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Miguel de Unamuno<br />
Os livros que amo são aqueles que se tornam meus companheiros vida afora. É o<br />
caso do livro Do sentimento trágico da vida, de Miguel de Unamuno. Lembrei-me<br />
dele, tirei-o da estante, passei os olhos. É uma brochura vagabunda, papel jornal,<br />
está todo desmilinguido, cheio de anotações. Fiquei feliz ao devorar de novo<br />
pedaços daquele homem que nunca vi, que já morreu. Quero repartir com vocês<br />
algumas das coisas que ele disse. “Pelo que me diz respeito, jamais de bom grado<br />
me entregarei, nem outorgarei a minha confiança a um condutor de povos que não<br />
esteja penetrado da ideia de que, ao conduzir um povo, conduz homens, homens<br />
de carne e osso, homens que nascem, sofrem e, ainda que não queiram morrer,<br />
morrem; homens que são fins em si mesmos e não meios...” “Não existe um só<br />
que, chegando a distinguir o verdadeiro do falso, não prefira a mentira que ele<br />
encontrou à verdade que um outro descobriu.” “A ciência é um cemitério de ideias<br />
mortas, ainda que delas saia a vida. Também os vermes se alimentam de<br />
cadáveres. Os meus próprios pensamentos, uma vez arrancados das suas raízes no<br />
coração, transportados para esse papel, são já cadáveres de pensamentos.”<br />
“Podemos ter um grande talento e sermos estúpidos de sentimentos e moralmente<br />
imbecis.”<br />
Literatura e filósofos<br />
Guimarães Rosa, perguntado sobre a relação entre os filósofos e a literatura, disse<br />
que os filósofos são assassinos da literatura com duas exceções: Unamuno e<br />
Kierkegaard.<br />
Visita médica<br />
Num evento em São Paulo, onde fui fazer uma fala, fiz um novo amigo: o dr. Milton<br />
de Arruda Martins, professor da USP. Ele é um desses professores raros, que vive<br />
para ensinar aos seus alunos, além da competência técnica, a ética e os<br />
sentimentos humanos que devem fazer parte do caráter de um médico. Tem<br />
tentado reformular a educação médica, inclusive a visita hospitalar, aquela em que<br />
o professor e seus alunos passam pelos doentes para estudar os seus casos.<br />
Fizeram uma classificação das visitas em três tipos. No primeiro tipo de visita, o<br />
professor e os alunos passam pelo enfermo, observam-no e o apalpam, sem nada<br />
dizer. Vão discutir o caso num outro lugar. O paciente fica mergulhado no mistério.<br />
No segundo tipo, professor e alunos discutem o caso na presença do doente, como<br />
se ele não estivesse presente, usando todas as palavras científicas que só os