Minha História Um pouco de tudo que nunca te contei

Minha História
Um pouco de tudo que nunca te contei
Lua Blanco
São 22:26 horas numa quinta-­‐feira de Rock in Rio, e não consigo parar de sorrir.
Estou sentada no sofá vermelho que amo no estúdio Nave 33 no bairro Recreio dos
Bandeirantes. Enquanto milhares de pessoas estão curtindo o show de alguma banda de
hard rock a poucos quilômetros daqui, Juliano, meu produtor gaúcho e caprichoso, está
debruçado sobre a mesa de mixagem terminando de programar os últimos detalhes de
percussão e teclados da base guia para a faixa Rir Por Não Chorar, música que está
rapidamente furando a fila e se tornando a minha predileta do meu primeiro álbum solo.
Ela foi composta pelo Guga, meu namorado talentoso e teimoso, em longas etapas
de erros e acertos, e eu “briguei” por sua perfeição e estrutura ideal durante meses. Na
minha opinião, a letra inicial da primeira parte era perfeita, mas o refrão não encaixava.
Reprovei várias novas opções de letra até resolvermos mudar também toda a melodia do
refrão. Mas, foi só numa madrugada da semana passada, enquanto eu estava no aeroporto
de Aracaju com a equipe da minha peça, embarcando para Fortaleza, quando terminava
nossa turnê teatral, que o Guga me mandou um WhatsApp que me fez respirar aliviada: ele
finalmente havia achado a letra perfeita para o refrão que a gente tanto procurava, depois
de inúmeras versões descartadas. Vibrei de felicidade! Dois dias atrás, com a ajuda do
Juliano, fechamos a melodia definitiva do trecho novo e nos trancamos no estúdio para
encontrar o arranjo que desse vida à oitava faixa gravada do álbum. Agora, ouvindo a
música tomar forma exatamente do jeito que imaginei que ela soaria, com todos os
detalhes de sonoridade e produção que eu sentia que ela pedia, sei que valeu a pena seguir
meu instinto e brigar por essa música. Ela resume minha alma e eu a amo por isso.
Estou com o coração em festa! A conquista dessa faixa é só mais um indício claro do
que ainda não consegui absorver por completo: meu sonho está se realizando. A lenta
percepção desse fato está me levando a pensar na minha vida e nos meus anos de trajetória
até este ponto. Está me lembrando de onde este sonho nasceu e como ele evoluiu e
amadureceu ao longo dos anos. Vejo mais do que nunca o quão necessário foi a demora, a
espera e o aprendizado. Tomada por esta sensação, abri meu laptop trambolhão, que
carrego sempre comigo nas minhas vindas quase diárias ao estúdio, e comecei a digitar.
Eu sempre me pergunto por que meus fãs me amam tanto. Desde que a novela
Rebelde estreou, e o número dos meus seguidores no Twitter começou a crescer,
assustadoramente rápido, adolescentes suados e sorridentes começaram a aparecer na
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entrada dos lugares que eu ia. Me enchiam de presentes, cartas e abraços e eu me
perguntava o quê – em tão pouco tempo – os havia levado a agir daquela forma comigo.
Eu sei que muita gente se identificou e se apegou ao nosso remake da novela
mexicana, e por isso se aproximou. Mas, até hoje, quando eu vejo a quantidade de gente
que ficou do meu lado depois que o projeto terminou, e o carinho que essa gente tem por
mim, eu me pergunto a razão disso. Por que aquela menina morena de cachinhos em
Brasília não parou de tremer e chorar quando me abraçou? Por que a loirinha de óculos que
conheci em Fortaleza gastou tanto tempo escrevendo aquela carta de dois metros pra mim?
Por que aquele menino em Campinas invadiu o palco da minha peça pra falar comigo na
coxia? Por que essa mulher vem todos os dias assistir ao musical que estou fazendo em São
Paulo? Quando eu conheço ou encontro com um fã, eu olho bem no olho dele e tento
entender por que ele foi até lá só para me ver.
Estamos entrando, enfim, em uma nova fase da minha carreira e tudo vai mudar a
partir daqui. Essa fase conta primordialmente com a ajuda e o apoio de vocês, esse meu
grupo lindo de incentivadores que intitulamos de Lunáticos. Quero ter vocês mais perto de
mim, participando mais e tendo mais acesso à minha vida. Para isso acontecer, sinto que,
antes de tudo, o mais importante é vocês me conhecerem, saberem de fato de onde eu vim,
o que passei, e quem eu me tornei. Eu quero que vocês conheçam a Lua mesmo, por fora e
por dentro, aquela que sempre esteve por trás da Roberta, e de todos os meus outros
personagens. Quero compartilhar com vocês coisas da minha vida, da minha história, que
vocês provavelmente não sabem. Quero que vocês conheçam quem vocês querem seguir.
Quero que vocês saibam a quem estão ajudando e admirando e por que estou fazendo de
tudo para os meus sonhos se realizarem. Quero dividir com vocês a minha vida, a minha
história.
Se vocês vão gostar ou não, fica a cargo de cada um, mas pelo menos vou saber que
quem continua ao meu lado é porque gosta mesmo de mim e vou ficar feliz por ter dado
essa oportunidade de compartilhar e me aproximar um pouco mais de vocês.
Foi com essa mesma intenção que criei meu canal no YouTube e outras surpresas
que ainda vão chegar, onde pretendo dividir coisas com vocês e trocar ideias e experiências
sobre minhas produções, emoções, sentimentos, dúvidas e vitórias. Tem muita coisa boa
vindo aí e não vejo a hora de tudo ficar pronto logo! Realmente é uma fase muito
empolgante, essa que estamos entrando. Pensem nesse eBook, então, como um prólogo
para a nossa nova fase, uma introdução a todo o acesso à minha vida que vou disponibilizar
pra vocês a partir daqui, ok?
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Como tudo começou
Eu nasci no dia 5 de março de 1987, no bairro da Lapa em São Paulo, para Maria
Claudia e Billynho, meus queridos pais, que logo se mudaram de volta pra sua cidade natal e
a minha cidade do coração, Rio de Janeiro.
Muita gente pergunta sobre minha infância, por que tenho tantos irmãos, por que eu
falo inglês e por que passamos a vida toda cantando juntos. Tenho respostas prontas, na
versão curta, para cada dessas perguntas, mas hoje vou contar a versão semi longa que é
algo sobre o qual eu raramente falo. A verdade é que eu tive uma criação muito diferente
dentro de uma comunidade cristã que vivia separada do resto do mundo. Vou explicar.
Alguns anos antes de eu nascer, meus pais moravam juntos em Nova York
trabalhando com música e estudando teatro nas escolas de lá. Quando minha mãe
engravidou do meu irmão mais velho, o Pedro Sol, eles voltaram para o Brasil com o projeto
de reconstruir suas vidas aqui. Minha mãe sempre teve uma espécie de busca pela verdade
e o seu lugar no mundo, como muitos de nós temos. A dela tinha sido intensificada pela
perda do pai alguns anos antes e por outras dificuldades que ela tinha vivido até aquele
ponto. Quando voltaram para o Rio, conheceram um grupo de “cristãos revolucionários”,
como se definiam. Eles se encantaram logo, ela em especial, pela energia deles. Sentiram
que Deus os tinha chamado para dedicar suas vidas a Ele desse forma especial e original..
Esse grupo fazia parte de um movimento que tinha começado na Califórnia, na
década de 70, por jovens hippies que queriam mudar de vida. Como não se conformavam
em viver escravos do Sistema, decidiram começar, digamos, sua própria sociedade paralela.
Eles eram devotos a Jesus e aos ensinamentos da Bíblia, mas não se filiavam a nenhuma
religião organizada. Tinham um líder, seus próprios valores, seu próprio estilo de vida e suas
próprias interpretações das escrituras. Um de seus ensinamentos era que o convertido
largasse tudo da sua vida passada (incluindo o nome!) e dedicasse sua vida 100% a Jesus. Os
membros viviam de forma comunitária em núcleos que chamavam de “lares missionários”.
Lá os membros eram divididos em funções (ou “ministérios”), e executavam seus trabalhos
de forma organizada, separada da sociedade normal, a fim de cumprir a grande missão
deles que era “salvar o mundo pra Jesus”. Eles foram logo se expandindo e formando mais
núcleos que se espalharam ao redor do mundo, convidando pessoas para fazerem parte
deles. Morava gente junta de diversas nacionalidades, falando todo tipo de idioma. Para que
todos pudessem se comunicar, de todos os povos e em todos os lugares, estabeleceram que
o inglês seria a língua padrão do grupo. Formaram, também, sistemas de ensino para que
toda a educação fosse interna, no formato “homeschooling” (que é quando a criança não
vai para a escola, aprende tudo em casa). A renda deles se baseava em doações (como se
fosse uma ONG ou um projeto social) e na venda de materiais didáticos, infantis e cristãos.
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Pareciam a galera do filme A Vila, só que sem monstros e vestidos de época; ou,
então, a aldeia dos Outros, ou da Dharma Initiative, na série Lost, só que sem experiências
médicas e assassinatos em ilhas misteriosas; ou, até mesmo, freiras em conventos, só que
sem o celibato e os uniformes engraçados. Era uma espécie de seita que vivia em paz
tentando fazer do mundo um lugar melhor. Eu carinhosamente apelidei essa fase inteira da
minha vida de A Bolha e vou chamar assim ao longo do meu relato.
Depois que meu irmão tinha nascido e meu pai estava pronto para acompanhar
minha mãe num compromisso tão radical e permanente, os três entraram para Bolha e foi lá
que eu nasci. (Curiosidade: meu pai passou a se chamar Paulo, e, minha mãe, Cristal; mas
anos depois ela mudou pra Nina. Foram os nomes deles por quase vinte anos.) Fui criada lá,
vivendo em casas enormes com várias famílias morando juntas, estudando em salas de aula
caseiras, e aprendendo tudo sobre a Bíblia e sobre a vida missionária que a gente levava. Fui
alfabetizada em inglês por causa disso. Eu tinha pouco contato com o mundo de fora, e
dentro da nossa realidade não era necessário falar outro idioma. Visitava meus avós e o
resto dos nossos familiares de vez em quando, mas eu não convivi com eles na primeira
parte da minha vida; eles eram apenas aquelas pessoas simpáticas, que não entendiam tudo
que eu falava, mas que sorriam muito quando me viam.
Por causa de todo o suporte que os núcleos ofereciam no cuidado às crianças e
bebês, as mães eram incentivadas a ter muitos filhos, e é por isso que minha mãe acabou
tendo seis. Nós éramos considerados uma família de médio porte, porque o normal era ter
muito mais. Uma das minhas amigas vem de uma família de doze filhos, e isso era ok. Meus
irmãos e eu crescemos dormindo em dormitórios enormes cheios de crianças da nossa
idade e sempre tendo gente em volta com quem brincar. Ficávamos com nossos pais na
hora do jantar e aos domingos, normalmente, e o resto da semana era com a nossa turma
sob o cuidado dos nossos professores.
Como meu pai é músico, compositor e produtor musical, colocaram-­‐no para
trabalhar no departamento de criação e produção do material musical da Bolha, tanto
externo, quanto interno. Minha mãe trabalhou em diversas áreas da Bolha (quando ela não
estava ocupada tendo outro filho), e uma delas era a da evangelização, que se resumia em
sair para a rua e passar a mensagem de Jesus nos escritórios, empresas, presídios,
restaurantes, hospitais. Além disso, os dois também cantavam juntos, e faziam shows e
apresentações em diversos lugares com conteúdo tanto religioso quanto secular.
Devido ao trabalho do meu pai na música, ele era transferido com frequência para
outros núcleos, dependendo da demanda que cada um tivesse, e provavelmente devido a
outras razões também que não eram explicadas para mim na época. Só sei que morei em
vários bairros do Rio de Janeiro, em Niterói, em São Paulo, em Salvador, em Lima-­‐Peru.
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Eu sempre gostei da minha infância. Não conhecia nada diferente, não sabia como as
outras crianças viviam. Para mim, viver daquela forma era lindo! Eu não ia para escola
normal, não assistia televisão, não tinha acesso a balas ou doces como a maioria das
crianças tem, e como a alimentação da Bolha focava em ser saudável, eu mal ingeri açúcar
branco nos meus primeiros anos de vida... e não sentia falta de nada disso.
Eu tenho memórias de acordar cedo algumas manhãs para ajudar meu pai a fazer o
café da manhã para o “lar” (os adultos revezavam na função da primeira refeição do dia, e
para as outras tinha a equipe da cozinha). Ele quebrava uns cinquenta ovos num pote
gigante e me deixava batê-­‐los. Aí ele juntava tudo num panelão e fazia ovo mexido
suficiente para alimentar todo mundo na casa. Ainda tinham as sete bandejas grandes de
bolo de fubá que ele assava para acompanhar (chamava de corn bread), e os litros de café
preto que ele preparava para os adultos com os coadores de pano. Tudo na cozinha era
tamanho industrial; até hoje nunca sei quantos copos de arroz jogar na panela, sempre
acaba sobrando. Meu pai cozinha tão bem que as pessoas torciam para chegar a vez dele no
rodízio do café da manhã. Tinha o clássico dele: a granola caseira. Levava quilos de aveia e
açúcar mascavo e ficava melhor que todas as granolas vendidas em loja. Ele próprio torrava
os amendoins no forno. Sempre achei isso fascinante! Claro também tinham os pratos
básicos de café da manhã, que eram os mingaus. Meu pai inventava todo tipo de mingau
com leite: aveia, fubá, tapioca, sagu, arroz, trigo, canjica... O que tivesse de ingrediente na
dispensa ele tacava no mingau! Até hoje sou maluca por mingau por causa disso.
Minha mãe me levava para ajudar no berçário, que é onde ela acabou passando boa
parte de uma década. Ela me ensinou a trocar fraldas, a segurar um bebê de uma forma
segura e confortável, a fazer um bebê parar de chorar e a começar a ensinar coisas a ele.
Dependendo do tamanho do núcleo e da época de fertilidade das mães, o número de bebês
no berçário variava, mas ter entre cinco a oito bebês lá por vez era algo rotineiro. A partir da
época em que a Estrela nasceu, eu já tinha tamanho suficiente para ajudar a cuidar dos
meus irmãos mais novos também. Eu lembro que quando o Daniel era bebê, minha mãe ia
sair uma noite e me deixou cuidando dele no quarto dela. Tudo bem que ele estava
dormindo e, é claro, tinham adultos na casa supervisionando, mas era eu que estava
responsável por ele até minha mãe voltar, e isso fez com que eu me sentisse muito grande.
Eu tinha sete anos na época. Quando a Marisol nasceu, aí eu já tirava de letra, já nem queria
supervisão para cuidar dela. Até hoje eu sou louca por bebês.
Iniciação na música
A música sempre foi uma parte grande da minha vida. Minha mãe cantava pra mim
no berço, e meu pai sempre dedilhava um violão perto de mim. A Bolha era muito rica em
cultura musical, e tinha várias músicas próprias que tinham sido compostas internamente
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pelos seus membros, algumas inclusive eram do meu pai. Todas a crianças aprendiam as
músicas e passavam o dia inteiro cantando. Tinham muitas músicas de passagens da Bíblia
musicalizadas, que eram para nos ajudar a decorar os versículos mais importantes. Lembro
delas até hoje.
Também me lembro de que quando a gente morava em Lima, no Peru, entre meus
seis e sete anos de idade, o núcleo em que nós vivíamos era enorme, era uma fazenda linda
com cavalos e plantações de milho e alcachofra, com várias casas espalhadas pelo terreno.
O maior quarto na casa principal era o dormitório das crianças, onde a gente dormia em
beliches e camas de correr com rodinhas, e fazia a maior bagunça junto. Eu tenho muita
memória de lá. Nosso quarto tinha um janelão que dava para o quintal do sítio, e todo dia
de manhã meu pai passava pelo quintal dedilhando o violão e cantando uma música linda
pra gente acordar. Até hoje eu amo acordar ao som de dedilhado de violão por causa dessa
época.
Nós tínhamos nos mudado para Lima porque esse núcleo tinha um bom estúdio de
gravação e precisavam de um produtor trabalhando nele, nas produções do material da
Bolha. Então era lá que meu pai passava os dias dele, trabalhando com música e gravações
que era o que ele mais ama fazer. Eu lembro que a minha sala de aula era dentro de uma
casinha de madeira em algum lugar do terreno, e eu ficava a aula inteira sonhando e
torcendo para um dia meu pai me chamar para gravar uma música com ele. Um dia ele me
chamou e eu fiquei louca! Ele tinha uma música infantil para gravar e precisava de uma voz
de criança. Essa foi minha primeira experiência em um estúdio de gravação e eu não podia
ter ficado mais feliz, ainda mais porque eu estava matando aula. Já começou cedo meu
gosto por matar aula.
Foi no Peru, também, que o Daniel nasceu, por isso o nome composto dele é Cielo,
em espanhol. Eu aprendi espanhol fluente enquanto morei lá, porque minha professora era
uma senhora espanhola fofa que se empenhou em me ensinar, e criança realmente tem
mais facilidade em aprender novos idiomas. Eu falava perfeito, me diziam, o que só me
atrapalhou quando fui aprender português direito porque eu confundia as palavras. Porém,
por falta de uso, hoje meu espanhol definhou. Descobri isso nas minhas visitas recentes pra
Punta Del Este e Buenos Aires, em que eu parecia uma deficiente mental tentando formular
frases num portunhol bem furreca. Mas ainda entendo tudo que dizem e tenho vontade de
voltar a praticar para retomar minha fluência.
A gente não assistia televisão, mas tínhamos, sim, acesso a muitos filmes. A Bolha,
além de fornecer vídeos de produção interna, também fazia seleções de filmes e outras
formas de entretenimento que eram permitidos e “edificantes” para a gente. Então, desde
pequena, eu fui apaixonada por cinema, principalmente os musicais. Eu mergulhei em tudo
que nos permitiam assistir. Vivia à base de toda a coleção de musicais da Shirley Temple, os
filmes do Gene Kelly, com destaque para Cantando na Chuva e Brigadoon, e, claro, meu
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primeiro filme preferido de todos os tempos, A Noviça Rebelde. A gente podia ver alguns
desenhos da Disney também, como Bambi, Pocahontas e O Rei Leão, mas Pinóquio só nos
era permitido ver o primeiro pedaço. O resto do filme, a partir da hora que ele sai de casa
para ir ao colégio e encontra a raposa e o gato que eram os grandes vilões da história, eles
cortavam porque não teria uma boa influência na gente. Fui ver o filme inteiro já grande e
morri de rir.
Quando eu tinha oito anos, minha família voltou para o Brasil e foi morar pela
segunda vez (a gente já tinha ido antes, mas não lembrava) no município de Embu das Artes,
em São Paulo. Lá, o núcleo era numa casa enorme que eu amava. Tinha piscina, e quadra, e
até uma casinha de vidro na lateral externa da casa que eu achava muito espaçosa. Quando
voltei para essa casa, já adolescente, descobri que ela é muito menor do eu lembrava, mas o
que importa é quando a gente é pequeno e acha que tudo à nossa volta é gigante.
Foi em Embu que meu pai começou a ensaiar músicas comigo e com meus irmãos
para cantarmos para as pessoas. Ele nos enfileirava e tocava violão do nosso lado, e a gente
se apresentava com um sorriso no rosto e um leve passinho de um lado pro outro. Foi nessa
época, também, que surgiu na minha vida o fenômeno do “Christmas Push”, que era todo o
movimento em torno de alegrar o Natal das pessoas.
Por volta do início de novembro, quando os shoppings estavam começando e
pendurar enfeites de Natal pelas escadas rolantes, a Bolha se preparava para o nosso
movimento natalino. Ensaiávamos músicas fofas natalinas, preparávamos panfletos e CDs
de Natal para vender e distribuir. Ficávamos até o dia 26 de dezembro em função deste
feriado. Visitávamos festas e eventos de fim de ano, batíamos nas portas dos vizinhos,
íamos para parques, restaurantes, e shoppings fazendo nossa apresentação e cantando
sobre o Natal. Todos, ou pelo menos a grande maioria, sempre ficava muito feliz e
emocionada de ver várias crianças e jovens juntos cantando dessa forma. Mantivemos a
tradição do “Christmas Push” até os anos avançados da minha adolescência, e é por isso que
o Natal até hoje é uma data (e uma época) muito marcante pra mim.
Meu primeiro contato com o mundo real
No ano de 1996, a Bolha começou a passar por algumas mudanças e a liderança
incentivou algumas famílias a saírem dos grandes núcleos com dezenas de membros e
abrirem núcleos menores, Bolhinhas, digamos. Quando eu fiz nove anos de idade, mudei
com minha família para um sítio lindo cercado de mato, como piscina, no topo de uma
colina em Itaipava, no estado do Rio. A Marisol era bebê nessa época. Nosso sexteto de
irmãos já estava completo. Na nossa casa, além da minha família, tinha mais dois outros
membros da Bolha que vieram juntos para dar um suporte. Continuamos vivendo segundo
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os princípios recomendados, mas num contexto bem menor e com algumas mudanças, a
maior delas: começar a frequentar a escola!
Para nós, que tínhamos nascido dentro da Bolha e não fazíamos ideia de como as
pessoas levavam a vida na parte de fora, O Mundo Real era retratado de uma forma
distante, perdida e proibida. Chamavam de O Sistema. Finalmente eu teria a chance de
conhecer uma escola “sistemática”, cheia de crianças diferentes que não viviam como eu.
Eu estava vibrante. O Pedro, a Ana Terra e eu fomos matriculados no IPAE, o Instituto
Petropolitano Adventista de Ensino, e a Estrela, o Daniel e a Marisol continuariam sendo
cuidados pela minha mãe em casa. Com o tempo, a separação dos dois grupos foi
intensificando, e foi-­‐se nomeando um de “The Big Guys” (os grandes), e o outro grupo de
“The Little Guys” (os pequenos), nomes que até hoje são piada interna entre a gente e
motivo de implicância, principalmente com a Estrela que nunca gostou de ser deixada pra
trás com os Little Guys.
Meu tio Paulinho, irmão do meu pai, morava com a esposa e os dois filhos em
Petrópolis também. Na verdade, acho que fomos para lá para ficar perto deles. Eles eram
adventistas e tinham muito em comum com o viver fora, isolados da sociedade e tudo mais.
Eu adorava meu tio porque ele falava em inglês comigo e me fazia sentir em casa. Até hoje
nós o chamamos de Uncle Paulinho (que é tio em inglês), de tanto que nos apegamos a ele
naquela época. Tia Gisele sempre foi muito doce com a gente, e meus primos Lisieux e
Marcel eram da nossa idade, e como estávamos acostumados a ter muita criança por perto,
logo nos apegamos a eles. Eles já estudavam no IPAE, então fomos com eles para o nosso
primeiro dia de aula. Ever!
(Detalhe engraçado: Durante grande parte da minha vida, eu só conheci meus pais
como Paulo e Nina, porque era assim que todos os chamavam. Porém, ironicamente, ao
escolher seu novo nome pra Bolha, meu pai acabou ficando com o mesmo nome do próprio
irmão, o que sempre me confundiu quando comecei a conviver com meu tio. Eu me
perguntava, “por que eles têm o mesmo nome? Será que a vovó ficou sem criatividade?”. Só
depois que fui entender que minha linda vozinha não tinha nada a ver com isso.)
Meu primeiro dia de aula foi assustador e meio surreal porque tudo era novidade
para mim. Eu falava português, mas não tão fluentemente, e ainda confundia muitas
palavras com o espanhol. Fora isso, todo o formato de aula e de comportamento dos alunos
era desconhecido por mim. Eu fui para 2a série junto com a prima Lisieux, a Terrinha foi pro
CA, o Marcel estava na 1a série, e o Pedro acho que foi pra 3a. Fiquei feliz de ter minha
prima do meu lado dando suporte, mas logo comecei a entender que a vida fora da Bolha
era muito diferente do que aquilo a que eu estava acostumada.
Todo o meu processo de adaptação foi lento e cheio de gafes. Os meus colegas
chegavam na escola, mas eu não sabia de onde eles vinham, como eles moravam. Tinha uns
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que chegavam num ônibus cheio de crianças, e fiquei na esperança deles morarem em
alguma bolha também, mas tinha vergonha de perguntar. O meu curto vocabulário em
português não incluía gírias ou expressões de uso comum, então eu vivia dando bola fora.
Um dia eu disse para a professora que meu colega estava me molestando, que em espanhol
é implicar. Eu não imaginava que em português fosse algo diferente. Levei uma bronca da
professora que dizia para eu não mentir, e muitas risadas dos outros colegas.
Na parte da educação, até que eu me adaptei bem. Eu era inteligente e aprendia
rápido. Fiz uns testes para provar que eu havia tido uma educação boa entes de entrar na
escola e que eu estava pronta para estar na 2a série, e passei tranquila. Aprendi a escrever
em letra corrida, já que no inglês se tem mais o costume de escrever com letra de forma e
isso me atrapalhava no português quando a professora ditava algo pra gente escrever
rápido. Eu era boa com números, habilidade que fui largando quando cheguei no Ensino
Médio (não nasci pra mexer com fórmulas). Mas, no geral, eu gostava de estudar. Porém, eu
gostava mais ainda era de aprontar. Desde meu primeiro ano na escola eu gostava de
transgredir os limites impostos pelas autoridades. Queria conhecer melhor esse mundo fora
da Bolha, que não seguia as suas regras e não era castigada por isso. Queria explorar tudo e
ver até onde eu conseguiria ir sem ser castigada. Acabei sendo muito castigada ao longo da
minha vida colegial por isso, mas, no fundo, até hoje gosto de chegar no limite das coisas e
ver até onde elas me permitem. Só assim consigo reconhecer o meu espaço.
Para mim foi muito divertido naquela casa em Itaipava. Eu e meus irmãos
chegávamos da escola no fim da tarde e pulávamos direto na piscina. Passávamos muito
tempo brincando do lado de fora, descíamos as ladeiras de grama deitados em caixas de
papelão, escalávamos as árvores, corríamos com os cachorros. Costumávamos ir para
Nogueira andar a cavalo, uma das minhas atividades preferidas. Meu pai nos levou ao
cinema pela primeira vez, nessa época, para assistir O Corcunda de Notre Dame. Foi
surpresa. Ele colocou os “Big Guys” no carro sem dizer para onde íamos. Levou junto uma
caixa grande de uvas passas. Quando chegamos no cinema de Petrópolis e vimos a tela
daquele tamanho não acreditamos na maravilha daquilo tudo. Comemos as uvas passas na
maior felicidade enquanto curtíamos um corcunda que tinha o tamanho do nosso carro.
Passávamos muito tempo com a família do Uncle Paulinho, eles nos ajudaram
bastante no processo de adaptação ao mundo real. Meus primos me explicavam muita
coisa, e intermediavam algumas situações de falta de comunicação com colegas que não
nos entendiam. Eu adorava a casa deles e até hoje, quando vou lá, sinto um gostinho de
infância feliz. Eles me ensinaram a calçar sapatos resistentes para fazer trilhas pelo mato,
como construir um balanço no galho de uma árvore, e a apreciar queijo quente com mel
jogado em cima. Lições muito valiosas até hoje. A gente até acompanhava meus primos nos
cultos da igreja adventista para conhecer. Eu gostava por que falavam da Bíblia e de tudo
que eu conhecia, só não entendia por que não deixavam bater palmas e, ao invés disso,
ficavam dando tchauzinho.
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Minha vozinha por parte de pai, Ruth (Tetê, pros íntimos), também vinha nos visitar
muito. Ela é uma linda que sempre foi muito dedicada a gente, mesmo quando morávamos
longe. Ela preparava bolos enormes para os nossos aniversários, e dava muito carinho
quando nos via. Ela morava com o meu avô em Copacabana, num apartamento grande que
até hoje tem cheiro de infância, cheiro de vozinha.
Foi nessa época, também, que eu comecei a me interessar por meninos, mas não
sabia muito bem como lidar com isso. A minha única referência de atração pelo sexo oposto
era os filmes antigos que eu assistia, mas não ensinavam muita coisa. O fato do personagem
do Gene Kelly ficar com (spoiler alert!) a Kathy Selden no final de Cantando na Chuva, não
me ensinava como que eu conseguiria chamar a atenção do David, o menino mais lindo da
turma do meu irmão. Um dia meu pai me deu 1 real para comprar minha merenda na escola
(eu sempre levava lanche de casa, mas esse dia era uma ocasião especial e, na época, 1 real
era muita coisa). Mas, ao invés de comprar algo pra comer, lembro que comprei um drops
de Halls (mesmo não sendo permitida chupar bala) só pra eu ter algo para oferecer ao David
quando eu cruzasse com ele no pátio da escola. E não era nem para ter desculpa para puxar
um assunto, o assunto era esse! -­‐ “Quer uma bala?” “quero.” Ele aceitou duas vezes e na
terceira recusou, mas eu fiquei feliz porque vi que estávamos avançando na nossa relação.
Um tempo depois, entrou uma menina nova na escola que se chamava Juliana, e o David só
dava atenção à ela e só aceitava as balas dela. Fiquei arrasada. Um dia, cara de pau que sou,
perguntei porque ele gostava mais dela. Ele olhou para mim e disse:
— Lua, você é muito inteligente, mas a Juliana é bonita. — Fiquei chocada com essa
resposta. Desde quando ser inteligente é uma coisa ruim? Tomei como elogio, e desisti de
oferecer balas a ele. Ele não me merecia.
Um belo dia chegou a epidemia do piolho. Estava por todas as partes. Todas as
crianças começaram a pegar e, quando vi, eu estava coçando a cabeça como se não
houvesse amanhã. Minha mãe tentou de tudo, passou todos os remédios e nada deles
morrerem. Kwell era praticamente água com açúcar para esses piolhos que estavam tão
acostumados a continuar vivos. Um dia ela veio com um remédio novo que teve uma reação
alérgica na minha cabeça e começou a queimar meu couro cabeludo, eu gritava e minha
mãe corria para enxaguar. Foi uma cena horrorosa. Depois disso ela desistiu da luta e me
levou, junto com a Terra e a Lisieux (que também não escaparam da epidemia), para o salão
e mandou cortar nosso cabelo curto, no estilo joãozinho.
A vantagem foi que o piolho foi embora. A desvantagem foi que eu passei os dois
próximos anos dando razão ao David por não ter me achado bonita, porque quando meu
cabelo começou a crescer, encarei de vez a fase tenebrosa da pré-­‐adolescência.
Perdida entre dois mundos
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Nos mudamos de volta para o Rio, e fomos morar em Vargem Grande na casa que
mais marcaria nossas vidas. Não tinha piscina, mas tinha muito mato, e dois andares, e uma
mangueira enorme no quintal para gente escalar e pendurar um balanço; e ela estava,
também, a cinco minutos da praia mais linda da cidade, a Prainha. Tenho muitas memórias
do nosso tempo naquela casa. Até agora, a maior parte da minha vida foi dentro daqueles
portões. Não vou me estender falando dessa fase porque precisa sobrar história para eu
contar no meu Blog, e porque quero continuar um pouco misteriosa também! Mas, vou dar
uma resumida.
Eu dividia quarto com a Terra e nos aproximamos mais que nunca por causa disso; a
Estrela, o Daniel e a Mari ficaram juntos no quarto das crianças; e o Pedro improvisou um
canto para ele porque já se considerava bem grande e não queria dormir com as irmãs.
Minha mãe nos matriculou no extinto Colégio Cidade – Unidade Recreio, que era perto da
nossa casa, e como ela é amiga de infância da dona, ela conseguiu bolsa pros três mais
velhos. Fui bolsista praticamente minha vida toda. Foi graças à generosidade das pessoas
que tive uma boa educação pós-­‐Bolha, e serei eternamente grata a todas elas por isso.
Os “Little Guys” continuaram estudando em casa por um tempo. Depois de alguns
anos, a Estrela foi matriculada no colégio também, e assim por diante. Aos poucos cada um
dos pequenos foi introduzido a esse encantador mundo mágico que é a vida real. E cada um
lidou com isso de uma forma diferente. Vou tentar resumir a minha experiência.
Foi nessa época que comecei a sentir o contraste entre meus dois mundos. Eu ia
para a escola e tentava me enturmar com os meus colegas, fazia de tudo para convencê-­‐los
de que eu era um deles, só uma adolescente qualquer. Mas, toda hora a minha realidade
vinha à tona. “Por que você fala inglês com seus irmãos?”; “Por que você não pode ir lá pra
casa depois da aula?”, “Por que você não pode ir com a gente na matinê domingo?”, “Por
que você não conhece o Silvio Santos?”. Tinham inúmeras situações onde a única explicação
para pergunta de um amigo era “porque eu moro em uma Bolha que não segue os mesmos
costumes que o resto do mundo”. Eu lembro que quando me perguntavam o que eu queria
ser quando crescesse, eu ficava na dúvida. Será que a Bolha ia me deixar seguir uma
profissão, ou eu tinha que fazer o que meus pais faziam para o resto da minha vida? Uma
vez eu respondi pra uma amiga que queria ser missionária, e ela perguntou, “o que é isso?”.
Nunca mais dei essa resposta; era muito difícil de explicar.
Gostava muito de ir à escola e socializar, e conhecer melhor essas pessoas e seus
costumes engraçados, suas referências e piadas estranhas, e seu universo de cultura nova e
desconhecida. Mas quando eu voltava para casa na hora do almoço, tudo voltava ao normal.
Eu tinha tarefas na parte da tarde, e horário certo para fazer dever de casa, estudar a Bíblia
e cuidar das crianças. A gente revezava para lavar a louça, mas sempre era bastante louça,
eram muitos pratos, talheres e panelas, então fui criando um desgosto grande por essa
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tarefa. Até hoje gosto de deixar acumular um pouco a louça na pia antes de lavar, só porque
agora eu posso.
No Rio, havia muitos núcleos da Bolha, grandes e pequenos, espalhados pela cidade,
então tínhamos um grande leque de convivência. Nosso núcleo continuava pequeno, mas as
pessoas que vinham morar com a nossa família se revezavam com frequência e também
passamos a visitar, quase que diariamente, os grandes núcleos, um deles, inclusive, tinha
um estúdio onde meu pai passou a trabalhar. Eu tinha os meus amigos mais próximos, a
Esther, a Melo, a Sharon, o Sean, e mais uma galera que a gente encontrava nos finais de
semana e nos encontros e eventos da Bolha. Todos moravam em núcleos maiores e
continuavam estudando em casa. Para eles, então, eu e meus irmãos éramos os liberais do
círculo, a gente conhecia O Mundo. Eu me sentia muito bem com eles e criamos um vínculo
forte que dura até hoje. Sinto que, fora da minha família, são eles que mais me conhecem
porque sabem da onde vim, e porque passamos pelas mesmas coisas juntos.
Então passei a maior parte da minha adolescência nesse contraste entre os dois
mundos, me sentindo quase uma agente dupla, tentando fazer parte e me encaixar em dois
universos totalmente diferentes. Imagina o meu conflito! Se ser adolescente já é sofrido,
imagina tentar achar o seu lugar em dois mundos! Provavelmente por isso, eu aprontava
muito nessa época. Continuei querendo testar os limites dos dois contextos. Perdi um pouco
o medo das consequências, e desafiava as autoridades a me colocarem no meu lugar. E me
colocavam. Na sexta série fui expulsa do colégio por mal comportamento. Minha mãe até
poderia ter recorrido, mas ela escolheu me manter em casa durante os seis meses restantes
daquele ano para eu “aprender minha lição”. No ano seguinte repeti a sexta numa turma
cheia de “pirralhos”, e no ano depois disso cursei a sétima e a oitava série no supletivo. Não
curti essa experiência porque no supletivo não tinha amigos, e eu odiava ficar sem minha
vida social. Então quando voltei para o Colégio Cidade, no Ensino Médio, passei a me
comportar muito melhor.
Um dia, para minha total alegria, a Melo, minha amiga inseparável (desde os dez
anos de idade, quando ela me viu aos prantos assistindo Titanic no cinema e me consolou
durante a sessão inteira) veio morar na minha casa com os pais dela. Eu não podia acreditar
na minha sorte. Nenhuma colega minha da escola tinha a chance de morar com a melhor
amiga, e lá estava eu, convivendo diariamente com a minha. A Melo (curto pra Melody, que
é melodia em inglês – sim, nome diferente era normal na Bolha) veio dormir no quarto meu
e da Terra, e nos divertimos muito durante o tempo em que ela esteve lá. É claro que ficou
ainda mais difícil de explicar para os meus amigos do condomínio porque eu tinha uma
amiga morando na minha casa, mas eu não me importava. Poder dividir o fardo da vida com
ela já fazia tudo valer a pena.
O pai da Melo é uma pessoa muito iluminada e especial. Ele era pastor de jovens na
Bolha, e passou a cuidar da gente diretamente quando foi morar lá em casa. As regras
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ficaram mais rígidas, e os estudos da Bíblia mais intensos, mas ele ensinou tanto para a
gente que eu sei que devo muito a ele pelo que sou hoje. O nome dele é John, mas eu só
descobri isso recentemente. A vida toda chamamos ele de Uncle Phil, que era seu nome na
Bolha. Ele é americano e ex-­‐atleta, então nos ensinou a jogar basquete, baseball, softball, e
vários outros esportes americanos que ele tinha jogado na juventude. Ele era muito legal.
Conversava muito comigo. Ele plantou uma semente no meu coração em relação ao amor
por Deus e o porquê de a gente estar vivendo daquela forma, e pela primeira vez, eu
entendi de verdade porque meus pais tinham escolhido aquilo tudo. Tudo que vivi até aqui,
e o fato de eu não me arrepender de nada, é graças a essa semente.
Um tempo depois, a família da Esther foi morar em Vargem Grande também, bem
perto da minha casa, e eu vibrei mais ainda por ter minhas duas melhores amigas perto de
mim. Mas, um dia, o pai da Esther decidiu que eu não era uma boa influência para ela
(realmente, eu aprontava muito!), e passou a proibir nossa amizade. Passei três anos sem
falar com ela e arrasada porque a gente estava perdendo as melhores histórias para contar
uma pra outra. Sentia muito a falta dela, mas ela era minha irmã, e não se perdem irmãs. Eu
sabia que era só uma questão de tempo. Quando ela fez 18 anos voltamos a nos falar e
nunca mais saí da sua vida. Fui madrinha do casamento dela, e hoje sou a madrinha da sua
linda filhinha, Alice. Quando chegar minha vez de fazer essas coisas de casar e ter filho,
pode ter certeza que a Esther também vai estar do meu lado.
Uma outra pessoa muito marcante dessa época foi o Stephen, meu amigo
canadense. Ele nunca chegou a morar com a gente, mas que era muito próximo da minha
família e vivia lá em casa. Passava os fins de semana conosco e participava de tudo da nossa
vida. No meu aniversário de 15 anos, ele gravou uma versão personalizada de As Long As
You Love Me, dos Backstreet Boys, em que ele mudou a letra para “as long as you’re Lua”
(contanto que você seja a Lua) e fez todo um rap para acompanhar o refrão. Era para tocar
na minha festa de 15 anos, que fiz num haras de uma amiga. Mas, rolou uma falta de
comunicação e eu só fui descobrir o CD na manhã seguinte, quando fui abrir os presentes.
Agradeci muito a ele na época, mas nunca deixei de zoar ele pelo rap. Hoje ele tem uma
banda linda nos Estados Unidos, com mais dois amigos daquela época, chamada Saints of
Valory, onde ele é o tecladista. Torço muito pelo sucesso contínuo deles.
A questão dos meninos
A existência dos meninos continuava sendo uma grande questão na minha vida. Eu
gostava deles, e queria a sua atenção, mas não sabia a forma certa de me relacionar. Eu me
sentia como se existisse algum código relacional universal para se seguir, mas que ninguém
tinha me ensinado. Eu queria viver um grande amor como eu via nos filmes, mas não sabia
por onde começar. Os meninos da minha sala e os da Bolha eram muito diferentes dos caras
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dos filmes. Esses conflitos imagino que sejam comuns para maioria dos adolescentes que
começam a descobrir sua sexualidade. Mas, no meu caso, acho que era mais complicado
ainda.
Conforme eu fui crescendo, fui aprendendo uma das principais regras da Bolha: a
segregação. A regra era para todos os membros: só pode se relacionar com gente de dentro
da Bolha. Os “sistemáticos”, como chamavam as pessoas de fora, eram proibidos. Diziam
que essa regra era para garantir que o vírus do HIV não entrasse no grupo, e para manter as
famílias e as relações internas, etc. Nunca me preocupei muito com as razões. A minha
dúvida era: essa regra vale também para mim? Aos doze anos de idade? Será que eles vão
vir para minha escola conferir se eu estava beijando os meninos do Sistema?
Depois do meu primeiro beijo – que foi no parquinho da escola com um menino da
minha sala chamado Antônio – vi que os adultos pareciam não se importar com quem eu
estava beijando. Então fiquei mais tranquila. Mas todo o formato relacional da galera da
escola era novidade para mim. Eu lembro quando surgiu na minha vida o termo “ficar”. Eu
não fazia ideia do que era aquilo. Não sabia que era o nome dado para um acontecimento
isolado e único, e que para ele se repetir, você teria que “ficar” de novo. Pra mim a palavra
ficar dava um sentido de continuidade para a relação. Ela por definição era algo que se
mantinha.
Nessa época eu estava encantada com um amigo do meu irmão, o Rodrigo, que eu
sonhava em namorar. Mas não sabia que esse era o nome que se dava. Eu queria estar do
lado dele na hora do recreio e na hora da saída do colégio, queria sempre ser vista com ele,
e poder estar pertinho dele toda hora. Eu queria que ele ficasse do meu lado. Logo, na
minha cabeça, isso significava que eu queria ficar com ele. Acho que alguém acabou
comentando do meu interesse, porque um dia ele me ligou.
— É verdade que você quer ficar comigo? — eu queria explodir de alegria!
— Ah... É...
— Então, mas onde a gente ficaria? — Minha mente começou a embolar. O que ele
queria saber? Quais seriam os locais definidos em que andaríamos de mãos dadas?
— Ah... Em todos os lugares. — Óbvio. Como são os namoros normais, pensei.
Acho que o assustei com esse papo, ou então ele não entendeu nada mesmo,
porque desconversou e logo desligou. Nunca fiquei com o Rodrigo. Quando eu aprendi a
terminologia correta, dei muita risada pela minha idiotice, mas a essa altura, Inês já era
morta.
Um tempo depois, comecei a me envolver com um menino que estudava em outro
colégio, amigo de uma amiga, chamado Bernardo. O Bernardo era uma graça! Moreno,
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surfista, tinha uma skooter (na qual eu era proibida de andar), e um papo muito bom. Ele,
sim, queria ficar. Passávamos horas ao telefone durante toda a tarde, e ia, de vez em
quando, para minha casa, de skooter, para visitar. Aos poucos comecei a me sentir mal por
estar me envolvendo com um menino fora da Bolha, e toda aquela culpa de estar
quebrando a regra da segregação me veio à tona. Não estava certo. Eu tinha que ser fiel às
minhas origens e ao meu estilo de vida, por mais que eu não entendesse muita coisa. Um
dia chamei o Bernardo ao shopping para dizer que a gente não podia continuar se vendo.
Ele resistiu muito e ficou cobrando uma explicação. Afinal, a gente estava se dando tão bem.
Eu não fazia ideia de como explicar tudo pra ele, mas mesmo assim eu tentei. Me enrolei
tanto no meu discurso que no final ele perguntou,
— Então você tem que terminar comigo para eu não te passar Aids?? — Eu ri alto na
cara dele quando percebi o quão maluca eu estava sendo, mas não ia voltar atrás só porque
ele não entendia meu mundo. Terminamos e nunca mais nos falamos. Eu até o vi na praia
algumas vezes, anos depois, mas fiquei com vergonha de cumprimentar. Ele nunca mais me
levaria a sério.
Outro menino que marcou muito essa época foi o João Rodolfo. Eu fui apaixonada
pelo João por uma boa parte da minha 5ª série. Ele era músico e tinha uma banda com o
irmão, e um cabelo comprido, loiro escuro, até o ombro. Meu próprio Taylor Hanson
personificado. Acho que até hoje sou atraída a músicos de cabelo comprido por causa do
João. Ele também gostava de mim, eu acho, porque depois que nos beijamos pela primeira
vez, ele continuou me procurando e querendo estar perto de mim. Um dia ele foi numa
radiozinha local com a banda dele e dedicou a mim a música Sozinho, do Caetano. Eu achei
a coisa mais romântica do mundo, mas isso porque eu não entendia a letra ainda. Eu
cantarolava “fala que me ama, só que é da boca pra fora” pensando nele, e achando linda a
forma com que ele se declarou pra mim.
Muito infelizmente, a culpa da minha dupla identidade bateu em relação ao João
também, e lá fui eu planejar o meu término com ele. Eu até escrevi tudo que eu ia dizer
num papelzinho na noite anterior e decorei o discurso. Não queria soar maluca de novo.
Mas não tinha jeito. O João não entendeu nada e ficou muito triste comigo. O pior foi que
eu não sabia lidar com “ex”. Não sabia qual era o protocolo de comportamento nesses
casos, então sempre que ele vinha falar comigo depois do “término”, eu virava a cara e
ignorava ele, porque achava que era assim que se fazia. E ele não tinha feito nada de
errado! Minha iniciação em relacionamentos foi um desastre. (Estou rindo muito em voz
alta ao escrever este capítulo. Estou achando que preciso procurar esses meninos hoje, que
já são homens, e pedir desculpas por ter sido tão maluca.)
Fui vivendo minha vida nesse conflito todo e nessa dúvida do que eu podia fazer ou
não fazer, dividindo minha vida social entre a escola e os eventos jovens paralelos, entre o
Mundo e a Bolha, por alguns anos. Tenho muito mais histórias engraçadas e
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constrangedoras dessa época, mas vou guardar para outra hora, preciso continuar meu
relato. Com os anos, conforme eu crescia, fui me afastando um pouco da minha certeza de
que as regras da Bolha estavam certas, ou de que elas serviam pra mim. Eu era jovem,
saudável, cheia de curiosidades, meu cabelo já tinha crescido, os meninos estavam
reparando mais em mim, e eu queria viver um pouco.
Nessa época, eu e meus irmãos começamos a frequentar uma academia que tinha
um ótimo programa de natação. A Terra e eu, que éramos a dupla imbatível da época, logo
nos enturmamos. A academia, assim como o colégio, virou uma fonte primordial de vida
social. Um núcleo novo da Bolha se abriu ao lado dessa academia, e veio uma família da
Colômbia morar nela. Conhecemos o Javi e a Nina, dois irmãos dessa família que eram da
nossa idade, e logo viramos amigos inseparáveis. Por eles estarem no mesmo conflito que a
gente, vivendo na Bolha e convivendo no mundo, nos identificamos em praticamente tudo e
decidimos ser “melhores amigos pra sempre”. Foi uma época muito feliz, de intensa
convivência e de um mundo de piadas internas. Amo o Javi e a Nina até hoje e morro de
saudade deles! Queria muito que voltassem para o Brasil.
Foi nesse mesmo núcleo da família do Javi, onde também conheci o James, um
americano nascido no Chile que vivera na Bolha a vida toda também, e a quem me apeguei
automaticamente. O James é a pessoa mais inteligente que conheço e um dos meus amigos
mais queridos até hoje. Sempre zoei ele por ser nerd, mas a verdade é que ele veio com
uma dose de neurônios a mais mesmo, e sempre foi um pouco inconformado com o fato da
vida toda ser um pouco mais devagar do que o seu raciocínio. É um excelente fotógrafo e
um programador digital de não sei o quê (nunca sei o que esses nerds fazem vidrados tanto
tempo no computador). Mais incrível do que ele, só a mulher com quem ele escolheu se
casar, a Goreti, com quem teve a linda Alice. A Gory é uma pessoa muito especial que amo
de paixão.
Foi nessa academia, ao lado da casa do Javi e do James, que tive minha primeira
decepção amorosa. Eu estava ficando com o Tiago, que era da nossa galera lá da academia,
amigo do irmão mais velho do Javi e da Nina, e dessa vez eu senti que era diferente.
Ficamos pela primeira vez na Festa Junina da Bolha, onde ele tinha ido para me ver e eu
logo me encantei. Ele tinha (tem ainda!) olhos verdes, a pele bem clarinha, ombros largos,
altura perfeita. A gente já estava bem apegado, se vendo todos os dias, e indo ao cinema
junto de vez em quando. Ele falava inglês (o que sempre foi um motivo meu de identificação
imediata com uma pessoa), era muito inteligente, bom de conversar, e parecia entender a
situação toda da Bolha. Como eu própria já estava me resolvendo com essa questão, sentia
que estava pronta para algo mais sério. Eu tinha certeza de que a gente ir namorar. Meu
primeiro namoro! Eu estava muito feliz.
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Um dia, na academia, o Tiago pediu para conversar comigo e logo pensei, “é hoje
que ele pede!” Fomos sozinhos para um canto, mas ele estava com a cara bem séria. Então
falei brincando, pra aliviar o clima:
— Que foi? Vai terminar comigo? — e ri, me achando muito brincalhona. Ele
continuou com a mesma expressão facial e disse,
— Mais ou menos, — meu sorriso caiu na hora. Por que eu não tinha percebido? Por
que essa resposta era a última que eu esperava? Eu pensei que ele estava apaixonado!
(Emoji da cara sofrida.) Ele continuou: — Na verdade, eu ia sugerir que a gente parasse de
ficar com tanta frequência. É que eu acabei de sair de um namoro sério e não estou pronto
para outra relação agora. Eu gosto de você, e acho que a gente ainda pode ficar de vez em
quando.
Fiquei sem palavras. Não queria fazer um escândalo no meio da academia. Mas a
minha vontade era de gritar “de vez em quando??? Você está me oferecendo um
downgrade??? Você está verbalmente pedindo pra eu ficar à sua disposição pra quando
VOCÊ quiser?” E pra piorar, eu não entendia essa história de “saindo de um
relacionamento”. Eu nunca tinha namorado. Eu não sabia como era terminar. Eu nunca
tinha passado pela dor excruciante de ter que arrancar uma vida da sua e ainda continuar
vivendo. Por que ele não podia emendar? Mas essa dele propor da gente esfriar um pouco
nossa relação, achei demais. Era como um chefe propor dimiuir o salário de um empregado
que esperava um aumento. Não se faz! Foi nessa hora que tomei uma decisão: a partir
daquele momento, eu ia me valorizar, e por mais apaixonada que eu estivesse, só me
permitiria ficar vulnerável pra alguém que merecesse o meu coração. Disse pro Tiago que
achava melhor a gente parar por ali, que seria melhor assim. Ele resistiu sem muita
convicção e logo saiu da minha vida.
Eu não guardei mágoa do Tiago, tadinho. Ele foi até bem correto comigo. Foi honesto
e não me deixou às escuras, sozinha me perguntando porque ele tinha perdido interesse
(que é a mania hoje em dia entre os caras mais imaturos — preferem sumir do que encarar
conversas difíceis). Admiro ele por isso. Sempre prefiro ouvir a verdade, por pior que seja.
Mas eu gostava demais dele, e não estava disposta a ficar sentada com o coração na mão
esperando ele decidir o dia mais confortável para sair comigo de novo. O que mais doeu foi
não ter sido correspondida no envolvimento que eu achava que era mútuo. Nunca é fácil
quando você é o lado mais entregue da relação e suas expectativas são frustradas. Mas é
algo que a gente vai aprendendo a lidar. Não se pode ganhar todas.
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Cultura POP
Enquanto eu passava por todas essas descobertas na minha vida amorosa, eu
também descobri um mundo de cultura fascinante fora da pequena redoma em que eu fui
criada. Ganhamos um piano, e meus pais passaram a dividir com a gente o repertório da
juventude deles, as músicas que eles tocavam juntos antes da gente começar a nascer, e
tudo que eles mais amavam. Foi assim, vendo meu pais cantando juntos, que conheci The
Beatles, Elton John, The Carpenters, Beach Boys, James Taylor e mais um leque de artistas
das décadas de 60 e 70 que eu viria a amar.
Aos poucos, foram nos introduzindo na brincadeira também. Eles compravam livros
de partituras de musicais, como o Godspell, e ensaiavam as músicas com a gente, a família
toda cantando junta. Uns abriam vozes, outros mantinham a melodia, mas todos foram
aprendendo a timbrar. Essa brincadeira acabou resultando num show que apresentamos
juntos, durante anos, num formato que chamamos de A Família Blanco. O repertório era
cheio de diversidades, ia de músicas flashback anos 70, à bossa nova.
A bossa nova também foi um som que meu pai introduziu pra gente, por causa das
composições do vovô, Billy Blanco. Aprendemos não só as músicas dele como as do Tom
Jobim, do Vinícius de Moraes e do João Gilberto. Quando a gente viajava em família era só
bossa nova que tocava; quando íamos à praia aos fins de semana, era a trilha garantida do
carro. Tenho um carinho grande por esse som e um elo afetivo muito forte. Me arrependo
de não ter convivido mais com as músicas de outros compositores que hoje admiro muito,
como o Chico Buarque e o Milton Nascimento. Tive a chance de conhecer melhor a obra da
Rita Lee nos últimos anos e fiquei encantada. Temos muita riqueza musical na nossa cultura,
que perdi na adolescência. Mas isso tenho tempo de recuperar. Pelo menos a bossa nova
representa uma boa base de educação musical brasileira.
Onde eu mergulhei mesmo foi na Cultura POP internacional. O Pedro Sol era muito
ligado em música também, desde novo. Por ser irmã mais nova, eu ficava muito fascinada
por tudo que ele fazia e queria gostar das mesmas coisas que ele. Foi assim, invadindo o
quarto dele pra roubar CDs, que conheci bandas como Oasis, Red Hot Chili Peppers, Blink
182, Bon Jovi, Silverchair; cantores como o Ben Harper e o Jack Johnson; e a banda No
Doubt, que foi a banda que realmente me fez querer ser roqueira pela primeira vez.
Descobri meu lado POP sozinha, ouvindo tudo que meus amigos da escola gostavam
e decidindo do que eu mais gostava. Tive minha fase de boy bands, em que eu ficava horas
no quarto ouvindo as músicas dos Backstreet Boys, Westlife e todos os outros. A Britney
Spears foi a primeira cantora que me fez querer cantar POP pela primeira vez, e decorei os
primeiros três discos dela inteiros de tanto que eu ouvi. As bandas Hanson, The Corrs e The
Calling foram bandas que eu amei num grau inexplicável por muito tempo. Mas, quando
Avril Lavigne entrou na minha vida, não sobrou lugar pra mais ninguém! Ela foi apenas a
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artista mais marcante de toda a minha adolescência! O discurso, o comportamento, o som,
as letras, as roupas, a maquiagem, tudo me sugou pra dentro de uma fase que foi só dela. O
único artista que conseguiu me fazer parar de ouvir os discos da Avril, foi a Pink. Aí foi amor
à primeira vista (ou primeira ouvida). Larguei tudo, e passei a amar só a Pink até hoje.
No início da adolescência, quando minha curiosidade me levava a empurrar as
barreiras da proibição na minha vida, eu finalmente descobri a televisão. Meu pai tinha
assinado a Sky e estava, aos poucos, começando a liberar a TV lá em casa, mas não deixava
a gente ver tudo. Eu comecei a ver escondida para conhecer melhor o que se passava nesse
mundo mágico em que não precisava colocar uma fita VHS na máquina pra se ter uma
imagem. Eu achava aquilo tudo fascinante.
Um dia vi a chamada da estreia de uma série nova (série também era um conceito
novo pra mim) chamada Gilmore Girls. Eu assisti o episódio de estreia escondida (tive sorte
que foi um dia que a sala estava vazia de noite) e decidi que aquilo era algo que eu estava
disposta a não viver sem. Mostrei um episódio para meus pais e implorei pela sua
permissão. Eles aprovaram. Passamos a assistir Gilmore em família todas as quintas de
noite. De Gilmore passei a conhecer várias outras, e fui desenvolvendo a paixão por séries,
que acabaram virando uma parte muito importante da minha vida.
Ao longo dos anos fui baixando e estocando no meu computador ou iPod episódios
das séries com as quais eu mais me identificava. Agora com a chegada da bendita Netflix,
minha vida ficou um pouco mais feliz. Seleciono a dedo e faço maratona das minhas
preferidas até hoje. As séries impactaram minha forma direta de ver a arte, a cultura e a
vida. Mexeram com meu comportamento, minha forma de raciocinar, de criar e com muito
da minha personalidade superficial. Assisti a muitas séries na vida, mas as que mais
mexeram comigo, tipo de me mudar mesmo, foram: Touched by an Angel (minha mãe
viciou a família toda, ela amava porque falavam de Deus), Gilmore Girls, Grey's Anatomy,
Lost, Glee, Scandal, The Good Wife e Game of Thrones.
Um dia descobri Friends. Eu liguei no Canal da Sony e algo me chamou a atenção:
meu primeiro episódio de Friends. Nunca mais parei de ver. Passei minha adolescência
inteira vendo com meus irmãos, reunidos na sala; era o programa preferido da família.
Acompanhávamos as maratonas de reprise que a Sony exibia nos fins de semana, e depois
assistimos as últimas temporadas em tempo real, exibidas pela Warner Channel. Como
resultado, eu assisti tudo (várias vezes) e absorvi para mim a forma deles falarem, os
tempos de comédia e as expressões mais engraçadas. Meus irmãos acham que muito da
minha personalidade e forma de falar é influência direta do meu vício por Friends. Eu acho
que é uma mistura de quem eu sempre fui, com algo que eu gostei muito de conhecer
(Aham). Até agora, depois de anos, ainda não achei nada melhor, nenhuma Sitcom nova e
mais engraçada, nenhuma comédia é tão universalmente boa ou impactante como Friends.
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Cinema sempre fez parte da minha vida, mesmo em época de censura. Amava
assistir filmes de todos os gêneros e conteúdos. Sei que em algum lugar de mim eu já tinha
vontade de ser atriz, porque eu sonhava em um dia fazer aquelas cenas e ter aquelas falas.
Me lembro que quando eu assisti Uma Lição de Amor (I Am Sam), eu fiquei tão emocionada
com a cena em que a Michelle Pfeiffer faz um discurso entre lágrimas para o Sean Penn, que
eu anotei o texto dela, fala por fala, e ensaiei no espelho pra ver se eu conseguia fazer igual.
Ficou uma cópia triste e patética, mas continuei tentando. Eu fazia essa brincadeira com
vários filmes. Um que eu adorava rever inúmeras vezes é o 10 Coisas Que Odeio Em Você, e
a cena final em que a Kat lê o poema também foi uma que tentei recriar. O Casamento do
Meu Melhor Amigo, Um Amor Pra Recordar, e Gilbert Grape são outros exemplos de filmes
que eu tentei encenar pro espelho.
Essa brincadeira de decorar falas de filmes era, na verdade, uma evolução de uma
outra brincadeira de esquetes que eu fazia com as minhas irmãs. Tínhamos um baú de
fantasias e vestidos longos, e era com essas roupas que nos arrumávamos e improvisávamos
várias cenas com conflitos de todos os tipos: tinha vilão, tinha amor proibido, tinha princesa
morrendo, tinha até cavalo quando a gente se empolgava na criatividade. Conforme fomos
crescendo, paramos de brincar, mas a vontade de encenar histórias nunca nos deixou.
Alguns outros filmes que marcaram muito minha adolescência (não são todos, pois a
lista seria longa demais): Titanic (claro), Grease, Forest Gump, Quase Famosos, Johnny e
June, Selena, Show Bar, Moulin Rouge, O Diário de Uma Paixão, Noiva em Fuga, Mamma
Mia, Across The Universe, Central do Brasil, Chá Com Mussolini, Adoráveis Mulheres, Romeu
e Julieta (versão com o Leonardo de Caprio e Claire Danes), Garotas Malvadas, Nunca Fui
Beijada, Ela é o Cara, O Show de Truman, Matrix, Chaplin, Patch Adams, De Volta Pro Futuro
(toda a trilogia), Guerra Nas Estrelas (Todos os 6), ET, Encontro Marcado, entre outros...
Cantando em família
Os nossos shows como A Família Blanco continuaram por muitos anos ao longo da
minha adolescência. Fomos até convidados pelo Programa do Jô pra falar sobre a dinâmica
da família e, claro, para cantar. Mas a nossa agenda de apresentações intensificava mais,
como sempre, na época do Natal. Visitávamos orfanatos, asilos, missas, festas de fim de
ano, levando um repertório de músicas natalinas para alegrar a vida das pessoas. O trabalho
social e comunitário era a coisa que eu mais gostava sobre a Bolha. Viviam para isso, pra
ajudar as pessoas e levar amor à vida delas. Sempre achei aquilo a profissão mais nobre que
se poderia ter.
Foi só depois que entendi que eu podia ajudar e alegrar as pessoas através da minha
música também, não só no Natal, que eu comecei a querer realmente a me dedicar à
música.
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Frequentávamos a ceia de Natal da minha família que sempre foi na casa da minha
avó materna, Maria Helena, e eu amava ir para lá (amo até hoje). Todos ficavam tão felizes
de nos ver cantar, eu me sentia muito útil. Minha tia Cândida me abraçava muito e me
tratava com muito carinho, conquistando um lugar especial no meu coração que é dela até
hoje. Meu tio Zé Mauro Brant, que é excelente ator, contava histórias em versões
dramatizadas e hilárias. E meus primos se espalhavam pela casa com a gente falando
besteira e rindo dos adultos. Estar com eles tornava esse feriado ainda mais especial.
O costume de cantar, tocar música ou apresentar qualquer outra forma de
entretenimento em um lugar público, geralmente envolvendo algum pedido de dinheiro,
em inglês se chama de “Busking”. É também a expressão que usávamos para as nossas
apresentações informais e espontâneas. Meu pai era muito fã de Busking e nos levava a
vários lugares diferentes e, espontaneamente, cantar para as pessoas. A gente entrava em
um restaurante, por exemplo, se enfileirava NO MEIO do salão, meu pai gritava “a one, a
two, a one two three!” e a música DO NADA começava e nossas vozes jovens e
envergonhadas soavam alto por todo o local. A reação geralmente era surpreendentemente
positiva. As pessoas se assustavam, olhavam pra gente, sorriam, começavam a balançar a
cabeça, e logo surgiam com as palmas. Elas adoravam ver a família Von Trapp cantando para
elas durante o almoço.
Quando eu tinha onze anos fizemos uma viagem em família pra Florida. Foi a
primeira vez que conhecemos os Estados Unidos, e fomos a dois parques da Disney e nos
divertimos muito. Quando passamos por Miami, tinha um produtor musical amigo do meu
pai que ele queria visitar. Como esse amigo não conhecia a “escadaria cantante” que
éramos nós seis, meu pai combinou com a gente de entrar no escritório do cara já cantando,
com violão e tudo, para surpreendê-­‐lo. Era esse tipo de espontaneidade que meu pai
gostava de ter.
Durante muito tempo eu morria de vergonha de fazer Busking. Não sentia que era
um show, achava muito solto, e eu ficava com medo de incomodar as pessoas, ou de ser
reconhecida por alguém da escola que não conhecia minha vida paralela. Quando eu era
criança, tudo bem. Mas agora eu estava grande e aquele tipo de performance me deixava
toda constrangida. Um dia meu pai conversou comigo e disse,
— Você acha que os cantores já começam a carreira nos grandes palcos? Isso aqui é
cantar também, é assim que começa. Essa é sua oficina, sua aula para ficar pronta pro show.
Se você dominar sua apresentação nos restaurantes, você estará pronta pra tudo. — Depois
desse dia não reclamei mais, e toda vez que eu sentia vergonha, eu pensava no que meu pai
disse. Não deu outra. Hoje posso ter muitas falhas como performer ainda, e muita coisa
para trabalhar, mas a vergonha não é mais uma delas.
Fiz aulas de canto e de violão numa escola de música na Barra por alguns anos. No
final de cada semestre rolava uma apresentação em alguma casa de shows quando os
alunos mostravam o que tinham aprendido. Eu adorava aquelas apresentações. Me sentia
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tão feliz no palco cantando as músicas que eu tinha escolhido. Numa dessas, preparei um
número com a Terra em que ela tocou piano e cantamos juntas Come What May, do Moulin
Rouge, e depois abrimos vozes à capela para um trecho de As Long As You Love Me. Foi
muito divertido! O violão acabou não vingando tanto pra mim, infelizmente. Eu não tinha a
manha, e por mais que ensaiasse, eu não conseguia pegar a naturalidade do instrumento.
Fiquei conformada em só cantar. De vez em quando ainda pego pra tocar de brincadeira,
mas fica claro que não tenho o dom.
Um dia descobriram o Pedro Sol. A filha de um amigo do meu pai chamou o Pedro
para montar uma dupla POP com ela. Eles tinham empresária, investidor, gravadora, tudo!
Seriam “os próximos Sandy & Júnior”, segundo os responsáveis pelo projeto. No meio da
preparação, parece que algo aconteceu e a menina acabou saindo, e, pra minha surpresa,
meu irmão ofereceu a vaga pra mim. Ele disse que queria muito que eu fizesse com ele, e
que teria ainda mais a ver por eu ser irmã dele, e que faríamos um trabalho lindo juntos. Eu
fiquei um pouco na dúvida. Eu adorava Sandy & Júnior, mas não sabia se eu queria estar
num projeto que seguisse os passos deles. Não seria imitação, até porque meu irmão é
muito talentoso e estava até compondo para o disco. Mas, eu não tinha certeza se teria o
meu espaço naquela formação. Não tinha nem certeza de qual era o meu espaço, eu ainda
estava me encontrando como pessoa, imagina musicalmente.
No dia que o Pedro trouxe o contrato para eu assinar, eu fiquei com febre e não
parava de chorar. Não sei porque eu tive essa reação, mas ficou muito claro pra mim que eu
não estava pronta para uma empreitada daquele tamanho. Pedi desculpas, mas não assinei.
Eu tinha 14 anos na época.
O Pedro ficou chateado, mas logo reformulou seu plano e depois de uma série de
acontecimentos, ele lançou um CD solo pela Sony Music. O álbum ficou lindo e eu adorei as
músicas. Torci muito para o Pedro deslanchar. Mas vi que ele não estava confortável com
aquele estilo de música, não era a dele. Alguns anos depois, o Pedro largou tudo e foi
procurar o próprio som, aquilo que mais traduzisse o seu coração e a sua alma. A
experiência do meu irmão sempre ficou comigo, me dando a certeza de que não adianta ter
uma produção megalomaníaca e todo o dinheiro do mundo se você não estiver cantando a
música que você ama.
Na mesma época, a Sony também teve interesse em montar um grupo infanto-­juvenil,
“tipo A Turma do Balão Mágico”, comigo, a Terra, a Estrela e o Daniel. Todos nós
topamos por que já cantávamos juntos mesmo e tinha cara de que seria divertido. O nome
ficou Família Blanco mesmo. Meu pai compôs algumas músicas para o grupo, e fez versões
em português de outras conhecidas como “God Only Knows” dos Beach Boys, e “Keep On
Moving” do Five, que ficaram muito legais. Gravamos um CD inteiro produzido pelo meu pai
e pelo Liminha, com direção vocal do Fernando Adour, ensaiamos coreografias com o
professor de dança Luciano Black Brother, e até filmamos um clipe mega divertido. Mas,
antes de nos lançarem, algumas mudanças começaram a acontecer na gravadora e o nosso
projeto caiu.
22

Para não infringir nosso contrato, a Sony acabou lançando um CD de (imaginem só!)
Natal com a família toda (menos o Pedro, que estava focado no projeto dele) alguns anos
depois. O CD ficou muito bonito e nos divertimos bastante fazendo. Não teve muita
divulgação, e acho que o CD nem chegou a ir para as lojas, mas ganhamos caixas e caixas de
CDs pra vender nas nossas apresentações de fim de ano, e isso já era uma vantagem. Fomos
até no programa da Xuxa apresentar o novo show de Natal que montamos em cima desse
CD. (Curiosidade: minha mãe foi muito amiga da Xuxa antes da gente nascer. Elas foram
modelos na mesma época. Quando eu era bebê, minha mãe foi visitá-­‐la nos bastidores do
programa, e ela me achando tão fofa, e por ser o programa do Dia das Crianças, me roubou
do colo da minha mãe e me levou pra descer na nave com ela.)
Em busca da verdade
Conheci o Ian na Prainha, na época em que eu passava muito tempo lá. Meu cabelo
estava comprido e queimado de sol, eu vivia bronzeada e estava começando a aprender a
pegar onda de bodyboard. O Ian era um dos surfistas locais da praia e me pediu que
passasse protetor solar nas suas costas como desculpa pra puxar assunto comigo e me
chamar pro cinema. Tudo fluiu muito naturalmente com ele, e dias depois do Natal daquele
ano, ele me pediu em namoro. O Ian foi meu primeiro namorado, minha primeira vez,
cuidou de mim depois do meu primeiro porre (no dia que resolvi provar vodka em um
churrasco na casa dele. Odiei!), e vivi um ano cheio de primeiras experiências com ele ao
meu lado. A gente ia junto pra praia, pegava onda juntos (quando o mar não estava muito
grande pra mim, sempre fui maroleira), fazia churrasco com as duas famílias toda hora, e
vivíamos circulando nas nossas duas casas. A gente se divertia muito juntos.
Durante essa mesma época, quando eu tinha 16 anos, achei sem querer, solto pelo
escritório do meu pai, uma carta da liderança da Bolha agradecendo meus pais pelos
dezessete anos que eles dedicaram ao movimento e desejando boa sorte a eles dali pra
frente. E foi assim que eu soube que havíamos oficialmente saído da Bolha. Corri para os
meus pais, que me explicaram melhor. Sentiam que tinham cumprido a missão deles lá, que
agora a jornada deles guiava para outro lado e que estava na hora de sair. Não sei porque
eu chorei tanto. Passamos os próximos anos readaptando toda a estrutura e dinâmica
familiar após o rompimento. Continuei tendo o mesmo contato com os meus amigos, que
aos poucos foram saindo também. Hoje em dia acho que até acabou o grupo — a Bolha
estourou. O que ficou foi a vivência, os valores e as histórias para contar.
Um dia meu pai conheceu uma família de americanos que estava promovendo um
evento chamado English Camp, um acampamento para adolescentes passarem o fim de
semana com um grupo de instrutores americanos, conhecendo melhor a cultura deles. Eu
me identificava com muita coisa da cultura americana, principalmente a comida e me sentia
muito em casa perto deles porque me lembravam as pessoas com quem convivi quando era
pequena. Fui para esse acampamento com minhas irmãs e lá descobri que eles também
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estavam promovendo Jesus. Era um retiro de crentes. Fiquei facinada ao ver como eles
falavam sobre Deus e a Bíblia com tanta naturalidade. Eu achava que essa intimidade com
Deus era um fenômeno exclusivo de quem foi criado na Bolha, mas descobri que muita
gente seguia Jesus também e continuava tendo seus compromissos e vivendo uma vida
normal.
Fiquei decidida, então, a descobrir quem Deus era verdadeiramente para mim, fora
da Bolha e das respostas prontas e dos ensinamentos terceirizados. Eu precisava achar meu
próprio caminho com Deus, algo que fizesse sentido no meu coração. Fui convivendo mais
com essa gente depois do acampamento, e comecei a conhecer melhor os ensinamentos da
igreja evangélica.
Quando comecei a levar tudo que eu estava aprendendo mais a sério, minha vida
começou a mudar e eu vi que eu e o Ian estávamos seguindo caminhos diferentes. E aí sim,
conheci a dor excruciante de um término. Eu sentia dores físicas de tanta saudade dele
quando paramos de nos ver. O Ian me procurou e tentou voltar comigo durante muito
tempo, mas eu sabia que não tinha mais a ver. Eu precisava achar as respostas que
procurava e ele não ia me ajudar a fazer isso.
Encontrei uma igreja evangélica muito simples e descontraída, que se reunia numa
casa no Recreio dos Bandeirantes, com um pastor roqueiro e pessoas pé-­‐no-­‐chão, onde me
encaixei de primeira. Era chamada Vineyard. Minha vida mudou na Vineyard. Fui batizada
na piscina da casa; e logo me envolvi nos cultos, no cuidado com as crianças e na
convivência com essas pessoas. Tive minhas primeiras experiências com Deus lá, de
realmente sentir a presença Dele dentro de mim, e foram elas que me deram mais fôlego
para manter minha busca. Foi lá que conheci a Letícia, que viria a ser uma pessoa especial e
saudosa na minha vida (hoje ela mora com o marido e a filha em Israel). Me aproximei
muito da minha mãe nessa época. Ela entendia o que eu passava por ter tido essa mesma
busca a vida toda. Ela começou a frequentar a Vineyard e a conversar sobre tudo comigo.
Até hoje, eu a considero minha melhor amiga de tão próxima que ficamos nessa época.
Quando entrei para faculdade, comecei e desenvolver melhor os meus conceitos e
minhas verdades espirituais. Namorei o Rafael por um tempo, que era uma pessoa muito
realista, e questionava minhas crenças e convicções com uma curiosidade sincera. Foi aí que
eu percebi que eu estava só repetindo o que as pessoas me diziam, mas que eu não tinha
realmente internalizado aquilo tudo.
Um dia, depois de dois anos intensamente dedicada à Vineyard, sentei para
conversar com o Manga, nosso pastor querido que tinha uma papo reto, muito admirável.
Contei que não estava mais tão investida ali, que eu não estava me sentindo verdadeira, e
que tinha medo que cair numa rotina religiosa automática, o que era o que menos queria.
Precisava sair e encontrar a minha verdade, descobrir quem era Deus pra mim, a longo
prazo e com “minhas próprias pernas”, não só em uma experiência espiritual, mas na vida
real, no dia a dia. Eu tinha muitas perguntas, e lá sentia que muitas pessoas aceitavam tudo
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sem questionar. Eu precisava viver essa crise existencial a fundo. Precisava ver para onde ela
me levaria. O Manga sorriu e disse:
— Lua, minha única tristeza é que não tem mais gente passando por essa mesma
crise. Tem pessoas que esperam chegar aos 50 anos para descobrir que estavam vivendo
uma mentira. Que bom que você está passando por isso agora, aos vinte. Já pode começar a
construir sua vida da forma certa. Vá na paz, minha querida.
Nunca esqueci as palavras dele, e nunca mais parei de questionar a veracidade das
coisas e o significado real delas no meu coração. Sempre que sinto que algo está errado,
rasuro tudo e volto a desenhar. Nunca é tarde para desfazer um equívoco ou corrigir uma
situação desandada.
Anos depois, minha mãe me deu um livro que me ajudou a encontrar algum sentido
na minha confusão interna. O livro se chama O despertar de uma nova consciência, do
Eckhart Tolle, e fala sobre a essência humana, a mente, o ego, o espírito e o momento
presente de uma forma muito prática e não-­‐religiosa. A névoa começou a levantar e vi que a
espiritualidade e o Reino de Deus não são limitados às congregações religiosas e, sim, estão
dentro da gente. Até hoje pego o livro para reler algum trecho quando estou me sentindo
desorientada. Já distribuí cópias dele para vários amigos, de tanto que me impactou.
The P.U.C.
O ponto de virada da minha vida foi quando entrei pra PUC-­‐Rio. Minha prima Alluana
já estudava lá, e quando me formei no Ensino Médio e precisava decidir o que fazer depois,
ela me contou sobre o curso de Letras que fazia. Fiquei encantada porque eu adorava ler e
escrever e ainda teria a chance de estudar inglês: eu não queria que o meu definhasse de
jeito nenhum. Prestei vestibular pra PUC e passei em 21o lugar na seleção pra Letras. Minha
linda vó, Maria Helena, conseguiu bolsa integral para mim (aleluia!) e me matriculei na
habilitação de Tradução Português-­‐Inglês. E, no dia seguinte do meu aniversário de 19 anos,
eu estava descendo do ônibus na Gávea para encarar meu primeiro dia de aula.
Tudo mudou na PUC! Minha forma de ver o mundo e as pessoas, minha forma de
pensar, minha forma de estudar, de sonhar, de entender a vida. Tudo. Para contar as
melhores partes dessa época eu teria que encher um livro inteiro, ou então escrever uma
série infindável de contos e histórias (o que talvez eu ainda faça), porque realmente foi uma
fase maravilhosa na minha vida. Foi apenas nessa época — quando comecei a pegar quatro
ônibus por dia sozinha, a conhecer a zona sul, a andar de metrô e a me relacionar com
pessoas totalmente novas que meus pais não conheciam — que finalmente saí da minha
bolha. Eu andava pelos corredores do pilotis suspirando de alegria porque eu tinha
finalmente virado gente grande... e o resto da minha vida estava prestes a começar.
25

Conheci o André. Acho que o mundo passou a girar em outra velocidade naquele
momento. Ele era meu veterano e o líder da equipe que comandou nosso trote. Fiz a
marrenta durante todo o trote, que peitava as ordens dos veteranos e que resistia ser
pintada; por causa disso, ele pegou mais pesado comigo na tinta e nas brincadeiras. Eu amei
ele desde nossa primeira interação. Nossa amizade surgiu de forma imediata e
inquestionável. Não havia hipótese da gente viver mais um sem o outro. No trote também
conheci a Carol, que era outra marrenta resistente, com quem eu me identifiquei na hora.
Conheci também a Esther Oliver (que agora só chamo de Oli), a pessoa mais doce e leal que
já viria a conhecer; a Raquel, a espertinha e romântica do grupo; a Mari, a maluquinha e
avoada, e a Nanda, a linda e misteriosa que sempre amei, mas nunca saquei totalmente.
Aos poucos, a vida foi nos juntando, e passamos a dividir toda a experiência universitária
uma com a outra. São minhas grandes amigas até hoje.
Foi no meio de todas essas novidades e novas amizades que começou minha
primeira banda. O André era guitarrista de uma banda de metal, mas o gosto musical dele
tinha muita coisa em comum com o meu. Conforme nos aproximamos, e íamos
conversando sobre tudo, vimos o quanto a gente se identificava. O André me trazia a
sensasão de where have you been all my life? (aonde você esteve minha vida toda?). Sentia
que eu tinha duas décadas de assunto pra colocar em dia com ele. Virávamos noites no MSN
conversando, e de dia, na PUC, continuávamos, grudados sempre, nos conhecendo melhor.
Esses papos, de uma forma ou de outra, sempre acabavam na música, e passamos a ter
certeza de que não entramos na vida um do outro à toa. Precisávamos fazer alguma coisa
musical juntos. A Carol tocava violão mas estava disposta a aprender o baixo, e o Rique,
nosso amigo mais charmoso e engraçado, era um excelente violinista. Todos tínhamos um
gosto musical parecido. Então resolvemos montar uma banda de pop-­‐rock. Chamamos o
Andrew, nosso colega meio-­‐americano e filho de pastor, para ser nosso baterista, e
marcamos nosso primeiro ensaio.
Demos o nome à banda de Collecting Dreams (colecionando sonhos), e foi muito
marcante porque era exatamente isso que a banda nos instigava a fazer. Recolhemos as
músicas atuais da época que a gente mais gostava e montamos um repertório que era a
nossa cara. Chamamos a Oli para produzir, e ela apenas arrasou durante todos os anos que
cuidou da gente. Ensaiávamos lá em casa, ou no próprio campus da PUC, e tocávamos para
os nossos colegas nas festas do CaLé, que era a casinha recreacional do curso de Letras, na
Vila dos Diretórios, e no Anfiteatro, depois que ele foi construído. Com o tempo,
começamos a evoluir e a tocar em casas de show, bares, e festivais de bandinhas, e a
ensaiar em estúdios profissionais. O Andrew saiu da banda, e entrou o Ivan, depois o Mega,
que foi trocado pelo Daniel, e enfim chegamos no Nando, nosso último e definitivo
baterista. Depois de um tempo, mudamos o nome da banda para Lágrima Flor, em
homenagem à música do meu avô. O André começou a compor para gente (tanto em ingês
quanto em português) e viramos uma banda autoral bilingue.
A banda foi a experiência mais marcante da minha vida até aquele ponto. Foi quando
comecei a me descobrir musicalmente longe do contexto familiar, e foi onde formei uma
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identidade artística totalmente minha. Fomos nos encontrando na nossa convivência e no
nosso amor pela música e eu amei cada segundo que passei ao lado deles. A gente se
divertia muito e trocava dicas musicais o dia inteiro. Fazíamos músicas inspiradas em séries
e em livros que a gente estava lendo; às vezes nos inspirávamos em alguma discussão que
tinha rolado, às vezes nas nossas sensações mais fortes. O André fez uma música chamada
Colecionando Sonhos que foi uma homenagem àquela fase suspensa nas nossas vidas. Nela
ele cita os nossos lugares preferidos no campus da PUC e vários acontecimentos específicos
que tínhamos vivido. Nossas músicas tinham a nossa cara.
Foi a época em que me viciei em John Mayer, Coldplay e Paramore, não
necessariamente nessa ordem, e foram eles que lapidaram todo o conceito musical que eu
estava formulando. Outros artistas que marcaram muito essa época foram: Damien Rice,
Alanis Morissette, Switchfoot, Keane, Fall Out boy, Dashboard Confessional, Maroon 5 e Los
Hermanos.
Eu gostava muito, também, das aulas do curso de Letras. Fui surpreendida com e o
como era mais agradável estudar na faculdade, em um curso que você escolheu, com aulas
que você gosta, do que na escola. Aprendi a amar a literatura brasileira, portuguesa e
inglesa, aprendi sobre linguística e todos os detalhes de como a linguagem se ajusta ao
nosso cérebro. Aprendi a escrever direito e fazer textos limpos e coerentes, e aprendi a
traduzir. Eu já tinha tido alguma experiência com tradução simultânea na igreja quando os
“gringos” a visitavam. Eu tinha facilidade, fluência e gosto para traduzir rápido ao vivo, tanto
do inglês paro português, quanto vice-­‐versa. E também descobri uma certa manhã minha
para tradução escrita, gostava das aulas. Mas, conforme fui treinando e gastando tempo
com isso, fui tendo certeza de que eu não queria fazer isso pro resto da minha vida. Não
queria ser tradutora. Foi nesse momento que decidi levar a arte mais a sério do que nunca,
porque era a única coisa que eu amava fazer, e para mim não tinha sentido passar a vida
fazendo algo que não amasse.
Depois de algum tempo de banda, o André e eu começamos a namorar e ficamos
dois anos juntos. Talvez um dia eu conte melhor a nossa história e o quanto a gente se
amou. Com ele as coisas se encaixaram de uma forma confortável e familiar e, pela primeira
vez na vida, eu parei de me sentir uma estranha no ninho. Mas éramos jovens e imaturos e
tínhamos ainda muito o que aprender. No ano em que meus pais se separaram, muita coisa
quebrou dentro de mim. Perdi minha crença em várias coisas e entrei num processo longo
de me achar de novo. Alguns meses depois que meu pai saiu de casa, eu e o André
terminamos. Nossa amizade, e principalmente a banda, sobreviveram ao término, e
continuamos trabalhando e sonhando juntos em um dia poder estabelecer a nossa música
no mercado. Fui morar na casa da minha vó Maria Helena, no Leblon, e ela foi a coisa mais
maravilhosa possível. Sou muito agradecida a ela por ter cuidado tão bem de mim naquela
época confusa.
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Meus primeiros trabalhos
Um dia fui indicada para fazer um teste como atriz na Rede Globo. Fora as minhas
brincadeiras em casa, eu nunca tinha atuado, mas gostei da ideia e fui. Cheguei até a final
do processo de seleção para viver uma surfista na novela Três Irmãs, mas não passei. (A
Estrela passou, e fez o papel de outra surfista, a Mel.) Ao invés disso, me ofereceram um
cargo como elenco de apoio. Eu não sabia exatamente do que se tratava, mas eu precisava
trabalhar e já estava sentindo que ia gostar de fazer aquilo. Passei quase um ano indo com
muita frequência ao Projac, ou para as externas de praia gravar. Eu não tinha falas, mas
estava presente em bastante cenas do meu núcleo; passava dias inteiros acompanhando
todos os bastidores daquela produção e aprendendo como tudo funcionava. Fui me
apaixonando aos poucos pelo trabalho na televisão e sonhando em um dia ter um papel
bom. Na festa de estréia da novela, eu estava conversando com a produtora de elenco
sobre o quanto eu estava gostando da experiência e ela me disse:
— Então vai estudar! Quem tem só carinha bonitinha não dura na TV. Vai estudar
teatro! Tem um curso ótimo do Daniel Herz, na Laura Alvim.
Fui, naquela mesma semana, para o Teatro Casa de Cultura Laura Alvim, em
Ipanema, me matricular na minha primeira aula de teatro, que viria a abrir minha mente,
meus olhos e meu coração para a interpretação. Foi lá que eu conheci grandes amigos como
a Marcella Rica e o Igor Cosso, e mais uma galera por quem tenho um carinho grande até
hoje. Depois dessa aula do Daniel Herz, eu passei a procurar sempre cursos e oficinas que eu
pudesse participar pra ir evoluindo naquilo que aprendi – a arte de interpretar. Eu me sinto
tão bem numa boa aula de teatro que chega a viciar. É que nem fazer uma boa cena. Fico
querendo que não acabe.
Descobri que, em cena, eu podia soltar todas as minhas tensões, angústias, e raiva, e
ser uma pessoa totalmente diferente. Atuar me dá sossego, serenidade. Me ajuda a sair de
mim, e é tão bom ter um lugar para onde fugir! É muito cansativo ser eu o tempo todo! Eu
penso demais, e questiono demais, e me revolto demais. Quando mergulho em um
personagem, passo a ser tudo que ele pede para ser naquele momento... e isso é o maior
alívio do mundo.
Depois que acabou a novela, fui convidada pra fazer uma participação em Malhação
como a baixista Joe. A história da Joe durou uma semana, mas eu tinha falas (!), então
estava feliz. Um tempo depois, chamaram a Joe de volta pra participar de outro núcleo com
outra caracterização por mais duas semanas. Francamente, acho que era outro personagem
com o mesmo nome, mas me diverti muito fazendo que não me importei com esse detalhe.
Fui muito bem tratada pelo elenco e a direção e comprovei ainda mais o quanto eu gostava
de trabalhar ali. Foi também a primeira vez que conheci a Sophia e o Micael. Cheguei até a
ter algumas cenas com o Mika, ele e suas tranças da época.
Depois disso me chamaram para apresentar a TV Globinho e fiquei feliz de ver que
estavam lembrando de mim. Foi um trabalho bem curto, na verdade. Como a TV Globinho
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era gravada uma vez a cada quinzena, geralmente num sábado sim, e no outro não, e eu
fiquei só dois meses como apresentadora, tive o total de quatro diárias de trabalho. Logo
em seguida veio o convite para fazer a Turma do Didi. Me explicaram que o programa
estava cheio de novidades e que a nova temporada seria futurista. O Didi seria mordomo de
um milionário cientista, e eu seria uma das filhas deste milionário. Disseram que até me
dariam espaço para cantar e tudo. Fiquei feliz da vida! Essa temporada chegou a estrear,
mas quando estava ainda engatando, e na véspera da gravação da cena em que eu cantaria
uma música, o Renato Aragão teve aquele lamentável acidente em que caiu e quebrou o
nariz, e tudo foi cancelado. A temporada foi suspensa, e o programa foi reformulado, e,
claro, eu fui dispensada. Até hoje meus amigos brincam que isso tudo nunca aconteceu, foi
só impressão minha.
Nessa mesma época, eu também sonhava em participar do meu primeiro musical.
Amava o gênero desde pequena e queria muito apresentar um espetáculo num palco
grande com figurinos incríveis e uma orquestra atrás. Eu tinha feito audição para Noviça
Rebelde, e tinha ficado arrasada por não ter sido aprovada para viver a Liesl, apenas minha
personagem preferida da história toda. Mas a Estrela passou para o papel da Marta, e
estreou lindamente nos musicais, então foi um consolo. (Sempre fico feliz, desde que
começamos a trabalhar no mesmo mercado, quando vejo uma conquista de um dos meus
irmãos. Torço mais por eles do que por mim, praticamente.) Quando abriram as audições
para o musical O Despertar da Primavera fiquei louca! Tentei caprichar ao máximo na minha
performance e, depois, dormi do lado do telefone esperando a resposta.
Nesse meiotempo, eu passei no teste para integrar o elenco da nova montagem de
Confissões de Adolescente, de Maria Mariana. A peça, que foi um sucesso na década de 90,
não tinha sido mais montada há muitos anos, e nosso processo de ensaio foi adaptando o
texto para uma linguagem mais moderna, junto com o Matheus Souza, escritor e cineasta
gênio que virou meu amigo até hoje. Foi lá também que conheci a Marcela Nunes, que era a
assistente de produção da montagem. No elenco éramos Sophie Charlotte, Bella Camero,
Clarice Falcão, e eu. Foi muito divertido durante o processo de ensaio e na expectativa da
nossa temporada, juntas. Mas um dia, recebi a ligação avisando que eu tinha passado no
texto para o Despertar, e descobri e vivi o sofrido dilema que todo ator passa quando tem
que escolher entre dois trabalhos que ele quer muito fazer. Eu estava LOUCA para estrear
Confissões, mas fazer musical era um grande sonho meu, e não tinha chance de eu recusar
essa oportunidade. Deixei o elenco da peça triste, mas confiante, e nunca me arrependi.
O Despertar da Primavera foi outro marco importante na minha vida. Dirigidos pelo
Charles Moeller e pelo Claudio Botelho, o elenco (que incluía também o Pedro Sol e a
Estrela) sentiu junto e na pele toda a experiência viva da história daqueles jovens. Éramos
muito unidos e entregues ao espetáculo. Até hoje temos um grupo no WhatsApp do elenco,
e carrego comigo grandes amizades que começaram lá, como a Eline Porto, a Alice Motta, o
Bruno Sigrist, e várias outras pessoas queridas que amo muito até hoje. Fizemos uma
temporada no Rio e duas em São Paulo, viagens que também serviram para me aproximar
mais da Estrela. Na adolescência não tínhamos sido tão próximas, por ambas terem uma
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personalidade muito forte e alguma diferença de idade. Mas quando colocaram a gente
para dividir quarto no hotel de São Paulo, descobrimos que somos loucas uma pela outra, e
nunca mais desgrudamos.
O Despertar foi muito aclamado pela crítica e pelo público (fora quando censuravam
o conteúdo sexual), e atraiu muitos fãs e amantes do teatro musical, que se aglomeravam
no final de cada espetáculo para falar com o elenco. Como eu era do coro, e só substituía a
Letícia Colin de vez quando, esses fãs não me davam muita bola, e então, era normal eu sair
do teatro e poder ir embora direto, sem muito alarde. Por isso fiquei tão surpresa quando
isso tudo mudou de uma hora para outra.
Durante a temporada no Rio, eu continuei conciliando o Despertar com os
compromissos da banda. O horário do espetáculo e a quantidade de tempo que eu passava
dentro do teatro eram grandes limitadores da agenda de shows. Passamos a tocar em
horários alternativos e dias de semana. O resto dos integrantes foram muito pacientes e
compreensivos com esta situação. Chegamos até a montar um show comemorativo
especialmente pro Despertar, na extinta Cinemateque, em Botafogo. Vários integrantes do
elenco ensaiaram músicas com a banda e se apresentaram numa noite de muita festa e
cantoria. Foi o último show da banda que meu avô assistiu.
Quando fui pra São Paulo, no entanto, sabia que seria difícil manter as atividades da
banda. Falei então com um amigo meu, o Flávio, e ele arrumou para gravarmos nosso
primeiro disco no estúdio Companhia dos Técnicos, em Copacabana. Passei a me dedicar à
nossa gravação todos os dias da semana em que estivesse no Rio, e isso compensou a nossa
temporária interrupção na agenda de shows. Fizemos uma seleção das nossas melhores
músicas autorais e montamos um repertório lindo, que resumisse toda a trajetória da
Lágrima Flor, até aquele ponto. Eu até fiz as letras de duas das músicas, e foi minha primeira
experiência arriscando na composição.
O André produziu junto com o Flávio, e todos nós ficávamos o máximo de tempo
possível no estúdio absorvendo aquela energia de “está tudo finalmente acontecendo”. Um
dia, um produtor da Universal Music estava no estúdio e entrou na nossa sala para ouvir
algumas faixas. Ele disse que achou tudo muito bonito, mas que o som não era fonográfico.
Eu não entendi aquilo. Eu amava o nosso som, e super ouviria se tocasse no rádio. Continuei
muito confiante que esse CD seria o nosso ingresso no mercado musical. Aí eu passei no
teste para Rebelde, e tudo mudou.
A verdade sobre Rebelde
Eu quase recusei. A banda estava tão perto de conseguir o que queríamos; partia o
meu coração só de pensar em interromper um momento tão bom. Mas um álbum não era
uma garantia de engatar no mercado musical. Nosso grande sonho era, enfim, tornar essa
banda que amávamos num trabalho remunerado. A gente queria “estourar” pra poder viver
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disso, ter o retorno necessário pra fazer só isso. Esse é o grande sonho de todo artista!
Poder sobreviver da sua arte. Eu não ganhava mesada nem era sustentada por ninguém,
então minhas decisões não podiam ser baseadas apenas na emoção e sim na
responsabilidade de quem precisava ganhar a vida. Eu não tinha condições de recusar um
bom trabalho para continuar apostando num projeto que não me dava independência
financeira. Não tinha essa opção. Deixei a banda sem fazer promessas, mas com o coração
decidido a voltar. Eu amava tanto o que a gente tinha construído.
O plano da Record para o projeto Rebelde era fazer um remake da novela mexicana
da Cris Morena, que conta a história de seis adolescentes em um colégio interno que
começam uma banda. Paralelamente, essa banda, assim como fizeram os mexicanos, seria
montada de verdade, gravaria CDs, e sairia pelo país fazendo shows. A ideia de juntar dois
dos meus ofícios preferidos, numa estrutura e produção dos sonhos, e ter esse acesso ao
mercado musical e ao público que sempre sonhei em conquistar, foram fatores que me
mostraram que valeria a pena aceitar esse convite.
A verdade é que eu fiz Rebelde pensando em vocês, para vocês me conhecerem e
apoiarem qualquer coisa que eu lançasse daí em diante. Esse foi meu plano desde o início. O
projeto tinha prazo de validade – já foi feito para ter início, meio, e fim – então, eu podia me
dedicar, mostrar meu trabalho, e realizar meus próprios projetos depois. A duração exata
do produto seria definida mais para frente, dependendo da recepção e do ipobe que
recebesse. Eu assinei um contrato de quatro anos.
Cheguei no primeiro dia de preparação, no RecNov, a três minutos da casa da minha
mãe, cheia de resoluções sobre como eu levaria esse projeto, e como eu me comportaria, e
tudo que eu evitaria fazer. Tão boba. Eu não fazia ideia do que me esperava. A nossa oficina
fluiu com leveza. Seis pares de olhos cheios de expectativa e animação pelo que estava por
vir. Nada poderia nos preparar para o turbilhão que seriam os próximos dois anos e meio:
nem as palavras sábias do nosso preparador, o querido Roberto Bomtempo, nem as do
nosso amado diretor, Ivan Zettel. Mas não tinha importância, estávamos dispostos a
encarar, e nada nos faria arredar o pé daquele desafio. Fomos entrando naquele mundo
com frescor e amando cada segundo do processo.
Acabou a preparação e nos jogamos nas gravações, dispostos a fazer um bom
trabalho. Eu gostava muito da Roberta e me divertia gravando as cenas dela. Quando eu não
estava no set de gravação, estava em casa estudando, marcando falas com um marca-­‐texto
amarelo (devo der gastado dezenas de canetas com as falas da Roberta), e decorando o
volume enorme de texto que chegava. Sentia-­‐me uma atriz de sorte: tanto tempo querendo
um papel com fala, fui pegar logo um que não parava de falar. Eu fazia a festa no camarim
com nossa figurinista brilhante, Mari Baffa, e sua equipe, que se divertia ao inventar toda
semana um novo figurino para nossos personagens. Nossa autora Margareth também
caprichava para escrever as histórias de uma forma natural e divertida, e nos consultava
sobre o que estávamos achando.
31

Nós seis éramos muito entrosados: metade porque precisámos ser para as cenas, e a
oficina tinha nos aproximado de uma forma orgânica para isso; e a outra metade porque
nos gostávamos realmente. Falo por mim, pelo menos. Eu gostava quando estávamos
juntos, gostava de ficar perto deles. Gostava tanto, que acho que eu era um pouco
antissocial com o resto do elenco no início. Fui boba, eu sei. Mas tinha muito o que
aprender ainda. Fomos nos conhecendo aos poucos. Descobri que a Sophia é muito
engraçada, que o Chay é um ótimo imitador, que a Mel é muito mais moleca do que ela
deixa transparecer, que o Arthur é muito mais frágil do que parece, e que o Mika é uma
pessoa extremamente doce. Fui aprendendo coisas sobre eles aos poucos, e eles sobre mim.
Logo descobriram que meu gênio era desafiador às vezes, que podiam contar comigo para
falar as coisas na lata, e que minha risada é alta quando sou surpreendida com algo
engraçado. Fomos criando um certo suporte de proteção um em volta do outro, porque
algo nos dizia que íamos precisar.
Quando a novela estreou, as coisas começaram a mudar muito rápido. Ficamos
encantados com a recepção boa que tivemos do público e com a aprovação geral das
pessoas à nossa volta. É muito gratificante ver um retorno positivo de um trabalho ao qual
você se dedicou tanto. Comecei a ser reconhecida na rua, e a ser chamada em praças de
alimentação de shopping para tirar fotos. Depois de um tempo, a admiração começou a vir
até a gente, e fãs começaram a aparecer na porta do RecNov. No início, eu parava pra dar
atenção; depois a chefia pediu pra não pararmos porque atrapalhava o fluxo de carros na
entrada da guarita. Quando paramos, os fãs visitantes começaram a reclamar e até a fazer
malcriação. Eu não sabia o que fazer. Eu nunca tinha tido fã antes, não sabia qual era o jeito
certo de lidar.
Eu sempre achei que tiraria de letra esse lance de fama se um dia ela chegasse. A
verdade é que tropecei muito nas minhas primeiras experiências com novos fãs. Fui
engolida muito rápido e não me adaptei na mesma velocidade. Eu me assustava com o
assédio repentino, e as declarações entre lágrimas, e os abraços de mãos trêmulas. Não é
que me incomodava, eu só não entendia, não sabia o que fazer. Por que você não está feliz
de me ver? Fiz algo de errado? Depois as coisas foram ficando mais intensas.
Comecei a reparar que às vezes carros me seguiam quando eu saía do RecNov, e um
dia minha mãe ligou dizendo que tinham umas crianças tentando pular o muro da casa dela
pra ver se eu estava lá. Isso me assustou muito. Quer me tietar, tudo bem; mas mexer com a
privacidade da minha família era algo que eu não admitia. Fiquei resistente e defensiva em
relação a certos grupos de fãs mais radicais. Aos poucos fui entendendo mais a questão da
emoção e do apego, e lidando melhor com o carinho intenso que recebia. As únicas coisas
que nunca consegui entender foram:
(1) violência – independente do quanto você gosta do trabalho do artista, você não
tem o direito de machucá-­‐lo;
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(2) interrupção de uma refeição – por mais que o artista tenha um certo dever com o
seu público (e acho isso muito importante), ele também é gente, e não é legal interromper
ninguém que está com comida na boca para pedir uma foto;
(3) assédio sexual – não é porque o artista está te recebendo e te cumprimentando,
que ele disponibilizou o corpo todo para você. Fungada no cangote, aperto de bunda e
carícias em lugares inapropriados (como no cabelo ou no quadril) não são aceitáveis a não
ser que o artista permita. O corpo ainda é dele, e isso tem que ser respeitado. Fora isso,
todo carinho é bem-­‐ vindo.
Enquanto eu aprendia a lidar com todas essas novidades, eu não parava de
trabalhar. Chegavam cada vez mais capítulos, e eu comecei a estudar mais, a gravar mais, e
a me dedicar ainda mais. Não tinha tempo para sair, ver minha família ou ir à praia. O
elenco passou a ser meu único contato com pessoas, o que acabou nos unindo mais.
(Detalhe importante: Foi na segunda temporada da novela, que conheci o Diego e nos
adotamos para a vida. Ele foi um suporte muito essencial na minha época mais difícil. Amo
de paixão). Entrei tanto na cabeça da Roberta, e emprestava tanta coisa minha para a
personagem, que me perdi um pouco de mim, comecei a misturar tudo. Eu entendo por que
vocês me confundem com ela, e alguns me chamam de Roberta até hoje; até eu me
confundia. Eu vivia mais a vida dela do que a minha! Tive que levar essa questão na minha
terapia e aprender a me preservar melhor, o que foi um aprendizado muito importante no
meu amadurecimento como atriz. Agora, sem sombras de dúvida, posso garantir: eu e a
Roberta somos muito diferentes. Eu entrei muito na personagem, sim, mas ela não era eu e
não pensava igual a mim. Não sou uma extensão da vida dela.
Recentemente, quando clareei meu cabelo, alguns fãs comentaram na foto do meu
Instagram: “a Roberta está voltando!”. Fiquei pasma. O que queriam dizer com isso? Eu tive
cachinhos loiros desde meu primeiro ano de vida. Por muito tempo gostei de pegar sol pro
meu cabelo continuar loiro, e prefiro tons claros até hoje. Por que, quando volto pra minha
cor de origem e preferência pessoal, o personagem que vivi anos atrás estaria voltando?
Entendo que alguns se apegaram muito a ela e aos outros personagens da novela. Eu
também me apeguei! Amava viver aquilo tudo. O outro dia fui rever algumas cenas no
YouTube e dei gargalhadas de tanta saudade que bateu! Realmente foi uma novela muito
gostosa de assistir. Mas os Rebeldes não eram a gente, e as histórias que eles viviam não
eram as nossas. Nossa vida fora de cena era outra.
Vou aproveitar o embalo, e falar de um assunto tabu que evito há, pelo menos,
quatro anos: LuAr. Eu sei que se formou um grupo forte de seguidores deste conceito, ou
seja, lá como se chama, e sei que rola um apego grande em volta disso; então peço
desculpas se eu entristecer alguém com o que vou falar agora, mas minha proposta com
este eBook é, antes de mais nada, ser muito honesta e trazer vocês pra dentro de lugares
que sempre fechei só pra mim... Eu sei que os casais na novela eram muito legais, e que a
Roberta e o Diego tinham uma química e uma história bem bonita. A Margareth escrevia as
cenas deles com muito carinho, e o Arthur e eu sempre nos empenhamos para fazer essas
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cenas com o mesmo cuidado. A gente adorava o casal e torcia muito por eles. Mas, da
mesma forma que a Roberta não sou eu, o casal da novela também não era a gente.
Com frequência, eu vejo esse tipo de confusão acontecer. Dois atores que fizeram
algum trabalho lindo juntos, acabam formando um casal na vida real, e todos acham que a
relação deles é igual à dos personagens no tal filme, série, ou novela, e se apegam como se
aquele romance afetasse a vida dessas pessoas de alguma forma. Rola uma dificuldade de
separar os atores da história que representaram. Mas a relação dos tais atores, no dia a dia,
lamento dizer, geralmente é bem distante da dos personagens. Ou vocês realmente acham
que o namoro do Robert Pattinson com a Kristen Stewart, na vida real, também girava em
torno do conflito entre vampiros e lobos?
Os conflitos amorosos entre a Roberta e o Diego nunca foram um paralelo do meu
envolvimento com o Arthur na vida real. Acho até engraçado eu estar explicando isso,
porque deveria ser óbvio. Ninguém sabe o que se passou entre nós dois durante os poucos
meses em que namoramos. Fora algumas selfies no instagram, e algumas entrevistas em
que estávamos um do lado do outro, ninguém teve informação interna do que ocorria.
Então, eu pergunto: por que o apego? Essa pergunta é para realmente refletir sobre. Outra:
DE ONDE vocês tiraram que fomos feitos um para o outro, se não sabem nem como era a
nossa relação na vida real? Ao meu ver, o encantamento que vocês sentiram com a história
linda do casal Roberta e Diego (que até eu sentia também, adorava eles), foi transferido
para nós, meros trabalhadores a serviço dos nossos personagens. Isso aconteceu
principalmente quando viram que estávamos envolvidos um com o outro na vida real. Mas,
repito: não vivemos aquela relação.
O fato dessa confusão ter surgido naquela época, eu entendo. Era realmente difícil
de separar as coisas. Tínhamos a mesma cara dos personagens, então, ficção e realidade se
confundiram. Ok. Agora... essa eterna cisma, anos depois, quando cada um já seguiu em
frente (algumas vezes!) na sua vida, e já ficou muito claro que não existe absolutamente
nada entre nós dois, é injustificável! A insistência no assunto é algo que nunca vou
entender. É querer dar com a cara na parede. A verdade é que a gente até se gostava, mas
éramos diferentes demais para dar certo. De fato, não fomos feitos um para o outro, e
somos muito mais felizes agora, garanto.
Um último comentário que sempre quis fazer e depois prometo parar de dilacerar o
conto de fadas de vocês. No dicionário a palavra luar é definida como “um clarão da lua”.
Ou seja, esse nome que foi dado a esse casal imaginário, na verdade, é só uma pequena
variação do MEU nome! O conceito todo do luar (o clarão da lua mesmo) está associado ao
significado de um nome com o qual convivo desde que nasci. É meu. Sempre amei ver o
brilho da lua, sempre foi algo muito especial por causa do meu nome, e agora meu
vocabulário foi limitado porque estragaram o sentido dessa palavra linda pra mim. Apoio o
apego a DiRo, ou seja lá como querem chamar os personagens que, sim, viveram uma linda
história de amor. Mas, por favor, devolvam minha palavra! (Emoji de cara sofrida.) Pronto.
Desabafei. Posso continuar minha história.
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Alguns meses depois da estreia da novela, começamos a gravar nosso primeiro CD.
Recebemos as músicas prontas já com bases gravadas para aprendermos, e fomos pra São
Paulo colocar as vozes. Sempre amei trabalhar em estúdio de gravação, então todo o
processo foi tranquilo para mim; mas eu senti o contraste de estar gravando algo que não
era meu, e morri de saudade da minha banda. Foi durante as gravações, também, que
recebi a notícia de que meu avô tinha falecido. Voltei às pressas ao Rio e consegui chegar no
final do velório. Minha maior tristeza foi não poder estar do lado do vovô nos seus últimos
meses de vida, de tanto que eu estava trabalhando. Mas o show deve continuar, não é
mesmo?
Com o CD pronto, começamos a preparar o show. Tivemos dois fins de semana de
ensaio de coreografia, duas sessões de ensaio com a banda, e voilà, o show estava pronto.
Tudo teve que ser espremido por causa da nossa agenda apertada de gravação da novela. A
turnê começou e a magia aconteceu. Como eu amava subir naquele palco e sentir aquela
energia quente e vibrante dos nossos fãs queridos. Eu já me emocionava no camarim
ouvindo os gritos. Na coxia, os seis se abraçavam e esperavam, ansiosos, pra entrar em
cena. Mas a verdadeira alegria era quando a gente entrava e achava que estava ficando
surdo de tanto berro. Todo o trabalho duro valia a pena quando começava o show! Foram
alguns dos momentos mais divertidos da minha vida até agora. Tive a chance, também, de
conhecer vários cantos diferentes do Brasil e de me apaixonar pelo nosso povo, com todas
suas diversidades e sotaques variados.
O projeto foi avançando e começamos a sentir o verdadeiro peso de ser Rebelde. A
gente gravava o dia inteiro, de segunda a quinta, e na noite de quinta, íamos direto pro
Aeroporto. Tinha show de sexta e domingo, e depois a gente voltava de madrugava e
chegava direto para gravar na segunda-­‐feira. Tínhamos três dias para ir pra casa, mas essa
ida geralmente era um bate-­‐volta. Como a produção da novela tinha que espremer todas as
nossas cenas do bloco em quatro dias, e gravávamos desde cedo até a última cena da noite,
visitando até três frentes diferentes por dia. Eu dormia, em média, de quatro a cinco horas
por noite.
Eu decorava meus textos nas salas de espera dos aeroportos, no nosso ônibus da
turnê e nas salas de caracterização enquanto nossa equipe de maquiadores e cabelereiros
incríveis nos arrumavam para a gravação. Passamos a desenvolver a capacidade de dormir
em qualquer lugar, qualquer canto. O desespero batia mesmo era quando a gente não tinha
tempo para comer. Eu não posso ficar sem comer, meu temperamento não permite. Bate
um mau humor que ninguém aguenta! Mas, apesar de tudo, eu gostava da correria. O Ivan,
e os membros mais sensíveis e queridos da nossa equipe, sempre nos deram um suporte
bom e ajudavam a aliviar um pouco a pressão do dia a dia.
No dia em que fizemos show em Aracaju pela primeira vez, juntou uma multidão em
volta do nosso hotel – fechando duas pistas da principal avenida da cidade – que gritava
nossos nomes e entoava as músicas do nosso repertório. Quando saí na sacada para olhar
aquele mar de gente, os berros aumentaram, e eu comecei a entender o tamanho que o
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nosso projeto tinha tomado. Eu lembro de depois sentar na cama do hotel com o coração
acelerado e ficar só ouvindo a gritaria do lado de fora (que estava tão alta que parecia que a
gente ainda estava no meio do show), e pensar, e agora? O que eu faço com todo esse amor
quando Rebelde acabar? Será que eles vão continuar querendo me ouvir cantar quando eu
não estiver mais com os outros cinco?
Durante as nossas duas turnês nacionais, eu conheci muitos profissionais brilhantes e
fui aprendendo um pouco mais como o mercado musical funcionava. Eu vi o quanto era
difícil se estabelecer e ainda mais difícil se manter no círculo de atos musicais em demanda.
Eu vi que, não importa o quão bom for o som, se não tiver demanda, não sobrevive no
mercado. Eu amava cantar com a minha banda e sonhava muito poder seguir uma carreira
legal com eles, mas a gente precisaria sobreviver. Já havia se passado quatro anos tocando
só pra amigos e familiares, não era algo que eu queria (ou tinha condições de) continuar
fazendo. Ficou claro para mim que nosso som teria que ser reformulado e levado mais a
sério que nunca.
Um dos momentos mais marcantes nessa minha formulação de quem eu sou hoje na
música foi o show da Coldplay, no Rock in Rio 2011. Na época, a gente ainda estava
ensaiando o primeiro show, e eu andava um pouco desanimada e confusa em relação ao
meu lugar no mercado musical, à fama, e à arte de uma forma geral. A Coldplay é uma
banda que ouvi muito na minha vida, e era minha referência direta de genialidade e talento.
As músicas sempre mexeram muito comigo e eu sonhava em vê-­‐las tocadas ao vivo.
Durante o show, eu me lembrei do porque eu amo a música. Lembrei que ainda tem gente
fazendo música muito boa, e que a verdade ainda pode ser encontrada nela. Eu fiquei aos
prantos o show inteiro. Foi aí que eu tive certeza de que, acontecesse o que acontecesse, eu
não ia parar de cantar. Eles me passaram munição e garra pra insistir em expressar minha
alma em música e levar para quem quisesse ouvir.
O fim de Rebelde veio de uma forma abrupta. Estávamos NO MEIO da segunda
temporada da novela, e com muitas datas da turnê do nosso segundo disco ainda marcadas.
A gente sabia que estava acabando, e que faltava pouco para isso, mas não esperava que
fosse tão de repente. Um dia recebemos a notícia de que a novela seria encurtada e que
terminaria dentro de uma semana. Algumas mudanças tinham ocorrido na novela, e não sei
se por isso, o IBOPE estava caindo para números lamentáveis; então a chefia decidiu que ela
não ficaria mais no ar. Em outubro de 2012, dois anos depois do início do nosso processo, a
nossa novela acabou. Os shows continuaram por mais um semestre, mas aos poucos,
algumas datas foram caindo. Decidiram, então, que o último show seria em Fortaleza, no dia
11 de maio de 2013. Menos de uma semana antes, fomos avisados que o show tinha sido
cancelado.
Fiquei arrasada. Queria me despedir, queria que os fãs também tivessem a chance
de se despedir, e senti forte esse vácuo no ar. Todos nós estávamos beirando a estafa
depois de tantos meses de trabalho intenso, e estava mesmo na hora de acabar. O plano
nunca tinha sido que a banda continuasse indefinidamente, o problema não foi esse. Tem
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um termo em inglês chamado closure, que é usado para nomear a sensação de satisfação de
ter algo bem concluído. Eu acho genial esse termo, porque essa sensação é necessária numa
despedida – ou no encerramento de algo – para que se siga em frente em paz, sem
pendências. Para mim, eles nos tinham privado do nosso closure e isso foi muito triste.
Nosso projeto, ao qual eu tinha dedicado tanto tempo da minha vida, acabou assim, com
uma mensagem apologética da nossa produtora no WhatsApp.
Caí pra dentro de um descanso merecido e necessitado. Fiquei um tempo isolada,
me reerguendo e colocando a cabeça no lugar. Evitava falar de Rebelde e de tudo que tinha
acontecido, como se fosse algo que eu pudesse afastar de mim. Cinco meses depois a Mel
lançou seu primeiro livro, chamado Inclassificável – Memórias da estrada, com textos e
poemas que ela escrevera durante nosso tempo juntos. Prometi um dia mostrar para vocês
o texto que eu escrevi logo depois que li o livro. Então vou colá-­‐lo aqui embaixo, porque
acho que ilustra bem esse meu momento pós-­‐rebeldia e como fiz minhas pazes com o tudo
que aconteceu.
Meu texto para o livro da Mel:
Eu acabo de ler o livro da Mel. Estou sentada na varanda da casa em
que estou hospedada com um grupo de amigos, em Búzios. Cercada de paz,
natureza e o suave barulho do mar à distância, embarquei na jornada pessoal
da Mel que eu tinha acompanhado de longe, vendo ela, durante meses, teclar
no bloco de notas do celular. Ela tinha me mostrado alguns textos na época,
mas eu finalmente leria tudo da forma que ela, com tanto carinho e excelência,
tinha escolhido pra juntar no livro. Estou, agora, envolvida e embargada de
emoções e de lembranças enquanto viro a última página da primeira obra de
uma mulher brilhante que já promete muito como escritora.
Está exatamente do jeito que eu tinha imaginado. Curto demais, talvez
– tenho vontade de continuar lendo muito mais! Tem tantos detalhes, tantos
momentos marcantes e histórias de perder o fôlego que na pressa de vivê-los,
esquecemos de registrar – mas está exatamente no tom da sensibilidade que a
Meleca adquiriu e veio externando ao longo do último ano do nosso projeto.
Eu sabia que essa sensibilidade não só transbordaria na obra dela, como seria
a sua verdadeira essência.
Já comecei o livro chorando. Levantei inúmeras vezes para soar o
nariz até desistir e trazer logo o rolo inteiro de papel para minha
espreguiçadeira. Só quem passou por tudo que passamos, e “sentiu na pele”
(como ela diz) o que vivemos, para entender exatamente tudo que ela
escreveu. Se o livro fosse meu, eu teria começado exatamente do mesmo jeito.
Por mais que cada um tenha tido uma experiência particular e individual
dentro do projeto, os seis começaram do mesmo jeito: esperançosos e
sonhadores. Eu chorei porque eu tinha esquecido como foi maravilhoso no
início. Como eu entrava na Record com frio na barriga de tanta expectativa de
coisas boas por vir, de tanta sede pela prometida overdose de trabalho que
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somaria todas as minhas atividades preferidas, e com um grupo novo e
apaixonante que viria a ser minha segunda família pelos próximos anos.
Tanto a novela quanto a turnê foram interrompidas e encerradas de
uma forma tão inesperada – e, até hoje, nunca explicada – numa época de
esgotamento físico, mental e emocional, que eu não tive tempo de pensar nas
partes boas que deixaria pra trás, simplesmente reconheci que já estava na
hora de seguir em frente. A Mel me trouxe de volta essa sensação gostosa e
familiar de gargalhadas e abraços apertados e esperança efervescente que foi
tão nosso. Fomos muito felizes e nos divertimos muito e vivemos algo
realmente inesquecível, que, de fato, nunca vai voltar e que, sim, levaremos
pro resto das nossas vidas.
Eu não sei se foi por causa do rompante bruto, ou pelo cansaço
descabido, ou devido ao desgosto que as duas coisas foram acumulando em
mim; mas desde que a novela terminou, eu tenho tentado fugir da sombra do
que eu vivi como se o mais rápido que eu conseguisse distância dessa
memória, o mais eficientemente o resto da minha vida começaria. Mas foi um
plano falho, porque quando eu não estou inteira, minha criatividade não flui e
eu perco a certeza de que direção devo tomar e a desbravada coragem de
derrubar tudo na minha frente e ir atrás do meu objetivo. Como vou estar
inteira se essas memórias e essa experiência, como um todo, fazem parte de
mim? Eu fui muito feliz sendo Rebelde e, se pudesse escolher, faria tudo de
novo. Aprendi sim, cresci, mudei, segui em frente, mas não me arrependo de
nada.
Realmente só tínhamos um ao outro. Realmente deixávamos as crises
de riso e o humor constante espantar o cansaço. Realmente fomos acolhidos
pelo Ivan, a Nádia, a Mari e a equipe da novela. Realmente comemoramos a
volta do Gil como produtor. Realmente tivemos a turnê salva pela Carol, o
Xepa e outras almas queridas que trabalharam com amor para colocar nosso
show na estrada. Realmente dormíamos mais em quartos de hotel, no nosso
ônibus e escorados em cantos improvisados do que nas nossas casas.
Realmente nos perdíamos na poluição emocional que vem com a estrada
solitária e a fama repentina. Realmente tivemos nossas vidas mudadas.
Realmente valeu a pena.
Eu percebo agora que só encarando isso tudo e como digeri as minhas
dores e os meus pedaços de saudade que vou conseguir ser realmente honesta
comigo mesma, e é só na honestidade que a minha arte consegue permear. A
Mel me ajudou a ver isso. Nossa criatividade flui através daquilo que a gente
vive, não daquilo que a gente esquece que viveu.
Depois desse dia, parei de evitar falar de Rebelde. Recolhi as minhas
melhores memórias – das nossas viagens, dos nossos momentos de som
descontraído no ônibus, das nossas crises de riso no set de gravação, das nossas
brincadeiras no palco, das piadas internas e apelidos secretos, e de toda essa galera
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querida ao redor do Brasil que nos abraçou, nos amou, e que possibilitou o sonho de
acontecer – guardei elas num lugar bem seguro no meu coração, e segui em frente
em paz. A Mel me deu o closure que eu precisava.
Carreira solo e o forno infindável
Minha decisão de não voltar para Lágrima Flor veio de forma gradativa e precisa.
Durante minha ausência, a banda tinha continuado suas atividades com o André nos vocais
numa formação nova e linda que manteve o trabalho vivo muito tempo. Eu até cheguei a
gravar, como atriz, um clipe com eles que insinuava uma possível volta minha. Mas quando
começamos a conversar sobre o futuro da banda, na época em que Rebelde estava em sua
reta final, eu vi que as coisas já estavam muito diferentes e que a reformulação da banda
que eu propunha, não seria tão fácil assim.
O movimento que eu visava demandaria uma dedicação extrema e um
comprometimento de todos. Eu queria trazer frescor à nossa sonoridade, compor músicas
novas e começar uma fase totalmente renovada pra gente. Mas eles tinham outros
objetivos e não cabia a mim forçar a barra nesse sentido. Eu entendi que estávamos em
momentos diferentes, o que impediria essa nova fase de fluir com tranquilidade. Mas eu
não tinha mais como voltar atrás, estava totalmente investida em desenvolver uma
concepção musical que eu gestava, e era tarde para eu desistir da ideia. Foi mais forte do
que eu a certeza de que, mesmo sozinha, a renovação precisava ser feita.
Foi com um aperto no coração que conversei individualmente com cada integrante e
contei da minha decisão. A Carol, que tinha continuado minha amiga de confiança durante
todos esses anos, foi a que mais me entendeu, e conversamos intensivamente sobre o
assunto. Temos a bendita mania de ser brutalmente sinceras uma com a outra, e
conseguimos expor nosso ponto de vista de uma forma respeitosa e tolerante. Ela lamentou
o fim de um sonho, mas eu não vejo dessa forma. Esse não era, ainda, o momento da
banda. Mas nunca se sabe o dia de amanhã. Ainda tem um disco inédito inteiro pronto, que
pode vazar a qualquer momento...
Em janeiro de 2013, anunciei no Twitter que lançaria um projeto solo. Não dei data,
nem prazo, mas nesse dia o cronômetro dos meus fãs foi ligado e nunca mais deixaram de
me cobrar o resultado. Independente da demanda e dos pedidos, decidi que eu não teria
pressa para formular meu álbum. Se valia a pena fazer, valia a pena fazer direito, de uma
forma que eu acreditasse e amasse. Eu não queria só lançar um single, queria lançar uma
carreira, uma que me desse orgulho e que imprimisse tudo que eu tinha de mais precioso.
Esse processo começou do zero porque praticamente tudo que eu tinha descoberto e
desenvolvido sobre minha persona musical tinha sido em colaboração com o André. Ele
tinha sido meu único parceiro de composição e de concepção até aquele ponto. Eu não me
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sabia sem ele. Voltei, então, à estaca zero e cavei minha alma para dar vida a tudo que eu
tinha guardado. Passei um ano refletindo, pesquisando e ouvindo música.
Aproveitei, também, pra matar saudade da minha família (que eu fiquei quase dois
anos sem ver direito) e passar muito tempo com eles. Meu pai tinha casado de novo com a
filósofa e acadêmica Paula, e minha mãe com o advogado Paulo. Os dois são pessoas
queridíssimas que amo muito. O Paulo tem uma filha de seis anos chamada Maria que
adotei no segundo que conheci. Ensinei ela a me chamar de irmãzona e a gostar de tranças
embutidas. Ganhei um sobrinho incrível chamado Theo Sol, da relação do Pedro com a linda
surfista e fisioterapeuta curitibana Priscila. Eu amei o Theo desde que ele estava na barriga
da Pri e hoje, aos três anos, ele é provavelmente a pessoa mais especial e gostosa que
conheço. Até hoje passar tempo com minha família é a maior alegria na minha vida.
Nesse meio tempo, voltei para o teatro e me joguei em novos personagens e novas
histórias. Participei da comédia do Matheus Souza chamado Stand Up, que teve uma
temporada em Copacabana e outra em Ipanema (com um elenco grande e tão querido que
sou louca por todos até hoje [mas sempre vou te amar mais, Hamilton]). Depois montamos
no Sesc-­‐Copa um musical alternativo, também do Matheus, chamado As Coisas Que Fizemos
e Não Fizemos, com músicas da banda The Magnetic Fields. O elenco era o Matheus, a
Gisele Batista, e eu. Chamei o João Telles, meu amigo e vocalista da banda Pietros (a outra
banda do André que era de metal mas não é mais), pra participar da orquestra, e foi lá,
também, que conheci (e passei a amar) o Pablo Paleólogo, que viria a compor duas das
músicas mais fofas do meu álbum.
Durante essas temporadas teatrais, voltei a ter contato com meus fãs que, para
minha alegria, queriam prestigiar tudo que eu fazia. Eles enchiam as sessões e se
aglomeravam na porta do teatro no final pra falar comigo. No início nos atrapalhamos
porque eles agiam igual ao tempo dos shows: gritando quando eu entrava em cena, e me
abraçando com desespero ao me encontrar. Fui conversando com eles e ensinando que no
teatro o comportamento era outro. Ali, eles podiam ficar mais calmos e falar comigo
tranquilamente. Eles me ouviam e foram amenizando a intensidade até que criamos uma
relação mais agradável e respeitosa.
Pensava muito em vocês (meus lindos fãs) na hora de formular meu som e o
conteúdo. Tinha muita coisa para dividir com vocês, e só de saber que vocês estavam
dispostos a ouvir, me dava mais ânimo pra continuar correndo atrás.
Decidi ficar na Record para continuar ganhando experiência e honrar meu contrato
até o fim. Fiquei, também, porque eu não fazia ideia de qual seria meu próximo passo e
precisava de tempo para pensar. Entrei para o elenco da novela Pecado Mortal para viver a
Silvinha. Foi uma experiência tranquila e de muito aprendizado. No meio do processo,
passei na audição para viver a Bia no musical Se Eu Fosse Você, e, como eu estava
acostumada a excessos de trabalho, conciliei os ensaios e a temporada do musical com as
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gravações da novela (e também com a ajuda das duas produções que foram incríveis
comigo).
O musical foi outra forma maravilhosa de contato com meus fãs. Descobri como é
deliciosa a nossa interação quando nos conhecemos melhor!!! Tanto a temporada no Rio,
quanto os cinco meses que passamos em cartaz em São Paulo serviram para trazer pessoas
muito especiais de volta para a minha vida, e abrir com mais tranquilidade o meu canal com
vocês. Quando Pecado Mortal terminou e meu contrato chegou ao fim, em 2014, a Record
até me ofereceu uma renovação, mas eu sabia que estava na hora de sair da minha zona de
conforto e colocar o meu plano em ação. Sou muito agradecida à emissora pela
oportunidade que ela meu deu e pelo que fez por mim nos quatro anos que estive lá.
O Guga entrou na minha vida como um feixe de luz e calor numa hora em que eu
precisava muito. Eu havia saído de um relacionamento que tinha sido muito importante pra
mim e estava passando por um processo doloroso de desapego e entrega, o mais difícil que
eu já tinha passado. O Guga é o melhor amigo da Estrela, com quem estou sempre grudada,
então começamos a conviver muito e nos aproximar mais. Nosso primeiro beijo foi na frente
do Paris 6 numa madrugada em Janeiro, e nunca mais quisemos nos afastar. O Guga só me
trazia ternura e leveza, uma leveza que eu procurava muito na minha vida. Eu até tentei
resistir um pouco, mas ele só me dava razões pra ficar. Apesar das nossas muitas diferenças,
nos encontramos no nosso sonho mútuo de viver da arte, na nossa vontade de ser pessoas
melhores, e de amar em paz, de uma forma íntegra e pura.
Um dia finalmente decidi: meu projeto estava pronto na minha cabeça. Eu queria
fazer um álbum POP, inédito, autobiográfico e totalmente em português. Queria uma
sonoridade que fosse a mistura do acústico com o eletrônico, e que tivesse um peso – uma
massa sonora. Queria letras acessíveis, mas de bom gosto; uma música mainstream mas
que eu tivesse orgulho de estar fazendo. Achava que, para criar esse som eu precisaria
montar minha estrutura e minha equipe primeiro. Mas estava tudo bem formulado e era
uma ótima ideia, então não teria problema algum em arrumar essa ajuda.
Ninguém quis me apoiar. Durante boa parte de um ano eu sentei com empresários,
investidores, produtores e até publicitários apresentando meu projeto e convencendo-­‐os de
que valeria a pena entrar como parceiros. Até fui a uma agência em Los Angeles durante
minha visita lá, e conversei com dois produtores que coordenavam os principais
departamentos de gerenciamento na música e na televisão. Contei minha história e
apresentei meu projeto. Eles adoraram e disseram que tinha tudo para dar certo, mas que
queriam esperar pra ouvir o disco pronto pra ter uma ideia melhor. Percebi que meu grande
plano de vender um projeto abstrato era falho. E que sem a música, meu projeto ia
continuar inexistente. Os poucos produtores que se interessavam, deixavam bem claro que
seus valores e forma de ver a arte eram muito diferentes dos meus, o que já não era
interessante para mim. Não valia a pena fazer pelos motivos errados.
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Conheci o Juliano Cortuah através do João Telles, que estava convencido de que o Ju
seria a resposta para todos os meus problemas, e me levou à casa dele para bater papo. Foi
um encontro emocionante porque, pela primeira vez, desde minha parceria com o André,
eu havia encontrado alguém que entendia o que eu dizia e conseguia traduzir em música as
minhas impressões. O Juliano apoiava minhas resoluções e me disse o quão importante era
o fato de eu estar buscando fazer um som que eu amasse, do jeito que eu tinha imaginado;
me encorajou a ter calma que as coisas fluiriam no tempo certo. Continuamos nos
encontrando, formulando e estudando sonoridades juntos. Ficávamos horas ouvindo música
juntos e conversando sobre. Ouvíamos muito, principalmente, Pink, Taylor Swift e Demi
Lovato, da onde sugávamos a maior parte das referências. Eu vibrava ao ver nossa sintonia
aumentando. Eu tinha achado o meu produtor musical.
Enquanto isso meu desespero para achar alguém que ajudasse só aumentava. Os fãs
me pressionavam e cobravam novidades, e eu me sentia uma inútil por não poder oferecer
nada ainda. Não queria lançar qualquer coisa, não queria jogar alguns conteúdos soltos na
web só para fingir que algo estava acontecendo. Eu realmente não tinha nada. Eu ia à praia
para escrever meus textos e tentar criar alguma coisa e recebia mensagens grosseiras no
Instagram reclamando por eu estar na praia ao invés do estúdio gravando alguma coisa.
Tenho dificuldade, até hoje, de entender essa demanda que um admirador tem em relação
ao seu ídolo, como se, ao invés de sermos responsáveis por aquilo que cativamos, fôssemos
escravos dele. Prefiro que seja uma troca, baseada no respeito e na paciência, onde o
admirador confia que se nada está acontecendo, é porque não é hora ainda. Muitos fãs,
também, continuaram do meu lado, me encorajando e acreditando em mim. Sou muito
grata a todos eles por terem me dado essa injeção de coragem durante meu processo de
névoa.
Um dia conversei com o Juliano sobre como eu estava desanimada com as
dificuldades que estava encontrando, e disse que não sabia mais o que fazer. Ele disse que
achava que meu maior problema era querer ter tudo resolvido antes de começar a focar na
música, que era a parte mais importante. Ele continuou:
— Você está sentada na varanda, reclamando que ninguém abre o portão. Levanta
você e vai abrir o portão! Se mexe, grava suas músicas, que o resto começa a se encaixar.
Eu tenho alguns momentos na vida em que levo uma pequena porrada e passo a
perceber que aquilo da qual eu tinha muita certeza, estava equivocado. Eu tenho medo
desses momentos porque eles são sempre precedidos por uma resolução cega e inabalável.
Fico com medo de acordar um dia e perceber que estou errada sobre absolutamente tudo e
ter que começar de novo (de novo). Este, então, foi um desses momentos. Me senti boba e
superficial por estar mais interessada em quem distribuiria meu álbum do que em
efetivamente gravá-­‐lo.
Reajustei minhas prioridades e bolei um plano B em que tudo começaria pequeno e
sem grandes estruturas. Eu procuraria um apoiador só para o disco, e focaria na parte de
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criação. O resto ficaria para depois. Anotei meu novo plano em tópicos numa folha de papel,
e pendurei essa folha no espelho do armário do meu quarto, pra olhar todos os dias e me
motivar. Sentei com meu amigo Isaac Azar, em seu restaurante amado Paris 6, no Rio, e
contei-­‐lhe toda minha situação. Ele, que sempre acreditou em mim, até quando eu tinha
dúvidas de mim mesma, topou me ajudar na hora. Algumas semanas depois, tudo foi
acertado, e o Paris 6 passou a ser o apoiador oficial do álbum. Chorei de descrença e de
medo, e de alegria, e de frio na barriga, tudo ao mesmo tempo. Depois de três anos, meu
primeiro CD solo finalmente seria gravado.
#CDLuaBlanco
Todo o processo do álbum ocorreu de uma forma muito emocionante pra mim.
Recolhi os textos que tinha escrito nos anos anteriores, escrevi uma declaração elaborada
de tudo que eu queria dizer nas músicas e convidei um grupo de compositores amigos pra
criar tudo comigo. Nos reuníamos em encontros musicais de composição, em que todos
colaboravam e participavam, e eu ia injetando ideias e conceitos para moldar o caminho
que as músicas tomavam. Foi lá que a primeira estrutura do disco começou a tomar forma.
O primeiro grupo criativo contou com a colaboração do Gabriel Garcia, do Guga, do Pablo,
do João e do Juliano, que coordenou todo o processo, e mexeu nas harmonias de quase
todas as canções.
O texto que li pros meninos no nosso primeiro encontro, como introdução pra todo o
processo, começava assim:
Projeto CD Lua Blanco
Estamos começando hoje um novo ciclo, um ciclo pelo qual espero
ansiosamente por muito tempo. Chegou a hora de finalmente cavar, catar tudo que
está guardado em mim, esperando pra ser dito, e trazer isso à luz para entregar nas
mãos de vocês, parceitors na arte, compositores que escolhi a dedo pra ajustar tudo
no formato necessário para este trabalho: na música!
Esse processo é delicado pra mim pois trata-se da minha vida e das minhas
sensações, dos meus segredos, que confio a vocês. Quero que esse disco tenha a
minha cara e confio que vocês vão me ajudar a retratá-la da melhor forma possível.
Vou resumir um pouco do que mais quero dizer, só pra gente começar, pra dar a
vocês a idéia inicial do tom do nosso disco.
Sou uma pessoa com uma personalidade muito forte e com muita vontade de
ver o mundo se encaixar no meu ideal. Tenho um coração enorme e muito amor pra
dar. Sou apaixonada pela minha família, louca pelos meus amigos e obcecada por
bebês e crianças pequenas de uma forma geral. Tenho a mania de querer salvar todo
mundo, cuidar de todos que amo, ser mãe de todos, salvadora da pátria. Mas também
sou egoísta, cabeça dura, temperamental, e com o humor levemente oscilante. Sou
inteligente, dedicada, profissional, generosa, muito forte e com uma fome imensa
para aprender. Também sou fraca, quebrada, chorosa, emotiva, e extremamente
apegada ao passado. Tenho áreas que já estão mais evoluídas enquanto outras estão
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primitivas, mas encaro todas elas. A pessoa com quem sou mais exigente sou eu
mesma.
E o que quero dizer pro mundo? Qual mensagem quero passar pros meus fãs?
A mensagem de que eles não tem que passar a vida tentando se encaixar dentro de
um molde e tentando “ser” alguém. Eles estão “sendo” justamente quando param de
tentar. Quero passar a idéia de que não precisamos engolir tudo, de que podemos nos
posicionar, de que tem algumas brigas que podem e devem ser compradas. Quero
ensinar a força que vem de saber quem você é e qual o seu valor no mundo, e a força
maior ainda que vem quando você para de se preocupar com o valor que os outros te
dão. Nossa força vem de dentro, da nossa certeza.
Quero ensinar as meninas a se valorizarem e pararem de se colocar à mercê
de moleques sedutores, vazios, e cobertos de papo furado. Quero falar para uma
geração sobre o amor verdadeiro. Sobre a minha busca por ele. O amor que não é
egoísta. Que não odeia e rivaliza para amenizar a dor. Que não hostiliza para que
consiga esquecer. Que pare de fazer vítimas só porque um dia foi um. Um amor que
se preocupa com o próximo antes, durante, depois e até nos casos “quase-mas-nãofoi”
de uma relação. Mas também quero falar sobre amar a si mesmo, cuidar de si
mesmo, proteger seu coração para que ele possa estar inteiro quando precisar dele.
Quero falar sobre o amor em seu formato mais honesto, com luz em todas as
nossas falhas e forças humanas. Quero colocar meu ideais, minhas opiniões e
convicções em refrões fortes e memoráveis. Quero me mostrar uma mulher forte e
confiante; e também quero me revelar a menina fraca e insegura que sou, que é
dominada pelas pequenices do ego e pelo medo de não ser amada. Quero encorajar e
fortalecer, mas também oferecer um espaço de compreenção e aceitação de fraquezas
e incapacidades. Quero me expor. Quero falar dos meus amores e dos corações
partidos. Quero falar do que ainda não superei, do que nunca esqueci, e do que já foi
esquecido mas que marcou tanto que precisa de um registro.
Quero uma música que fale justamente da geração poderosa que a gente tem
o potencial de ser! Temos tanta coisa na mão e ficamos reclamando de como a
geração anterior à nossa está errada, como os políticos estão corruptos, como nada no
país funciona. ENTÃO SEJAMOS NÓS A MUDANÇA! Sejamos o exemplo! Uma
hora o país vai estar nas nossas mãos. Vamos seguir os passos deles, ou vamos mudar
agora? O país está cada vez mais caótico, está na hora da arte começar a se
manifestar sobre isso como faziam na época da ditadura. Esse é o pais que temos
hoje. Vamos marcar essa história.
As musicas de amor tem que ser fenomenais, de um amor que te dá vontade
de arrancar suas próprias tripas, de um amor que faz você não querer viver mais num
mundo onde essa pessoa não é mais sua, de um amor que faz você se paralisar no
tempo, de um amor da qual você abre mão porque prefere o bem estar do outro do
que sua própria satisfação. Um amor que se perdeu por egoísmo, e que descobriu
como ser verdadeiro quando já era tarde. Tem que ter pelo menos uma música
fenomenal pra esse amor.
Mas também tem que ter musicas que encaram o meu lado podre, meu lado
revoltado. Sou temperamental (entre outros motivos) por que tenho muita indignação
dentro de mim. Tenho muito o que desabafar. Quero que as letras tenham um tom de
honestidade escrachada e meio ácida. Eu curto. Tipo, mostro minhas verdadeiras
cores sim, não fico só fingindo que sou uma boazinha com lição de moral pra dar.
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Quero também ter uma música só pros fãs, uma pra eles cantarem nos shows,
uma feita só pra eles. Uma homenagem bonita que deixe bem claro o quão
agradecida eu estou por eles me incentivarem, encorajarem e, muitas vezes, me
convencerem que vale a pena continuar na batalha.
(E seguia pra falar de estilo e referências...)
Os compositores foram muito pacientes comigo, e procuraram entender exatamente
quais sentimentos eu queria carimbar no meu som. Adaptaram, também, seus gostos e
estilos pessoais pra se ajustarem às características específicas do POP, dando uma
uniformidade a tudo que era criado. Depois, de uma forma orgânica ao longo do processo,
surgiram mais alguns compositores que colaboraram de diversas formas com o repertório
final, que foram: Cassiano Andrade, Nego Joe, Dudu Valle, Dan Torres, e meu lindo
papaizinho Billy Blanco Jr. Sou muito grata a todos eles, meus príncipes no cavalo branco,
pela paciência, sensibilidade e a dedicação que tiveram comigo. A alma é minha, mas o
talento é deles, e esse álbum não existiria sem a generosidade deles em me fornecê-­‐lo.
A canção Eu e o Tempo foi a primeira da lista. O Gabriel tinha me mandado um
esboço dela no ano anterior e eu implorei pra ele guardar a música pra mim. Pode ter sido
escrita por ele, mas ela sou eu totalmente. Decidi na hora que seria minha primeira música
e, sem falhar, ela foi a primeira a entrar na lista. Acrescentamos muita coisa pra deixar ela
assim, do jeito que você ouviu. Eu amo essa canção tanto que quis que vocês ouvissem ela
primeiro também, por mais que tenha uma sonoridade mais leve que o resto do CD. Para
mim, ela representa o meu atraso, a minha demora e as coisas que queremos, mas que nem
sempre vem, e a beleza que há nisso tudo. Ela representa o fim da espera, e o começo de
algo lindo; uma alma lavada prestes a se abrir.
Tenho muito o que dizer sobre cada canção, mas vou guardar pra quando elas
saírem, pra vocês poderem ouvir enquanto leem. Cada música foi escolhida a dedo e
efusivamente trabalhada em cima. Eu escrevi todos os nomes das possíveis candidatas em
post-­‐its e colei no meu espelho. Montei todo um mural de preferências e considerações. Eu
estudava esse mural diariamente, trocando os adesivos de lugar e sentindo uma alegria
extrema de ver o abstrato tomando forma.
Enquanto eu focava na parte criativa, pedi ajuda a três amigos produtores para
supervisionar o processo e administrar as coisas comigo: A Esther Oli, minha linda e fiel
escudeira, que desde a época de Lágrima Flor já planejava trabalhar comigo para sempre; a
Ty Prieto, minha quase irmã que amo e que queria muito trabalhar com produção; e o
Fabinho Campos, meu amigo gênio de produção com quem trabalhei no Se Eu Fosse Você e
prometi um dia roubar de lá. Os três toparam me ajudar e formaram uma pequena cúpula
que seria o início da minha equipe. De fato, aos poucos as coisas foram entrando no lugar.
Contei muito, também, com a Juliana Cerdeira e o Lucas, que filmaram e fotografaram uma
grande parte do processo de gravação pra nossa websérie que estreia em breve. Outras
pessoas que também colaboraram na filmagem, e a quem sou muito agradecida, são: o
Tchello, a Paulinha, o próprio Juliano, e a Marcellinha Rica.
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A entrada da Marcellinha no projeto se deu de uma forma inesperada e milagrosa.
Sabe esses momentos na vida em que algo cai do céu e você tem dificuldade de acreditar?
Eu contava pra ela, em conversas de amiga, sobre o que estava rolando, que eu estava
tocando meu projeto sozinha com a ajuda de uma pequena equipe, e que não sabia no que
daria. Ela tinha tantas ideias boas de possibilidades audiovisuais na web para sugerir, que
me dava dor de cabeça só de pensar em tocar mais coisas sozinha. Brinquei, “quer trabalhar
comigo?”. Ela não só topou, como trouxe o Clemente, um amigo nosso que estava
começando a gerenciar artistas musicais, que, por sua vez, trouxe a Rosângela, sua sócia
fofa e mega experiente do mercado. Apresentei meu projeto a eles (como havia feito
inúmeras vezes antes), e nem acreditei quando me disseram que queriam trabalhar comigo
e assumir toda a minha carreira musical. Fiquei tão feliz com aquela notícia que acho que
dormi melhor naquela noite do que nos últimos três anos. Finalmente o peso de me
empresariar sozinha tinha sido retirado dos meus ombros, e eu poderia focar na parte
criativa sem culpa ou preocupação alguma.
Os três formaram uma equipe que eu brinco chamando de A Trindade. Me
ensinaram sobre as mudanças atuais do mercado musical e me apresentaram um mundo
novo de possibilidades pra alcançar as pessoas com o meu trabalho. Contei da minha
vontade de ter um contato direto com quem quisesse me ouvir e um espaço pra eu dividir
tudo meu com essas pessoas. Formulamos juntos, então, nosso primeiro plano de ação que
consiste em todas as surpresas que vocês vão receber nas próximas semanas. Eles passaram
os últimos meses exaustivamente trabalhando para criar uma forma criativa e personalizada
de levar meu CD até vocês, e eu não poderia ter sido mais sortuda de ter eles comigo. Além
de ótimos profissionais, são pessoas lindas que amo ter por perto. Realmente, dessa vez a
sorte lembrou de vir.
Parte do nosso plano foi a construção da identidade visual. A Rô trouxe o designer
veterano e brilhante Luiz Stein pra roda, que generosamente topou nos honrar com seu
talento. Eu convidei o fotógrafo Vinicius Mochizuki, a minha maquiadora do coração e amiga
querida Vivi Gonzo, e a produtora de moda Camila Vianna, e juntos fizemos o ensaio
fotográfico mais divertido e feliz da qual já participei. Desse ensaio saíram a capa do disco, e
todo o material visual pro projeto que preparamos. Amei tudo num grau inacreditável. Na
hora em que mais precisamos dele, chegou o Rick Yates, o consultor de marketing
indispensável, pra fechar com chave de ouro a minha equipe dos sonhos. Às vezes no meio
de uma reunião, eu paro, olho pra eles, e me emociono com como, depois de toda minha
espera, consegui achar gente tão boa que acreditasse tanto em mim.
No estúdio com o Juliano, uma vez que fechamos o repertório, começamos o
processo das gravações. (Na verdade, as gravações começaram depois que as primeiras
cinco músicas ficaram prontas, e eu fiquei que nem uma louca pra fechar as outras cinco
enquanto também focava nas primeiras bases. Foram meses de muita adrenalina, pra dizer
o mínimo.) Começamos montando a estrutura de cada canção e definindo seu arranjo.
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Então mergulhávamos nas referências, e pescávamos caminhos de sonoridade pra cada
trecho. Depois, minuciosamente trabalhamos em cima de cada instrumento e programação,
estudando as possibilidades de timbre, de peso e de levada. O Juliano com todo seu talento,
experiência e paciência comigo, foi explicando tudo passo a passo, e me deixou acompanhar
e participar de cada detalhe. Foi uma aula e tanta, e ao fim de cada dia eu sentia uma
inquietude boa de ver mais um passo avançado.
Colocamos voz guia em cada base, conforme o esqueleto ficava pronto, e eu levei
todas pra sala de aula da professora de canto e fonoaudióloga Danielle Lima, que trabalhou
cada música comigo, cuidadosamente, corrigindo e aprimorando minha forma de cantá-­‐la,
exercitando minha voz pra fortalecê-­‐la e deixando saudáveis as cordas vocais. Devo a ela a
tranquilidade com que gravei as vozes solo no final do processo. Ganhei um nebulizador
portátil das minhas dedicadas e amadas fãs paulistas, e passei a fazer nebulização todos os
dias, o que só ajudou meu processo de preparação ainda mais.
Gravei as vozes oficiais do CD com um sorriso de orelha a orelha. O Juliano me dirigiu
atenciosamente e cuidou pra que cada take fosse escolhido com precisão. Eu cantei com
todo meu amor por aquilo que estava se formando e pelas letras que já eram parte de mim.
As participações especiais já tinham sido escolhidas antes das músicas existirem.
Quando o disco era só uma ideia no papel, os nomes já estavam anotados no meu caderno.
O Gugu Peixoto é um cantor de muita alma e lágrima, e possui uma das vozes masculinas
mais lindas que já ouvi. Ele é vocalista da banda Playmobille, da qual sou fã há pelo menos
seis anos. Já havia cantado comigo algumas vezes na época da Lágrima Flor, e eu sempre
quis gravar um dueto com ele. Ele aceitou meu convite quase dois anos antes de eu ir pro
estúdio e me cobrava sempre que me encontrava. Quando a canção Tanto ficou pronta, na
hora eu sabia que esse seria o nosso dueto. Ele amou a música e a interpretou tão
brilhantemente quanto eu tinha esperado. Amo quando eu sigo meu instinto e vejo que ele
estava certíssimo. Essa música nunca teria funcionado tão bem de outra forma.
A ideia de pedir pro Mika fazer um rap em alguma música minha, também tinha
surgido há muitos anos atrás. Gosto muito do trabalho solo do Mika, e adoro os raps que ele
faz e o swing que ele traz para as músicas. Escolhi a minha faixa com o arranjo mais POP, a
Vem Não Vem, e mandei pra ele. Ele adorou, aceitou o convite e veio paro o Rio gravar. Ele
fez a letra na hora, e eu dei gargalhadas de felicidade enquanto ele gravava. Realmente
ficou exatamente da forma que eu tinha imaginado, com todo o bom humor e a atitude
verdadeira dele. Fiquei muito feliz com o resultado!
Meus irmãos também foram uma concepção de tempos atrás, quando pirei na
música Home, do Phil Phillips, e me imaginei cantando o coro final com todos meus irmãos.
Essa vontade ficou comigo, e quando O Gosto do Amanhã ficou pronto, eu sabia que o final
dela tinha que ser representado por uma galera. Meus irmãos aceitaram, e, depois de
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alguma dificuldade em conciliar seis agendas (mais a do Juliano), nos reunimos todos,
Marisol, Dani, Estrela, Terrinha, Pedro, Ju e eu (ainda foram os agregados Guga, Ty e
Samara) na Nave e fizemos a maior bagunça de todas. Estou tão feliz que esse dia foi
filmado, porque são imagens e memórias que vou querer guardar pra sempre.
Paralelamente com todo o processo, ainda mergulhei em mais um projeto teatral. O
Igor Cosso terminou seu primeiro texto e me convidou pra montar com ele o espetáculo
Primeiro Sinal, que aceitei com ânimo. Fomos dirigidos pelo Ícaro Silva e o Fábio Cardoso, e
produzidos primeiro pela Marcela Nunes, depois pela Fabiana Mattar e a Debora Barreto.
Saímos em uma turnê nacional, que durou ao todo, cinco meses, e na qual me diverti muito.
Foi nessa turnê, ao revisitar algumas das cidades em que eu já tinha feito show, que tive a
chance de reencontrar alguns fãs queridos que iam ao teatro me levando flores, lembranças
e abraços apertados. A cada fila de atendimento fui ficando ainda mais inquieta pra tudo
ficar pronto e eu começar logo a viajar com meu show e cantar pra todos vocês que
queriam tanto gritar e fotografar no teatro, e que finalmente vão poder fazer à vontade.
Com o fim das gravações e as músicas prontas, começou o processo de mixagem,
que é a finalização da produção de um disco. Quem assumiu a missão foi o produtor
veterano e muito fera Vitor Farias, que cuidou com maestria das faixas tão esperadas.
Ontem fui ao estúdio ouvir as músicas prontas pela primeira vez e não consegui parar de
chorar. Meu coração está tão grande e grato por estar neste lugar que eu não me seguro.
Está tudo tão lindo que mesmo que ninguém mais queira ouvir meu CD, eu vou ficar
satisfeita porque tem um som que eu amo e que vou querer continuar ouvindo todos os
dias. Agora só falta a última fase da produção que é a masterização, que será feita pelo
também monstro musical Ricardo Garcia. Depois disso, é correr pro abraço!
“Tudo bate por você...”
Assim termina o relato da minha trajetória até este ponto. Tenho ainda muito pra
contar, mas isso vou guardando mais pra frente. Temos todo o tempo do mundo pra vocês
me conhecerem melhor. O que contei aqui não mostra quem eu sou, exatamente. Como
diria meu autor preferido, Eckhart Tolle: “aquilo que vivemos não é quem nós somos, é só
nossa história”. Mas acho que conhecendo minha história vocês terão mais facilidade de me
entender, de se relacionar comigo e de receber tudo que estou preparando.
São 4:45 da manhã no último dia de novembro, e estou sentada na sala da casa do
Guga sozinha (porque ele não aguentou acordado e subiu pra cama) ouvindo o leve barulho
da chuva vindo da janela atrás de mim. Completam-­‐se, agora, cinco dias inteiros em que não
faço mais nada além de escrever e estou muito aliviada que finalmente terminei. No dia
depois de amanhã vocês vão receber este arquivo junto com minha primeira música, Eu e o
Tempo, e tudo vai mudar. Tenho um pouco de medo, confesso. Mas não vim até aqui pra
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morrer na praia. Então venham, sejam bem-­‐vindos ao meu mundo, e que nossa jornada seja
doce.
Obrigada, sempre, por estarem aqui.
Lua
30 de novembro de 2015
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