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para quem Mozart é barulho. Sorri para a moça e falei sério: “Não, de verdade...”.<br />
Fui-me imaginando que ela estaria pensando que há pessoas com gosto musical<br />
muito esquisito...<br />
Coisas simples<br />
A poesia gosta mesmo é de coisas simples. Basta uma imagem banal. A Adélia<br />
Prado é especialista em fazer poesias com insignificâncias. Quiabos “chifre de<br />
veado”, ora-pro-nobis, tanajuras, galinhas, ovos, escamação de peixes, galinhas de<br />
bico aberto, a mãe cantando enquanto cozinhava exatamente arroz, feijão-roxinho<br />
e molho de batatinhas: com essas coisas ela faz poesia. Pois poesia é feito<br />
caleidoscópio: faz beleza com caquinhos de vidro. Por que é que os poetas são<br />
assim tão ligados às insignificâncias? Porque é com insignificâncias que a vida é<br />
feita. Pois eu escrevi sobre a insignificância de chupar laranjas... O Zé, marido da<br />
Adélia, me mandou e-mail imediato lá de Divinópolis, juntando-se a minha<br />
conversa sobre os jeitos de chupar laranja. E ele me disse que por lá os pobres<br />
também chupavam de gomo. Só que enfiavam o gomo inteiro na boca, depois<br />
cuspiam os caroços e engoliam o bagaço. Isso, por causa da prisão de ventre. Se<br />
eu escrevi e o Zé me respondeu é porque a amizade se faz com insignificâncias. Em<br />
Minas Gerais até jeito de chupar laranja é poesia...<br />
Beleza<br />
O filósofo russo Nicolas Berdjaev disse que no Paraíso não havia nem ética, nem<br />
ciência, nem política: só estética. Deus nos criou para a Beleza. E foi por isso que<br />
nos encheu de Amor. Para que dela não nos esquecêssemos...<br />
Olhar perturbado<br />
A poesia é uma perturbação do olhar. O poeta vê o que não está lá. Para ele, as<br />
coisas são transparentes, abrem-se para outros mundos. A Adélia Prado diz que<br />
Deus de vez em quando a castiga, tirando-lhe a poesia. Ela olha para uma pedra e<br />
vê uma pedra. William Blake, poeta inglês, escreveu um poema em que diz: “Ver<br />
um mundo num grão de areia e um céu numa flor silvestre...”. Octávio Paz<br />
descreve essa experiência: “Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo<br />
jardim; todas as tardes os nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado feito<br />
de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro<br />
mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos”. A Raposa<br />
começou a ver nos campos dourados de trigo batidos pelo vento o cabelo louro do