19.10.2015 Views

Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Na alquimia, os elixires eram líquidos que tinham o poder de transformar metais<br />

baratos em ouro. E tinham o poder de prolongar a vida indefinidamente. Elixir<br />

Dória. Para quem comeu demais. Umas gotas pretas, amargas. Na figura da<br />

propaganda, um homem de boca aberta da qual saía a cabeça de um boi, com<br />

chifre e tudo. O Elixir Dória digeria até cabeça de boi... Eu ainda faço uso de um<br />

elixir, o Elixir Paregórico. Potentíssimo. Ação rápida. Contra cólicas. Sempre carrego<br />

um vidrinho em minhas andanças. Outro elixir era o Elixir de Inhame Goulart. Quem<br />

diria que dos inhames se podem extrair maravilhas curativas! E, por falar nisso,<br />

tinha um remédio com o nome de Maravilha Curativa. Quem seria capaz de resistir<br />

ao poder do nome? Não sei o que curava, mas que curava, curava... E o<br />

Phimatosan, para tosse, com o qual os meninos faziam uma brincadeira: “Caim<br />

matou Abel, Phi matou Zan, Esper matou Zoide...”. E que dizer das pílulas? Pílulas<br />

de Vida do dr. Ross, redondinhas, branquinhas, do tamanho de um caroço de uva.<br />

Dizia a propaganda: “pequeninas mas resolvem”. Resolvem o quê? Constipação<br />

intestinal, prisão de ventre. Havia os novatos que não acreditavam, as pílulas eram<br />

muito pequenas, e resolviam tomar logo cinco de uma vez. Ah! Pobres coitados,<br />

condenados a passar uma noite inteira sem poder dormir, correndo entre a cama e<br />

a privada... O Biotônico Fontoura. O nome está dizendo: bio = vida + tônico = que<br />

fortalece. Remédio que dá vida. Ficou famoso com a estória do Jeca Tatuzinho, que<br />

era um pobre caboclo que morava numa casinha coberta de sapé. Tomou o<br />

Biotônico, ficou forte, derrubou mato, ficou valente, deu murro em onça, ficou rico,<br />

os porcos e galinhas da sua fazenda todos usavam sapatos, para não terem<br />

verminose, fumou charuto. Naqueles tempos, o símbolo da riqueza não era ter<br />

BMW, era fumar charuto. Era comum se encontrar nos armazéns um quadro com<br />

duas metades. Na primeira metade, um magricela, esfarrapado, assentado no chão<br />

de um quarto vazio, cheio de teias de aranhas e ratos, com os dizeres: “Eu vendi<br />

fiado”. Na outra metade, um homem gordo, papada redonda, assentado numa<br />

poltrona, numa loja rica, “burra” aberta com dinheiro derramando, fumando um<br />

charuto, com os dizeres: “Eu vendi a dinheiro”. É, os tempos mudaram. Hoje só fica<br />

rico quem vende fiado. Prova disso são os cartões de crédito. Acho que vai chegar<br />

um tempo em que o dinheiro vai desaparecer. Apenas usaremos cartões e<br />

trabalharemos com números. Vai desaparecer o delicioso prazer de contar dinheiro<br />

com o dedo “pai de todos”, o dedo do prazer... Os valores monetários serão valores<br />

virtuais. E tinha o Xarope de Limão Bravo, Xarope São João, Salicilato de Bismuto,<br />

Pílulas de Lussen, Pílulas de Erva de Bicho, Violeta de Genciana. Compare esses<br />

nomes potentes com os nomes dos remédios de agora: Garasone, Lognox,<br />

Deiclogenon, Cetroloc, Flixotide, Vioxx (com dois “x” mesmo...), Celebra, Clo,<br />

Efexor XR, Clob-X, Buscopan, Amaril. Acho que outros nomes, mais poéticos, mais<br />

fantasiosos, teriam mais efeito.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!