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> parasse <strong>de</strong> <br />
ficar com tanta frequência. É <strong>que</strong> eu acabei <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> um namoro sério e não estou pronto <br />
para outra relação agora. Eu gosto <strong>de</strong> você, e acho <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> ainda po<strong>de</strong> ficar <strong>de</strong> vez em <br />
quando. <br />
Fi<strong>que</strong>i sem palavras. Não <strong>que</strong>ria fazer um escândalo no meio da aca<strong>de</strong>mia. Mas a <br />
minha vonta<strong>de</strong> era <strong>de</strong> gritar “<strong>de</strong> vez em quando??? Você está me oferecendo um <br />
downgra<strong>de</strong>??? Você está verbalmen<strong>te</strong> pedindo pra eu ficar à sua disposição pra quando <br />
VOCÊ quiser?” E pra piorar, eu não en<strong>te</strong>ndia essa história <strong>de</strong> “saindo <strong>de</strong> um <br />
relacionamento”. Eu <strong>nunca</strong> tinha namorado. Eu não sabia como era <strong>te</strong>rminar. Eu <strong>nunca</strong> <br />
tinha passado pela dor excrucian<strong>te</strong> <strong>de</strong> <strong>te</strong>r <strong>que</strong> arrancar uma vida da sua e ainda continuar <br />
vivendo. Por <strong>que</strong> ele não podia emendar? Mas essa <strong>de</strong>le propor da gen<strong>te</strong> esfriar um <strong>pouco</strong> <br />
nossa relação, achei <strong>de</strong>mais. Era como um chefe propor dimiuir o salário <strong>de</strong> um empregado <br />
<strong>que</strong> esperava um aumento. Não se faz! Foi nessa hora <strong>que</strong> tomei uma <strong>de</strong>cisão: a partir <br />
da<strong>que</strong>le momento, eu ia me valorizar, e por mais apaixonada <strong>que</strong> eu estivesse, só me <br />
permitiria ficar vulnerável pra alguém <strong>que</strong> merecesse o meu coração. Disse pro Tiago <strong>que</strong> <br />
achava melhor a gen<strong>te</strong> parar por ali, <strong>que</strong> seria melhor assim. Ele resistiu sem muita <br />
convicção e logo saiu da minha vida. <br />
Eu não guar<strong>de</strong>i mágoa do Tiago, tadinho. Ele foi até bem correto comigo. Foi honesto <br />
e não me <strong>de</strong>ixou às escuras, sozinha me perguntando por<strong>que</strong> ele tinha perdido in<strong>te</strong>resse <br />
(<strong>que</strong> é a mania hoje em dia entre os caras mais imaturos — preferem sumir do <strong>que</strong> encarar <br />
conversas difíceis). Admiro ele por isso. Sempre prefiro ouvir a verda<strong>de</strong>, por pior <strong>que</strong> seja. <br />
Mas eu gostava <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>le, e não estava disposta a ficar sentada com o coração na mão <br />
esperando ele <strong>de</strong>cidir o dia mais confortável para sair comigo <strong>de</strong> novo. O <strong>que</strong> mais doeu foi <br />
não <strong>te</strong>r sido correspondida no envolvimento <strong>que</strong> eu achava <strong>que</strong> era mútuo. Nunca é fácil <br />
quando você é o lado mais entregue da relação e suas expectativas são frustradas. Mas é <br />
algo <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> vai apren<strong>de</strong>ndo a lidar. Não se po<strong>de</strong> ganhar todas. <br />
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Cultura POP <br />
Enquanto eu passava por todas essas <strong>de</strong>scobertas na minha vida amorosa, eu <br />
também <strong>de</strong>scobri um mundo <strong>de</strong> cultura fascinan<strong>te</strong> fora da pe<strong>que</strong>na redoma em <strong>que</strong> eu fui <br />
criada. Ganhamos um piano, e meus pais passaram a dividir com a gen<strong>te</strong> o repertório da <br />
juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>les, as músicas <strong>que</strong> eles tocavam juntos an<strong>te</strong>s da gen<strong>te</strong> começar a nascer, e <br />
<strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eles mais amavam. Foi assim, vendo meu pais cantando juntos, <strong>que</strong> conheci The <br />
Beatles, Elton John, The Carpen<strong>te</strong>rs, Beach Boys, James Taylor e mais um le<strong>que</strong> <strong>de</strong> artistas <br />
das décadas <strong>de</strong> 60 e 70 <strong>que</strong> eu viria a amar. <br />
Aos <strong>pouco</strong>s, foram nos introduzindo na brinca<strong>de</strong>ira também. Eles compravam livros <br />
<strong>de</strong> partituras <strong>de</strong> musicais, como o Godspell, e ensaiavam as músicas com a gen<strong>te</strong>, a família <br />
toda cantando junta. Uns abriam vozes, outros mantinham a melodia, mas todos foram <br />
apren<strong>de</strong>ndo a timbrar. Essa brinca<strong>de</strong>ira acabou resultando num show <strong>que</strong> apresentamos <br />
juntos, duran<strong>te</strong> anos, num formato <strong>que</strong> chamamos <strong>de</strong> A Família Blanco. O repertório era <br />
cheio <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>s, ia <strong>de</strong> músicas flashback anos 70, à bossa nova. <br />
A bossa nova também foi um som <strong>que</strong> meu pai introduziu pra gen<strong>te</strong>, por causa das <br />
composições do vovô, Billy Blanco. Apren<strong>de</strong>mos não só as músicas <strong>de</strong>le como as do Tom <br />
Jobim, do Vinícius <strong>de</strong> Moraes e do João Gilberto. Quando a gen<strong>te</strong> viajava em família era só <br />
bossa nova <strong>que</strong> tocava; quando íamos à praia aos fins <strong>de</strong> semana, era a trilha garantida do <br />
carro. Tenho um carinho gran<strong>de</strong> por esse som e um elo afetivo muito for<strong>te</strong>. Me arrependo <br />
<strong>de</strong> não <strong>te</strong>r convivido mais com as músicas <strong>de</strong> outros compositores <strong>que</strong> hoje admiro muito, <br />
como o Chico Buar<strong>que</strong> e o Milton Nascimento. Tive a chance <strong>de</strong> conhecer melhor a obra da <br />
Rita Lee nos últimos anos e fi<strong>que</strong>i encantada. Temos muita ri<strong>que</strong>za musical na nossa cultura, <br />
<strong>que</strong> perdi na adolescência. Mas isso <strong>te</strong>nho <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong> recuperar. Pelo menos a bossa nova <br />
representa uma boa base <strong>de</strong> educação musical brasileira. <br />
On<strong>de</strong> eu mergulhei mesmo foi na Cultura POP in<strong>te</strong>rnacional. O Pedro Sol era muito <br />
ligado em música também, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> novo. Por ser irmã mais nova, eu ficava muito fascinada <br />
por <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> ele fazia e <strong>que</strong>ria gostar das mesmas coisas <strong>que</strong> ele. Foi assim, invadindo o <br />
quarto <strong>de</strong>le pra roubar CDs, <strong>que</strong> conheci bandas como Oasis, Red Hot Chili Peppers, Blink <br />
182, Bon Jovi, Silverchair; cantores como o Ben Harper e o Jack Johnson; e a banda No <br />
Doubt, <strong>que</strong> foi a banda <strong>que</strong> realmen<strong>te</strong> me fez <strong>que</strong>rer ser ro<strong>que</strong>ira pela primeira vez. <br />
Descobri meu lado POP sozinha, ouvindo <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> meus amigos da escola gostavam <br />
e <strong>de</strong>cidindo do <strong>que</strong> eu mais gostava. Tive minha fase <strong>de</strong> boy bands, em <strong>que</strong> eu ficava horas <br />
no quarto ouvindo as músicas dos Backstreet Boys, Westlife e todos os outros. A Britney <br />
Spears foi a primeira cantora <strong>que</strong> me fez <strong>que</strong>rer cantar POP pela primeira vez, e <strong>de</strong>corei os <br />
primeiros três discos <strong>de</strong>la in<strong>te</strong>iros <strong>de</strong> tanto <strong>que</strong> eu ouvi. As bandas Hanson, The Corrs e The <br />
Calling foram bandas <strong>que</strong> eu amei num grau inexplicável por muito <strong>te</strong>mpo. Mas, quando <br />
Avril Lavigne entrou na minha vida, não sobrou lugar pra mais ninguém! Ela foi apenas a <br />
18
artista mais marcan<strong>te</strong> <strong>de</strong> toda a minha adolescência! O discurso, o comportamento, o som, <br />
as letras, as roupas, a maquiagem, <strong>tudo</strong> me sugou pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma fase <strong>que</strong> foi só <strong>de</strong>la. O <br />
único artista <strong>que</strong> conseguiu me fazer parar <strong>de</strong> ouvir os discos da Avril, foi a Pink. Aí foi amor <br />
à primeira vista (ou primeira ouvida). Larguei <strong>tudo</strong>, e passei a amar só a Pink até hoje. <br />
No início da adolescência, quando minha curiosida<strong>de</strong> me levava a empurrar as <br />
barreiras da proibição na minha vida, eu finalmen<strong>te</strong> <strong>de</strong>scobri a <strong>te</strong>levisão. Meu pai tinha <br />
assinado a Sky e estava, aos <strong>pouco</strong>s, começando a liberar a TV lá em casa, mas não <strong>de</strong>ixava <br />
a gen<strong>te</strong> ver <strong>tudo</strong>. Eu comecei a ver escondida para conhecer melhor o <strong>que</strong> se passava nesse <br />
mundo mágico em <strong>que</strong> não precisava colocar uma fita VHS na máquina pra se <strong>te</strong>r uma <br />
imagem. Eu achava aquilo <strong>tudo</strong> fascinan<strong>te</strong>. <br />
<strong>Um</strong> dia vi a chamada da estreia <strong>de</strong> uma série nova (série também era um conceito <br />
novo pra mim) chamada Gilmore Girls. Eu assisti o episódio <strong>de</strong> estreia escondida (tive sor<strong>te</strong> <br />
<strong>que</strong> foi um dia <strong>que</strong> a sala estava vazia <strong>de</strong> noi<strong>te</strong>) e <strong>de</strong>cidi <strong>que</strong> aquilo era algo <strong>que</strong> eu estava <br />
disposta a não viver sem. Mostrei um episódio para meus pais e implorei pela sua <br />
permissão. Eles aprovaram. Passamos a assistir Gilmore em família todas as quintas <strong>de</strong> <br />
noi<strong>te</strong>. De Gilmore passei a conhecer várias outras, e fui <strong>de</strong>senvolvendo a paixão por séries, <br />
<strong>que</strong> acabaram virando uma par<strong>te</strong> muito importan<strong>te</strong> da minha vida. <br />
Ao longo dos anos fui baixando e estocando no meu computador ou iPod episódios <br />
das séries com as quais eu mais me i<strong>de</strong>ntificava. Agora com a chegada da bendita Netflix, <br />
minha vida ficou um <strong>pouco</strong> mais feliz. Seleciono a <strong>de</strong>do e faço maratona das minhas <br />
preferidas até hoje. As séries impactaram minha forma direta <strong>de</strong> ver a ar<strong>te</strong>, a cultura e a <br />
vida. Mexeram com meu comportamento, minha forma <strong>de</strong> raciocinar, <strong>de</strong> criar e com muito <br />
da minha personalida<strong>de</strong> superficial. Assisti a muitas séries na vida, mas as <strong>que</strong> mais <br />
mexeram comigo, tipo <strong>de</strong> me mudar mesmo, foram: Touched by an Angel (minha mãe <br />
viciou a família toda, ela amava por<strong>que</strong> falavam <strong>de</strong> Deus), Gilmore Girls, Grey's Anatomy, <br />
Lost, Glee, Scandal, The Good Wife e Game of Thrones. <br />
<strong>Um</strong> dia <strong>de</strong>scobri Friends. Eu liguei no Canal da Sony e algo me chamou a a<strong>te</strong>nção: <br />
meu primeiro episódio <strong>de</strong> Friends. Nunca mais parei <strong>de</strong> ver. Passei minha adolescência <br />
in<strong>te</strong>ira vendo com meus irmãos, reunidos na sala; era o programa preferido da família. <br />
Acompanhávamos as maratonas <strong>de</strong> reprise <strong>que</strong> a Sony exibia nos fins <strong>de</strong> semana, e <strong>de</strong>pois <br />
assistimos as últimas <strong>te</strong>mporadas em <strong>te</strong>mpo real, exibidas pela Warner Channel. Como <br />
resultado, eu assisti <strong>tudo</strong> (várias vezes) e absorvi para mim a forma <strong>de</strong>les falarem, os <br />
<strong>te</strong>mpos <strong>de</strong> comédia e as expressões mais engraçadas. Meus irmãos acham <strong>que</strong> muito da <br />
minha personalida<strong>de</strong> e forma <strong>de</strong> falar é influência direta do meu vício por Friends. Eu acho <br />
<strong>que</strong> é uma mistura <strong>de</strong> <strong>que</strong>m eu sempre fui, com algo <strong>que</strong> eu gos<strong>te</strong>i muito <strong>de</strong> conhecer <br />
(Aham). Até agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos, ainda não achei nada melhor, nenhuma Sitcom nova e <br />
mais engraçada, nenhuma comédia é tão universalmen<strong>te</strong> boa ou impactan<strong>te</strong> como Friends. <br />
19
Cinema sempre fez par<strong>te</strong> da minha vida, mesmo em época <strong>de</strong> censura. Amava <br />
assistir filmes <strong>de</strong> todos os gêneros e con<strong>te</strong>údos. Sei <strong>que</strong> em algum lugar <strong>de</strong> mim eu já tinha <br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser atriz, por<strong>que</strong> eu sonhava em um dia fazer a<strong>que</strong>las cenas e <strong>te</strong>r a<strong>que</strong>las falas. <br />
Me lembro <strong>que</strong> quando eu assisti <strong>Um</strong>a Lição <strong>de</strong> Amor (I Am Sam), eu fi<strong>que</strong>i tão emocionada <br />
com a cena em <strong>que</strong> a Michelle Pfeiffer faz um discurso entre lágrimas para o Sean Penn, <strong>que</strong> <br />
eu ano<strong>te</strong>i o <strong>te</strong>xto <strong>de</strong>la, fala por fala, e ensaiei no espelho pra ver se eu conseguia fazer igual. <br />
Ficou uma cópia tris<strong>te</strong> e patética, mas continuei <strong>te</strong>ntando. Eu fazia essa brinca<strong>de</strong>ira com <br />
vários filmes. <strong>Um</strong> <strong>que</strong> eu adorava rever inúmeras vezes é o 10 Coisas Que O<strong>de</strong>io Em Você, e <br />
a cena final em <strong>que</strong> a Kat lê o poema também foi uma <strong>que</strong> <strong>te</strong>n<strong>te</strong>i recriar. O Casamento do <br />
Meu Melhor Amigo, <strong>Um</strong> Amor Pra Recordar, e Gilbert Grape são outros exemplos <strong>de</strong> filmes <br />
<strong>que</strong> eu <strong>te</strong>n<strong>te</strong>i encenar pro espelho. <br />
Essa brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>de</strong>corar falas <strong>de</strong> filmes era, na verda<strong>de</strong>, uma evolução <strong>de</strong> uma <br />
outra brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> es<strong>que</strong><strong>te</strong>s <strong>que</strong> eu fazia com as minhas irmãs. Tínhamos um baú <strong>de</strong> <br />
fantasias e vestidos longos, e era com essas roupas <strong>que</strong> nos arrumávamos e improvisávamos <br />
várias cenas com conflitos <strong>de</strong> todos os tipos: tinha vilão, tinha amor proibido, tinha princesa <br />
morrendo, tinha até cavalo quando a gen<strong>te</strong> se empolgava na criativida<strong>de</strong>. Conforme fomos <br />
crescendo, paramos <strong>de</strong> brincar, mas a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> encenar histórias <strong>nunca</strong> nos <strong>de</strong>ixou. <br />
Alguns outros filmes <strong>que</strong> marcaram muito minha adolescência (não são todos, pois a <br />
lista seria longa <strong>de</strong>mais): Titanic (claro), Grease, Forest Gump, Quase Famosos, Johnny e <br />
June, Selena, Show Bar, Moulin Rouge, O Diário <strong>de</strong> <strong>Um</strong>a Paixão, Noiva em Fuga, Mamma <br />
Mia, Across The Universe, Central do Brasil, Chá Com Mussolini, Adoráveis Mulheres, Romeu <br />
e Julieta (versão com o Leonardo <strong>de</strong> Caprio e Claire Danes), Garotas Malvadas, Nunca Fui <br />
Beijada, Ela é o Cara, O Show <strong>de</strong> Truman, Matrix, Chaplin, Patch Adams, De Volta Pro Futuro <br />
(toda a trilogia), Guerra Nas Estrelas (Todos os 6), ET, Encontro Marcado, entre outros... <br />
Cantando em família <br />
Os nossos shows como A Família Blanco continuaram por muitos anos ao longo da <br />
minha adolescência. Fomos até convidados pelo Programa do Jô pra falar sobre a dinâmica <br />
da família e, claro, para cantar. Mas a nossa agenda <strong>de</strong> apresentações in<strong>te</strong>nsificava mais, <br />
como sempre, na época do Natal. Visitávamos orfanatos, asilos, missas, festas <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> <br />
ano, levando um repertório <strong>de</strong> músicas natalinas para alegrar a vida das pessoas. O trabalho <br />
social e comunitário era a coisa <strong>que</strong> eu mais gostava sobre a Bolha. Viviam para isso, pra <br />
ajudar as pessoas e levar amor à vida <strong>de</strong>las. Sempre achei aquilo a profissão mais nobre <strong>que</strong> <br />
se po<strong>de</strong>ria <strong>te</strong>r. <br />
Foi só <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> en<strong>te</strong>ndi <strong>que</strong> eu podia ajudar e alegrar as pessoas através da minha <br />
música também, não só no Natal, <strong>que</strong> eu comecei a <strong>que</strong>rer realmen<strong>te</strong> a me <strong>de</strong>dicar à <br />
música. <br />
20
Fre<strong>que</strong>ntávamos a ceia <strong>de</strong> Natal da minha família <strong>que</strong> sempre foi na casa da minha <br />
avó ma<strong>te</strong>rna, Maria Helena, e eu amava ir para lá (amo até hoje). Todos ficavam tão felizes <br />
<strong>de</strong> nos ver cantar, eu me sentia muito útil. <strong>Minha</strong> tia Cândida me abraçava muito e me <br />
tratava com muito carinho, conquistando um lugar especial no meu coração <strong>que</strong> é <strong>de</strong>la até <br />
hoje. Meu tio Zé Mauro Brant, <strong>que</strong> é excelen<strong>te</strong> ator, contava histórias em versões <br />
dramatizadas e hilárias. E meus primos se espalhavam pela casa com a gen<strong>te</strong> falando <br />
bes<strong>te</strong>ira e rindo dos adultos. Estar com eles tornava esse feriado ainda mais especial. <br />
O costume <strong>de</strong> cantar, tocar música ou apresentar qual<strong>que</strong>r outra forma <strong>de</strong> <br />
entre<strong>te</strong>nimento em um lugar público, geralmen<strong>te</strong> envolvendo algum pedido <strong>de</strong> dinheiro, <br />
em inglês se chama <strong>de</strong> “Busking”. É também a expressão <strong>que</strong> usávamos para as nossas <br />
apresentações informais e espontâneas. Meu pai era muito fã <strong>de</strong> Busking e nos levava a <br />
vários lugares diferen<strong>te</strong>s e, espontaneamen<strong>te</strong>, cantar para as pessoas. A gen<strong>te</strong> entrava em <br />
um restauran<strong>te</strong>, por exemplo, se enfileirava NO MEIO do salão, meu pai gritava “a one, a <br />
two, a one two three!” e a música DO NADA começava e nossas vozes jovens e <br />
envergonhadas soavam alto por todo o local. A reação geralmen<strong>te</strong> era surpreen<strong>de</strong>n<strong>te</strong>men<strong>te</strong> <br />
positiva. As pessoas se assustavam, olhavam pra gen<strong>te</strong>, sorriam, começavam a balançar a <br />
cabeça, e logo surgiam com as palmas. Elas adoravam ver a família Von Trapp cantando para <br />
elas duran<strong>te</strong> o almoço. <br />
Quando eu tinha onze anos fizemos uma viagem em família pra Florida. Foi a <br />
primeira vez <strong>que</strong> conhecemos os Estados Unidos, e fomos a dois par<strong>que</strong>s da Disney e nos <br />
divertimos muito. Quando passamos por Miami, tinha um produtor musical amigo do meu <br />
pai <strong>que</strong> ele <strong>que</strong>ria visitar. Como esse amigo não conhecia a “escadaria cantan<strong>te</strong>” <strong>que</strong> <br />
éramos nós seis, meu pai combinou com a gen<strong>te</strong> <strong>de</strong> entrar no escritório do cara já cantando, <br />
com violão e <strong>tudo</strong>, para surpreendê-‐lo. Era esse tipo <strong>de</strong> espontaneida<strong>de</strong> <strong>que</strong> meu pai <br />
gostava <strong>de</strong> <strong>te</strong>r. <br />
Duran<strong>te</strong> muito <strong>te</strong>mpo eu morria <strong>de</strong> vergonha <strong>de</strong> fazer Busking. Não sentia <strong>que</strong> era <br />
um show, achava muito solto, e eu ficava com medo <strong>de</strong> incomodar as pessoas, ou <strong>de</strong> ser <br />
reconhecida por alguém da escola <strong>que</strong> não conhecia minha vida paralela. Quando eu era <br />
criança, <strong>tudo</strong> bem. Mas agora eu estava gran<strong>de</strong> e a<strong>que</strong>le tipo <strong>de</strong> performance me <strong>de</strong>ixava <br />
toda constrangida. <strong>Um</strong> dia meu pai conversou comigo e disse, <br />
— Você acha <strong>que</strong> os cantores já começam a carreira nos gran<strong>de</strong>s palcos? Isso aqui é <br />
cantar também, é assim <strong>que</strong> começa. Essa é sua oficina, sua aula para ficar pronta pro show. <br />
Se você dominar sua apresentação nos restauran<strong>te</strong>s, você estará pronta pra <strong>tudo</strong>. — Depois <br />
<strong>de</strong>sse dia não reclamei mais, e toda vez <strong>que</strong> eu sentia vergonha, eu pensava no <strong>que</strong> meu pai <br />
disse. Não <strong>de</strong>u outra. Hoje posso <strong>te</strong>r muitas falhas como performer ainda, e muita coisa <br />
para trabalhar, mas a vergonha não é mais uma <strong>de</strong>las. <br />
Fiz aulas <strong>de</strong> canto e <strong>de</strong> violão numa escola <strong>de</strong> música na Barra por alguns anos. No <br />
final <strong>de</strong> cada semestre rolava uma apresentação em alguma casa <strong>de</strong> shows quando os <br />
alunos mostravam o <strong>que</strong> tinham aprendido. Eu adorava a<strong>que</strong>las apresentações. Me sentia <br />
21
tão feliz no palco cantando as músicas <strong>que</strong> eu tinha escolhido. Numa <strong>de</strong>ssas, preparei um <br />
número com a Terra em <strong>que</strong> ela tocou piano e cantamos juntas Come What May, do Moulin <br />
Rouge, e <strong>de</strong>pois abrimos vozes à capela para um trecho <strong>de</strong> As Long As You Love Me. Foi <br />
muito divertido! O violão acabou não vingando tanto pra mim, infelizmen<strong>te</strong>. Eu não tinha a <br />
manha, e por mais <strong>que</strong> ensaiasse, eu não conseguia pegar a naturalida<strong>de</strong> do instrumento. <br />
Fi<strong>que</strong>i conformada em só cantar. De vez em quando ainda pego pra tocar <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, <br />
mas fica claro <strong>que</strong> não <strong>te</strong>nho o dom. <br />
<strong>Um</strong> dia <strong>de</strong>scobriram o Pedro Sol. A filha <strong>de</strong> um amigo do meu pai chamou o Pedro <br />
para montar uma dupla POP com ela. Eles tinham empresária, investidor, gravadora, <strong>tudo</strong>! <br />
Seriam “os próximos Sandy & Júnior”, segundo os responsáveis pelo projeto. No meio da <br />
preparação, parece <strong>que</strong> algo acon<strong>te</strong>ceu e a menina acabou saindo, e, pra minha surpresa, <br />
meu irmão ofereceu a vaga pra mim. Ele disse <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria muito <strong>que</strong> eu fizesse com ele, e <br />
<strong>que</strong> <strong>te</strong>ria ainda mais a ver por eu ser irmã <strong>de</strong>le, e <strong>que</strong> faríamos um trabalho lindo juntos. Eu <br />
fi<strong>que</strong>i um <strong>pouco</strong> na dúvida. Eu adorava Sandy & Júnior, mas não sabia se eu <strong>que</strong>ria estar <br />
num projeto <strong>que</strong> seguisse os passos <strong>de</strong>les. Não seria imitação, até por<strong>que</strong> meu irmão é <br />
muito talentoso e estava até compondo para o disco. Mas, eu não tinha cer<strong>te</strong>za se <strong>te</strong>ria o <br />
meu espaço na<strong>que</strong>la formação. Não tinha nem cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> qual era o meu espaço, eu ainda <br />
estava me encontrando como pessoa, imagina musicalmen<strong>te</strong>. <br />
No dia <strong>que</strong> o Pedro trouxe o contrato para eu assinar, eu fi<strong>que</strong>i com febre e não <br />
parava <strong>de</strong> chorar. Não sei por<strong>que</strong> eu tive essa reação, mas ficou muito claro pra mim <strong>que</strong> eu <br />
não estava pronta para uma empreitada da<strong>que</strong>le tamanho. Pedi <strong>de</strong>sculpas, mas não assinei. <br />
Eu tinha 14 anos na época. <br />
O Pedro ficou cha<strong>te</strong>ado, mas logo reformulou seu plano e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> <br />
acon<strong>te</strong>cimentos, ele lançou um CD solo pela Sony Music. O álbum ficou lindo e eu adorei as <br />
músicas. Torci muito para o Pedro <strong>de</strong>slanchar. Mas vi <strong>que</strong> ele não estava confortável com <br />
a<strong>que</strong>le estilo <strong>de</strong> música, não era a <strong>de</strong>le. Alguns anos <strong>de</strong>pois, o Pedro largou <strong>tudo</strong> e foi <br />
procurar o próprio som, aquilo <strong>que</strong> mais traduzisse o seu coração e a sua alma. A <br />
experiência do meu irmão sempre ficou comigo, me dando a cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong> não adianta <strong>te</strong>r <br />
uma produção megalomaníaca e todo o dinheiro do mundo se você não estiver cantando a <br />
música <strong>que</strong> você ama. <br />
Na mesma época, a Sony também <strong>te</strong>ve in<strong>te</strong>resse em montar um grupo infanto-juvenil,<br />
“tipo A Turma do Balão Mágico”, comigo, a Terra, a Estrela e o Daniel. Todos nós <br />
topamos por <strong>que</strong> já cantávamos juntos mesmo e tinha cara <strong>de</strong> <strong>que</strong> seria divertido. O nome <br />
ficou Família Blanco mesmo. Meu pai compôs algumas músicas para o grupo, e fez versões <br />
em português <strong>de</strong> outras conhecidas como “God Only Knows” dos Beach Boys, e “Keep On <br />
Moving” do Five, <strong>que</strong> ficaram muito legais. Gravamos um CD in<strong>te</strong>iro produzido pelo meu pai <br />
e pelo Liminha, com direção vocal do Fernando Adour, ensaiamos coreografias com o <br />
professor <strong>de</strong> dança Luciano Black Brother, e até filmamos um clipe mega divertido. Mas, <br />
an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> nos lançarem, algumas mudanças começaram a acon<strong>te</strong>cer na gravadora e o nosso <br />
projeto caiu. <br />
22
Para não infringir nosso contrato, a Sony acabou lançando um CD <strong>de</strong> (imaginem só!) <br />
Natal com a família toda (menos o Pedro, <strong>que</strong> estava focado no projeto <strong>de</strong>le) alguns anos <br />
<strong>de</strong>pois. O CD ficou muito bonito e nos divertimos bastan<strong>te</strong> fazendo. Não <strong>te</strong>ve muita <br />
divulgação, e acho <strong>que</strong> o CD nem chegou a ir para as lojas, mas ganhamos caixas e caixas <strong>de</strong> <br />
CDs pra ven<strong>de</strong>r nas nossas apresentações <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano, e isso já era uma vantagem. Fomos <br />
até no programa da Xuxa apresentar o novo show <strong>de</strong> Natal <strong>que</strong> montamos em cima <strong>de</strong>sse <br />
CD. (Curiosida<strong>de</strong>: minha mãe foi muito amiga da Xuxa an<strong>te</strong>s da gen<strong>te</strong> nascer. Elas foram <br />
mo<strong>de</strong>los na mesma época. Quando eu era bebê, minha mãe foi visitá-‐la nos bastidores do <br />
programa, e ela me achando tão fofa, e por ser o programa do Dia das Crianças, me roubou <br />
do colo da minha mãe e me levou pra <strong>de</strong>scer na nave com ela.) <br />
Em busca da verda<strong>de</strong> <br />
Conheci o Ian na Prainha, na época em <strong>que</strong> eu passava muito <strong>te</strong>mpo lá. Meu cabelo <br />
estava comprido e <strong>que</strong>imado <strong>de</strong> sol, eu vivia bronzeada e estava começando a apren<strong>de</strong>r a <br />
pegar onda <strong>de</strong> bodyboard. O Ian era um dos surfistas locais da praia e me pediu <strong>que</strong> <br />
passasse pro<strong>te</strong>tor solar nas suas costas como <strong>de</strong>sculpa pra puxar assunto comigo e me <br />
chamar pro cinema. Tudo fluiu muito naturalmen<strong>te</strong> com ele, e dias <strong>de</strong>pois do Natal da<strong>que</strong>le <br />
ano, ele me pediu em namoro. O Ian foi meu primeiro namorado, minha primeira vez, <br />
cuidou <strong>de</strong> mim <strong>de</strong>pois do meu primeiro porre (no dia <strong>que</strong> resolvi provar vodka em um <br />
churrasco na casa <strong>de</strong>le. Odiei!), e vivi um ano cheio <strong>de</strong> primeiras experiências com ele ao <br />
meu lado. A gen<strong>te</strong> ia junto pra praia, pegava onda juntos (quando o mar não estava muito <br />
gran<strong>de</strong> pra mim, sempre fui maroleira), fazia churrasco com as duas famílias toda hora, e <br />
vivíamos circulando nas nossas duas casas. A gen<strong>te</strong> se divertia muito juntos. <br />
Duran<strong>te</strong> essa mesma época, quando eu tinha 16 anos, achei sem <strong>que</strong>rer, solto pelo <br />
escritório do meu pai, uma carta da li<strong>de</strong>rança da Bolha agra<strong>de</strong>cendo meus pais pelos <br />
<strong>de</strong>zesse<strong>te</strong> anos <strong>que</strong> eles <strong>de</strong>dicaram ao movimento e <strong>de</strong>sejando boa sor<strong>te</strong> a eles dali pra <br />
fren<strong>te</strong>. E foi assim <strong>que</strong> eu soube <strong>que</strong> havíamos oficialmen<strong>te</strong> saído da Bolha. Corri para os <br />
meus pais, <strong>que</strong> me explicaram melhor. Sentiam <strong>que</strong> tinham cumprido a missão <strong>de</strong>les lá, <strong>que</strong> <br />
agora a jornada <strong>de</strong>les guiava para outro lado e <strong>que</strong> estava na hora <strong>de</strong> sair. Não sei por<strong>que</strong> <br />
eu chorei tanto. Passamos os próximos anos readaptando toda a estrutura e dinâmica <br />
familiar após o rompimento. Continuei <strong>te</strong>ndo o mesmo contato com os meus amigos, <strong>que</strong> <br />
aos <strong>pouco</strong>s foram saindo também. Hoje em dia acho <strong>que</strong> até acabou o grupo — a Bolha <br />
estourou. O <strong>que</strong> ficou foi a vivência, os valores e as histórias para contar. <br />
<strong>Um</strong> dia meu pai conheceu uma família <strong>de</strong> americanos <strong>que</strong> estava promovendo um <br />
evento chamado English Camp, um acampamento para adolescen<strong>te</strong>s passarem o fim <strong>de</strong> <br />
semana com um grupo <strong>de</strong> instrutores americanos, conhecendo melhor a cultura <strong>de</strong>les. Eu <br />
me i<strong>de</strong>ntificava com muita coisa da cultura americana, principalmen<strong>te</strong> a comida e me sentia <br />
muito em casa perto <strong>de</strong>les por<strong>que</strong> me lembravam as pessoas com <strong>que</strong>m convivi quando era <br />
pe<strong>que</strong>na. Fui para esse acampamento com minhas irmãs e lá <strong>de</strong>scobri <strong>que</strong> eles também <br />
23
estavam promovendo Jesus. Era um retiro <strong>de</strong> cren<strong>te</strong>s. Fi<strong>que</strong>i facinada ao ver como eles <br />
falavam sobre Deus e a Bíblia com tanta naturalida<strong>de</strong>. Eu achava <strong>que</strong> essa intimida<strong>de</strong> com <br />
Deus era um fenômeno exclusivo <strong>de</strong> <strong>que</strong>m foi criado na Bolha, mas <strong>de</strong>scobri <strong>que</strong> muita <br />
gen<strong>te</strong> seguia Jesus também e continuava <strong>te</strong>ndo seus compromissos e vivendo uma vida <br />
normal. <br />
Fi<strong>que</strong>i <strong>de</strong>cidida, então, a <strong>de</strong>scobrir <strong>que</strong>m Deus era verda<strong>de</strong>iramen<strong>te</strong> para mim, fora <br />
da Bolha e das respostas prontas e dos ensinamentos <strong>te</strong>rceirizados. Eu precisava achar meu <br />
próprio caminho com Deus, algo <strong>que</strong> fizesse sentido no meu coração. Fui convivendo mais <br />
com essa gen<strong>te</strong> <strong>de</strong>pois do acampamento, e comecei a conhecer melhor os ensinamentos da <br />
igreja evangélica. <br />
Quando comecei a levar <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu estava apren<strong>de</strong>ndo mais a sério, minha vida <br />
começou a mudar e eu vi <strong>que</strong> eu e o Ian estávamos seguindo caminhos diferen<strong>te</strong>s. E aí sim, <br />
conheci a dor excrucian<strong>te</strong> <strong>de</strong> um término. Eu sentia dores físicas <strong>de</strong> tanta sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong>le <br />
quando paramos <strong>de</strong> nos ver. O Ian me procurou e <strong>te</strong>ntou voltar comigo duran<strong>te</strong> muito <br />
<strong>te</strong>mpo, mas eu sabia <strong>que</strong> não tinha mais a ver. Eu precisava achar as respostas <strong>que</strong> <br />
procurava e ele não ia me ajudar a fazer isso. <br />
Encontrei uma igreja evangélica muito simples e <strong>de</strong>scontraída, <strong>que</strong> se reunia numa <br />
casa no Recreio dos Ban<strong>de</strong>iran<strong>te</strong>s, com um pastor ro<strong>que</strong>iro e pessoas pé-‐no-‐chão, on<strong>de</strong> me <br />
encaixei <strong>de</strong> primeira. Era chamada Vineyard. <strong>Minha</strong> vida mudou na Vineyard. Fui batizada <br />
na piscina da casa; e logo me envolvi nos cultos, no cuidado com as crianças e na <br />
convivência com essas pessoas. Tive minhas primeiras experiências com Deus lá, <strong>de</strong> <br />
realmen<strong>te</strong> sentir a presença Dele <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, e foram elas <strong>que</strong> me <strong>de</strong>ram mais fôlego <br />
para man<strong>te</strong>r minha busca. Foi lá <strong>que</strong> conheci a Letícia, <strong>que</strong> viria a ser uma pessoa especial e <br />
saudosa na minha vida (hoje ela mora com o marido e a filha em Israel). Me aproximei <br />
muito da minha mãe nessa época. Ela en<strong>te</strong>ndia o <strong>que</strong> eu passava por <strong>te</strong>r tido essa mesma <br />
busca a vida toda. Ela começou a fre<strong>que</strong>ntar a Vineyard e a conversar sobre <strong>tudo</strong> comigo. <br />
Até hoje, eu a consi<strong>de</strong>ro minha melhor amiga <strong>de</strong> tão próxima <strong>que</strong> ficamos nessa época. <br />
Quando entrei para faculda<strong>de</strong>, comecei e <strong>de</strong>senvolver melhor os meus conceitos e <br />
minhas verda<strong>de</strong>s espirituais. Namorei o Rafael por um <strong>te</strong>mpo, <strong>que</strong> era uma pessoa muito <br />
realista, e <strong>que</strong>stionava minhas crenças e convicções com uma curiosida<strong>de</strong> sincera. Foi aí <strong>que</strong> <br />
eu percebi <strong>que</strong> eu estava só repetindo o <strong>que</strong> as pessoas me diziam, mas <strong>que</strong> eu não tinha <br />
realmen<strong>te</strong> in<strong>te</strong>rnalizado aquilo <strong>tudo</strong>. <br />
<strong>Um</strong> dia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois anos in<strong>te</strong>nsamen<strong>te</strong> <strong>de</strong>dicada à Vineyard, sen<strong>te</strong>i para <br />
conversar com o Manga, nosso pastor <strong>que</strong>rido <strong>que</strong> tinha uma papo reto, muito admirável. <br />
Con<strong>te</strong>i <strong>que</strong> não estava mais tão investida ali, <strong>que</strong> eu não estava me sentindo verda<strong>de</strong>ira, e <br />
<strong>que</strong> tinha medo <strong>que</strong> cair numa rotina religiosa automática, o <strong>que</strong> era o <strong>que</strong> menos <strong>que</strong>ria. <br />
Precisava sair e encontrar a minha verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scobrir <strong>que</strong>m era Deus pra mim, a longo <br />
prazo e com “minhas próprias pernas”, não só em uma experiência espiritual, mas na vida <br />
real, no dia a dia. Eu tinha muitas perguntas, e lá sentia <strong>que</strong> muitas pessoas aceitavam <strong>tudo</strong> <br />
24
sem <strong>que</strong>stionar. Eu precisava viver essa crise exis<strong>te</strong>ncial a fundo. Precisava ver para on<strong>de</strong> ela <br />
me levaria. O Manga sorriu e disse: <br />
— Lua, minha única tris<strong>te</strong>za é <strong>que</strong> não <strong>te</strong>m mais gen<strong>te</strong> passando por essa mesma <br />
crise. Tem pessoas <strong>que</strong> esperam chegar aos 50 anos para <strong>de</strong>scobrir <strong>que</strong> estavam vivendo <br />
uma mentira. Que bom <strong>que</strong> você está passando por isso agora, aos vin<strong>te</strong>. Já po<strong>de</strong> começar a <br />
construir sua vida da forma certa. Vá na paz, minha <strong>que</strong>rida. <br />
Nunca es<strong>que</strong>ci as palavras <strong>de</strong>le, e <strong>nunca</strong> mais parei <strong>de</strong> <strong>que</strong>stionar a veracida<strong>de</strong> das <br />
coisas e o significado real <strong>de</strong>las no meu coração. Sempre <strong>que</strong> sinto <strong>que</strong> algo está errado, <br />
rasuro <strong>tudo</strong> e volto a <strong>de</strong>senhar. Nunca é tar<strong>de</strong> para <strong>de</strong>sfazer um equívoco ou corrigir uma <br />
situação <strong>de</strong>sandada. <br />
Anos <strong>de</strong>pois, minha mãe me <strong>de</strong>u um livro <strong>que</strong> me ajudou a encontrar algum sentido <br />
na minha confusão in<strong>te</strong>rna. O livro se chama O <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> uma nova consciência, do <br />
Eckhart Tolle, e fala sobre a essência humana, a men<strong>te</strong>, o ego, o espírito e o momento <br />
presen<strong>te</strong> <strong>de</strong> uma forma muito prática e não-‐religiosa. A névoa começou a levantar e vi <strong>que</strong> a <br />
espiritualida<strong>de</strong> e o Reino <strong>de</strong> Deus não são limitados às congregações religiosas e, sim, estão <br />
<strong>de</strong>ntro da gen<strong>te</strong>. Até hoje pego o livro para reler algum trecho quando estou me sentindo <br />
<strong>de</strong>sorientada. Já distribuí cópias <strong>de</strong>le para vários amigos, <strong>de</strong> tanto <strong>que</strong> me impactou. <br />
The P.U.C. <br />
O ponto <strong>de</strong> virada da minha vida foi quando entrei pra PUC-‐Rio. <strong>Minha</strong> prima Alluana <br />
já estudava lá, e quando me formei no Ensino Médio e precisava <strong>de</strong>cidir o <strong>que</strong> fazer <strong>de</strong>pois, <br />
ela me contou sobre o curso <strong>de</strong> Letras <strong>que</strong> fazia. Fi<strong>que</strong>i encantada por<strong>que</strong> eu adorava ler e <br />
escrever e ainda <strong>te</strong>ria a chance <strong>de</strong> estudar inglês: eu não <strong>que</strong>ria <strong>que</strong> o meu <strong>de</strong>finhasse <strong>de</strong> <br />
jeito nenhum. Pres<strong>te</strong>i vestibular pra PUC e passei em 21o lugar na seleção pra Letras. <strong>Minha</strong> <br />
linda vó, Maria Helena, conseguiu bolsa in<strong>te</strong>gral para mim (aleluia!) e me matriculei na <br />
habilitação <strong>de</strong> Tradução Português-‐Inglês. E, no dia seguin<strong>te</strong> do meu aniversário <strong>de</strong> 19 anos, <br />
eu estava <strong>de</strong>scendo do ônibus na Gávea para encarar meu primeiro dia <strong>de</strong> aula. <br />
Tudo mudou na PUC! <strong>Minha</strong> forma <strong>de</strong> ver o mundo e as pessoas, minha forma <strong>de</strong> <br />
pensar, minha forma <strong>de</strong> estudar, <strong>de</strong> sonhar, <strong>de</strong> en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r a vida. Tudo. Para contar as <br />
melhores par<strong>te</strong>s <strong>de</strong>ssa época eu <strong>te</strong>ria <strong>que</strong> encher um livro in<strong>te</strong>iro, ou então escrever uma <br />
série infindável <strong>de</strong> contos e histórias (o <strong>que</strong> talvez eu ainda faça), por<strong>que</strong> realmen<strong>te</strong> foi uma <br />
fase maravilhosa na minha vida. Foi apenas nessa época — quando comecei a pegar quatro <br />
ônibus por dia sozinha, a conhecer a zona sul, a andar <strong>de</strong> metrô e a me relacionar com <br />
pessoas totalmen<strong>te</strong> novas <strong>que</strong> meus pais não conheciam — <strong>que</strong> finalmen<strong>te</strong> saí da minha <br />
bolha. Eu andava pelos corredores do pilotis suspirando <strong>de</strong> alegria por<strong>que</strong> eu tinha <br />
finalmen<strong>te</strong> virado gen<strong>te</strong> gran<strong>de</strong>... e o resto da minha vida estava pres<strong>te</strong>s a começar. <br />
25
Conheci o André. Acho <strong>que</strong> o mundo passou a girar em outra velocida<strong>de</strong> na<strong>que</strong>le <br />
momento. Ele era meu ve<strong>te</strong>rano e o lí<strong>de</strong>r da equipe <strong>que</strong> comandou nosso tro<strong>te</strong>. Fiz a <br />
marrenta duran<strong>te</strong> todo o tro<strong>te</strong>, <strong>que</strong> peitava as or<strong>de</strong>ns dos ve<strong>te</strong>ranos e <strong>que</strong> resistia ser <br />
pintada; por causa disso, ele pegou mais pesado comigo na tinta e nas brinca<strong>de</strong>iras. Eu amei <br />
ele <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossa primeira in<strong>te</strong>ração. Nossa amiza<strong>de</strong> surgiu <strong>de</strong> forma imediata e <br />
in<strong>que</strong>stionável. Não havia hipó<strong>te</strong>se da gen<strong>te</strong> viver mais um sem o outro. No tro<strong>te</strong> também <br />
conheci a Carol, <strong>que</strong> era outra marrenta resis<strong>te</strong>n<strong>te</strong>, com <strong>que</strong>m eu me i<strong>de</strong>ntifi<strong>que</strong>i na hora. <br />
Conheci também a Esther Oliver (<strong>que</strong> agora só chamo <strong>de</strong> Oli), a pessoa mais doce e leal <strong>que</strong> <br />
já viria a conhecer; a Ra<strong>que</strong>l, a espertinha e romântica do grupo; a Mari, a maluquinha e <br />
avoada, e a Nanda, a linda e mis<strong>te</strong>riosa <strong>que</strong> sempre amei, mas <strong>nunca</strong> sa<strong>que</strong>i totalmen<strong>te</strong>. <br />
Aos <strong>pouco</strong>s, a vida foi nos juntando, e passamos a dividir toda a experiência universitária <br />
uma com a outra. São minhas gran<strong>de</strong>s amigas até hoje. <br />
Foi no meio <strong>de</strong> todas essas novida<strong>de</strong>s e novas amiza<strong>de</strong>s <strong>que</strong> começou minha <br />
primeira banda. O André era guitarrista <strong>de</strong> uma banda <strong>de</strong> metal, mas o gosto musical <strong>de</strong>le <br />
tinha muita coisa em comum com o meu. Conforme nos aproximamos, e íamos <br />
conversando sobre <strong>tudo</strong>, vimos o quanto a gen<strong>te</strong> se i<strong>de</strong>ntificava. O André me trazia a <br />
sensasão <strong>de</strong> where have you been all my life? (aon<strong>de</strong> você es<strong>te</strong>ve minha vida toda?). Sentia <br />
<strong>que</strong> eu tinha duas décadas <strong>de</strong> assunto pra colocar em dia com ele. Virávamos noi<strong>te</strong>s no MSN <br />
conversando, e <strong>de</strong> dia, na PUC, continuávamos, grudados sempre, nos conhecendo melhor. <br />
Esses papos, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, sempre acabavam na música, e passamos a <strong>te</strong>r <br />
cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong> não entramos na vida um do outro à toa. Precisávamos fazer alguma coisa <br />
musical juntos. A Carol tocava violão mas estava disposta a apren<strong>de</strong>r o baixo, e o Ri<strong>que</strong>, <br />
nosso amigo mais charmoso e engraçado, era um excelen<strong>te</strong> violinista. Todos tínhamos um <br />
gosto musical parecido. Então resolvemos montar uma banda <strong>de</strong> pop-‐rock. Chamamos o <br />
Andrew, nosso colega meio-‐americano e filho <strong>de</strong> pastor, para ser nosso ba<strong>te</strong>rista, e <br />
marcamos nosso primeiro ensaio. <br />
Demos o nome à banda <strong>de</strong> Collecting Dreams (colecionando sonhos), e foi muito <br />
marcan<strong>te</strong> por<strong>que</strong> era exatamen<strong>te</strong> isso <strong>que</strong> a banda nos instigava a fazer. Recolhemos as <br />
músicas atuais da época <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> mais gostava e montamos um repertório <strong>que</strong> era a <br />
nossa cara. Chamamos a Oli para produzir, e ela apenas arrasou duran<strong>te</strong> todos os anos <strong>que</strong> <br />
cuidou da gen<strong>te</strong>. Ensaiávamos lá em casa, ou no próprio campus da PUC, e tocávamos para <br />
os nossos colegas nas festas do CaLé, <strong>que</strong> era a casinha recreacional do curso <strong>de</strong> Letras, na <br />
Vila dos Diretórios, e no Anfi<strong>te</strong>atro, <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> ele foi construído. Com o <strong>te</strong>mpo, <br />
começamos a evoluir e a tocar em casas <strong>de</strong> show, bares, e festivais <strong>de</strong> bandinhas, e a <br />
ensaiar em estúdios profissionais. O Andrew saiu da banda, e entrou o Ivan, <strong>de</strong>pois o Mega, <br />
<strong>que</strong> foi trocado pelo Daniel, e enfim chegamos no Nando, nosso último e <strong>de</strong>finitivo <br />
ba<strong>te</strong>rista. Depois <strong>de</strong> um <strong>te</strong>mpo, mudamos o nome da banda para Lágrima Flor, em <br />
homenagem à música do meu avô. O André começou a compor para gen<strong>te</strong> (tanto em ingês <br />
quanto em português) e viramos uma banda autoral bilingue. <br />
A banda foi a experiência mais marcan<strong>te</strong> da minha vida até a<strong>que</strong>le ponto. Foi quando <br />
comecei a me <strong>de</strong>scobrir musicalmen<strong>te</strong> longe do con<strong>te</strong>xto familiar, e foi on<strong>de</strong> formei uma <br />
26
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> artística totalmen<strong>te</strong> minha. Fomos nos encontrando na nossa convivência e no <br />
nosso amor pela música e eu amei cada segundo <strong>que</strong> passei ao lado <strong>de</strong>les. A gen<strong>te</strong> se <br />
divertia muito e trocava dicas musicais o dia in<strong>te</strong>iro. Fazíamos músicas inspiradas em séries <br />
e em livros <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> estava lendo; às vezes nos inspirávamos em alguma discussão <strong>que</strong> <br />
tinha rolado, às vezes nas nossas sensações mais for<strong>te</strong>s. O André fez uma música chamada <br />
Colecionando Sonhos <strong>que</strong> foi uma homenagem à<strong>que</strong>la fase suspensa nas nossas vidas. Nela <br />
ele cita os nossos lugares preferidos no campus da PUC e vários acon<strong>te</strong>cimentos específicos <br />
<strong>que</strong> tínhamos vivido. Nossas músicas tinham a nossa cara. <br />
Foi a época em <strong>que</strong> me viciei em John Mayer, Coldplay e Paramore, não <br />
necessariamen<strong>te</strong> nessa or<strong>de</strong>m, e foram eles <strong>que</strong> lapidaram todo o conceito musical <strong>que</strong> eu <br />
estava formulando. Outros artistas <strong>que</strong> marcaram muito essa época foram: Damien Rice, <br />
Alanis Morisset<strong>te</strong>, Switchfoot, Keane, Fall Out boy, Dashboard Confessional, Maroon 5 e Los <br />
Hermanos. <br />
Eu gostava muito, também, das aulas do curso <strong>de</strong> Letras. Fui surpreendida com e o <br />
como era mais agradável estudar na faculda<strong>de</strong>, em um curso <strong>que</strong> você escolheu, com aulas <br />
<strong>que</strong> você gosta, do <strong>que</strong> na escola. Aprendi a amar a li<strong>te</strong>ratura brasileira, portuguesa e <br />
inglesa, aprendi sobre linguística e todos os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> como a linguagem se ajusta ao <br />
nosso cérebro. Aprendi a escrever direito e fazer <strong>te</strong>xtos limpos e coeren<strong>te</strong>s, e aprendi a <br />
traduzir. Eu já tinha tido alguma experiência com tradução simultânea na igreja quando os <br />
“gringos” a visitavam. Eu tinha facilida<strong>de</strong>, fluência e gosto para traduzir rápido ao vivo, tanto <br />
do inglês paro português, quanto vice-‐versa. E também <strong>de</strong>scobri uma certa manhã minha <br />
para tradução escrita, gostava das aulas. Mas, conforme fui treinando e gastando <strong>te</strong>mpo <br />
com isso, fui <strong>te</strong>ndo cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong> eu não <strong>que</strong>ria fazer isso pro resto da minha vida. Não <br />
<strong>que</strong>ria ser tradutora. Foi nesse momento <strong>que</strong> <strong>de</strong>cidi levar a ar<strong>te</strong> mais a sério do <strong>que</strong> <strong>nunca</strong>, <br />
por<strong>que</strong> era a única coisa <strong>que</strong> eu amava fazer, e para mim não tinha sentido passar a vida <br />
fazendo algo <strong>que</strong> não amasse. <br />
Depois <strong>de</strong> algum <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong> banda, o André e eu começamos a namorar e ficamos <br />
dois anos juntos. Talvez um dia eu con<strong>te</strong> melhor a nossa história e o quanto a gen<strong>te</strong> se <br />
amou. Com ele as coisas se encaixaram <strong>de</strong> uma forma confortável e familiar e, pela primeira <br />
vez na vida, eu parei <strong>de</strong> me sentir uma estranha no ninho. Mas éramos jovens e imaturos e <br />
tínhamos ainda muito o <strong>que</strong> apren<strong>de</strong>r. No ano em <strong>que</strong> meus pais se separaram, muita coisa <br />
<strong>que</strong>brou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Perdi minha crença em várias coisas e entrei num processo longo <br />
<strong>de</strong> me achar <strong>de</strong> novo. Alguns meses <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> meu pai saiu <strong>de</strong> casa, eu e o André <br />
<strong>te</strong>rminamos. Nossa amiza<strong>de</strong>, e principalmen<strong>te</strong> a banda, sobreviveram ao término, e <br />
continuamos trabalhando e sonhando juntos em um dia po<strong>de</strong>r estabelecer a nossa música <br />
no mercado. Fui morar na casa da minha vó Maria Helena, no Leblon, e ela foi a coisa mais <br />
maravilhosa possível. Sou muito agra<strong>de</strong>cida a ela por <strong>te</strong>r cuidado tão bem <strong>de</strong> mim na<strong>que</strong>la <br />
época confusa. <br />
27
Meus primeiros trabalhos <br />
<strong>Um</strong> dia fui indicada para fazer um <strong>te</strong>s<strong>te</strong> como atriz na Re<strong>de</strong> Globo. Fora as minhas <br />
brinca<strong>de</strong>iras em casa, eu <strong>nunca</strong> tinha atuado, mas gos<strong>te</strong>i da i<strong>de</strong>ia e fui. Cheguei até a final <br />
do processo <strong>de</strong> seleção para viver uma surfista na novela Três Irmãs, mas não passei. (A <br />
Estrela passou, e fez o papel <strong>de</strong> outra surfista, a Mel.) Ao invés disso, me ofereceram um <br />
cargo como elenco <strong>de</strong> apoio. Eu não sabia exatamen<strong>te</strong> do <strong>que</strong> se tratava, mas eu precisava <br />
trabalhar e já estava sentindo <strong>que</strong> ia gostar <strong>de</strong> fazer aquilo. Passei quase um ano indo com <br />
muita frequência ao Projac, ou para as ex<strong>te</strong>rnas <strong>de</strong> praia gravar. Eu não tinha falas, mas <br />
estava presen<strong>te</strong> em bastan<strong>te</strong> cenas do meu núcleo; passava dias in<strong>te</strong>iros acompanhando <br />
todos os bastidores da<strong>que</strong>la produção e apren<strong>de</strong>ndo como <strong>tudo</strong> funcionava. Fui me <br />
apaixonando aos <strong>pouco</strong>s pelo trabalho na <strong>te</strong>levisão e sonhando em um dia <strong>te</strong>r um papel <br />
bom. Na festa <strong>de</strong> estréia da novela, eu estava conversando com a produtora <strong>de</strong> elenco <br />
sobre o quanto eu estava gostando da experiência e ela me disse: <br />
— Então vai estudar! Quem <strong>te</strong>m só carinha bonitinha não dura na TV. Vai estudar <br />
<strong>te</strong>atro! Tem um curso ótimo do Daniel Herz, na Laura Alvim. <br />
Fui, na<strong>que</strong>la mesma semana, para o Teatro Casa <strong>de</strong> Cultura Laura Alvim, em <br />
Ipanema, me matricular na minha primeira aula <strong>de</strong> <strong>te</strong>atro, <strong>que</strong> viria a abrir minha men<strong>te</strong>, <br />
meus olhos e meu coração para a in<strong>te</strong>rpretação. Foi lá <strong>que</strong> eu conheci gran<strong>de</strong>s amigos como <br />
a Marcella Rica e o Igor Cosso, e mais uma galera por <strong>que</strong>m <strong>te</strong>nho um carinho gran<strong>de</strong> até <br />
hoje. Depois <strong>de</strong>ssa aula do Daniel Herz, eu passei a procurar sempre cursos e oficinas <strong>que</strong> eu <br />
pu<strong>de</strong>sse participar pra ir evoluindo naquilo <strong>que</strong> aprendi – a ar<strong>te</strong> <strong>de</strong> in<strong>te</strong>rpretar. Eu me sinto <br />
tão bem numa boa aula <strong>de</strong> <strong>te</strong>atro <strong>que</strong> chega a viciar. É <strong>que</strong> nem fazer uma boa cena. Fico <br />
<strong>que</strong>rendo <strong>que</strong> não acabe. <br />
Descobri <strong>que</strong>, em cena, eu podia soltar todas as minhas <strong>te</strong>nsões, angústias, e raiva, e <br />
ser uma pessoa totalmen<strong>te</strong> diferen<strong>te</strong>. Atuar me dá sossego, serenida<strong>de</strong>. Me ajuda a sair <strong>de</strong> <br />
mim, e é tão bom <strong>te</strong>r um lugar para on<strong>de</strong> fugir! É muito cansativo ser eu o <strong>te</strong>mpo todo! Eu <br />
penso <strong>de</strong>mais, e <strong>que</strong>stiono <strong>de</strong>mais, e me revolto <strong>de</strong>mais. Quando mergulho em um <br />
personagem, passo a ser <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> ele pe<strong>de</strong> para ser na<strong>que</strong>le momento... e isso é o maior <br />
alívio do mundo. <br />
Depois <strong>que</strong> acabou a novela, fui convidada pra fazer uma participação em Malhação <br />
como a baixista Joe. A história da Joe durou uma semana, mas eu tinha falas (!), então <br />
estava feliz. <strong>Um</strong> <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong>pois, chamaram a Joe <strong>de</strong> volta pra participar <strong>de</strong> outro núcleo com <br />
outra carac<strong>te</strong>rização por mais duas semanas. Francamen<strong>te</strong>, acho <strong>que</strong> era outro personagem <br />
com o mesmo nome, mas me diverti muito fazendo <strong>que</strong> não me impor<strong>te</strong>i com esse <strong>de</strong>talhe. <br />
Fui muito bem tratada pelo elenco e a direção e comprovei ainda mais o quanto eu gostava <br />
<strong>de</strong> trabalhar ali. Foi também a primeira vez <strong>que</strong> conheci a Sophia e o Micael. Cheguei até a <br />
<strong>te</strong>r algumas cenas com o Mika, ele e suas tranças da época. <br />
Depois disso me chamaram para apresentar a TV Globinho e fi<strong>que</strong>i feliz <strong>de</strong> ver <strong>que</strong> <br />
estavam lembrando <strong>de</strong> mim. Foi um trabalho bem curto, na verda<strong>de</strong>. Como a TV Globinho <br />
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era gravada uma vez a cada quinzena, geralmen<strong>te</strong> num sábado sim, e no outro não, e eu <br />
fi<strong>que</strong>i só dois meses como apresentadora, tive o total <strong>de</strong> quatro diárias <strong>de</strong> trabalho. Logo <br />
em seguida veio o convi<strong>te</strong> para fazer a Turma do Didi. Me explicaram <strong>que</strong> o programa <br />
estava cheio <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s e <strong>que</strong> a nova <strong>te</strong>mporada seria futurista. O Didi seria mordomo <strong>de</strong> <br />
um milionário cientista, e eu seria uma das filhas <strong>de</strong>s<strong>te</strong> milionário. Disseram <strong>que</strong> até me <br />
dariam espaço para cantar e <strong>tudo</strong>. Fi<strong>que</strong>i feliz da vida! Essa <strong>te</strong>mporada chegou a estrear, <br />
mas quando estava ainda engatando, e na véspera da gravação da cena em <strong>que</strong> eu cantaria <br />
uma música, o Renato Aragão <strong>te</strong>ve a<strong>que</strong>le lamentável aci<strong>de</strong>n<strong>te</strong> em <strong>que</strong> caiu e <strong>que</strong>brou o <br />
nariz, e <strong>tudo</strong> foi cancelado. A <strong>te</strong>mporada foi suspensa, e o programa foi reformulado, e, <br />
claro, eu fui dispensada. Até hoje meus amigos brincam <strong>que</strong> isso <strong>tudo</strong> <strong>nunca</strong> acon<strong>te</strong>ceu, foi <br />
só impressão minha. <br />
Nessa mesma época, eu também sonhava em participar do meu primeiro musical. <br />
Amava o gênero <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pe<strong>que</strong>na e <strong>que</strong>ria muito apresentar um espetáculo num palco <br />
gran<strong>de</strong> com figurinos incríveis e uma or<strong>que</strong>stra atrás. Eu tinha feito audição para Noviça <br />
Rebel<strong>de</strong>, e tinha ficado arrasada por não <strong>te</strong>r sido aprovada para viver a Liesl, apenas minha <br />
personagem preferida da história toda. Mas a Estrela passou para o papel da Marta, e <br />
estreou lindamen<strong>te</strong> nos musicais, então foi um consolo. (Sempre fico feliz, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>que</strong> <br />
começamos a trabalhar no mesmo mercado, quando vejo uma conquista <strong>de</strong> um dos meus <br />
irmãos. Torço mais por eles do <strong>que</strong> por mim, praticamen<strong>te</strong>.) Quando abriram as audições <br />
para o musical O Despertar da Primavera fi<strong>que</strong>i louca! Ten<strong>te</strong>i caprichar ao máximo na minha <br />
performance e, <strong>de</strong>pois, dormi do lado do <strong>te</strong>lefone esperando a resposta. <br />
Nesse meio<strong>te</strong>mpo, eu passei no <strong>te</strong>s<strong>te</strong> para in<strong>te</strong>grar o elenco da nova montagem <strong>de</strong> <br />
Confissões <strong>de</strong> Adolescen<strong>te</strong>, <strong>de</strong> Maria Mariana. A peça, <strong>que</strong> foi um sucesso na década <strong>de</strong> 90, <br />
não tinha sido mais montada há muitos anos, e nosso processo <strong>de</strong> ensaio foi adaptando o <br />
<strong>te</strong>xto para uma linguagem mais mo<strong>de</strong>rna, junto com o Matheus Souza, escritor e cineasta <br />
gênio <strong>que</strong> virou meu amigo até hoje. Foi lá também <strong>que</strong> conheci a Marcela Nunes, <strong>que</strong> era a <br />
assis<strong>te</strong>n<strong>te</strong> <strong>de</strong> produção da montagem. No elenco éramos Sophie Charlot<strong>te</strong>, Bella Camero, <br />
Clarice Falcão, e eu. Foi muito divertido duran<strong>te</strong> o processo <strong>de</strong> ensaio e na expectativa da <br />
nossa <strong>te</strong>mporada, juntas. Mas um dia, recebi a ligação avisando <strong>que</strong> eu tinha passado no <br />
<strong>te</strong>xto para o Despertar, e <strong>de</strong>scobri e vivi o sofrido dilema <strong>que</strong> todo ator passa quando <strong>te</strong>m <br />
<strong>que</strong> escolher entre dois trabalhos <strong>que</strong> ele <strong>que</strong>r muito fazer. Eu estava LOUCA para estrear <br />
Confissões, mas fazer musical era um gran<strong>de</strong> sonho meu, e não tinha chance <strong>de</strong> eu recusar <br />
essa oportunida<strong>de</strong>. Deixei o elenco da peça tris<strong>te</strong>, mas confian<strong>te</strong>, e <strong>nunca</strong> me arrependi. <br />
O Despertar da Primavera foi outro marco importan<strong>te</strong> na minha vida. Dirigidos pelo <br />
Charles Moeller e pelo Claudio Bo<strong>te</strong>lho, o elenco (<strong>que</strong> incluía também o Pedro Sol e a <br />
Estrela) sentiu junto e na pele toda a experiência viva da história da<strong>que</strong>les jovens. Éramos <br />
muito unidos e entregues ao espetáculo. Até hoje <strong>te</strong>mos um grupo no WhatsApp do elenco, <br />
e carrego comigo gran<strong>de</strong>s amiza<strong>de</strong>s <strong>que</strong> começaram lá, como a Eline Porto, a Alice Motta, o <br />
Bruno Sigrist, e várias outras pessoas <strong>que</strong>ridas <strong>que</strong> amo muito até hoje. Fizemos uma <br />
<strong>te</strong>mporada no Rio e duas em São Paulo, viagens <strong>que</strong> também serviram para me aproximar <br />
mais da Estrela. Na adolescência não tínhamos sido tão próximas, por ambas <strong>te</strong>rem uma <br />
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personalida<strong>de</strong> muito for<strong>te</strong> e alguma diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Mas quando colocaram a gen<strong>te</strong> <br />
para dividir quarto no ho<strong>te</strong>l <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>scobrimos <strong>que</strong> somos loucas uma pela outra, e <br />
<strong>nunca</strong> mais <strong>de</strong>sgrudamos. <br />
O Despertar foi muito aclamado pela crítica e pelo público (fora quando censuravam <br />
o con<strong>te</strong>údo sexual), e atraiu muitos fãs e aman<strong>te</strong>s do <strong>te</strong>atro musical, <strong>que</strong> se aglomeravam <br />
no final <strong>de</strong> cada espetáculo para falar com o elenco. Como eu era do coro, e só substituía a <br />
Letícia Colin <strong>de</strong> vez quando, esses fãs não me davam muita bola, e então, era normal eu sair <br />
do <strong>te</strong>atro e po<strong>de</strong>r ir embora direto, sem muito alar<strong>de</strong>. Por isso fi<strong>que</strong>i tão surpresa quando <br />
isso <strong>tudo</strong> mudou <strong>de</strong> uma hora para outra. <br />
Duran<strong>te</strong> a <strong>te</strong>mporada no Rio, eu continuei conciliando o Despertar com os <br />
compromissos da banda. O horário do espetáculo e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>te</strong>mpo <strong>que</strong> eu passava <br />
<strong>de</strong>ntro do <strong>te</strong>atro eram gran<strong>de</strong>s limitadores da agenda <strong>de</strong> shows. Passamos a tocar em <br />
horários al<strong>te</strong>rnativos e dias <strong>de</strong> semana. O resto dos in<strong>te</strong>gran<strong>te</strong>s foram muito pacien<strong>te</strong>s e <br />
compreensivos com esta situação. Chegamos até a montar um show comemorativo <br />
especialmen<strong>te</strong> pro Despertar, na extinta Cinema<strong>te</strong><strong>que</strong>, em Botafogo. Vários in<strong>te</strong>gran<strong>te</strong>s do <br />
elenco ensaiaram músicas com a banda e se apresentaram numa noi<strong>te</strong> <strong>de</strong> muita festa e <br />
cantoria. Foi o último show da banda <strong>que</strong> meu avô assistiu. <br />
Quando fui pra São Paulo, no entanto, sabia <strong>que</strong> seria difícil man<strong>te</strong>r as ativida<strong>de</strong>s da <br />
banda. Falei então com um amigo meu, o Flávio, e ele arrumou para gravarmos nosso <br />
primeiro disco no estúdio Companhia dos Técnicos, em Copacabana. Passei a me <strong>de</strong>dicar à <br />
nossa gravação todos os dias da semana em <strong>que</strong> estivesse no Rio, e isso compensou a nossa <br />
<strong>te</strong>mporária in<strong>te</strong>rrupção na agenda <strong>de</strong> shows. Fizemos uma seleção das nossas melhores <br />
músicas autorais e montamos um repertório lindo, <strong>que</strong> resumisse toda a trajetória da <br />
Lágrima Flor, até a<strong>que</strong>le ponto. Eu até fiz as letras <strong>de</strong> duas das músicas, e foi minha primeira <br />
experiência arriscando na composição. <br />
O André produziu junto com o Flávio, e todos nós ficávamos o máximo <strong>de</strong> <strong>te</strong>mpo <br />
possível no estúdio absorvendo a<strong>que</strong>la energia <strong>de</strong> “está <strong>tudo</strong> finalmen<strong>te</strong> acon<strong>te</strong>cendo”. <strong>Um</strong> <br />
dia, um produtor da Universal Music estava no estúdio e entrou na nossa sala para ouvir <br />
algumas faixas. Ele disse <strong>que</strong> achou <strong>tudo</strong> muito bonito, mas <strong>que</strong> o som não era fonográfico. <br />
Eu não en<strong>te</strong>ndi aquilo. Eu amava o nosso som, e super ouviria se tocasse no rádio. Continuei <br />
muito confian<strong>te</strong> <strong>que</strong> esse CD seria o nosso ingresso no mercado musical. Aí eu passei no <br />
<strong>te</strong>s<strong>te</strong> para Rebel<strong>de</strong>, e <strong>tudo</strong> mudou. <br />
A verda<strong>de</strong> sobre Rebel<strong>de</strong> <br />
Eu quase recusei. A banda estava tão perto <strong>de</strong> conseguir o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ríamos; partia o <br />
meu coração só <strong>de</strong> pensar em in<strong>te</strong>rromper um momento tão bom. Mas um álbum não era <br />
uma garantia <strong>de</strong> engatar no mercado musical. Nosso gran<strong>de</strong> sonho era, enfim, tornar essa <br />
banda <strong>que</strong> amávamos num trabalho remunerado. A gen<strong>te</strong> <strong>que</strong>ria “estourar” pra po<strong>de</strong>r viver <br />
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disso, <strong>te</strong>r o retorno necessário pra fazer só isso. Esse é o gran<strong>de</strong> sonho <strong>de</strong> todo artista! <br />
Po<strong>de</strong>r sobreviver da sua ar<strong>te</strong>. Eu não ganhava mesada nem era sus<strong>te</strong>ntada por ninguém, <br />
então minhas <strong>de</strong>cisões não podiam ser baseadas apenas na emoção e sim na <br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>que</strong>m precisava ganhar a vida. Eu não tinha condições <strong>de</strong> recusar um <br />
bom trabalho para continuar apostando num projeto <strong>que</strong> não me dava in<strong>de</strong>pendência <br />
financeira. Não tinha essa opção. Deixei a banda sem fazer promessas, mas com o coração <br />
<strong>de</strong>cidido a voltar. Eu amava tanto o <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> tinha construído. <br />
O plano da Record para o projeto Rebel<strong>de</strong> era fazer um remake da novela mexicana <br />
da Cris Morena, <strong>que</strong> conta a história <strong>de</strong> seis adolescen<strong>te</strong>s em um colégio in<strong>te</strong>rno <strong>que</strong> <br />
começam uma banda. Paralelamen<strong>te</strong>, essa banda, assim como fizeram os mexicanos, seria <br />
montada <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, gravaria CDs, e sairia pelo país fazendo shows. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> juntar dois <br />
dos meus ofícios preferidos, numa estrutura e produção dos sonhos, e <strong>te</strong>r esse acesso ao <br />
mercado musical e ao público <strong>que</strong> sempre sonhei em conquistar, foram fatores <strong>que</strong> me <br />
mostraram <strong>que</strong> valeria a pena aceitar esse convi<strong>te</strong>. <br />
A verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> eu fiz Rebel<strong>de</strong> pensando em vocês, para vocês me conhecerem e <br />
apoiarem qual<strong>que</strong>r coisa <strong>que</strong> eu lançasse daí em dian<strong>te</strong>. Esse foi meu plano <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. O <br />
projeto tinha prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> – já foi feito para <strong>te</strong>r início, meio, e fim – então, eu podia me <br />
<strong>de</strong>dicar, mostrar meu trabalho, e realizar meus próprios projetos <strong>de</strong>pois. A duração exata <br />
do produto seria <strong>de</strong>finida mais para fren<strong>te</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da recepção e do ipobe <strong>que</strong> <br />
recebesse. Eu assinei um contrato <strong>de</strong> quatro anos. <br />
Cheguei no primeiro dia <strong>de</strong> preparação, no RecNov, a três minutos da casa da minha <br />
mãe, cheia <strong>de</strong> resoluções sobre como eu levaria esse projeto, e como eu me comportaria, e <br />
<strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu evitaria fazer. Tão boba. Eu não fazia i<strong>de</strong>ia do <strong>que</strong> me esperava. A nossa oficina <br />
fluiu com leveza. Seis pares <strong>de</strong> olhos cheios <strong>de</strong> expectativa e animação pelo <strong>que</strong> estava por <br />
vir. Nada po<strong>de</strong>ria nos preparar para o turbilhão <strong>que</strong> seriam os próximos dois anos e meio: <br />
nem as palavras sábias do nosso preparador, o <strong>que</strong>rido Roberto Bom<strong>te</strong>mpo, nem as do <br />
nosso amado diretor, Ivan Zet<strong>te</strong>l. Mas não tinha importância, estávamos dispostos a <br />
encarar, e nada nos faria arredar o pé da<strong>que</strong>le <strong>de</strong>safio. Fomos entrando na<strong>que</strong>le mundo <br />
com frescor e amando cada segundo do processo. <br />
Acabou a preparação e nos jogamos nas gravações, dispostos a fazer um bom <br />
trabalho. Eu gostava muito da Roberta e me divertia gravando as cenas <strong>de</strong>la. Quando eu não <br />
estava no set <strong>de</strong> gravação, estava em casa estudando, marcando falas com um marca-‐<strong>te</strong>xto <br />
amarelo (<strong>de</strong>vo <strong>de</strong>r gastado <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> canetas com as falas da Roberta), e <strong>de</strong>corando o <br />
volume enorme <strong>de</strong> <strong>te</strong>xto <strong>que</strong> chegava. Sentia-‐me uma atriz <strong>de</strong> sor<strong>te</strong>: tanto <strong>te</strong>mpo <strong>que</strong>rendo <br />
um papel com fala, fui pegar logo um <strong>que</strong> não parava <strong>de</strong> falar. Eu fazia a festa no camarim <br />
com nossa figurinista brilhan<strong>te</strong>, Mari Baffa, e sua equipe, <strong>que</strong> se divertia ao inventar toda <br />
semana um novo figurino para nossos personagens. Nossa autora Margareth também <br />
caprichava para escrever as histórias <strong>de</strong> uma forma natural e divertida, e nos consultava <br />
sobre o <strong>que</strong> estávamos achando. <br />
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Nós seis éramos muito entrosados: meta<strong>de</strong> por<strong>que</strong> precisámos ser para as cenas, e a <br />
oficina tinha nos aproximado <strong>de</strong> uma forma orgânica para isso; e a outra meta<strong>de</strong> por<strong>que</strong> <br />
nos gostávamos realmen<strong>te</strong>. Falo por mim, pelo menos. Eu gostava quando estávamos <br />
juntos, gostava <strong>de</strong> ficar perto <strong>de</strong>les. Gostava tanto, <strong>que</strong> acho <strong>que</strong> eu era um <strong>pouco</strong> <br />
antissocial com o resto do elenco no início. Fui boba, eu sei. Mas tinha muito o <strong>que</strong> <br />
apren<strong>de</strong>r ainda. Fomos nos conhecendo aos <strong>pouco</strong>s. Descobri <strong>que</strong> a Sophia é muito <br />
engraçada, <strong>que</strong> o Chay é um ótimo imitador, <strong>que</strong> a Mel é muito mais moleca do <strong>que</strong> ela <br />
<strong>de</strong>ixa transparecer, <strong>que</strong> o Arthur é muito mais frágil do <strong>que</strong> parece, e <strong>que</strong> o Mika é uma <br />
pessoa extremamen<strong>te</strong> doce. Fui apren<strong>de</strong>ndo coisas sobre eles aos <strong>pouco</strong>s, e eles sobre mim. <br />
Logo <strong>de</strong>scobriram <strong>que</strong> meu gênio era <strong>de</strong>safiador às vezes, <strong>que</strong> podiam contar comigo para <br />
falar as coisas na lata, e <strong>que</strong> minha risada é alta quando sou surpreendida com algo <br />
engraçado. Fomos criando um certo supor<strong>te</strong> <strong>de</strong> pro<strong>te</strong>ção um em volta do outro, por<strong>que</strong> <br />
algo nos dizia <strong>que</strong> íamos precisar. <br />
Quando a novela estreou, as coisas começaram a mudar muito rápido. Ficamos <br />
encantados com a recepção boa <strong>que</strong> tivemos do público e com a aprovação geral das <br />
pessoas à nossa volta. É muito gratifican<strong>te</strong> ver um retorno positivo <strong>de</strong> um trabalho ao qual <br />
você se <strong>de</strong>dicou tanto. Comecei a ser reconhecida na rua, e a ser chamada em praças <strong>de</strong> <br />
alimentação <strong>de</strong> shopping para tirar fotos. Depois <strong>de</strong> um <strong>te</strong>mpo, a admiração começou a vir <br />
até a gen<strong>te</strong>, e fãs começaram a aparecer na porta do RecNov. No início, eu parava pra dar <br />
a<strong>te</strong>nção; <strong>de</strong>pois a chefia pediu pra não pararmos por<strong>que</strong> atrapalhava o fluxo <strong>de</strong> carros na <br />
entrada da guarita. Quando paramos, os fãs visitan<strong>te</strong>s começaram a reclamar e até a fazer <br />
malcriação. Eu não sabia o <strong>que</strong> fazer. Eu <strong>nunca</strong> tinha tido fã an<strong>te</strong>s, não sabia qual era o jeito <br />
certo <strong>de</strong> lidar. <br />
Eu sempre achei <strong>que</strong> tiraria <strong>de</strong> letra esse lance <strong>de</strong> fama se um dia ela chegasse. A <br />
verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> tropecei muito nas minhas primeiras experiências com novos fãs. Fui <br />
engolida muito rápido e não me adap<strong>te</strong>i na mesma velocida<strong>de</strong>. Eu me assustava com o <br />
assédio repentino, e as <strong>de</strong>clarações entre lágrimas, e os abraços <strong>de</strong> mãos trêmulas. Não é <br />
<strong>que</strong> me incomodava, eu só não en<strong>te</strong>ndia, não sabia o <strong>que</strong> fazer. Por <strong>que</strong> você não está feliz <br />
<strong>de</strong> me ver? Fiz algo <strong>de</strong> errado? Depois as coisas foram ficando mais in<strong>te</strong>nsas. <br />
Comecei a reparar <strong>que</strong> às vezes carros me seguiam quando eu saía do RecNov, e um <br />
dia minha mãe ligou dizendo <strong>que</strong> tinham umas crianças <strong>te</strong>ntando pular o muro da casa <strong>de</strong>la <br />
pra ver se eu estava lá. Isso me assustou muito. Quer me tietar, <strong>tudo</strong> bem; mas mexer com a <br />
privacida<strong>de</strong> da minha família era algo <strong>que</strong> eu não admitia. Fi<strong>que</strong>i resis<strong>te</strong>n<strong>te</strong> e <strong>de</strong>fensiva em <br />
relação a certos grupos <strong>de</strong> fãs mais radicais. Aos <strong>pouco</strong>s fui en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>ndo mais a <strong>que</strong>stão da <br />
emoção e do apego, e lidando melhor com o carinho in<strong>te</strong>nso <strong>que</strong> recebia. As únicas coisas <br />
<strong>que</strong> <strong>nunca</strong> consegui en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r foram: <br />
(1) violência – in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>te</strong> do quanto você gosta do trabalho do artista, você não <br />
<strong>te</strong>m o direito <strong>de</strong> machucá-‐lo; <br />
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(2) in<strong>te</strong>rrupção <strong>de</strong> uma refeição – por mais <strong>que</strong> o artista <strong>te</strong>nha um certo <strong>de</strong>ver com o <br />
seu público (e acho isso muito importan<strong>te</strong>), ele também é gen<strong>te</strong>, e não é legal in<strong>te</strong>rromper <br />
ninguém <strong>que</strong> está com comida na boca para pedir uma foto; <br />
(3) assédio sexual – não é por<strong>que</strong> o artista está <strong>te</strong> recebendo e <strong>te</strong> cumprimentando, <br />
<strong>que</strong> ele disponibilizou o corpo todo para você. Fungada no cango<strong>te</strong>, aperto <strong>de</strong> bunda e <br />
carícias em lugares inapropriados (como no cabelo ou no quadril) não são aceitáveis a não <br />
ser <strong>que</strong> o artista permita. O corpo ainda é <strong>de</strong>le, e isso <strong>te</strong>m <strong>que</strong> ser respeitado. Fora isso, <br />
todo carinho é bem-‐ vindo. <br />
Enquanto eu aprendia a lidar com todas essas novida<strong>de</strong>s, eu não parava <strong>de</strong> <br />
trabalhar. Chegavam cada vez mais capítulos, e eu comecei a estudar mais, a gravar mais, e <br />
a me <strong>de</strong>dicar ainda mais. Não tinha <strong>te</strong>mpo para sair, ver minha família ou ir à praia. O <br />
elenco passou a ser meu único contato com pessoas, o <strong>que</strong> acabou nos unindo mais. <br />
(Detalhe importan<strong>te</strong>: Foi na segunda <strong>te</strong>mporada da novela, <strong>que</strong> conheci o Diego e nos <br />
adotamos para a vida. Ele foi um supor<strong>te</strong> muito essencial na minha época mais difícil. Amo <br />
<strong>de</strong> paixão). Entrei tanto na cabeça da Roberta, e emprestava tanta coisa minha para a <br />
personagem, <strong>que</strong> me perdi um <strong>pouco</strong> <strong>de</strong> mim, comecei a misturar <strong>tudo</strong>. Eu en<strong>te</strong>ndo por <strong>que</strong> <br />
vocês me confun<strong>de</strong>m com ela, e alguns me chamam <strong>de</strong> Roberta até hoje; até eu me <br />
confundia. Eu vivia mais a vida <strong>de</strong>la do <strong>que</strong> a minha! Tive <strong>que</strong> levar essa <strong>que</strong>stão na minha <br />
<strong>te</strong>rapia e apren<strong>de</strong>r a me preservar melhor, o <strong>que</strong> foi um aprendizado muito importan<strong>te</strong> no <br />
meu amadurecimento como atriz. Agora, sem sombras <strong>de</strong> dúvida, posso garantir: eu e a <br />
Roberta somos muito diferen<strong>te</strong>s. Eu entrei muito na personagem, sim, mas ela não era eu e <br />
não pensava igual a mim. Não sou uma ex<strong>te</strong>nsão da vida <strong>de</strong>la. <br />
Recen<strong>te</strong>men<strong>te</strong>, quando clareei meu cabelo, alguns fãs comentaram na foto do meu <br />
Instagram: “a Roberta está voltando!”. Fi<strong>que</strong>i pasma. O <strong>que</strong> <strong>que</strong>riam dizer com isso? Eu tive <br />
cachinhos loiros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meu primeiro ano <strong>de</strong> vida. Por muito <strong>te</strong>mpo gos<strong>te</strong>i <strong>de</strong> pegar sol pro <br />
meu cabelo continuar loiro, e prefiro tons claros até hoje. Por <strong>que</strong>, quando volto pra minha <br />
cor <strong>de</strong> origem e preferência pessoal, o personagem <strong>que</strong> vivi anos atrás estaria voltando? <br />
En<strong>te</strong>ndo <strong>que</strong> alguns se apegaram muito a ela e aos outros personagens da novela. Eu <br />
também me apeguei! Amava viver aquilo <strong>tudo</strong>. O outro dia fui rever algumas cenas no <br />
YouTube e <strong>de</strong>i gargalhadas <strong>de</strong> tanta sauda<strong>de</strong> <strong>que</strong> ba<strong>te</strong>u! Realmen<strong>te</strong> foi uma novela muito <br />
gostosa <strong>de</strong> assistir. Mas os Rebel<strong>de</strong>s não eram a gen<strong>te</strong>, e as histórias <strong>que</strong> eles viviam não <br />
eram as nossas. Nossa vida fora <strong>de</strong> cena era outra. <br />
Vou aproveitar o embalo, e falar <strong>de</strong> um assunto tabu <strong>que</strong> evito há, pelo menos, <br />
quatro anos: LuAr. Eu sei <strong>que</strong> se formou um grupo for<strong>te</strong> <strong>de</strong> seguidores <strong>de</strong>s<strong>te</strong> conceito, ou <br />
seja, lá como se chama, e sei <strong>que</strong> rola um apego gran<strong>de</strong> em volta disso; então peço <br />
<strong>de</strong>sculpas se eu entris<strong>te</strong>cer alguém com o <strong>que</strong> vou falar agora, mas minha proposta com <br />
es<strong>te</strong> eBook é, an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> mais nada, ser muito honesta e trazer vocês pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> lugares <br />
<strong>que</strong> sempre fechei só pra mim... Eu sei <strong>que</strong> os casais na novela eram muito legais, e <strong>que</strong> a <br />
Roberta e o Diego tinham uma química e uma história bem bonita. A Margareth escrevia as <br />
cenas <strong>de</strong>les com muito carinho, e o Arthur e eu sempre nos empenhamos para fazer essas <br />
33
cenas com o mesmo cuidado. A gen<strong>te</strong> adorava o casal e torcia muito por eles. Mas, da <br />
mesma forma <strong>que</strong> a Roberta não sou eu, o casal da novela também não era a gen<strong>te</strong>. <br />
Com frequência, eu vejo esse tipo <strong>de</strong> confusão acon<strong>te</strong>cer. Dois atores <strong>que</strong> fizeram <br />
algum trabalho lindo juntos, acabam formando um casal na vida real, e todos acham <strong>que</strong> a <br />
relação <strong>de</strong>les é igual à dos personagens no tal filme, série, ou novela, e se apegam como se <br />
a<strong>que</strong>le romance afetasse a vida <strong>de</strong>ssas pessoas <strong>de</strong> alguma forma. Rola uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <br />
separar os atores da história <strong>que</strong> representaram. Mas a relação dos tais atores, no dia a dia, <br />
lamento dizer, geralmen<strong>te</strong> é bem distan<strong>te</strong> da dos personagens. Ou vocês realmen<strong>te</strong> acham <br />
<strong>que</strong> o namoro do Robert Pattinson com a Kris<strong>te</strong>n S<strong>te</strong>wart, na vida real, também girava em <br />
torno do conflito entre vampiros e lobos? <br />
Os conflitos amorosos entre a Roberta e o Diego <strong>nunca</strong> foram um paralelo do meu <br />
envolvimento com o Arthur na vida real. Acho até engraçado eu estar explicando isso, <br />
por<strong>que</strong> <strong>de</strong>veria ser óbvio. Ninguém sabe o <strong>que</strong> se passou entre nós dois duran<strong>te</strong> os <strong>pouco</strong>s <br />
meses em <strong>que</strong> namoramos. Fora algumas selfies no instagram, e algumas entrevistas em <br />
<strong>que</strong> estávamos um do lado do outro, ninguém <strong>te</strong>ve informação in<strong>te</strong>rna do <strong>que</strong> ocorria. <br />
Então, eu pergunto: por <strong>que</strong> o apego? Essa pergunta é para realmen<strong>te</strong> refletir sobre. Outra: <br />
DE ONDE vocês tiraram <strong>que</strong> fomos feitos um para o outro, se não sabem nem como era a <br />
nossa relação na vida real? Ao meu ver, o encantamento <strong>que</strong> vocês sentiram com a história <br />
linda do casal Roberta e Diego (<strong>que</strong> até eu sentia também, adorava eles), foi transferido <br />
para nós, meros trabalhadores a serviço dos nossos personagens. Isso acon<strong>te</strong>ceu <br />
principalmen<strong>te</strong> quando viram <strong>que</strong> estávamos envolvidos um com o outro na vida real. Mas, <br />
repito: não vivemos a<strong>que</strong>la relação. <br />
O fato <strong>de</strong>ssa confusão <strong>te</strong>r surgido na<strong>que</strong>la época, eu en<strong>te</strong>ndo. Era realmen<strong>te</strong> difícil <br />
<strong>de</strong> separar as coisas. Tínhamos a mesma cara dos personagens, então, ficção e realida<strong>de</strong> se <br />
confundiram. Ok. Agora... essa e<strong>te</strong>rna cisma, anos <strong>de</strong>pois, quando cada um já seguiu em <br />
fren<strong>te</strong> (algumas vezes!) na sua vida, e já ficou muito claro <strong>que</strong> não exis<strong>te</strong> absolutamen<strong>te</strong> <br />
nada entre nós dois, é injustificável! A insistência no assunto é algo <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> vou <br />
en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r. É <strong>que</strong>rer dar com a cara na pare<strong>de</strong>. A verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> até se gostava, mas <br />
éramos diferen<strong>te</strong>s <strong>de</strong>mais para dar certo. De fato, não fomos feitos um para o outro, e <br />
somos muito mais felizes agora, garanto. <br />
<strong>Um</strong> último comentário <strong>que</strong> sempre quis fazer e <strong>de</strong>pois prometo parar <strong>de</strong> dilacerar o <br />
conto <strong>de</strong> fadas <strong>de</strong> vocês. No dicionário a palavra luar é <strong>de</strong>finida como “um clarão da lua”. <br />
Ou seja, esse nome <strong>que</strong> foi dado a esse casal imaginário, na verda<strong>de</strong>, é só uma pe<strong>que</strong>na <br />
variação do MEU nome! O conceito todo do luar (o clarão da lua mesmo) está associado ao <br />
significado <strong>de</strong> um nome com o qual convivo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>que</strong> nasci. É meu. Sempre amei ver o <br />
brilho da lua, sempre foi algo muito especial por causa do meu nome, e agora meu <br />
vocabulário foi limitado por<strong>que</strong> estragaram o sentido <strong>de</strong>ssa palavra linda pra mim. Apoio o <br />
apego a DiRo, ou seja lá como <strong>que</strong>rem chamar os personagens <strong>que</strong>, sim, viveram uma linda <br />
história <strong>de</strong> amor. Mas, por favor, <strong>de</strong>volvam minha palavra! (Emoji <strong>de</strong> cara sofrida.) Pronto. <br />
Desabafei. Posso continuar minha história. <br />
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Alguns meses <strong>de</strong>pois da estreia da novela, começamos a gravar nosso primeiro CD. <br />
Recebemos as músicas prontas já com bases gravadas para apren<strong>de</strong>rmos, e fomos pra São <br />
Paulo colocar as vozes. Sempre amei trabalhar em estúdio <strong>de</strong> gravação, então todo o <br />
processo foi tranquilo para mim; mas eu senti o contras<strong>te</strong> <strong>de</strong> estar gravando algo <strong>que</strong> não <br />
era meu, e morri <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> da minha banda. Foi duran<strong>te</strong> as gravações, também, <strong>que</strong> <br />
recebi a notícia <strong>de</strong> <strong>que</strong> meu avô tinha falecido. Vol<strong>te</strong>i às pressas ao Rio e consegui chegar no <br />
final do velório. <strong>Minha</strong> maior tris<strong>te</strong>za foi não po<strong>de</strong>r estar do lado do vovô nos seus últimos <br />
meses <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> tanto <strong>que</strong> eu estava trabalhando. Mas o show <strong>de</strong>ve continuar, não é <br />
mesmo? <br />
Com o CD pronto, começamos a preparar o show. Tivemos dois fins <strong>de</strong> semana <strong>de</strong> <br />
ensaio <strong>de</strong> coreografia, duas sessões <strong>de</strong> ensaio com a banda, e voilà, o show estava pronto. <br />
Tudo <strong>te</strong>ve <strong>que</strong> ser espremido por causa da nossa agenda apertada <strong>de</strong> gravação da novela. A <br />
turnê começou e a magia acon<strong>te</strong>ceu. Como eu amava subir na<strong>que</strong>le palco e sentir a<strong>que</strong>la <br />
energia <strong>que</strong>n<strong>te</strong> e vibran<strong>te</strong> dos nossos fãs <strong>que</strong>ridos. Eu já me emocionava no camarim <br />
ouvindo os gritos. Na coxia, os seis se abraçavam e esperavam, ansiosos, pra entrar em <br />
cena. Mas a verda<strong>de</strong>ira alegria era quando a gen<strong>te</strong> entrava e achava <strong>que</strong> estava ficando <br />
surdo <strong>de</strong> tanto berro. Todo o trabalho duro valia a pena quando começava o show! Foram <br />
alguns dos momentos mais divertidos da minha vida até agora. Tive a chance, também, <strong>de</strong> <br />
conhecer vários cantos diferen<strong>te</strong>s do Brasil e <strong>de</strong> me apaixonar pelo nosso povo, com todas <br />
suas diversida<strong>de</strong>s e sota<strong>que</strong>s variados. <br />
O projeto foi avançando e começamos a sentir o verda<strong>de</strong>iro peso <strong>de</strong> ser Rebel<strong>de</strong>. A <br />
gen<strong>te</strong> gravava o dia in<strong>te</strong>iro, <strong>de</strong> segunda a quinta, e na noi<strong>te</strong> <strong>de</strong> quinta, íamos direto pro <br />
Aeroporto. Tinha show <strong>de</strong> sexta e domingo, e <strong>de</strong>pois a gen<strong>te</strong> voltava <strong>de</strong> madrugava e <br />
chegava direto para gravar na segunda-‐feira. Tínhamos três dias para ir pra casa, mas essa <br />
ida geralmen<strong>te</strong> era um ba<strong>te</strong>-‐volta. Como a produção da novela tinha <strong>que</strong> espremer todas as <br />
nossas cenas do bloco em quatro dias, e gravávamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo até a última cena da noi<strong>te</strong>, <br />
visitando até três fren<strong>te</strong>s diferen<strong>te</strong>s por dia. Eu dormia, em média, <strong>de</strong> quatro a cinco horas <br />
por noi<strong>te</strong>. <br />
Eu <strong>de</strong>corava meus <strong>te</strong>xtos nas salas <strong>de</strong> espera dos aeroportos, no nosso ônibus da <br />
turnê e nas salas <strong>de</strong> carac<strong>te</strong>rização enquanto nossa equipe <strong>de</strong> maquiadores e cabelereiros <br />
incríveis nos arrumavam para a gravação. Passamos a <strong>de</strong>senvolver a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dormir <br />
em qual<strong>que</strong>r lugar, qual<strong>que</strong>r canto. O <strong>de</strong>sespero batia mesmo era quando a gen<strong>te</strong> não tinha <br />
<strong>te</strong>mpo para comer. Eu não posso ficar sem comer, meu <strong>te</strong>mperamento não permi<strong>te</strong>. Ba<strong>te</strong> <br />
um mau humor <strong>que</strong> ninguém aguenta! Mas, apesar <strong>de</strong> <strong>tudo</strong>, eu gostava da correria. O Ivan, <br />
e os membros mais sensíveis e <strong>que</strong>ridos da nossa equipe, sempre nos <strong>de</strong>ram um supor<strong>te</strong> <br />
bom e ajudavam a aliviar um <strong>pouco</strong> a pressão do dia a dia. <br />
No dia em <strong>que</strong> fizemos show em Aracaju pela primeira vez, juntou uma multidão em <br />
volta do nosso ho<strong>te</strong>l – fechando duas pistas da principal avenida da cida<strong>de</strong> – <strong>que</strong> gritava <br />
nossos nomes e entoava as músicas do nosso repertório. Quando saí na sacada para olhar <br />
a<strong>que</strong>le mar <strong>de</strong> gen<strong>te</strong>, os berros aumentaram, e eu comecei a en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r o tamanho <strong>que</strong> o <br />
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nosso projeto tinha tomado. Eu lembro <strong>de</strong> <strong>de</strong>pois sentar na cama do ho<strong>te</strong>l com o coração <br />
acelerado e ficar só ouvindo a gritaria do lado <strong>de</strong> fora (<strong>que</strong> estava tão alta <strong>que</strong> parecia <strong>que</strong> a <br />
gen<strong>te</strong> ainda estava no meio do show), e pensar, e agora? O <strong>que</strong> eu faço com todo esse amor <br />
quando Rebel<strong>de</strong> acabar? Será <strong>que</strong> eles vão continuar <strong>que</strong>rendo me ouvir cantar quando eu <br />
não estiver mais com os outros cinco? <br />
Duran<strong>te</strong> as nossas duas turnês nacionais, eu conheci muitos profissionais brilhan<strong>te</strong>s e <br />
fui apren<strong>de</strong>ndo um <strong>pouco</strong> mais como o mercado musical funcionava. Eu vi o quanto era <br />
difícil se estabelecer e ainda mais difícil se man<strong>te</strong>r no círculo <strong>de</strong> atos musicais em <strong>de</strong>manda. <br />
Eu vi <strong>que</strong>, não importa o quão bom for o som, se não tiver <strong>de</strong>manda, não sobrevive no <br />
mercado. Eu amava cantar com a minha banda e sonhava muito po<strong>de</strong>r seguir uma carreira <br />
legal com eles, mas a gen<strong>te</strong> precisaria sobreviver. Já havia se passado quatro anos tocando <br />
só pra amigos e familiares, não era algo <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria (ou tinha condições <strong>de</strong>) continuar <br />
fazendo. Ficou claro para mim <strong>que</strong> nosso som <strong>te</strong>ria <strong>que</strong> ser reformulado e levado mais a <br />
sério <strong>que</strong> <strong>nunca</strong>. <br />
<strong>Um</strong> dos momentos mais marcan<strong>te</strong>s nessa minha formulação <strong>de</strong> <strong>que</strong>m eu sou hoje na <br />
música foi o show da Coldplay, no Rock in Rio 2011. Na época, a gen<strong>te</strong> ainda estava <br />
ensaiando o primeiro show, e eu andava um <strong>pouco</strong> <strong>de</strong>sanimada e confusa em relação ao <br />
meu lugar no mercado musical, à fama, e à ar<strong>te</strong> <strong>de</strong> uma forma geral. A Coldplay é uma <br />
banda <strong>que</strong> ouvi muito na minha vida, e era minha referência direta <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong> e talento. <br />
As músicas sempre mexeram muito comigo e eu sonhava em vê-‐las tocadas ao vivo. <br />
Duran<strong>te</strong> o show, eu me lembrei do por<strong>que</strong> eu amo a música. Lembrei <strong>que</strong> ainda <strong>te</strong>m gen<strong>te</strong> <br />
fazendo música muito boa, e <strong>que</strong> a verda<strong>de</strong> ainda po<strong>de</strong> ser encontrada nela. Eu fi<strong>que</strong>i aos <br />
prantos o show in<strong>te</strong>iro. Foi aí <strong>que</strong> eu tive cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong>, acon<strong>te</strong>cesse o <strong>que</strong> acon<strong>te</strong>cesse, eu <br />
não ia parar <strong>de</strong> cantar. Eles me passaram munição e garra pra insistir em expressar minha <br />
alma em música e levar para <strong>que</strong>m quisesse ouvir. <br />
O fim <strong>de</strong> Rebel<strong>de</strong> veio <strong>de</strong> uma forma abrupta. Estávamos NO MEIO da segunda <br />
<strong>te</strong>mporada da novela, e com muitas datas da turnê do nosso segundo disco ainda marcadas. <br />
A gen<strong>te</strong> sabia <strong>que</strong> estava acabando, e <strong>que</strong> faltava <strong>pouco</strong> para isso, mas não esperava <strong>que</strong> <br />
fosse tão <strong>de</strong> repen<strong>te</strong>. <strong>Um</strong> dia recebemos a notícia <strong>de</strong> <strong>que</strong> a novela seria encurtada e <strong>que</strong> <br />
<strong>te</strong>rminaria <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma semana. Algumas mudanças tinham ocorrido na novela, e não sei <br />
se por isso, o IBOPE estava caindo para números lamentáveis; então a chefia <strong>de</strong>cidiu <strong>que</strong> ela <br />
não ficaria mais no ar. Em outubro <strong>de</strong> 2012, dois anos <strong>de</strong>pois do início do nosso processo, a <br />
nossa novela acabou. Os shows continuaram por mais um semestre, mas aos <strong>pouco</strong>s, <br />
algumas datas foram caindo. Decidiram, então, <strong>que</strong> o último show seria em Fortaleza, no dia <br />
11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2013. Menos <strong>de</strong> uma semana an<strong>te</strong>s, fomos avisados <strong>que</strong> o show tinha sido <br />
cancelado. <br />
Fi<strong>que</strong>i arrasada. Queria me <strong>de</strong>spedir, <strong>que</strong>ria <strong>que</strong> os fãs também tivessem a chance <br />
<strong>de</strong> se <strong>de</strong>spedir, e senti for<strong>te</strong> esse vácuo no ar. Todos nós estávamos beirando a estafa <br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos meses <strong>de</strong> trabalho in<strong>te</strong>nso, e estava mesmo na hora <strong>de</strong> acabar. O plano <br />
<strong>nunca</strong> tinha sido <strong>que</strong> a banda continuasse in<strong>de</strong>finidamen<strong>te</strong>, o problema não foi esse. Tem <br />
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um <strong>te</strong>rmo em inglês chamado closure, <strong>que</strong> é usado para nomear a sensação <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong> <br />
<strong>te</strong>r algo bem concluído. Eu acho genial esse <strong>te</strong>rmo, por<strong>que</strong> essa sensação é necessária numa <br />
<strong>de</strong>spedida – ou no encerramento <strong>de</strong> algo – para <strong>que</strong> se siga em fren<strong>te</strong> em paz, sem <br />
pendências. Para mim, eles nos tinham privado do nosso closure e isso foi muito tris<strong>te</strong>. <br />
Nosso projeto, ao qual eu tinha <strong>de</strong>dicado tanto <strong>te</strong>mpo da minha vida, acabou assim, com <br />
uma mensagem apologética da nossa produtora no WhatsApp. <br />
Caí pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scanso merecido e necessitado. Fi<strong>que</strong>i um <strong>te</strong>mpo isolada, <br />
me reerguendo e colocando a cabeça no lugar. Evitava falar <strong>de</strong> Rebel<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> tinha <br />
acon<strong>te</strong>cido, como se fosse algo <strong>que</strong> eu pu<strong>de</strong>sse afastar <strong>de</strong> mim. Cinco meses <strong>de</strong>pois a Mel <br />
lançou seu primeiro livro, chamado Inclassificável – Memórias da estrada, com <strong>te</strong>xtos e <br />
poemas <strong>que</strong> ela escrevera duran<strong>te</strong> nosso <strong>te</strong>mpo juntos. Prometi um dia mostrar para vocês <br />
o <strong>te</strong>xto <strong>que</strong> eu escrevi logo <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> li o livro. Então vou colá-‐lo aqui embaixo, por<strong>que</strong> <br />
acho <strong>que</strong> ilustra bem esse meu momento pós-‐rebeldia e como fiz minhas pazes com o <strong>tudo</strong> <br />
<strong>que</strong> acon<strong>te</strong>ceu. <br />
Meu <strong>te</strong>xto para o livro da Mel:<br />
Eu acabo <strong>de</strong> ler o livro da Mel. Estou sentada na varanda da casa em<br />
<strong>que</strong> estou hospedada com um grupo <strong>de</strong> amigos, em Búzios. Cercada <strong>de</strong> paz,<br />
natureza e o suave barulho do mar à distância, embar<strong>que</strong>i na jornada pessoal<br />
da Mel <strong>que</strong> eu tinha acompanhado <strong>de</strong> longe, vendo ela, duran<strong>te</strong> meses, <strong>te</strong>clar<br />
no bloco <strong>de</strong> notas do celular. Ela tinha me mostrado alguns <strong>te</strong>xtos na época,<br />
mas eu finalmen<strong>te</strong> leria <strong>tudo</strong> da forma <strong>que</strong> ela, com tanto carinho e excelência,<br />
tinha escolhido pra juntar no livro. Estou, agora, envolvida e embargada <strong>de</strong><br />
emoções e <strong>de</strong> lembranças enquanto viro a última página da primeira obra <strong>de</strong><br />
uma mulher brilhan<strong>te</strong> <strong>que</strong> já prome<strong>te</strong> muito como escritora.<br />
Está exatamen<strong>te</strong> do jeito <strong>que</strong> eu tinha imaginado. Curto <strong>de</strong>mais, talvez<br />
– <strong>te</strong>nho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar lendo muito mais! Tem tantos <strong>de</strong>talhes, tantos<br />
momentos marcan<strong>te</strong>s e histórias <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o fôlego <strong>que</strong> na pressa <strong>de</strong> vivê-los,<br />
es<strong>que</strong>cemos <strong>de</strong> registrar – mas está exatamen<strong>te</strong> no tom da sensibilida<strong>de</strong> <strong>que</strong> a<br />
Meleca adquiriu e veio ex<strong>te</strong>rnando ao longo do último ano do nosso projeto.<br />
Eu sabia <strong>que</strong> essa sensibilida<strong>de</strong> não só transbordaria na obra <strong>de</strong>la, como seria<br />
a sua verda<strong>de</strong>ira essência.<br />
Já comecei o livro chorando. Levan<strong>te</strong>i inúmeras vezes para soar o<br />
nariz até <strong>de</strong>sistir e trazer logo o rolo in<strong>te</strong>iro <strong>de</strong> papel para minha<br />
espreguiça<strong>de</strong>ira. Só <strong>que</strong>m passou por <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> passamos, e “sentiu na pele”<br />
(como ela diz) o <strong>que</strong> vivemos, para en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r exatamen<strong>te</strong> <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> ela<br />
escreveu. Se o livro fosse meu, eu <strong>te</strong>ria começado exatamen<strong>te</strong> do mesmo jeito.<br />
Por mais <strong>que</strong> cada um <strong>te</strong>nha tido uma experiência particular e individual<br />
<strong>de</strong>ntro do projeto, os seis começaram do mesmo jeito: esperançosos e<br />
sonhadores. Eu chorei por<strong>que</strong> eu tinha es<strong>que</strong>cido como foi maravilhoso no<br />
início. Como eu entrava na Record com frio na barriga <strong>de</strong> tanta expectativa <strong>de</strong><br />
coisas boas por vir, <strong>de</strong> tanta se<strong>de</strong> pela prometida overdose <strong>de</strong> trabalho <strong>que</strong><br />
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somaria todas as minhas ativida<strong>de</strong>s preferidas, e com um grupo novo e<br />
apaixonan<strong>te</strong> <strong>que</strong> viria a ser minha segunda família pelos próximos anos.<br />
Tanto a novela quanto a turnê foram in<strong>te</strong>rrompidas e encerradas <strong>de</strong><br />
uma forma tão inesperada – e, até hoje, <strong>nunca</strong> explicada – numa época <strong>de</strong><br />
esgotamento físico, mental e emocional, <strong>que</strong> eu não tive <strong>te</strong>mpo <strong>de</strong> pensar nas<br />
par<strong>te</strong>s boas <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixaria pra trás, simplesmen<strong>te</strong> reconheci <strong>que</strong> já estava na<br />
hora <strong>de</strong> seguir em fren<strong>te</strong>. A Mel me trouxe <strong>de</strong> volta essa sensação gostosa e<br />
familiar <strong>de</strong> gargalhadas e abraços apertados e esperança efervescen<strong>te</strong> <strong>que</strong> foi<br />
tão nosso. Fomos muito felizes e nos divertimos muito e vivemos algo<br />
realmen<strong>te</strong> ines<strong>que</strong>cível, <strong>que</strong>, <strong>de</strong> fato, <strong>nunca</strong> vai voltar e <strong>que</strong>, sim, levaremos<br />
pro resto das nossas vidas.<br />
Eu não sei se foi por causa do rompan<strong>te</strong> bruto, ou pelo cansaço<br />
<strong>de</strong>scabido, ou <strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>sgosto <strong>que</strong> as duas coisas foram acumulando em<br />
mim; mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>que</strong> a novela <strong>te</strong>rminou, eu <strong>te</strong>nho <strong>te</strong>ntado fugir da sombra do<br />
<strong>que</strong> eu vivi como se o mais rápido <strong>que</strong> eu conseguisse distância <strong>de</strong>ssa<br />
memória, o mais eficien<strong>te</strong>men<strong>te</strong> o resto da minha vida começaria. Mas foi um<br />
plano falho, por<strong>que</strong> quando eu não estou in<strong>te</strong>ira, minha criativida<strong>de</strong> não flui e<br />
eu perco a cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong> direção <strong>de</strong>vo tomar e a <strong>de</strong>sbravada coragem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>rrubar <strong>tudo</strong> na minha fren<strong>te</strong> e ir atrás do meu objetivo. Como vou estar<br />
in<strong>te</strong>ira se essas memórias e essa experiência, como um todo, fazem par<strong>te</strong> <strong>de</strong><br />
mim? Eu fui muito feliz sendo Rebel<strong>de</strong> e, se pu<strong>de</strong>sse escolher, faria <strong>tudo</strong> <strong>de</strong><br />
novo. Aprendi sim, cresci, mu<strong>de</strong>i, segui em fren<strong>te</strong>, mas não me arrependo <strong>de</strong><br />
nada.<br />
Realmen<strong>te</strong> só tínhamos um ao outro. Realmen<strong>te</strong> <strong>de</strong>ixávamos as crises<br />
<strong>de</strong> riso e o humor constan<strong>te</strong> espantar o cansaço. Realmen<strong>te</strong> fomos acolhidos<br />
pelo Ivan, a Nádia, a Mari e a equipe da novela. Realmen<strong>te</strong> comemoramos a<br />
volta do Gil como produtor. Realmen<strong>te</strong> tivemos a turnê salva pela Carol, o<br />
Xepa e outras almas <strong>que</strong>ridas <strong>que</strong> trabalharam com amor para colocar nosso<br />
show na estrada. Realmen<strong>te</strong> dormíamos mais em quartos <strong>de</strong> ho<strong>te</strong>l, no nosso<br />
ônibus e escorados em cantos improvisados do <strong>que</strong> nas nossas casas.<br />
Realmen<strong>te</strong> nos perdíamos na poluição emocional <strong>que</strong> vem com a estrada<br />
solitária e a fama repentina. Realmen<strong>te</strong> tivemos nossas vidas mudadas.<br />
Realmen<strong>te</strong> valeu a pena.<br />
Eu percebo agora <strong>que</strong> só encarando isso <strong>tudo</strong> e como digeri as minhas<br />
dores e os meus pedaços <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> <strong>que</strong> vou conseguir ser realmen<strong>te</strong> honesta<br />
comigo mesma, e é só na honestida<strong>de</strong> <strong>que</strong> a minha ar<strong>te</strong> consegue permear. A<br />
Mel me ajudou a ver isso. Nossa criativida<strong>de</strong> flui através daquilo <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong><br />
vive, não daquilo <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> es<strong>que</strong>ce <strong>que</strong> viveu.<br />
Depois <strong>de</strong>sse dia, parei <strong>de</strong> evitar falar <strong>de</strong> Rebel<strong>de</strong>. Recolhi as minhas <br />
melhores memórias – das nossas viagens, dos nossos momentos <strong>de</strong> som <br />
<strong>de</strong>scontraído no ônibus, das nossas crises <strong>de</strong> riso no set <strong>de</strong> gravação, das nossas <br />
brinca<strong>de</strong>iras no palco, das piadas in<strong>te</strong>rnas e apelidos secretos, e <strong>de</strong> toda essa galera <br />
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<strong>que</strong>rida ao redor do Brasil <strong>que</strong> nos abraçou, nos amou, e <strong>que</strong> possibilitou o sonho <strong>de</strong> <br />
acon<strong>te</strong>cer – guar<strong>de</strong>i elas num lugar bem seguro no meu coração, e segui em fren<strong>te</strong> <br />
em paz. A Mel me <strong>de</strong>u o closure <strong>que</strong> eu precisava. <br />
Carreira solo e o forno infindável <br />
<strong>Minha</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não voltar para Lágrima Flor veio <strong>de</strong> forma gradativa e precisa. <br />
Duran<strong>te</strong> minha ausência, a banda tinha continuado suas ativida<strong>de</strong>s com o André nos vocais <br />
numa formação nova e linda <strong>que</strong> man<strong>te</strong>ve o trabalho vivo muito <strong>te</strong>mpo. Eu até cheguei a <br />
gravar, como atriz, um clipe com eles <strong>que</strong> insinuava uma possível volta minha. Mas quando <br />
começamos a conversar sobre o futuro da banda, na época em <strong>que</strong> Rebel<strong>de</strong> estava em sua <br />
reta final, eu vi <strong>que</strong> as coisas já estavam muito diferen<strong>te</strong>s e <strong>que</strong> a reformulação da banda <br />
<strong>que</strong> eu propunha, não seria tão fácil assim. <br />
O movimento <strong>que</strong> eu visava <strong>de</strong>mandaria uma <strong>de</strong>dicação extrema e um <br />
comprometimento <strong>de</strong> todos. Eu <strong>que</strong>ria trazer frescor à nossa sonorida<strong>de</strong>, compor músicas <br />
novas e começar uma fase totalmen<strong>te</strong> renovada pra gen<strong>te</strong>. Mas eles tinham outros <br />
objetivos e não cabia a mim forçar a barra nesse sentido. Eu en<strong>te</strong>ndi <strong>que</strong> estávamos em <br />
momentos diferen<strong>te</strong>s, o <strong>que</strong> impediria essa nova fase <strong>de</strong> fluir com tranquilida<strong>de</strong>. Mas eu <br />
não tinha mais como voltar atrás, estava totalmen<strong>te</strong> investida em <strong>de</strong>senvolver uma <br />
concepção musical <strong>que</strong> eu gestava, e era tar<strong>de</strong> para eu <strong>de</strong>sistir da i<strong>de</strong>ia. Foi mais for<strong>te</strong> do <br />
<strong>que</strong> eu a cer<strong>te</strong>za <strong>de</strong> <strong>que</strong>, mesmo sozinha, a renovação precisava ser feita. <br />
Foi com um aperto no coração <strong>que</strong> conversei individualmen<strong>te</strong> com cada in<strong>te</strong>gran<strong>te</strong> e <br />
con<strong>te</strong>i da minha <strong>de</strong>cisão. A Carol, <strong>que</strong> tinha continuado minha amiga <strong>de</strong> confiança duran<strong>te</strong> <br />
todos esses anos, foi a <strong>que</strong> mais me en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>u, e conversamos in<strong>te</strong>nsivamen<strong>te</strong> sobre o <br />
assunto. Temos a bendita mania <strong>de</strong> ser brutalmen<strong>te</strong> sinceras uma com a outra, e <br />
conseguimos expor nosso ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> uma forma respeitosa e toleran<strong>te</strong>. Ela lamentou <br />
o fim <strong>de</strong> um sonho, mas eu não vejo <strong>de</strong>ssa forma. Esse não era, ainda, o momento da <br />
banda. Mas <strong>nunca</strong> se sabe o dia <strong>de</strong> amanhã. Ainda <strong>te</strong>m um disco inédito in<strong>te</strong>iro pronto, <strong>que</strong> <br />
po<strong>de</strong> vazar a qual<strong>que</strong>r momento... <br />
Em janeiro <strong>de</strong> 2013, anunciei no Twit<strong>te</strong>r <strong>que</strong> lançaria um projeto solo. Não <strong>de</strong>i data, <br />
nem prazo, mas nesse dia o cronômetro dos meus fãs foi ligado e <strong>nunca</strong> mais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> <br />
me cobrar o resultado. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>te</strong> da <strong>de</strong>manda e dos pedidos, <strong>de</strong>cidi <strong>que</strong> eu não <strong>te</strong>ria <br />
pressa para formular meu álbum. Se valia a pena fazer, valia a pena fazer direito, <strong>de</strong> uma <br />
forma <strong>que</strong> eu acreditasse e amasse. Eu não <strong>que</strong>ria só lançar um single, <strong>que</strong>ria lançar uma <br />
carreira, uma <strong>que</strong> me <strong>de</strong>sse orgulho e <strong>que</strong> imprimisse <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu tinha <strong>de</strong> mais precioso. <br />
Esse processo começou do zero por<strong>que</strong> praticamen<strong>te</strong> <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu tinha <strong>de</strong>scoberto e <br />
<strong>de</strong>senvolvido sobre minha persona musical tinha sido em colaboração com o André. Ele <br />
tinha sido meu único parceiro <strong>de</strong> composição e <strong>de</strong> concepção até a<strong>que</strong>le ponto. Eu não me <br />
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sabia sem ele. Vol<strong>te</strong>i, então, à estaca zero e cavei minha alma para dar vida a <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu <br />
tinha guardado. Passei um ano refletindo, pesquisando e ouvindo música. <br />
Aprovei<strong>te</strong>i, também, pra matar sauda<strong>de</strong> da minha família (<strong>que</strong> eu fi<strong>que</strong>i quase dois <br />
anos sem ver direito) e passar muito <strong>te</strong>mpo com eles. Meu pai tinha casado <strong>de</strong> novo com a <br />
filósofa e acadêmica Paula, e minha mãe com o advogado Paulo. Os dois são pessoas <br />
<strong>que</strong>ridíssimas <strong>que</strong> amo muito. O Paulo <strong>te</strong>m uma filha <strong>de</strong> seis anos chamada Maria <strong>que</strong> <br />
ado<strong>te</strong>i no segundo <strong>que</strong> conheci. Ensinei ela a me chamar <strong>de</strong> irmãzona e a gostar <strong>de</strong> tranças <br />
embutidas. Ganhei um sobrinho incrível chamado Theo Sol, da relação do Pedro com a linda <br />
surfista e fisio<strong>te</strong>rapeuta curitibana Priscila. Eu amei o Theo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>que</strong> ele estava na barriga <br />
da Pri e hoje, aos três anos, ele é provavelmen<strong>te</strong> a pessoa mais especial e gostosa <strong>que</strong> <br />
conheço. Até hoje passar <strong>te</strong>mpo com minha família é a maior alegria na minha vida. <br />
Nesse meio <strong>te</strong>mpo, vol<strong>te</strong>i para o <strong>te</strong>atro e me joguei em novos personagens e novas <br />
histórias. Participei da comédia do Matheus Souza chamado Stand Up, <strong>que</strong> <strong>te</strong>ve uma <br />
<strong>te</strong>mporada em Copacabana e outra em Ipanema (com um elenco gran<strong>de</strong> e tão <strong>que</strong>rido <strong>que</strong> <br />
sou louca por todos até hoje [mas sempre vou <strong>te</strong> amar mais, Hamilton]). Depois montamos <br />
no Sesc-‐Copa um musical al<strong>te</strong>rnativo, também do Matheus, chamado As Coisas Que Fizemos <br />
e Não Fizemos, com músicas da banda The Magnetic Fields. O elenco era o Matheus, a <br />
Gisele Batista, e eu. Chamei o João Telles, meu amigo e vocalista da banda Pietros (a outra <br />
banda do André <strong>que</strong> era <strong>de</strong> metal mas não é mais), pra participar da or<strong>que</strong>stra, e foi lá, <br />
também, <strong>que</strong> conheci (e passei a amar) o Pablo Paleólogo, <strong>que</strong> viria a compor duas das <br />
músicas mais fofas do meu álbum. <br />
Duran<strong>te</strong> essas <strong>te</strong>mporadas <strong>te</strong>atrais, vol<strong>te</strong>i a <strong>te</strong>r contato com meus fãs <strong>que</strong>, para <br />
minha alegria, <strong>que</strong>riam prestigiar <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu fazia. Eles enchiam as sessões e se <br />
aglomeravam na porta do <strong>te</strong>atro no final pra falar comigo. No início nos atrapalhamos <br />
por<strong>que</strong> eles agiam igual ao <strong>te</strong>mpo dos shows: gritando quando eu entrava em cena, e me <br />
abraçando com <strong>de</strong>sespero ao me encontrar. Fui conversando com eles e ensinando <strong>que</strong> no <br />
<strong>te</strong>atro o comportamento era outro. Ali, eles podiam ficar mais calmos e falar comigo <br />
tranquilamen<strong>te</strong>. Eles me ouviam e foram amenizando a in<strong>te</strong>nsida<strong>de</strong> até <strong>que</strong> criamos uma <br />
relação mais agradável e respeitosa. <br />
Pensava muito em vocês (meus lindos fãs) na hora <strong>de</strong> formular meu som e o <br />
con<strong>te</strong>údo. Tinha muita coisa para dividir com vocês, e só <strong>de</strong> saber <strong>que</strong> vocês estavam <br />
dispostos a ouvir, me dava mais ânimo pra continuar correndo atrás. <br />
Decidi ficar na Record para continuar ganhando experiência e honrar meu contrato <br />
até o fim. Fi<strong>que</strong>i, também, por<strong>que</strong> eu não fazia i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> qual seria meu próximo passo e <br />
precisava <strong>de</strong> <strong>te</strong>mpo para pensar. Entrei para o elenco da novela Pecado Mortal para viver a <br />
Silvinha. Foi uma experiência tranquila e <strong>de</strong> muito aprendizado. No meio do processo, <br />
passei na audição para viver a Bia no musical Se Eu Fosse Você, e, como eu estava <br />
acostumada a excessos <strong>de</strong> trabalho, conciliei os ensaios e a <strong>te</strong>mporada do musical com as <br />
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gravações da novela (e também com a ajuda das duas produções <strong>que</strong> foram incríveis <br />
comigo). <br />
O musical foi outra forma maravilhosa <strong>de</strong> contato com meus fãs. Descobri como é <br />
<strong>de</strong>liciosa a nossa in<strong>te</strong>ração quando nos conhecemos melhor!!! Tanto a <strong>te</strong>mporada no Rio, <br />
quanto os cinco meses <strong>que</strong> passamos em cartaz em São Paulo serviram para trazer pessoas <br />
muito especiais <strong>de</strong> volta para a minha vida, e abrir com mais tranquilida<strong>de</strong> o meu canal com <br />
vocês. Quando Pecado Mortal <strong>te</strong>rminou e meu contrato chegou ao fim, em 2014, a Record <br />
até me ofereceu uma renovação, mas eu sabia <strong>que</strong> estava na hora <strong>de</strong> sair da minha zona <strong>de</strong> <br />
conforto e colocar o meu plano em ação. Sou muito agra<strong>de</strong>cida à emissora pela <br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>que</strong> ela meu <strong>de</strong>u e pelo <strong>que</strong> fez por mim nos quatro anos <strong>que</strong> estive lá. <br />
O Guga entrou na minha vida como um feixe <strong>de</strong> luz e calor numa hora em <strong>que</strong> eu <br />
precisava muito. Eu havia saído <strong>de</strong> um relacionamento <strong>que</strong> tinha sido muito importan<strong>te</strong> pra <br />
mim e estava passando por um processo doloroso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapego e entrega, o mais difícil <strong>que</strong> <br />
eu já tinha passado. O Guga é o melhor amigo da Estrela, com <strong>que</strong>m estou sempre grudada, <br />
então começamos a conviver muito e nos aproximar mais. Nosso primeiro beijo foi na fren<strong>te</strong> <br />
do Paris 6 numa madrugada em Janeiro, e <strong>nunca</strong> mais quisemos nos afastar. O Guga só me <br />
trazia <strong>te</strong>rnura e leveza, uma leveza <strong>que</strong> eu procurava muito na minha vida. Eu até <strong>te</strong>n<strong>te</strong>i <br />
resistir um <strong>pouco</strong>, mas ele só me dava razões pra ficar. Apesar das nossas muitas diferenças, <br />
nos encontramos no nosso sonho mútuo <strong>de</strong> viver da ar<strong>te</strong>, na nossa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser pessoas <br />
melhores, e <strong>de</strong> amar em paz, <strong>de</strong> uma forma ín<strong>te</strong>gra e pura. <br />
<strong>Um</strong> dia finalmen<strong>te</strong> <strong>de</strong>cidi: meu projeto estava pronto na minha cabeça. Eu <strong>que</strong>ria <br />
fazer um álbum POP, inédito, autobiográfico e totalmen<strong>te</strong> em português. Queria uma <br />
sonorida<strong>de</strong> <strong>que</strong> fosse a mistura do acústico com o eletrônico, e <strong>que</strong> tivesse um peso – uma <br />
massa sonora. Queria letras acessíveis, mas <strong>de</strong> bom gosto; uma música mainstream mas <br />
<strong>que</strong> eu tivesse orgulho <strong>de</strong> estar fazendo. Achava <strong>que</strong>, para criar esse som eu precisaria <br />
montar minha estrutura e minha equipe primeiro. Mas estava <strong>tudo</strong> bem formulado e era <br />
uma ótima i<strong>de</strong>ia, então não <strong>te</strong>ria problema algum em arrumar essa ajuda. <br />
Ninguém quis me apoiar. Duran<strong>te</strong> boa par<strong>te</strong> <strong>de</strong> um ano eu sen<strong>te</strong>i com empresários, <br />
investidores, produtores e até publicitários apresentando meu projeto e convencendo-‐os <strong>de</strong> <br />
<strong>que</strong> valeria a pena entrar como parceiros. Até fui a uma agência em Los Angeles duran<strong>te</strong> <br />
minha visita lá, e conversei com dois produtores <strong>que</strong> coor<strong>de</strong>navam os principais <br />
<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> gerenciamento na música e na <strong>te</strong>levisão. Con<strong>te</strong>i minha história e <br />
apresen<strong>te</strong>i meu projeto. Eles adoraram e disseram <strong>que</strong> tinha <strong>tudo</strong> para dar certo, mas <strong>que</strong> <br />
<strong>que</strong>riam esperar pra ouvir o disco pronto pra <strong>te</strong>r uma i<strong>de</strong>ia melhor. Percebi <strong>que</strong> meu gran<strong>de</strong> <br />
plano <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r um projeto abstrato era falho. E <strong>que</strong> sem a música, meu projeto ia <br />
continuar inexis<strong>te</strong>n<strong>te</strong>. Os <strong>pouco</strong>s produtores <strong>que</strong> se in<strong>te</strong>ressavam, <strong>de</strong>ixavam bem claro <strong>que</strong> <br />
seus valores e forma <strong>de</strong> ver a ar<strong>te</strong> eram muito diferen<strong>te</strong>s dos meus, o <strong>que</strong> já não era <br />
in<strong>te</strong>ressan<strong>te</strong> para mim. Não valia a pena fazer pelos motivos errados. <br />
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Conheci o Juliano Cortuah através do João Telles, <strong>que</strong> estava convencido <strong>de</strong> <strong>que</strong> o Ju <br />
seria a resposta para todos os meus problemas, e me levou à casa <strong>de</strong>le para ba<strong>te</strong>r papo. Foi <br />
um encontro emocionan<strong>te</strong> por<strong>que</strong>, pela primeira vez, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> minha parceria com o André, <br />
eu havia encontrado alguém <strong>que</strong> en<strong>te</strong>ndia o <strong>que</strong> eu dizia e conseguia traduzir em música as <br />
minhas impressões. O Juliano apoiava minhas resoluções e me disse o quão importan<strong>te</strong> era <br />
o fato <strong>de</strong> eu estar buscando fazer um som <strong>que</strong> eu amasse, do jeito <strong>que</strong> eu tinha imaginado; <br />
me encorajou a <strong>te</strong>r calma <strong>que</strong> as coisas fluiriam no <strong>te</strong>mpo certo. Continuamos nos <br />
encontrando, formulando e estudando sonorida<strong>de</strong>s juntos. Ficávamos horas ouvindo música <br />
juntos e conversando sobre. Ouvíamos muito, principalmen<strong>te</strong>, Pink, Taylor Swift e Demi <br />
Lovato, da on<strong>de</strong> sugávamos a maior par<strong>te</strong> das referências. Eu vibrava ao ver nossa sintonia <br />
aumentando. Eu tinha achado o meu produtor musical. <br />
Enquanto isso meu <strong>de</strong>sespero para achar alguém <strong>que</strong> ajudasse só aumentava. Os fãs <br />
me pressionavam e cobravam novida<strong>de</strong>s, e eu me sentia uma inútil por não po<strong>de</strong>r oferecer <br />
nada ainda. Não <strong>que</strong>ria lançar qual<strong>que</strong>r coisa, não <strong>que</strong>ria jogar alguns con<strong>te</strong>údos soltos na <br />
web só para fingir <strong>que</strong> algo estava acon<strong>te</strong>cendo. Eu realmen<strong>te</strong> não tinha nada. Eu ia à praia <br />
para escrever meus <strong>te</strong>xtos e <strong>te</strong>ntar criar alguma coisa e recebia mensagens grosseiras no <br />
Instagram reclamando por eu estar na praia ao invés do estúdio gravando alguma coisa. <br />
Tenho dificulda<strong>de</strong>, até hoje, <strong>de</strong> en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r essa <strong>de</strong>manda <strong>que</strong> um admirador <strong>te</strong>m em relação <br />
ao seu ídolo, como se, ao invés <strong>de</strong> sermos responsáveis por aquilo <strong>que</strong> cativamos, fôssemos <br />
escravos <strong>de</strong>le. Prefiro <strong>que</strong> seja uma troca, baseada no respeito e na paciência, on<strong>de</strong> o <br />
admirador confia <strong>que</strong> se nada está acon<strong>te</strong>cendo, é por<strong>que</strong> não é hora ainda. Muitos fãs, <br />
também, continuaram do meu lado, me encorajando e acreditando em mim. Sou muito <br />
grata a todos eles por <strong>te</strong>rem me dado essa injeção <strong>de</strong> coragem duran<strong>te</strong> meu processo <strong>de</strong> <br />
névoa. <br />
<strong>Um</strong> dia conversei com o Juliano sobre como eu estava <strong>de</strong>sanimada com as <br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>que</strong> estava encontrando, e disse <strong>que</strong> não sabia mais o <strong>que</strong> fazer. Ele disse <strong>que</strong> <br />
achava <strong>que</strong> meu maior problema era <strong>que</strong>rer <strong>te</strong>r <strong>tudo</strong> resolvido an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> começar a focar na <br />
música, <strong>que</strong> era a par<strong>te</strong> mais importan<strong>te</strong>. Ele continuou: <br />
— Você está sentada na varanda, reclamando <strong>que</strong> ninguém abre o portão. Levanta <br />
você e vai abrir o portão! Se mexe, grava suas músicas, <strong>que</strong> o resto começa a se encaixar. <br />
Eu <strong>te</strong>nho alguns momentos na vida em <strong>que</strong> levo uma pe<strong>que</strong>na porrada e passo a <br />
perceber <strong>que</strong> aquilo da qual eu tinha muita cer<strong>te</strong>za, estava equivocado. Eu <strong>te</strong>nho medo <br />
<strong>de</strong>sses momentos por<strong>que</strong> eles são sempre precedidos por uma resolução cega e inabalável. <br />
Fico com medo <strong>de</strong> acordar um dia e perceber <strong>que</strong> estou errada sobre absolutamen<strong>te</strong> <strong>tudo</strong> e <br />
<strong>te</strong>r <strong>que</strong> começar <strong>de</strong> novo (<strong>de</strong> novo). Es<strong>te</strong>, então, foi um <strong>de</strong>sses momentos. Me senti boba e <br />
superficial por estar mais in<strong>te</strong>ressada em <strong>que</strong>m distribuiria meu álbum do <strong>que</strong> em <br />
efetivamen<strong>te</strong> gravá-‐lo. <br />
Reajus<strong>te</strong>i minhas priorida<strong>de</strong>s e bolei um plano B em <strong>que</strong> <strong>tudo</strong> começaria pe<strong>que</strong>no e <br />
sem gran<strong>de</strong>s estruturas. Eu procuraria um apoiador só para o disco, e focaria na par<strong>te</strong> <strong>de</strong> <br />
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criação. O resto ficaria para <strong>de</strong>pois. Ano<strong>te</strong>i meu novo plano em tópicos numa folha <strong>de</strong> papel, <br />
e pendurei essa folha no espelho do armário do meu quarto, pra olhar todos os dias e me <br />
motivar. Sen<strong>te</strong>i com meu amigo Isaac Azar, em seu restauran<strong>te</strong> amado Paris 6, no Rio, e <br />
con<strong>te</strong>i-‐lhe toda minha situação. Ele, <strong>que</strong> sempre acreditou em mim, até quando eu tinha <br />
dúvidas <strong>de</strong> mim mesma, topou me ajudar na hora. Algumas semanas <strong>de</strong>pois, <strong>tudo</strong> foi <br />
acertado, e o Paris 6 passou a ser o apoiador oficial do álbum. Chorei <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença e <strong>de</strong> <br />
medo, e <strong>de</strong> alegria, e <strong>de</strong> frio na barriga, <strong>tudo</strong> ao mesmo <strong>te</strong>mpo. Depois <strong>de</strong> três anos, meu <br />
primeiro CD solo finalmen<strong>te</strong> seria gravado. <br />
#CDLuaBlanco <br />
Todo o processo do álbum ocorreu <strong>de</strong> uma forma muito emocionan<strong>te</strong> pra mim. <br />
Recolhi os <strong>te</strong>xtos <strong>que</strong> tinha escrito nos anos an<strong>te</strong>riores, escrevi uma <strong>de</strong>claração elaborada <br />
<strong>de</strong> <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> eu <strong>que</strong>ria dizer nas músicas e convi<strong>de</strong>i um grupo <strong>de</strong> compositores amigos pra <br />
criar <strong>tudo</strong> comigo. Nos reuníamos em encontros musicais <strong>de</strong> composição, em <strong>que</strong> todos <br />
colaboravam e participavam, e eu ia injetando i<strong>de</strong>ias e conceitos para moldar o caminho <br />
<strong>que</strong> as músicas tomavam. Foi lá <strong>que</strong> a primeira estrutura do disco começou a tomar forma. <br />
O primeiro grupo criativo contou com a colaboração do Gabriel Garcia, do Guga, do Pablo, <br />
do João e do Juliano, <strong>que</strong> coor<strong>de</strong>nou todo o processo, e mexeu nas harmonias <strong>de</strong> quase <br />
todas as canções. <br />
O <strong>te</strong>xto <strong>que</strong> li pros meninos no nosso primeiro encontro, como introdução pra todo o <br />
processo, começava assim: <br />
Projeto CD Lua Blanco<br />
Estamos começando hoje um novo ciclo, um ciclo pelo qual espero<br />
ansiosamen<strong>te</strong> por muito <strong>te</strong>mpo. Chegou a hora <strong>de</strong> finalmen<strong>te</strong> cavar, catar <strong>tudo</strong> <strong>que</strong><br />
está guardado em mim, esperando pra ser dito, e trazer isso à luz para entregar nas<br />
mãos <strong>de</strong> vocês, parceitors na ar<strong>te</strong>, compositores <strong>que</strong> escolhi a <strong>de</strong>do pra ajustar <strong>tudo</strong><br />
no formato necessário para es<strong>te</strong> trabalho: na música!<br />
Esse processo é <strong>de</strong>licado pra mim pois trata-se da minha vida e das minhas<br />
sensações, dos meus segredos, <strong>que</strong> confio a vocês. Quero <strong>que</strong> esse disco <strong>te</strong>nha a<br />
minha cara e confio <strong>que</strong> vocês vão me ajudar a retratá-la da melhor forma possível.<br />
Vou resumir um <strong>pouco</strong> do <strong>que</strong> mais <strong>que</strong>ro dizer, só pra gen<strong>te</strong> começar, pra dar a<br />
vocês a idéia inicial do tom do nosso disco.<br />
Sou uma pessoa com uma personalida<strong>de</strong> muito for<strong>te</strong> e com muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ver o mundo se encaixar no meu i<strong>de</strong>al. Tenho um coração enorme e muito amor pra<br />
dar. Sou apaixonada pela minha família, louca pelos meus amigos e obcecada por<br />
bebês e crianças pe<strong>que</strong>nas <strong>de</strong> uma forma geral. Tenho a mania <strong>de</strong> <strong>que</strong>rer salvar todo<br />
mundo, cuidar <strong>de</strong> todos <strong>que</strong> amo, ser mãe <strong>de</strong> todos, salvadora da pátria. Mas também<br />
sou egoísta, cabeça dura, <strong>te</strong>mperamental, e com o humor levemen<strong>te</strong> oscilan<strong>te</strong>. Sou<br />
in<strong>te</strong>ligen<strong>te</strong>, <strong>de</strong>dicada, profissional, generosa, muito for<strong>te</strong> e com uma fome imensa<br />
para apren<strong>de</strong>r. Também sou fraca, <strong>que</strong>brada, chorosa, emotiva, e extremamen<strong>te</strong><br />
apegada ao passado. Tenho áreas <strong>que</strong> já estão mais evoluídas enquanto outras estão<br />
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primitivas, mas encaro todas elas. A pessoa com <strong>que</strong>m sou mais exigen<strong>te</strong> sou eu<br />
mesma.<br />
E o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ro dizer pro mundo? Qual mensagem <strong>que</strong>ro passar pros meus fãs?<br />
A mensagem <strong>de</strong> <strong>que</strong> eles não <strong>te</strong>m <strong>que</strong> passar a vida <strong>te</strong>ntando se encaixar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um mol<strong>de</strong> e <strong>te</strong>ntando “ser” alguém. Eles estão “sendo” justamen<strong>te</strong> quando param <strong>de</strong><br />
<strong>te</strong>ntar. Quero passar a idéia <strong>de</strong> <strong>que</strong> não precisamos engolir <strong>tudo</strong>, <strong>de</strong> <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos nos<br />
posicionar, <strong>de</strong> <strong>que</strong> <strong>te</strong>m algumas brigas <strong>que</strong> po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser compradas. Quero<br />
ensinar a força <strong>que</strong> vem <strong>de</strong> saber <strong>que</strong>m você é e qual o seu valor no mundo, e a força<br />
maior ainda <strong>que</strong> vem quando você para <strong>de</strong> se preocupar com o valor <strong>que</strong> os outros <strong>te</strong><br />
dão. Nossa força vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, da nossa cer<strong>te</strong>za.<br />
Quero ensinar as meninas a se valorizarem e pararem <strong>de</strong> se colocar à mercê<br />
<strong>de</strong> mole<strong>que</strong>s sedutores, vazios, e cobertos <strong>de</strong> papo furado. Quero falar para uma<br />
geração sobre o amor verda<strong>de</strong>iro. Sobre a minha busca por ele. O amor <strong>que</strong> não é<br />
egoísta. Que não o<strong>de</strong>ia e rivaliza para amenizar a dor. Que não hostiliza para <strong>que</strong><br />
consiga es<strong>que</strong>cer. Que pare <strong>de</strong> fazer vítimas só por<strong>que</strong> um dia foi um. <strong>Um</strong> amor <strong>que</strong><br />
se preocupa com o próximo an<strong>te</strong>s, duran<strong>te</strong>, <strong>de</strong>pois e até nos casos “quase-mas-nãofoi”<br />
<strong>de</strong> uma relação. Mas também <strong>que</strong>ro falar sobre amar a si mesmo, cuidar <strong>de</strong> si<br />
mesmo, pro<strong>te</strong>ger seu coração para <strong>que</strong> ele possa estar in<strong>te</strong>iro quando precisar <strong>de</strong>le.<br />
Quero falar sobre o amor em seu formato mais honesto, com luz em todas as<br />
nossas falhas e forças humanas. Quero colocar meu i<strong>de</strong>ais, minhas opiniões e<br />
convicções em refrões for<strong>te</strong>s e memoráveis. Quero me mostrar uma mulher for<strong>te</strong> e<br />
confian<strong>te</strong>; e também <strong>que</strong>ro me revelar a menina fraca e insegura <strong>que</strong> sou, <strong>que</strong> é<br />
dominada pelas pe<strong>que</strong>nices do ego e pelo medo <strong>de</strong> não ser amada. Quero encorajar e<br />
fortalecer, mas também oferecer um espaço <strong>de</strong> compreenção e aceitação <strong>de</strong> fra<strong>que</strong>zas<br />
e incapacida<strong>de</strong>s. Quero me expor. Quero falar dos meus amores e dos corações<br />
partidos. Quero falar do <strong>que</strong> ainda não superei, do <strong>que</strong> <strong>nunca</strong> es<strong>que</strong>ci, e do <strong>que</strong> já foi<br />
es<strong>que</strong>cido mas <strong>que</strong> marcou tanto <strong>que</strong> precisa <strong>de</strong> um registro.<br />
Quero uma música <strong>que</strong> fale justamen<strong>te</strong> da geração po<strong>de</strong>rosa <strong>que</strong> a gen<strong>te</strong> <strong>te</strong>m<br />
o po<strong>te</strong>ncial <strong>de</strong> ser! Temos tanta coisa na mão e ficamos reclamando <strong>de</strong> como a<br />
geração an<strong>te</strong>rior à nossa está errada, como os políticos estão corruptos, como nada no<br />
país funciona. ENTÃO SEJAMOS NÓS A MUDANÇA! Sejamos o exemplo! <strong>Um</strong>a<br />
hora o país vai estar nas nossas mãos. Vamos seguir os passos <strong>de</strong>les, ou vamos mudar<br />
agora? O país está cada vez mais caótico, está na hora da ar<strong>te</strong> começar a se<br />
manifestar sobre isso como faziam na época da ditadura. Esse é o pais <strong>que</strong> <strong>te</strong>mos<br />
hoje. Vamos marcar essa história.<br />
As musicas <strong>de</strong> amor <strong>te</strong>m <strong>que</strong> ser fenomenais, <strong>de</strong> um amor <strong>que</strong> <strong>te</strong> dá vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> arrancar suas próprias tripas, <strong>de</strong> um amor <strong>que</strong> faz você não <strong>que</strong>rer viver mais num<br />
mundo on<strong>de</strong> essa pessoa não é mais sua, <strong>de</strong> um amor <strong>que</strong> faz você se paralisar no<br />
<strong>te</strong>mpo, <strong>de</strong> um amor da qual você abre mão por<strong>que</strong> prefere o bem estar do outro do<br />
<strong>que</strong> sua própria satisfação. <strong>Um</strong> amor <strong>que</strong> se per<strong>de</strong>u por egoísmo, e <strong>que</strong> <strong>de</strong>scobriu<br />
como ser verda<strong>de</strong>iro quando já era tar<strong>de</strong>. Tem <strong>que</strong> <strong>te</strong>r pelo menos uma música<br />
fenomenal pra esse amor.<br />
Mas também <strong>te</strong>m <strong>que</strong> <strong>te</strong>r musicas <strong>que</strong> encaram o meu lado podre, meu lado<br />
revoltado. Sou <strong>te</strong>mperamental (entre outros motivos) por <strong>que</strong> <strong>te</strong>nho muita indignação<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Tenho muito o <strong>que</strong> <strong>de</strong>sabafar. Quero <strong>que</strong> as letras <strong>te</strong>nham um tom <strong>de</strong><br />
honestida<strong>de</strong> escrachada e meio ácida. Eu curto. Tipo, mostro minhas verda<strong>de</strong>iras<br />
cores sim, não fico só fingindo <strong>que</strong> sou uma boazinha com lição <strong>de</strong> moral pra dar.<br />
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Quero também <strong>te</strong>r uma música só pros fãs, uma pra eles cantarem nos shows,<br />
uma feita só pra eles. <strong>Um</strong>a homenagem bonita <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixe bem claro o quão<br />
agra<strong>de</strong>cida eu estou por eles me incentivarem, encorajarem e, muitas vezes, me<br />
convencerem <strong>que</strong> vale a pena continuar na batalha.<br />
(E seguia pra falar <strong>de</strong> estilo e referências...)<br />
Os compositores foram muito pacien<strong>te</strong>s comigo, e procuraram en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r exatamen<strong>te</strong> <br />
quais sentimentos eu <strong>que</strong>ria carimbar no meu som. Adaptaram, também, seus gostos e <br />
estilos pessoais pra se ajustarem às carac<strong>te</strong>rísticas específicas do POP, dando uma <br />
uniformida<strong>de</strong> a <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> era criado. Depois, <strong>de</strong> uma forma orgânica ao longo do processo, <br />
surgiram mais alguns compositores <strong>que</strong> colaboraram <strong>de</strong> diversas formas com o repertório <br />
final, <strong>que</strong> foram: Cassiano Andra<strong>de</strong>, Nego Joe, Dudu Valle, Dan Torres, e meu lindo <br />
papaizinho Billy Blanco Jr. Sou muito grata a todos eles, meus príncipes no cavalo branco, <br />
pela paciência, sensibilida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>dicação <strong>que</strong> tiveram comigo. A alma é minha, mas o <br />
talento é <strong>de</strong>les, e esse álbum não existiria sem a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les em me fornecê-‐lo. <br />
A canção Eu e o Tempo foi a primeira da lista. O Gabriel tinha me mandado um <br />
esboço <strong>de</strong>la no ano an<strong>te</strong>rior e eu implorei pra ele guardar a música pra mim. Po<strong>de</strong> <strong>te</strong>r sido <br />
escrita por ele, mas ela sou eu totalmen<strong>te</strong>. Decidi na hora <strong>que</strong> seria minha primeira música <br />
e, sem falhar, ela foi a primeira a entrar na lista. Acrescentamos muita coisa pra <strong>de</strong>ixar ela <br />
assim, do jeito <strong>que</strong> você ouviu. Eu amo essa canção tanto <strong>que</strong> quis <strong>que</strong> vocês ouvissem ela <br />
primeiro também, por mais <strong>que</strong> <strong>te</strong>nha uma sonorida<strong>de</strong> mais leve <strong>que</strong> o resto do CD. Para <br />
mim, ela representa o meu atraso, a minha <strong>de</strong>mora e as coisas <strong>que</strong> <strong>que</strong>remos, mas <strong>que</strong> nem <br />
sempre vem, e a beleza <strong>que</strong> há nisso <strong>tudo</strong>. Ela representa o fim da espera, e o começo <strong>de</strong> <br />
algo lindo; uma alma lavada pres<strong>te</strong>s a se abrir. <br />
Tenho muito o <strong>que</strong> dizer sobre cada canção, mas vou guardar pra quando elas <br />
saírem, pra vocês po<strong>de</strong>rem ouvir enquanto leem. Cada música foi escolhida a <strong>de</strong>do e <br />
efusivamen<strong>te</strong> trabalhada em cima. Eu escrevi todos os nomes das possíveis candidatas em <br />
post-‐its e colei no meu espelho. Mon<strong>te</strong>i todo um mural <strong>de</strong> preferências e consi<strong>de</strong>rações. Eu <br />
estudava esse mural diariamen<strong>te</strong>, trocando os a<strong>de</strong>sivos <strong>de</strong> lugar e sentindo uma alegria <br />
extrema <strong>de</strong> ver o abstrato tomando forma. <br />
Enquanto eu focava na par<strong>te</strong> criativa, pedi ajuda a três amigos produtores para <br />
supervisionar o processo e administrar as coisas comigo: A Esther Oli, minha linda e fiel <br />
escu<strong>de</strong>ira, <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> Lágrima Flor já planejava trabalhar comigo para sempre; a <br />
Ty Prieto, minha quase irmã <strong>que</strong> amo e <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria muito trabalhar com produção; e o <br />
Fabinho Campos, meu amigo gênio <strong>de</strong> produção com <strong>que</strong>m trabalhei no Se Eu Fosse Você e <br />
prometi um dia roubar <strong>de</strong> lá. Os três toparam me ajudar e formaram uma pe<strong>que</strong>na cúpula <br />
<strong>que</strong> seria o início da minha equipe. De fato, aos <strong>pouco</strong>s as coisas foram entrando no lugar. <br />
Con<strong>te</strong>i muito, também, com a Juliana Cer<strong>de</strong>ira e o Lucas, <strong>que</strong> filmaram e fotografaram uma <br />
gran<strong>de</strong> par<strong>te</strong> do processo <strong>de</strong> gravação pra nossa websérie <strong>que</strong> estreia em breve. Outras <br />
pessoas <strong>que</strong> também colaboraram na filmagem, e a <strong>que</strong>m sou muito agra<strong>de</strong>cida, são: o <br />
Tchello, a Paulinha, o próprio Juliano, e a Marcellinha Rica. <br />
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A entrada da Marcellinha no projeto se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma forma inesperada e milagrosa. <br />
Sabe esses momentos na vida em <strong>que</strong> algo cai do céu e você <strong>te</strong>m dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acreditar? <br />
Eu contava pra ela, em conversas <strong>de</strong> amiga, sobre o <strong>que</strong> estava rolando, <strong>que</strong> eu estava <br />
tocando meu projeto sozinha com a ajuda <strong>de</strong> uma pe<strong>que</strong>na equipe, e <strong>que</strong> não sabia no <strong>que</strong> <br />
daria. Ela tinha tantas i<strong>de</strong>ias boas <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s audiovisuais na web para sugerir, <strong>que</strong> <br />
me dava dor <strong>de</strong> cabeça só <strong>de</strong> pensar em tocar mais coisas sozinha. Brin<strong>que</strong>i, “<strong>que</strong>r trabalhar <br />
comigo?”. Ela não só topou, como trouxe o Clemen<strong>te</strong>, um amigo nosso <strong>que</strong> estava <br />
começando a gerenciar artistas musicais, <strong>que</strong>, por sua vez, trouxe a Rosângela, sua sócia <br />
fofa e mega experien<strong>te</strong> do mercado. Apresen<strong>te</strong>i meu projeto a eles (como havia feito <br />
inúmeras vezes an<strong>te</strong>s), e nem acredi<strong>te</strong>i quando me disseram <strong>que</strong> <strong>que</strong>riam trabalhar comigo <br />
e assumir toda a minha carreira musical. Fi<strong>que</strong>i tão feliz com a<strong>que</strong>la notícia <strong>que</strong> acho <strong>que</strong> <br />
dormi melhor na<strong>que</strong>la noi<strong>te</strong> do <strong>que</strong> nos últimos três anos. Finalmen<strong>te</strong> o peso <strong>de</strong> me <br />
empresariar sozinha tinha sido retirado dos meus ombros, e eu po<strong>de</strong>ria focar na par<strong>te</strong> <br />
criativa sem culpa ou preocupação alguma. <br />
Os três formaram uma equipe <strong>que</strong> eu brinco chamando <strong>de</strong> A Trinda<strong>de</strong>. Me <br />
ensinaram sobre as mudanças atuais do mercado musical e me apresentaram um mundo <br />
novo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s pra alcançar as pessoas com o meu trabalho. Con<strong>te</strong>i da minha <br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>te</strong>r um contato direto com <strong>que</strong>m quisesse me ouvir e um espaço pra eu dividir <br />
<strong>tudo</strong> meu com essas pessoas. Formulamos juntos, então, nosso primeiro plano <strong>de</strong> ação <strong>que</strong> <br />
consis<strong>te</strong> em todas as surpresas <strong>que</strong> vocês vão receber nas próximas semanas. Eles passaram <br />
os últimos meses exaustivamen<strong>te</strong> trabalhando para criar uma forma criativa e personalizada <br />
<strong>de</strong> levar meu CD até vocês, e eu não po<strong>de</strong>ria <strong>te</strong>r sido mais sortuda <strong>de</strong> <strong>te</strong>r eles comigo. Além <br />
<strong>de</strong> ótimos profissionais, são pessoas lindas <strong>que</strong> amo <strong>te</strong>r por perto. Realmen<strong>te</strong>, <strong>de</strong>ssa vez a <br />
sor<strong>te</strong> lembrou <strong>de</strong> vir. <br />
Par<strong>te</strong> do nosso plano foi a construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> visual. A Rô trouxe o <strong>de</strong>signer <br />
ve<strong>te</strong>rano e brilhan<strong>te</strong> Luiz S<strong>te</strong>in pra roda, <strong>que</strong> generosamen<strong>te</strong> topou nos honrar com seu <br />
talento. Eu convi<strong>de</strong>i o fotógrafo Vinicius Mochizuki, a minha maquiadora do coração e amiga <br />
<strong>que</strong>rida Vivi Gonzo, e a produtora <strong>de</strong> moda Camila Vianna, e juntos fizemos o ensaio <br />
fotográfico mais divertido e feliz da qual já participei. Desse ensaio saíram a capa do disco, e <br />
todo o ma<strong>te</strong>rial visual pro projeto <strong>que</strong> preparamos. Amei <strong>tudo</strong> num grau inacreditável. Na <br />
hora em <strong>que</strong> mais precisamos <strong>de</strong>le, chegou o Rick Ya<strong>te</strong>s, o consultor <strong>de</strong> marketing <br />
indispensável, pra fechar com chave <strong>de</strong> ouro a minha equipe dos sonhos. Às vezes no meio <br />
<strong>de</strong> uma reunião, eu paro, olho pra eles, e me emociono com como, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> toda minha <br />
espera, consegui achar gen<strong>te</strong> tão boa <strong>que</strong> acreditasse tanto em mim. <br />
No estúdio com o Juliano, uma vez <strong>que</strong> fechamos o repertório, começamos o <br />
processo das gravações. (Na verda<strong>de</strong>, as gravações começaram <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> as primeiras <br />
cinco músicas ficaram prontas, e eu fi<strong>que</strong>i <strong>que</strong> nem uma louca pra fechar as outras cinco <br />
enquanto também focava nas primeiras bases. Foram meses <strong>de</strong> muita adrenalina, pra dizer <br />
o mínimo.) Começamos montando a estrutura <strong>de</strong> cada canção e <strong>de</strong>finindo seu arranjo. <br />
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Então mergulhávamos nas referências, e pescávamos caminhos <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong> pra cada <br />
trecho. Depois, minuciosamen<strong>te</strong> trabalhamos em cima <strong>de</strong> cada instrumento e programação, <br />
estudando as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> timbre, <strong>de</strong> peso e <strong>de</strong> levada. O Juliano com todo seu talento, <br />
experiência e paciência comigo, foi explicando <strong>tudo</strong> passo a passo, e me <strong>de</strong>ixou acompanhar <br />
e participar <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>talhe. Foi uma aula e tanta, e ao fim <strong>de</strong> cada dia eu sentia uma <br />
inquietu<strong>de</strong> boa <strong>de</strong> ver mais um passo avançado. <br />
Colocamos voz guia em cada base, conforme o es<strong>que</strong>leto ficava pronto, e eu levei <br />
todas pra sala <strong>de</strong> aula da professora <strong>de</strong> canto e fonoaudióloga Danielle Lima, <strong>que</strong> trabalhou <br />
cada música comigo, cuidadosamen<strong>te</strong>, corrigindo e aprimorando minha forma <strong>de</strong> cantá-‐la, <br />
exercitando minha voz pra fortalecê-‐la e <strong>de</strong>ixando saudáveis as cordas vocais. Devo a ela a <br />
tranquilida<strong>de</strong> com <strong>que</strong> gravei as vozes solo no final do processo. Ganhei um nebulizador <br />
portátil das minhas <strong>de</strong>dicadas e amadas fãs paulistas, e passei a fazer nebulização todos os <br />
dias, o <strong>que</strong> só ajudou meu processo <strong>de</strong> preparação ainda mais. <br />
Gravei as vozes oficiais do CD com um sorriso <strong>de</strong> orelha a orelha. O Juliano me dirigiu <br />
a<strong>te</strong>nciosamen<strong>te</strong> e cuidou pra <strong>que</strong> cada take fosse escolhido com precisão. Eu can<strong>te</strong>i com <br />
todo meu amor por aquilo <strong>que</strong> estava se formando e pelas letras <strong>que</strong> já eram par<strong>te</strong> <strong>de</strong> mim. <br />
As participações especiais já tinham sido escolhidas an<strong>te</strong>s das músicas existirem. <br />
Quando o disco era só uma i<strong>de</strong>ia no papel, os nomes já estavam anotados no meu ca<strong>de</strong>rno. <br />
O Gugu Peixoto é um cantor <strong>de</strong> muita alma e lágrima, e possui uma das vozes masculinas <br />
mais lindas <strong>que</strong> já ouvi. Ele é vocalista da banda Playmobille, da qual sou fã há pelo menos <br />
seis anos. Já havia cantado comigo algumas vezes na época da Lágrima Flor, e eu sempre <br />
quis gravar um dueto com ele. Ele aceitou meu convi<strong>te</strong> quase dois anos an<strong>te</strong>s <strong>de</strong> eu ir pro <br />
estúdio e me cobrava sempre <strong>que</strong> me encontrava. Quando a canção Tanto ficou pronta, na <br />
hora eu sabia <strong>que</strong> esse seria o nosso dueto. Ele amou a música e a in<strong>te</strong>rpretou tão <br />
brilhan<strong>te</strong>men<strong>te</strong> quanto eu tinha esperado. Amo quando eu sigo meu instinto e vejo <strong>que</strong> ele <br />
estava certíssimo. Essa música <strong>nunca</strong> <strong>te</strong>ria funcionado tão bem <strong>de</strong> outra forma. <br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pedir pro Mika fazer um rap em alguma música minha, também tinha <br />
surgido há muitos anos atrás. Gosto muito do trabalho solo do Mika, e adoro os raps <strong>que</strong> ele <br />
faz e o swing <strong>que</strong> ele traz para as músicas. Escolhi a minha faixa com o arranjo mais POP, a <br />
Vem Não Vem, e man<strong>de</strong>i pra ele. Ele adorou, aceitou o convi<strong>te</strong> e veio paro o Rio gravar. Ele <br />
fez a letra na hora, e eu <strong>de</strong>i gargalhadas <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> enquanto ele gravava. Realmen<strong>te</strong> <br />
ficou exatamen<strong>te</strong> da forma <strong>que</strong> eu tinha imaginado, com todo o bom humor e a atitu<strong>de</strong> <br />
verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>le. Fi<strong>que</strong>i muito feliz com o resultado! <br />
Meus irmãos também foram uma concepção <strong>de</strong> <strong>te</strong>mpos atrás, quando pirei na <br />
música Home, do Phil Phillips, e me imaginei cantando o coro final com todos meus irmãos. <br />
Essa vonta<strong>de</strong> ficou comigo, e quando O Gosto do Amanhã ficou pronto, eu sabia <strong>que</strong> o final <br />
<strong>de</strong>la tinha <strong>que</strong> ser representado por uma galera. Meus irmãos aceitaram, e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <br />
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alguma dificulda<strong>de</strong> em conciliar seis agendas (mais a do Juliano), nos reunimos todos, <br />
Marisol, Dani, Estrela, Terrinha, Pedro, Ju e eu (ainda foram os agregados Guga, Ty e <br />
Samara) na Nave e fizemos a maior bagunça <strong>de</strong> todas. Estou tão feliz <strong>que</strong> esse dia foi <br />
filmado, por<strong>que</strong> são imagens e memórias <strong>que</strong> vou <strong>que</strong>rer guardar pra sempre. <br />
Paralelamen<strong>te</strong> com todo o processo, ainda mergulhei em mais um projeto <strong>te</strong>atral. O <br />
Igor Cosso <strong>te</strong>rminou seu primeiro <strong>te</strong>xto e me convidou pra montar com ele o espetáculo <br />
Primeiro Sinal, <strong>que</strong> acei<strong>te</strong>i com ânimo. Fomos dirigidos pelo Ícaro Silva e o Fábio Cardoso, e <br />
produzidos primeiro pela Marcela Nunes, <strong>de</strong>pois pela Fabiana Mattar e a Debora Barreto. <br />
Saímos em uma turnê nacional, <strong>que</strong> durou ao todo, cinco meses, e na qual me diverti muito. <br />
Foi nessa turnê, ao revisitar algumas das cida<strong>de</strong>s em <strong>que</strong> eu já tinha feito show, <strong>que</strong> tive a <br />
chance <strong>de</strong> reencontrar alguns fãs <strong>que</strong>ridos <strong>que</strong> iam ao <strong>te</strong>atro me levando flores, lembranças <br />
e abraços apertados. A cada fila <strong>de</strong> a<strong>te</strong>ndimento fui ficando ainda mais inquieta pra <strong>tudo</strong> <br />
ficar pronto e eu começar logo a viajar com meu show e cantar pra todos vocês <strong>que</strong> <br />
<strong>que</strong>riam tanto gritar e fotografar no <strong>te</strong>atro, e <strong>que</strong> finalmen<strong>te</strong> vão po<strong>de</strong>r fazer à vonta<strong>de</strong>. <br />
Com o fim das gravações e as músicas prontas, começou o processo <strong>de</strong> mixagem, <br />
<strong>que</strong> é a finalização da produção <strong>de</strong> um disco. Quem assumiu a missão foi o produtor <br />
ve<strong>te</strong>rano e muito fera Vitor Farias, <strong>que</strong> cuidou com maestria das faixas tão esperadas. <br />
On<strong>te</strong>m fui ao estúdio ouvir as músicas prontas pela primeira vez e não consegui parar <strong>de</strong> <br />
chorar. Meu coração está tão gran<strong>de</strong> e grato por estar nes<strong>te</strong> lugar <strong>que</strong> eu não me seguro. <br />
Está <strong>tudo</strong> tão lindo <strong>que</strong> mesmo <strong>que</strong> ninguém mais <strong>que</strong>ira ouvir meu CD, eu vou ficar <br />
satisfeita por<strong>que</strong> <strong>te</strong>m um som <strong>que</strong> eu amo e <strong>que</strong> vou <strong>que</strong>rer continuar ouvindo todos os <br />
dias. Agora só falta a última fase da produção <strong>que</strong> é a mas<strong>te</strong>rização, <strong>que</strong> será feita pelo <br />
também monstro musical Ricardo Garcia. Depois disso, é correr pro abraço! <br />
“Tudo ba<strong>te</strong> por você...” <br />
Assim <strong>te</strong>rmina o relato da minha trajetória até es<strong>te</strong> ponto. Tenho ainda muito pra <br />
contar, mas isso vou guardando mais pra fren<strong>te</strong>. Temos todo o <strong>te</strong>mpo do mundo pra vocês <br />
me conhecerem melhor. O <strong>que</strong> con<strong>te</strong>i aqui não mostra <strong>que</strong>m eu sou, exatamen<strong>te</strong>. Como <br />
diria meu autor preferido, Eckhart Tolle: “aquilo <strong>que</strong> vivemos não é <strong>que</strong>m nós somos, é só <br />
nossa história”. Mas acho <strong>que</strong> conhecendo minha história vocês <strong>te</strong>rão mais facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me <br />
en<strong>te</strong>n<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> se relacionar comigo e <strong>de</strong> receber <strong>tudo</strong> <strong>que</strong> estou preparando. <br />
São 4:45 da manhã no último dia <strong>de</strong> novembro, e estou sentada na sala da casa do <br />
Guga sozinha (por<strong>que</strong> ele não aguentou acordado e subiu pra cama) ouvindo o leve barulho <br />
da chuva vindo da janela atrás <strong>de</strong> mim. Completam-‐se, agora, cinco dias in<strong>te</strong>iros em <strong>que</strong> não <br />
faço mais nada além <strong>de</strong> escrever e estou muito aliviada <strong>que</strong> finalmen<strong>te</strong> <strong>te</strong>rminei. No dia <br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã vocês vão receber es<strong>te</strong> arquivo junto com minha primeira música, Eu e o <br />
Tempo, e <strong>tudo</strong> vai mudar. Tenho um <strong>pouco</strong> <strong>de</strong> medo, confesso. Mas não vim até aqui pra <br />
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morrer na praia. Então venham, sejam bem-‐vindos ao meu mundo, e <strong>que</strong> nossa jornada seja <br />
doce. <br />
Obrigada, sempre, por estarem aqui. <br />
Lua <br />
30 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2015 <br />
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