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Moça com brinco de pérolas<br />
... é um filme sobre uma tela do pintor holandês Vermeer, do século XVII. O filme<br />
não tem mistério, mortes, suspense, ação rápida. Tudo é devagar. A vida é<br />
devagar. Depressa, só a morte. É uma aprendizagem de ver. Trata-se de uma<br />
estória imaginada provocada pela visão dessa tela singela, o rosto de uma jovem<br />
com um brinco de pérolas. Como disse Bachelard, “o que se vê não pode se<br />
comparar ao que se imagina”. Vale, numa tela, a imaginação que ela provoca. Por<br />
isso, muitas pessoas de vista perfeita nunca viram realmente um quadro, embora o<br />
tenham visto. Falta-lhes imaginação. O autor da estória viu a tela Moça com brinco<br />
de pérolas e sua imaginação voou. Se me der na telha vou publicar de novo a<br />
estória que inventei ao meditar sobre uma outra tela de Vermeer, Mulher lendo<br />
uma carta. As telas de Vermeer põem paz na minha alma. Elas me reconduzem a<br />
um mundo de intimidade tranquila, de sombra e luz, de cores quentes, de falar<br />
baixo que não existe mais. É nesse mundo que mora a minha alma. Acostumados à<br />
ação rápida, é altamente provável que os jovens não consigam ficar até o fim. Não<br />
são culpados. Mas fico triste... Sugestão de um presente insólito para um<br />
adolescente: vá a uma livraria boa e compre um livro com telas de Vermeer da<br />
coleção Taschen. É barato. Quem sabe seu filho ou filha acabe se encantando...<br />
Mulher com uma vela<br />
Encontrei numa livraria de porão um cartão que me fascinou. É noite. Uma jovem<br />
segura uma vela sobre um fundo negro. A chama da vela está na horizontal, o que<br />
indica que há uma brisa soprando. A moça protege a chama com a sua mão. A luz<br />
da vela se filtra através de sua carne translúcida. De onde estará vindo o vento? A<br />
tela não explica. Mas a imaginação sugere. Para se ver bem não basta ter bons<br />
olhos. É preciso ter uma imaginação sensível. Ela abriu a porta de sua casa para<br />
alguém que bateu, o que explica a brisa. Quem poderia estar batendo à sua porta<br />
a tal hora da noite? Não se trata de um estranho porque ela está discretamente<br />
sorrindo, sem olhar diretamente nos olhos desse estranho que o pintor não pintou.<br />
É duvidoso que esse alguém invisível fosse o seu pai. O seu sorriso não é um<br />
sorriso que se oferece a um pai. Há uma pitada de pudor no seu rosto, ligeiramente<br />
inclinado... Seria o seu amado? Haviam marcado um encontro, ao abrigo dos olhos<br />
curiosos? Com certeza! Quem seria o seu amado? Provavelmente o pintor. O artista<br />
imortalizou na sua tela aquele momento de felicidade amorosa. O que é belo deve<br />
ser imortal. A prova de que ele imortalizou aquele momento está no fato de que<br />
hoje, séculos depois da morte dos dois, aquela cena continua a nos encantar... A<br />
arte não suporta o efêmero. Ela é uma luta contra a morte.