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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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um banho. Se vocês quiserem ler um exemplo de absoluta incompreensão de<br />

Nietzsche leiam o que Coplestone, padre jesuíta, disse dele na sua história da<br />

filosofia.<br />

Críticos<br />

Penso que um crítico de arte, ao se pronunciar sobre uma tela, uma música, um<br />

livro, uma escultura, deveria ter o cuidado de não dizer: “Essa obra é medíocre”,<br />

“Essa obra é genial”. Ao escrever assim, ele está fazendo uma afirmação sobre a<br />

verdade daquela obra. Mas o fato é que ele não sabe a verdade de coisa alguma.<br />

Muitas obras de arte hoje consideradas geniais foram ridicularizadas pelos críticos<br />

da moda. Segundo Karl Popper, nem mesmo a ciência sabe a verdade. A ciência só<br />

dá “palpites provisórios”, que são constantemente modificados. É preciso que os<br />

críticos se reconheçam como “palpiteiros”. Um crítico dá os seus palpites, opiniões,<br />

impressões, sentimentos acerca da obra sobre a qual escreve. Assim, um crítico<br />

cuidadoso e ético deveria dizer: “Penso que essa obra é medíocre”, “Penso que<br />

essa obra é genial”. Porque assim ele estará honestamente comunicando os seus<br />

pensamentos sobre a obra e não a verdade sobre a dita obra. A sua crítica é<br />

apenas um pedaço dele mesmo, a “sua” obra de arte, as suas reações subjetivas à<br />

obra. Muitas obras que foram sentenciadas como medíocres por críticos do<br />

momento foram consideradas geniais posteriormente. Nos Primeiros cadernos, de<br />

Albert Camus (Lisboa, Livros do Brasil, p. 213), encontra-se o seguinte fragmento<br />

de uma carta que o escritor escreveu ao crítico literário A. R.: “Três anos para<br />

escrever um livro, cinco linhas para o ridicularizar – e citações falsas”. Albert Camus<br />

recebeu o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1957. A história provou que<br />

medíocre era o crítico.<br />

Estórias para crianças<br />

Frequentemente pessoas me perguntam sobre o “método” que uso para escrever<br />

uma estória para crianças. Houve uma que chegou a me perguntar sobre a “teoria”<br />

de que eu me valia... Coisa de gente acostumada aos jeitos universitários. Nem<br />

método nem teoria. Tudo começa com uma coceira. Coceira é coisa que incomoda.<br />

A coceira pode ser, por exemplo, a ansiedade de uma criança que vai ser operada.<br />

Ou a ansiedade de uma criança diante da sua diferença: ela se julga feia, é<br />

deficiente, tem um defeito físico. A dor da criança se transforma em coceira na<br />

gente. Aí eu começo a coçar e vou coçando, até sair sangue. Quando o sangue sai,<br />

a estória está pronta para ser escrita. Como dizia Nietzsche, é preciso escrever com<br />

sangue.

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