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que se encontram fora do controle da razão, seria o fim da sua esperança de<br />
casamento. O pai da moça ficou furioso por sua petulância. E com um gesto<br />
definitivo pôs fim ao namoro. Esse relato me fez pensar. O que teria passado pela<br />
cabeça do pai da namorada? A única resposta que me ocorreu, resposta que só<br />
poderia ocorrer a um psicanalista, é que o pai se ofendeu porque o moço colocou<br />
as suas partes pudendas no mesmo lugar em que sua filha também colocava as<br />
suas partes pudendas. Diante dos seus olhos zelosos da pureza de sua filha teria<br />
ocorrido uma comunhão de partes pudendas nuas: as de sua filha e as do<br />
namorado. E ele imaginou que o namorado, ao olhar para a privada, tivesse<br />
imaginado: essa privada vê, diariamente, as partes deleitosas da minha amada.<br />
Que excitante! Moço atrevido, imoral e indecente. E, com essa conclusão, pôs fim a<br />
um amor... Tudo por causa de uma privada...<br />
Uma formiga<br />
Olhei para a tampa da minha escrivaninha. Vi uma formiga quase invisível. Não<br />
deveria ter mais que dois milímetros. A forma como corria indicava que estava<br />
perdida. Corria como tonta, em todas as direções. Pus os olhos de novo no micro.<br />
Escrevi. Olhei de novo. A pobrezinha continuava lá, correndo na mesma velocidade<br />
na direção da confusão. Ela não sabia onde está. Caiu, por obra de algum vento,<br />
nessa superfície lunar. Enfiei os cotovelos na mesa e fiquei a observá-la. Sua<br />
velocidade era assombrosa. Proporcionalmente, ela corre a uma velocidade maior<br />
que os bólidos de Fórmula Um. Pensei que aquela formiga era mais maravilhosa<br />
que o universo. O Manoel de Barros é mais radical: “o cu da formiga é mais<br />
importante que uma usina nuclear”.<br />
Sobre o ouvir<br />
O ato de ouvir exige humildade de quem ouve. E a humildade está nisso: saber,<br />
não com a cabeça mas com o coração, que é possível que o outro veja mundos que<br />
nós não vemos. Mas isso, admitir que o outro vê coisas que nós não vemos, implica<br />
reconhecer que somos meio cegos... Vemos pouco, vemos torto, vemos errado.<br />
Bernardo Soares diz que aquilo que vemos é aquilo que somos. Assim, para sair do<br />
círculo fechado de nós mesmos, em que só vemos nosso próprio rosto refletido nas<br />
coisas, é preciso que nos coloquemos fora de nós mesmos. Não somos o umbigo do<br />
mundo. E isso é muito difícil: reconhecer que não somos o umbigo do mundo! Para<br />
se ouvir de verdade, isso é, para nos colocarmos dentro do mundo do outro, é<br />
preciso colocar entre parêntesis, ainda que provisoriamente, as nossas opiniões.<br />
Minhas opiniões! É claro que eu acredito que as minhas opiniões são a expressão