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Os apaixonados vivem num mundo maravilhoso de fantasia amorosa. Concordam<br />
com o Tom Jobim: “O nosso amor vai ser assim, eu pra você, você pra mim...”. Eles<br />
acreditam firme e honestamente que o casamento será a realização da sua paixão<br />
em toda a pureza da fantasia. Mas todo mundo sabe, menos os apaixonados, que<br />
na vida não acontece assim. As rotinas do dia a dia não combinam com fantasias<br />
amorosas. Casados os apaixonados na casinha pequenina, eles terão agora de lidar<br />
com uma porção de coisas banais e irritantes. Por exemplo, o pingo de xixi na<br />
tampa da privada... Alguém me contou que, na Alemanha, encontrou nos banheiros<br />
cartazes proibindo que os homens fizessem xixi da maneira clássica, macha, de pé.<br />
A ordem é fazer xixi assentado, como as mulheres. <strong>Faz</strong>er xixi assentado pode ser<br />
um golpe na autoimagem machista dos homens mas, sem dúvida, é uma solução<br />
para as tampas de privada molhadas com xixi. Milan Kundera, no seu livro Os<br />
testamentos traídos, faz um comentário sobre Madame Bovary, de Flaubert,<br />
indicando que naquele livro o autor fez uma descoberta “por assim dizer,<br />
ontológica: a descoberta da estrutura do momento presente”, que é feito pela<br />
“coexistência perpétua do banal e do dramático sobre o qual nossas vidas estão<br />
fundamentadas”. Muitos momentos terríveis nascem de coisas absolutamente<br />
banais, como uma tampa de privada respingada de xixi... Uma tampa de privada<br />
respingada de urina é um golpe definitivo na imagem do príncipe encantado pela<br />
qual a esposa estava apaixonada...<br />
Quer ser amado? Alugue os seus ouvidos<br />
A delícia dos livros está em que eles, repentinamente, nos abrem os olhos, e<br />
vemos então coisas que nunca havíamos visto. A diferença entre os textos<br />
científicos e os textos literários está em que, enquanto os textos científicos nos<br />
colocam diante da mesa metálica onde se dissecam os cadáveres, os textos<br />
literários nos colocam bem no centro da vida. Quando se lê literatura vive-se a vida<br />
de outras pessoas, em outros tempos, em outros lugares. Vidas que não existiram.<br />
Acabei de ler O livro do riso e do esquecimento, de Milan Kundera. Uma simples<br />
frase me deu um choque: “Nós escrevemos porque nossos filhos se<br />
desinteressaram de nós”. Sim, escrevemos porque somos seres solitários à procura<br />
de outros filhos. Ele conta a estória de uma jovem que trabalhava como garçonete<br />
num bar. Seu nome era Tamina. Tamina “fica sentada no bar, num tamborete, e<br />
quase sempre há alguém que quer conversar com ela. Todo mundo gosta de<br />
Tamina. Porque ela sabe ouvir o que lhe contam. Mas será que ela ouve mesmo?<br />
Ou não faz outra coisa senão olhar, muito atenta, muito calada? O que conta é que<br />
ela não interrompe a fala. Vocês sabem o que acontece quando duas pessoas<br />
conversam. Uma fala e a outra lhe corta a palavra: ‘é exatamente como eu, eu...’ e