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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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poder. Eles são criminosos também por razões estéticas. Todos os homens<br />

desejam ser figuras lendárias, heróis, objetos de admiração, espanto ou mesmo de<br />

horror. A felicidade do criminoso quando a sua fotografia aparece na primeira<br />

página do jornal! Há um enorme prazer em se sentir temido e odiado. O horrendo<br />

pode ser belo. Também os criminosos se alimentam de fantasias narcísicas! Na<br />

Idade Média havia uma forma curiosa de punir os criminosos. Eles eram colocados<br />

em pelourinhos com cabeças e mãos presas numa peça de madeira. O pelourinho<br />

ficava numa praça pública. Ali ficavam os infratores, expostos ao riso e zombaria do<br />

povo. Essa situação de ridículo, imagino, se constituía num poderoso antídoto a<br />

quaisquer imagens heroicas que os criminosos pudessem ter de si mesmos. Não há<br />

narcisismo que resista à zombaria. Aí fiquei pensando se não haveria uma forma<br />

moderna de se aplicar esse castigo pedagógico e inspirado na psicanálise. O medo<br />

do ridículo é capaz de desencorajar muitas ações. Já imaginaram? Poderia haver<br />

praças dedicadas aos políticos corruptos, aos sequestradores, aos pedófilos, aos<br />

assassinos, etc., etc. Lá ficariam eles expostos ao riso público e, preferivelmente,<br />

com as partes pudendas à mostra. Se essa proposta é inviável, por razões práticas<br />

(não há praças em número suficiente, o número dos criminosos é muito grande), as<br />

autoridades competentes poderiam colocar na Internet um site com o nome de<br />

“Pelourinho”. Ali poderíamos ver a cara dos criminosos nas mais variadas versões.<br />

Aí o povo começaria a rir deles. Quem sabe os criminosos se regenerariam, por<br />

vergonha...<br />

Sobre direitos e avessos<br />

“Consulte sempre um advogado. Você tem direitos. Consulte sempre um<br />

psicanalista. Você tem avessos...”<br />

Emulsão de Scott<br />

Como é que uma coisa ruim vira coisa boa, e só é boa se continuar a ser ruim?<br />

Não, não pensem que endoidei. Vou contar o que aconteceu. Esses dias de outono,<br />

céu muito azul, um friozinho gostoso, as cores mais brilhantes... Me lembrei, com<br />

saudade, da minha infância em Minas. Lembrei-me que, quando chegava o mês de<br />

julho, mês de férias, era o tempo de tomar Emulsão de Scott. Para quem não sabe,<br />

Emulsão de Scott é um fortificante à base de óleo de fígado de bacalhau. Branco,<br />

pastoso, difícil de engolir, malcheiroso, gosto ruim. Vinha a minha mãe com a<br />

colher de Emulsão de Scott numa mão e uma tampa de laranja na outra, pra tirar<br />

gosto e cheiro. Pois não é que fiquei com saudade da Emulsão de Scott! Pensei,<br />

então, que eu gostaria de tomar Emulsão de Scott para voltar, na imaginação, à

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