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preferência. Eles param para que o pedestre passe. Um amigo me contou de sua<br />
experiência em Munique: desceu da calçada, pôs o pé no asfalto e, para seu<br />
espanto, viu que todos os carros pararam para que ele atravessasse a rua. Sempre<br />
que paro meu carro para que o pedestre passe percebo a surpresa no seu rosto.<br />
Não acredita. É preciso que eu faça um gesto com a mão para que ele se atreva.<br />
Não é incomum ver um motorista acelerar o carro ao ver um pedestre atravessando<br />
a rua. Disseram-me que existe mesmo um videogame cuja sensação está em<br />
atropelar os pedestres. E a contagem é maior se o atropelado for um velho... As<br />
cidades voltarão a ser bonitas quando os motoristas compreenderem que o natural<br />
é andar a pé. Os pedestres devem ter sempre a preferência. No Brasil há uma<br />
cidade assim. Mas não estou bem certo... Acho que é Campo Mourão, no Paraná.<br />
Praias no inverno<br />
As praias, no inverno, são mais bonitas. Vocês já viram uma vaca coberta de<br />
carrapatos? É algo de dar dó... Pois assim são as praias no verão: os milhares de<br />
pessoas são carrapatos que infestam as areias brancas. No inverno, as praias são<br />
lisas, solitárias. Quase ninguém. Parece que os homens têm medo da solidão.<br />
Gostam mesmo é do falatório, do agito, do som... Prefiro a música do mar e do<br />
vento porque ela faz eco na minha alma. Não se ouvem vozes humanas. Apenas o<br />
pio dos pássaros. E os pensamentos vêm mansamente. Águas-vivas mortas – seria<br />
inútil jogá--las no mar novamente. Eram bonitas vivas, flutuando<br />
transparentes...Caranguejos de olhos saltados, andando de lado, fugindo para os<br />
buracos na areia. Parecem-se com certas pessoas que não conseguem andar para<br />
frente... Catar conchinhas... Eis aí uma deliciosa brincadeira para quem deseja ser<br />
escritor. A alma é um grande mar que vai depositando conchinhas no pensamento.<br />
É preciso guardá-las. Quem deseja ser escritor há de aprender com as crianças a<br />
catar conchinhas, pensamentos avulsos como esses com que estou brincando, e<br />
guardá-los num caderninho. De Camus, o livro que mais amo – e por isso mesmo<br />
releio sempre – são os seus Cadernos da juventude. Ali ele anotava o voo dos<br />
pássaros, uma trovoada, uma nesga azul no céu de tempestade, uma citação que<br />
lhe vinha à cabeça, um diálogo entre marido e mulher. Nietzsche também<br />
colecionava conchinhas que ele transformava em aforismos. O problema com os<br />
aprendizes é que eles pensam que literatura se faz com coisas importantes. O que<br />
torna a conchinha importante não é o seu tamanho, mas o fato de que alguém a<br />
cata da areia e a mostra para quem não a viu: “Veja...”. Literatura é mostrar<br />
conchinhas...