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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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efeições! Com a técnica da comida dinâmica, um jantar termina em cinco minutos.<br />

Música dinâmica! A Nona sinfonia pode ser ouvida em dois minutos! Durma<br />

também dinamicamente! Você terá muito mais tempo para fazer outras coisas!<br />

Pessoalmente, eu estaria interessado em pesquisas para se desenvolver técnicas<br />

de ver televisão dinamicamente: programas de várias horas reduzidos a poucos<br />

minutos. O Pequeno Príncipe encontrou-se com um vendedor de pílulas para matar<br />

a sede. “Para que servem essas pílulas?”, perguntou o principezinho. Respondeu o<br />

vendedor: “Para economizar tempo. Já se fizeram pesquisas que mostram que, por<br />

semana, gastamos duas horas indo até o filtro para beber água. Se você tomar as<br />

pílulas contra a sede você não gastará esse tempo”, explicou o vendedor. “E o que<br />

é que eu faço com esse tempo?” “Com esse tempo você faz o que quiser...” O<br />

Pequeno Príncipe parou, pensou e concluiu: “Que bom! Se eu tiver duas horas livres<br />

eu quero ir vagarosamente, mãos nos bolsos, até a fonte para beber água...”.<br />

O pôr do sol e a orquídea<br />

O sol estava se pondo. O pôr do sol a fez lembrar-se do seu pai. E ela começou a<br />

falar. Ele estava mortalmente enfermo e sabia disso. Ela abandonou o seu trabalho<br />

para estar com ele. E conversavam sobre a partida que se aproximava.<br />

Tranquilamente. Aqueles que aceitam a chegada da morte ficam tranquilos. Disseme<br />

que a hora que seu pai mais amava era o crepúsculo. Desde menina, ele se<br />

assentava com ela e ia mostrando a beleza das nuvens incendiadas, a progressiva<br />

e rápida sucessão das cores, azul, verde, amarelo, abóbora, vermelho, roxo... À<br />

medida que a morte se aproximava, a fraqueza aumentava. Mas, mesmo fraco,<br />

queria ver o pôr do sol. Talvez pela irmandade de um homem que morre e um sol<br />

que se põe. Numa dessas tardes, ela não conseguiu conter as lágrimas. Chorou. Ele<br />

a abraçou e colocou seu dedo sobre os seus lábios. “Não quero que você chore...”<br />

E, apontando para o sol que se punha, disse: “Eu estarei lá...”. E contou-me<br />

também de uma orquídea que silenciosamente acompanhou esses momentos de<br />

despedida. A orquídea, depois que seu pai partiu para o pôr do sol, se recusou a<br />

parar de florir... Será que o seu pai foi morar na orquídea? É possível...<br />

Futebol I<br />

Onde se encontra a emoção do futebol? Será na sua beleza? Sim, é bom ver uma<br />

partida que se parece com um balé. Mas esse espetáculo coreográfico não faz o<br />

torcedor feliz. Uma partida que termina zero a zero é um tédio. O grito vem quando<br />

o gol acontece. É no gol que mora a alegria e... o sofrimento... A alegria do<br />

torcedor cujo time fez o gol é simétrica ao sofrimento do torcedor do time que<br />

sofreu o gol. Cada gol que se faz é uma afirmação de potência, enquanto cada gol

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